Calvinismo Ou Arminianismo - Quem Está Com a Razão
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Lucas Banzoli
Calvinismo ou Arminianismo
Quem est com a razo?
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 2
SUMR IO
INTRODUO ......................................................................................................................... 8
CAP.1 CALVINISMO E ARMINIANISMO ................................................................... 15
Introduo ao Captulo .................................................................................................... 15
A TULIP calvinista ........................................................................................................ 19
Um calminianismo possvel? .................................................................................... 20
Pelagianismo e Semi-Pelagianismo ................................................................................ 23
Arminianismo Clssico .................................................................................................... 26
Calvinismo ......................................................................................................................... 30
Dilogo entre calvinistas e arminianos na histria ...................................................... 34
A tolerncia de Calvino ................................................................................................ 39
Calvino e Serveto .............................................................................................................. 42
O calvinismo a nica posio ortodoxa? .................................................................... 47
ltimas consideraes ...................................................................................................... 54
CAP.2 DETERMINISMO E INDETERMINISMO ........................................................ 56
Introduo ao Captulo .................................................................................................... 56
O determinismo exaustivo de Calvino .......................................................................... 57
O determinismo exaustivo em calvinistas posteriores ................................................ 71
O problema do pecado e do mal ..................................................................................... 73
A viso arminiana sobre a predestinao do mal ........................................................ 82
Textos Bblicos ................................................................................................................... 30
Um amor diferente ............................................................................................................ 98
O problema do livre-arbtrio ......................................................................................... 105
Textos Bblicos ................................................................................................................. 117
Soberania sinnimo de determinismo? ..................................................................... 124
O problema da responsabilidade humana .................................................................. 129
A orao muda as coisas? .............................................................................................. 135
Determinismo na Bblia? ................................................................................................ 143
O determinismo de Jonathan Edwards ....................................................................... 158
Atos autocausados so impossveis? ............................................................................ 161
O determinismo de Edwards explica o mal e o pecado? .......................................... 163
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 3
O determinismo leve resgata a liberdade e a responsabilidade humana? ......... 170
Textos Bblicos ................................................................................................................. 175
Os decretos de Deus no indeterminismo ..................................................................... 178
O indeterminismo pelos arminianos ............................................................................ 181
O tesmo aberto necessrio? ....................................................................................... 185
ltimas consideraes .................................................................................................... 193
CAP.3 COMO ENTENDER A PREDESTINAO? ................................................... 194
Introduo ao Captulo .................................................................................................. 194
Predestinao em Calvino ............................................................................................. 195
A predestinao em calvinistas posteriores ................................................................ 198
Os problemas da eleio incondicional ....................................................................... 201
Apresentando a eleio corporativa ............................................................................. 213
Indivduos eleitos ao ministrio ................................................................................... 223
Atos 13:48 e o grego ........................................................................................................ 228
Atos 13:48 em seu contexto ............................................................................................ 232
Romanos 9 ........................................................................................................................ 236
Jac e Esa ........................................................................................................................ 240
A misericrdia de Deus .................................................................................................. 245
O endurecimento do Fara ............................................................................................ 249
Os vasos de desonra ....................................................................................................... 256
Concluso ......................................................................................................................... 262
O Livro da Vida ............................................................................................................... 263
Consideraes Finais ...................................................................................................... 264
CAP.4 DEPRAVAO TOTAL E GRAA PREVENIENTE ..................................... 265
Introduo ao Captulo .................................................................................................. 265
O que depravao total?.............................................................................................. 265
Textos Bblicos ................................................................................................................. 268
Arminianos clssicos creem na depravao total? ..................................................... 271
Qual a soluo para a depravao do homem? ....................................................... 278
ltimas consideraes .................................................................................................... 282
CAP.5 A GRAA IRRESISTVEL? .............................................................................. 284
Introduo ao Captulo .................................................................................................. 284
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 4
A Universalidade da Graa ........................................................................................... 285
A graa resistvel e precisa ser aceita ........................................................................ 289
ilgico Deus chamar algum que j predestinou perdio ................................ 307
A possibilidade de arrependimento necessria ....................................................... 309
O amor de Deus implica em oferecer salvao a todos ............................................. 315
Amor forado contradio de termos ....................................................................... 320
Se a graa resistvel, a salvao por obras? ............................................................ 323
ltimas consideraes .................................................................................................... 327
CAP.6 MONERGISMO E SINERGISMO ..................................................................... 328
Introduo ao Captulo .................................................................................................. 328
O que os arminianos clssicos entendem por sinergismo? ................................... 328
A f como um dom de Deus .......................................................................................... 331
Textos Bblicos ................................................................................................................. 335
ltimas consideraes .................................................................................................... 340
CAP.7 UMA VEZ SALVO, SEMPRE SALVO? ............................................................. 341
Introduo ao Captulo .................................................................................................. 341
Hebreus 6:4-6 ................................................................................................................... 342
Hebreus 10:26-31 ............................................................................................................. 345
Joo 15:1-7 ........................................................................................................................ 348
1 Corntios 9:27 ............................................................................................................... 351
Tiago 5:19-20 .................................................................................................................... 355
2 Pedro 2:20-22 ............................................................................................................... 356
Mateus 24:24 .................................................................................................................... 359
Mateus 5:13/Marcos 9:50 ................................................................................................ 360
Romanos 11:17-23 ........................................................................................................... 362
Glatas 5:7 ........................................................................................................................ 363
2 Corntios 6:1 ................................................................................................................. 363
Hebreus 2:1-3 ................................................................................................................... 364
1 Tessalonicenses 5:19 ................................................................................................... 364
2 Pedro 3:17 .................................................................................................................... 365
2 Pedro 2:1 ...................................................................................................................... 366
Hebreus 3:7-14 ................................................................................................................. 367
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 5
Caindo da graa .............................................................................................................. 369
O naufrgio ...................................................................................................................... 372
A apostasia ....................................................................................................................... 373
As igrejas do Apocalipse ................................................................................................ 375
A perseverana condicional ........................................................................................ 377
O Livro da Vida ............................................................................................................... 379
Analisando os textos calvinistas ............................................................................... 381
A perda da salvao implica em salvao pelas obras? ............................................ 392
ltimas consideraes .................................................................................................... 394
CAP.8 EXPIAO: LIMITADA OU ILIMITADA? ..................................................... 396
Introduo ao Captulo .................................................................................................. 396
Calvino contra a expiao limitada .............................................................................. 398
Um amor limitado........................................................................................................... 401
Analisando os textos calvinistas ............................................................................... 410
Joo 3:16 e o mundo .................................................................................................... 412
Todos no so todos? ..................................................................................................... 417
2 Pedro 2:1 ...................................................................................................................... 419
1 Timteo 4:10 ................................................................................................................ 420
2 Pedro 3:9 ...................................................................................................................... 421
1 Timteo 2:4 .................................................................................................................. 422
1 Corntios 8:11 ............................................................................................................... 424
2 Corntios 5:14-15 ......................................................................................................... 427
1 Joo 2:2 ......................................................................................................................... 427
Romanos 5 ........................................................................................................................ 428
Romanos 11:32 ................................................................................................................. 431
Mateus 18:14 .................................................................................................................... 431
Joo 5:34 ............................................................................................................................ 432
Joo 11:42 .......................................................................................................................... 432
Refutando objees ......................................................................................................... 433
ltimas consideraes .................................................................................................... 437
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 438
APNDICE 1 O LIVRE-ARBTRIO INJUSTO? ........................................................ 440
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 6
APNDICE 2 O LIVRE-ARBTRIO NOS PAIS DA IGREJA .................................... 447
Agostinho jovem (354-430) ........................................................................................ 447
Teodoreto (393-466) ........................................................................................................ 447
Eusbio de Cesareia (265-339) ....................................................................................... 448
Atansio de Alexandria (295-373) ................................................................................. 448
Hilrio de Poitiers (300-368) .......................................................................................... 449
Joo Crisstomo (347-407) ............................................................................................. 449
Ambrsio de Milo (340-397) ........................................................................................ 450
Jernimo (347-420) .......................................................................................................... 451
Orgenes de Alexandria (185-253) ................................................................................ 452
Metdio de Olimpos (311) ........................................................................................... 452
Arquelau de Atenas (Sc.V) ........................................................................................... 452
Arnbio de Sicca (330) .................................................................................................. 453
Cirilo de Jerusalm (313-386) ........................................................................................ 453
Baslio Magno (329-379) ................................................................................................. 454
Gregrio de Nissa (330-395) .......................................................................................... 455
Iriney de Lyon (130-202) ................................................................................................ 455
Atengoras de Atenas (133-190) ................................................................................... 456
Telo de Antioquia (186) ........................................................................................... 456
Taciano, o Srio (120-180) ............................................................................................... 457
Bardesano da Sria (154-222) ......................................................................................... 457
Clemente de Alexandria (150-215) ............................................................................... 457
Clemente de Roma (35-97) ............................................................................................. 458
Tertuliano (160-220) ........................................................................................................ 458
Novaciano de Roma (258) ............................................................................................ 459
Justino de Roma (100-165) ............................................................................................. 459
Didaqu (Sc.I) ................................................................................................................ 460
Snodo de Arles Proposies Condenadas (473) ..................................................... 461
Snodo de Orange (529) .................................................................................................. 461
Conclio de Kiersy (853) ................................................................................................. 462
Conclio de Valena (855) ............................................................................................... 462
Concluso ......................................................................................................................... 462
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A graa de Deus livre em todos e livre para todos (JOHN WESLEY)
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 8
INTRODUO
No se opor ao erro aprov-lo, no
defender a verdade neg-la (TOMS DE
AQUINO)
Eu sempre fui ensinado, desde criana, que o calvinismo era um erro teolgico.
Mas isso foi s at a poca em que eu passei a estudar melhor o assunto.
Depois que comecei a ler os escritos de Calvino, descobri que eu estava
enganado. No, o calvinismo no era apenas um erro teolgico: era um ensino
terrvel e assombroso, como o prprio Calvino admitiu, quando disse:
certamente confesso ser esse um decretum horribile1.
Por que Calvino chamou sua doutrina do decreto divino de horrvel ou
espantosa? Porque ele sabia que, se levada s suas consequencias irredutveis,
sua doutrina transformaria Deus em um mostro moral que predestina todos os
acontecimentos malficos da humanidade, que faz dos seres humanos
marionetes nas mos de um Criador que faz acepo de pessoas, que s ama os
eleitos e que no deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade.
Um deus que predestina alguns para a salvao e outros para um tormento
eterno. Que criou seres pr-ordenados a sofrerem eternamente. Que criou o
mal e que ordenou o pecado. Que determinou cada evento que aconteceria
neste planeta, inclusive esposas que seriam espancadas por seus maridos,
crianas estupradas por pedfilos, genocdios, Holocausto, tortura, assassinato.
Um deus que, como disse Olson, s pode ser temido e mal pode ser
diferenciado do diabo2. E o pior: que faz tudo isso para a sua glria!
Como disse Dave Hunt:
1 Institutas, 3.23.7. 2 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 142.
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 9
Todos os argumentos dos calvinistas possuem um propsito: provar que Deus
no ama a todos, isto , provar que Cristo no morreu por todos, provar que
Deus no bondoso com todos. E que, na verdade, Ele se agrada em mandar
multides para o inferno. Que amor este?3
Alm disso, a teologia calvinista nos leva a outros problemas. Por exemplo: por
que eu oraria para um descrente ser salvo? Se ele foi predestinado por Deus
para ser salvo (e essa predestinao fatalista e a graa irresistvel), ento no
h qualquer necessidade de eu orar para que esse descrente seja salvo, pois ele
ser salvo de qualquer jeito. Mas, se ele no foi predestinado (o que significa
que ele foi predestinado para a perdio), ento qualquer orao que eu faa
por ele ser completamente intil, pois ele j estaria pr-ordenado para ir para
o inferno e no haveria nada que algum pudesse fazer para reverter isso. Ou
seja: a orao seria intil de um jeito ou de outro.
A mesma coisa se aplica a misses: para que sair daqui para pregar o evangelho
na frica ou na sia em pases perseguidos se aqueles que foram predestinados
sero salvos de qualquer jeito? E, se no foram predestinados, no ser a minha
pregao que ir mudar isso. Ou seja: a orao e a pregao seriam
completamente inteis, sem sentido lgico de existir de acordo com o
mtodo calvinista.
Por outro lado, se Deus no determinou tudo o que ir acontecer embora
saiba tudo o que ir ocorrer , ento a orao e evangelizao so
absolutamente necessrias. Ento vidas podem ser salvas se orarmos, e perder-
se pela falta de orao. Ento almas podem ser ganhas para Cristo se formos
pregar onde Cristo no pregado vidas essas que poderiam no ser salvas se
no fssemos pregar. Isso d sentido vida crist. Faz com que a prtica do
evangelho no seja algo intil e sem razo de ser. Ou, para ser mais claro, isso
ser arminiano.
3 David Hunt. Que amor este? A falsa representao de Deus no calvinismo. Parte 1/2. Disponvel em:
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 10
Calvinistas admitem tudo isso? Nem todos. Eles disfaram isso em meio sua
teologia, mascarada sob o nome de soberania divina. Assim, eles pretendem
dizer que todos aqueles que no creem no calvinismo no creem na soberania
de Deus ou na graa soberana. Fazem verdadeiros espantalhos da teologia
arminiana 4 , comparando-a ao pelagianismo, ao semipelagianismo e ao
romanismo5. Tudo isso para encobrir as concluses que se chegam atravs de
sua prpria teologia.
Como disse Jerry Walls:
O debate entre calvinismo e arminianismo no tem sua nfase na liberdade,
mas na bondade de Deus. O arminiano defende, em primeiro lugar, no a
liberdade humana, mas a bondade divina, que o calvinista parece afogar em
nome da soberania6
Aqui um calvinista poderia alegar: Mas voc est fazendo um espantalho da
doutrina calvinista. Ela no ensina isso!. De fato, muitos calvinistas, quando
refutados por arminianos, se defendem dizendo que o calvinismo no ensina
isso. Em um debate televisivo, o pastor presbiteriano Welerson Alves Duarte
disse: Muitas crticas e argumentos que ns ouvimos contra o calvinismo, na
verdade no tratam de calvinismo. Um espantalho criado e conceitos que
nenhum calvinista defende so apresentados como se fosse calvinismo, e ento
fica fcil argumentar contra a outra parte7.
4 Um espantalho quando se pretende refutar uma tese contrria pervertendo aquilo que realmente ensinado pela oposio. Por exemplo: o arminianismo cr na soberania de Deus, mas um calvinista afirma que os arminianos no creem na soberania divina e, em seguida, passa a provar biblicamente que Deus soberano. Ele no est refutando a verdadeira teologia arminiana, mas est batendo em um espantalho montado por ele mesmo, j que os arminianos creem na soberania divina, e, portanto, argumentar em favor dela no refuta nada da verdadeira teologia arminiana. 5 Iremos abordar estes conceitos com mais profundidade no captulo seguinte do livro. 6 Jerry L. Walls. Jerry Walls on Reformation, Free-will and Philosophy. Disponvel em: . Acesso em: 09/01/2014. 7 Pr. Welerson Alves Duarte. Se a predestinao calvinista no correta, como entender Romanos 9? Disponvel em: . Acesso em: 09/01/2014.
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 11
Para evitar que um calvinista use tal argumento contra este livro, dizendo que
certa afirmao no representa o que crido no calvinismo, farei questo de
expor mais de duas centenas de citaes de Calvino e outras centenas de
citaes de outros autores calvinistas famosos ao longo de todo o livro.
Uma anlise meticulosa nos escritos de Calvino nos mostra claramente que ele
era muito mais calvinista do que se imagina, e que os calvinistas extremados
tm razo em se dizerem os verdadeiros seguidores da sua doutrina. Embora
muitos hoje tentem suavizar os ensinos de Calvino, o prprio Calvino no
suavizou sua doutrina nem um pouco, mas foi bem aberto em dizer, por
exemplo, que o assassino mata os inocentes por um decreto de Deus:
Imaginemos, por exemplo, um mercador que, havendo entrado em uma zona
de mata com um grupo de homens de confiana, imprudentemente se desgarre
dos companheiros, em seu prprio divagar seja levado a um covil de
salteadores, caia nas mos dos ladres, tenha o pescoo cortado. Sua morte
fora no meramente antevista pelo olho de Deus, mas, alm disso,
estabelecida por seu decreto8
Ou ento que Deus deseja os roubos, os adultrios e os homicdios:
Mas, replicaro, a no ser que ele quisesse os roubos, os adultrios e os
homicdios, no o haveramos de fazer. Concordo. Entretanto, porventura
fazemos as coisas ms com este propsito, ou, seja, que lhe prestemos
obedincia? Com efeito, de maneira alguma Deus no no-las ordena; antes,
pelo contrrio, a elas nos arremetemos, nem mesmo cogitando se ele o queira,
mas de nosso desejo incontido, a fremir to desenfreadamente, que de intento
deliberado lutamos contra ele9
Ou ento que o nico motivo pelo qual os crimes acontecem pela
administrao de Deus, e que os prprios homicidas e malfeitores so meros
instrumentos nas mos de Deus para praticar tais atos horrendos:
8 Institutas, 1.16.9. 9 Institutas, 1.17.5.
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 12
Os crimes no so cometidos seno pela administrao de Deus. E eu
concedo mais: os ladres e os homicidas, e os demais malfeitores, so
instrumentos da divina providncia, dos quais o prprio Senhor se utiliza para
executar os juzos que ele mesmo determinou. Nego, no entanto, que da se
deva permitir-lhes qualquer escusa por seus maus feitos10
Ou ento que Deus lana os infantes a uma morte eterna por causa de um
decreto horrvel, porque assim lhe pareceu bem:
De novo, pergunto: donde vem que tanta gente, juntamente com seus filhos
infantes, a queda de Ado lanasse, sem remdio, morte eterna, a no ser
porque a Deus assim pareceu bem? Aqui importa que suas lnguas
emudeam, de outro modo to loquazes. Certamente confesso ser esse um
decretum horribile. Entretanto, ningum poder negar que Deus j sabia qual
fim o homem haveria de ter, antes que o criasse, e que ele sabia de antemo
porque assim ordenara por seu decreto11
Ou ento que Deus no s permite, mas incita os mpios s maldades contra
ns:
A suma vem a ser isto: que, feridos injustamente pelos homens, posta de parte
sua iniqidade, que nada faria seno exasperar-nos a dor e acicatar-nos o
nimo vingana, nos lembremos de elevar-nos a Deus e aprendamos a ter por
certo que foi, por sua justa adminitrao, no s permitido, mas at
inculcado, tudo quanto o inimigo impiamente intentou contra ns12
Ou ento que o pecado dos mpios provm de Deus:
10 Institutas, 1.17.5. 11 Institutas, 3.23.7. 12 Institutas, 1.17.8.
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 13
Que os maus pequem, isso eles fazem por natureza; porm que ao pecarem,
ou faam isto ou aquilo, isso provm do poder de Deus, que divide as trevas
conforme lhe apraz13
Ou ento que a prpria Queda de Ado foi preordenada por Deus:
A Queda de Ado foi preordenada por Deus, e da a perdio dos rprobos e
de sua linhagem14
Ou ento que essa Queda e a condio depravada do ser humano ocorreram
pela vontade de Deus:
Quando perecem em sua corrupo, outra coisa no esto pagando seno as
penas de sua misria, na qual, por sua predestinao, Ado caiu e arrastou com
ele toda sua prognie. Deus, pois, no ser injusto, que to cruelmente
escarnece de suas criaturas? Sem dvida confesso que foi pela vontade de
Deus que todos os filhos de Ado nesta miservel condio em que ora se
acham enredilhados15
Ou ento que o homem caiu (no pecado) porque Deus assim achou
conveniente:
Alm disso, sua perdio de tal maneira pende da predestinao divina, que ao
mesmo tempo h de haver neles a causa e a matria dela. O primeiro homem,
pois, caiu porque o Senhor assim julgara ser conveniente. Por que ele assim
o julgou nos oculto16
Se voc no concorda com esses ensinos absolutamente repudiveis, voc pode
ser qualquer coisa, menos um calvinista ainda que pense que um17. Pois o
13 Institutas, 2.4.4. 14 Institutas, 3.23.7. 15 Institutas, 3.23.4. 16 Institutas, 3.23.8. 17 Essas so apenas algumas citaes de um todo muito maior que iremos passar ao longo de todo este livro. Elas nos mostram que Calvino no tinha qualquer receio em dizer abertamente aquelas coisas que seus seguidores calvinistas de nossos dias dizem que so espantalhos,
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 14
que Calvino afirmou so concluses inevitveis dos pressupostos calvinistas, dos
quais dependem toda a doutrina. Mas, se voc concorda com o que Calvino
disse nas linhas acima, convido-lhe a prosseguir na leitura deste livro, onde
estes e outros ensinos sero derrubados por argumentos lgicos e
Escritursticos.
Finalmente, o maior objetivo, para deixar claro desde o incio, no defender o
arminianismo embora o arminianismo seja a doutrina bblica sobre a salvao
mas resgatar os princpios morais sobre um Deus cheio de amor, graa,
misericrdia, justia, retido e compaixo por todos os homens sentidos esses
abandonados por um calvinismo ansioso em apresentar Deus aos perdidos
como algum que s os ama se eles estiverem no rol dos eleitos, e se no
tiverem essa sorte sero lanados para sempre em um inferno eterno, no
tendo nada a fazer contra isso, pois para isso j foram pr-ordenados desde
antes da fundao do mundo.
Tudo isso nos mostrar que o calvinismo, de fato, no isso que mostram por
a muito pior.
porque, em muitos casos, eles mesmos se escandalizam com a teologia do verdadeiro Calvino, pois sabem que absurda se levada a srio.
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 15
CAP.1 CALVINISMO E ARMINIANISMO
Que ningum esbraveje contra o arminianismo
a menos que saiba o que ele significa
(JOHN WESLEY)
Introduo ao Captulo
Em termos simples, o calvinismo cr que Deus elegeu algumas pessoas para
irem para o Cu e outras para o inferno, ou seja, predestinou uns para a
salvao e outros para a perdio, enquanto o arminianismo cr que a salvao
parte de Deus, que estende sua graa ao homem perdido, mas que o pecador
pode aceitar ou rejeitar o convite divino18.
Mas tanto o calvinismo como o arminianismo so bem mais que isso. O
calvinismo, como o prprio nome indica, foi sistematizado por Joo Calvino
(1509-1564), um grande pregador e telogo francs, um dos principais
Reformadores junto a Lutero, Zwnglio e Knox. Calvino restaurou o pensamento
de Agostinho (354-430), que defendeu as teses de determinismo e
predestinao fatalista contra Pelgio (350-423)19.
Jac Armnio (1560-1609), por outro lado, foi um dos maiores pregadores da
doutrina que leva o seu nome, sendo tambm reconhecido como um telogo
neerlands proeminente de sua poca, enfatizando a doutrina do amor de Deus
por todos e da expiao universal, que foi pregada por todos os Pais da Igreja
que viveram antes de Agostinho e pela grande maioria dos telogos que
viveram depois dele at a Reforma. Pelo fato de Armnio ser da gerao
18 ZGARI, Maurcio. Sete enigmas e um tesouro. Editora Anno Domini: 2013, p. 98. 19 Calvino foi provavelmente o maior f de Agostinho que este mundo j viu. Ele citou Agostinho de forma direta nas Institutas mais de quatrocentas vezes. Como Laurence Vance bem observa, ningum consegue ler cinco pginas nas Institutas de Calvino sem ver o nome de Agostinho. O prprio Calvino revela sua ligao com Agostinho nas seguintes palavras: Agostinho est to ligado a mim que, se eu quisesse escrever uma confisso de minha f, eu poderia assim fazer com toda a plenitude e satisfao a mim mesmo de seus escritos (A Treatise on the Eternal Predestination of God, p. 38).
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 16
posterior a Calvino, no houve debate direto entre os dois, mas o que faltou
entre eles sobrou nos sculos que se seguiram, se tornando o tema mais
disputado entre os cristos evanglicos at os dias atuais.
Infelizmente, h muitas distores da verdadeira teologia arminiana sendo feita.
Muitos conhecem Calvino, mas poucos conhecem Armnio. Muitos conhecem o
calvinismo, mas poucos conhecem o arminianismo. mais fcil algum pensar
que arminianismo tem alguma relao com a Armnia do que com Armnio.
Consequentemente, distores grotescas do ensino arminiano tem sido feitas
por leigos e telogos nestes cinco sculos.
Poucos calvinistas j leram alguma obra de Armnio, e seus ataques teologia
arminiana so quase sempre em segunda mo, atacando conceitos falsos
criados por pseudos-arminianos, ao invs de refutar precisamente aquilo que
foi crido e ensinado por Armnio. interessante notar que os livros calvinistas
em geral quase nunca citam uma obra de Armnio ou fazem alguma citao
direta de um remonstrante20. Pouqussimos interagem com autores arminianos
renomados, e quase sempre a defesa do calvinismo se fundamenta em bases
falsas, atacando um espantalho ao invs de lidar com aquilo que o
arminianismo verdadeiro.
uma pena, mas muitos calvinistas ainda pensam que o arminianismo clssico
nega a depravao total e o pecado original, apregoa que o homem cado pode
iniciar a salvao ou que no cr em predestinao, eleio ou na soberania
divina. Dilemas falsos, tais como predestinao vs livre-arbtrio e soberania
divina vs responsabilidade humana tem sido feitos como se um lado
(calvinismo) cresse no primeiro e o outro lado (arminianismo) cresse no
segundo, quando, na verdade, arminianos clssicos creem em ambos.
Esta ignorncia quanto ao verdadeiro arminianismo, que ser chamado neste
livro de arminianismo clssico (em contraste ao arminianismo popular, que
ser explicado mais adiante), no est presente apenas em leigos, mas at
mesmo em muitos dos mais proeminentes telogos calvinistas na histria. O
20 Remonstrantes era o nome dado aos discpulos de Armnio.
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grande Charles Spurgeon, conhecido como o prncipe dos pregadores e auto-
denominado calvinista, chegou a dizer em uma de suas pregaes que se
tornou calvinista aps crer que ele no poderia iniciar sua salvao sem que
Deus o tivesse buscado primeiro:
Lembro-me que quando me converti, eu era um arminiano completo. Pensei
que eu mesmo havia comeado a boa obra e costumava me sentar e pensar:
Bem, busquei o Senhor por quatro anos antes de encontr-lo, e acho que
comecei a me elogiar porque havia clamado por Ele insistentemente em meio a
muito desnimo! Mas um dia me ocorreu um pensamento: O que me levou a
buscar a Deus?, e num instante a resposta veio de minha alma: Por qu? Por
que Ele me conduziu a isto! Primeiro deve ter me mostrado minha necessidade
Dele, seno eu nunca O teria buscado! Deve ter me mostrado Sua preciosidade,
ou eu nunca teria achado que vale a pena busc-Lo. Ento de uma vez
enxerguei com a maior clareza possvel as Doutrinas da Graa. Deus deve
comear!21
Spurgeon tinha uma viso distorcida do verdadeiro arminianismo. Ele lidava
com o arminianismo popular, que uma distoro do arminianismo clssico,
crendo, por conseguinte, que os arminianos ensinam que o homem comea a
boa obra e inicia a salvao. Contra esse arminianismo popular de sua poca ele
foi para o outro extremo o calvinismo, que lhe parecia ser a nica opo que
ensinava o contrrio.
Na verdade, todos os arminianos clssicos creem e defendem que Deus que
inicia a salvao, que sem a graa divina ningum poderia buscar ou aceit-lo,
que ningum pode se elogiar ou se orgulhar de algo que fruto inteiramente
da graa de Deus e que sem Ele ns nunca o teramos buscado. Se Spurgeon
entendesse que o verdadeiro arminianismo no era nada daquilo que ele
pensava que era, provavelmente no teria nenhuma razo para se tornar
21 SPURGEON, Charles H, Sermo sobre: A Soberana Graa de Deus e a Responsabilidade do Homem.
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calvinista apenas iria abandonar o arminianismo popular, o qual eu tambm
rejeito, assim como todos os arminianos clssicos22.
Infelizmente o mesmo ocorre nos dias de hoje. Muitos grandes telogos atuais
preferem se auto-denominar calvinistas mesmo sendo arminianos na prtica,
porque possuem um conceito equivocado do que vem a ser arminianismo.
Norman Geisler, por exemplo, que provavelmente o apologista mais
respeitado na atualidade, rejeita quatro dos cinco pontos da TULIP calvinista,
mas mesmo assim prefere se intitular calvinista moderado do que
arminiano23. Em seu livro mais famoso sobre o tema, ele faz uma confisso
impressionante:
A idia de Calvino foi contraposta por Armnio e tem sido rejeitada por todos
os calvinistas moderados24
Mas se os calvinistas moderados (como Geisler) aceitam Armnio e rejeitam
Calvino, por que ainda insistem em se rotularem calvinistas e no
arminianos? No h nenhuma razo lgica, a no ser pelo preconceito que
possuem ao termo arminianismo, tendo em mente no o arminianismo
clssico, mas o popular, que distorce muitos pontos ensinados por Armnio.
Contra esse tipo de arminianismo, e no contra o verdadeiro arminianismo,
muitos telogos tem se intitulado calvinistas, ainda que sejam totalmente
arminianos em seu ensino. Talvez o leitor que se cr calvinista se identifique
arminiano ao fim desta leitura, aps se deparar com o verdadeiro calvinismo
(o de Calvino) e com o verdadeiro arminianismo (o de Armnio).
22 Spurgeon, como veremos em vrias citaes ao longo deste livro, cria em uma srie de aspectos arminianos que so rejeitados pelos calvinistas, tais como que Deus deseja a salvao de todos os homens, que o todos de 1 Timteo 2:4 eram todos mesmo e no apenas os eleitos, em Deus estendendo (oferecendo) Sua graa aos pecadores (no-eleitos) e em outros conceitos tipicamente arminianos, que eram rejeitados por Calvino ou pela maioria dos calvinistas posteriores. 23 Geisler no cr na depravao total e ensina a expiao universal, a graa resistvel e a eleio condicional. Ele fala sobre isso em seu livro: Eleitos, mas Livres. 24 GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleio divina e o livre-arbtrio. Editora Vida: 2001, p. 275.
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 19
A TULIP calvinista
TULIP um acrstico que significa:
Total Depravity (Depravao Total)
Unconditional Election (Eleio Incondicional)
Limited Atonement (Expiao Limitada)
Irresistible Grace (Graa Irresistvel)
Perseverance of the Saints (Perseverana dos Santos)
Esses so os cinco pontos considerados mais importantes dentro do sistema
calvinista, ainda que o calvinismo em si seja mais do que apenas isso. Eles so
um sistema fechado, o que significa que os pontos permanecem ou caem
juntos. O que passa disso petio de princpio ou non sequitur. Isso
reconhecido pelos prprios calvinistas, como Boettner, que disse:
Prove que qualquer um destes pontos seja falso e o sistema como um todo
precisa ser abandonado25
Engelsma tambm observa:
Negue esta doutrina, e todo o sistema calvinista demolido26
Geisler igualmente discerne que, se um ponto rejeitado, logicamente todos
sero27. Isso porque, do ponto 2 ao 5, uma coisa leva outra. Calvinistas e
arminianos clssicos creem na depravao total, mas tem uma viso diferente
sobre como Deus resolve esse problema. Para os calvinistas, a soluo uma
graa irresistvel que atua somente nos eleitos. Para os arminianos, a soluo
uma graa preveniente universal, que pode ser aceita ou rejeitada pelo ser
humano.
25 Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p. 59. 26 Engelsma, Confessional Calvinism, p. 103. 27 GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleio divina e o livre-arbtrio. Editora Vida: 2001, p. 64.
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Consequentemente, os calvinistas creem em uma eleio individual
incondicional, onde certas pessoas (os eleitos) tm que ser salvas e outras
pessoas (os no-eleitos) tm que ser condenadas. Como os arminianos no
creem em uma predestinao individual incondicional, e sim que a salvao est
disponvel a todos, a eleio condicional f em Jesus, significando que todos
os que creem fazem parte do grupo corporativo de eleitos a Igreja.
Em consequencia do fato de que apenas os eleitos podem ser salvos e os
demais j foram predestinados perdio, os calvinistas tem que crer em uma
expiao limitada, isto , que Jesus s morreu pelos eleitos. E como os
arminianos creem que a salvao est disponvel a todos, Cristo morreu por
todos.
Por fim, se a eleio incondicional e tudo s depende de Deus, ento ningum
que uma vez foi salvo pode cair da f e apostatar. Os arminianos, ao contrrio,
creem que a apostasia possvel porque a graa de Deus no irresistvel, e o
homem pode rejeit-la a qualquer momento. Como vemos, os ltimos quatro
pontos do calvinismo ficam de p ou caem juntos. Refutando ou descrendo em
um dos pontos do acrstico, os outros caem igualmente por um non sequitur28.
Um calminianismo possvel?
Uma moda recente, inventada por muitos pregadores que querem se manter
afastados da polmica entre calvinismo e arminianismo dizer que no nem
calvinista nem arminiano. Palavras de efeito, mas sem nenhum significado real,
tais como: no sou nem calvinista nem arminiano, eu sigo a Bblia e no sigo
Calvino nem Armnio, eu sigo a Cristo tem sido ditas no objetivo de se afastar
do debate e tentar safisfazer ambos os lados.
Ainda outros, tentando conciliar as duas doutrinas para ser simpatizante de
ambos, se auto-rotulam como calminianos (o que seria uma mistura de
calvinismo e arminianismo), afirmando que os dois sistemas so bblicos, como
28 Non sequitur quando a concluso no segue s premissas.
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se a verdade fosse relativa ou a Bblia fosse contraditria e afirmasse doutrinas
mutuamente excludentes como mutuamente verdadeiras.
Primeiramente, necessrio esclarecer que simplesmente impossvel uma
mistura de calvinismo com arminianismo. A razo simples: ou a eleio
condicional ou incondicional; ou a graa resistvel ou irresistvel; ou o livre-
arbtrio existe ou ele no existe; ou Deus determina tudo ou Ele no determina
tudo; ou Cristo morreu por todos ou ele no morreu por todos; ou uma vez
salvo est salvo para sempre ou possvel perder a salvao.
impossvel, para qualquer pessoa que queira manter o mnimo de
consistncia, afirmar ambas as doutrinas como sendo completamentares e no
como sendo excludentes. uma coisa ou outra, no pode haver um meio-
termo. Isso reconhecido tanto por calvinistas como por arminianos. Spurgeon
mesmo reconhecia que no h nada entre eles seno uma vastido estril29, e
William Shedd disse que somente estes dois esquemas gerais de doutrina
crist so logicamente possveis30. como disse Boettner:
Deve ser evidente que h apenas duas teorias que podem ser mantidas pelos
cristos evanglicos sobre este importante tema; que todos os homens que tm
feito qualquer estudo dele, e que tm alcanado toda as concluses
estabelecidas sobre isto, deve ser ou calvinistas ou arminianos. No h
nenhuma outra posio que um cristo pode tomar31
O arminiano Roger Olson tambm comenta:
Apesar dos pontos comuns, o calvinismo e o arminianismo so sistemas de
teologia crist incompatveis; no h um meio termo estvel entre eles nas
questes determinantes para ambos32
29 SPURGEON, Charles H, citado em Good, Calvinists, p. 63. 30 William G. T. Shedd, Calvinism: Pure and Mixed (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1986), p. 149. 31 Predestination, p. 333. 32 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 80.
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Portanto, a no ser que voc seja um humanista secular relativista e
inconsistente, que cr em duas coisas contraditrias como sendo verdadeiras ao
mesmo tempo, no pode afirmar que meio calvinista e meio arminiano. Ou
voc calvinista, ou voc arminiano. Como vimos anteriormente, os cinco
pontos so um sistema fechado, onde toda a doutrina cai ou permanece de p,
como em um domin. Se um ponto do calvinismo est errado, todos os outros
esto.
Por mais que palavras de efeito e sem sentido sejam utilizadas hoje em dia por
pregadores que querem se parecer mais cristos se no se rotularem de
arminiano nem calvinista, no final das contas ele sempre ou calvinista ou
arminiano, se ele tem mesmo alguma opinio formada. Ele nunca realmente
um meio-termo, a no ser que seja inconsistente. O pastor Ciro Sanches, por
exemplo, gosta de dizer que no arminiano nem calvinista. Ele diz que segue
s a Bblia. Mas a teologia dele inteiramente arminiana em todos os detalhes.
Seria mais honesto, e melhor para a comunidade arminiana no Brasil, que ele
simplesmente admitisse que um arminiano. Ele, assim como outros
pregadores, so arminianos mesmo que escondam isso, da mesma forma que
existem calvinistas que evitam se intitularem calvinistas, mas em ambos os casos
a doutrina que ensinada por tais pregadores exatamente a mesma daqueles
que se intitulam calvinistas ou arminianos de forma aberta.
No muda absolutamente nada em termos de doutrina, muda apenas o
discurso. Dizer que no sou nem calvinista nem arminiano parece um discurso
bonito, parece mais bblico, mas se perguntar para essa pessoa o que ela cr
ela sempre ir responder algo que seja plenamente compatvel ou com o
calvinismo ou com o arminianismo, embora evite o rtulo.
Portanto, tais frases de efeito so inteis e completamente superficiais. lgico
que um dos pontos bblico e o outro no. Se o calvinismo verdadeiro, o
arminianismo falso; da mesma forma, se o arminianismo verdadeiro, o
calvinismo falso. A Bblia ensina um e no ensina outro. A razo ensina um e
no ensina outro. A moral ensina um e no ensina outro. No h como escapar
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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 23
disso, por mais que se tente evitar. De fato, tais pregadores que no se intitulam
nem calvinistas nem arminianos s podem ser uma coisa: inconsistentes.
Pelagianismo e Semi-Pelagianismo
Antes de estudarmos mais a fundo o que os arminianos clssicos acreditam,
ser necessrio explicar um pouco sobre o que os arminianos no acreditam,
mas que frequentemente colocado na conta deles por pessoas ignorantes ou
simplesmente mal intencionadas. Como Olson observa, identificaram o
arminianismo com o arianismo, o socianismo, o pelagianismo, o
semipelagianismo, o humanismo e a teologia liberal33, e as distores e
informaes incorretas que so ditas sobre o arminianismo na literatura
teolgica no so nada menos que apavorantes34.
Os crticos calvinistas, na tentativa de passarem uma caricatura da doutrina
arminiana para afastarem as pessoas do arminianismo e mant-las aliceradas
no calvinismo, inventam verdadeiras loucuras sobre a teologia arminiana, dentre
as quais se destaca a acusao de que os arminianos so semipelagianos, ou at
mesmo pelagianos. O pelagianismo veio de Pelgio (350-423), que foi
condenado por heresia por ter ensinado que o homem pode iniciar a salvao e
por negar o pecado original.
Nas palavras de Godfrey, Pelgio insistia que a vontade do homem era to livre
que lhe era possvel ser salvo unicamente atravs de suas prprias habilidades
naturais35. Obviamente, nenhum arminiano clssico cr nisso. Arminianos
clssicos creem no pecado original, na depravao total, na necessidade e
dependncia total da graa e que s Deus pode iniciar a salvao. Armnio,
como veremos mais adiante, foi verdadeiramente enftico em negar o livre-
arbtrio espiritual parte da graa preveniente. Sobre a negao de Pelgio da
depravao herdada, Calvino comentou:
33 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 103. 34 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 51. 35 GODFREY, W. Robert. Who Was Arminius?, Modern Reformation, n. 1, 1992, p. 7.
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Esta relutncia no pde impedir que Pelgio entrasse em cena, cuja profana
inveno foi haver Ado pecado to-somente para seu prprio dano, e que aos
descendentes nada afetou36
Olson diferencia o pelagianismo de sua forma suavizada, o semipelagianismo,
dizendo:
"O pelagianismo nega o pecado original e eleva as habilidades humanas morais
e naturais para viver vidas espiritualmente completas. O semipelagianismo
abraa uma verso modificada do pecado original, mas acredita que os
humanos tm a habilidade, mesmo em seu estado cado, de iniciar a salvao
ao exercer uma boa vontade para com Deus37
Em outras palavras, pelagianismo e semipelagianismo no tm absolutamente
ligao alguma com o verdadeiro arminianismo. Os acusadores afirmam isso
apenas para acrescentarem insulto injria. Embora alguns tenham sido
enganados pelo arminianismo popular e neguem a depravao total (ou deem
uma nfase demasiada ao livre-arbtrio humano), Armnio e os arminianos
clssicos afirmam repetidamente que o ser humano totalmente depravado e
no pode iniciar nenhuma salvao, e que a graa precisa primeiro ser
derramada para ento o livre-arbtrio espiritual ser restaurado para que a
pessoa possa aceitar ou rejeitar a graa divina.
Ele disse:
O livre-arbtrio incapaz de iniciar ou de aperfeioar qualquer verdade ou bem
espiritual sem a graa. Que no digam a meu respeito, como dizem de Pelgio,
que pratico uma iluso em relao palavra graa, o que quero dizer com isso
que a graa de Cristo e que pertence regenerao (...) Confesso que a
mente de um homem carnal e natural obscura e sombria, que suas afeies
36 Institutas, 2.1.5. 37 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 24.
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so corruptas e excessivas, que sua vontade obstinada e desobediente, e que
o homem est morto em pecados38
O arminiano William Pope acrescenta:
Nenhuma habilidade permanece no homem para voltar-se a Deus; e esta
declarao concede e vindica o mago do pecado original como interno. O
homem natural est sem o poder de at mesmo cooperar com a influncia
divina. A cooperao com a graa da graa. Portanto, ela se mantm
eternamente livre do pelagianismo e do semipelagianismo39
A diferena entre arminianismo e as formas de pelagianismo total, enquanto a
diferena entre arminianismo e calvinismo neste aspecto mnima, pois ambos
creem no pecado original, ambos creem na depravao herdada, ambos creem
que a depravao total, ambos creem que Deus inicia a salvao, ambos
creem que Deus precisa estender a graa ao homem perdido, e o nico ponto
em que calvinistas e arminianos divergem no modus operandi dessa graa
se ela resistvel (arminianismo) ou irresistvel (calvinismo).
Podemos sintetizar a situao da seguinte maneira:
PELAGIANISMO SEMIPELAGIANISMO ARMINIANISMO CALVINISMO
No existe
depravao
herdada
A depravao
herdada parcial e o
homem ainda tem
algo que possa iniciar
a salvao
A depravao
herdada total e
Deus precisa
salvar o homem
perdido mediante
uma graa
preveniente
resistvel
A depravao
herdada total
e Deus precisa
salvar o homem
perdido
mediante uma
graa
preveniente
irresistvel
38 ARMINIUS, A Letter to Hippolytus A Collibus, Works, v. 2, p. 700-701. 39 POPE, William Burton. A Compendium of Christian Theology. New York: Phillips e Hunt, s/data, v. 2, p. 80.
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Em suma, arminianos clssicos rejeitam o pelagianismo e o semipelagianismo
como heresias de modo to enftico quanto qualquer calvinista, e a acusao
de que o arminianismo uma forma de pelagianismo simplesmente injuriosa
e falsa, seja por fruto da ignorncia de tais acusadores ou por ms intenes de
gente que precisa de uma caricatura para refutar algo que no entende. como
disse Thomas Summers: Que ignorncia ou descaramento tem estes homens
que acusam Armnio de pelagianismo ou de qualquer inclinao para tal!40
Arminianismo Clssico
Vimos o que o arminianismo no . Agora, preciso saber o que exatamente o
arminianismo trata. Ele no , como muitos pensam, uma posio oposta aos
cinco pontos da TULIP calvinista. Arminianos sustentam o primeiro ponto (da
depravao total), rejeitam os trs seguintes (da eleio incondicional, da
expiao limitada e da graa resistvel) e se dividem quanto ao quinto ponto (da
perseverana dos santos), porque nem Armnio nem os remonstrantes
imediatos definiram essa questo, mas a deixaram em aberto, dizendo:
Que os verdadeiros cristos tenham fora suficiente, atravs da graa divina,
para enfrentar Satans, o pecado, o mundo, sua prpria carne, e a todos venc-
los; mas que se por negligncia eles pudessem se apostatar da verdadeira f,
perder a felicidade de uma boa conscincia e deixar de ter essa graa, tal
assunto deveria ser mais profundamente investigado de acordo com as
Sagradas Escrituras41
Essa a razo pela qual parte dos arminianos clssicos creem que uma vez
salvo est salvo para sempre, conquanto que a maioria creia na possibilidade de
apostasia, como foi definido pelos remonstrantes posteriores e propagado
firmemente por John Wesley.
40 SUMMERS, Thomas. Systematic Theology: A Complete Body of Wesleyan Arminian Divinity. Nashville: Publishing House of the Methodist Episcopal Church, 1888. v. 2, p. 34. 41 The Remonstrance, in HARRISON, Beginnings of Arminianism, p. 150-151.
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O cerne da doutrina do arminianismo clssico a da graa preveniente.
Nenhum arminiano verdadeiro cr que o livre-arbtrio, por si s, seja suficiente
para que o homem chegue Deus. Ns cremos que o homem cado est morto
em seus pecados e que preciso que Deus derrame a graa preveniente, que
restaura o livre-arbtrio espiritual e o torna capaz de aceitar ou rejeitar a graa
divina. Por isso, Armnio disse:
Se qualquer contradio for oferecida a esta doutrina, Deus necessariamente
privado da glria de sua graa, e ento o mrito da salvao atribudo ao
livre-arbtrio do homem e a seus prprios poderes e fora cuja declarao
cheira a pelagianismo42
Arminianos clssicos tambm creem em todos os cinco princpios da Reforma
Protestante: Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gratia, Sola Christus e Soli Deo Gloria.
A salvao somente pela graa, atravs somente da f. No concernente
doutrina da justificao do homem, Armnio disse:
Eu no estou ciente de ter ensinado ou considerado quaisquer outros
sentimentos em relao justificao do homem ante Deus que sejam
diferentes dos que so mantidos unanimemente pelas Igrejas Reformadas e
Protestantes e que esto em completa concordncia com suas opinies
expressas43
Igualmente, nenhum arminiano rejeita a doutrina da predestinao, mas a cr
em termos corporativos e, portanto, condicional f em Cristo. Da mesma
forma, nenhum arminiano rejeita a soberania divina, o que no implica,
obviamente, que Deus tenha que determinar cada evento e cada detalhe que
ocorra no universo.
Deus soberano por estar no controle de tudo, e no por determinar tudo o
que tornaria Deus o autor do pecado. por isso que os arminianos creem no
livre-arbtrio e em atos autocausados, porque somente assim o pecado seria
42 Works of Arminius, vol. 1, p. 617. 43 ARMINIUS, A Declaration of the Sentiments of Arminius, Works, v. 1, p. 695.
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totalmente da conta do homem, e no por um impulso ou ordem de Deus,
como cria Calvino e como creem a maioria dos calvinistas.
O arminianismo clssico difere do arminianismo popular porque o
arminianismo popular no o verdadeiro arminianismo, mas uma distoro
posterior ao arminianismo de Armnio. Remonstrantes posteriores, como Philipp
van Limborch, distorceram o arminianismo clssico e o aproximaram ao
semipelagianismo44. Consequentemente, nos sculos seguintes, e at hoje,
muitos pregadores ensinam nos plpitos das igrejas crists ensinamentos que
se parecem muito mais com Pelgio do que com Armnio.
Os exemplos existem aos montes. D um passo em direo a Deus, e Ele dar
dois em direo a voc; Deus vota sim, o diabo vota no e voc tem o voto
de minerva, e outros casos do tipo mostram que muitos pregadores no esto
nem um pouco familiarizados com a verdadeira doutrina arminiana, mas
colocam uma nfase por vezes maior no homem do que no prprio Deus.
O arminianismo popular nada mais seno uma distoro do ensino arminiano
por pessoas que no tiveram contato com o verdadeiro arminianismo, e por
isso no merece esse nome. Assim como a maioria dos calvinistas rejeitam
formas extremadas que distorcem o prprio calvinismo como geralmente
atribudo ao hipercalvinismo , tambm ns rejeitamos essa forma distorcida de
arminianismo que em nada reflete o ensino de Armnio, que pe um foco
demasiado no homem e que por vezes coloca Deus em um papel secundrio na
obra da salvao. No a toa que a maioria deles sequer j ouviu falar em
graa preveniente.
Arminianos clssicos tambm no tem qualquer problema com lemas calvinistas
como a regenerao precede a f e a f um dom de Deus. Sim, Armnio
cria e se expressou assim diversas vezes que a f um dom de Deus,
embora no no sentido de um dom imposto como no calvinismo, mas de um
dom oferecido, como um presente. Da mesma forma, arminianos clssicos no
tem problemas em assumirem que, em certo sentido, a regenerao precede a
44 Veja mais sobre isso na obra: Teologia Arminiana: Mitos e Realidades, de Roger Olson.
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f, pois a graa preveniente precisamente uma graa regeneradora, que
resgata o livre-arbtrio espiritual e torna o homem apto a aceitar ou rejeitar o
convite, embora a regenerao completa s acontea caso o homem aceite o
convite.
Por fim, concordo com Olson quando ele diz que antes de dizer eu discordo,
devemos ser capazes de verdadeiramente dizer eu entendo45, e isso vale tanto
para calvinistas como para arminianos. Se os pentecostais lessem mais Armnio
e pensadores arminianos clssicos, iriam abandonar toda proximidade com o
semipelagianismo, que era veementemente rejeitado por Armnio. E se os
calvinistas estudassem mais a doutrina arminiana clssica, certamente muitas
dvidas se dissipariam e muitos se identificariam muito mais com Armnio do
que com Calvino.
Se os calvinistas lessem Armnio ou pelo menos dois ou trs telogos
arminianos clssicos, dificilmente Roger Olson teria que escrever um livro inteiro
refutando as distores que so feitas at hoje em torno do arminianismo, em
sua obra: Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. As distores s so feitas
porque a procura pela informao pequena, e a ansiedade por uma refutao
grande. Como disse Olson, espero que no futuro os crticos do arminianismo
o escrevam como seus proponentes o descrevem e que rigidamente evitem a
caricatura ou deturpaes, assim como esperam que os outros tratem sua
prpria teologia46.
Calvinismo
Se o arminianismo sofreu distores com o passar dos sculos que foram alm
dos ensinos de Jac Armnio, o calvinismo no fica atrs. Aps a morte de
Calvino, seus seguidores acrescentaram e retiraram doutrinas importantes de
sua teologia. Como veremos no captulo 8, Calvino era abertamente defensor da
45 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 316. 46 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 55.
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expiao universal, contra a expiao limitada que foi crida depois dele, a partir
de Teodoro de Beza47.
Mas se por um lado os seguidores de Calvino acrescentaram mais extremos
sua teologia, tambm foi muito mais comum o inverso: seguidores que
suavizaram sua doutrina, retirando pontos importantes para torn-la mais
aceitvel ao povo. Por exemplo, como veremos mais adiante no livro, Calvino
defendia explicitamente que Deus determina o pecado e que ordenou a Queda.
Nem todos os calvinistas pensam assim. Calvino tambm defendeu a dupla
predestinao, em que Deus no apenas elege um grupo para si, mas tambm
elege outro para ser condenado.
Embora ele defendesse a responsabilidade humana (ainda que de forma
contraditria), ele rejeitava o livre-arbtrio libertrio e cria que tudo, incluindo os
desejos no corao do homem, provinha de Deus e no do prprio homem.
Ento, com o passar dos sculos, os calvinistas foram aumentando e diminuindo
aspectos importantes na teologia de Calvino. Os que aumentaram so
comumente chamados de hipercalvinistas, e os que diminuram so
comumente chamados de calvinistas moderados.
Mas h um problema fundamental: nenhum hipercalvinista aceita essa
nomenclatura, pois eles pensam que so eles os verdadeiros seguidores da
doutrina original de Calvino, e, portanto, eles so os verdadeiros calvinistas, e
no hiper. Da mesma forma, a maior parte dos calvinistas moderados se
chama apenas de calvinista, pois tambm se creem os verdadeiros calvinistas.
No fim das contas, temos dois grupos lutando pelo centro e pela hegemonia de
seu prprio calvinismo e lanando o outro mais para a esquerda ou para a
direita.
Boettner, por exemplo, se referiu ao calvinismo moderado nestas palavras:
47 Retomaremos esse tema no captulo 8 deste livro, que trata sobre a expiao limitada, e mostraremos diversas citaes de Calvino defendendo a expiao universal de modo enftico, inclusive refutando objees.
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Calvinismo brando sinnimo de calvinismo enfermo, e a enfermidade, se no
curada, o incio do fim48
Por outro lado, um calvinista moderado, Charles Spurgeon, se referiu a seu
prprio calvinismo dizendo: Somos os calvinistas verdadeiros!49. Ele tambm
disse que o hipercalvinismo um sistema de teologia com que muitos se
identificam e que tem esfriado muitas igrejas, pois as tem levado a omitir os
convites gratuitos do evangelho, e negar que dever dos pecadores crer em
Jesus50.
Se isso j torna a situao complicada, fica ainda pior quando vemos calvinistas
auto-denominados moderados chamando de calvinistas extremados aqueles
que tambm se denominam moderados, para se distinguirem dos
hipercalvinistas. Foi assim que Norman Geisler se referiu a R. C. Sproul ao longo
de todo o livro Eleitos, mas Livres51, sendo que o prprio Sproul no se
considera um calvinista extremado, e disse que o hipercalvinismo
anticalvinismo52.
Para ser mais claro, no h nenhum calvinista que admita estar fora do centro.
Todos se creem os verdadeiros calvinistas e puxam para a esquerda ou para
direita aqueles que tm uma teologia mais branda ou mais severa que a dele.
Calvinistas que se consideram moderados so considerados extremados por
outros, e vice-versa. Deste modo, difcil tratar do calvinismo como algo fixo e
imutvel.
Mas ser que essa distino to clara? Ainda que em alguns aspectos da
teologia eles tenham divergncias, elas so doutrinariamente mnimas, visto que
ambos defendem os cinco pontos da TULIP calvinista. Na verdade, a diferena
48 Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p. 105. 49 SPURGEON, Charles H, Sermo sobre: A Soberana Graa de Deus e a Responsabilidade do Homem. 50 SPURGEON, Charles H. The Metropolitan Tabernacle: its History and Work (Pasadena: Pilgrim Publications, 1990), p. 47. 51 Geisler usa os termos calvinismo extremado e hipercalvinismo como intercambiveis, significando, na prtica, a mesma coisa. 52 SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Crist: 1998, p. 71.
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mais prtica do que terica. Como Laurence Vance diz, os calvinistas e os assim
chamados hipercalvinistas creem, ensinam, e pregam as mesmas coisas sobre o
calvinismo os hipercalvinistas apenas as colocam em prtica mais
consistentemente do que os calvinistas53.
Para esclarecer melhor o que Vance afirma, os hipercalvinistas seguem as
premissas lgicas do calvinismo at as ltimas consequencias, enquanto os
calvinistas moderados as seguem at certo ponto, apelando para o mistrio
naquilo onde a concluso segue s premissas. Um hipercalvinista entende que,
se Cristo no morreu por todos (expiao limitada), ento no h razo para
crer que Deus deseje que todos se salvem, ou que o evangelho se aplique a
todos que ouvem, ou que a f seja dever de todo pecador, ou que a oferta de
salvao deva ser feita a um no-eleito54. uma concluso lgica do L da
TULIP.
Da mesma forma, se o mundo de Joo 3:16 se refere apenas aos eleitos e se
foi s por eles que Deus amou e enviou Seu Filho unignito para que todos os
eleitos que nele creem no peream mas tenham a vida eterna, ento lgico
que Deus no ama o no-eleito. certo que nenhum calvinista (nem mesmo o
moderado) cr que Deus ama o eleito da mesma forma que ama o no-eleito,
mas o hipercalvinista leva a srio os textos calvinistas que dizem que Deus
amou Jac e odiou Esa (Rm.9:13), como uma prova de que Deus odeia (ou
no ama) o no-eleito, mas apenas o eleito.
Como vemos, a distino mais prtica do que terica. Ambos creem nos cinco
pontos da TULIP, mas apenas os hipercalvinistas assumem as consequencias de
sua prpria lgica, admitindo os resultados de seus prprios pressupostos, ao
passo em que o calvinista moderado cr na premissa mas no cr na concluso
lgica da premissa, preferindo apelar ao mistrio e deixar as coisas obscuras,
53 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 54 O artigo 33 dos Articles of Faith of the Gospel Standard Aid and Poor Relief Societies diz: "Por conseguinte, que ministros hoje em dia abordem as pessoas no-convertidas, ou a todos indiscriminadamente numa congregao mista, apelando a eles a que se arrependam, creiam e recebam a Cristo salvificamente, ou realizem qualquer outro ato dependente da renovada capacidade criativa do Esprito Santo, , por um lado, admitir poder na criatura, e por outro, negar a doutrina da expiao limitada.
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sem fazer o mnimo esforo para solucionar dilemas calvinistas como
predestinao vs livre arbtrio e soberania divina vs responsabilidade
humana quando os hipercalvinistas assumem que uma existe e a outra no.
por isso que o calvinista Edwin Palmer escreveu:
Ele [o calvinista moderado] percebe que o que ele defende ridculo.
simplesmente impossvel para o homem harmonizar esses dois conjuntos de
dados. Dizer, por um lado, que Deus tornou certo tudo o que acontece e ainda
dizer que o homem responsvel por aquilo que ele faz? Absurdo! Deve ser
uma ou outra coisa, mas no ambas. Dizer que Deus preordenou o pecado de
Judas e ainda Judas o culpado? Insensatez! Logicamente o autor de O Ladro
Predestinado estava certo. Deus no pode preordenar o roubo e ento culpar o
ladro. E o calvinista admite francamente que essa posio ilgica, ridcula,
sem sentido e tola55
Por isso, como Vance bem define, o termo hipercalvinismo altamente
ambguo e diz respeito prtica e no profisso de algum56, e que o
problema que calvinistas (incluindo Spurgeon) tem com o Dr. Gill [um
hipercalvinista] que eles consistentemente praticaram seu calvinismo57.
Outra ttica frequentemente utilizada por calvinistas opor o arminianismo
contra o hipercalvinismo e ento tomar o calvinismo comum como uma posio
moderada. Isto faz o calvinismo parecer ortodoxo58. Vance aponta que o termo
hipercalvinismo frequentemente referido por aqueles calvinistas que
querem desviar a ateno do que eles realmente crem e por meio disso fazer
sua forma de calvinismo parecer bblica59.
E ele declara:
55 Edwin H. Palmer, The Five Points of Calvinism, p. 85. 56 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 57 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 58 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 59 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
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Quando a verdadeira posio de um calvinista finalmente revelada, ele
geralmente alegar que ele est sendo deturpado. Por isso, um outro tipo de
calvinismo foi inventado, e para ele que toda objeo contra o sistema
calvinista depositada. Os partidrios deste esquema fictcio so referidos por
vrios termos: ultra-calvinistas, calvinistas radicais, super-calvinistas,
radicais. A favorita designao para este grupo hiper-calvinistas60
Em sntese, calvinismo um termo ambguo que envolve calvinistas moderados
e extremados, cada qual defendendo seu prprio calvinismo como sendo o
verdadeiro calvinismo, o calvinismo do centro. Conquanto haja algumas
poucas diferenas em termos de doutrina, ambos creem nos cinco pontos da
TULIP, embora apenas os hipercalvinistas pratiquem as consequencias lgicas
destes cinco pontos, razo pela qual a diferena entre ambos muito mais
prtica do que terica. Enquanto calvinistas moderados seguem a lgica apenas
at certo ponto e depois param e apelam ao mistrio, hipercalvinistas seguem a
lgica das suas prprias premissas at o fim, suportando as consequencias.
Dilogo entre calvinistas e arminianos na histria
Por mais que desde sempre na histria do Protestantismo tenha havido
arminianos e calvinistas, estes querem, a todo e qualquer custo, serem
considerados os nicos verdadeiros protestantes, como se o fato de algum ser
calvinista fosse primordial para algum ser verdadeiramente cristo. lgico
que nem todos os calvinistas so exclusivistas ou intolerantes, mas muitos
querem fazer da sua doutrina aquilo que diferencia uma igreja verdadeira de
uma igreja falsa.
Isso realmente lamentvel, mas, como disse Olson, fato que alguns
calvinistas evanglicos trabalham arduamente para transformar a teologia
calvinista como a norma da f evanglica. Os arminianos so marginalizados, se
60 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
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no excludos s escondidas61. Os ataques de calvinistas a arminianos, muitas
vezes os excluindo e os considerando no-cristos, tm sido feitos aos montes.
Fred Phelps, o autor da obra Os Cinco Pontos do Calvinismo, alegou que, se
voc no conhece os cinco pontos do calvinismo, voc no conhece o
evangelho, mas alguma perverso dele62. Alm de chamar o arminianismo de
perverso do evangelho, ele tambm disse que os no-calvinistas esto
verdadeiramente nas trevas e na ignorncia de toda a verdade divina, no tem
nenhuma religio e esto presos nas supersties e nas mentiras religiosas:
Se voc no tem um entendimento e uma compreenso completa dos Cinco
Pontos do Calvinismo voc est verdadeiramente nas trevas e na ignorncia de
toda a verdade divina. E, se voc no tem uma crena inteligente nos Cinco
Pontos do Calvinismo e amor por eles, voc no tem nenhuma religio racional,
mas est preso na superstio e nas mentiras religiosas63
Este exemplo lindo de tolerncia e dilogo tem sido marcante em outros
militantes calvinistas. Ben Rose afirmou que os que no so calvinistas no so
humildes o suficiente64; Robert Godfrey afirmou que no arminianismo Jesus
no mais o verdadeiro Salvador de Seu povo65; Robert Peterson e Michael
Williams chamaram o arminianismo de uma doutrina idlatra 66 ; Kim
Riddlebarger disse que o arminianismo no apenas o abandono da ortodoxia
histrica, mas tambm um srio abandono do prprio evangelho67.
61 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 319. 62 Fred Phelps, The Five Points of Calvinism. The Berea Baptist Banner, 5 de fevereiro de 1990, p. 21. 63 Fred Phelps, The Five Points of Calvinism, The Berea Baptist Banner, 5 de fevereiro de 1990, p. 26. 64 ROSE, Ben Lacy. T.U.L.I.P.: The Five Disputed Points of Calvinism, 2a. ed. (Franklin: Providence House Publishers, 1996), p. 19. 65 GODFREY W. Robert. Who Was Arminius?, Modern Reformation, n. 1, 1992, p. 6. 66 PETERSON, Robert A; WILLIAMS, Michael D. Why I Am Not Arminian. Downers Grove, III.: Intervarsity Press, 2004, p. 39. 67 RIDDLEBARGER, Kim. Fire and Water, Modern Reformation, n. 1, 1992. p. 10.
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Michael Horton no fica atrs e diz que um evanglico no pode ser arminiano
mais do que um evanglico pode ser um catlico romano68; Sproul exclama
que o arminianismo faz com que a redeno seja uma obra humana69 e coloca
o arminianismo no mesmo nvel do semipelagianismo e do catolicismo
romano70, isso quando no diz que aqueles que negam o determinismo
calvinista so ateus71! Marcelo Berti disse que no h como ser cristo a no ser
que se creia no determinismo divino e na dupla predestinao calvinista72, e o
telogo e compositor de hinos Augustus Toplady declarou Wesley um no-
cristo, por ser arminiano73.
Tudo isso apenas afasta a possibilidade de dilogo entre arminianos e
calvinistas. Embora eu considere o arminianismo a posio bblica sobre a
salvao, de modo nenhum creio que algum calvinista no cristo por ser
calvinista. Infelizmente, o mesmo no pode ser dito por muitos calvinistas sobre
o arminianismo, seja por terem uma viso distorcida sobre o arminianismo
clssico ou ento por desejarem fazer uma caricatura do arminianismo para
torn-lo menos aceitvel ao pblico.
Mas de onde vem essa intolerncia? Se analisarmos a histria, veremos que ela
vem desde muito cedo. Laurence Vance, em seu livro O Outro Lado do
Calvinismo, nos fala sobre muitos acontecimentos histricos e sobre a forma
de perseguio que os arminianos antigos eram submetidos por no
concordarem com o calvinismo predominante na poca. Ele diz:
Os Estados da Holanda, em 23 de dezembro de 1610, ordenou que uma
conferncia amigvel fosse realizada entre os dois partidos em Haia em maro
do ano seguinte. Conformemente, em 11 de maro de 1611, seis remonstrantes
(como os arminianos foram chamados), incluindo Episcopius e Uytenbogaert, se
68 HORTON, Michael. Evangelical Arminians, Modern Reformation, n. 1, 1992. p. 18. 69 SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Crist: 1998, p. 102. 70 SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Crist: 1998, p. 158. 71 SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Crist: 1998, p. 16-17. 72 BERTI, Marcelo. Teologia Sistemtica, p. 50. Disponvel em: 73 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 104.
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encontraram com seis contra-remonstrantes (como os calvinistas foram
chamados), sob a liderana de Petrus Plancius e Festus Hommius (1576-1642).
Os remonstrantes pediam tolerncia para suas opinies; os contra-
remonstrantes, um snodo nacional para declararem herticas as opinies
deles74
Enquanto tudo o que os arminianos queriam era liberdade de opinio para
poderem expressar as suas crenas, os calvinistas no estavam abertos ao
dilogo. Vance aborda isso nas seguintes palavras:
Cunningham admite que os telogos que compunham o Snodo de Dort
geralmente defendiam que o magistrado civil tinha o direito de infligir
sofrimentos e penalidades como punio por heresia mas que os arminianos
defendiam tolerncia e indulgncia em relao s diferenas de opinio sobre
assuntos religiosos 75 . Assim, embora ambos remonstrantes e contra-
remonstrantes aderiam a uma aliana Igreja-Estado, os remonstrantes no
procuravam usar o Estado para punir seus oponentes76
No Snodo de Dort, havia treze remonstrantes intimados para comparecer ao
snodo, mas eles foram convocados como rus, no tinham assentos como
delegados77. Depois de Simo Episcpio esclarecer o parecer arminiano
naquele snodo, os remonstrantes foram expulsos de uma forma totalmente
amigvel:
Os delegados estrangeiros so agora da opinio de que vocs so indignos de
aparecer diante do Snodo. Vocs recusaram reconhec-lo como seu juiz legal
e sustentaram que ele seu partido contrrio; vocs fizeram tudo de acordo
com seu prprio capricho; vocs desprezaram as decises do Snodo e dos
Comissrios Polticos; vocs recusaram responder; vocs incorretamente
interpretaram as acusaes. O Snodo tratou vocs indulgentemente; mas vocs
como um dos delegados estrangeiros expressou comearam e terminaram
74 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 75 Cunningham, Theology, vol. 2, p. 381. 76 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 77 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
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com mentiras. Com este tributo ns deixaremos vocs irem. Deus preservar
sua Palavra e abenoar o Snodo. A fim de que ela no seja mais obstruda,
vocs esto despedidos! Esto dispensados, vo embora!78
Depois de serem expulsos de um snodo onde eram rus, os remonstrantes
foram presos em 1618 em outro snodo, e foram substitudos por calvinistas:
Em 1618 o caminho foi aberto para um snodo nacional. Grotius e
Oldenbarnevelt foram presos, e os magistrados remonstrantes foram
substitudos por patrocinadores dos contra-remonstrantes79
Vance ainda afirma:
No incio de julho, os treze remonstrantes foram convocados diante dos
Estados-Gerais e solicitados para retratarem e concordarem em cessar de
pregar suas doutrinas, ou serem banidos do pas80. Mais de duzentos ministros
arminianos foram ento destitudos de seus plpitos e muitos destes foram
banidos por recusar manter silncio. Uma severa teocracia calvinista foi ento
estabelecida na qual somente o calvinismo poderia ser publicamente
proclamado81. Mas felizmente, foi de curta durao, pois aps a morte do
prncipe Maurcio, em 1625, os remonstrantes conseguiram permisso para
retornar sob seu irmo e sucessor, Frederick Henry (1584-1647), e
estabelecerem igrejas e escolas por toda Holanda, com certas restries82
Portanto, a presso para tornar o calvinismo a nica doutrina aceitvel no
protestantismo no de hoje, mas remete aos primrdios. Os arminianos eram
intimidados quando no obrigados a renegarem suas crenas ou proibidos de
ensinarem publicamente e nas escolas. Com a liberdade que temos hoje, essa
presso menor, se limitando apenas ao psicolgico, quando calvinistas pintam
78 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 79 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 80 Harrison, Beginnings of Arminianism, p. 385. 81 Harrison, Beginnings of Arminianism, pp. 386-387. 82 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
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o arminianismo como se fosse a maior heresia imaginvel e como se o
calvinismo fosse a nica posio crist admissvel da salvao.
A tolerncia de Calvino
Sabemos que essa forma de intolerncia vem desde cedo, mas exatamente de
quando seria? Temos fortes indcios de que tudo remete a seu principal
pregador, o prprio Joo Calvino. Embora ele fosse um gnio, e, na minha
opinio, um dos maiores intelectuais que este mundo j viu, e muito acima da
mdia dos intelectuais de sua poca, ele tinha um forte problema em tolerar
uma posio contrria. Isso fica evidente a comear pela leitura das prprias
Institutas, a principal obra de Calvino, dividida em quatro grandes volumes.
Ele se refere aos seus oponentes, que no criam em sua doutrina, por vrios
diferentes nomes pejorativos, como dementes" 83 , porcos 84 , mentes
pervertidas85, ces virulentos que vomitam contra Deus86, inimigos da graa
de Deus 87 , inimi