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A relação entre o brincar e o desenvolvimento infantil, segundo professoras. Priscilla Mayara de Andrade Quaresma RESUMO Para Vygotsky (1998), o brincar é uma atividade específica da infância em que a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. É uma atividade humana criadora, na qual a imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão, de ação pelas crianças, possibilitando o surgimento de relações sociais com outras crianças e adultos. O presente artigo tem por objetivo investigar, a partir dos relatos das professoras de Educação Infantil de uma escola particular, as brincadeiras apontadas como mais freqüentes, os tipos de brincadeira de acordo com gênero e idade das crianças, a forma de intervenção do adulto na brincadeira livre e a importância do brincar. É a partir dos relatos das professoras que este artigo se estrutura, utilizando-se para tal da análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A razão do aprofundamento desse tema favorecerá pais, professores e psicólogos, numa orientação sobre as possíveis relações entre o brincar e o desenvolvimento infantil em seus aspectos cognitivo, social e afetivo. PALAVRAS CHAVES: Brincar, Desenvolvimento infantil e Professores. ABSTRACT For Vygotsky (1998), the play is an activity of childhood when the child recreates reality using symbolic systems. It is a creative human activity, in which the imagination, fantasy and reality interact in the production of new possibilities of interpretation, expression, action for children, allowing the emergence of social relationships with other children and adults. This article aims to investigate, from the reports of early childhood education teacher in a private school, playing out as more frequent form, types of play according to gender and age of the children, of adult intervention in play and the importance of free play. Is from the reports of the teachers that this article is structured, using for this analysis of the Collective Subject Discourse (CSD). The reason for the deepening of this theme will encourage parents, teachers and psychologists, in a debate on the possible relationship between play and child development in their cognitive, social and affective. KEY WORDS: Play, Child Development and Teachers.

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PSICOPEDAGOGIA

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A relação entre o brincar e o desenvolvimento infantil,

segundo professoras.

Priscilla Mayara de Andrade Quaresma

RESUMO

Para Vygotsky (1998), o brincar é uma atividade específica da infância em que a criança recria

a realidade usando sistemas simbólicos. É uma atividade humana criadora, na qual a

imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de

interpretação, de expressão, de ação pelas crianças, possibilitando o surgimento de relações

sociais com outras crianças e adultos. O presente artigo tem por objetivo investigar, a partir

dos relatos das professoras de Educação Infantil de uma escola particular, as brincadeiras

apontadas como mais freqüentes, os tipos de brincadeira de acordo com gênero e idade das

crianças, a forma de intervenção do adulto na brincadeira livre e a importância do brincar. É a

partir dos relatos das professoras que este artigo se estrutura, utilizando-se para tal da análise

do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A razão do aprofundamento desse tema favorecerá

pais, professores e psicólogos, numa orientação sobre as possíveis relações entre o brincar e o

desenvolvimento infantil em seus aspectos cognitivo, social e afetivo.

PALAVRAS CHAVES: Brincar, Desenvolvimento infantil e Professores.

ABSTRACT

For Vygotsky (1998), the play is an activity of childhood when the child recreates reality using

symbolic systems. It is a creative human activity, in which the imagination, fantasy and reality

interact in the production of new possibilities of interpretation, expression, action for children,

allowing the emergence of social relationships with other children and adults. This article aims

to investigate, from the reports of early childhood education teacher in a private school,

playing out as more frequent form, types of play according to gender and age of the children, of

adult intervention in play and the importance of free play. Is from the reports of the teachers

that this article is structured, using for this analysis of the Collective Subject Discourse (CSD).

The reason for the deepening of this theme will encourage parents, teachers and psychologists,

in a debate on the possible relationship between play and child development in their cognitive,

social and affective.

KEY WORDS: Play, Child Development and Teachers.

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INTRODUÇÃO

A infância surge como categoria específica, num momento relativamente

recente da história humana. Apenas há alguns séculos a criança é compreendida em sua

singularidade, com espaço e objetos próprios, e não um mero adulto em miniatura.

Segundo os estudos de Áries (1981), as crianças da Idade Média, especificamente do

Ocidente Medieval, tinham os mesmos hábitos e costumes dos adultos, por não haver

distinção entre o mundo adulto e o mundo infantil.

Para o mesmo autor, na passagem dos séculos XVII para o XVIII, a infância

passa ser definida como um período de ingenuidade e fragilidade do ser humano que

poderá receber todos os incentivos possíveis para sua felicidade. Nos fins da Idade

Média, há um processo de mudança, os adultos marcam o ato de mimar e paparicar as

crianças, como meio de entretenimento para eles, o que ocorre com mais especificidade

na elite.

Benjamin (1984) acrescenta que no início do século XVII, a criança surge

como “ser” de importância na sociedade, com a família moderna que se constitui

paralelamente ao hábito de educar a criança na escola.

O mesmo autor aponta que “o brinquedo e a brincadeira são considerados

constitutivos da infância, como conseqüência das transformações da organização

familiar e social na história, através do processo de industrialização e urbanização da

sociedade”. (BENJAMIN, 1984).

A cultura do brincar e mais especificamente o interesse pelos brinquedos como

a materialização da atividade em si, teve sua origem na Alemanha, em lugares não

especializados, como oficinas de entalhadores de madeiras ou de fundidores de estanho.

(BENJAMIN, 1984). E a partir de meados do século XVIII compreende-se que a

transformação dos objetos nos brinquedos:

passaram a brotar no competitivo mercado de fabricantes especializados. Nesse período, as indústrias manufatureiras, que anteriormente tinham sua produção de brinquedos posta em segundo plano, restritas à fabricação apenas daquilo cujo ramo favorecia, passaram a dividir entre si as tarefas distintas que culminariam na produção do brinquedo a ser vendido sob altos custos como mercadoria. (BENJAMIN, 1984, p. 68).

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Diante desses estudos para Áries (1981) foi possível observar que atualmente,

de certo modo, a infância passa a adquirir características semelhantes a concepção que

perdurou até a Idade Média. Afinal, as crianças de hoje passam a se comportar, vestir e

viver de acordo com o mundo adulto, em que estão inseridas.

Historicamente, segundo Benjamin (1984), o brincar sempre esteve presente na

Educação Infantil, único nível de ensino que a escola deu passaporte livre, aberto à

iniciativa, criatividade, inovação por parte dos seus protagonistas, ou supervisionada

pelo adulto.

O espaço social da criança, em geral, se restringe à pequenos grupos, como a

casa dos familiares, a escola. Essas referências assumem uma importância significativa,

pois é em torno delas que as lembranças da infância são tecidas. E dependendo da

ligação que a criança estabelece com seu grupo familiar, as lembranças da infância se

renovarão e se completarão com maior facilidade.

Destaca Valsiner (1988) que para analisar o desenvolvimento infantil deve-se

considerar os ambientes em que ocorre a atividade da brincadeira livre que são

fisicamente estruturados segundo os significados culturais dos adultos que as rodeiam

na sociedade, como pais e professores.

Vygotsky (1998), quando discute em sua teoria a gênese e o desenvolvimento

do psiquismo humano, destaca que o processo de significação é elaborado por meio da

atividade em contextos sociais específicos; o que é interiorizado não é a realidade em si

mesma, mas o que esta significa tanto para os sujeitos em relação, quanto para cada um

em particular. Nesse processo o ser humano se apropria do signo em sua função de

significação, observando seu duplo referencial semântico, um formado pelos sistemas

construídos ao longo da história social e cultural dos povos, e o outro formado pela

experiência pessoal e social, evocada em cada ação ou verbalização do sujeito.

(BRANCO; MACIEL; QUEIROZ, 2006).

Dentre as brincadeiras realizadas pelas crianças, na faixa etária dos três aos sete

anos, o faz-de-conta é a que mais desperta o interesse e tem sido estudada em detalhes.

(BRANCO; MACIEL; QUEIROZ, 2006). Alguns pesquisadores que trabalham com as

teorias do desenvolvimento cognitivo destacam a sua importância como comunicação

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integrada, ou seja, o faz-de-conta é uma atividade complexa e constituinte do sujeito,

diferente das que caracterizam o cotidiano da vida real, que já aparece nos jogos de

esconde-esconde que ela tem com os adultos, quando aprende que desaparecer, no jogo,

não é algo real, mas inventado para poder brincar. (OLIVEIRA, 1996).

O comportamento das crianças pequenas é fortemente determinado pelas

características das situações concretas em que elas se encontram. Vygotsky (1998)

afirma que, para brincar conforme as regras da brincadeira do “faz-de-conta”, a criança

tem que se esforçar para exibir um comportamento que não é o seu no cotidiano, o que

a impulsiona para além de seu comportamento como criança. Por exemplo, se

comportar como a mãe, motorista, médico, jogando através desses papéis em situações

variadas. “Na brincadeira a criança assume e exercita os vários papéis com os quais

interage no cotidiano.” (OLIVEIRA, 1992).

Vygotsky (1998) definiu a zona de desenvolvimento proximal (ZPD) como:

a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com os companheiros mais capazes (p. 97).

Para Vygotsky (1998), a brincadeira de faz-de-conta cria uma zona de

desenvolvimento proximal, pois no momento que a criança representa um objeto por

outro, ela passa a se relacionar com o significado a ele atribuído, e não mais com ele em

si. A brincadeira é de fundamental importância para o desenvolvimento infantil na

medida em que a criança pode transformar e produzir novos significados. É possível

observar que rompe com a relação de subordinação ao objeto, atribuindo-lhe um novo

significado, o que expressa seu caráter ativo, no curso de seu próprio desenvolvimento.

(BRANCO; MACIEL; QUEIROZ, 2006).

Tanto Piaget (1978) quanto Vygotsky (1998) concebem o faz-de-conta como

atividade muito importante para o desenvolvimento das crianças. Em relação ao

desenvolvimento do pensamento infantil, Oliveira (1996) considera:

a brincadeira de faz-de-conta está intimamente ligada ao símbolo, uma vez que por meio dele, a criança representa

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ações, pessoas ou objetos, pois estes trazem como temática para essa brincadeira o seu cotidiano (contexto familiar e escolar) de uma forma diferente de brincar com assuntos fictícios, contos de fadas ou personagens de televisão (p.76).

A criança é capaz de entender o faz-de-conta e usar processos mentais de forma

representacional a partir dos três anos de idade. E é nessa faixa etária que ela passa a

dar maior importância ao grupo de pares. Sendo assim, as transformações realizadas

sobre os objetos precisam ser acompanhadas pelos parceiros e, para fazer parte da

brincadeira, deve haver a aceitação dos papéis e/ou formas de negociação. (BRANCO;

MACIEL; QUEIROZ, 2006).

Para Winnicott (1975), a brincadeira é a realização das tendências que não

podem ser imediatamente satisfeitas. Esses elementos da situação imaginária

constituirão parte da atmosfera emocional do próprio brinquedo. Nesse sentido, a

brincadeira representa o funcionamento da criança na zona proximal e em

conseqüência, promove o desenvolvimento infantil. (VYGOTSKY, 1998).

O brincar permite à criança vivenciar o lúdico e descobrir a si mesma, apreender

a realidade, tornando-se capaz de desenvolver seu potencial criativo. É também

colocado como um dos princípios fundamentais, defendido como um direito, uma

forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação entre as crianças.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (MEC, 1998)

estabeleceu a brincadeira como um de seus princípios norteadores, que a define como

um direito da criança que garante seu desenvolvimento, sua interação social, além de

situá-la na cultura que está inserida. As atividades de brincadeira na educação infantil

são praticadas há muitos anos, entretanto, torna-se imprescindível que o professor

distinga o que é brincadeira livre e o que é atividade pedagógica com aspectos lúdicos.

(BRANCO; MACIEL; QUEIROZ, 2006).

Quando é mantida a especificidade da brincadeira livre, têm-se elementos

fundamentais que devem ser considerados: a incerteza, a ausência de conseqüência

necessária e a tomada de decisão pela criança; ela emerge como possibilidade de

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experimentação, na qual o adulto propõe, mas não impõe, convida, mas não obriga, e

mantém a liberdade dando alternativas. (DANTAS, 2002).

Cabe ao professor, como adulto mais experiente, estimular brincadeiras, ordenar

o espaço interno e externo da escola, facilitar a disposição dos brinquedos, mobiliário, e

os demais elementos da sala de aula, não as obrigando a participar daquela brincadeira

específica. (BRANCO; MACIEL; QUEIROZ, 2006). O professor também pode brincar

com as crianças, principalmente se elas o convidarem, solicitando sua participação ou

intervenção. Mas deve procurar ter o máximo de cuidado respeitando sua brincadeira e

ritmo. O professor poderá, igualmente, organizar atividades que ajudem a criança a

descobrir as possibilidades que certos materiais possuem; os jogos de grupo para

crianças mais velhas, ou os de construção para as mais novas, desenvolvendo outros

níveis de competência, além de permitir verificar o interesse da criança. (BRANCO;

MACIEL; QUEIROZ, 2006).

Conti & Sperb (2001), em seus estudos discutem que meninos e meninas

transitam entre os universos de brincadeiras estereotipadas como femininas ou

masculinas. Porém, os personagens representados por uns e por outros obedecem às

regras de gênero, ou seja, meninas representando personagens femininos e meninos

personagens masculinos. Segundo os mesmos autores, gênero também é uma categoria

social imposta sobre um corpo sexuado e um dos primeiros modos de dar significado às

relações de poder.

Nos estudos de Carvalho, Beraldo, Santos e Ortega (1993), as diferenças de

gênero como fruto das relações sociais predominantes, inerentes à transmissão de

papéis sexuais oferecem uma importante ajuda no desenvolvimento infantil com

suporte das brincadeiras diferenciadas para meninos e meninas.

As diferenças de gênero no brincar das crianças foram verificadas por diversos

estudos. No estudo de Wanderlind et al (2006), essas diferenças são importantes na

medida em que possibilitam que meninos e meninas desenvolvam-se de maneira

diferenciada, adquirindo habilidades diversificadas e com isso, distinguindo seu papel

de gênero de acordo com a sociedade e a cultura nas quais estão inseridos. Para Katz e

Boswell (1986), o papel de gênero vem sendo caracterizado como um conjunto

organizado de expectativas para comportamentos e atividades que são considerados

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apropriados e esperados pelos outros, tanto para homens como para mulheres, de uma

determinada cultura.

Wanderlind et al (2006), discutem que há o fato de que os meninos gostam de

brincadeiras mais brutas e barulhentas, por isso, procuram parceiros do mesmo sexo,

assim eles vão receber o “convite” de forma mais positiva do que as meninas. As

experiências estereotipadas de meninos e meninas estão relacionadas aos brinquedos

utilizados, aos tipos de brincadeiras, aos temas do faz-de-conta e a diferença de idade.

Carvalho et al (1990, citado por Carvalho, Beraldo, Santos e Ortega, 1993)

relatam os resultados preliminares sobre a percepção de crianças inglesas e italianas de

5, 8 e 10 anos de idade, a respeito de diferenças de gênero em cinco atividades comuns

nas recreações, como brincadeira de luta, pega-pega, brigas, futebol e pular corda.

Todas dessas atividades com exceção de pega-pega apresentaram algum grau de

estereotipia de gênero, independentemente de idade ou país de origem.

Beraldo (1993) relata que aos três anos de idade, as crianças possuem uma

capacidade definida de atribuir rótulos de gênero, tanto a si mesmo, como aos outros,

demonstrando preferências por brincar com grupos do mesmo sexo, o que é mantido

durante grande parte da Educação Infantil, apesar da maioria das crianças aceitarem

participar de grupos mistos.

Para Oliveira & Silva (2001) os professores interessados na Educação Infantil

são essenciais, pois são eles encarregados por estimular as relações interpessoais e o

desenvolvimento integral da criança, proporcionando também a formação das bases

físicas, sociais e afetivas que ajudarão na criação de um caráter crítico e participativo,

respeitando os limites de cada criança. Desta forma torna-se relevante compreender as

relações entre o brincar e o desenvolvimento infantil, segundo professoras.

Este estudo se propõe a investigar como professoras de uma determinada escola

particular que ministram aulas às crianças de Educação Infantil percebem tais relações e

se identificam, as brincadeiras apontadas como mais freqüentes, os tipos de brincadeiras

considerando idade e gênero das crianças, a forma de intervenção do adulto na

brincadeira livre e a importância do brincar.

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MÉTODO

Nesse estudo foi utilizada uma metodologia descritiva de campo, de caráter

exploratório, onde a descrição do objeto se dá por meio da observação e do

levantamento de dados (BARROS E LEHFELD, 2000). Nessa perspectiva, a

investigação ocorreu por uma entrevista semi-estruturada em torno de três pontos

principais relacionados entre si: quais as formas de brincar, em função do gênero das

crianças; quais as diferentes formas de brincar, de acordo com as idades das crianças e

quais as possíveis relações entre brincar e desenvolvimento humano da criança na

segunda infância. As respostas das professoras a esses três pontos foram analisadas

através do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).

A técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), de acordo com Lefevre e

Lefevre (2005), representa numa pesquisa, cujo instrumento é um questionário que

possui questões abertas, obter como resultado final opiniões coletivas de grupos, ou

seja, transformando os depoimentos individuais que são as respostas às questões abertas

do questionário, em representações coletivas. É necessário somar depoimentos e obter

desta soma resultados que sejam formalmente compatíveis com as opiniões individuais,

ou seja, que também sejam depoimentos discursivos, mas complementares.

PARTICIPANTES

Participaram dessa pesquisa seis professoras que ministram aulas da Educação

Infantil. Todas possuem graduação em Pedagogia e duas possuem pós-graduação na

área infantil. Os dados foram coletados numa escola particular de médio porte no Bairro

de Candeias – Jaboatão dos Guararapes, no período de férias dos alunos. O brincar livre

desenvolvido pelas crianças na escola ocorre no parque, na hora do recreio, com ou sem

brinquedos e sem intervenção do adulto.

PROCEDIMENTOS

Houve contato com a escola sendo realizada a exposição do projeto de pesquisa

para a direção. Em seguida, houve a solicitação da autorização para realização de

pesquisa na escola. Com isso, foi possível fazer o convite de participação na pesquisa às

professoras selecionadas. A exposição do projeto de pesquisa às professoras que

aceitaram participar da entrevista semi-estruturada foi realizada com dia e hora

marcados pela direção da escola.

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Na coleta dos dados foi utilizada uma entrevista semi-estruturada com cada

professora individualmente em suas respectivas salas de aula, permitido pela direção da

escola. Foi solicitada a autorização de cada sujeito para gravação da entrevista, cuja fita

será desgravada após um ano da data da realização do estudo. Assim, as entrevistas

foram posteriormente transcritas para a realização da análise dos dados.

Foi utilizada a abordagem qualitativa de análise dos dados a partir do Discurso

do Sujeito Coletivo (DSC) e em seguida, foram focalizadas as possíveis relações entre o

brincar e o desenvolvimento da criança no período da segunda infância, de acordo com

as professoras.

Inicialmente as entrevistas individuais foram lidas para destacar as idéias

centrais de cada discurso. Em seguida foram recortadas expressões-chaves (E-Ch) que

correspondem a trechos de cada depoimento. As expressões-chaves que tem sentido

semelhante, ou seja, idéias centrais (ICs) semelhantes ou complementares formam o

Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Tal discurso foi redigido na primeira pessoa do

singular para marcar o pensamento de um Sujeito Coletivo de Discurso. Assim, o DSC

busca respeitar a natureza da matéria processante que é a opinião, promovendo uma

categorização não apenas matemática, mas também discursiva.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Foram delimitados quatro tópicos de análise a partir do conteúdo verbal

expresso pelas professoras em suas entrevistas, a saber: os tipos de brincadeiras mais

comuns na Educação Infantil, diferentes tipos de brincadeiras considerando o gênero e a

idade das crianças, a intervenção do adulto na brincadeira livre e a importância do

brincar para o desenvolvimento humano das crianças.

O Discurso do Sujeito Coletivo que fundamenta a análise de cada um dos

tópicos são apresentados a seguir.

TIPOS DE BRINCADEIRAS MAIS COMUNS

Esse tópico surgiu nas respostas das professoras no desenvolver do questionário,

onde as mesmas deram mais ênfase ao tema. As brincadeiras mais comuns para as

professoras, na hora do recreio das crianças, segundo o gênero e a idade são:

“Brincar de correr, de pular, de pega-pega que é o mais comum,

de faz-de-conta. Inventam brincadeiras como, dar as mãos,

todos juntos, meninos e meninas. E saem correndo o parque

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inteiro de mãos dadas. Os meninos gostam muito de brincar de

correr, de bater, de luta e com bola, as meninas gostam de

brincar de casinha de boneca, de comidinha, são mais

reservadas e se dividem em subgrupos. A brincadeira de correr,

sendo uma brincadeira de menino, mas eles fazem a adaptação

para brincar menino e menina. O recreio é separado, os maiores

dos menores, por conta do correr mesmo, o Infantil 1 tem seu

ritmo, um corre atrás do outro”.

Segundo Cordazzo e Vieira (2008), as crianças têm diversas razões para brincar.

Uma destas razões é o prazer que podem usufruir enquanto brincam. Elas podem

também exprimir a sua agressividade, dominar sua angústia, aumentar as suas

experiências e estabelecer contatos sociais. O brincar é considerado como um

comportamento que gera prazer, possui um fim em si mesmo, é uma oportunidade para

a criança expressar suas fantasias internas e, dependendo da idade e do contexto da

criança, possui regras que o conduzem. Estas regras podem até estipular, entre as

crianças, os tipos de brincadeiras que são mais convenientes para os meninos ou para as

meninas.

No DSC, as professoras discutem que os meninos brincam muito de luta, de

bater, que é uma brincadeira mais agressiva, diferente das meninas que brincam de

casinha, de comidinha. Como também para Hansen et al (2007), a respeito do risco

físico, muitas brincadeiras de luta tendem a se tornar lutas sérias, e que isso ocorre não

só com os animais, como também com as crianças. Durante a brincadeira de luta, os

animais emitem sons distintos que servem para diferenciar a brincadeira da luta séria.

No faz-de-conta, uma das brincadeiras citadas no DSC, meninos e meninas,

testam e experimentam os diferentes papéis existentes na sociedade e, com isso,

desenvolvem suas habilidades. Para Cordazzo e Vieira (2008), com o avançar da idade

o faz-de-conta declina e começam a aparecer brincadeiras que imitam cada vez mais o

real e os jogos de regras. Nos jogos de regras as crianças apresentam algumas

características que diferem em relação ao sexo, demonstrando, em alguns casos, sinais

de diferenças de gênero e de estereotipia do gênero.

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De acordo com a autora acima, as brincadeiras mais comuns podem ser

observadas pelo brincar simbólico. Para Vygotsky (1991), através do simbolismo as

crianças podem satisfazer desejos impossíveis para a realidade, tal como ser mãe, pai,

bombeiro, etc.

Apolo (2007) aponta que as brincadeiras através de jogos possuem forte

significado psicológico, e concorda que muitas são extremamente ricas no aspecto

simbólico. Por exemplo, subir em árvores ou no famoso Pau de Sebo está diretamente

ligado aos mitos da conquista do céu. Já no futebol é uma boa metáfora lúdica da

disputa do globo solar por duas tribos “rivais”.

Cordazzo e Vieira (2008) pesquisaram que para os meninos o número de

brincadeiras consideradas adequadas exclusivamente para o seu gênero foi maior do que

aquele considerado pelas meninas, sendo que, entre eles, as brincadeiras consideradas

masculinas foram: basquete, bola de gude, bonecos de guerra, boxe, caçador, capoeira,

carrinho, exército, futebol, futebol de botão, guitarra, Homem Aranha, polícia e ladrão,

skate e surfe. As brincadeiras consideradas, por eles, como femininas foram: bambolê,

boneca, casinha e maquiagem. As brincadeiras consideradas pelas meninas como

femininas foram: amarelinha, bambolê, boneca, cabeleireiro, casinha, e maquiagem. O

restante das brincadeiras foi classificado como misto ou teve uma distribuição

equilibrada entre as crianças.

De acordo com os estudos dos autores acima, as brincadeiras mistas, que

envolvem meninos e meninas brincando juntos são futebol e pega-pega, como as mais

utilizadas pelas crianças. Entretanto, vale mencionar que no futebol, enquanto

brincadeira mista há uma presença preponderante de meninos, ou seja, 10 a 15,

aproximadamente relativa à de meninas, 1 ou 2, aproximadamente. Isto se aplica tanto

para as crianças de 1as e 2as séries quanto para as de 3as e 4as séries. Já em relação à

estereotipia do gênero nas brincadeiras foi constatado, que os meninos tendem a

estereotipar mais brincadeiras do que as meninas, principalmente as brincadeiras

consideradas por eles como masculinas.

Para Cordazzo e Vieira (2008), constatou-se que alguns tipos de brincadeiras

não modificam conforme a idade, pois foram citados pelas crianças em todas as faixas

etárias. Um exemplo disso são os jogos eletrônicos, algumas modalidades esportivas, os

jogos de perseguir, procurar e pegar, os jogos de faz-de-conta, os jogos de correr e

pular. Para o DSC os últimos jogos também citados acima, os jogos de faz-de-conta, os

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jogos de correr e pular são predominantes na preferência das crianças sem o critério da

idade.

Para Morais citado por Hansen et al (2007), a brincadeira de faz-de-conta é

como um treino de atividades, de papéis adultos e conseqüentemente da linguagem

empregada nesses papéis. Ainda, de acordo com Hansen et al (2007), na brincadeira de

faz-de-conta as diferenças de gênero possibilitam que meninos e meninas desenvolvam-

se de maneiras distintas, porém igualmente adaptativas. As crianças adquirem

habilidades diversificadas e dessa maneira, distinguem seu papel de gênero de acordo

com a sociedade e cultura a que pertencem.

DIFERENTES TIPOS DE BRINCADEIRAS CONSIDERANDO GÊNERO E IDADE

DAS CRIANÇAS

Segue o DSC (Discurso do Sujeito Coletivo) elaborado a partir das entrevistas

das professoras:

“Cada idade ela tem uma diferença na brincadeira. Uma criança

de dois anos, o brincar dela é um brincar mais inocente, é uma

coisa lúdica. Uma criança de dois a três anos, brinca com uma

pedra, com um graveto, ela constrói todo o brinquedo no

imaginário. Uma criança mais velha, ela já precisa de um

instrumento mais concreto, de um carrinho, uma bola pra poder

brincar. Menina e menino, a brincadeira é igual dependendo da

idade, agora a criança a partir de cinco anos, conseguem

definir. Menina brinca com boneca e menino brinca com bola

ou carrinho. Meninos gostam de brincar mais de correr e as

meninas são mais reservadas. Mas, abaixo de cinco anos a

brincadeira é igual. Os meninos brincam mais de correr do que

as meninas. Quanto a idade, eles brincam juntos, mas com um

cuidado nos menores e os menores brincam mais juntos,

meninos e meninas. Menino brinca de bater, assim, é uma

brincadeira mais agressiva. Até por conta dos pais mesmo que

gostam de brincar assim e menina não, é mais aquela coisa

delicada”.

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A partir do DSC acima, pode-se perceber que as professoras reconheceram a

diferença de brincadeira em relação ao gênero das crianças. Quanto à idade, as

professoras apontam que as crianças menores, com três, quatro anos de idade, brincam

juntas e quando brincam com as crianças maiores, percebe-se o cuidado, proteção, das

crianças maiores para com as crianças menores.

Para Carvalho e Pedrosa (2002), as diferenças de gênero no brincar foram e são

verificadas por diversos estudos e são importantes na medida que meninos e meninas

desenvolvam-se de maneira diferenciada, construindo habilidades múltiplas, e

diferenciando seu papel de gênero de acordo com a sociedade e cultura nas quais estão

inseridos.

Em outro estudo sobre esse tema, Carvalho, Beraldo, Santos e Ortega (1993)

relatam que meninos e meninas escolhem tipos de brincadeiras diferentes e preferem

brinquedos diferentes, nas atividades lúdicas. Essas preferências são observáveis por

volta de 12 meses de idade, se afirmando com mais ênfase ao final do segundo ano de

vida e mais acentuada dos 4 aos 6 anos de idade, quando os meninos apresentam

preferências mais nítidas do que as meninas.

O Discurso do Sujeito Coletivo presente afirma que há uma diferença no brincar

de acordo com o gênero e idade das crianças, acentuando-se ao correr do

desenvolvimento humano na infância, o que confirma os resultados dos estudos

apresentados acima.

Conti e Sperb (2001) defendem que o gênero se refere à criação inteiramente

social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e mulheres numa categoria

social imposta sobre um corpo sexuado e um dos primeiros modos de dar significados

ás relações de poder. Os meninos e meninas transitam entre os universos de brincadeiras

estereotipadas como masculinas e femininas, obedecendo às regras de gênero, meninas

representam papéis femininos e meninos representam papéis masculinos.

O Discurso do Sujeito Coletivo revela também que a criança apresenta nas suas

brincadeiras com outras crianças, situações relacionadas a sua família, como as

brincadeiras com seus pais, construindo com isso, seus papéis sociais de acordo com os

papéis sociais dos seus pais.

Ainda, segundo Conti e Sperb (2001), a brincadeira da criança é estruturada

conforme os sistemas de significado cultural do grupo a que ela está inserida. Mas, ao

mesmo tempo, a brincadeira é reorganizada no próprio ato da criança de acordo com um

sentido particular que ela atribui às suas ações, em interação com seus pares ou com

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seus pais. E nesse processo, os significados coletivos e culturais, quanto os sentidos

pessoais são remodelados e redefinidos continuamente.

Cultura, na concepção de Valsiner (1988) refere-se à organização das estruturas

das normas sociais, rituais, regras de conduta e sistemas de significado compartilhados

pelas pessoas que pertencem a um grupo de regras e homogêneo. Com isso, “o papel

ativo da criança na transmissão cultural garante que a cultura de sua geração vá além

daquela de seus pais, pois as mensagens culturais emitidas pelos adultos à criança são

ativamente assimiladas por ela em suas estruturas de conhecimento, de modos novos”.

(CONTI & SPERB, 2001).

INTERVENÇÃO DO ADULTO NA BRINCADEIRA LIVRE

Na opinião da professoras o papel do adulto na brincadeira livre das crianças é:

“Observar, orientar as crianças, interferir e interagir quando for

necessário, quando estiverem brigando. Podem brincar a

vontade sem machucar e/ou agredir um ao outro. Para, terem

autonomia, disposição de escolher a brincadeira, com quem e

de que forma querem brincar”.

Após o nascimento, Tunes (2001), explica que o bebê humano vive um período

relativamente longo de dependência e intimidade plenas em relação ao adulto que dele

cuida. Assim, ele tem, ao nascer, uma predisposição para o contato com o outro que é,

inclusive, o que lhe garante a sobrevivência. Ao nascer, agora a criança pode ver. E ela

olha tudo que pode e não apenas o ventre que a continha. O bebê humano vê o objeto

como um todo impartível. Além disso, por um valor de sobrevivência, interessa-lhe a

mãe ou quem dele cuida, quem oferece o próprio corpo para o contato, acalento, aplaca-

lhe a dor, o frio e a fome. Ele dirige sua atenção a essa pessoa e sente-a como uma

espécie de extensão do seu próprio corpo. O que move a criança em direção aos objetos,

como brinquedos, é, originalmente, a necessidade de contato próximo com outras

pessoas, especialmente aquelas que estão profundamente ligadas com os seus cuidados.

Tunes (2001) discute que a criança passa, então, a envolver-se intensamente com

os objetos que estão à sua volta e tenta com eles fazer o que os outros fazem. Todavia,

ainda é o adulto ali representado em suas propriedades ou nas ações que permite o que

move a criança para os objetos, ainda que a transição da atenção já esteja plenamente

em curso. Não é de se estranhar que, no início, as crianças não demonstrem interesse

Page 15: A relação entre o brincar e o  desenvolvimento infantil,

15

pelos objetos miniaturas que imitam aqueles de uso adulto, surgindo assim, a escolha

pelo brinquedo que mais desejar. No DSC, as professoras revelam acreditar que as

crianças iniciam sua autonomia e disposição de escolha no brincar livre, escolhem do

que querem brincar.

Carvalho et. al. (2003) apontam que a essência do brincar é espontânea, é não

ter hora marcada nem programa definido. Brincar não tem objetivo, seja pedagógico ou

outro. É um ato voluntário, no qual o ser humano se dirige por uma decisão interna,

pessoal. A mesma autora continua, alguns educadores percebem isso, mas ao se

apropriarem do brincar como instrumento pedagógico, destroem sua própria essência de

espontaneidade e autonomia: a hora, o como e o do que brincar são necessariamente da

criança. Hoje, cada vez mais, a estrutura social exclui o espaço do brincar, do lúdico,

que não deveria ser o espaço de fazer brincar e sim o de deixar brincar, não atrapalhar.

Hansen et al (2007), citam Hanish, Martin e Fabes, em sua pesquisa verificaram

que em grupos grandes e homogêneos, meninas brincam mais próxima a um adulto do

que meninos, o que indica que nesses grupos as meninas precisam de supervisão e

organização dos adultos para assegurar que a brincadeira não se tornará desregulada. As

meninas preferem selecionar atividades que são mais estruturadas e governadas por

regras sociais estritas, preferem interações didáticas, tendendo seguir mais as normas

estipuladas pelos adultos. Meninos geralmente realizam atividades mais livres da

interferência adulta. E quando as crianças brincam em grupos mistos, estes tenderam a

brincar próximos de adultos, o que poderia reduzir o brincar brutal ou excessivamente

físico, fazendo com que as crianças interagissem mais calmamente.

O DSC concorda com essa afirmação acima, pois as crianças podem brincar a

vontade sem se machucar ou machucar o outro. O adulto no brincar livre da criança tem

o papel de observar, orientar as crianças e interferir quando for necessário. No entanto,

cabe refletir sobre a importância da presença do adulto nos contextos de brincadeira

livre para garantir a organização de brincadeiras em grupos, especialmente os mistos.

Por fim, para Apolo (2007), fica claro que o professor é o grande mediador e o

diferencial entre o aluno e o processo pedagógico, e influenciador direto de como a

educação será encarado pelos seus alunos. Destacando que brincar é também

conhecimento e cultura, além de ser uma necessidade.

Page 16: A relação entre o brincar e o  desenvolvimento infantil,

16

IMPORTÂNCIA DO BRINCAR

A importância do brincar está inserida na relação entre o brincar e o

desenvolvimento infantil e para as professoras do DSC, a relação é:

“Tudo. É a base para a vida adulta. É o retrato daquilo que ela

vê e o que tem vontade de fazer. Pois a criança descobre regras

sem perceber, há a socialização, a interação com o outro,

aprende a respeitar o limite do outro de acordo com a idade.

Também ajuda no seu amadurecimento e para identificarmos se

a criança tem um bom convívio familiar, quais são as suas

angústias. Por exemplo, no faz-de-conta, observamos como eles

se sentem dentro daquela realidade que eles criam. Ex.: R.

quando está brincando de “faz-de-conta”, ele conta várias

estórias para poder chegar no assunto da brincadeira, dar para

perceber que é tudo influência da televisão, dos programas que

ele assiste”.

Desenvolvimento para Apolo (2007), é a soma de processos complexos de

mudanças pelos quais o organismo passa, onde estão inclusos crescimento e maturação.

É o produto do crescimento, da maturação, da hereditariedade e do meio ambiente

(aprendizagem).

Para Hansen et al (2007), é importante salientar que a brincadeira possui um

lugar fundamental no desenvolvimento infantil, seja por seus benefícios imediatos ou de

longo prazo. A importância da brincadeira pode estar relacionada a aspectos do

desenvolvimento cognitivo, social, afetivo e físico. Cordazzo e Vieira (2008) discutem

que a criança não brinca para se desenvolver, mas ao brincar acaba por ter influências

no seu desenvolvimento e na sua aprendizagem.

Já Apolo (2007) defende que, o aspecto comportamental, não é menos

importante de se observar, pois é brincando que as crianças ensaiam os movimentos que

vão precisar ao longo da vida. As crianças que imaginam situações, muitas vezes

inusitadas para os professores, apenas se preparam de forma natural, brincando para tais

situações futuras. Esta situação inclusive é uma boa maneira de observar o que as

crianças gostam de fazer e de imaginar.

Vygotsky (2001) acredita que o brincar do dia-a-dia das crianças é algo que se

destaca como essencial para seu desenvolvimento e aprendizagem. Para ele, o

Page 17: A relação entre o brincar e o  desenvolvimento infantil,

17

desenvolvimento e a aprendizagem estão inter-relacionados desde o primeiro dia de

vida do indivíduo. O aprendizado é considerado, assim, um aspecto necessário e

fundamental no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Acreditam as professoras a partir do DSC acima, que o brincar ajuda no

amadurecimento e para identificar se há algum problema no desenvolvimento infantil da

criança.

Segundo Cordazzo e Vieira (2008), quando a criança ingressa no Ensino

Fundamental, geralmente a preocupação dos familiares e professores concentra-se nos

estudos e as motivações para o brincar apresentadas pelas crianças desta idade são

desprezadas, sendo específicas da Educação Infantil. O brincar é de fundamental

importância para a criança, mesmo que ela se encontre em idade escolar. Entretanto,

constata-se que muitas vezes pode estar ocorrendo uma negação de sua relevância como

um meio para a construção social do sujeito e seu desenvolvimento, passando a ser mais

valorizado o estudo e a aquisição de conhecimentos escolares em si.

Acreditam Carvalho et al (2003), que na programação típica da pré-escola,

atividades são propostas, iniciadas e interrompidas por critérios externos à criança. Os

autores acima acrescentam:

A pré-escola típica importa o modelo da escola, voltada para o desenvolvimento cognitivo por meio de atividades programadas e estruturadas. Entretanto, em sua raiz grega, escola significa lazer, tempo livre. Até as décadas de 1950, 1960, em nosso meio a criança ia para a escola, já transformada em algo bem diferente de lazer ou tempo livre, mas tinha fora dela, o tempo livre para brincar com seus irmãos e vizinhos na rua, onde ocorria uma interação social viva e significativa, um espaço de elaboração de seu conhecimento e de suas relações (p.124).

Para Cordazzo e Vieira (2008), o Ministério da Educação e do Desporto, através

dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), provê que a educação brasileira, na

Educação Infantil e nos Ensinos Fundamental e Médio, deve proporcionar ao educando

a “formação necessária ao desenvolvimento das suas potencialidades como elemento de

auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania”

(1997, p. 13).

Com isso, o brincar é um recurso que pode auxiliar os profissionais da educação

a desenvolver as potencialidades e habilidades das crianças. Desta forma, Cordazzo e

Vieira (2008) discutem que a utilização do brincar nas escolas é de suma relevância,

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18

uma vez que o objetivo das escolas, como visto nos PCNs, não é apenas a transmissão

de conteúdos escolares, mas também a formação e o desenvolvimento de um cidadão

de forma integral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O comportamento de brincar é complexo e estudado por diversos autores e em

diversas perspectivas. Conforme o apresentado, no texto acima, se pode perceber a

importância da relação entre o brincar e desenvolvimento infantil. Esta relação, por ser

multifacetada, necessita da exploração de vários pontos para ser entendida.

A forma de compreender e investigar o comportamento de brincar das crianças

através dos relatos das professoras, foco de interesse da presente pesquisa, em conjunto

com outros estudos, contribui para o avanço do conhecimento acerca dessa relação entre

o brincar e o desenvolvimento infantil.

Todos os resultados analisados neste artigo, a partir do DSC das professoras

investigadas, confirmam os estudos presentes na bibliografia consultada. Tais resultados

indicam que as professoras identificam as diferenças entre os gêneros e as idades das

crianças no brincar, os tipos de brincadeiras mais comuns e reconhecem a importância

do brincar para o desenvolvimento infantil.

Vale ressaltar que as professoras reconhecem que a brincadeira livre na escola é

de fundamental importância para as crianças, uma vez que, elas constroem sua

autonomia ao escolher do que preferem brincar. No entanto, é importante refletir sobre

o papel fundamental do adulto na brincadeira livre. Não apenas para interferir quando

for preciso, nas horas de brigas das crianças, como as professoras relatam. Mas

principalmente na organização do ambiente, facilitação na constituição de grupos e na

oferta dos materiais para as crianças.

Estudos como este, podem contribuir para que pais, educadores e psicólogos

possam durante sua prática cotidiana valorizar a importância do brincar no

desenvolvimento infantil, além de incentivar a brincadeira livre das crianças. O adulto

não deve dirigir, mas favorecer o brincar livre das crianças. Por fim, enfatiza-se a

necessidade de novos estudos que venham a contribuir com a reflexão sobre as crenças

de pais, educadores e psicólogos acerca do brincar livre das crianças.

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