Livro Uva 20152 Raul Castro

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31ª Edição – 2015 RAUL CASTRO BRASIL Professor - CLF ENSAIOS Análise das obras UVA 2015.2

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  • 31 Edio 2015

    RAUL CASTRO BRASIL

    Professor - CLF

    ENSAIOS

    Anlise das obrasUVA 2015.2

  • COORDENAO EDITORIAL:COORDENAO GERAL:

    AUTOR:ASSISTNCIA EDITORIAL:

    COORD. DE PRODUO GRFICA :COORDENAO DE REVISO:

    EDIO DE ARTE:IMPRESSO:

    ACABAMENTO:

    Francisco Lcio Pontes FeijoCarlos AlbuquerqueRaul Castro BrasilSilvana CndidoAuriclio Rodrigues VasconcelosAndreline Coelho da SilvaAntonio Johnyslei Alves SampaioGrfica CLFGrfica CLF

    Todos os direitos reservados

    COLGIO LUCIANO FEIJO

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    Tel.: (88) 3112.1000www.lucianofeijao.com.br

    2015

    Impresso no Brasil

    Raul Castro Brasil

    Resumo das Obras - UVA 2015.2 31 edio Sobral: CLF, 2015

    Contedo: Literatura Brasileira - Ensaios

  • Caros alunos,

    Se hoje sei Literatura, porque estive escalando nos ombros de gigantes. Passei a amar Literatura nas beiras de um terceiro ano que me predestinava a um curso de Direito, comecei a ter professores que, quando entravam em sala, aos poucos, em doses moderadas, mostravam-me um pouco do saber literrio. E foi nas salas do mesmo colgio que hoje ensino, que me apaixonei perdidamente pelas letras, porque tive professores que ensinavam com tanto amor, afinco e destreza, que aquilo me cativou, havia horas que eu no sabia o que mais me encantava, o conhecimento que detinham ou amor com que ensinavam. Eles me concediam a ponta do iceberg, e me convidavam a mergulhar e descobrir o que havia por baixo, e l ficava a contemplar a maravilha de saberes que estavam alm de uma aula. Hoje tenho a honra de estar ao lado deles em profisso. No estou tentando aqui convenc-lo a fazer Letras, mas se quiserem tentar.... Enfim, tento a cada dia de meu magistrio transbordar esse mesmo amor, dedicao e saber, foi por isso que surgiu esse material, apresento-lhe aqui uma ponta do iceberg, um pouco dos cinco livros que a to almejada UVA nos indica, o que no os impedem de conhec-los melhor, de estud-los, sem ficar na loucura de qual pergunta a questo querer saber. Desfrutar um prazer imenso que ler na ntegra os romances romnticos, naturalistas e pr-modernistas. Ningum faz clculos por prazer, ningum faz equaes por amar Qumica, mas ler um bom livro, um bom romance... Talvez tenha sido por isso que optei pelas letras, porque descobri que, nas artes, pode-se faz-las com imenso prazer em ler, descobrir e estudar.

    Raul Castro.

    Apresentao

  • ROMANTISMO

    I. Escrava Isaura (Bernardo Guimares) ............................................. 10

    II. Iai Garcia (Machado de Assis) ..................................................... 28

    MODERNISMO

    III. Menino do Engenho (Jos Lins do Rego) ....................................... 94

    IV. Cacau (Jorge Amado) .................................................................. 94

    V. Olhai os Lrios do campo (rico Verssimo) ..................................... 94

    Sumrio

  • Tendo a Uva indicado dois livros romnticos, no podemos deixar de fazer algumas breves consideraes dessa escola literria que ir revolucionar o modo de se fazer Literatura.

    Grande o nmero de caractersticas que marcaram o movimento romntico, caractersticas essas que, centradas sempre na valorizao do eu e da liberdade, vo-se entrelaando, umas atadas s outras, umas desencadeando outras e formando um amplo painel de traos reveladores.

    Para aqui discuti-las, vamos seguir os aspectos considerados os mais significativos por Domcio Proena Filho em sua anlise dos estilos de poca na Literatura.

    1. Contraste entre os ideais divulgados e a limitao imposta pela realidade vivida. 2. Imaginao criadora. 3. Subjetivismo. 4. Evaso. 5. Senso de mistrio. 6. Conscincia da solido. 7. Reformismo. 8. Sonho. 9. F.

    10. Ilogismo. 11. Culto da natureza. 12. Retorno ao passado. 13. Gosto do pitoresco, do extico. 14. Exagero. 15. Liberdade criadora. 16. Sentimentalismo. 17. nsia de glria. 18. Importncia da paisagem. 19. Gosto pelas runas. 20. Gosto pelo noturno. 21. Idealizao da mulher. 22. Funo sacralizadora da arte.

    Acrescentem-se a essas caractersticas os novos elementos estilsticos introduzidos na arte literria: a valorizao do romance em suas muitas variantes; a liberdade no uso do ritmo e da mtrica; a confuso dos gneros, dando lugar criao de novas formas poticas; a renovao do teatro.

    O RomantismoUVA 2015.2

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  • O Romantismo Brasileiro

    Considera-se a obra Suspiros poticos e saudades, de Gonalves de Magalhes, publicada em Paris em 1836, como o marco inicial do Romantismo brasileiro.

    A poesia romntica brasileira passou por diferentes momentos nitidamente caracterizados. Essas diferentes vagas so apontadas pelos estudiosos, que agrupam os autores segundo as caractersticas predominantes em sua produo, dando destaque a essas tendncias. Embora alguns crticos estabeleam quatro, cinco e at seis grupos, observa-se que os aspectos apresentados em relevo podem ser assim reunidos:

    1 grupo chamado de primeira gerao romntica em que se destacam duas

    tendncias bsicas: o misticismo (intensa religiosidade) e o indianismo. A religiosidade marcante nos primeiros romnticos, enquanto o indianismo se torna smbolo da civilizao brasileira nos poemas de Gonalves Dias. Esse esprito nacionalista fez desabrocharem tambm poemas cuja temtica explorou o patriotismo e o saudosismo. Nomes que marcaram o perodo: Gonalves de Magalhes, Arajo Porto Alegre, Gonalves Dias.

    2 grupo a segunda gerao romntica por seu intimismo, tdio e melancolia,

    abraou o negativismo bomio, a obsesso pela morte, o satanismo. conhecida como gerao byroniana (numa aluso ao poeta ingls Lord Byron, um de seus principais representantes) e sua postura vivencial considerada o mal do sculo, por se tratar no apenas de um fazer potico, mas de uma forma autodestrutiva de ser no mundo. Destaques no perodo: lvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Junqueira Freire. Algumas das obras de Castro Alves permitem enquadr-lo no perodo. Sua viso da mulher, marcada pela sensualidade, distancia-se, porm, do lirismo idealizante que caracterizou as demais produes de poesia amorosa do perodo.

    3 grupo a terceira gerao romntica , voltada para uma poesia de

    preocupao social. Conhecida como condoreira (tinha como emblema o condor, ave que constri seu ninho em grandes altitudes) ou hugoniana (numa referncia a Vitor Hugo, escritor francs cuja obra de cunho social marcou o perodo), sua linguagem adquiria um tom inflamado, declamatrio, grandiloquente, carregada de transposies e de figuras de linguagem. Seus principais representantes, Castro Alves e Tobias Barreto, tm sua produo associada ao movimento abolicionista e republicano, respectivamente.

    O Romance Romntico

    Destaque especial teve no movimento romntico a narrativa romanesca. Foi por meio dos romances que a Europa marcou seu reencontro com o mundo medieval em que repousavam as razes das modernas naes europeias. Ali floresceram os ideais

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  • cavalheirescos que resgatavam na origem heroica a dignidade da ptria e se expressaram nos romances histricos. Encontram-se tambm as narrativas apoiadas no embate entre o Bem e o Mal, com a vitria do primeiro. No Brasil, o romance histrico se fez indianista na busca das razes da nacionalidade (no esqueamos que a independncia h pouco alcanada legou aos intelectuais romnticos o compromisso de construir a identidade nacional).

    O primeiro romance bem-sucedido na histria da Literatura brasileira foi A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844. Seu reconhecimento se deve ao fato de ter sido a primeira narrativa centrada em personagens brasileiros, com ambincia local.

    Os romances do perodo romntico foram construdos em torno de quatro grandes ncleos:

    os romances histricos, voltados para as relaes que fizeram o Brasil colnia; os romances indianistas, com a inteno de estabelecer nossas razes histricas,

    construiu-se em torno da idealizao da figura do ndio, transformado em heri nacional;

    os romances urbanos, com nfase nas relaes amorosas, foram o espao de revelao das preocupaes burguesas, sua noo de honra e o significado do dinheiro nas relaes estabelecidas;

    o romance sertanista ou regionalista, voltado para o mundo rural, veio a ser a abertura para uma das temticas mais significativas a desenvolver-se na literatura brasileira nos movimentos literrios que se seguiram ao Romantismo.

    Embora encontrados em muitos dos escritores do perodo, os romances assim caracterizados foram preocupao especial de Jos de Alencar, que se props a, atravs de sua obra, representar o Brasil em todas as suas facetas.

    Iai Garcia, de Machado de Assis, enquadra-se no romance urbano, enquanto Inocncia, enquadra-se no romance regionalista, mais a frente entenderemos melhor.

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  • RPIDAS ANLISES

    Escrito em plena campanha abolicionista (1875), o livro conta as desventuras de Isaura, escrava branca e educada, de carter nobre, vtima de um senhor devasso e cruel.

    O romance A Escrava Isaura foi um grande sucesso editorial e permitiu que Bernardo Guimares se tornasse um dos mais populares romancistas de sua poca no Brasil. O autor pretende, nesta obra, fazer um libelo anti-escravagista e libertrio e, talvez, por isso, o romance exceda em idealizao romntica, a fim de conquistar a imaginao popular perante as situaes intolerveis do cativeiro.

    O estudioso Manuel Cavalcanti Proena observa que: "Numa literatura no muito abundante em manifestao abolicionistas, obra de muita importncia, pelo modo sentimental como focalizou o problema, atingindo principalmente o pblico feminino, que encontrava na literatura de fico derivativo e caminho de fuga, numa sociedade em que a mulher s saa rua acompanhada e em dias pr-estabelecidos; o mais do tempo ficava retida em casa, sem trabalho obrigatrio, bordando, cosendo e ouvindo e falando mexericos, isto , enredos e intrigas, como se dizia no tempo e ainda se diz neste romance."

    O NASCIMENTO DO ROMANCE

    A publicao de romances em folhetins - os captulos aparecendo a cada dia nos jornais - j era comum no Brasil desde a dcada de 1830. A maior parte destes folhetins era composta por tradues de romances de origem inglesa, como as histrias medievais de Walter Scott, ou francesa, como as aventuras dos Trs Mosqueteiros, de Alexandre Dumas.

    Emocionados, os brasileiros acompanhavam as distantes aventuras de um Ivanho ou de um D'Artagnan, transportando-se, em esprito, para os campos e reinos da

    Anlise da Obra

    Bernardo GuimaresEscrava Isausa

    UVA 2015.2

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  • Europa.Embora fizessem sucesso junto ao pblico, os primeiros romances brasileiros,

    publicados em folhetim, no deixavam de ser considerados, pelos literatos "srios", como "uma leitura agradvel, diramos quase um alimento de fcil digesto, proporcionado a estmagos fracos."

    O romance, esse gnero literrio novo e "fcil", que foi introduzido na literatura brasileira por autores como Joaquim Manuel de Macedo e Teixeira e Sousa, ganharia status de literatura "sria" com a obra de Jos de Alencar.

    Os Romances Brasileiros

    Na dcada de 1840 comeam a aparecer alguns folhetins de autores nacionais, ambientados no Brasil. Teixeira e Sousa (1812-1861), considerado por muitos o nosso primeiro romancista, estria em 1843 com O Filho do Pescador.

    No ano seguinte, o jovem estudante de medicina, Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), surge com A Moreninha, o primeiro romance nacional "aprecivel pela coerncia e pela execuo". Em meio corrente aucarada dos nossos primeiros folhetinistas surge, j em 1852/53, a obra excntrica de um jornalista carioca de vinte e um anos chamado Manuel Antnio de Almeida (1831-1861).

    As suas Memrias de um Sargento de Milcias retratam de forma irnica a vida do Rio de Janeiro "no tempo do rei" Dom Joo VI e apresentam um contraponto cmico seriedade por vezes excessiva e inverossimilhana dos romances do Dr. Macedinho.

    A descrio do cenrio nacional

    O pblico interessava-se, portanto, cada vez mais por um romance de aventuras romnticas que apresentasse o cenrio brasileiro. O grande sucesso de pblico de O Guarani (1857), de Jos de Alencar, em que as aventuras de Peri e sua amada Ceclia se desenrolam em meio exuberante natureza fluminense, estimula os escritores a se voltarem para a apresentao da ambientao tipicamente nacional em suas obras.

    Na dcada de 70 essa tendncia nacionalista haveria de se consolidar, com o surgimento das obras de Franklin Tvora (1842-1888), autor de O Cabeleira (1876) e o Visconde de Taunay (1843-1899), autor de Inocncia (1872). nesse cenrio literrio que aparece, em 1875, um dos maiores sucessos de pblico do perodo: A Escrava Isaura, que explora uma das questes mais polmicas da sociedade brasileira da poca, a escravido..

    Foco Narrativo

    O foco narrativo do livro Escrava Isaura na terceira pessoa.

    Tempo e Espao

    O autor localiza a narrativa em uma temporalidade histrica: "Era nos primeiros anos do reinado do Sr. D. Pedro II". Este pargrafo lana o leitor em uma temporalidade

    Escrava Isaura |Bernardo Guimares 11

  • apenas familiar para os leitores da poca da publicao do romance. Ele foi publicado na dcada de setenta do sculo XIX, durante o imprio do Sr. D. Pedro II.

    No pargrafo seguinte, o leitor enviado para um espao banal, o espao do municpio de Campos de Goitacazes. Este municpio foi um dos centros da economia escravagista do sudeste.

    Conduzindo o leitor pelo olhar, o narrador descreve a fazenda situada margem do rio Paraba, a pouca distncia da vila de campos. O olhar do narrador pe a arquitetura da fazenda, tendo como centro do palco a casa-grande e as senzalas, em uma paisagem brasileira que lembra, de uma outra maneira, a descrio maravilhosa da descoberta do Brasil na Carta de Pedro Vaz de Caminha. Neste Jardim das delcias senhorial, o leitor descobrir, se tiver vontade de ver, uma verso ficcional do regime oligrquico de poder do Brasil-Nao funcionado ao lado da potica da natureza de Bernardo de Guimares. O poder oligrquico e a potica da natureza brasileira so os dois objetos que remetem o leitor para a temporalidade histrica do romance. Escrito na campanha abolicionista (1875). O autor pretende, nesta obra, fazer uma acusao documentada anti - escravo e da liberdade. O autor explorou uma das questes mais polmicas da sociedade brasileira da poca: a escravido.

    Linguagem

    O tratamento exageradamente romntico que o autor aplica neste livro faz com que tenha um carter mais de lenda do que de realidade, ao contrrio de seus outros romances, como O Ermito de Muqum (1864), O Seminarista (1872) e O Garimpeiro(1872). Nessas obras, a descrio regionalista do ambiente fsico e social proporciona mais verossimilhana trama.

    Em A Escrava Isaura, o excesso de imaginao traduz-se em "idealizao descabida", como afirma Antonio Candido, que se concretiza no plano da linguagem em descries repetitivas e mecnicas das personagens, com abuso de adjetivos redundantes. Observe-se a descrio de Isaura quando se senta ao piano no salo de baile, em Recife:

    "A fisionomia, cuja expresso habitual era toda modstia, ingenuidade e candura, animou-se de luz inslita; o busto admiravelmente cinzelado ergueu-se altaneiro e majestoso; os olhos extticos alavam-se cheios de esplendor e serenidade; os seios, que at ali apenas arfavam como as ondas de um lago em tranqila noite de luar, comearam de ofegar, trgidos e agitados, como oceano encapelado; seu colo distendeu-se alvo e esbelto como o do cisne, que se apresta a desprender os divinais gorgeios. Era o sopro da inspirao artstica, que, roando-lhe pela fronte, a transformava em sacerdotisa do belo, em intrprete inspirada das harmonias do cu."

    Temtica Central

    A temtica est ligada a essa passagem: Demais no tive preocupao literria ao compor essas pginas. Procurei contar a vida dos trabalhadores das fazendas de cacau.

    12 Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • No sei se desvirtuei esse trabalho contando meu caso com a filha do patro. Mas isso entrou no livro naturalmente, apesar de no ter sido convidado. Um dia talvez eu volte s fazendas de cacau. Hoje tenho alguma coisa a ensinar. Se eu no voltar, Colodino voltar.

    Essa vai ser a grande diferena que o leitor vai notar nas obras regionalistas, as obras naturalistas destacavam problemas mais gerais: o preconceito, a homossexualidade, j os regionalistas, alm da fuga do urbano para o rural, aplicavam seu foco literrio sobre a regio destacando problemas que s ali haviam para que a sociedade visse o que se passava ali.

    Personagens

    A construo dos personagens simples. Eles so facilmente indentificveis e no mudam seu comportamento nem suas caractersticas. Maniquestas, os envolvidos na trama so bons ou maus e permanecem nessa condio no transcorrer da histria.

    Isaura: a personagem central do romance. Filha da escrava Juliana e do bom feitor Miguel, Isaura dcil, formosa, educada, letrada e repleta de dons artsticos. Escrava submissa, ela suporta o assdio de Lencio, filho do comendador Almeida, porque acredita que s deve se entregar a um homem por amor. Veja a descrio de Isaura:

    Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moa (...) A tez como marfim do teclado (...) O colo donoso e do mais puro lavro sustenta com graa inefvel o busto maravilhoso. Os cabelos soltos e fortemente ondulados se despenham caracolando pelos ombros em espessos e luzidios rolos.

    Lencio: O vilo da trama. Filho nico do comendador Almeida, o dono da fazenda situada em Campos dos Goitacases (RJ), uma criana difcil, que cresce e se torna um homem inescrupuloso. Casa-se com a rica Malvina, mais incansvel na perseguio a Isaura. Veja a descrio de Lencio:

    Mau aluno e criana incorrigvel, turbulento e insubordinado, andou de colgio em colgio (...) Matriculado na escola de medicina, logo no primeiro ano enjoou-se daquela disciplina, e como seus pais no sabiam contrari-lo, foi-se para Olinda a fim de frequentar o curso jurdico. Ali, depois de ter dissipado no pequena poro da fortuna paterna na satisfao de todos os seus vcios e loucas fantasias, tomou tdio tambm aos estudos jurdicos.

    lvaro: i bom moo da histria. Conhece Isaura quando esta foge com o pai para Recife. Tornam-se amigos e em pouco tempo a amizade d lugar a um profundo amor. Por princpio, lvaro abolicionista e, como prova, emancipa todos os escravos que eram herana da fazenda de seus pais. Leia algumas caractersticas enumerdas pelo escritor sobre lvaro:

    Era um desses entes privilegiados, sobre quem a natureza e a fortuna parece terem querido despejar porfia todo o cofre de seus favores. Filho nico de uma distinta e

    13Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • opulenta famlia (...) Era de estatura regular, esbelto, bem-feito e belo (...) Tinha dio a todos os privilgios e distines sociais, e escusado dizer que era liberal, republicano e quase socialista.

    Miguel: Pai de Isaura. Feitor da fazenda do comendador Almeirda, coloca-se ao lado da filha e a protege da perseguio de Lencio.

    Juliana: Me de Isaura. Linda mulata, a criada predileta da esposa do comendador Almeida. Morre jovem em razo dos castigos praticados pelo comendador.

    Malvina: A esposa de Lencio. Filha de um rico negociante da corte, um formosa e elegante dama da sociedade.

    Henrique: O irmo de Malvina. Estudante de medicina, tem dignidade e bom corao, mas tambm tenta seduzir Isaura.

    Belchior: o jardineiro da fazenda. Torto, de cabea grande, tronco raqutico e pernas arqueadas, Belchior apaixonado por Isaura. Tem o costume de dar flores mulher cujo amor no correspondido.

    Comendador Almeida: Pai de Lencio e dono da majestosa fazenda. Com idade avanada e cheio de enfermidades, ele delega a administrao da fazenda ao filho.

    Rosa: uma amante de Lencio. Linda e esbelta, passa a nutrir dio por Isaura depois que esta vira a menina dos olhos de Lencio.

    Andr: o pajem de Miguel. Atrado pela beleza de Isaura, tambm tece galanteios filha do feitor, que o afasta de imediato.

    Dr. Geraldo: Amigo de lvaro. Advogado conceituoso, o ponto de equilbrio para lvaro ponderar suas atitudes em relao condio de Isaura como escrava.

    Martinho: um espio que presta servio a Lencio. Ganancioso, ele descobre Isaura no baile e conta a seu senhor com o objetivo de ganhar muito dinheiro.

    Vejamos como Guimares descreve sua herona:

    A tez como o marfim do teclado, alva que no deslumbra, embaada por uma nuana delicada, que no sabereis dizer se leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada. (.) Na fronte calma e lisa como o mrmore polido, a luz do ocaso esbatia um rseo e suave reflexo; di-la-eis misteriosa lmpada de alabastro guardando no seio difano o fogo celeste da inspirao.

    Lencio o vilo leviano, devasso e insensvel que, de "criana incorrigvel e insubordinada" e adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e inescrupuloso, casando-se com Malvina, linda, ingnua e rica, por ser "um meio mais suave e natural de adquirir fortuna". Persegue Isaura e se recusa a cumprir a vontade de sua me, j falecida, que queria dar a ela a liberdade e alguma renda para viver com dignidade.

    14 Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • lvaro um rico herdeiro, cavalheiro nobre e de carter impecvel, que "tinha dio a todos os privilgios e distines sociais, e escusado dizer que era liberal, republicano e quase socialista"; um jovem de idias igualitrias, idealista e corajoso para lutar contra os valores da sociedade a que pertence. Sua conduta moral assim descrita pelo autor:

    Original e excntrico como um rico lorde ingls, professava em seus costumes a pureza e severidade de um quacker. Todavia, como homem de imaginao viva e corao impressionvel, no deixava de amar os prazeres, o luxo, a elegncia, e sobretudo as mulheres, mas com certo platonismo delicado, certa pureza ideal, prprios das almas elevadas e dos coraes bem formados.

    Apaixonado por Isaura, o grande obstculo que lvaro precisa vencer o fato de ser Isaura propriedade legtima de Lencio. Para isso, vai corte, descobre a falncia de Lencio, adquire seus bens e desmascara o vilo. Liberta Isaura e casa-se com ela, desafiando, assim, os preconceitos da sociedade escravocrata.

    Nos demais personagens o processo de construo o mesmo. Miguel, pai de Isaura, foge do conceito tradicional do mau feitor. Quando feitor da fazenda de Lencio, tratara bem aos escravos e amparara Juliana, me de Isaura, nas suas desditas com o pai de Lencio. Pai extremoso, deseja libertar a filha do jugo da escravido e no mede esforos para isso.

    Martinho o prottipo do ganancioso: cabea grande, cara larga, feies grosseiras e "no fundo de seus olhos pardos e pequeninos,. reluz constantemente um raio de velhacaria". Por querer ganhar muito dinheiro entregando Isaura ao seu senhor, acaba por no ganhar nada.

    J Belchior o smbolo da estupidez submissa e tambm sua descrio fsica se presta a demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e corcunda. O crtico Manuel Cavalcanti Proena aponta "o parentesco entre o disforme e grotesco (de gruta) Belchior, e o Quasmodo de O Corcunda de Notre Dame, de Vctor Hugo, romance de extraordinria voga, ainda no de todo perdida, no Brasil."

    O Dr. Geraldo um advogado conceituado, que serve como fiel da balana para lvaro, j que procura equilibrar os arroubos do amigo, mostrando-lhe a realidade dos fatos.

    Quando lvaro, revoltado com a condio de Isaura e indignado com os horrores da escravido, dispe-se a unir-se a ela, mesmo sabendo que escandalizaria a sociedade, Geraldo retruca lucidamente que a fortuna de lvaro lhe d independncia para "satisfazer os teus sonhos filantrpicos e os caprichos de tua imaginao romanesca". O que no , na verdade, caracterstica restrita apenas sociedade escravocrata do sculo XIX.

    RESUMO

    Em uma bela fazenda, no municpio de Campos de Goitacases (RJ), morava Isaura, uma linda escrava de cor de marfim. Isaura era filha de uma bonita escrava que por no se sujeitar aos srdidos desejos do senhor comendador Almeida (dono da casa) sofreu as mais terrveis privaes. Esta escrava teve um caso com o feitor Miguel, que era um bom

    15Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • homem e no aceitou castig-la como mandou o seu senhor, sendo Isaura fruto desse relacionamento. Isaura foi educada pela mulher do comendador, e era dotada de natural bondade e candura do corao alm de saber ler, escrever, italiano, francs e piano. A mulher do comendador tinha desejo de libertar Isaura, porm no fazia para conserv-la perto e assim ter companhia.

    O Sr. Almeida se aposenta, retirando-se para a corte e entrega a fazenda a seu filho Lencio. Este era digno herdeiro de todos os maus instintos e devassido do comendador.

    Casou-se por especulao. Nutre por Isaura o mais cego e violento amor. Ele chega fazenda com sua mulher - Malvina - e seu cunhado - Henrique. Malvina era mulher dcil e tratava Isaura muito bem. Henrique era um filho rico, estudante de medicina, e tambm ficou tocado pela beleza de Isaura. Morre a me de Lencio sem deixar testamento que libertasse Isaura.

    Henrique rapidamente percebe as intenes de Lencio para com Isaura. Temendo que ele traia sua irm, adverte que no vai tolerar tal ato. Henrique se oferece como amante para Isaura e daria em troca sua liberdade. O jardineiro da fazenda, um ser disforme e desprezvel, tambm se oferece como amante. Isaura no d ateno a essas propostas, e diz nunca casar sem amor. Lencio avistado por Henrique e Malvina quando fazia semelhante proposta Isaura. Malvina sentencia: ou ela (Isaura) ou eu.

    No mesmo momento da calorosa discusso, aparece o pai de Isaura com o dinheiro suficiente, uma enorme quantia de 10 contos de ris, para comprar a liberdade dela conforme havia prometido o comendador Almeida. Lencio no aceita o dinheiro e d desculpas.

    Morre o pai de Lencio e ele finge imensa tristeza por dias, e fica temporariamente sem brigar com a mulher. Passado certo tempo, Malvina continua a presso para libertar Isaura. Com as desculpas e adiamentos de Lencio, ela decide voltar para casa do seu pai. A sua sada era caminho livre para os intentos indecentes de Lencio. Como Isaura continuava a resistir, Lencio ameaa com torturas. Miguel, sabendo do acontecido, decide fugir com Isaura para o Norte.

    Chegando a Recife, Isaura muda seu nome para Elvira e Miguel para Anselmo (para ningum os descobrirem) passando a morarem numa chcara no bairro de Santo Antnio. lvaro era um moo rico, filho de uma distinta e opulente famlia, liberal, republicano e abolicionista ao extremo.

    Ele avista Isaura ao passear perto da sua chcara e a conhece, passando a visit-la constantemente. lvaro se utiliza de todos os meios para convencer Isaura a ir a um baile com ele. Isaura no queria ir para no enganar a sociedade e iludir o seu amante. Ela por diversas vezes tentou contar a lvaro que se tratava de uma escrava fugida, mas no tinha coragem.

    No baile, Isaura se destaca no meio de todas as mulheres devido a sua beleza e por tocar muito bem piano. Contudo, reconhecida por Martinho - um estudante de srdida ganncia e esprito de cobia - que havia guardado um anncio de escravo fugido. Ele provoca um escndalo durante o baile e Isaura confessa diante de toda a sociedade se tratar de uma escrava. lvaro, no obstante, defende Isaura das mos imundas de

    16 Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • Martinho. Martinho, sem conseguir lev-la, escreve para Lencio informando que havia achado sua escrava.

    Graas valiosa interveno de lvaro, Miguel e Isaura continuam na sua chcara em Santo Antnio na espera das aes que ele havia prometido tomar. Isaura conta que fugiu para escapar do amor de um senhor cruel. Enquanto lvaro se encontrava na chcara, Lencio aparece para sua surpresa e exige levar Isaura. Lencio encontrava-se munido de um mandado de priso contra Miguel e guardas para levar sua escrava.

    A apario seguida de forte discusso e lvaro avana contra Lencio. A briga cessada com a apario de Isaura que se entrega ao seu senhor.

    Isaura volta fazenda onde fica na mais completa recluso. Lencio volta para Malvina, pois iria precisar do seu dinheiro. Miguel ludibriado na cadeia e convencido

    a tentar persuadir Isaura a se casar com Belchior, o jardineiro da fazenda, em troca da liberdade sua e da filha.

    Isaura aceita o sacrifcio, pois estava sem foras e sem esperana. Lencio j havia tomado todas as providncias para o casamento, quando informado que alguns cavalheiros chegaram. Pensando se tratar do vigrio e do tabelio, manda eles entrarem. Fica surpreso ao ver lvaro. Este tinha ido ao Rio de Janeiro e descobre com alguns comerciantes que Lencio estava falido. Compra os seus crditos e fica dono de toda a dvida de Lencio.

    lvaro fala para Lencio que nada mais o pertence, que toda a sua fazenda incluindo os escravos passava a ser dele com a execuo dos dbitos. Isaura abraa lvaro. Lencio jura que nunca ir implorar a sua generosidade para abrandar a dvida. Ele se ausenta da sala e se mata.

    Exerccios sobre o romance

    01. Em poucas palavras o livro se resume em: a. Estudos sobre o culto, o direito, as instituies da Grcia e de Roma.b. No livro so contadas as aventuras e desventuras de uma bela escrava mestia em

    busca de sua liberdade.c. Reporta-se um episdio da Histria do Brasil: a luta travada entre as cidades de

    Olinda e Recife, nos anos de 1710 e 1711.d. Conta a histria de Macaba, personagem protagonista, vinda de Alagoas para o

    Rio de Janeiro, onde vivia com mais quatro colegas de quarto, alm de trabalhar como datilgrafa.

    02. O vilo leviano, devasso e insensvel que, de "criana incorrigvel e insubordinada" a adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e inescrupuloso era:a. lvarob. Belchior c. Dr. Geraldod. Lencio

    17Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • 03. A protagonista e antagonista so, respectivamente:a. Isaura e Belchior b. Rosa e lvaro c. Isaura e Miguel d. Isaura e Lencio

    04. Uma linda escrava de cor de marfim, Isaura, morava em uma magnfica fazenda, no municpio de Campos de Goytacazes, no estado de:a. So Paulo b. Bahia c. Rio de Janeiro d. Par

    05. Qual era o nome que Isaura atendia em seu disfarce, quando estava em Recife?a. Elvira b. Tomsia c. Rosa d. Josefa

    06. Apaixonado por Isaura, o grande obstculo que lvaro precisa vencer o fato de ser Isaura propriedade legtima de Lencio. Como ele resolve isso?a. Tratara bem aos escravos e amparara Juliana, me de Isaura, nas suas desditas

    com o pai de Lencio.b. No deixava de amar os prazeres, o luxo, a elegncia, e, sobretudo as mulheres.c. Dispe-se a unir-se com Isaura, mesmo sabendo que escandalizaria a sociedade.d. Vai corte, descobre a falncia de Lencio, adquire seus bens e desmascara o

    vilo. Liberta Isaura e casa-se com ela, desafiando, assim, os preconceitos da sociedade escravocrata.

    07. A Escrava Isaura um romance de:a. Carlos Drummond b. Machado de Assis c. Bernardo Guimares d. Clarisse Lispector

    08. O autor pretende, nesta obra, fazer uma acusao documentada:a. Discriminao social b. anti-escravo e da liberdade c. Desvio de verbas d. Problemas sociais

    09. O autor explorou uma das questes mais polmicas da sociedade brasileira da poca relativas a:

    18 Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • a. Drogas b. tica e cincia c. A escravido. d. Religio.

    10 . Quem sofre um amor impossvel por Isaura?a. Belchiorb. lvaroc. Lenciod. Comendador Almeida

    11. Com quem Isaura era comparada?a. Deusa Vnusb. Iracemac. Atenasd. Hera

    12. Leia com ateno o trecho extrado de A Escrava Isaura, de Bernardo Guimares. Assinale a alternativa INCORRETA a respeito da obra. Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moa. As linhas

    do perfil desenham-se distintamente entre o bano da caixa do piano e as bastas madeixas ainda mais negras do que ele. So to puras e suaves essas linhas, que fascinam os olhos, enlevam a mente e paralisam toda anlise. A tez como o marfim do teclado, alva que no deslumbra, embaada por uma nuana delicada, que no sabereis dizer se leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada. (...) Os encantos da gentil cantora eram ainda realados pela singeleza, e diremos quase pobreza, do modesto trajar. (GUIMARES, 2002, p. 19.)

    a. O trecho ilustra a caracterstica romntica de exaltao da mulher, por meio de descries minuciosas que destacam a beleza fsica.

    b. O retrato de mulher apresentado no incio do livro corresponde ao projeto ideolgico manifestado pelo autor de valorizao da beleza e da cultura negras.

    c. O trecho evidencia o carter subjetivo do romance romntico, em que se destacam as impresses pessoais do narrador e o excesso de adjetivos.

    d. O retrato de mulher apresentado no trecho representa os ideais romnticos de beleza feminina, que d nfase beleza frgil e contemplativa

    Da questo 13 a 17, voc vai usar o texto abaixo.

    Texto crtico"Embora seja importante indagar das razes por que pblico brasileiro dos anos de

    1870 avidamente leu e com entusiasmo aplaudiu "A Escrava Isaura", razes que encontram o principal motivo em onda ento crescente de sentimento abolicionista convenhamos em que muito mais importante o comportamento desse pblico , para a

    19Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • crtica, a natureza desse romance.Mesmo lido com simpatia, "A Escrava Isaura" no resiste crtica. Seu enredo

    resulta em ser inverossmel, tais e tantos so os expedientes primrios do Autor, usados para conduzir por determinados caminhos e para desenlace preestabelecido: em freqentes ex-abruptos, mudam os sentimentos dos protagonistas com relao bela e desditosa Isaura, e assim de protetores se transformam de pronto em prfidos algozes, servindo linha dramtica premeditada pelo ficcionistas; no menos precipitada e artificialmente se engendram e desenrolam as situaes ou episdios concebidos sempre com a inteno de marcar "passus" da vida "crucis" da desgraada herona, que, por fim, mais arrastada pelo autor que pelas foras do drama que vive, encontra no alto do seu calvrio, ao invs do sacrifcio final (o que teria dado ao romance verossimilhana e fora), a salvao e a felicidade de extrema.

    To primrio e artificial quanto enredo que domina a obra, dando-lhe tpica estrutura novelesca ou romanesca, , no digo a concepo, mas o modo de conduzir personagens: Isaura, Malvina, Rosa, Lencio, lvaro, Belchior, Andr, o Dr. Geraldo, Martim e Miguel, se tm peculiaridades fsicas e morais que os caracterizam suficientemente e os individualizam na galeria das personagens da fico romntica, se ocupam posies bem "marcadas" no palco dos acontecimentos, decomposto em dois cenrios (uma fazenda de caf da Baixada Fluminense e o Recife), no chegam contudo, a receber suficiente estofo psicolgico: da a impresso que deixam, no apenas de smbolos dramticos quase vazios, seno que tambm tteres (v l a cansada imagem) conduzidos pelo autor, para esta ou aquela ao indispensvel, a seu ver, s suas principais intenes".

    (Antnio Soares Amora, "O Romantismo", vol. II da A Literatura Brasileira).

    13. Segundo o texto:a. "A Escrava Isaura" consagrou-se como um bom romance por causa da aceitao

    que teve entre o pblico leitor de 1870.b. "A Escrava Isaura" no um bom romance porque o pblico leitor de 1870 o leu

    avidamente e o aplaudiu com entusiasmo.c. O leitor deve ter muito cuidado ao ler ou aplaudir um romance, pois poder

    consagrar uma obra medocre.d. "A Escrava Isaura" no um bom romance para a crtica, embora o pblico o haja

    lido com entusiasmo, movido pelo sentimento abolicionista.

    14. Antnio Soares Amora diz-nos, no texto, que:a. a crtica, ao avaliar um romance, baseia-se na natureza da obra e no

    simplesmente nas reaes do pblico leitor;b. a crtica ataca os romances que cativam a simpatia e o entusiasmo dos leitores;c. Bernardo Guimares, ao escrever seu romance "A Escrava Isaura", no se

    preocupou com a crtica e, sim, com a Abolio;d. muito difcil a crtica avaliar romances de grande popularidade e aceitao;e. romance da natureza para a crtica muito mais importante do que o

    comportamento do pblico leitor.

    20 Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • 15. Ainda, de acordo com o texto:a. enredo inverossmel de "A Escrava Isaura" resulta de um autor primrio que se

    perde nos caminhos escolhidos para um fim determinado;b. os protetores de Isaura transformam-se em seus algozes, crucificando-a no final

    do romance;c. os recursos empregados pelo Autor foram um defeso preestabelecido;d. a parte mais inverossmel do romance a que assinala os "passus" da "via crucis"

    de Isaura;e. embora reconhecesse a inverossimilhana do drama, o autor via nela a salvao e

    felicidade extrema da herona.

    16. De texto conclumos que:a. de tal modo os episdios de "A Escrava Isaura" so dominados pela precipitao

    e artificialidade, que a ao resulta muito mais da insero do Autor do que das foras do conflito;

    b. a tpica estrutura novelesca de "A Escrava Isaura" caracteriza-se pelo desenvolvimento do enredo, pela concepo das personagens e pelo desfecho;

    c. em "A Escrava Isaura" o Autor vive um drama cujas foras o arrastam a um calvrio onde encontra, em vez do sacrifcio final, a sua felicidade;

    d. a bela e desditosa Isaura muda os sentimentos dos protagonistas, levando-os ao sacrifcio final, no alto do calvrio;

    e. para a herona muito mais importante encontrar a salvao e a felicidade extrema do que o sacrifcio final, no alto do Calvrio.

    17. O texto afirma que:a. as personagens Isaura, Malvina, Rosa, Lencio, lvaro, Belchior, Dr. Geraldo,

    Martim e Miguel so suficientemente caracterizados fsica, moral e psicologicamente;

    b. uma falha comparvel no primarismo e artificialidade do enredo a concepo das personagens de "A Escrava Isaura';

    c. as personagens tteres cansam o leitor, medida que o Autor as conduz a esta ou quela ao indispensvel ao enredo;

    d. as personagens, conduzidas de modo primrio e artificial, sem profundidade psicolgica, so como fantoches nas mos do Autor;

    e. sem o artificialismo das personagens, "A Escrava Isaura" teria resistido crtica.

    21Escrava Isaura |Bernardo Guimares

  • DA ESCOLA LITERRIA

    Apesar das obras de Machado de Assis em sua maioria fazerem parte do Realismo, o romance Helena escrito em 1876 se encaixa na "fase romntica", quando melhor se diriam "de compromisso" ou "convencionais" do escritor. Entretanto, destaca que a genialidade do autor transcende a qualquer escola em que se possa colocar.

    A obra de Machado, segundo alguns crticos, pode ser dividida em duas fases: romntica ou convencional e realista.

    1 fase: RomnticaRessurreio (1872)A Mo e a Luva (1874)Helena (1876)Iai Garcia (1878)

    Os romances de sua primeira fase se caracterizam por uma mistura de romantismo agonizante e psicologismo incipiente. Observam-se aqui e ali perfeitas construes estilsticas, renncia ao aventureira e melodramtica dos romnticos, certa agudeza em tratar os caracteres dos personagens; mas o grave equvoco destes romances que Machado os submete moral e aos padres da poca.

    2 fase: RealistaMemrias Pstumas de Brs Cubas (1881)Quincas Borba (1891)Dom Casmurro (1900)Esa e Jac (1908)Memorial de Aires (1908)

    Anlise da Obra

    Machado de AssisIai Garcia

    UVA 2015.2

    Anlise das Obras | UVA 2015.222

  • Pode-se encontrar a verdadeira essncia do Machado de Assis nesta 2 fase. Quebra da atitude narrativa e da estrutura linear, anlise psicolgica, uma nova viso do mundo e o senso de humor destacam o realismo na obra do escritor.

    Dessa forma Helena se comporta de forma Romntica, mas, assim como Senhora, de Jos de Alencar, o livro possui caractersticas pr-realistas.

    MACHADO DE ASSIS vida e obraFonte de Pesquisa: http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asp

    Acesso: 05 de janeiro de 2013

    Joaquim Maria Machado de Assis, cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crtico e ensasta, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Filho de um operrio mestio de negro e portugus, Francisco Jos de Assis, e de D. Maria Leopoldina Machado de Assis, aquele que viria a tornar-se o maior escritor do pas e um mestre da lngua, perde a me muito cedo e criado pela madrasta, Maria Ins, tambm mulata, que se dedica ao menino e o matricula na escola pblica, nica que frequentar o autodidata Machado de Assis.

    De sade frgil, epiltico, gago, sabe-se pouco de sua infncia e incio da juventude. Criado no morro do Livramento, consta que ajudava a missa na igreja da Lampadosa. Com a morte do pai, em 1851, Maria Ins, poca morando em So Cristvo, emprega-se como doceira num colgio do bairro, e Machadinho, como era chamado, torna-se vendedor de doces. No colgio tem contato com professores e alunos e at provvel que assistisse s aulas nas ocasies em que no estava trabalhando.

    Mesmo sem ter acesso a cursos regulares, empenhou-se em aprender. Consta que, em So Cristvo, conheceu uma senhora francesa, proprietria de uma padaria, cujo forneiro lhe deu as primeiras lies de Francs. Contava, tambm, com a proteo da madrinha D. Maria Jos de Mendona Barroso, viva do Brigadeiro e Senador do Imprio Bento Barroso Pereira, proprietria da Quinta do Livramento, onde foram agregados seus pais.

    Aos 16 anos, publica em 12-01-1855 seu primeiro trabalho literrio, o poema "Ela", na revista Marmota Fluminense, de Francisco de Paula Brito. A Livraria Paula Brito acolhia novos talentos da poca, tendo publicado o citado poema e feito de Machado de Assis seu colaborador efetivo.

    Com 17 anos, consegue emprego como aprendiz de tipgrafo na Imprensa Nacional, e comea a escrever durante o tempo livre. Conhece o ento diretor do rgo, Manuel Antnio de Almeida, autor de Memrias de um sargento de milcias, que se torna seu protetor.

    Em 1858 volta Livraria Paula Brito, como revisor e colaborador da Marmota, e ali integra-se sociedade ltero-humorstica Petalgica, fundada por Paula Brito. L constri o seu crculo de amigos, do qual faziam parte Joaquim Manoel de Macedo, Manoel Antnio de Almeida, Jos de Alencar e Gonalves Dias.

    Comea a publicar obras romnticas e, em 1859, era revisor e colaborava com o jornal Correio Mercantil. Em 1860, a convite de Quintino Bocaiva, passa a fazer parte da redao do jornal Dirio do Rio de Janeiro. Alm desse, escrevia tambm para a revista O

    Iai Garcia |Machado de Assis 23

  • Espelho (como crtico teatral, inicialmente), A Semana Ilustrada(onde, alm do nome, usava o pseudnimo de Dr. Semana) e Jornal das Famlias.

    Seu primeiro livro foi impresso em 1861, com o ttulo Queda que as mulheres tm para os tolos, onde aparece como tradutor. No ano de 1862 era censor teatral, cargo que no rendia qualquer remunerao, mas o possibilitava a ter acesso livre aos teatros. Nessa poca, passa a colaborar em O Futuro, rgo sob a direo do irmo de sua futura esposa, Faustino Xavier de Novais.

    Publica seu primeiro livro de poesias em 1864, sob o ttulo de Crislidas.Em 1867, nomeado ajudante do diretor de publicao do Dirio Oficial.Agosto de 1869 marca a data da morte de seu amigo Faustino Xavier de Novais, e,

    menos de trs meses depois, em 12 de novembro de 1869, casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novais.

    Nessa poca, o escritor era um tpico homem de letras brasileiro bem sucedido, confortavelmente amparado por um cargo pblico e por um casamento feliz que durou 35 anos. D. Carolina, mulher culta, apresenta Machado aos clssicos portugueses e a vrios autores da lngua inglesa.

    Sua unio foi feliz, mas sem filhos. A morte de sua esposa, em 1904, uma sentida perda, tendo o marido dedicado falecida o soneto Carolina, que a celebrizou.

    Seu primeiro romance, Ressurreio, foi publicado em 1872. Com a nomeao para o cargo de primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministrio da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas, estabiliza-se na carreira burocrtica que seria o seu principal meio de subsistncia durante toda sua vida.

    No O Globo de ento (1874), jornal de Quintino Bocaiva, comea a publicar em folhetins o romance A mo e a luva. Escreveu crnicas, contos, poesias e romances para as revistas O Cruzeiro, A Estao e Revista Brasileira.

    Sua primeira pea teatral encenada no Imperial Teatro Dom Pedro II em junho de 1880, escrita especialmente para a comemorao do tricentenrio de Cames, em festividades programadas pelo Real Gabinete Portugus de Leitura.

    Na Gazeta de Notcias, no perodo de 1881 a 1897, publica aquelas que foram consideradas suas melhores crnicas.

    Em 1881, com a posse como ministro interino da Agricultura, Comrcio Obras Pblicas do poeta Pedro Lus Pereira de Sousa, Machado assume o cargo de oficial de gabinete.

    Publica, nesse ano, um livro extremamente original , pouco convencional para o estilo da poca: Memrias Pstumas de Brs Cubas -- que foi considerado, juntamente com O Mulato, de Alusio de Azevedo, o marco do realismo na literatura brasileira.

    Extraordinrio contista, publica Papis Avulsos em 1882, Histrias sem data (1884), Vria Histrias (1896), Pginas Recolhidas (1889), e Relquias da casa velha (1906).

    Torna-se diretor da Diretoria do Comrcio no Ministrio em que servia, no ano de 1889.

    Grande amigo do escritor paraense Jos Verssimo, que dirigia a Revista Brasileira,

    24 Iai Garcia |Machado de Assis

  • em sua redao promoviam reunies os intelectuais que se identificaram com a idia de Lcio de Mendona de criar uma Academia Brasileira de Letras. Machado desde o princpio apoiou a idia e compareceu s reunies preparatrias e, no dia 28 de janeiro de 1897, quando se instalou a Academia, foi eleito presidente da instituio, cargo que ocupou at sua morte, ocorrida no Rio de Janeiro em 29 de setembro de 1908. Sua orao fnebre foi proferida pelo acadmico Rui Barbosa.

    o fundador da cadeira n. 23, e escolheu o nome de Jos de Alencar, seu grande amigo, para ser seu patrono.

    Por sua importncia, a Academia Brasileira de Letras passou a ser chamada de Casa de Machado de Assis.

    Dizem os crticos que Machado era "urbano, aristocrata, cosmopolita, reservado e cnico, ignorou questes sociais como a independncia do Brasil e a abolio da escravatura. Passou ao longe do nacionalismo, tendo ambientado suas histrias sempre no Rio, como se no houvesse outro lugar. ... A galeria de tipos e personagens que criou revela o autor como um mestre da observao psicolgica. ... Sua obra divide-se em duas fases, uma romntica e outra parnasiano-realista, quando desenvolveu inconfundvel estilo desiludido, sarcstico e amargo. O domnio da linguagem sutil e o estilo preciso, reticente. O humor pessimista e a complexidade do pensamento, alm da desconfiana na razo (no seu sentido cartesiano e iluminista), fazem com que se afaste de seus contemporneos."

    BIBLIOGRAFIA:

    Comdia:Desencantos, 1861.Tu, s tu, puro amor, 1881.

    Poesia:Crislidas, 1864.Falenas, 1870.Americanas, 1875.Poesias completas, 1901.

    Romance:Ressurreio, 1872.A mo e a luva, 1874.Helena, 1876.Iai Garcia, 1878.Memrias Pstumas de Brs Cubas, 1881.Quincas Borba, 1891.Dom Casmurro, 1899.Esa Jac, 1904.Memorial de Aires, 1908.

    25Iai Garcia |Machado de Assis

  • Conto:Contos Fluminenses,1870.Histrias da meia-noite, 1873.Papis avulsos, 1882.Histrias sem data, 1884.Vrias histrias, 1896.Pginas recolhidas, 1899.Relquias de casa velha, 1906.

    Teatro:Queda que as mulheres tm para os tolos, 1861Desencantos, 1861Hoje avental, amanh luva, 1861.O caminho da porta, 1862.O protocolo, 1862.Quase ministro, 1863.Os deuses de casaca, 1865.Tu, s tu, puro amor, 1881.

    Algumas obras pstumas:Crtica, 1910.Teatro coligido, 1910.Outras relquias, 1921.Correspondncia, 1932.A semana, 1914/1937.Pginas escolhidas, 1921.Novas relquias, 1932.Crnicas, 1937.Contos Fluminenses - 2. volume, 1937.Crtica literria, 1937.Crtica teatral, 1937.Histrias romnticas, 1937.Pginas esquecidas, 1939.Casa velha, 1944.Dilogos e reflexes de um relojoeiro, 1956.Crnicas de Llio, 1958.Conto de escola, 2002.

    Antologias:Obras completas (31 volumes), 1936.Contos e crnicas, 1958.Contos esparsos, 1966.Contos: Uma Antologia (02 volumes), 1998

    26 Iai Garcia |Machado de Assis

  • Em 1975, a Comisso Machado de Assis, instituda pelo Ministrio da Educao e Cultura, organizou e publicou as Edies crticas de obras de Machado de Assis, em 15 volumes.

    Seus trabalhos so constantemente republicados, em diversos idiomas, tendo ocorrido a adaptao de alguns textos para o cinema e a televiso.

    Elementos da Narrativa e CaractersticasAutoria: Prof. Raul Castro

    LINGUAGEM e ESTILO:

    Elaborada em uma linguagem bem simples, pode-se considerar uma caracterstica de um pr-realismo, a linguagem na obra a mesma adotada no resto de suas obras.

    O estilo de Machado de Assis assume uma originalidade despreocupada com as modas literrias dominantes de seu tempo. Mesmo suas obras iniciais Ressurreio, Helena, Iai Garcia que eram pertencentes ao Romantismo (ou ao convencionalismo), possuem uma ainda tmida anlise do interior das personagens e do homem diante da sociedade, que ele vir, mais amplamente, desenvolver em suas obras do Realismo. Os acadmicos notam cinco fundamentais enquadramentos em seus textos: "elementos clssicos" (equilbrio, conciso, conteno lrica e expressional), "resduos romnticos"(narrativas convencionais ao enredo), "aproximaes realistas" (atitude crtica, objetividade, temas contemporneos), "procedimentos impressionistas" (recriao do passado atravs da memria), e "antecipaes modernas" (o elptico e o alusivo engajados um tema que permite diversas leituras e interpretaes).

    O estudioso Francisco Achcar traa um plano resumidamente no estilo de Machado de Assis, escrevendo:

    "[...] alguns dos pontos mais importantes da prosa narrativa machadiana:Machado o grande mestre do foco narrativo de primeira pessoa, embora

    tenha exercido com mestria tambm o foco de terceira pessoa. Ele sabe colocar-se no lugar de um narrador hipottico e vivenciar todos os seus grandes problemas.

    Ao contrrio dos realistas, que eram muito dependentes de um certo esquematismo determinista (isto : pensavam que tudo, no comportamento humano, era determinado por causas precisas), Machado no procura causas muito explcitas ou claras para a explicao das personagens e situaes. Ele sabe deixar na sombra e no mistrio aquilo que seria intil explicar. Foi justamente por no tentar explicar tudo que Machado no caiu na vulgaridade de muitos realistas, como Alusio Azevedo. H coisas que no se explicam, coisas que s podem ter descrio discreta. Nisso, Machado de Assis foi um grande mestre.

    A frase machadiana simples, sem enfeites. Os perodos em geral so curtos, as palavras muito bem escolhidas e no h vocabulrio difcil (alguma dificuldade que pode ter um leitor de hoje se deve ao fato de que certas palavras

    27Iai Garcia |Machado de Assis

  • caram em desuso). Mas com esses recursos limitados Machado consegue um estilo de extraordinria expressividade, com um fraseado de agilidade incomparvel.

    A descrio dos objetos se limita ao que neles funcional, ou seja, quilo que tenha que ver com a histria que est sendo contada. O espao singelo, reduzido, e as coisas descritas parecem participar intimamente do esprito da narrativa.

    Uma das maiores caractersticas da prosa de Machado de Assis a forma contraditria de apreenso do mundo. Machado em geral apanha o fato em suas verses antagnicas, e isso lhe d um carter dilemtico. tambm uma forma superior e mais completa de ver as coisas. Machado tem os olhos voltados para as contradies do mundo.

    Chamamos aparncia aquilo que aparece a nossos olhos, aquilo que primeiramente surge observao; chamamos essncia aquilo que consideramos a verdade, aquilo que encoberto pela aparncia. Mas o que tomamos por essncia pode no ser mais do que outra aparncia. O estilo machadiano focaliza as personagens de fora para dentro, vai descascando as pessoas, aparncia atrs de aparncia. Por isso, Machado considerado grande "analista da alma humana".

    A linguagem machadiana faz referncias constantes aos estilos de outros grandes autores do Ocidente. Na maioria dos casos, essas referncias so implcitas, s podem ser percebidas por leitores familiarizados com as grandes obras da literatura. Esse um dos motivos de se poder dizer que o estilo de Machado um estilo "culto" (pois ele faz uso da cultura e sua compreenso aprofundada exige cultura da parte do leitor). Costuma-se chamar intertextualidade a esse dilogo que se estabelece, no texto de um escritor, com textos de outros autores, do presente ou do passado. Machado de Assis foi um grande virtuose da intertextualidade.

    Em seus romances mais importantes, Machado de Assis pratica a interpolao de episdios, recordaes, ou reflexes que se afastam da linha central da narrativa. Essas "intromisses" de elementos que aparentemente se desviam do tema central do livro correspondem a procedimentos chamados digresses. As digresses so, naturalmente, muito mais comuns nos romances do que nos contos, pois nestes a brevidade do texto no permite constantes retardamentos da narrativa. Nessas digresses, Machado constantemente seduzido pelo impulso de falar sobre a prpria obra que est escrevendo, isto , faz metalinguagem, comentando os captulos, as frases, a organizao do todo. Embora tambm presente nos contos, esses elementos de metalinguagem so neles bem mais raros e discretos.

    Uma das caractersticas mais atraentes e refinadas de Machado de Assis sua ironia, uma ironia que, embora chegue francamente ao humor em certas situaes, tem geralmente uma sutileza que s a faz perceptvel a leitores de

    28 Iai Garcia |Machado de Assis

  • sensibilidade j treinada em textos de alta qualidade. Essa ironia a arma mais corrosiva da crtica machadiana dos comportamentos, dos costumes, das estruturas sociais. Machado a desenvolveu a partir de grandes escritores ingleses que apreciava e nos quais se inspirou (sobretudo o originalssimo Lawrence Sterne, romancista do sculo XVIII). Na representao dos comportamentos humanos, a ironia de Machado de Assis se associa quilo que classificado como o seu grande poder de analista da alma humana'."

    Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Estilo_de_Machado_de_Assis

    FOCO NARRATIVOA narrativa toda em 3 pessoa, portanto onisciente, heterodiegtico, Machado

    tem como caracterstica a anlise do perfil feminino, e o psicologismo, sua marca registrada; para isso precisa de um narrador que no esteja na histria.

    Notamos tal peculiaridade no captulo IV quando Jorge, aps seu frustrante encontro com Estela sai desatinado e comea a ponderar sobre fatos:

    - Tua me que tem razo bradava uma voz interior -...- Quem tem razo s tu dizia-lhe outra voz contrria-...Aqui notamos que o narrador onisciente pois capaz de expressar os sentimentos

    internos e as suas reflexes ao longo da caminhada que faz.

    TEMPOA narrativa cronolgica com vrias quebras de linearidade

    ESPAOTudo ocorre no Rio de Janeiro, principalmente na Rua dos Invlidos, h tambm

    a guerra do Paraguai na qual Jorge vai para a guerra e l serve por 4 anos.

    PERSONAGENS

    Iai GarciaEra alta, delgada, travessa; possua os movimentos sbitos e incoerentes da

    andorinha. A boca desabrochava facilmente em riso, um riso que ainda no toldavam as dissimulaes da vida, nem ensurdeciam as ironias de outra idade.

    JorgeFilho de Valria, apaixona-se por Estela, mas ao voltar da Guerra do Paraguai

    encanta-se por Iai Garcia.

    Sr. AntunesEra o escrevente e homem de confiana do marido de Valria, ao longo de trs anos

    de plena subservincia consolidou sua posio em meio a bajulaes e gratificaes do seu amigo-patro, infelizmente nessa mesma poca a esposa morreu deixando uma filha de apenas 10 anos. O esposo de Valria, amigo e cordial, pagou os estudos da moa e com o tempo, sendo boa e gentil, foi ganhando o corao de Valria at se hospedar em sua casa no dia em que terminou os estudos.

    29Iai Garcia |Machado de Assis

  • EstelaFilha de Sr. Antunes, devia toda sua educao famlia de Jorge, morava na casa de

    Valria, e vai ser essa proximidade com o rapaz que desencadear o interesse dele.Plida era, da palidez das monjas, mas sem nenhum tom de melancolia

    asctica. Tinha os olhos grandes, escuros, talhados feio de amndoa, por baixo de duas sobrancelhas lisas, cheias e corretas. Os olhos eram a parte mais saliente do rosto, a que dominava tudo, no obstante a harmonia das restantes feies; que havia neles uma expresso de virilidade moral, que dava beleza de Estela o principal caracterstico. Uma por uma, as feies da moa eram graciosas e delicadas; mas a impresso que deixava o todo estava longe da meiguice natural do sexo. Estela, posta entre as musas, seria Melpomene. Tinha as formas; restava s que o destino fizesse correr sobre elas o gemido das paixes trgicas. Usualmente, trazia roupas pretas, cor que preferia a todas as outras. A mulher plida, que no usa de preferncia a cor preta, carece de um instinto. Estela possua esse instinto do contraste. Nu de enfeites, o vestido punha-lhe em relevo o talhe esbelto, elevado e flexvel. Nem ousava nunca traz-lo de outro modo, sem embargo de algum dixe ou renda com que a viva a presenteava de quando em quando; rejeitava de si toda a sorte de ornatos; nem folhos, nem brincos, nem anis.

    EulliaTinha dezenove anos, mas cabea de trinta, era parenta da famlia de Jorge e

    arranjada e sondada por Valria para se casar com seu filho.Era uma moa sem iluses nem vaidades, talvez sem paixes, dotada de juzo reto e

    corao simples, e sobre tudo isso uma beleza sem mcula e uma elegncia sem espavento.

    Lus GarciaPai de Iai Garcia, no comeo da trama possui 41 anos de idade e assim

    descrito:

    Era alto e magro, um comeo de calva, barba raspada, ar circunspeto. Suas maneiras eram frias, modestas e corteses; a fisionomia um pouco triste. Um observador atento podia adivinhar por trs daquela impassibilidade aparente ou contrada as runas de um corao desenganado.

    Assim era; a experincia, que foi precoce, produzira em Lus Garcia um estado de apatia e ceticismo, com seus laivos de desdm. ... Por fora, havia s a mscara imvel, o gesto lento e as atitudes tranquilas.

    RaimundoEx-escravo fiel de Lus Garcia, possua 50 anos, era herana de seu pai, logo aps

    pertencer ao Lus ele tratou logo de alforri-lo, o escravo achando que estava sendo dispensado pensou at em rasgar, entre os dois havia uma eterna amizade.

    De noite junto de seu senhor tocava marimba, cantigas alegres e felizes.

    30 Iai Garcia |Machado de Assis

  • Depois dessa amizade s o amor que tinha por Iai Garcia, sempre quando ela vinha aos finais de semana guardava um presentinho para a garota.

    Maria das DoresA ama que a havia criado, uma pobre catarinense, para quem s havia duas

    devoes capazes de levar uma alma ao cu: Nossa Senhora e a filha de Lus Garcia.Ia ela de quando em quando casa deste, nos dias em que era certo encontrar l a

    menina, e ia de S. Cristvo, onde morava.No descansou enquanto no alugou um casebre em Santa Teresa, para ficar mais

    perto da filha de criao.

    RESUMO

    O enredo se constitui de uma srie de incidentes que giram sempre em torno do mesmo ponto, a realizao ou a no-realizao de um casamento. Todos os atos das personagens so conduzidos, de modo direto ou indireto, para a consecuo ou para o impedimento desse objetivo. Assim, a ao do romance arma-se sobre a mesma sequncia bsica, repetida ao longo do relato com ligeiras variaes, mas mantendo sistematicamente os elementos essenciais.

    Como j citado, Iai Garcia trata do conflito social entre as classes, aproveitando como eixo o romance entre Jorge, um cavalheiro de alta sociedade e Estela, uma jovem pobre.

    O romance se inicia com a apresentao de Lus Garcia, pai de Lina Garcia, chamada em seu crculo familiar de Iai. A personagem convocada por Valria para que a ajude a convencer o filho a alistar-se no exrcito brasileiro e participar da Guerra do Paraguai. Na descrio da personagem, ao iniciar o romance, Machado de Assis chama a ateno do leitor para certos aspectos de Lus Garcia:

    No momento em que comea esta narrativa, tinha Lus Garcia quarenta e um anos. (...) Suas maneiras eram frias, modestas e corteses; a fisionomia um pouco triste. Um observador atento podia adivinhar por trs daquela impassividade aparente ou contrada as runas de um corao desenganado. Assim era; a experincia, que foi precoce, produzira em Lus Garcia um estado de apatia e ceticismo, com seus laivos de desdm.

    Nessa primeira descrio, podemos notar que no h nada a se esconder: o narrador apresenta as principais peculiaridades da personagem. No um observador atento que chamado leitura, pois o prprio narrador d ao leitor a chave para o entendimento das futuras decises tomadas por Lus Garcia logo na primeira pgina do romance. A descrio, nesse caso, funciona como um objeto de desvelamento: mostra aos leitores a impossibilidade de imputar personagem qualquer outro carter que no seja o de um corao desenganado.

    No romance no h nada de oculto no carter de Lus Garcia. Tudo sobre o pai de Iai foi dito na primeira oportunidade pelo narrador, de modo que a ateno do leitor ficasse presa camada mais imediata do texto: aquela dos fatos a serem narrados.

    31Iai Garcia |Machado de Assis

  • A partir da, pode-se dizer que a narrativa de Machado de Assis em Iai Garcia encontra-se a meio caminho entre o romance de feio popular e o problemtico. Se por um lado h descries que reduzem as personagens psicologicamente, mantendo a ateno do leitor voltada para a superfcie mais direta da trama, por outro lado h a presena de certas sutilezas psicolgicas que produzem um nvel de problematicidade maior a ser enfrentado pelo leitor.

    Logo aps a descrio do pai, o narrador passa rapidamente para a descrio da filha:

    Entretanto, das duas afeies de Lus Garcia, Raimundo era apenas a segunda; a primeira era uma filha. (...)

    Contava onze anos e chamava-se Lina. O nome domstico era Iai.(...) A boca desabrochava facilmente um riso, um riso que ainda no toldavam as dissimulaes da vida, nem ensurdeciam as ironias de outra idade.

    Logo aps a apresentao de Iai, temos a descrio do ambiente domstico de seu pai. Vemos, nessa parte da narrativa, que a filha de Lus Garcia apresenta sutilezas psicolgicas importantes. Observemos com cuidado:

    (...) Dessa comparao extraiu a ideia do sacrifcio que o pai devia ter feito para condescender com ela; ideia que a ps triste, ainda que no por muito tempo, como sucede s tristezas pueris. A penetrao madrugava, mas a dor moral fazia tambm irrupo naquela alma at agora isenta da jurisdio da fortuna. (ASSIS, 1975, p. 79)

    Machado, nesse momento, apresenta-nos um problema: Iai reconhece que o pai sacrificou-se ao lhe dar um piano de presente. Porm, como as tristezas pueris no duram, logo ela delicia-se com o presente.

    O que se mostra importante neste breve trecho a presena de uma palavra-chave da narrativa de Iai Garcia. Palavra que constitui o verdadeiro palco da discusso nesta obra: a moral. Percebe-se que desde cedo (a personagem contava nessa poca com onze anos de idade) Iai compreende a dor moral que o pai tem de sofrer, para que possa lhe dar educao e conforto.

    O romance trata, portanto, da aprendizagem de Iai em um novo mundo: o mundo da tenso entre o social e o natural, mediante o jogo imposto pelo narrado acerca da moral.

    O primeiro momento de tenso da narrativa ocorre j no segundo captulo do romance. Na verdade, trata-se de uma frmula que se repetir em toda a trama: a realizao ou no de um casamento, como j vimos.

    Temos a trade Estela Valria Jorge que representa a dinmica entre o natural e o social por meio do casamento. A convocao de Lus Garcia para interagir nessa dinmica, sendo esse o tema do segundo captulo do romance, no afeta o trinmio, pois, como sabemos, ele no participar diretamente da tenso. Porm, caber a essa personagem o papel de julgar, sendo complementado pelo narrador. O dilogo entre Valria, Lus Garcia e Jorge recheado de julgamentos morais que levam o leitor a uma

    32 Iai Garcia |Machado de Assis

  • dubiedade: ao separar seu filho de Estela, a verdadeira motivao de Valria egosta, mas, por outro lado, existem grandes vantagens sociais para o jovem rapaz.

    Sob esse aspecto, basta que observemos a descrio que Machado de Assis faz de Estela:

    Simples agregada ou protegida, no se julgava no direito a sonhar posio superior e independente; e dado que fosse possvel obt-la, lcito afirmar que recusara, porque, a seus olhos seria um favor, e sua taa de gratido estava cheia. (...)

    Pois o orgulho de Estela no lhe fez somente calar o corao, infundiu-lhe a confiana moral necessria para viver tranquila no centro mesmo do perigo.

    A dissimulao, caracterstica prpria do universo feminino e romanesco, resgatada no momento em que Estela descobre seu amor por Jorge:

    No meio de semelhante situao, que sentia ou pensava Estela? Estela amava-o. No instante em que descobriu esse sentimento em si mesma, pareceu-lhe que o futuro se lhe rasgava largo e luminoso; mas foi s nesse instante. To depressa descobriu o sentimento, como tratou de o estrangul-lo ou dissimular, tranc-lo ao menos no mais escuro do corao, como se fora uma vergonha ou pecado. (ASSIS, 1975, p. 97)

    Sendo assim, a primeira tenso do romance a seguinte: Jorge ama uma mulher que no compatvel com sua condio social. A me do rapaz se mostra contrria a essa unio, mas Estela descobre que tambm o ama. No entanto, Estela, dominada pelo orgulho, rechaa a possibilidade de uma unio, pois, em seu entendimento, entregar-se a Jorge seria assumir seu papel de agregada. Assim, a mulher passa a dissimular seus sentimentos, tornando-se superior ao amado por meio da frieza para com ele.

    Apesar de Estela esconder seus sentimentos, Valria que domina por ser mais experiente na arte da dissimulao. Ou seja, Valria, desde o primeiro momento, percebe que h um perigo a ser vencido: Jorge no pode casar-se com Estela:

    Valria reparou na atitude dos dois; mas como possua a qualidade de dissimular as impresses, no alterou nem o gesto nem a voz. Os olhos que nunca mais os deixaram. (ASSIS, 1975; p.102)

    Sempre vigilante, e apesar de todos os percalos, Valria despacha o filho para o Paraguai. Porm, antes de morrer, casa Estela com Lus Garcia, sendo este o segundo trinmio da trama: Estela Valria Lus Garcia.

    Aqui se configura uma pequena mudana: todos so a favor do casamento. Em primeiro lugar, Valria v nesta unio a resposta para seus problemas; por isso, oferece o dote de casamento para Estela. Em vista desse fato, percebe-se claramente a maestria de Valria:

    Com essa ideia opressiva entrou ela na casa da viva, cuja recepo lhe desabafou o esprito do mais espesso de suas preocupaes. Valria beijou-a, com um gesto mais maternal que protetor. Nem lhe deixou concluir a frase de agradecimento; cortou-a com uma carcia (...) dissimulao generosa, que Estela compreendeu, porque tambm possua o segredo dessas delicadezas morais.

    Ou seja, Estela acaba por reconhecer em Valria algum superior s suas foras. A orgulhosa agregada no conseguiu separar-se de sua protetora, pois, reconhecendo-lhe

    33Iai Garcia |Machado de Assis

  • a superioridade na arte da dissimulao, no lhe sobra recursos a no ser retornar esfera de proteo da viva.

    Logo aps esse episdio, Estela e Lus Garcia discutem sobre o projeto de se unirem:

    Creio que nenhuma paixo nos cega, e se nos casarmos por nos julgarmos friamente dignos um do outro.

    Uma paixo de sua parte, em relao minha pessoa, seria inverossmil, confessou Lus Garcia; no lha atribuo. Pelo que me toca, era igualmente inverossmil um sentimento dessa natureza, no porque a senhora no pudesse inspirar, mas porque eu j no o poderia ter.

    Tanto melhor, concluiu Estela; estamos na mesma situao e vamos comear uma viagem com os olhos abertos e o corao tranqilo. Parece que em geral os casamentos comeam pelo amor e acabam pela estima; ns comeamos pela estima; muito mais seguro.

    Do dilogo entre as personagens no deriva, por certo, um julgamento amoroso, pois se trata de um julgamento moral, que fora impulsionado pela me de Jorge. A mesma senhora que, para recompensar esse matrimnio, entrega o dote de Estela. A unio entre o indiferente Lus Garcia e a orgulhosa viva uma unio de caractersticas que no se confundem, mas que podem vir equilibrar a economia domstica da casa de Iai Garcia. O real motivo do casamento para Lus Iai, que j reconhecera Estela como uma me possvel, mas que em sua ingenuidade no participou dos planos de Valria.

    Jorge retorna da guerra para descobrir a amada em matrimnio com seu melhor amigo, e a me morta. Lembremos que os dois primeiros trinmios de tenso da narrativa tiveram como motivo inspirador as prprias resolues de Valria. Devemos lembrar ainda que uma personagem fora dos trinmios serve de catalisador dos acontecimentos no primeiro trinmio, temos Lus Garcia; no segundo, Iai. O prximo trinmio apresentar Iai como uma de suas peas fundamentais.

    Agora temos Lus Garcia Iai Garcia Jorge. Iai, centro deste trinmio, que desenvolve a dinmica da narrativa. Aqui trata-se do casamento como salvaguarda de uma situao: Iai pretende casar-se com Jorge pelo amor que tem ao pai. Vejamos como se configura o problema:

    (...) Lus Garcia disse algumas palavras a respeito do filho de Valria. Pode ser que eu me engane, concluiu o ctico; mas persuado-me que um bom

    rapaz.Estela no respondeu nada; cravou os olhos numa nuvem negra, que manchava a

    brancura do luar. Mas Iai, que chegara alguns momentos antes, ergueu os ombros com um movimento nervoso.

    Pode ser, disse ela; mas eu acho-o insuportvel.E ainda:A verdadeira causa era nada menos que um sentimento de cime filial. Iai adorava

    o pai sobre todas as coisas; era o principal mandamento de seu catecismo. Instigara o casamento, com o fim de lhe tornar a vida menos solitria, e porque amava Estela. O

    34 Iai Garcia |Machado de Assis

  • casamento trouxe para casa uma companheira e uma afeio; no lhe diminuiu nada do seu quinho de filha.

    Iai viu, entretanto, a mudana nos hbitos do pai, pouco depois de convalescido, e sobretudo desde os fins de setembro. Esse homem seco para todos, expansivo somente na famlia, abriria uma exceo em favor de Jorge (...)

    A primeira motivao de Iai separar Lus Garcia de Jorge por conta de um cime filial. Entretanto, o que acontece o oposto: pouco a pouco, Jorge aproxima-se de Iai sem perder a admirao de Lus Garcia. Em realidade, essa admirao moral aumenta. E Iai ainda no tinha os planos de casamento. At ento, seu objetivo era afastar Jorge de seu pai.

    No captulo X, h a mudana na resoluo de Iai. E, seguindo a ordem da narrativa, um fator externo desencadeia a mudana: a releitura de uma das cartas de Jorge nos tempos de guerra, releitura para o pai e leitura para Estela e Iai que l os olhos da madrasta.

    Iai, mesmo com um pretendente certo, comea a aproximar-se de Jorge. Procpio Dias, o pretendente cuja moral execrada tanto pelo narrador quanto por Jorge, precisa viajar para recuperar uma herana. O afastamento de Procpio, como anteriormente o afastamento de Jorge, configura a aproximao das personagens, que terminar no matrimnio de ambos. Procpio pede a Jorge para cuidar de Iai. E Iai inicia seu plano para conquistar o antigo amado de Estela. Como j vimos, o objetivo de Iai no a disputa mas a salvaguarda de seu pai, pois ela sabia o perigo que representava Jorge em sua casa.

    A filha de Lus Garcia, enfim, consegue seu objetivo. Jorge jura-lhe amor e os dois iniciam os preparativos para o casamento. Contudo, o pai de Iai encontra-se enfermo e acaba por falecer.

    Regida pelo orgulho, Estela percebe logo que Iai deseja casar-se com Jorge por algum motivo alm de seus prprios sentimentos. Vejamos a reao da personagem situao em que mera espectadora:

    O procedimento da enteada, a sbita converso s atenes de Jorge, toda aquela intimidade visvel e recente, acordara no corao de Estela um sentimento, que nem aos orgulhosos poupa. Cime ou no, revolvera a cinza morna e achou l dentro uma brasa. (...)

    (...) O orgulho vencera uma vez; agora era o amor, que, durante anos de jugo e compresso, criara msculos e saa a combater de novo. A vitria seria uma catstrofe, porque Estela no dispunha da arte de combinar a paixo espria com a tranquilidade domstica; teria as lutas e as primeiras dissimulaes; uma vez subjugada, iria direto ao mal.

    Vemos que os cimes de Estela continuam relacionados a uma situao em que o orgulho o verdadeiro motivo, pois, mesmo reconhecendo o amor de Jorge, ela pretende provar que moralmente superior. Com a morte de Lus Garcia, no captulo XV, Estela poderia desobrigar-se dos impedimentos morais que a colocaram na situao acima mencionada. Todavia, devemos lembrar que Estela era tambm me de Iai. Esse

    35Iai Garcia |Machado de Assis

  • fato, gerado pela convivncia das duas em casa do pai de Lina, poderia ser exatamente o sucesso da nova empreitada da viva: casar os at ento noivos Jorge e Iai.

    Porm, Iai no desejava mais casar com o filho de Valria. Vejamos os motivos:

    Mas duas circunstncias a induziram ao desfecho; era a primeira a revelao de Procpio Dias, confirmao de suas suspeitas; a segunda foi o espetculo que se lhe ofereceu aos olhos, naquela noite, logo depois de se despedir do noivo. Sabendo que a madrasta estava no gabinete do pai, ali foi ter e espreitou pela fechadura; viu-a sentada com a cabea inclinada ao cho, desfeito o penteado, mas desfeito violentamente, como se lhe metera as mos em um momento de desespero, e caindo-lhe o cabelo em ondas amplas sobre a espdua, com a desordem da pecadora evanglica. Iai no a viu sem que os olhos se umedecessem.

    Que se casem! disse a moa resolutamente.

    Embora ainda ame Jorge, a menina decide desfazer a promessa porque sua madrasta o ama e no h impedimento moral algum para que se faa a unio. aqui que vemos como a puberdade moral de Iai torna-a superior aos procedimentos de Estela:

    Ergueu-se e procurou beij-la. A madrasta recuou instintivamente a cabea; era um gesto de repugnncia, que a fisionomia ingnua e pura de Iai para logo dissipou. Em to verdes anos, sem nenhum trato social, era lcito supor na menina tamanha dissimulao?

    Sim, pois Iai sabia da paixo de Jorge e do amor que Estela tentava esconder. claro que o orgulho de Estela passa a interpretar as atitudes de sua enteada como um impulso desinteressado. Porm, o leitor sabe que no se trata disso, mas de uma batalha, em todo o romance, de fingimentos para atingir determinados objetivos em torno do contrato social chamado casamento. Estela, perdida em meio batalha das iluses, ainda ama Jorge, que no mais a ama.

    Entretanto, Estela no deseja casar com Jorge, pois seu orgulho a impede. Assim, aps o noivo de Iai recorrer futura sogra por meio de uma carta, Estela decide intervir. Vai ao encontro da jovem e inicia o mais longo dilogo do texto, resultando em um casamento por amor e o afastamento de algum, neste caso, Estela, que deixa o Rio de Janeiro e, ao fazer isso, demonstra que a nica coisa a escapar ao naufrgio das iluses a moral, respondendo assim a indeterminao dada pela palavra coisa na frase final do romance: Era sincera a piedade da viva. Alguma coisa escapa ao naufrgio das iluses.

    36 Iai Garcia |Machado de Assis

  • Exerccios Sala de Aula

    01. Sobre o estilo e linguagem machadiano assinale o item incorreto:a. "elementos barrocos" (dualidade, dvida, exagero lrico. b. "resduos romnticos" (narrativas convencionais ao enredo).c. "aproximaes realistas" (atitude crtica, objetividade, temas contemporneos).d. "procedimentos impressionistas" (recriao do passado atravs da memria).

    02. Dentro das relaes que se do dentro da obra, podemos afirmar quea. Jorge casa com Estela.b. Iai casa-se com Procpio Dias.c. Estela casa-se com Lus Garcia.d. Jorge casa-se com Eullia.

    03. Valria pode ser considerada uma vil dentro da obra, poisa. impede inicialmente um romance entre Estela e Jorge.b. faz com o filho v para a guerra do Paraguai.c. convence Estela a no casar com Jorge.d. morre sem deixar herana para Jorge.

    04. O livro Iai pode ser considerado um romance romnticoa. de tese.b. urbano.c. regionalista.d. Histrico.

    05. Iai Garcia apenas um epteto, sou nome de fato seriaa. Lina.b. Helena.c. Lenita.d. Olvia

    Exerccios Para casa

    Leia o texto com ateno e responda aos itens de 01 a 05:

    O resto foi obra de Iai, obra dividida em duas partes, uma voluntria, outra inconsciente. Voluntria, porque tambm a menina, no silncio laborioso de seu crebro, construra o projeto de os unir, e o dissera mais de uma vez a um e a outro.

    Inconsciente, porque o amor que a ligava a Estela, foi a mais poderosa fora que modificou o pai. Era uma afeio intensa a dessas duas criaturas; ao passo que Iai dava a

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  • Estela uma poro de ternura de filha, Estela achava no amor da menina uma antecipao dos prazeres da maternidade. Lus Garcia testemunhou esse movimento recproco e, por assim dizer, fatal.

    Se Iai devesse ter madrasta, onde a acharia mais completa? Discreta, moderada, superior aos seus anos, Estela tinha as condies necessrias para esse delicado papel. A primeira insinuao da viva foi a causa primordial; mas o tempo, a convivncia, a afeio das duas, a necessidade de dar segunda me menina, e antes legtima que mercenria, finalmente, a certeza de que a Estela no repugnava a soluo, tais foram os primeiros elementos da deciso de Lus Garcia.

    Faltava s o milagre, e o milagre veio. Iai adoeceu um dia em casa de Valria, e a doena, posto que no grave nem longa, deu ocasio a que Estela manifestasse de modo inequvoco toda a ternura de seu corao. Lus Garcia foi testemunha da dedicao silenciosa e contnua com que Estela tratou da doente. Esse ltimo espetculo desarmou-o de todo. Entre eles, o casamento no era a mesma cousa que costuma ser para outros; nada tinha das alegrias inefveis ou das iluses juvenis.

    Era um ato simples e grave. E foi o que Estela lhe disse a ele, no dia em que trocaram reciprocamente as primeiras promessas.

    Creio que nenhuma paixo nos cega, e se nos casamos por nos julgarmos friamente dignos um do outro.

    Uma paixo de sua parte, em relao minha pessoa, seria inverossmil, confessou Lus Garcia; no lha atribuo.

    Pelo que me toca, era igualmente inverossmil um sentimento dessa natureza, no porque a senhora o no pudesse inspirar, mas porque eu j o no poderia ter.

    Tanto melhor, concluiu Estela; estamos na mesma situao e vamos comear uma viagem com os olhos abertos e o corao tranqilo. Parece que em geral os casamentos comeam pelo amor e acabam pela estima; ns comeamos pela estima; muito mais seguro.

    O casamento foi aprovado pelo Sr. Antunes, com a mesma alma de um ru sancionando a prpria execuo. No somente se lhe iam embora esperanas muito menos modestas, como lhe repugnava o carter do genro. No cedeu sem hesitao e luta; hesitao perante a viva, luta em relao filha; mas cedeu, porque ele nascera para no resistir. Hbil, no entanto, em espremer algum lucro dos males inevitveis, uma vez perdida a confiana na eficcia da recusa, aceitou o acordo, no somente com aparncia cordial, mas ainda entusiasta.

    ASSIS, Machado de. Ed. Fundao Biblioteca Nacional. SP. 2003, pg. 40

    01. As personagens centrais do trecho soa. Estela e Iai Garcia.b. Iai e Lus Garcia.c. Estela e Lus Garciad. Lus Garcia e Sr. Antunes

    38 Iai Garcia |Machado de Assis

  • 02. O foco central do fragmento acima concentra-sea. Na doena de Iai Garcia.b. Na forma como Estela cuidou de Iai.c. Em como surgiu o enlace matrimonial entre Estela e Lus Garcia.d. Na forma nada romntica do encontro do casal.

    03. Na passagem: O casamento foi aprovado pelo Sr. Antunes, com a mesma alma de um ru sancionando a prpria execuo. Temos uma figura de linguagem chamada:a. Personificao;b. Smile;c. Metfora;d. Eufemismo.

    04. No fragmento: Tanto melhor, concluiu Estela; estamos na mesma situao e vamos comear uma viagem com os olhos abertos e o corao tranqilo. Parece que em geral os casamentos comeam pelo amor e acabam pela estima; ns comeamos pela estima; muito mais seguro. Temos por parte do narrador que o texto revela:a. uma crtica burguesia.b. uma crtica ao romantismo.c. um pessimismo por parte da personagem.d. uma viso racionalista da personagem.

    05. No fragmento: Entre eles, o casamento no era a mesma cousa que costuma ser para outros; nada tinha das alegrias inefveis ou das iluses juvenis. Podemos notar que a posio de Lus Garcia em relao ao casamento dea. alegria.b. decepo.c. mera formalidade.d. ansiedade

    06. O prometido em casamento de Iai Garcia :a. Jorge;b. Raimundo;c. Procpio Dias;d. Sr. Antunes.

    07. Sobre Procpio Dias correto afirmar que:a. era corretor de imveis, mas no gostava de Jorge.b. se torna amigo de Jorge e tenta comprar a casa de sua falecida me.c. era especulador imobilirio e se torna amigo de Jorge.d. era noivo de Iai Garcia no momento que conhece Jorge.

    39Iai Garcia |Machado de Assis

  • 08. Podemos dizer que a histria se passa:a. no Rio de Janeiro;b. em Porto Alegre;c. em uma fazenda;d. em uma vila.

    09. O romance, quanto ao seu foco narrativo, classifica-se como:a. homodiegtico;b. autodiegtico;c. heterodiegtico;d. de transio cambiante.

    10. No final do livro Jorge passa a casar com:a. Estela;b. Iai Garcia;c. Eullia;d. Valria

    40 Iai Garcia |Machado de Assis

  • Anlise da Obra

    Jos Lins do RegoMenino de Engenho

    ELEMENTOS DA NARRATIVA

    Foco narrativo

    Narrado em 1 pessoa por Carlos Melo (personagem), que aponta suas tenses sociais envolvidas em um ambiente de tristeza e decadncia, o primeiro livro do ciclo da cana-de-acar. Publicado em 1932, Menino do Engenho a estria em romance de Jos Lins do Rego e j traz os valores que o consagraram na Literatura Brasileira.

    Anlise da obra

    Durante a dcada de 30 do sculo XX, virou moda uma produo que se preocupava em apresentar a realidade nordestina e os seus problemas, numa linguagem nova, introduzida pelos participantes da Semana de Arte Moderna de 22. Jos Lins do Rego seria o melhor representante dessa vertente, se certas qualidades suas no atenuassem fortemente o tom crtico esperado na poca.

    A inteno do autor ao elaborar a obra Menino de Engenho, era escrever a biografia de seu av, o coronel Jos Paulino, que considerava uma figura das mais representativas da realidade patriarcal nordestina. Seria tambm a autobiografia das cenas de sua infncia, que ainda estavam marcadas em sua mente. Mas o que se constata que o bigrafo foi superado pela imaginao criadora do romancista: a realidade bruta recriada atravs da criatividade do gnero nordestino.

    a histria tpica, natural e sem retoques de uma criana, Carlos, rfo de pai e me, que, aos oito anos de idade, vem viver com o av, o maior proprietrio de terras da regio - coronel Jos Paulino.

    Carlos criado sem a represso familiar e mesmo sem os cuidados e atenes que lhe seriam necessrios diante das experincias da vida. V o mundo, aprende o bem e o

    UVA 2015.2

    Anlise das Obras | UVA 2015.2 41

  • mal e chega a uma provvel precocidade acerca dos hbitos que lhe eram "proibidos", mas inevitveis de serem adquiridos.

    Pela ausncia de orientao, toma-se viciado, corrompido, aos 12 anos de idade. Alm dos problemas ntimos do menino, desorientado para a vida e para o sexo, temos a anlise do mundo em que vivia, visto por Carlos, que o narrador-personagem.

    Carlos v o av como um verdadeiro Deus, uma figura de grandiosidade inatingvel. O engenho o mundo, um imprio, de onde o coronel Jos Paulino dirige e guia os destinos de todos. E, em conseqncia, Carlos considera-se, e considerado pelos servos, escravos e agregados, o coronelzinho cujas vontades tm que ser rigorosamente realizadas.

    Descreve com emoo a vida dos escravos, a senzala, o sofrimento e os castigos do tronco. Uma cena a ser destacada a enchente do rio, vista com admirao e susto por Carlos, constituindo uma descrio de grandiosidade bblica.

    Tambm vm tona as supersties e crendices comuns entre as camadas populares, como a do lobisomem.

    O romance tem como cenrio a regio limtrofe entre Pernambuco e Paraba, o que pode ser deduzido pelas descries da paisagem e da vida dos engenhos de acar.

    Os bandidos e cangaceiros, comuns na regio, so mostrados como nica forma de reao social de um povo oprimido.

    Espao

    O romance tem como cenrio a regio limtrofe entre Pernambuco e Paraba, o que pode ser deduzido pelas descries da paisagem e da vida dos engenhos de acar.

    Os bandidos e cangaceiros, comuns na regio, so mostrados como nica forma de reao social de um povo oprimido.

    O nome da fazenda de engenho chama-se Santa Rosa.

    Contextualizao

    O contexto histrico deste livro o Brasil colnia e seu regime escravocrata. A localizao geogrfica se d no nordeste brasileiro, nos solos de massap (argiloso) da zona da mata no Estado da Paraba. As relaes sociais vividas na poca so o ponto alto do livro, onde a figura quase herica do coronel mistura o poder econmico da fazenda de engenho, com o poder poltico de prefeito da cidade, concentrada na mesma pessoa: Coronel Jos Paulino. Estes fatores e muitas das caractersticas citadas no romance esto presentes na histria da sociedade brasileira da poca da escravido, principalmente da regio nordestina.

    Personagens

    Martinho Carlinhos - o narrador do romance. rfo aos quatro anos, tornou-se um menino melanclico, solitrio e bastante introspectivo. De sexualidade exacerbada, mantm, aos doze anos, a sua primeira relao sexual, contraindo doena-do-

    42 Menino de Engenho |Jos Lins do Rego

  • mundo - a popular gonorria.

    Coronel Z Paulino - o todo-poderoso senhor de engenho - o patriarca absoluto da regio. Era uma espcie de prefeito - administrava pessoalmente, dando ordens e fazendo a justia que ditava a sua conscincia de homem bom e generoso.

    Tia Maria - Irm da me de Carlinhos (Clarisse), torna-se para este a sua segunda me. Querida e estimada por todos pela sua bondade e simpatia, era chamada carinhosamente de Maria Menina.

    Velha Totonha - uma figura admirvel e fabulosa. Representa bem o folclore ambulante dos contadores de histrias.

    Antnio Silvino - Representa bem o cangaceiro sempre temido e respeitado pelo povo, em virtude de seu senso de justia, tirando dos ricos e protegendo os fracos. Compe bem a paisagem nordestina.

    Tio Juca - No chega a representar um papel de destaque no romance. Por ser filho do senhor de engenho, fazia e desfazia (sobretudo sexo com as mulatas), mas no era punido. De certa forma, representa o papel de pai de Carlinhos.

    Lula de Holanda - Embora ocupe pouco espao, o Coronel Lula uma personagem relevante, pois representa o senhor de engenho decadente que teima em manter a fachada aristocrtica.

    Prima Lili Uma das primas de Carlos, j vem muito doente, ele morre, o que lhe causa muita dor.

    Clarisse Me de Carlos, assassinada logo no comeo da obra.

    Sinhazinha - Embora no fosse a dona da casa (era cunhada do Coronel), mandava e desmandava no governo da casa-grande. Era odiada por todos por seu rigor e carranquice, e pode ser identificada com as madrastas ruins dos contos populares.

    Negras - Restos do tempo de escravido, destacam-se a negra Generosa, dona da cozinha, a vov Galdina, que vivia entrevada numa cama.

    Zefa Caj Negra com quem Carlos ter sua primeira relao sexual.

    Enredo

    O romance, narrado em primeira pessoa, apresenta uma estrutura memorialista, em quarenta captulos. O tempo flui cronologicamente: o narrador (Carlinhos) tem quatro anos quando a narrativa comea e doze, quando termina o livro.

    A me do narrador (Clarisse) est morta, assassinada pelo pai no quarto de dormir. Por qu? Ningum sabia compreender. O menino, apesar de pequeno, sente o impacto da morte da me e a solido que esta lhe deixa. Ento comecei a chorar baixinho para os travesseiros, um choro abafado de quem tivesse medo de chorar.

    43Menino de Engenho |Jos Lins do Rego

  • O pai ento levado para o presdio. Era uma pessoa nervosa, um temperamento excitado, para quem a vida s tivera o seu lado amargo. Num momento de desequilbrio, matara a esposa com quem s