Caderno Tematico de EP 04

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL diálogos entre escola, museu e cidade Caderno Temático 4

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  • EDUCAO PATRIMONIALdilogos entre escola,

    museu e cidade

    Caderno Temtico 4

  • Presidente do Iphan

    Jurema Machado

    Chefe de Gabinete

    Rony Oliveira

    Diretor de Articulao e Fomento

    Luiz Philippe Peres Torelly

    Diretora de Patrimnio Imaterial

    Clia Maria Corsino

    Diretor de Patrimnio Material e Fiscalizao

    Andrey Rosenthal Schlee

    Diretor de Planejamento e Administrao

    Marcos Jos Silva Rgo

    Superintende do Iphan na Paraba

    Claudio Nogueira

    Chefe da Diviso Tcnica do Iphan na Paraba

    Christiane Finizola Sarmento

    Chefe da Diviso Administrativa do Iphan na Paraba

    Lindaci Bandeira de Souza

    Equipe Tcnica da Casa do Patrimnio da Paraba

    tila Bezerra Tolentino

    Carla Gisele Moraes

    Emanuel Oliveira Braga

    Igor Alexander Souza

    Maria Olga Enrique Silva

    Moyss Siqueira Neto

    Suelen de Andrade Silva

    Organizao desta edio

    tila Bezerra Tolentino

    Emanuel Oliveira Braga

    Carla Gisele Moraes

    Moyss Siqueira Neto

    Reviso

    tila Bezerra Tolentino

    Emanuel Oliveira Braga

    Carla Gisele Moraes

    Moyss Siqueira Neto

    Projeto grfico e diagramao

    Daniella Lira

    Desenhos

    Natllia Azevdo

    I59m Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Superintendncia do Iphan na Paraba. Casa do Patrimnio da Paraba. Educao patrimonial: dilogos entre escola, museu e cidade / Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan); Organizao, tila Bezerra Tolentino ... [et al.]. Joo Pessoa: Iphan, 2014. 116 p.: il.; 30 cm. (Caderno Temtico; 4)

    ISBN 978-85-7334-266-6

    1. Educao Patrimonial. 2. Patrimnio Cultural Brasileiro. I. Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Superintendncia do Iphan na Paraba. Casa do Patrimnio da Paraba. II. Tolentino, tila Bezerra. III.Ttulo. IV. Srie. CDD 363.69

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Biblioteca Parahyba, Iphan-PB

    EDUCAO PATRIMONIALdilogos entre escola, museu e cidade

    Caderno Temtico 4

    2015Os textos e reflexes so de exclusiva responsabilidade dos seus autores.

  • SUMRIO

    05 Apresentao

    06 Escola, museus e cidades: um dilogo possvel Equipe da Casa do Patrimnio da Paraba

    08 O Patrimnio Cultural em sala de aula: abordagens interdisciplinares nos municpios paraenses Sabrina Campos Costa 18 A prtica da Educao Patrimonial: uma experincia no municpio de Restinga Sca/RS Heliana de Moraes Alves e Lauro Csar Figueiredo

    25 Educao patrimonial na sala de aula: a escola como patrimnio cultural Cristiane Valdevino de Aquino

    32 Patrimnio cultural e educao: perspectivas cidads para outra esfera pblica Fernando Pascuotte Siviero 42 O ABC dos Museus: relatos e experincias de sala de aula Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira e Newton Fabiano Soares

    50 Consideraes sobre a educao para o patrimnio no municpio de Pelotas-RS: uma possibilidade de aproximar museu e sociedade Patrcia Cristina da Cruz, Renata Brio de Castro e Carla Rodrigues Gastaud

    57 Um museu sem paredes para um patrimnio sem limites: o Museu do Patrimnio Vivo da Grande Joo Pessoa Laetitia Valadares Jourdan

    71 Museu e Brinquedoteca: patrimnio cultural e educao infantil Lucia Yunes e Ana Cretton

    81 Uma casa para lembrar: memria e silncio na preservao da Casa-museu Mestre Vitalino Moyss M. de Siqueira Neto

    89 Em defesa da educao patrimonial e da pesquisa participativa na anlise de impacto dos processos de licenciamento ambiental no Brasil: a construo do patrimnio cultural local em situaes de encontro e conflito Emanuel Oliveira Braga e Luciano de Souza e Silva

    114 Os autores

  • Dilogos entre escola, museu e cidade |

    APRESENTAO

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    Desde o ano de 2009 o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), atravs de sua Superintendncia na Paraba (IPHAN-PB), mantm um processo contnuo de construo e disseminao de conhecimento sobre o patrimnio cultural, pautado na interao com os diversos atores sociais presentes no Estado da Paraba e na participao das comunidades detentoras das referncias formadoras da diversidade cultural, da identidade e da memria paraibanas, e que se traduz, entre outras, numa ao educativa que prima pela constante reflexo sobre si mesma e sobre o campo no qual se insere, e que tem os Cadernos Temticos de Educao Patrimonial como um importante instrumento de socializao das experincias acumuladas.

    Este processo desenvolvido atravs da Casa do Patrimnio da Paraba, programa por meio do qual o IPHAN busca se articular com a sociedade civil e o poder pblico local para difundir informaes sobre a ao institucional; estimular a participao das comunidades nas discusses sobre o patrimnio cultural, valorizando-as e identificando temas significativos para a apropriao de seu patrimnio, alm de promover prticas educativas interdisciplinares e transversais que faam interface com o patrimnio cultural, ou seja, as diversas aes do programa tm a educao patrimonial como pano de fundo e aglutinante entre a ao institucional e os diversos atores sociais que interagem no mbito do patrimnio.

    No cumprimento deste papel, o programa Casa do Patrimnio busca um conhecimento sobre o patrimnio cultural que extrapola a ao institucional e a produo acadmica, utilizando-as como insumo para uma construo que se d de forma coletiva e a partir dos prprios atores deste patrimnio, sendo neles referenciadas as aes da Casa do Patrimnio da Paraba, a exemplo do projeto Joo Pessoa, Minha Cidade, desenvolvido junto a escolas localizadas no Centro Histrico de Joo Pessoa e que buscou, alm do reconhecimento dos bens culturais da cidade, uma reflexo do significado deste patrimnio para os alunos envolvidos no projeto e para as pessoas que visitaram a exposio resultante do trabalho. Exemplifico tambm, mais recentemente, com a exposio Penha: entre Redes e Promessas, ponto culminante de um trabalho de autoconhecimento e apropriao do patrimnio e da cultura por parte da comunidade da Praia da Penha em Joo Pessoa.

    A partir destas e de outras prticas, no s da Casa do Patrimnio, mas de outros atores sociais, o IPHAN-PB busca incentivar a reflexo sobre estas aes educativas como forma de fortalecer e aprimorar a construo de conhecimentos sobre o campo do patrimnio cultural e neste papel, desde 2011, pe em prtica a srie de Cadernos Temticos de Educao Patrimonial. Inicialmente apenas como um instrumento de orientao para professores da rede de ensino, essa srie evoluiu nos anos seguintes para uma reflexo ampliada sobre a ao educativa associada ao patrimnio cultural, chegando ao momento atual com a edio do quarto caderno da srie, intitulado Educao Patrimonial: Dilogos entre Escola, Museu e Cidade. Neste nmero, o Caderno Temtico traz experincias educativas no s de Joo Pessoa, mas tambm dos estados do Par, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e So Paulo, que formam um panorama rico e de abrangncia nacional, onde as aes da educao patrimonial vo alm das prticas comuns e tornam-se elemento de interao entre a escola e o museu, espaos comuns da educao e do patrimnio, com a cidade e com as pessoas que detm e produzem este patrimnio cultural.

    Claudio NogueiraSuperintendente do Iphan na Paraba

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    ESCOLA, MUSEUS E CIDADES: UM DILOGO POSSVEL

    A Casa do Patrimnio da Paraba tem, desde sua criao em 2009, uma atuao que extrapola os limites da Superintendncia do Iphan na Paraba e a capital do estado, se espalhando pelas ruas e casas, navegando pelos rios, viajando por estradas e adentrando o interior do estado. A Educao Patrimonial, da mesma forma, tem cada vez mais ultrapassado os contornos das instituies de ensino e dos museus para caminhar livre entre ruas e edifcios histricos, interpelando transeuntes, misturando-se oralidade e s histrias de assombrao e se disseminando muitas vezes de maneira simples e informal.

    O Caderno de Educao Patrimonial n 4: Dilogos entre Escola, Museu e Cidade retrata experincias de Educao Patrimonial por todo o Brasil que tomam os espaos educativos da escola e do museu como polos a partir dos quais se desenvolvem experincias sensoriais e interpretativas que extrapolam seus limites fsicos e sua atuao institucional. A ampliao do limite entre o dentro e o fora, relatada em diversas experincias, incorpora novos elementos s prticas educativas comumente realizadas e revela como as referncias culturais so palpveis e acessveis a qualquer um de ns, pois permeiam nosso cotidiano, nossa vizinhana, nossa cidade.

    Pensando na escola como o espao a partir do qual se podem desenvolver aes de Educao Patrimonial, apresentamos o artigo de Sabrina Campos Costa, que explora abordagens interdisciplinares no estado do Par, cujas aes culminaram em reflexes e interao com os patrimnios culturais locais, abrindo perspectivas de abordagens sobre a temtica em diferentes espaos educativos.

    Por sua vez, a experincia relatada por Heliana de Moraes Alves e Lauro Csar Figueiredo no

    municpio de Restinga Sca/RS demonstra uma prtica pautada na produo, juntamente com os educandos, de recursos didticos interativos, com vistas a abordar temas relacionados aos aspectos histricos e culturais da cidade, buscando a sensibilizao sobre o patrimnio cultural e a sua valorizao.

    Ainda no mbito da educao formal, o artigo de Cristiane Aquino analisa a importncia da escola como um lugar responsvel pela formao identitria e cidad dos indivduos e que, por isso, merece ser valorizada e preservada por seus membros, reafirmando-se ela prpria como patrimnio cultural.

    O artigo de Fernando Pascuotte Siviero busca trazer, atravs de uma experincia no centro histrico de Natal/RN, a perspectiva da educao como instrumento de apropriao, participao social e empoderamento, enfatizando a dimenso de cidadania presente na responsabilidade de cada um de ns na preservao e fruio social do patrimnio cultural.

    Esta ponte entre a Educao Patrimonial e a cidade, bastante presente no artigo de Fernando Siviero, e entre o patrimnio protegido e os usos e funes sociais que so conferidos a ele, o que nos leva s demais abordagens, que buscam o dilogo entre espaos educativos, museolgicos e o patrimnio cultural.

    A abordagem de Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira e Newton Fabiano Soares relata a experincia do projeto Patrimnio Vida, promovido pelo Museu da Repblica no Rio de Janeiro/RJ, em parceria com instituies e ONGs voltadas para o trabalho com o pblico jovem, reconhecendo a escola, os espaos museolgicos e o ambiente urbano como elementos

    fundamentais nas aes educativas. Patrcia Cristina da Cruz, Renata Brio de Castro e Carla Rodrigues Gastaud tambm exploram esta conexo entre escola, museu e cidade, contando como tm sido desenvolvidas aes de Educao Patrimonial na cidade de Pelotas/RS, resultado de uma pesquisa efetuada pelo Laboratrio de Educao para o Patrimnio, da Universidade Federal de Pelotas, e enfatizando, tambm, o processo de criao de uma mediateca especializada no tema.

    Laetitia Valadarzes Jourdan narra o processo de salvaguarda do patrimnio imaterial com nfase na promoo do desenvolvimento sustentvel de comunidades, presente na experincia do Museu do Patrimnio Vivo da Grande Joo Pessoa. Lucia Yunes e Ana Cretton trazem a experincia de construo de um projeto educativo para o pblico infantil do Museu do Folclore de So Jos dos Campos, demonstrando o processo de seleo de acervos, indicao de textos reflexivos, concepo de uma brinquedoteca e a realizao de oficinas com o pblico-alvo do projeto.

    Tambm no campo dos museus, Moyss Siqueira Neto faz uma anlise da Casa-museu do Mestre Vitalino, inaugurada em 1971 no lugar onde o artista morou. Concebe esse museu como um espao partilhado entre a memria social e patrimnio cultural, em busca do ausente, o no-dito, o escasso, o pouco representado nas polticas o silncio para o entendimento da complexidade hoje exigida pela ideia de preservao.

    Por fim, o artigo produzido por Emanuel Braga e Luciano Souza traz uma profunda anlise das prticas de elaborao dos Estudos de Impacto Ambiental necessrios nos processos de licenciamento ambiental, enfocando o diagnstico socioeconmico e o papel da pesquisa participativa e da educao patrimonial na sua elaborao. A sua anlise, reflexiva e crtica, perpassa por questes conceituais que envolvem o entendimento sobre meio ambiente, desenvolvimento e patrimnio cultural, bem como os embates, avanos e retrocessos na legislao que rege a matria, para, ao final, apresentar uma

    propositura quanto aos procedimentos necessrios para o licenciamento ambiental.

    Nas aes executadas na escola ou no museu, nas visitas de campo de professores e alunos pelos espaos das nossas cidades e nas iniciativas mais inovadoras, que buscam abordar o patrimnio cultural em sua dimenso caleidoscpica, a Educao Patrimonial tem se mostrado cada vez mais dinmica, verstil e inovadora. As experincias que trazemos neste Caderno procuram mostrar como o patrimnio cultural pode (e deve) ser um instrumento de empoderamento, de cidadania e de desenvolvimento socioeconmico.

    As abordagens apresentadas nos convidam a inovar nos projetos de Educao Patrimonial, perceber o patrimnio de outra forma, aguar o olhar, e, no satisfeitos, olhar novamente, reinterpretar. No espao convencional da sala de aula, na visita ao museu ou no passeio pela cidade, devemos buscar a consecuo dos objetivos de uma poltica pblica de patrimnio compromissada com a Educao Patrimonial. O desafio que est posto pra ns conseguir uma aproximao necessria entre patrimnio e populao, compreendendo que o interesse comum da preservao est muitas vezes contido justamente nas referncias mais preciosas e mais familiares, que povoam meu bairro, minha escola e minha cidade.

    Equipe da Casa do Patrimnio da Paraba

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    - Quem sou eu?

    - Como o lugar em que eu vivo?

    As identidades culturais so confeccionadas livremente a partir de recorte e colagem, desenhos, poesias, redao, com as quais as pessoas se apresentam ao grupo. Ns anotamos no quadro branco algumas das referncias do grupo de espaos, edificaes, ecossistemas, profisses, atividades de lazer, participao em grupos culturais ou religiosos, caractersticas do

    modo de vida do lugar onde estamos aplicando a tcnica. A realidade do local vai surgir na fala dos participantes entremeada pelas suas histrias pessoais e familiares. Este o objetivo desta tcnica: uma leitura rpida da realidade da cidade e das identidades socioculturais nela contidas.

    Partindo deste ponto, o professor est capacitado a aprofundar o tema, refletindo junto com os participantes sobre quais objetos, conhecimentos, habilidades, grupos culturais, espaos so relevantes nas histrias individuais, familiares e da coletividade de um grupo de moradores, da comunidade ou da cidade, utilizando estes elementos para debater temas como memria, identidade, cultura material e imaterial, diversidade cultural, respeito e tolerncia, a interface entre cultura e natureza, tradio, cultura global.

    A atividade, por exemplo, foi desenvolvida com adultos em comunidades interioranas. Houve relatos de ofcios, saberes e fazeres, que apesar de estarem em avanado nvel de desaparecimento, ainda so encontrados mesmo em contextos urbanos, como a pessoa da parteira, da rezadora de ladainha em latim, do mestre da construo de rabecas, bem como outras atividades como o abre-alas da escola de samba, e a maruja (importante pessoa que conduz a celebrao religiosa da Marujada). Cada qual exerce uma funo especfica, que provavelmente aprendeu com a famlia ( um conhecimento herdado) ou desenvolveu sozinho e possivelmente tenta ensinar a algum. Sua atividade requer uma habilidade e ainda uma gama especial de objetos.

    Se estas pessoas fossem falar do seu patrimnio cultural, certamente citariam os grupos nos quais exercem suas atividades (como a escola de samba e a comunidade religiosa); os objetos utilizados na sua prtica (instrumentos musicais, remdios, ferramentas de trabalho, cadernos de notas, registros de cantos, roupas de dana), os lugares onde praticam estas atividades (barraco, igreja, beira do rio, sede), as pessoas que lhes ensinaram estes ofcios, pessoas para quem j se apresentaram ou trabalharam, entre outros. Do conjunto destes patrimnios dos indivduos podemos refletir sobre o patrimnio grupal ou das cidades.

    O Patrimnio Cultural em sala de aula:

    abordagens interdisciplinares

    nos municpios paraenses

    SABRINA CAMPOS COSTA

    Falar de patrimnio cultural muito mais fcil do que parece. Leonardo Boff, telogo, professor, escritor e importante pensador brasileiro, conta, em suas palestras, que as pessoas guardam aquilo que lhes toca o corao.

    A memria um mecanismo cerebral complexo. Pessoas a usam para guardar ou esquecer informaes. E lembranas carregadas de emoes so mais guardadas na memria, mesmo que remetam s situaes duras ou difceis pelas quais passamos. Comecemos conversando sobre memrias contidas nas histrias de vida.

    O Museu da Pessoa, criado primeiramente em ambiente virtual, promove espaos virtuais ou de encontro para construo de seu acervo, composto de histrias de vida. As pessoas so estimuladas a compartilhar fotografias de seu acervo pessoal e familiar, e contarem suas histrias, que so disponibilizadas na internet.

    Inspirado no Museu da Pessoa, sugerimos uma atividade em que voc, professor, fornece aos alunos uma oportunidade de falarem de suas histrias de vida. Ns, atravs das aes de educao patrimonial do Departamento de Patrimnio Histrico, Artstico e Cultural da Secretaria de Estado de Cultura (DPHAC/SECULT), distribumos papis A4, revistas, canetas hidrogrficas, lpis de cor, giz de cera, tesoura e cola. Ilustramos a atividade com uma carteira de identidade. De forma comparada, pedimos para as pessoas construrem a sua identidade cultural, respondendo duas perguntas bsicas:

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    Identificar, junto aos alunos, seus patrimnios, pode ser uma atividade ainda mais interessante. O professor, ou a escola, pode promover gincanas, envolver as famlias dos alunos e culminar em uma mostra cultural. O aluno pesquisa a histria da sua famlia, receitas, ensinamentos, costumes, fotografias antigas, os objetos passados pelas geraes, os seus prprios objetos que foram guardados como referenciais de algum ou de uma poca, e prepara uma exposio na escola, seja com alimentos, danas, exibio de objetos e fotos, ou mesmo elaborando um livro de papel ou tecido ou outro tipo de registro, como o vdeo. No seria interessante?

    Agora falemos de um levantamento de espaos e bens coletivos. O DPHAC/SECULT desenvolveu o Inventrio do Patrimnio Cultural do Estado do Par1, com 16 categorias de anlise, que apresentamos ao grupo na forma de cartazes exibidos na parede. Lendo juntos os conceitos e esclarecendo dvidas, pedimos aos presentes que citem aquilo que conseguem se lembrar da sua cidade. As categorias de anlise so:

    - ARQUIVOS: Instituies de recepo e guarda de fontes documentais, para consulta e pesquisa.

    - ARTES CNICAS: Formas de arte que so desenvolvidas em um palco ou outros locais de representao, como praas, ruas, galpes. Enquadra-se nesta categoria o teatro, as danas, os espetculos circenses, dentre outros.

    - AZULEJOS: Placa de cermica, arenito vidrado ou porcelana, esmaltadas em uma de suas faces, usada como revestimento de alvenarias. Sua principal propriedade a impermeabilidade gua. Tem tambm uma funo decorativa, particularmente quando utilizado como painel.

    - BENS IMVEIS: Edificaes de valor histrico, cientfico, arquitetnico, artstico e memorial, como casas, igrejas, museus, fortificaes, conjuntos tradicionais, dentre outros.

    - BENS MVEIS: So constitudos por objetos mveis, peas de artesanato, obras de arte, objetos arqueolgicos, escultura, imaginria religiosa, utenslios, indumentria, dentre outros - que constituem acervo de valor histrico e memorial. Sero includos tambm os que existem ou tenham sido encontrados dentro dos bens imveis.

    - BIBLIOTECAS: Edifcio ou recinto onde se instala coleo pblica de livros e congneres, organizados para estudo, leitura e consulta.

    - CELEBRAES E FORMAS DE EXPRESSO: Celebraes so ritos e festas relacionados com a religio, cerimnias civis, dentre outras ocasies que

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    tambm esto relacionadas com a preparao de alimentos, bebidas, ornamentao de certos locais, a execuo da msica, etc. As formas de expresso so formas no lingusticas de comunicao, normalmente associadas a certos grupos sociais ou regio. Nessa categoria enquadram-se as pinturas, expresses como o boi-bumb, os cordes de pssaro, as danas - como o carimb, o xote, etc. -, as artes plsticas, dentre outros

    - CEMITRIOS: Locais onde os mortos so sepultados. Existem vrios tipos de cemitrios: indgenas, religiosos, seculares, cemitrio-parque, dentre outros.

    - COMUNIDADES TRADICIONAIS: Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas prprias de organizao social, que ocupam e usam territrios e recursos naturais como condio para sua reproduo cultural, social, religiosa, ancestral e econmica, utilizando conhecimentos, inovaes e prticas gerados e transmitidos pela tradio. Como tipos de comunidades tradicionais, podem-se elencar: indgenas, quilombolas, marisqueiros, seringueiros, castanheiros, catadores de caranguejo, pescadores, dentre outros.

    - ESPAOS CULTURAIS: So considerados Espaos Culturais os espaos, cobertos ou no, em que ocorrem prticas ou eventos de natureza cultural como rituais religiosos ou cvicos, festas, visitao pblica a acervos, pesquisa, encenaes artsticas, dentre outros.

    - LITERATURA: Arte de compor ou escrever trabalhos artsticos em prosa ou verso. Nessa definio pode ser acrescentada a literatura em sua forma oral, atributo dos contadores de histrias e causos.

    - MONUMENTOS: A obra ou construo que se destina a transmitir posteridade a memria de fato ou pessoa notvel; memria, recordao, lembrana.

    - MSICA: Sequncia de sons, organizada de forma a ter um ritmo prprio, harmonioso e agradvel a quem a escuta.

    - BENS NATURAIS: So os elementos do meio natural considerados individualmente ou

    em conjunto, importantes para preservao e conservao, portadores de referncias memria e a identidade local; representativos da paisagem, da cultura, da histria e da economia de determinado lugar.

    - SABERES E FAZERES: A cultura se expressa nos conhecimentos e tambm nos produtos que so fabricados pelos diversos indivduos e grupos humanos. Isso significa que para a realizao de um servio parto, benzeo ou ao que resulte em um produto cermica, alimentos e bebidas, por exemplo so necessrios determinados saberes, ou seja, h uma srie de concepes e conhecimentos que esto atrelados aos processos ou fazeres.

    - TESOUROS HUMANOS: Pessoas que encarnam, ao mximo, as destrezas e tcnicas necessrias para a manifestao de certos aspectos da vida cultural de um povo e a manuteno do patrimnio cultural imaterial.

    Com adultos podemos citar estas categorias e suas definies porque so fceis de assimilar. Em se tratando de crianas, contudo, sugerimos concentrar esforos em algumas delas, de acordo com a vocao da localidade. A proposta aqui no que o assunto seja esgotado, com a informao de tudo o que existe no lugar, mas apenas exercitar a compreenso das categorias

    1 Publicado em Decreto n 2558, de 06 de outubro de 2010, o Inventrio do Patrimnio Cultural do Estado do Par IPCPA foi uma construo em dilogo entre as diferentes instituies da cultura e do turismo no estado, resultando nas categorias apresentadas neste artigo com suas respectivas conceituaes.

    Identificar, junto aos alunos, seus patrimnios, pode ser uma atividade ainda mais interessante. O professor, ou a escola, pode promover gincanas, envolver as famlias dos alunos e culminar em uma mostra cultural. O aluno pesquisa a histria da sua famlia, receitas, ensinamentos, costumes, fotografias antigas, os objetos passados pelas geraes, os seus prprios objetos que foram guardados como referenciais de algum ou de uma poca, e prepara uma exposio na escola, seja com alimentos, danas, exibio de objetos e fotos, ou mesmo elaborando um livro de papel ou tecido ou outro tipo de registro, como o vdeo.

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    e promover uma tempestade de ideias, em um exerccio coletivo de reflexo sobre as peculiaridades culturais da cidade, considerando importante verificar a aplicabilidade destes conceitos e sua percepo para diferentes grupos sociais. Em um encontro na zona urbana da cidade de Bragana, um professor relatou haver uma pedra na comunidade da regio dos campos (zona rural) em que trabalhava que era o espao cultural local, pois era em torno da pedra que as pessoas se reuniam todas as tardes, namoravam, tratavam de negcios, enfim, configurando como o espao pblico de sociabilidade. Foi a compreenso que o professor teve do conceito dentro da realidade da regio do municpio em que atuava que lhe permitiu ampliar seu horizonte.

    Chamamos esta atividade de Levantamento Preliminar do Patrimnio Cultural. Mediante este esforo coletivo, so vrias as possibilidades de trabalho:

    a) Roteirizao e visitao:

    Uma vez levantados os bens patrimoniais do local, passamos ento para uma avaliao logstica de quais so interessantes de se visitar, quem so as pessoas responsveis por eles, se esto abertos ao pblico, se o deslocamento ser p ou se h transporte disponibilizado, e por fim observamos a distribuio espacial destes bens a fim de elaborar o roteiro de visitao.

    Em geral, reservamos de 4 a 8 horas para esta programao. Contudo, antes da ida a campo, esclarecemos aos participantes que se trata de uma pesquisa, na qual todos devem adotar uma postura investigativa, mantendo comportamento tico e no etnocntrico, percebendo o tempo disponvel, os informantes do local, identificando lideranas, a disposio das pessoas em receber o grupo, observando os elementos do espao, seja a natureza, sejam as construes, suas caractersticas, histrias, estado de conservao, seu entorno, suas formas de uso e apropriao, pontos fortes e fracos (fatores internos, controlveis), danos ou ameaas (fatores externos, no controlveis), interpretando os dados coletados, fazendo anotaes, registros em desenho ou fotografias ou mesmo em vdeos.

    b) Pesquisa de campo e produo de um inventrio:

    Etapa de campo similar ao item anterior, com visitaes programadas aos bens culturais. O que diferencia esta possibilidade de trabalho a construo de um inventrio. Basta que a pesquisa de campo seja realizada com criteriosa postura de observao, anotao e registro, para que estes dados sejam tratados e transformados em um inventrio de cunho didtico.

    De posse deste inventrio, o uso sugerido de distribuio nas escolas e bibliotecas da cidade. Professores de disciplinas diversas podem se utilizar do material, e mesmo a populao da cidade pode acessar informaes sobre seus bens culturais.

    c) Construo de um mapa cultural da cidade:

    A construo de um mapa cultural pode surgir tanto do levantamento preliminar dos bens culturais (aquele resultante da tempestade de idias, lembra?), quanto da pesquisa de campo. A ideia aqui montar um mapa com a localizao dos bens na espacialidade da cidade. Se auxiliado por um professor da geografia, timo, mas no se preocupe muito com escala. Use desenhos, fotografias ou recortes. O objetivo o acesso rpido aos bens atravs da visualizao.

    d) Criao de um roteiro cultural

    Qual a diferena deste trabalho para o primeiro? No primeiro, a proposta roteirizar apenas para os participantes poderem aplicar a pesquisa de campo. Aqui a proposta criar roteiros culturais na cidade que sirvam para a educao patrimonial de estudantes e a populao em geral.

    Seguindo os mesmos passos do item a: avaliao logstica de quais bens so interessantes de se visitar, quem so os responsveis por eles, se esto abertos ao pblico, se a visitao a p ou se exige deslocamento via terrestre ou fluvial, observar se existe transporte regular, e por fim observar a distribuio espacial destes bens a fim de elaborar um roteiro de visitao, determinando o caminho a percorrer. A etapa seguinte elaborar suportes para a disponibilizao de informaes sobre os bens, como placas para

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    os pontos de visitao, folhetos com o caminho e dados sobre os bens culturais, uma placa mapa afixada na frente dos espaos. Socializa-se o trabalho com os moradores e estudantes, possibilitando conhecer melhor sua cidade. Pode ser usado tambm para fazer referncia a bens de natureza imaterial, como por exemplo: Casa da mestra artes Nina Abreu, Barraco da Marujada, Casa da Famlia Pacheco, produtora de cachaa artesanal, Tmulo da moa da lenda do taxi, Stio arqueolgico da Cabanagem, Local de avistamento do Chupa-chupa, Local de extrao de cuias, Casa de farinha, e assim por diante, citando as formas de apropriao de determinados espaos ou locais de moradia de detentores de determinados saberes e fazeres. Costumo sugerir que assim como um roteiro de um filme em geral segue uma sequncia de acontecimentos que levam a um pice na histria, o roteiro cultural deve seguir o mesmo princpio: fazemos uma hierarquia dos bens, do menos atrativo ao mais atrativo (mais interessante, com a histria mais pesquisada, mais bem preservado, mais caracterstico da regio). Ordenamos estes bens em um trajeto compatvel com o deslocamento da pessoa (se a p ou por meio de transporte, de acordo com a mo da rua ou o curso do barco), de forma a proporcionar experincias crescentes, explorando percepes sensoriais, associando dados histricos a sentimentos, at um pice de vivncia dos bens. Vivncias carregadas de emoes so as mais guardadas na memria, como dissemos no incio do artigo.

    Se voc for professor de histria ou tiver interesse por questes arqueolgicas, pode organizar uma atividade interessante com a turma, inclusive articulando com outras disciplinas: a simulao de um stio arqueolgico dentro da escola.

    Pode ser feito pedindo aos alunos para trazerem coisas de diferentes materiais, como papel, vidro, plstico, madeira, cermica, etc., abrindo um quadrado de 1x1 metro a uma profundidade de 20 a 30cm, e enterrando os materiais. O quadrado (quadrcula, no termo arqueolgico) pode ser delimitado nas pontas com bandeirinhas. Deixe por um ms ou mais, e promova uma escavao com os alunos para observar os efeitos do tempo, da chuva, do sol, entre outros fatores (possveis pisoteios, caminhos de bichos e crescimento de vegetao) sobre os materiais enterrados. Use pinceis, ps, baldes, peneiras, p de pedreiro para esta escavao, como o arquelogo usa suas ferramentas de trabalho.

    Ns promovemos uma atividade de escavao imaginria. Apresentamos de forma aleatria objetos que sugerem profisses, lazer, cuidados com higiene e sade, religiosidade e hbitos de vida de uma famlia. So formados grupos de at 6 pessoas, que devem analisar os vestgios apresentados, encarnando o papel de uma equipe de arquelogos com diferentes olhares e formaes, formulando suas hipteses de perfil da famlia possuidora daqueles objetos. bastante interessante observar como ao final desta atividade os grupos apresentam as mais

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    diversas verses sobre a composio da famlia cujos objetos foram analisados, bem como vo a extremos opostos quando se trata de estilos e hbitos de vida, atravs da interpretao que deram aos vestgios analisados.

    A abordagem da arqueologia, como cincia interdisciplinar que pesquisa o passado distante e o passado recente atravs de documentos, publicaes, informaes, comparaes ao lado de escavao e trabalho de laboratrio vestgios de atividades humanas, sejam eles cultura material, construes e arranjos na paisagem, encontrados na superfcie, no subsolo ou sob as guas, visando entender o funcionamento e as transformaes das sociedades humanas, uma oportunidade excelente para se tratar de temas bastante atuais.

    Para falar de arqueologia deve-se enfatizar a conexo que temos com o passado atravs das diversas ocupaes que o nosso territrio sofreu ao longo do tempo.

    Costuma-se pensar que os habitantes do passado eram primitivos, atrasados e sem cultura. Os povos marajoaras e tapajnicos so a prova de que esta noo equivocada, pois so representantes dignos de pesquisas intensas na regio amaznica, por conta das culturas que desenvolveram e as formas de adaptao ao meio em que viveram.

    Considerando que no nos deixaram representantes vivos marajoaras, tapajnicos, bem como outros povos torna-se dificultosa uma conexo afetiva, portanto, das sociedades contemporneas com os povos do passado. Alm destes povos mais distantes, existem outras ocupaes mais recentes no territrio como runas, construo e modificaes de igrejas, portos, olarias, fazendas, cemitrios, grupos contemporneos se reapropriando de espaos com objetos desativados ou ainda em uso uma vez que o ser humano sempre procura os melhores lugares para habitar, obter seu sustento, promover suas atividades grupais, sepultar seus mortos, descartar seu lixo, muitas vezes reocupando locais j utilizados e abandonados.

    Desta forma, pode-se trabalhar com a noo de pertencimento a um espao ou territrio,

    que foi ocupado desde o perodo pr-colonial, culminou no desaparecimento de muitos povos a partir do encontro com europeus invasores e os colonizadores, e ainda hoje este espao vem sendo modificado e apropriado pelas sociedades, gerando vestgios do ponto da materialidade fsica e arranjos na paisagem.

    Aproveite para aproximar a reflexo de uma educao ambiental: o que arquelogos do futuro encontraro de ns? Que materiais temos descartado ou deixado para trs? Qual o tempo de decomposio destes materiais? Como temos nos relacionado com o meio natural em que vivemos, destruindo, modificando e construindo?

    Muitos so os projetos de desenvolvimento na Amaznia desde o perodo militar: mineradoras, extrao madeireira, plantao de soja, pecuria, construo de hidreltricas. Que impactos positivos e negativos trazem? H vrias possiblidades de abordagens aliando arqueologia no sentido da noo de um legado que fica como testemunho de uma sociedade e meio ambiente, no sentido de paisagem, ecologia, padres de consumo. Alm, claro, da oportunidade para pesquisas e debates em torno dos povos indgenas e africanos, suas contribuies na formao da identidade nacional e a participao dos povos contemporneos na nossa sociedade atravs de polticas ou mecanismos de incluso/excluso. Muitos deixaram suas comunidades para estudar ou tentar a vida nos centros urbanos ou capitais, mantendo, no entanto, sua ligao com suas matrizes culturais ancestrais. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) trabalha com indgenas declarados, reconhecendo, portanto, aqueles que vivem nas cidades. A Fundao Nacional do ndio (FUNAI), por outro lado, a entidade responsvel, em nvel nacional, pela poltica indigenista. Comunidades remanescentes de quilombos so reconhecidos/certificados em nvel nacional pela Fundao Cultural Palmares e possuem a titulao das suas terras por meio de processo de demarcao junto ao Instituto de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA).

    O debate sobre arqueologia pode suscitar outro aspecto interessante: a cultura responsabilidade de quem?

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    Observa-se que a cultura e o patrimnio cultural so contemplados nas legislaes ambientais, da cultura e da educao:

    - Lei da Arqueologia n 3.924/61: determina que os bens arqueolgicos so de guarda e proteo da Unio, sendo a sociedade co-responsvel pela sua preservao, podendo ser passvel de multa ou priso por mutilao, destruio, e venda de material arqueolgico.

    - Art. 215 e 216 da Constituio Federal de 1988: fala sobre direitos culturais e acesso s fontes da cultura nacional, bem como define o patrimnio cultural brasileiro.

    - Lei n 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educao Nacional e sua alterao na Lei n 11.645/08: inclui no currculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temtica Histria e Cultura Afro-Brasileira e Indgena, que devem ser ministrados no mbito de todo o currculo escolar.

    - Lei Federal 6.938/81, que institui a Poltica Nacional de Meio Ambiente e as Resolues do CONAMA 237/ 97 e CONAMA 001/ 1986, que versa sobre a implantao e a operao de atividades, sejam econmicas, obras de infraestrutura, produo energtica, turismo, transporte e depsitos, que utilizam recursos naturais ou que sejam consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras. Estas leis determinam situaes em que o empreendedor obrigado a obter licenciamento ambiental, o que pode incluir pesquisas de comunidades atingidas, perda cultural e de stios arqueolgicos e a obrigatoriedade de medidas compensatrias, como educao patrimonial e criao de espaos museais.

    Uma vez cumpridas etapas de reflexo e interao com o patrimnio cultural do seu local, escola ou comunidade, vamos etapa mais importante: o que nos comprometemos a fazer pela preservao do nosso patrimnio?

    Para responder a esta pergunta, precisamos pensar em projetos, sejam culturais ou educacionais, uma ao com comeo, meio e fim, onde se identifica um problema, atravs de uma

    relao de causa e efeito, e se faz uma proposta de interveno. Rena as pessoas em grupos para escreverem projetos, por mais simples que sejam, como um projeto de exposio de fotografias, projeto de campanha de educao ambiental, projeto de palestras para professores, projeto de bate-papo sobre um ofcio tradicional com um mestre e os jovens da escola.

    Como toda ao requer recursos de natureza humana, fsica e financeira, o projeto precisa de financiamento e funciona como instrumento de acesso aos recursos pblicos. Assim, preciso elaborar um breve diagnstico do patrimnio cultural do municpio, definir qual problema se

    deseja resolver a partir do projeto, e a partir da delimitar sua temtica, redigir uma apresentao, seus objetivos, justificativa, o pblico que se deseja alcanar, que parcerias so necessrias, quais suas etapas de realizao, que recursos sero alocados e qual o cronograma das etapas de sua realizao.

    O projeto cultural ou educacional o momento do compromisso e interveno do professor e da escola com a comunidade de seu entorno imediato ou o seu bairro, a sua cidade. Vrias foram nossas experincias nos

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    O projeto cultural ou educacional o momento do compromisso e interveno do professor e da escola com a comunidade de seu entorno imediato ou o seu bairro, a sua cidade. Vrias foram nossas experincias nos municpios paraenses com projetos os mais diversos, onde percebemos a oportunidade de abordar tambm cultura e educao em projetos voltados para a gerao de recursos, por meio do empoderamento da comunidade e preparao para o trabalho com artesanato, a culinria regional, e o turismo.

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    municpios paraenses com projetos os mais diversos, onde percebemos a oportunidade de abordar tambm cultura e educao em projetos voltados para a gerao de recursos, por meio do empoderamento da comunidade e preparao para o trabalho com artesanato, a culinria regional e o turismo, por exemplo.

    Alguns dos projetos que surgiram entre os professores, lideranas comunitrias e estudantes em nossas aes educativas:

    Exposio de vestgios arqueolgicos em comunidades quilombolas da zona rural Moju;

    Incentivo leitura Afu (zona rural);

    Danas folclricas nas atividades de educao fsica Salinpolis (zona urbana);

    Realizao de um Festival da Manga na orla para aproveitamento da fruta na poca da safra Aveiro (zona urbana);

    Roteiro cultural para visitao de estudantes, orientados pelos professores, de espaos referenciais memria e histria da cidade Moju (zona urbana);

    Museu composto por histrias de vida dos migrantes que compem o sul do Par Parauapebas (zona urbana);

    Estruturao de runas de engenho para visitao turstica Bujaru (zona rural).

    Outros projetos surgiram e foram concretizados com o grupo:

    Confeco de material didtico com temticas regionais feito com sucata Salinpolis, Abaetetuba, Parauapebas (zona urbana);

    Exposio de objetos que compem o patrimnio individual de alunos, para culminncia na reflexo sobre a escola centenria como patrimnio de todos Instituto de Educao Estadual do Par, Belm (zona urbana);

    Visita com entrevistas a uma rezadora de ladainhas em latim Bujaru (zona urbana);

    Roteiros tursticos com os temas gastronomia, lendas e mitos, pesca tradicional, histria e religiosidade Vigia (zona urbana);

    Visita famlia que promove a manifestao religiosa do Gamb, com entrevistas, entonao de cnticos, batuque e dana Aveiro (zona rural);

    Visita casa de moradora guardi de material arqueolgico aflorado em superfcie da comunidade - Aveiro (zona rural).

    Destacam-se ainda dois projetos entre estes:

    Visitas aos museus da capital com estudantes Tom-Au (zona rural): os professores participantes da ao educativa realizaram esta visita efetivamente com seus alunos.

    Reforma de igreja do sculo XVII Bujaru (zona rural): a comunidade precisava de orientao tcnica sobre pintura, forro, telhado etc. Fez parte da equipe neste encontro uma arquiteta especializada em patrimnio, que esteve bastante prxima da comunidade e acabou desenvolvendo mestrado sobre o assunto. A comunidade realizou bingo, aes diversas e angariou recursos para a reforma da igreja, em sistema de mutiro, que envolveu inclusive a lavagem das telhas dentro do igarap situado na localidade. Um exemplo de organizao comunitria em prol de seu patrimnio.

    Vimos, ao longo deste artigo, que h uma srie de possibilidades de trabalhos com educao patrimonial, de acordo com a realidade de cada municpio, seus referenciais culturais, ambientais, hbitos de vida, costumes, regras sociais. Vimos, sobretudo, que educao patrimonial liga-se educao ambiental e cidadania.

    Vimos tambm algumas atividades, ideias, mtodos, tcnicas e projetos surgidos ao longo da realizao do Programa de Educao Patrimonial do DPHAC/SECULT nos ltimos anos, em visitas aos municpios do Par e mesmo na capital, especialmente aqueles tangentes aos encontros com professores e lideranas locais. A metodologia que desenvolvemos durante estas experincias resumida em um programa denominado O Patrimnio Vivo da Minha Comunidade da seguinte forma:

    Etapa 1, denominada de Reflexo (O Patrimnio), cujos recursos/ atividades se utilizam de exerccios de sensibilizao, com uso de

    desenhos, recortes, poesias, textos, e descrio verbal da histria de vida dos participantes, construo coletiva de conceitos relativos ao patrimnio cultural, avaliao sobre o impacto da cultura na economia, explanao acerca da poltica de preservao do patrimnio e a legislao pertinente.

    O objetivo nesta etapa perceber o ser humano enquanto um ser integral (viso holstica), produtor de cultura, que se expressa em saberes, ofcios, manifestaes, uso de espaos e materiais, linguajar, etc., repletos de significados simblicos, que contam a histria da vida de cada um e de todos ns.

    A etapa 2, chamada Interao (O Patrimnio Vivo), usa de levantamento preliminar das referncias culturais do lugar, roteirizao, visita monitorada ou pesquisa de campo, entrevistas, produo de caderno de campo, desenhos, mapas, textos, transcrio ou resumo de entrevistas, produo de fotografias e vdeos.

    Seu objetivo de perceber o ser humano enquanto fruto da interao social e com o meio ambiente, desenvolvendo o olhar acurado e crtico, experimentando sensorialmente o municpio/bairro/escola, e observando as memrias e identidades contidas em seus espaos e pessoas.

    J na etapa 3, da Ao (Patrimnio e a Minha Comunidade), h discusso, troca de experincias, avaliao de evidncias, levantamento de problemas, hipteses, oportunidades, pontos fortes e fracos, comparao, proposio criativa de aes, compromissos ou projetos de valorizao cultural construdos coletivamente, formao em mediao cultural.

    Nesta etapa o objetivo perceber o ser humano cidado, corresponsvel pela

    preservao do patrimnio cultural, exercitando a capacidade de interpretao ou leitura da realidade, anlise, diagnstico, envolvimento afetivo, comprometimento.

    Essas etapas no so rgidas, ordenadas, ao contrrio, so flexveis e transversais, se sobrepondo. O mais importante que mais do que uma metodologia, a educao patrimonial seja oportunidade onde as pessoas faam o exerccio do dilogo, da troca, da interao, do enriquecimento, do levantamento de demandas e a busca coletiva de caminhos, ferramentas e parcerias a seguir.

    No pretendamos, com estas palavras, esgotar o assunto. Ao contrrio, pretendamos apresent-lo menos de forma terica e muito mais pelas prticas, instrumentos e metodologias de trabalho experimentadas no decorrer dos contatos e viagens da equipe. No se pode recomendar uma receita, pois cada realidade tem caractersticas e funcionamentos diferentes. Importante ressaltar que, ao final, o que as comunidades e populaes locais desejam serem conhecidas, respeitas e empoderadas.

    Esperamos ter instrumentalizado voc, professor, com inspiraes para seu trabalho junto comunidade escolar.

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    BIBLIOGRAFIA

    COSTA, Sabrina Campos. Casa de Rui Barbosa. 2012. Disponvel em: ltimo acesso em: 10 fev. 2014.PAR. Decreto n 2558, de 06 de outubro de 2010, Institui o Inventrio do Patrimnio Cultural do Estado do Par - IPCPA. Dirio Oficial [do] Par, Poder Executivo, Belm, PA, 08 out. 2010. Executivo 1, p. 5-6.

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    A prtica da Educao Patrimonial: uma experincia no municpio

    de Restinga Sca / RS

    HELIANA DE MORAES ALVES E

    LAURO CSAR FIGUEIREDO

    Introduo

    O presente trabalho um breve relato sobre uma prtica de Educao Patrimonial executada na Escola Municipal de Ensino Fundamental Leonor Pires de Macedo, localizada no municpio de Restinga Sca/RS, que versa sobre a valorizao e a preservao do patrimnio e da paisagem cultural. O objetivo geral da prtica foi compreender a importncia dos bens patrimoniais presentes na paisagem local, a partir de jogos didticos. Especificamente, o foco foi elaborar, juntamente com os educandos do oitavo ano do ensino fundamental, jogos interativos para auxiliar no processo de educao patrimonial; aplicar os jogos produzidos e disponibiliz-los aos outros professores da escola para que possam utiliz-los em suas aulas.

    A concretizao da prtica obteve-se atravs da realizao de um embasamento terico-conceitual; da efetivao de um levantamento de informaes histricas e culturais sobre Restinga Sca/RS, a partir de documentos oficiais, icnogrficos e de trabalhos de campo; da sistematizao das informaes obtidas e, por ltimo, da elaborao dos jogos didticos.

    A confeco de jogos didticos incentivou a compreenso sobre os aspectos culturais do municpio de Restinga Sca/RS e proporcionou um melhor

    entendimento sobre a paisagem cultural local. Os jogos didticos propiciaram a participao efetiva dos educandos, visto que de despertaram a imaginao e o raciocnio lgico, j que retrataram o seu espao de vivncia. Alm disso, no mbito escolar, aconteceram inmeras trocas de saberes, entre a comunidade escolar que possua um conhecimento prvio sobre espao de vivncia, e o conhecimento acadmico da equipe do projeto.

    Desta forma, trabalhar como o patrimnio cultural de Restinga Sca/RS tornou-se uma ferramenta a mais no processo de educao, onde os educandos estiveram envolvidos efetivamente, o que colaborou para a promoo de uma conscincia crtica e de responsabilidade, com vistas preservao patrimonial. Neste particular, o estudo valorizou os bens culturais locais que representam e caracterizam o aspecto patrimonial do municpio em questo, atingindo os objetivos propostos, uma vez que a comunidade escolar esteve presente e participou do processo de construo e de concretizao do trabalho.

    A confeco de jogos didticos incentivou a compreenso sobre os aspectos culturais do municpio de Restinga Sca/RS e proporcionou um melhor entendimento sobre a paisagem cultural local. Os jogos didticos propiciaram a participao efetiva dos educandos, visto que de despertaram a imaginao e o raciocnio lgico, j que retrataram o seu espao de vivncia.

    Fotografia de alguns jogos de quebra-cabeas elaborados pelos educandos do oitavo ano do E. M. E. F. Leonor Pires de Macedo (Figura 1).

    Foto: Heliana de Moraes Alves.

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    A prtica de Educao Patrimonial na escola municipal de ensino fundamental Leonor Pires de Macedo: um breve relato

    A geografia uma cincia que possibilita a compreenso de diversos aspectos do lugar de vivncia, de tal maneira que entender o processo formao, transformao e preservao do patrimnio de suma importncia para compreender a configurao histrica e geogrfica de um municpio. Ao estudar o municpio onde mora, o educando trabalha com o seu espao de vivncia, assim expe o seu sentimento de pertencimento e os seus saberes culturais, o que estimula a compreenso da realidade nas suas mltiplas variveis.

    Valorizar o patrimnio cultural que cerca o educando contribui para que este reconhea sua identidade e exera sua cidadania, por isso importante realizar prticas pedaggicas de Educao Patrimonial. Essas prticas devem discutir sobre novos temas, novas fontes documentais referentes ao patrimnio cultural e sobre o planejamento de atividades diversificadas que possam instigar os educandos a redescobrirem suas histrias e memrias (PELEGRINI, 2009).

    Assim, as aes pedaggicas tm grande relevncia no contexto de transformao social, em que o educando deve ser visto como um ser ativo no processo de construo do espao. Para isso, so necessrias metodologias que valorizem a memria, a percepo e a criticidade do aluno, para que esse se transforme num cidado comprometido com a comunidade que

    o cerca. O educando no deve receber conceitos prontos, mas construir o seu conhecimento atravs de significados determinados por meio de experincias relacionadas ao seu lugar de vivncia, em especial, a escola, que um importante espao de socializao e cidadania (ALVES, 2010). Por isso, fundamental a configurao de atividades pedaggicas que tragam como tema o patrimnio cultural, assim como a promoo de dilogos entre a Universidade e a comunidade escolar.

    Os jogos didticos propiciam o desenvolvimento de vrias habilidades e de atividades pedaggicas, pois atravs deles, a pessoa desenvolve a afetividade e a inteligncia, aprende a compreender regras, viver situaes de iniciativa, criatividade e cooperao. (DOHME, 2003). Afirma-se que os jogos servem para catalisar e auxiliar no processo de construo do conhecimento sobre o patrimnio cultural, melhorando o processo de ensino e de dilogo entre a academia e a comunidade escolar (MARTINS, et al, s/d).

    A confeco de jogos didticos um recurso metodolgico prtico e motivador, que

    proporciona a participao efetiva, despertando a imaginao e o raciocnio lgico. Atravs da construo de jogos relacionados ao espao vivido cotidianamente, a pessoa identifica-se com situaes vividas na famlia e demais locais. Desta forma, quando constri um jogo e quando joga, a pessoa transforma e interpreta sua realidade, cria oportunidades, enfrenta desafios reais, assim, realiza as atividades com prazer, participando espontaneamente e estabelecendo as regras para dar continuidade ao jogo. Alm disso,

    Valorizar o patrimnio cultural que cerca o educando contribui para que este reconhea sua identidade e exera sua cidadania, por isso importante realizar prticas pedaggicas de Educao Patrimonial. Essas prticas devem discutir sobre novos temas, novas fontes documentais referentes ao patrimnio cultural e sobre o planejamento de atividades diversificadas que possam instigar os educandos a redescobrirem suas histrias e memrias.

    [...] a realizao de atividades ldicas acessveis como a criao de joguinhos educativos pelos prprios educadores e educandos pode vir a driblar as carncias materiais de algumas unidades escolares

    (PELEGRINI, 2009, p. 83-84).

    Diante desta perspectiva terica, efetivou-se a prtica metodolgica de Educao Patrimonial na Escola Municipal de Ensino Fundamental Leonor Pires de Macedo, a partir de quatro eixos de investigao (Tabela 1).

    Eixos Objetos

    I Construo do referencial terico-conceitual.

    II Pesquisa de campo para o levantamento de dados histricos e culturais do municpio de Restinga Sca/RS.

    III Realizao de um levantamento de imagens antigas e atuais sobre a paisagem cultural de Restinga Sca/RS.

    IV Sistematizao das informaes relativas paisagem e o patrimnio local; e a elaborao dos jogos didticos, juntamente com os educandos do oitavo ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Leonor Pires de Macedo, a partir de encontros/aulas.

    Tabela 1 - Eixos de Investigao.

    Org.: Heliana de Moraes Alves, 2013.

    O Eixo de investigao I constitui-se na construo do referencial conceitual e terico, atravs da discusso de conceitos norteadores, entre eles destacam-se: a educao patrimonial, os jogos didticos, a paisagem cultural e o patrimnio.

    Os eixos de investigao II e III configuraram-se no levantamento histrico e cultural realizado a partir de documentos oficiais, iconogrficos e de trabalhos de campo, na perspectiva de caracterizar o municpio de Restinga Sca/RS, visto que o espao de vivncia dos educandos. As informaes, provenientes da observao direta da realidade estudada, foram registradas e armazenadas, e auxiliaram na interpretao do patrimnio cultural, alm de subsidiarem a elaborao dos jogos.

    No eixo de investigao IV as informaes relativas paisagem local foram interrelacionadas

    com os saberes que os educandos j possuam, o que possibilitou uma melhor compreenso sobre o patrimnio cultural do espao de vivncia. Neste eixo, foi realizada, tambm, a elaborao dos jogos didticos junto com educandos do oitavo ano do ensino fundamental da Escola Municipal Leonor Pires de Macedo, a partir de encontros/aulas.

    Salienta-se que o dilogo entre a escola e os pesquisadores se construiu durante todos os eixos de investigao, sendo que a elaborao dos jogos didticos se realizou em conjunto com os educandos, valorizando as suas prioridades e a sua realidade. Assim, foram realizados nove encontro/aulas (Tabela 2), onde cada encontro teve seu planejamento diferenciado a partir de planos de aulas previamente analisados e aprovados pela comunidade escolar. Os encontros interrelacionaram aulas expositivas e ldicas, o que aumentou a curiosidade e o interesse dos educandos pelo patrimnio cultural, e aconteceram na sala de projetos da escola, no horrio inverso aula regular, como uma atividade extra.

    Data Assunto / atividade

    11/07/2013 Apresentao dos objetivos da prtica de Educao Patrimonial aos educandos.

    18/07/2013 O que patrimnio e paisagem cultural?

    08/08/2013 Contextualizao histrica de Restinga Sca/RS.

    15/08/2013 Trabalho de campo aos Patrimnios da cidade.

    22/08/2013 Produo dos jogos didticos com os educandos.

    29/08/2013 Produo dos jogos didticos com os educandos.

    05/09/2013 Produo dos jogos didticos com os educandos.

    12/09/2013 Aplicao dos jogos didticos entre educandos.

    09/10/2013 Divulgao dos jogos e dos resultados do projeto comunidade escolar na Feira do Livro da Escola.

    Tabela 2 - Atividades realizadas na escola nos encontros/aulas.

    Org.: Heliana de Moraes Alves, 2013.

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    O primeiro encontro/aula foi direcionado a apresentar as metas do trabalho e a motivar os educandos a participar da prtica de educao patrimonial. A partir do questionamento: O que patrimnio cultural?, concretizou-se, de maneira dialogada, o segundo encontro/aula.

    Restinga Sca/RS: Ontem e Hoje foi o ttulo do terceiro encontro/aula, que centrou-se na discusso sobre a contextualizao histrica e espacial do municpio de Restinga Sca/RS. Elucidou-se a discusso com o uso de fotografias antigas e atuais, reportagens de jornais locais e poemas sobre o patrimnio ferrovirio do municpio. Este encontro estimulou o sentimento de pertencimento e a identidade cultural dos educandos, visto que so agentes importantes no processo de formao e transformao da paisagem cultural e, como tal, necessitam preservar e valorizar o patrimnio local.

    O quarto encontro/aula foi a realizao do trabalho de campo, quando os educandos visitaram os bens histricos culturais da cidade de Restinga Sca/RS, observaram como eles esto sendo preservados e sugeriram formas

    de conserv-los. Ressalta-se que a visita foi planejada e organizada a partir de um roteiro prvio construdo com o apoio da equipe diretiva da escola.

    Do quinto at o oitavo encontro/aula foram elaborados os jogos didticos que auxiliaram na compreenso sobre a paisagem cultural de Restinga Sca/RS e estimularam a preservao patrimonial. Os educandos escolheram e definiram os jogos que foram confeccionados, a citar: oito quebra-cabeas (Figura 01); um caa-palavras; um jogo da memria; um labirinto do patrimnio; um anagrama; quatro jogos dos sete erros; e um jogo de tabuleiro sobre o turismo patrimonial que foi intitulado de Turismo Restinga Sca/RS.

    Os jogos foram montados artesanalmente, porm alguns necessitaram do computador para serem confeccionados. As imagens utilizadas foram registradas no dia do trabalho de campo, alm disso, cada jogo possui um manual de instruo, um carto com o nome dos educandos criadores e uma ficha de informao sobre o patrimnio (Figura 02) ou a paisagem representada. Salienta-se que as fichas de

    informaes sobre os bens patrimoniais basearam-se nas informaes e dados contidos no Inventrio do Patrimnio Histrico de Restinga Sca/RS produzido pelo Consrcio de Desenvolvimento Sustentvel da Quarta Colnia (CONDESUS). Ressalta-se que este trabalho no esteve vinculado ao CONDESUS, apenas utilizou-se das informaes contidas nos documentos produzidos por este consrcio que esto disponveis populao. A motivao e criatividade dos educandos foram observadas at mesmo no momento da produo das embalagens dos jogos, visto que enfeitaram as caixas artesanalmente com pinturas e recortes (Figuras 03).

    O nono encontro foi a exposio dos resultados da prtica de Educao patrimonial para a comunidade escolar na Feira do Livro da Escola Municipal Ensino Fundamental Leonor Pires de Macedo, onde os jogos foram expostos

    para que a comunidade pudesse utiliz-los, o que ampliou a abrangncia do projeto e estimulou a valorizao do patrimnio local. A Feira do Livro contou com visita de outras escolas, o que proporcionou visibilidade prtica, surgindo com isso propostas de outras equipes diretivas para aplicao da ao em outras instituies de ensino do municpio.

    Destaca-se que os resultados, desta prtica de Educao Patrimonial, no finalizaram no dia da Feira do Livro da escola, visto que os jogos produzidos serviram de apoio para as demais turmas e educadores da escola, que podem utiliz-los em suas aulas, j que foram produzidos para diversas faixas etrias, com vrios nveis de dificuldades. A importncia do resultado contnuo dos projetos que visam a elaborao de jogos ressaltada por Pelegrini, quando expe que

    Fotografia da ficha de informao sobre a Gare da Estao que faz parte do quebra-cabea da Gare da Estao Ferroviria de Restinga Sca/RS (Figura 2).

    Foto: Heliana de Moraes Alves.

    Fotografia das embalagens dos jogos confeccionadas pelos educandos do oitavo ano do E. M. E. F. Leonor Pires de Macedo (Figura 3).

    Foto: Heliana de Moraes Alves.

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    BIBLIOGRAFIA

    PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimnio Cultural: conscincia e preservao. So Paulo: Brasiliense, 2009.ALVES, H. de M. A fotografia enquanto subsdio da Educao Patrimonial: uma experincia no municpio de Restinga Sca/RS. Monografia de Graduao em Geografia Licenciatura. Santa Maria/RS: Universidade Federal de Santa Maria, 2010.DOHME, Vnia. Atividades Ldicas na Educao: o caminho de tijolos amarelos do aprendizado. Petrpolis: Vozes, 2003.MARTINS, J.G et al. Realidade virtual atravs de jogos na educao.Florianpolis: Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo (PPGEP) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), s/d.

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    [...] a criao de jogos que versem sobre a temtica do patrimnio atraem os alunos e, posteriormente, devem ser disponibilizados entre as outras turmas da escola e, de acordo com o grau de dificuldade, torna-se alvo de

    disputas saudveis (PELEGRINI, 2009, p. 81).

    Disputas estas que estimulam o conhecimento e a curiosidade sobre o patrimnio local, instigando o sentimento de pertencimento. Sendo assim, as aes pedaggicas devem ser trabalhadas na perspectiva de estimular a comunidade a identificar e conservar a paisagem cultural local. Por isso, este trabalho se constituiu em uma ao participativa, sendo que um dos principais resultados obtidos foi o reconhecimento do patrimnio cultural pela comunidade escolar, atravs dos jogos interativos que proporcionam um olhar mais crtico da realidade.

    Diante disso, afirma-se que esta prtica de Educao Patrimonial contribuiu com os estudos sobre a paisagem cultural do municpio de Restinga Sca/RS; incentivou os educadores da escola a utilizarem os jogos em suas aulas para uma melhor compreenso sobre o assunto; demonstrou os aspectos histricos da transformao da paisagem cultural no municpio e fortaleceu a criao de redes com outras escolas na divulgao e possvel aplicao do projeto em outras edies, que envolvam toda a comunidade escolar.

    Consideraes

    A construo e aplicao dos jogos didticos possibilitaram interpretar a transformao da paisagem cultural e as relaes sociais existentes,

    e ao mesmo tempo, identificar o patrimnio cultural local. Incentivou a integrao dos educandos com ambiente de vivncia, construindo assim um sentimento de pertena ao lugar, e estimulou a criticidade dos educandos diante das condies de depredao do patrimnio. Assim, a elaborao e o uso de jogos didticos tornaram os encontros/aulas mais atrativos e envolventes, o que auxiliou na construo de novas habilidades por parte dos educandos e incentivou a valorizao da identidade cultural local.

    O trabalho prtico de educao patrimonial teve como produto final: oito quebra-cabeas, um caa-palavras, um jogo da memria, um labirinto do patrimnio, um anagrama, quatro jogos dos sete erros e um jogo Turismo Restinga Sca/RS. Todos os jogos ficam na Escola e servem como recurso didtico para o corpo docente trabalhar a preservao do patrimnio local em suas aulas de maneira diferenciada e motivadora, o que amplia a abrangncia do trabalho.

    Estuda-se a possibilidade de desenvolver, neste presente ano letivo, novamente outra prtica educativa que versa sobre a valorizao patrimonial na Escola Municipal de Ensino Fundamental Leonor Pires de Macedo e em outras escolas do municpio de Restinga Sca/RS, a fim de formar uma rede de recursos didticos sobre o patrimnio no municpio. Para isso, pretende-se ampliar a sua abrangncia inserindo novas metas, dentre elas, a elaborao um jornal trimestral sobre o patrimnio na Escola Leonor Pires de Macedo, que explane, principalmente, sobre os aspectos da preservao, mas tambm sobre o andamento do ano letivo da escola e descreva os outros projetos da escola, entre outras pautas.

    Educao Patrimonial na sala de aula:

    a escola como

    patrimnio cultural

    CRISTIANE VALDEVINO DE AQUINO

    Apesar do crescimento da educao patrimonial, ainda persiste a ideia de que o patrimnio est centrado em um reduzido nmero de locais e manifestaes. Nessa perspectiva, a escola apresenta-se como mediadora no encontro do aluno com o patrimnio. Consolida-se desta forma uma viso da Histria reduzida a lugares privilegiados e histricos por excelncia. O resultado disso, entre outras coisas, que o aluno no concebe que a escola tambm faz parte do patrimnio da sociedade, que participa da sua constituio identitria, sendo um lugar de construo de memrias, por esse motivo merece o mesmo cuidado que os demais patrimnios histrico-culturais.

    De acordo com Funari e Pelegrini (2006), essa concepo reduzida e elitista do conceito de patrimnio est arraigada na prpria origem do termo. uma palavra de origem latina que se relacionava aos bens (escravos, imveis, animais, esposa) do pai (pater) da famlia e, levando em considerao que poucos eram os que possuam tais bens, o patrimnio era restrito a uma parcela aristocrtica da sociedade. O Renascimento corroborou com essa viso elitista. Houve nesse momento a busca por preservar livros e objetos da cultura clssica, surgindo, assim, os antiqurios. O patrimnio continuava nas mos de poucos e o sentido do termo ainda era essencialmente material.

    Com a modernidade e os Estados Nacionais, era preciso fortalecer os laos identitrios, o que foi feito atravs da difuso de uma lngua, hbitos e elementos culturais em comum. Segundo Funari e Pelegrini (2006), era

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    preciso inventar uma base material, o patrimnio nacional, que justificasse a nao como uma coletividade.

    As transformaes do mundo globalizado, o crescimento dos movimentos sociais e ambientais no sculo XX, junto reivindicao de direitos por esses grupos, propiciaram a ascenso das diferenas e a pluralizao do conceito de identidade e patrimnio, que passaram a abarcar cada vez mais grupos que at o momento estavam excludos dos debates, incluindo, assim, marcos arquitetnicos locais, manifestaes culturais de diversos grupos e reservas ecolgicas. Nesse contexto no se pode ignorar a complexidade do termo patrimnio, que, como mencionado anteriormente, j foi usado de forma excludente e hoje abriga grupos e manifestaes locais com a mesma relevncia.

    A pluralidade cultural no pode ser pensada fora do conceito de identidade. Bem como a ideia de ressaltar as diferenas e fortalecer os elementos em comum no se restringe apenas ao patrimnio. O processo de construo identitria tambm se assenta nesses pressupostos. necessrio sentir-se parte de um grupo e com ele intercambiar ideias e padres comportamentais, mas tambm a identidade se associa intimamente com a diferena: o que somos se define em relao ao que no somos (MOREIRA; CMARA, 2008, p.43).

    O processo de construo identitria assentado nas memrias individuais e coletiva, cria ento

    o arcabouo de onde o sujeito edificar sua identidade. Ecle Bosi, retomando os estudos de Bergson sobre memria, afirma que "o passado conserva-se e, alm de conservar-se, atua no presente". Interpretado luz das discusses sobre identidade, pode-se afirmar que as memrias interferem na maneira como o indivduo se localiza no mundo. Nossa identidade assim

    se fundamenta nas memrias e estas no se definem apenas pela subjetividade do indivduo.

    As experincias do tempo situadas nas experincias sociais foram estudadas por Maurice Halbwachs, especialmente no livro A memria coletiva (1990). O filsofo retoma a importncia que Bergson d ao presente na ressignificao do passado, porm explora tambm as relaes entre as memrias e seu fulcro social. No obstante, Halbwachs, no nega a subjetividade do indivduo. Como mostra adiante, ele que no fim das contas trar significado s lembranas, quilo que considerar mais importante de relembrar. Contudo, fica claro em seu pensamento a dimenso coletiva das memrias,

    reiterando ao longo do livro que no estamos ss, temos sempre conosco e em ns uma quantidade de pessoas que no se confundem (HALBWACHS, 1990).

    Ao mostrar a participao dos grupos e instituies sociais na formao das memrias, Halbwachs evidencia que memria e

    esquecimento no so exclusivamente fenmenos biolgicos, mas categorias sociais. H mtua influncia entre identidade e memria, pois a comunidade afetiva interfere nas memrias individuais e estas ltimas nas relaes que o indivduo estabelece com o outro, justificando o sentimento de pertencer ou no quele grupo.

    O indivduo no se sedimenta em uma nica identidade. Ou, conforme as palavras de Silva:

    Nossa identidade, assim, no uma essncia, no um dado, no fixa, no estvel, nem centrada, nem unificada, nem homognea, nem definitiva. instvel, contraditria, fragmentada, inconsistente, inacabada. uma construo, um efeito, um processo de produo, uma relao, um ato performativo. (SILVA, 2000, p. 96).

    Maurice Halbwachs j havia demonstrado a fluidez das memrias, pois elas no vm tona de forma intacta e tal qual ocorreram, mas revelam-se em contnua relao com o presente. o presente que dar relevo e novo sentido ao passado. Sendo assim, a identidade nunca pde se sustentar em bases slidas.

    A escola tambm contribui para forjar identidades; alm de ser, claro, um espao de discusso sobre o tema. Muitas vezes os primeiros contatos da criana com modos de ser e viver

    diferentes dos seus e da sua famlia ocorrem na sala de aula. O grupo de convvio, as trocas de experincias so vivncias que podem marcar por toda vida a forma como ela ver os outros e a si mesma.

    O processo de formao da identidade vai alm das relaes entre os colegas. O professor tambm um elemento ativo. Ao caracterizar um aluno, atribuir notas ou reforar um determinado comportamento, o professor ressalta certos elementos e subtrai outros, a fora de um ato lingustico no processo de produo de identidade vem de sua repetio, especialmente da possibilidade de sua repetio (SILVA, 2000, p. 94). Como por exemplo, possvel perceber a fora que certas caractersticas estudantis adquirem na vida de um indivduo: o nerd, o bagunceiro, o comportado so aspectos ressaltados em detrimento de outros.

    Quando dizemos que Renata uma menina esperta, podemos estar favorecendo em um sentido amplo a produo de um fato que pensvamos estar simplesmente descrevendo. Podemos, por conseguinte, concorrer para a definio e para a preservao de aspectos identitrios do/a estudante. Os elos entre identidade e o processo pedaggico configuram-se, por conseguinte, evidentes. (MOREIRA, 2008,

    p.43)

    Mais uma vez vem tona a necessidade de expandir o olhar sobre as imbricaes entre pluralidade cultural e o termo patrimnio que se ampliam cada vez mais diante das vrias identidades assumidas pelo indivduo. Por essa razo, interessante no apenas conhecer os espaos da memria j consagrados e geralmente associados a determinados grupos sociais privilegiados.

    Ao limitar o estudo a espaos considerados monumentos histricos, tombados pelo patrimnio histrico, pode-se conduzir os alunos a equvocos sobre a prpria concepo de histria e sedimentar a ideia de que a memria histrica deve ater-se apenas a determinadas esferas do poder.

    (BITTENCOURT, 2011, p. 279)

    Muitas vezes a educao patrimonial nas escolas se pauta apenas nas visitas dos tais

    As transformaes do mundo globalizado, o crescimento dos movimentos sociais e ambientais no sculo XX, junto reivindicao de direitos por esses grupos, propiciaram a ascenso das diferenas e a pluralizao do conceito de identidade e patrimnio, que passaram a abarcar cada vez mais grupos que at o momento estavam excludos dos debates, incluindo assim, marcos arquitetnicos locais, manifestaes culturais de diversos grupos e reservas ecolgicas. Nesse contexto no se pode ignorar a complexidade do termo patrimnio, que, como mencionado anteriormente, j foi usado de forma excludente e hoje abriga grupos e manifestaes locais com a mesma relevncia.

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    espaos de memria, como se a Histria se limitasse a pontos determinados. Mas o professor precisa fazer com que o aluno compreenda que a Histria criada e recriada por todos os seus agentes e nos mais diversos espaos, inclusive na escola. Alm disso, importante entender o processo de seleo que delimita quais so os marcos histricos de uma sociedade. Deve-se problematizar os mecanismos e critrios que tornam um elemento patrimnio e outro no.

    Essas e outras razes suscitaram o projeto pedaggico Educao Patrimonial e cidadania: Conhecendo e preservando o patrimnio escolar como uma forma de educao patrimonial pensada a partir da escola e de suas problemticas, aproximando os conceitos e prticas relacionadas ao patrimnio cultural da realidade dos educandos e conscientizando-os sobre a importncia de conhecer e preservar o ambiente escolar. A escola, nesse sentido, vista como um espao de memrias e vivncias que contribuem para a fortalecimento da cidadania e formao da identidade.

    Esse projeto foi implementado em uma das turmas do Ensino Fundamental do turno da tarde da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Mdio Jos Miguel Leo, localizada no distrito de So Jos da Mata na cidade de Campina Grande, estado da Paraba. A Escola E.E Fundamental e Mdio Jos Miguel Leo sofre diariamente com a depredao do seu patrimnio. Quadros, cadeiras, lmpadas, por exemplo, so frequentemente substitudos por terem sido danificados ao longo do ano

    letivo. Quem mais sofre com isso a prpria comunidade escolar, pois a reposio desses itens alm de se tornar onerosa, pode demorar meses e acaba levando a escola a atrasar a aquisio de outros equipamentos. Essa prtica de vandalismo parte, muitas vezes, do prprio corpo discente, justamente aqueles que mais usufruem do patrimnio escolar. Contudo, no basta apenas tentar achar os culpados por essas aes, importante que busquemos alternativas no campo didtico-pedaggico para compreender e intervir

    em tais prticas. Afinal, como compreender esse comportamento destrutivo?

    A escola, para o aluno, aparece muitas vezes como um lugar distante, coercitivo e pouco atrativo (ABRAMOVAY, 2002). Para ele, o ambiente escolar no um espao de memria e construo de identidade. Portanto, o educando no se sente pertencente a esse espao e por isso no se motiva a preservar seu ambiente educacional. Muito pelo contrrio, o aluno acaba depredando um patrimnio que ele deveria entender como seu.

    Desta forma, tornou-se imprescindvel

    realizar este trabalho de conscientizao sobre a importncia do espao escolar no apenas como local de construo de conhecimento mas como lugar de memrias, construo de identidades e fomentar a experincia direta com o patrimnio escolar, pois assim ser possvel tecer relaes e se apropriar dos elementos e bens construdos pela escola.

    O conhecimento sobre o patrimnio escolar levar o aluno a reforar seus laos com a

    comunidade e ver-se como membro desta. Objetivo que alis est em consonncia com os Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental que apontam como um dos compromissos da escola a formao de cidados. O mesmo documento fundamenta a viso de cidadania como:

    Participao social e poltica, assim como exerccio de direitos e deveres polticos, civis e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperao e repdio s injustias, respeitando o outro e exigindo para

    si o mesmo respeito (BRASIL, 1998, p. 07)

    No entanto, preciso ter em mente que os direitos e deveres de um cidado foram conquistados ao longo da Histria que nem sempre todos tiveram acesso a isso.

    O conceito de cidadania que temos hoje fruto das chamadas revolues burguesas, particularmente da Revoluo Francesa e da Independncia dos EUA no sculo XVIII, mas tambm da Revoluo Industrial []. Hoje a cidadania apresentada como um processo de incluso total, em que todos so cidados com direitos polticos, sociais e civis. (SILVA. K., 2009 p. 48-49).

    Para a realizao desse projeto utilizou-se a metodologia do Guia de Educao Patrimonial (1990) de Evelina Grunberg, Maria de L. P Horta e Adriane Monteiro. A metodologia contida no livro pode ser resumida da seguinte forma: aps definir o objeto de estudo, o educador, deve seguir quatro etapas metodolgicas no processo de (re)conhecimento de um objeto/local/ bem cultural, so elas: observao, registro, explorao e apropriao. A observao requer ateno do aluno e que ele observe as formas, as cores, os materiais que envolvem a fabricao do objeto de estudo,

    esta etapa pode ser desenvolvida atravs de experimentaes, perguntas, entre outros recursos que estimulem a percepo do aluno. Depois vem o registro, a partir das informaes colhidas no item anterior, o aluno pode criar algo palpvel a respeito do que foi analisado. Pode ser uma maquete, um grfico, desenhos, no caso do projeto optou-se pelo desenho. A seguir o procedimento indicado a explorao do objeto, essa parte consiste em analisar criticamente, pensar alternativas, hipteses sobre o estudo em questo. Por ltimo, acontece a apropriao, esta fase envolve a internalizao do objeto apreendido e deve ser expresso atravs de uma manifestao criativa e artstica.

    A metodologia aplicada recorreu tambm a Inteligncias mltiplas: A teoria na prtica (1994), desenvolvida por Howard Gardner. Sabendo que cada aluno tem suas habilidades e especificidades, deve-se propor atividades que os estimulem de diversas formas, como: pesquisas, debates, jogos ldicos, entrevistas, leituras de excertos de textos. Objetivamos com isso oportunizar o desenvolvimento das habilidades de cada um. Tais atividades podero ser realizadas de forma coletiva e/ou individual e de acordo com o que for pertinente execuo do projeto, interligando s

    Muitas vezes a educao patrimonial nas escolas se pauta apenas nas visitas dos tais espaos de memria, como se a Histria se limitasse a pontos determinados. Mas o professor precisa fazer com que o aluno compreenda que a Histria criada e recriada por todos os seus agentes e nos mais diversos espaos, inclusive na escola. Alm disso, importante entender o processo de seleo que delimita quais so os marcos histricos de uma sociedade. Deve-se problematizar os mecanismos e critrios que tornam um elemento patrimnio e outro no.

    Capa e avatar da pgina Ns na Histria no Facebook.

    Fonte: Print Screen da pgina Ns na Histria.

    Disponvel em: https://www.facebook.com/NosNaHistoria?fref=ts.

    Acesso: maro de 2014.

  • | Caderno Temtico de Educao Patrimonial Dilogos entre escola, museu e cidade |

    recorrentes no imaginrio dos alunos. Por outro lado, a escola desejada era organizada, arborizada e limpa. Mas, o que os impedia de torn-la da maneira que imaginavam? Novamente vem tona a concepo da escola como algo alheio, sendo assim, acreditavam sempre que no era responsabilidade deles.

    As questes relativas cidadania foram debatidas principalmente nas aulas entre 16/09 e 27/09. Aps realizarem uma pesquisa direcionada, foi discutido em sala de aula o conceito de cidadania. Era comum associarem cidadania apenas ao voto e, genericamente, aos direitos e deveres. Mas, quem estabelecia esses direitos e deveres? Essa pergunta foi lanada como forma de estimular o debate e o entendimento de que ser cidado uma construo histrica, deixando claro no decorrer da aula que a cidadania baseada em lutas e conquistas ao longo do tempo.

    Nas semanas compreendidas entre 30/09 e 10/10, sob orientao da professora a turma concentrou-se em elaborar o produto final do projeto: uma cartilha ilustrada contendo aes que poderiam ser realizadas por todos para a preservao da escola. A sala foi dividida em grupos compostos por cinco pessoas. Cada grupo ficou responsvel por produzir uma histria ou

    pequena cena em que os alunos mostrariam as coisas boas com as quais eles se identificavam dentro da escola, o que eles queriam que a escola tivesse e como eles poderiam agir para preserv-la, tornando-a o lugar que eles desejavam. Foi retomada a ideia da escola que queremos dos desenhos para deixar claro que possvel torn-la real, que ser cidado ter o direito e o dever de preservar a escola. Nesse momento eles expressaram o desejo de ter uma escola limpa, segura, com a preservao dos espaos de lazer e as brincadeiras. Mostraram com isso, com quais elementos eles se identificavam e viam como pertencentes escola, diferente da viso anterior, onde vrios elementos perturbadores apareciam como algo externo e que deveria no fazer parte deste ambiente.

    A partir das discusses e experincias do projeto, percebe-se que a Educao Patrimonial deve fazer parte do repertrio em sala de aula, pois da apreenso de conceitos to fundamentais como identidade, memria, patrimnio cultural que surge o entendimento sobre os elementos constituintes da identidade dos sujeitos, o respeito pluralidade cultural, ao patrimnio escolar e, consequentemente, por outros patrimnios histrico-culturais da humanidade.

    BIBLIOGRAFIA

    ABRAMOVAY, Miriam. Violncias na escola. Braslia: UNESCO, 2002. p. 281-291.BRASIL. Secretaria de Educao fundamental. Parmetros curriculares nacionais/ Histria. Braslia, 1998, p. 7.BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de Histria: fundamentos e mtodos. 4. ed. So Paulo: Cortez, 2011. p. 277-280.FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimnio histrico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. 72 p.GARDNER, Howard. Inteligncias mltiplas: A teoria na prtica. Porto Alegre: Artes mdicas, 1995. P. 12-18.HALBWACHS, Maurice. A memria coletiva. 3. ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 1990. 189 p.HORTA, Maria de L. P.; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Q. Guia bsico de Educao Patrimonial. Braslia: Iphan; Museu Imperial, 1999.p.7.MOREIRA, Antnio Flvio Barbosa; CMARA, Michelle Janurio. Reflexes sobre currculo e identidade: implicaes para a prtica pedaggica. In: MOREIRA, Flvio Antnio; CANDAU, Maria vera. Multiculturalismo: diferenas culturais e prticas pedaggicas. 2. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2008. p. 38-65.SILVA, K. V. Dicionrio de conceitos histricos. 2.ed. So Paulo: Contexto, 2006. p. 47 50.SILVA, Tomaz Tadeu. A produo social da identidade e da diferena. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e diferena: a perspectiva dos estudos culturais. Petrpolis: Vozes, 2000. p. 73-102.

    discusses a respeito de identidade, cidadania e preservao patrimonial.

    O projeto foi realizado sob a orientao da professora de Histria Cristiane Valdevino de Aquino e a partir do segundo semestre de 2013. A primeira etapa consistiu na criao de uma pgina no Facebook chamada Ns na Histria cujo objetivo era aproximar os alunos da temtica do projeto e levar o conhecimento para alm dos muros da escola, utilizando uma ferramenta de lazer (a rede social) como plataforma de construo do conhecimento.

    Ao todo foram trs meses de projeto, entre os meses de agosto a outubro de 2013, discutindo temas como: preservao patrimonial, cultura material / imaterial e cidadania. Entre as semanas de 19/08 a 30/08 foram discutidos os primeiros conceitos sobre o tema. A ideia era sempre comear pelo conhecimento prvio deles, perguntando o que achavam que significava a palavra patrimnio e os demais termos elencados no quadro. Foi evidenciado que os alunos no concebiam a escola como algo deles. A escola era do governo e este ltimo tambm no os pertencia.

    Entre 02/09 e 13/09 foram discutidos alguns conceitos relativos ao que seria patrimnio material e imaterial, para tanto, houve a exibio do curta-metragem Patrimnio artstico, para que depois, em outra aula, pudssemos fazer uma gincana. Nesta gincana a turma foi dividida em duas equipes e ambas tinham que descobrir se determinado termo era um patrimnio material ou imaterial.

    Em uma das atividades propostas a escola que temos e a escola que queremos os alunos foram incentivados a desenvolver desenhos de como eles enxergavam a escola e como ela deveria ser. Estes desenhos mostraram o quanto a imagem de sujeira, desordem, indisciplina eram

    Primeira aula sobre noes de patrimnio.

    Foto: Fabiolla Furtado.

    Elaborao dos desenhos A escola que temos A escola que queremos; desenhos A escola

    que temos A escola que queremos finalizados; criao das cenas para a cartilha ilustrada.

    Fotos: Cristiane Aquino.

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    Patrimnio Cultural e Educao:

    perspectivas cidads para

    outra esfera pblica

    FERNANDO PASCUOTTE SIVIERO

    Diferente de outros tempos, vivemos hoje um momento em que muitas coisas podem receber o ttulo de patrimnio cultural. O que acontece para que o acaraj, uma casa antiga, a procisso de uma cidade, um terreiro de candombl, um batuque, uma sede de fazenda, uma cachoeira, uma feira urbana, um prdio, o centro de uma cidade ou um bairro, virar patrimnio cultural?

    Dentro do governo brasileiro, a preservao de bens culturais comeou no final da dcada de 1930, com o surgimento do que hoje conhecemos como Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan). De l para c, o tema extravazou a esfera governamental e consolidou-se no tecido social da nao. Vo ai mais de 75 anos de uma poltica que atravessou diferentes contextos polticos, econmicos e sociais do pas.

    H cerca de 20 ou 30 anos o patrimnio cultural no Brasil restringia-se a um conjunto de bens materiais (mveis e imveis) reconhecidos principalmente por valores histricos e/ou artsticos e por critrios de autenticidade, originalidade e/ou excepcionalidade do bem. Trechos urbanos, cidades, edificaes, objetos e acervos documentais e artsticos, monumentos, stios arqueolgicos etc. foram tombados pelo Estado com o intuito de compor, segundo o antroplogo Jos Reginaldo Gonalves (2002), uma imagem/narrativa do Brasil como uma nao civilizada e moderna, de acordo com os padres e parmetros ocidental-branco-europeu.

    A partir da dcada de 1980, ainda no contexto ditatorial de restrio de direitos, essa ideia de patrimnio nacional comeou a ser questionada e alterada. Uma alterao de nomenclatura (a troca de "patrimnio histrico e artstico" por "patrimnio cultural") carregou em suas entrelinhas uma mudana conceitual que afetou profundamente as prticas preservacionistas. Ao invs de monumentos nacionais, os bens culturais so pensados a partir do conceito de referncias culturais e abrangem tanto bens materiais quanto imateriais. De acordo com o prprio Iphan,:

    "Referncias so edificaes e so paisagens naturais. So tambm as artes, os ofcios, as formas de expresso e os modos de fazer; So as festas e os lugares a que a memria e a vida social atribuem sentido diferenciado: so as consideradas mais belas, so as mais lembradas, as mais queridas. So fatos, atividades e objetos que mobilizam a gente mais prxima e que reaproximam os que esto distantes, para que se reviva o sentimento de participar e de pertencer a um grupo, de possuir um lugar. Em suma, referncias so objetos, prticas e lugares apropriados pela cultura na construo de sentidos de identidades, so o que popularmente se chama de raiz de uma cultura. (IPHAN, 2000, p.29 apud IPHAN, 2006, p.19)

    Segundo o historiador Ulpiano Bezerra de Meneses (2012), o principal legado desse processo de alterao conceitual foi um esforo em inserir a poltica preservacionista no fato social e operar a partir dele. As pessoas passaram a ser consideradas detentoras de referncias e bens culturais, ou seja, os sentidos e significados do patrimnio cultural decorrem no somente de sua materialidade, mas das pessoas que o detm. O patrimnio cultural no , desde ento,

    uma narrativa nica, coesa e fechada sobre a nao, mas um artifcio poltico de afirmao e confirmao da pluralidade e heterogeneidade sociocultural que constitui o pas. Como direito social, preciso que a poltica pblica preservacionista propicie e garanta no somente a continuidade do bem cultural, mas tambm toda sua dinmica social e pblica, respeitando o culturalmente diverso, o heterogneo e o outro.

    Nessa perspectiva, patrimnio cultural torna-se, portanto, um instrumento de cidadania. Ao denominar e considerar os sujeitos sociais como detentores, atores e autores dos bens culturais, confirma-se, sobretudo, sua condio de cidado, de mem