Orlando Furioso. Ludovico Ariosto.

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    LUDOVICO ARIOSTO

    ORLANDO

    FURIOSO

    ILUSTRADO POR

    G

    USTAVE

    D

    OR

    INTRODUO

    NOTAS

    RESUMO

    E TRADUO EM VERSO

    DO ORIGIN AL IT ALIANO POR

    M

    ARGARIDA

    P

    ERIQUITO

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    Orlando Furioso

    Autor: Ludovico Ariosto

    Traduo:

    Margarida PeriquitoReviso: Raul Loureno

    Capa: Miss SushiePaginao: Gabinete Grfico Cavalo de Ferro

    1. edio, Novembro de 2007Impresso e Acabamento: Offsetmais S.A.Depsito Legal: 267910/07ISBN: 978-989-623-067-8

    A presente edio contou com o apoio do

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    Oautor do Orlando Furiosonasceu a 8 de Setembro de 1474em Reggio nellEmilia, sendo o primeiro dos dez filhos deNicol Ariosto, pertencente a uma famlia bolonhesa nobre,e de Daria Malaguzzi Valeri, senhora da alta nobreza de Reggio. Naaltura, o conde Nicol era comandante da guarnio da fortaleza deReggio, ao servio de Ercole I dEste, duque de Mntua e de Ferrara.Nessa cidade, e quase inteiramente dentro das muralhas da fortaleza,decorre a infncia de Ludovico at 1484, ano em que seu pai chama-do a ocupar outros cargos em Ferrara, para onde a famlia se muda,ocupando uma casa em que o poeta viveria at 1529.

    Em Ferrara, Ludovico inicia os seus estudos de Latim e Grego, compreceptores, o primeiro dos quais foi Domenico Catabene. Entre 1489e 1494 frequenta, por vontade paterna, o curso de Direito no Studiode Ferrara, mas consegue por fim sensibilizar o pai para a sua verda-deira vocao. Abandonando o Direito, dedica-se aos estudos literrios

    com o humanista Gregorio da Spoleto, homem de grande saber emquem Ariosto encontra o mestre que ambicionava, e no s: Deu-memais que o meu prprio pai, pois ensinou-me a viver com nobreza,enquanto meu pai apenas me ensinou a viver entre os mortais escre-veu numa sua ode latina, em 1503.

    Em 1498 entra ao servio de Ercole I, e frequenta as aulas do fil-sofo Sebastiano dellAquila. Alm das poesias lricas, epigramas e ele-gias em latim, e das Rimeem vulgar, de inspirao petrarquista, quecomps na idade juvenil, comea tambm a escrever comdias para acompanhia de teatro de Ercole I.

    L

    UDOVICO

    A

    RIOSTO

    :

    A VIDA

    O TEMPO

    A OBRA

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    O teatro tinha lugar de relevo na corte de Ferrara. Alguns dos pri-meiros contributos de Ariosto para as artes cnicas so Tragedia diTisbe, La Cassaria e I Suppositi. Muitos anos mais tarde voltaria

    comdia, com as peas Lena(1528) e Il Negromante(1529).Em Fevereiro de 1500, a vida de Ludovico, at a despreocupada,

    abalada por um acontecimento que a condiciona de modo drstico: amorte de seu pai. As responsabilidades que caem sobre os ombros doprimognito so tremendas. Tem de prover ao sustento da numerosafamlia administrando uma situao econmica periclitante, e procurarorientao e encaminhamento profissional para os irmos e dotes paracasar as irms; assume a tutela dos irmos, ainda menores, e atravessa

    uma srie interminvel de aces judiciais por questes de herana.Entre 1501 e 1503 exerce o cargo de capito da guarnio da forta-leza de Canossa, cargo que requereu por razes econmicas. Da fortale-za, situada em lugar ermo nas montanhas a sudeste de Parma, desloca-va-se a Reggio para receber o estipndio e visitar os parentes maternos.

    Em Outubro de 1503 regressa de Canossa, e entra ao servio dafaustosa corte do cardeal Ippolito dEste, filho de Ercole I, ao qual fica-ria ligado at 1517. Para poder auferir de benefcios concedidos peloCardeal (rendas de parquias), Ariosto toma ordens religiosas menores,sem que isso implique o exerccio de funes pastorais, pois no pre-tende seguir a carreira eclesistica.

    Nesse mesmo ano nasce um seu filho natural, Giovambattista, decuja me se conhece apenas o primeiro nome, Maria.

    Em 1509 nascer-lhe-ia outro filho ilegtimo, Virginio, da sua rela-o com Orsolina Sassomarino. Este filho foi muito caro a Ariosto, queo perfilhou e cujos estudos orientou, e que teve sempre junto de si.

    Os seus deveres de corteso estavam longe de se limitar aos de natu-

    reza cultural, atravs das comdias que escrevia para o teatro da corte eque lhe granjeavam algum prestgio, pois as funes de um familiarincluam tarefas muito triviais e, no raro, desagradveis. Era constan-temente encarregado de misses diplomticas de grande responsabili-dade, algumas delas bastante delicadas, como as que o obrigavam a des-locar-se em longas viagens a Roma, para resolver ou mediar questesbelicosas entre Ippolito dEste e o papa Jlio II, e atritos nascidos dodifcil relacionamento do ducado de Ferrara com o Papa. Consta que

    este uma vez ameaou mandar atir-lo ao Tibre se no lhe desapareces-se imediatamente da vista.

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    Alm dos perigos a que estava sujeito nessas longas e urgentes via-gens a cavalo, a Roma e a vrias outras cidades, era chamado a desem-penhar tarefas de camareiro, mordomo ou moo de recados, de que

    muito se lamentava, concretamente nas suas stiras.Foram anos difceis, ressentindo-se sempre de ser afastado do lar e

    da tranquilidade que lhe permitiria dedicar-se escrita, mas encontrou,mesmo assim, tempo e concentrao para escrever, alm do OrlandoFurioso, as comdias, a poesia lrica e as stiras. Considerava que a suaobra era o Furioso, tendo descurado a publicao do restante, que dei-xou em manuscritos dispersos.

    Das suas obras menores, as Satireso, sem dvida, as mais interessan-

    tes. Em nmero de sete, so compostas em tercetos e tm forma epistolar,dirigindo-se o poeta a familiares e amigos com quem discorre sobre factosconcretos da sua vida ou sobre os seus estados de alma, evoca recordaespessoais ou caricaturiza algum, e nas quais por vezes se lamenta, com desi-luso ou com humor, do pouco reconhecimento que recebe ou da falta deliberdade para se dedicar literatura. Foram compostas entre 1517 e 1525.

    No Outono de 1515, Ludovico decidiu dar o seu poema estampa:entregou o manuscrito a Giovanni Mazzoco, de Bondeno (cidade pr-xima de Ferrara), de cuja tipografia saiu em Abril de 1516, a expensasdo autor, com excepo do papel, provido pelo Cardeal. Compunha-sede quarenta cantos e era dedicado a Ippolito dEste, o qual no daria odevido apreo obra do seu corteso, que, em vez de louvores, recebeudele, dias depois, a pergunta: Messer Ludovico, dove mai avete trova-to tante corbellerie? (Senhor Ludovico, onde que foi buscar tantosdisparates?). A obra, porm, conheceu um sucesso imediato em todasas cortes italianas, tendo em poucos anos sado da esfera aristocrtica econquistado pblico de todos os estratos sociais.

    Em 1517, as relaes entre Ippolito dEste e Ariosto conheceramum corte definitivo. Em Agosto, o Cardeal decide partir para aHungria, onde tinha um bispado, ordenando a Ariosto que o acompa-nhasse. Ludovico recusa-se a faz-lo, alegando motivos de sade bronquite e problemas de estmago susceptveis de se agravarem coma longa viagem e a transio climtica. Foi a ruptura total. Ippolito noaceitou a sua justificao e afastou-o do seu servio, retirando-lhe oshonorrios e os benefcios eclesisticos que lhe atribura.

    Por intercedncia de Bonaventura Pistofilo, notrio e secretrio deAlfonso dEste, irmo de Ippolito, em 1518 Ariosto entra ao servio

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    deste. Conforta-o o facto de o duque o desviar menos de Ferrara, o quelhe permite dedicar-se mais sua obra literria e no se afastar do con-vvio de Alessandra Benucci, como confessa na Satira III, composta em

    Maio desse ano:

    Il servizio del Duca, da ogni parteche ci sia buona, pi mi piace in questa:che dal nido natio raro si parte.Per questo i studi miei poco molesta,n mi toglie onde mai tutto partirenon posso, perch il cor sempre ci resta.1

    (Sat., III, 67-72)

    Ariosto foi sempre muito discreto em relao sua vida amorosa,mas alguns factos essenciais so conhecidos. A sua relao com OrsolinaSassomarino, iniciada em 1508, e da qual nascera, no ano seguinte,Virginio, em 1513 j se esgotara; nessa altura, Ludovico rompeu for-malmente a ligao, porque se enamorara daquela a quem se uniriasentimentalmente para o resto da vida. Quis, no entanto, dar umaposio digna me do seu filho, qual nunca dedicou um nicoverso: arranjou-lhe marido e comprou-lhe uma casa, que at mobilou,arrumando assim, de forma prtica e generosa, a situao.

    Alessandra Benucci, florentina, era mulher de Tito Strozzi, impor-tante mercador da famlia dos banqueiros Strozzi, de Florena, mas quehabitavam em Ferrara, cuja corte frequentavam, participando dos janta-res, bailes e outros divertimentos, em que Alessandra era admirada comoa mais bela entre as belas. Ariosto conheceu-a, pois, nesses ambientes, ea admirao que ela lhe suscitava transformou-se em enamoramento. Em

    Junho de 1513, no dia de So Joo, o poeta estava em Florena para assis-tir aos festejos daquela cidade, sendo hspede de Niccol Vespucci,amigo do cardeal Ippolito. Alessandra chegou com o marido para as fes-tas, sendo hspedes da mesma casa. Nesse dia, Ludovico declarou o seuamor mulher que exercia sobre ele o fascnio de uma revelao, comodiz na sua cano Non so sio ben potei chiudere in rima2.

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    1 (O servio do Duque, de entre todas as partes / boas que tem, na que mais me agrada nesta: /que do ninho ptrio raramente se aparta. / Por isso os estudos meus pouco molesta, / nem me tira de

    onde separar-me de todo / no posso, pois sempre l me fica o corao.)2 (No sei se fui capaz de guardar em rima).

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    Teve incio entre eles uma relao secreta, mas que havia de perdu-rar para sempre. Tito Strozzi morreu repentinamente em 1515, mas,apesar de Alessandra ficar assim livre para casar com Ariosto, ambos

    decidiram no o fazer, preferindo conservar as vantagens que o celiba-to lhes garantia. Alessandra, casando de novo, perderia o usufruto dosbens do marido e a tutela dos filhos, que eram seis. E Ludovico nopodia renunciar de nimo leve aos benefcios que adquirira em 1503,ao tomar as ordens menores. Vivia cada um na sua casa, em Ferrara,sem nunca terem coabitado. Numa sua elegia, Ariosto d-nos conta dascautelas a que era forado para se introduzir furtivamente em casa deAlessandra:

    Or mi levo, or maccosto, or fuggo or torno,

    Tutto nel manto ascoso, a capo basso,vo per entrar; poi veggio appresso o sentochi pu vedermi, e mallontano e passo.

    Che debbio far? che possio far tra centoocchi, e fra tanti usci e finestre aperte?3

    S muito mais tarde, numa data imprecisa entre 1528 e 1530, cele-braram, secretamente, matrimnio. Nem os cnjuges nem os poucosamigos que tero estado presentes cerimnia secreta revelaram talfacto, e Ludovico e Alessandra continuaram a viver separadamente.

    O Orlando Furioso, entretanto, tinha sido continuamente melho-rado pelo poeta, que, em Fevereiro de 1521, fez publicar uma segundaedio revista, esta impressa por Giovan Battista da la Pigna. No

    sofrendo alteraes em contedo (tinha os mesmos quarenta cantos),apresentava no entanto enormes melhorias no que respeitava lngua,expurgada de expresses dialectais regionais, de arcaismos e latinismos,muito mais elegante e lmpida do que a da primeira verso da obra,acompanhando os cnones renascentistas. Deixava j prenunciar a per-feio que viria a observar-se na ltima edio que o autor faria publi-

    Ludovico Ariosto: a vida, o tempo, a obra. 1111

    3 (Ora me afasto, ora me aproximo, ora fujo ora regresso, / Todo escondido no manto, de cabeabaixa, / vou para entrar; nisto vejo perto ou oio / quem me pode ver, e afasto-me e passo. / Que hei-

    de fazer? Que posso eu fazer entre cem / olhos, e entre tantas portas e janelas abertas?)

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    car. Desta segunda edio fizeram-se inmeras reimpresses, mas semquaisquer alteraes ao texto.

    Em finais de 1521 Ferrara era alvo de novas ameaas de guerra por

    parte do Papa, e Alfonso dEste tomou providncias, recrutando exr-citos e reforando fortificaes, despesas que o obrigaram a cortar nosgastos menos importantes, considerando suprfluos os estipndios dealguns cortesos, entre os quais Ariosto. Ludovico comeou a recearpelo seu futuro e, em Fevereiro de 1522, disse ao duque que, caso noprovesse s suas necessidades, no podia levar a mal que ele procurasseo sustento noutro lado. ento que Alfonso lhe prope o cargo degovernador da provncia da Garfagnana, que ele no tem coragem de

    recusar, compelido pela necessidade. Tratava-se de um territrio nosconfins do ducado, disputado por Florena e Lucca, perdido no meiodas gargantas dos Apeninos, onde os conflitos e o banditismo grassa-vam entre os habitantes. Requeria-se um governador com mo de ferroe um aumento das foras militares. Ariosto sabia que o cargo era dif-cil e que no se coadunava com o seu temperamento, e pesava-lhemuito afastar-se de casa e de Alessandra, mas os tempos eram maus eos honorrios generosos. Assumiu-o, pois, tendo demonstrado digni-dade e firmeza no seu desempenho. Depois de uma viagem de vriosdias, chega a Castelnuovo di Garfagnana, onde permaneceu at Junhode 1525, fazendo visitas a Ferrara mais ou menos de seis em seis meses,e voltando a partir sempre amargurado pelo afastamento e por nopoder levar consigo Alessandra. Nos primeiros meses teve a companhiado filho Virginio. Ali escreveu as Satire iv, viie vi, que reflectem os seussentimentos e preocupaes desses tempos, e continuou, sempre, apurificar o Orlando Furioso, o que, alis, faria at ao fim da vida.

    As dificuldades de governao que Ludovico enfrentou na

    Garfagnana foram muitas, e no encontravam respostas eficazes nasdirectivas do duque, que no atendia as suas sugestes e pedidos nemcolmatava a escassez de foras da ordem com que aquele lutava. Em1524, Alfonso prope-lhe o cargo de seu embaixador oficial em Roma,mas Ariosto recusa. O que mais almejava era a tranquilidade da suacasa, para se dedicar escrita e estar perto da famlia e de Alessandra.Em 1525, renuncia de livre vontade ao cargo de governador e regressaa Ferrara. Com as economias que ali fez compra uma casa no bairro de

    Mirasole, afastada do centro da cidade e com um grande quintal. Dincio a obras de restauro, que ele prprio dirige, dispensando enge-

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    nheiros e arquitectos. Sobre a fachada da casa lia-se um dstico emlatim, que ali fora inscrito pelo anterior proprietrio, e que Ariostoconservou: Parva, sed apta mihi, sed nulli obnoxia, sed non sordida, /parta meo sed tamen aere domus4.

    Goza finalmente do privilgio de se afastar definitivamente dasempresas militares e das misses diplomticas dos senhores da corte deFerrara, limitando-se a ser um observador distanciado dos factos, umoutsiderdistraidamente atento que observava os homens e as suas proe-zas e reveses, sem estar neles imiscudo. Nomeado superintendente dosespectculos da corte por Alfonso I, volta a escrever comdias, ensaia aspeas e faz cenografias. Deixou incompleta a comdia I Studenti, que

    foi terminada por seu irmo Gabriele e seu filho Virginio.O seu cuidado e ocupao maior continuava a ser a reviso doFurioso, de que preparava nova edio. Entre 1521 e 1528 escreveu osCinque Canti, cinco novos cantos que planeava acrescentar ao poema,dando-lhe uma concluso diferente, mas decerto inferiu que essesnovos enredos no se harmonizavam com os restantes, e p-los departe. Virginio encontrou-os aps a morte do pai e veio a public-losem 1545, em apndice a uma nova edio da obra.

    No incio de 1529, Ludovico saiu da companhia dos irmos emudou-se para a sua parva domusem Mirasole (hoje, na via Ariosto),levando consigo apenas Virginio. Ali viveu os seus ltimos anos, dispon-do livremente do tempo, que dividia entre a actividade teatral na corte,os estudos, a jardinagem e, evidentemente, a pertinaz reviso da sua obra.

    Alfonso dEste chamava-o corte de vez em quando para conver-sar com ele, ou para o acompanhar em alguma deslocao, pois era-lhegrato mostrar-se na companhia do grande poeta, que tanto brilho dava sua corte. A obra de Ariosto era conhecida e apreciada atravs da

    Europa, a sua fama corria mundo.Em Outubro de 1531, Alfonso dEste envia Ariosto a Correggio a

    fim de sondar as intenes de Alfonso dAvalos, marqus do Vasto, quetem ali as suas tropas estacionadas. Ariosto, alm de trazer ao duquenotcias tranquilizadoras, v ser-lhe atribuda pelo marqus uma pen-so anual de cem ducados de ouro, transmissvel aos herdeiros, que oajudou a viver mais desafogadamente os seus derradeiros anos.

    Ludovico Ariosto: a vida, o tempo, a obra. 1313

    4 ( uma casa pequena, mas adequada a mim, livre de vnculos e decente, / e adquirida com o meudinheiro).

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    Em Outubro de 1532 sai da tipografia de Francesco Rosso daValenza, em Ferrara, a terceira edio, revista, do Orlando Furioso,ampliada para quarenta e seis cantos (compreendendo 4842 oitavas,

    quase 40.000 versos). Quando ps de parte os Cinque Canti, Ariostodecidiu, em vez de acresc-los ao poema, ampliar este no seu interior,inserindo novos episdios que se integravam nos j existentes. Assim,esta terceira edio tinha como novidade, em relao aos quarenta can-tos das duas anteriores, os episdios de Olimpia, do Castelo de Tristo,de Marganor, de Leone, e, ainda, a meno s personalidades ilustressuas contemporneas, que comparecem no ltimo canto a aguardar, nocais, a chegada do navio, metfora do poema. Ariosto tencionava

    ampliar ainda mais a sua obra-prima, conforme declarou a amigos, naedio seguinte, que j projectava; a vida, porm, no lhe deu tempode o fazer.

    Em Dezembro de 1532, pouco depois de regressar de uma viagema Mntua com o duque para cumprimentar Carlos V, que ia encontrar--se com o Papa em Roma, Ludovico adoece com enterite.

    Depois de quase sete meses de doena, sobrevm-lhe complicaespulmonares e morre a 6 de Julho de 1533, na sua casa, com a idade de58 anos. No dia seguinte, ao entardecer, o fretro transportado parao mosteiro de San Benedetto, onde sepultado com a maior simplici-dade. A notcia da sua morte s corre pela cidade nos dias que seseguem. Actualmente, o mausolu com as suas ossadas encontra-se naBiblioteca Comunale Ariostea, em Ferrara, para onde foram transferi-das por iniciativa do general francs Miollis, em 1801, quando da ocu-pao napolenica da Itlia.

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    Em 1486 foram publicados, em Veneza, os dois primeiros Livrosdo poema Orlando Innamorato, do conde Matteo MariaBoiardo. O ento adolescente Ludovico Ariosto, impressionadocom a obra, comeou a dedicar-se leitura e estudo de histrias de cava-laria, matria que estava na gnese da obra de Boiardo, e quando este mor-reu, em 1494, deixando a obra interrompida no Canto IX do Livro III,Ludovico alimentou a inteno de lhe dar continuidade. No se sabe aocerto quando comeou a faz-lo, mas h indicaes de que em 1504 o tra-balho j estava iniciado.

    Ariosto retomou as personagens e as respectivas aventuras no pontoexacto em que Boiardo as deixara suspensas, e incutiu-lhes, de novo,movimento. Contudo, esse novo movimento revelou-se muito mais fluidoe elegante, percebendo-se, desde a primeira edio, que o Orlando Furioso,laborando embora na mesma matria de uma interminvel cadeia deromances cavaleirescos, e tendo como antecessores mais directos no espa-o italiano Morgante Maggiore (1483), do florentino Luigi Pulci, queparodia as canes de gesta, e o j referido poema de Boiardo, era uma obra

    original. Ludovico, com a sua extraordinria fantasia, dera uma outra fisio-nomia s personagens, mais de acordo com a sensibilidade e o gosto renas-centistas. O mundo cavaleiresco perdia os seus contornos rgidos e passavaa ser um cenrio de fundo para figuras que exprimiam livremente toda adiversidade e contrastes de sentimentos e comportamentos prprios danatureza humana, sem excluir a nota dissonante da loucura.

    Mas a novidade da obra no ficava por a. Ariosto, em relao aos doisantecessores citados, burilara a lngua com um cuidado e uma percia quea colocavam a grande distncia da linguagem spera, rude e pouco male-vel de Pulci e de Boiardo. Numa poca em que se buscava, entre to varia-

    dos dialectos, um padro para a lngua culta italiana, Ariosto quis impri-mir sua obra a evoluo lingustica teorizada por Pietro Bembo, que

    O O

    RLANDO

    F

    URIOSO

    Gnese

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    tinha como modelo o toscano do sculo XIV, de Petrarca e Boccaccio,acompanhando assim a fixao do florentino como lngua literria, esendo o primeiro a us-la numa obra de grande flego. Seguindo essa

    linha e a teoria de Bembo, tambm difusor do petrarquismo como mode-lo lrico, o estilo de Petrarca est visivelmente presente no OrlandoFurioso, na reproduo de palavras e versos, na sintaxe, na descrio depaisagens e figuras femininas, etc.

    A ottava rima, modelo de estrofe usado pela primeira vez porBoccaccio na Teseida (1340), adquire em Ariosto uma fluidez e umamusicalidade novas, e um ritmo propulsor que impele a narrativa.Narrativa que feita com uma grande mestria, num movimento inces-sante em que esto sempre presentes a malcia, o bom humor e a ironiade um narrador que no quer ser tomado muito a srio e que o primei-ro a divertir-se com a histria, fazendo frequentes comentrios acercadaquilo que est a escrever, ou consideraes que atestam o seu conheci-mento dos factos e dos sentimentos humanos. Salta de um episdio aoutro em momentos de maior suspense, ironiza acerca da credibilidade dequanto narra, fala com o leitor ou com o destinatrio da obra o senhor no incio e no final de cada canto, quando muda de episdio e sempreque lhe apetece, como um realizador que est sempre presente e que con-trola toda a aco. Deste modo, cria pausas de desacelerao e de reflexo,e um distanciamento entre o narrador e o narrado que permite a famosa

    ironia ariostesca, a confrontao do poema com o prprio poema.Um exemplo dessa sua demonstrao de que tem tudo sob controloe que maneja com percia todos os fios do tecido que est a urdir, que-rendo mesmo evidenciar ao leitor os ns que vai deixando no lado doavesso, encontra-se nas oitavas 80 e 81 do Canto XIII, quando abandonaBradamante, presa a um feitio do mago Atlante, para ir observar o quese passa no campo sarraceno:

    Bradamante deixo, e mal no vos caiasaber que ela ali fica em tal encanto;

    pois, quando for tempo que dali saia,fao-a sair, e Ruggier outro tanto.Se, a novo pitu, novo gosto raia,acho que a minha histria, tambm, quantomais variando for aqui e alm,mais gosto em quem a ouvir mantm.Muitos fios ser preciso dar-me

    para tecer esta tela que eu rasouro.Mas espero que vos agrade escutar-me,ouvindo o modo como o povo mouroa mando do rei Agramante se arme;

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    Se alguns passos da obra podem considerar-se menos entusiasman-tes, so aqueles em que o poeta cumpre o dever de corteso e faz oencmio dos seus senhores, tecendo louvores que conferem a Ippolito,

    Alfonso e restante famlia dimenses quase divinas.O texto despretensioso, no aspira a um estilo sublimado, camo-niano. A matria herica, como a histrica, reduzida a um registocoloquial. Ao contrrio de Os Lusadas, no uma narrativa sequen-cial, linear, mas sim um contnuo interromper e reatar de aconteci-mentos paralelos e cruzados, em que vrias histrias vo sendo conta-das em simultneo e em cadeia, com recurso frequente ao flashback, esem que o prprio tempo, muitas vezes, seja linear. A variao dos tem-pos verbais dentro da oitava tambm acentua essa oscilao ou indefi-nio temporal.

    Perante a perfeio expressiva do poema de Ariosto, a obra deBoiardo foi, na altura, relegada obscuridade, considerada imperfeita,escrita num italiano provinciano e grosseiro; contudo, o Innamoratouma obra digna de apreo, de um grande esprito inventivo e com sen-tido de humor, que foi a fonte da quase totalidade das personagens edas aventuras que deram vida ao Furioso. Ariosto tinha em devidoapreo a obra de Boiardo, por isso dizia modestamente, enquanto o seupoema no conheceu publicao e no recebeu um ttulo, que ele eraapenas una gionta(um acrscimo) ao Orlando Innamorato.

    Enredo e personagens

    O argumento do poema tem por fundo as guerras entre Carlos Magnoe os Mouros que invadiram a Frana, comandados pelo rei Agramante.Nesse cenrio movimentam-se personagens ligadas ao ciclo carolngioe ao ciclo breto, pertencentes tradio literria dos romances decavalaria e das canes de gesta, matria que fugia j ao gosto classicis-ta do Renascimento. Mas Ariosto soube mold-la de modo a torn-la

    mais refinada e variada, recorrendo a todo o passo ao simile, com fre-quncia vergiliano, introduzindo-lhe muitas referncias clssicas emitolgicas, novas personagens e novas histrias. Entre as personagensmais relevantes avulta Orlando, o Roland da Chanson de Roland,heri de tantas canes de gesta, e a sua paixo por Angelica, que o leva loucura, facto central no poema e na sua prpria estrutura, pois acon-tece no Canto XXIII, e que d ttulo obra. Ruggiero e Bradamanteso igualmente personagens de primeiro plano na economia do poema,na medida em que tm como destino dar origem estirpe dEste, sendoeles prprios descendentes do troiano Eneias, atravs de seu filhoAstanax.

    O Orlando Furioso 1717

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    Naquele tempo, como j nos tempos homricos, era muito impor-tante ter uma genealogia ilustre, que fizesse a famlia descender de umgrande heri, mitolgico ou histrico. As cortes italianas tinham todas

    uma grande tradio cultural, mas, mais que todas, as de Florena e deFerrara. Esta pde orgulhar-se de por ela passarem, sucessivamente, ostrs maiores poetas picos da Itlia: Matteo Maria Boiardo (OrlandoInnamorato), Ludovico Ariosto (Orlando Furioso) e Torquato Tasso(Gerusalemme Liberata). Ercole I dEste encarregara Boiardo de criar,no Orlando Innamorato, um antepassado ilustre para a sua famlia,tendo o poeta introduzido a figura de Ruggiero no poema com essafinalidade; no Livro III, que deixou apenas comeado, chegou a pro-porcionar o seu encontro breve com Bradamante, mas no teve tempopara desenvolver a histria dos seus amores, o que acontece no Furioso.

    Tambm a conturbada histria de Itlia, em especial a do tempo deAriosto empolgando de modo particular as empresas e os reveses dosgovernantes de Ferrara tema constantemente abordado na obra,determinando dois planos temporais na narrao: o tempo da fbulacavaleiresca, e o tempo da histria poltico-militar italiana. No faltamtambm episdios picantes e de grande erotismo, que contriburampara que o Furiososofresse acusaes de licencioso e imoral, at finaisdo sculo XVIII.

    A Ariosto bastam as primeiras quatro oitavas do Canto I para fazer

    o exrdio do poema. Define na primeira qual a matria que vai cantar,informa na segunda que vai dizer coisas que nunca foram ditas emprosa ou rima a respeito de Orlando (o qual nunca, em anterioresobras, atingira a loucura), e invoca a amada, preterindo as Musas ouqualquer divindade. Na terceira, pede a Ippolito dEste que se digneaceitar este tributo do seu humilde servo, criando um desnvel entrequem d o que pode e quem recebe; e na quarta oitava refere o heriRuggiero, com o qual sugere que o dedicatrio tem uma relao tpi-ca, usando-a como chamariz para que ele condescenda em que seusaltos pensamentos cedam um pouco de ateno aos seus versos, pois

    eles cantaro algum que lhe diz respeito.Nas estrofes 5 e 6 faz a ponte entre o estado das coisas conforme

    tinham ficado no Innamorato, no que respeita guerra entre CarlosMagno e os Mouros e personagem Orlando, e o actual teatro da acono Furioso, antecipando, com a adversativa com que abre o ltimoverso da oitava 6, que esto reservadas contrariedades ao seu heri, pelomotivo expresso no primeiro verso da oitava 7. Logo a seguir faz umadas suas intromisses pessoais, que desmontam a aco perante os nos-sos olhos e que so uma autocrtica do prprio poema: eis que o juzohumano amide erra!. Nenhum errar tanto, no Furioso, quanto o deOrlando.

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    Ariosto encadeia os factos de tal maneira que no nos deixa respirar;logo a seguir, na oitava 10, apresenta-nos Angelica em fuga por bosquese selvas, o que ser nela uma constante, para escapar aos seus muitos e

    diversos amadores. E, com Angelica, comeamos de imediato a perce-ber que o tecido do poema uma selva cerrada e cheia de ciladas, per-corrida em todos os sentidos por criaturas errantes que se cruzam ou sedesencontram, que se buscam ou se evitam, numa permanente deam-bulao em demanda de um ser amado ou de um inimigo, de um cava-lo ou de uma espada, ou simplesmente de uma aventura. O leitor constantemente confrontado com o imprevisto, com as sbitas mudan-as de cenrio, com o jogo de aparies e desaparecimentos e os maisvariados golpes de magia; e levado pela cadncia rtmica marcada pelogalope dos cavalos, pelo tinir das armas, pela voz do narrador, pelo enca-deamento das oitavas, frequentemente ligadas por enjambement.

    A guerra entre Carlos Magno e os Mouros, sempre presente, a certaaltura transfere-se de Frana para frica, tal como Orlando, enlouque-cido, atravessa o mar a nado para frica. O cerne do poema , de facto,o enlouquecimento por amor do seu heri titular, a apresentao doamor como fonte de loucura para o esprito impreparado. Nas trs pri-meiras oitavas do Canto XXIV, o narrador diz-nos que o amor nadamais que insnia, que tem disso experincia prpria, e que s o factode passar de momento por um intervalo de lucidez lhe permite fazer

    esse aviso navegao.Orlando segue obsessivamente Angelica, mas nunca mais a encon-tra, a partir do momento em que Carlos Magno a subtrai sua compa-nhia no incio do poema, como j se referiu. Ele que era o paladino maisherico, mais valoroso e forte do rei de Frana, seu tio, abandona as hos-tes francesas a coberto da noite, disfarado de mouro, no momento maiscrtico: quando Paris est assediada. Parte numa longa e v demanda porAngelica, que o leva a outros pases e a participar de outros episdios datrama, e a regressar, muitos meses depois, ao ponto de partida. E entoque, nos arredores de Paris, Orlando encontra o seu locus infaustus,

    num dos cenrios mais amenos e onricos de todo o poema.Angelica, que ao longo de vrios cantos o motor que impulsiona

    e arrasta atrs de si cavaleiros cristos e mouros, reis e eremitas enfeiti-ados pelos seus encantos, tudo o que deseja regressar ao Oriente elivrar-se definitivamente de todos esses pretendentes. Porm, ningum dono do seu destino, e Angelica tem um encontro fatal: eis que depa-ra com um jovem soldado mouro, Medoro, louro e belo como um que-rubim, gravemente ferido. O seu corao empedernido finalmenteamolece e prende-se de paixo pela bela criatura, que trata com carinhoe poes feitas de ervas, cujos benefcios conhece bem. Amam-se,unem-se, e juntos partem para o Catai. Ariosto escorraa do poema a

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    sua herona favorita no Canto XIX, e nas duas ltimas oitavas doCanto XXIX, num breve ataque de misoginia, lamenta mesmo que opaladino no tenha exercido vingana sobre ela.

    No Canto XXIII, Orlando encontra por acaso um lugar aprazveljunto a um rio cristalino, que corre entre prados floridos onde crescemfrondosas rvores, e onde sob um monte h uma gruta. Em redorvagueiam pastores e rebanhos, e h referncias a ninfas. o espaobuclico perfeito, tal como o descrevem Verglio e Sannazaro.Pretendendo repousar ali um pouco, comea a aperceber-se de que portodo o lado h inscries, nomes e epigramas feitos por Angelica eMedoro. Recorre a vrios estratagemas para se iludir, trava dura lutacom o seu corao e a sua mente, mas recebe o golpe fatal quando sealoja na casa de um pastor, a mesma em que se alojaram os amantes; aliouve contar toda a histria, e v a pulseira que um dia dera a Angelica,oferecida por ela ao pastor em reconhecimento.

    Volta ao lugar aprazvel e destri toda a natureza, despe a armadu-ra, desfaz-se do cavalo, da espada, das roupas interiores, usa a sua forabruta para destruir com bestialidade todo o ser que de si se aproxima,animal ou gente, e da em diante vagueia ao acaso, nu e irracional,espalhando destruio. A mente de Orlando no pode entender queAngelica, uma princesa, o pretira por um pobre soldado mouro, por-que isso no se inscreve nas regras do mundo cavaleiresco a que ele per-

    tence, segundo as quais ela devia querer o mais prestigiado dos paladi-nos, ele prprio. Por isso, fica louco furioso. Angelica, por seu lado,parece ter sado precocemente do poema por desestabilizar o mundocavaleiresco. Talvez nestes factos esteja implcita uma crtica aos valoresmais rigorosos da cavalaria, uma vontade de causar o desmoronamen-to desse mundo.

    Como atrs ficou referido, Ruggiero e Bradamante so os herisque esto presentes no Furiosopara conferir prestgio rvore genea-lgica da famlia dEste. Ariosto arrasta-os, afigura-se-nos, com umcerto desconforto, num desencontro permanente, at ao ltimo canto,

    onde por fim lhes celebra o matrimnio, dando cumprimento von-tade que j fora transmitida a Boiardo. So personagens menos espon-tneas, mas que completam, com as suas personalidades prprias, avariedade de caracteres humanos que enriquece o poema. Ruggiero ,originalmente, um cavaleiro sarraceno, e converte-se ao cristianismopara desposar Bradamente. Se, por um lado, um guerreiro exemplarque d inmeras provas de bravura e brio, por outro apresenta-se comoum indivduo leviano e fraco, que esquece facilmente Bradamante, eque mostra pouco discernimento. Alm do que lhe acontece no epis-dio da ilha de Alcina, podemos observar isso na passagem em que eleencontra Angelica amarrada ao escolho, prestes a ser devorada pelo

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    monstro marinho, e ela que tem de insistir para que se apresse a tir-la dali, uma vez que ele persiste numa luta ineficaz com o monstro, semconseguir mat-lo, deixando-a exposta ao perigo. Assim que a salva,

    tem o impulso incontrolvel de a possuir. O contraste enorme, tantona valentia como no comportamento, entre ele e Orlando, quandoeste, em idntica situao, mata o monstro e salva Olimpia.

    Ruggiero no tem determinao nem fora de carcter que lhepermitam ser senhor de si mesmo, e deixa-se controlar por duas forasantagnicas, ambas conotadas com a magia e a feitiaria. Uma, o magoAtlante, usa todo o tipo de engodos para o afastar do teatro das opera-es, com a inteno de o proteger de um destino nefasto que lhe foipredito; outra, a maga Melissa, esfora-se continuamente para o cha-mar ao dever e razo, e para o aproximar de Bradamante, a fim de queo desgnio de fundador da estirpe dEste no fique por cumprir. Parece-nos que por detrs desta imagem, pouco abonatria, daquele que sera cepa da famlia dEste, se adivinha o sorriso malicioso de Ariosto.

    Quanto a Bradamante, menina-dos-olhos de Carlos Magno e porele muito mimada, uma guerreira forte e feroz que s encontra para-lelo em Marfisa, mas que, por contraste, se mostra demasiado dcil esubjugada autoridade paterna, e excessivamente tolerante e confor-mada no que respeita aos erros e ausncias de Ruggiero. Assistimos aosseus longos monlogos, carpindo a infelicidade amorosa encerrada no

    castelo da famlia, como quem cumpre um destino que lhe est fatal-mente traado.Alm destas personagens, que so centrais no poema, imensas so

    as que nele se movimentam e que tm igualmente protagonismo. Masoutras h com aparies pontuais, acessrias (Ippalca, por exemplo, ouo mensageiro que traz a Ginevra notcias de Ariodante), e at efmeras,tendo apenas a funo de ligar fios da trama, sem nela terem relevo,como o caso da dama lacrimosa que Ruggiero e Bradamante encon-tram e os conduz ao castelo de Pinabello; nem chegamos a saber o seunome. H personagens divinas que interferem directamente na aco

    blica, como o arcanjo So Miguel, numa leve reminiscncia da inter-veno dos deuses olmpicos em Homero, e h um grupo de figuras dopovo taberneiros e estalajadeiros, pastores, barqueiros que sobres-saem por serem detentoras de saberes tradicionais e grandes contadorasde histrias. So as figuras que do presena literatura oral, que setransmite atravs da palavra falada. Regista-se tambm a presena, queracessria quer relevante, de eremitas, que tanto vestem a pele do santocomo a do pervertido. Entre os reis e guerreiros sarracenos designa-o que abrange tambm os originrios de terras orientais vriossobressaem pela sua bravura, mas a figura mais notvel a deRodomonte, rei de Argel, que se distingue de modo especial no assalto

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    a Paris. Em certa medida, pode ser comparado a Orlando, visto quepossui, entre os seus, prestgio, fora fsica e valentia idnticos, sofren-do tambm ele um ataque de loucura por amor. Chega a envolver-se

    em luta corpo-a-corpo com o paladino francs, quando as mentes deambos se encontram obscurecidas.H, contudo, uma personagem no Orlando Furiosoque merece

    ateno especial, por ter a capacidade de aprender com o prprio erroe de exercer uma funo didctica, e por ser capaz de restabelecer a har-monia e o equilbrio do poema: Astolfo, o duque ingls.

    Quando o encontramos pela primeira vez, no Canto VI, est trans-formado em mirto, por se ter deixado enredar nas sedues da feiticei-ra Alcina. Nesse estado vegetal, tenta transmitir a Ruggiero a sabedoriaque adquiriu com a sua experincia e evitar que ele seja vtima damesma armadilha, mas debalde: Ruggiero vai cair nas mesmas malhas,porque no capaz de aprendizagem. Astolfo, porm, nunca maisincorre no erro. Atravessa o resto do poema livre das iluses, ideais easpiraes que ocupam os outros, sem pretender actos de galhardia,sem se apaixonar nem seguir as regras da cavalaria. Tem um livro que como um manual de instrues para resoluo dos problemas queencontra, tem armas e acessrios mgicos, nunca perde a descontrac-o, cmico e fala de tudo com conhecimento de causa. Montado nohipogrifo, voa pelos ares a seu bel-prazer, alheado do que se passa c em

    baixo, parecendo no fazer parte do poema e olh-lo do exterior.Astolfo visita o Inferno por um capricho de momento, e depois oParaso. Aqui encontra So Joo Evangelista, que o trata de igual paraigual e que o acompanha at Lua. Esta viagem interplanetria, realiza-da no Canto XXXIV, tem como objectivo recuperar o juzo de Orlando,pois na Lua encontra-se tudo quanto os homens perdem na Terra.Entre uma imensa parafernlia de coisas perdidas pelos homens aolongo dos sculos, Astolfo encontra a ampola que contm o siso dopaladino; e, de passagem, cai-lhe sob o olhar uma ampola com o seunome, que contm uma parte do seu juzo que ele nunca se apercebe-

    ra de ter perdido, mas que se apressa a inspirar. Quando regressa Terra, Astolfo vem munido de poderes que lhe permitem, entre outrascoisas, devolver a viso perdida ao Preste Joo, e transformar pedras emcavalos e folhas de rvores em navios, constituindo um exrcito e umafrota no Norte de frica que garantem a vitria das foras crists sobreas sarracenas; e devolve a Orlando o siso perdido, diluindo-se na suamente qualquer lembrana de Angelica.

    Astolfo d-nos a imagem do louco saudvel, porque no leva as coi-sas demasiado a srio; vai vivendo as situaes conforme se lhe depa-ram, sem querer que a realidade se adapte sua teoria de vida, comoaconteceu com Orlando, o louco patolgico. Enquanto Orlando con-

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    vulsionou o mundo, Astolfo restitui-lhe a ordem e a harmonia. Ariostodeu asas a Astolfo para que ele se elevasse do mundo material e pudes-se ter uma percepo distanciada das coisas, tal como o poeta, e fosse

    capaz da mesma auto-ironia. Por isso, Astolfo a projeco do prpriopoeta dentro do poema, ou seja, Astolfo o alter egode Ariosto.Conquanto o Orlando Furiosorejeite os significados absolutos do

    cdigo da cavalaria, e esteja mais preocupado em dar vida a uma pro-fuso de aces, sentimentos e emoes, dos mais nobres aos mais vis,que ilustram a diversidade de matizes da natureza humana, exprimetambm uma certa nostalgia por esse mundo perdido, quando, porexemplo, condena as armas de fogo (XI:21-28), ou quando, no final doCanto IX, Orlando destri e afunda em alto-mar o arcabuz e respecti-vas munies. Pois o que vale um disparo de espingarda ou de arcabuz,ao p dos belos golpes de espada e lana de um cavaleiro que lutavapelo seu senhor, pela sua dama, pela religio, pelos oprimidos, ou ape-nas para obter a glria? Que feito das cortesias que andavam sempreassociadas a esses actos de valentia?

    O poeta contemporneo de um prncipe sem escrpulos comoCsar Borja no podia deixar de sorrir de nostalgia enquanto escreviasobre Rinaldo e Ferra um cristo e outro muulmano que sebatiam em duelo por Angelica e que, ao notarem que ela entretantofugira, concordam em interromper a batalha, e, dispondo de apenas

    um cavalo, o montam juntos para segui-la:Oh, bondade dos cavaleiros antigos!Eram rivais, eram de f diferente,e, de se infligirem cruis castigos,toda a pessoa os dois tinham dolente;mas, por selvas, atalhos, desabrigos,juntos vo, sem que a suspeita os atente.(I:22:1-6)

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    OOrlando Furioso uma obra que h muito tempo conheo e

    amo. No esperava, porm, que me viesse a caber a tarefa dea traduzir para lngua portuguesa. A editora Cavalo de Ferro

    teve a feliz e louvvel iniciativa de publicar a obra-prima de LudovicoAriosto, e props-me a execuo do trabalho.

    O tradutor profissional, ao assumir a responsabilidade de um trabalho,assina um contrato com a editora, que o obriga s clusulas pelas quais omesmo se rege, e tem de executar esse trabalho como quem executa umaempreitada, sem que o grau de dificuldade ou a busca de mais perfeiosejam tidos em conta. A mais premente e mais pesada dessas clusulas ,

    invariavelmente, o prazo. O prazo , quase sempre, um mecanismo assus-tador, que, qual guilhotina, est suspenso sobre a cabea do tradutor.No caso presente, foi-me dado o prazo de um ano para fazer este

    trabalho, porque a prpria editora estava vinculada a compromissos deedio que a tal a obrigavam.

    Conhecendo bem a obra, no ignorei que o prazo era restricto, porm,uma vez que me foi dada a liberdade de fazer a traduo como quisesse, ouseja, em rima, em prosa, em verso branco, com ou sem rigor mtrico, acei-tei. Aceitei, sobretudo, porque era um desafio: ser-me-ia muito difcil ter aoportunidade de traduzir o Orlando Furiosoe descart-la.

    Conhecer bem uma obra, porm, um facto que perde importn-cia quando a abordamos com a inteno e os requisitos da traduo.Tendo feito o primeiro canto em rima, seguindo, tanto quanto era pos-svel segui-lo pressa, o modelo de Ariosto, fiz contas e verifiquei queo tempo no chegaria. Passei a fazer a traduo em decasslabos, paralhe dar ao menos um ritmo, mas sem rima, e assim cheguei ao CantoVIII. Olhei para trs, e no reconheci o poema de Ariosto, que, semdvida, encontra o seu ritmo no s na narrativa, mas, acima de tudo,na rima e na mtrica. Retrocedi e refiz todos esses cantos em rima, e damesma forma prossegui, sujeita crescente presso do tempo que seescoava e da extenso da obra, privada da possibilidade de um segun-

    N

    OTA DA

    T

    RADUTORA

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    do olhar ao trabalho que ia ficando feito ou de uma mudana de crit-rio, tendo, como preocupao nica, avanar, avanar.

    Numa traduo perde-se sempre alguma coisa, e creio que em

    Ariosto ainda mais fcil que se perca. Para alm da mestria do autor,h que ter em conta que a lngua italiana e, particularmente, a lnguado Orlando Furioso, possui uma ductilidade que a nossa est longe depossuir. Anima-me o conforto de a minha traduo ser, tanto quanto possvel s-lo dentro do espartilho da rima e do decasslabo, e nas con-dies a que j aludi, fiel ao original, e dar a conhecer o contedo daobra a quem no seja capaz de ler o texto de Ariosto.

    O Orlando em portugus

    A presente edio a primeira traduo integral jamais feita destepoema em lngua portuguesa, contemplando os padres rimtico emtrico da oitava de Ariosto.

    H notcia de uma traduo em prosa, de Salustiano da Silva Alvesde Arajo Susano, publicada no Rio de Janeiro em 1833. E, tambmno Brasil, da traduo em oitavas de alguns episdios soltos doOrlando Furioso, feita por Luiz Vicente De-Simoni, publicada no Riode Janeiro em 1843, includa numa antologia de poetas italianos.

    Em Portugal a obra foi sendo lida no original e em tradues, ver-ses e resumos, em espanhol e francs, que proliferaram nos anos quese seguiram publicao da obra em Itlia, e o interesse que imediata-mente despertou est patente no s em vrias passagens de OsLusadascomo, por exemplo, na obra de Thom Pinheiro da Veiga,Fastigimia1, escrita em 1605 uma perspicaz e jocosa crnica de cos-tumes portugueses e espanhis da poca, em que abundam as refern-cias, entre outros, a Ariosto, e as citaes de versos e mesmo de oitavasinteiras do Orlando Furioso, na lngua original.

    Fica por fazer um estudo aturado da receptividade e dos ecos que

    o poema teve em Portugal e junto dos escritores e estudiosos portu-gueses, que exigiria de mim tempo de que no dispus.

    Em 1895 foi publicada no espao lusitano, pelo editor DavidCorazzi, uma traduo do poema de Ariosto, reduzido a prosa, daautoria de Xavier da Cunha.

    Antes dessa traduo, o poeta Gomes Leal (1848-1921) fez, em1889, uma verso do Canto I do Orlando Furioso, vertido em lin-guagem portuguesa a partir de uma verso francesa da poca.

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    1

    Thom Pinheiro da Veiga, Fastigimia, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1988 (reprod.fac-similada da ed. de 1911 da Biblioteca Pblica Municipal do Porto).

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    Recentemente, em 2002, foi publicada no Brasil uma traduoparcial, em rima, do poema de Ariosto (os oito primeiros cantos e maisalguns episdios soltos), da autoria de Pedro Garcez Ghirardi, profes-

    sor de Literatura Italiana na Universidade de So Paulo2

    . Trata-se deuma traduo que respeita a mtrica original das oitavas de Ariosto.

    Critrios de traduo

    Sobre alguns critrios de traduo, gostaria de esclarecer, no tocan-te a nomes, que os mesmos mantm a grafia que apresentam no origi-nal, exceptuando as individualidades histricas com relevncia univer-sal cujo nome j tem uma verso na nossa lngua (aplicando-se idnti-co critrio aos nomes geogrficos), as figuras mitolgicas e bblicas, e asfiguras da literatura tradicional, como Merlim, Tristo e Isolda, etc.,que tambm j possuem uma verso prpria na nossa lngua.

    Notar o leitor uma dualidade na grafia de alguns dos nomes prprios,como o caso de Ruggiero/Ruggier, Pinabello/Pinabel, Grifone/Grifon,Brunello/Brunel, e outros mais, que reproduz a dualidade que se veri-fica no original, constituindo um recurso de grande utilidade para arima e tambm para a mtrica.

    Ariosto faz uso muito frequente do poliptoto, isto , da repetio

    da mesma palavra, com formas gramaticais diversas ou apenas comum sentido semntico diverso , em posio de rima. Alguns casos hem que recorre repetio de uma palavra, mesmo sem mudana deforma gramatical ou semntica, procurando talvez um efeito enftico,como sucede no Canto VI, oitava 48, em que usa trs vezes a palavraoutros em posio de rima. Na medida do possvel, reproduzi na tra-duo, no todo ou em parte, esses efeitos.

    Nos vv. 1 e 2 da oitava 32 do Canto XLI, separei com hfen, de umverso para o outro, a palavra sobrevestes, e no Canto XLIII, oitava105, separei do mesmo modo, do v. 3 para o v. 4, a palavra precisa-

    mente, reproduzindo idnticos processos do original.Encontra-se por vezes, em duas oitavas seguidas, a mesma rima,

    chegando a ocorrer, nas duas, uma mesma palavra (ex: mano/mo emXV, 81-82, e allora/hora, em XLIII, 147-148). H casos espordicosde oitavas que tm a mesma rima nos seis primeiros versos: veja-se aoitava 6, do Canto XXXIII, em que se faz a aproximao a um con-junto de pinturas murais, representando factos que ho-de acontecerno futuro; no original, cinco dos seis versos apresentam em posio de

    Nota da Tradutora 2727

    2

    L. Ariosto, Orlando Furioso (cantos e episdios), Introd., Trad. e Notas de Pedro Garcez Ghirardi,Ateli Editorial, Granja Viana-Cotia-SP, 2002.

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    rima um particpio verbal com terminao em ate/adas, e o outro umpresente do conjuntivo, que em italiano tem igual terminao. A insis-tncia nos particpios passados talvez pretenda enfatizar a passividade

    que essa forma verbal transmite, uma vez que se trata de factos queesto adormecidos, espera da hora justa para acontecerem.Esforcei-me para acompanhar, sempre que possvel, os efeitos que

    atrs referi, bem como outros mais pontuais, pois no so de modonenhum despiciendos. Ariosto procura-os deliberadamente, moldandoe sujeitando as palavras e os versos, para conferir ao poema agilidade edesafectao. Compraz-se em brincar com as palavras e em surpreen-der o leitor, obrigando-o por vezes a reler, para confirmar a exactido;como sucede, por exemplo, no Canto XLIII, oitava 93, v. 8: perchnon ha ne la sua fede fede (que ele no tenha na sua f f).

    A forma contnua que dei ao texto, sem separao das oitavas,segue o modelo da edio da Einaudi (Torino, 1998) que usei na tra-duo. Esta forma parece-me ser a que melhor acompanha e enfatiza afluidez e a despretensiosidade narrativa do texto, acentuadas tambmpelo recurso assduo ao enjambement.

    Finalizo, formulando a esperana de que esta traduo chegue amuitos leitores, e que atravs dela possam descobrir o gnio de Ariostoe fruir do prazer que a leitura do seu poema proporciona.

    Margarida Periquito

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    Quando pensmos em editar o Orlando Furioso ocorreu-nos

    que seria perfeito incluir as magnficas ilustraes que, nosculo XIX, Gustave Dor realizou para esta obra. Mal saba-

    mos, ento, as dificuldades que se nos deparariam. Se a nossa intenoinicial era incluir todas as gravuras existentes, cedo descobrimos aimpossibilidade de tal projecto. Isto porque as mais de 650 gravuras dofamoso ilustrador francs nunca mais foram reproduzidas em livro nasua totalidade, desde a primeira edio da obra em lngua francesa (daHachete), datada de 1879, qual no conseguimos aceder.

    A nossa investigao levou-nos a duas outras edies, igualmentedifceis de encontrar, mas que acabaram por servir de base para a selec-o das cerca de 450 gravuras incluidas no presente volume: a edio deArmando Curcio editore, s.l., de 1957, e a belssima edio de FratelliTreves editori, Milo, 1914.

    Apesar de nenhuma destas edies comportar, mesmo em conjun-to, a totalidade dos desenhos e gravuras originais de Dor (muitas dasquais continuamos curiosos em um dia descobrir), pensamos que aseleco por ns feita seja mais que suficiente para completar, com umadescrio visual dos lugares e personagens imaginados por Ariosto, aprofunda beleza do seu poema.

    Os Editores

    N

    OTA S ILUSTRAES

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    C

    ANTO

    I

    Exrdio (matria do poema, invocao e dedicatria) Antecedentes Fuga de Angelica Encontros, desencontros e recontros na flores-ta (Rinaldo, Ferra, Sacripante, Bradamante).

    C

    ANTO

    II

    Duelo entre Sacripante e Rinaldo Nova fuga de Angelica Encontro com o eremita necromante Rinaldo a caminho deInglaterra Bradamante, em busca de Ruggiero, encontra-se comPinabello Traio de Pinabello.

    C

    ANTO

    III

    Bradamante na gruta de Merlim e profecia do mago Melissa fazdesfilar ante Bradamante a sua futura descendncia e d-lhe conselhospara libertar Ruggiero do castelo de Atlante Bradamante encontraBrunello.

    G

    UIA LEITURA

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    CANTO IV

    Bradamante desembaraa-se de Brunello, ilude Atlante e libertaRuggiero Ruggiero levado pelos ares, montado no hipogrifo Rinaldo arrastado para a Esccia por uma tempestade, e salva Dalinda.

    CANTO V

    Dalinda conta a Rinaldo a histria de Ginevra, condenada morte

    por suposta infidelidade Rinaldo luta com Polinesso e libertaGinevra, anulando a cruel lei da Esccia.

    C

    ANTO

    VI

    Ginevra desposa Ariodante Ruggiero chega ilha de Alcina Dilogo entre Ruggiero e Astolfo, transformado em mirto Ruggiero

    pretende ir para o reino de Logistilla, mas os monstros barram-lhe ocaminho Ruggiero seduzido e guiado para o reino de Alcina.

    C

    ANTO

    VII

    Depois de derrotar Erifilla, Ruggiero recebido por Alcina, de cujosencantos e luxria fica cativo Bradamante reencontra Melissa e d-lheo anel mgico, para que liberte Ruggiero Melissa desmascara Alcina.

    CANTO VIII

    Ruggiero deixa o reino de Alcina e dirige-se para o de Logistilla Rinaldo, em Inglaterra, obtm reforos para Carlos Magno Angelica, vtima do eremita, raptada e levada para a ilha de Ebuda,para servir de alimento ao monstro marinho Pesadelos de Orlando,que parte em demanda de Angelica.

    orlando furioso32

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    CANTO IX

    Orlando, procurando Angelica, encontra Olimpia e ouve a sua tris-te histria Orlando derrota Cimosco e liberta Bireno Orlandoafunda o arcabuz em alto-mar Casamento de Olimpia e Bireno.

    CANTO X

    Bireno abandona Olimpia numa ilha deserta Lamento de

    Olimpia Ruggiero deixa o reino de Logistilla, regressa ao Ocidenteno hipogrifo e v a parada dos exrcitos perto de Londres Ruggierosalva Angelica de ser devorada pelo monstro.

    C

    ANTO

    XI

    Angelica foge de Ruggiero graas ao anel mgico, que a torna invi-

    svel Ruggiero prisioneiro no palcio de Atlante Orlando chegaa Ebuda, mata o monstro marinho e salva Olimpia Oberto, rei daIrlanda, desposa Olimpia.

    CANTO XII

    Orlando aprisionado no palcio de Atlante Angelica liberta Orlando,Ferra e Sacripante do palcio encantado Duelo entre Ferra e Orlando,pelo elmo deste Angelica parte, s e invisvel Orlando massacra as for-as sarracenas Numa gruta, Orlando descobre uma jovem aprisionada.

    CANTO XIII

    Isabella narra as suas desventuras a Orlando, que dizima os ladrese a liberta Bradamante reencontra Melissa, que lhe fala das mulhe-res estenses Tambm Bradamante se deixa aprisionar por Atlante.

    Guia leitura 3333

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    CANTO XIV

    Agramante e Marsilio passam em revista os seus exrcitos Mandricardo rapta Doralice, noiva de Rodomonte O arcanjoMiguel procura a Discrdia, para a enviar para o campo sarraceno Paris assaltada pelos exrcitos sarracenos.

    C

    ANTO

    XV

    Rodomonte entra em Paris Salvo por Melissa, Astolfo viaja para oOcidente; no Egipto, vence os gigantes Caligorante e Orrilo Grifone eAquilante partem com Astolfo para a Palestina, onde encontram Sansonetto.

    C

    ANTO

    XVI

    Grifone parte em busca de Orrigille, que o traiu Rinaldo,

    Zerbino e as foras vindas de Inglaterra desbaratam os Mouros no cercode Paris Dentro da cidade, Rodomonte lana morte e destruio.

    C

    ANTO

    XVII

    Carlos Magno e seus paladinos contra Rodomonte Grifone,Orrigille e Martano em Damasco Histria de Norandino e Lucina,vtimas do Orco Martano e Orrigille tramam cilada contra Grifone.

    CANTO XVIII

    Rodomonte retira-se de Paris e encontra o ano Prossegue ocombate em Paris A Damasco, onde Grifone luta ferozmente, che-gam Sansonetto, Astolfo, Aquilante e Marfisa Na batalha de Paris,Rinaldo mata Dardinello e as foras crists levam a melhor Denoite, Cloridano e Medoro procuram o cadver de Dardinello.

    orlando furioso34

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    CANTO XIX

    Cloridano e Medoro surpreendidos quando tentam sepultarDardinello; o primeiro morre, o segundo gravemente ferido Angelica encontra Medoro, trata-o e enamora-se dele; dirigem-seambos para o Oriente Marfisa e os companheiros chegam terra dasmulheres homicidas.

    C

    ANTO

    XX

    Guidone Selvaggio conta a histria das mulheres homicidas Efeitosmgicos do corno de Astolfo Fuga para Frana, deixando Astolfo emterra Marfisa separa-se dos outros e encontra Gabrina Zerbino, ven-cido em duelo por Marfisa, obrigado a levar Gabrina consigo.

    CANTO XXI

    Ermonide da Holanda conta a Zerbino a histria da prfidaGabrina Ermonide morre e Zerbino prossegue caminho comGabrina.

    CANTO XXII

    Astolfo regressa ao Ocidente, desfaz o encanto do palcio deAtlante e fica com o hipogrifo Bradamante e Ruggiero reencon-tram-se e seguem juntos Enquanto Ruggiero combate no castelo dePinabello, Bradamante reconhece Pinabello, persegue-o e mata-o Bradamante e Ruggiero de novo separados.

    Guia leitura 3535

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    CANTO XXIII

    Bradamante encontra Astolfo e regressa a Montalvo Ippalcaencontra Rodomonte Gabrina acusa Zerbino da morte de Pinabello Orlando salva Zerbino e restitui-lhe Isabella Duelo entreOrlando e Mandricardo Orlando chega ao lugar onde Angelica eMedoro se amaram e enlouquece.

    C

    ANTO

    XXIV

    Fria destruidora de Orlando Zerbino condena o traidorOdorico a levar consigo Gabrina; ele e Isabella encontram os sinais daloucura de Orlando Mandricardo apodera-se da espada Durindana,que Orlando abandonou Morte de Zerbino Duelo entreMandricardo e Rodomonte.

    CANTO XXV

    Trgua entre Mandricardo e Rodomonte, para irem em auxlio deAgramante Ruggiero salva Ricciardetto, que lhe narra a sua histriacom Fiordispina Do castelo de Agrismonte, Ruggiero e Ricciardettovo, com Aldigieri, em socorro de Malagigi e Viviano.

    C

    ANTO

    XXVI

    Marfisa participa na libertao de Malagigi e Viviano Malagigiexplica o significado das imagens da fonte de Merlim Encontro deRuggiero e Ippalca Duelo de Mandricardo e Marfisa Rodomontee Mandricardo vo no encalo de Doralice Ruggiero e Marfisaseguem para Paris.

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    CANTO XXVII

    Rinaldo sai de Paris, em busca de Angelica Mandricardo,Rodomonte, Marfisa e Ruggiero juntam-se s hostes sarracenas queatacam o campo cristo junto a Paris, mas a Discrdia provoca quere-las entre os Mouros Agramante, tentando pr-lhes termo, prope aDoralice que escolha entre Rodomonte e Mandricardo, e ela prefereMandricardo Rodomonte afasta-se, irado, com o propsito deregressar a frica.

    C

    ANTO

    XXVIII

    Rodomonte escuta, de um taberneiro, a histria picante deFiammetta, Astolfo e Jocundo Rodomonte decide instalar-se numlugar agradvel do litoral, no Sul de Frana. Ali chega Isabella, levandoo corpo de Zerbino Rodomonte apaixona-se instantaneamente porIsabella.

    C

    ANTO

    XXIX

    Morte herica de Isabella, para se subtrair cobia de Rodomonte,que constri um mausolu para ela e Zerbino, e uma ponte onde desa-fia todos os que por ali passam Orlando, louco, luta comRodomonte Angelica, em fuga com Medoro, cruza-se com Orlandoperto de Barcelona, mas no se reconhecem.

    C

    ANTO

    XXX

    Deambulaes de Orlando, espalhando morte e destruio; atra-vessa a nado o estreito de Gibraltar e passa ao continente africano Mandricardo morre em duelo com Ruggiero, que fica ferido Suspeitas e cimes de Bradamante em Montalvo, perante a ausncia

    de Ruggiero e por sab-lo em companhia de Marfisa.

    Guia leitura 3737

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    CANTO XXXI

    Guidon Selvaggio encontra-se com Rinaldo, seu meio-irmo, eseguem para Paris, onde sabem, por Fiordiligi, da loucura de Orlando Agramante, derrotado, retira-se para Arles Fiordiligi eBrandimarte reencontram-se; passam pela ponte de Rodomonte eBrandimarte feito prisioneiro Gradasso desafia Rinaldo para umduelo pela espada Durindana.

    C

    ANTO

    XXXII

    Lamento de Bradamante, espera de Ruggiero Bradamantedecide partir para Paris; encontra Ullania e os trs reis, que transpor-tam o escudo de ouro da rainha da Ilha Perdida Bradamante no cas-telo de Tristo, e as estranhas regras ali em uso para obter alojamento.

    CANTO XXXIII

    Numa sala do castelo de Tristo esto pintadas, em anteviso, asincurses dos Franceses em Itlia Bradamante derrota e humilha ostrs reis Duelo entre Rinaldo e Gradasso Gradasso apodera-se docavalo Baiardo e falta palavra dada Astolfo, montado no hipogri-fo, chega Etipia, onde liberta Senapo do flagelo das Harpias.

    C

    ANTO

    XXXIV

    Astolfo no Inferno Astolfo no Paraso terrestre Astolfo vai Luacom S. Joo evangelista para recuperar o juzo de Orlando, pois na Luaest tudo o que se perde na Terra Astolfo visita o palcio das Parcas.

    orlando furioso38

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    CANTO XXXV

    Astolfo no templo da Imortalidade e do Tempo Bradamanteencontra Fiordiligi, que lhe pede para libertar Brandimarte Bradamante derrota Rodomonte e recupera o cavalo Frontino, mas noBrandimarte, j enviado para frica Rodomonte, humilhado,esconde-se numa gruta Bradamante chega a Arles, desafia Ruggieroe luta com vrios cavaleiros sarracenos.

    C

    ANTO

    XXXVI

    Duelo entre Bradamante e Marfisa Bradamante, Ruggiero eMarfisa junto ao tmulo de Atlante, cuja voz lhes revela que Ruggieroe Marfisa so irmos Marfisa decide converter-se ao cristianismo eir com Bradamante prestar auxlio a Carlos Magno.

    CANTO XXXVII

    Marfisa, Bradamante e Ruggiero encontram trs damas seminuas, ofen-didas por Marganorre Histria de Cilandro e Tanacro Bradamante,Marfisa e Ruggiero punem Marganorre e pem fim sua cruel lei misgi-na Ruggiero regressa a Arles, Marfisa e Bradamante seguem para Paris.

    C

    ANTO

    XXXVIII

    Carlos Magno organiza os festejos, e Marfisa baptizada porTurpino Astolfo regressa Terra com poderes especiais, cura acegueira de Senapo, apetrecha o seu exrcito, transforma pedras emcavalos e vai atacar Bizerta Em Frana, conclio dos reis africanos,que determina um duelo entre Rinaldo (por Carlos Magno) e Ruggiero(por Agramante).

    Guia leitura 3939

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    CANTO XXXIX

    Melissa intervm e pe fim ao duelo entre Ruggiero e Rinaldo Em frica, Astolfo liberta Dudone e d-lhe o comando de uma frotaque cria, transformando folhas de rvores em navios Chegada doscavaleiros que Rodomonte aprisionara Orlando dominado eAstolfo restitui-lhe o juzo Agramante foge para frica, mas a suafrota destruda por Dudone.

    C

    ANTO

    XL

    Tomada de Bizerta por Orlando, Astolfo e companheiros O naviode Agramante arrastado para uma ilha pela tempestade Agramanteprope a Orlando uma luta decisiva, trs contra trs, na ilha deLipadusa Ruggiero quer voltar a frica para apoiar os Sarracenos, etrava uma justa com Dudone em Marselha.

    C

    ANTO

    XLI

    O navio de Ruggiero surpreendido por uma tempestade Preparativos e partida para a batalha de Lipadusa (Orlando, Oliviero eBrandimarte contra Agramante, Gradasso e Sobrino) Ruggiero, anado, vai ter a uma ilhota, onde um eremita o catequiza e baptiza Profecia do futuro de Ruggiero Batalha de Lipadusa Morte deBrandimarte.

    C

    ANTO

    XLII

    Orlando vinga a morte de Brandimarte Rinaldo parte no encal-o de Angelica, passa junto fonte do desamor, bebe e liberta-se da pai-xo Rinaldo conhece o palcio do cavaleiro de Mntua, que lhe pro-pe que faa o teste do clice dos maridos enganados.

    orlando furioso40

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    CANTO XLIII

    Rinaldo recusa beber do clice O cavaleiro conta a sua histria Rinaldo ouve de um barqueiro uma segunda histria de infidelida-de A batalha j terminou quando Rinaldo chega a Lipadusa Lamento de Fiordiligi Funeral de Brandimarte em Agrigento Cura milagrosa de Oliviero, converso de Sobrino e reencontro comRuggiero, na ilhota.

    C

    ANTO

    XLIV

    Rinaldo promete a mo da irm, Bradamante, a Ruggiero, mas, j emFrana, os pais opem-se, preferindo Leone, futuro imperador Astolforegressa a Frana no hipogrifo, depois de desfazer os encantos Ruggieroparte incgnito, para ir lutar ao lado dos Blgaros contra Costantino, paide Leone O seu valor admirado pelos aliados e por Leone.

    C

    ANTO

    XLV

    Ruggiero, feito prisioneiro pelo imperador, libertado por Leone;grato, Ruggiero promete ajud-lo a conquistar Bradamante, que fezsaber que s desposar o homem que a vencer em duelo Ruggiero,disfarado de Leone, combate com Bradamante e vence-a, e depoisfoge e esconde-se Marfisa e os outros cavaleiros opem-se ao casa-mento de Bradamante com Leone.

    C

    ANTO

    XLVI

    O navio, metfora do poema, chega ao porto, e a esper-lo estotodos os homens e mulheres ilustres do tempo de Ariosto Melissaintervm junto de Leone, revelando a verdade acerca de Ruggiero; Leonecede-lhe todos os direitos sobre Bradamante Ruggiero eleito rei dos

    Blgaros Npcias de Ruggiero e Bradamante Surge Rodomonte,em busca de vingana. Trava duelo com Ruggiero, que o mata.

    Guia leitura 4141

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    Orlando Furioso,de MesserLudovico Ariosto

    ao Ilustrssimo e Reverendssimo CardealDom Ippolito de Este, seu Senhor

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    1 %Damas, cavaleiros, armas e amores,cortesias e audazes feitos canto,do tempo em que o mar Mouros vingadorespassaram, para Frana molestar tanto,seguindo a ira e juvenis furoresdo rei de frica, Agramante1, porquantoousou vingar a morte de Troianoem rei Carlos, imperador romano2.

    2 %Direi de Orlando3, simultaneamente,o que nunca foi dito em prosa ou rima:por amor ficou furioso e demente,tendo antes de sensato fama opima;se a que quase me fez o equivalente4,

    e o pouco engenho sem cessar me lima,permitir que eu conserve o requeridopara levar a bom fim o prometido.

    CANTO I

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    15 %O mais alto que era possvel, vinhaa gritar a donzela espaventada.Salta, ao ouvir, para a margem ribeirinha

    o mouro, e no rosto lhe pousa a mirada;e reconhece-a assim que se avizinha,apesar de plida e perturbada;h muito no tinha notcia dela,mas no duvida: Angelica bela.

    16 %Como era corts, e tanto, talvez,como os primos por ela tinha amor,aquilo que podia fazer, fez:como se elmo houvesse, com pundonor,sua espada empunhou para dar revsa Rinaldo, a quem no tinha temor.

    No s muitas vezes se tinham visto,como em provas de armas tinham registo.

    17 %Deram incio a uma feroz batalha:apeados ambos, gldios brandiam;aos golpes, couraas, cotas de malha,ou mesmo bigornas no resistiam.Mentres cada um o outro trabalha,estugando o passo bicho e dama iam;incitando o bicho a dar mais perna,por campos e bosques com ele se interna.

    49

    18 %Longo tempo se esforaram em vo,cada um querendo o outro derribar,pois tanto valor com a arma na mo

    tinha, qualquer deles, como o seu par;foi primeiro o senhor de Montalvo,a o cavaleiro de Espanha alertar,como quem tem no peito tanto fogoque todo arde, sem ter desafogo.

    19 %Disse ao pago: Crs que s a mim dsdesaire, mas teu inimigo s;se a luz do novo sol16 teu peito fazincendiar, e se algum ganho vsem me reter, tu, o que ganhars?Ao teres-me morto ou preso como crs,

    no ser tua a dama mesmo assim,pois em fuga se ps neste interim.

    20 %Quo melhor ser, se a amas deveras,que ligeiro vs na sua peugada,pois para det-la melhor se no esperas,antes de estar daqui mais afastada!Tendo-a em poder, com praxes severasse decide de quem ser, pela espada;pois nada deve esta contenda ao siso,e dela s colhemos prejuzo.