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  • Lucas Banzoli

    Calvinismo ou Arminianismo

    Quem est com a razo?

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 2

    SUMR IO

    INTRODUO ......................................................................................................................... 8

    CAP.1 CALVINISMO E ARMINIANISMO ................................................................... 15

    Introduo ao Captulo .................................................................................................... 15

    A TULIP calvinista ........................................................................................................ 19

    Um calminianismo possvel? .................................................................................... 20

    Pelagianismo e Semi-Pelagianismo ................................................................................ 23

    Arminianismo Clssico .................................................................................................... 26

    Calvinismo ......................................................................................................................... 30

    Dilogo entre calvinistas e arminianos na histria ...................................................... 34

    A tolerncia de Calvino ................................................................................................ 39

    Calvino e Serveto .............................................................................................................. 42

    O calvinismo a nica posio ortodoxa? .................................................................... 47

    ltimas consideraes ...................................................................................................... 54

    CAP.2 DETERMINISMO E INDETERMINISMO ........................................................ 56

    Introduo ao Captulo .................................................................................................... 56

    O determinismo exaustivo de Calvino .......................................................................... 57

    O determinismo exaustivo em calvinistas posteriores ................................................ 71

    O problema do pecado e do mal ..................................................................................... 73

    A viso arminiana sobre a predestinao do mal ........................................................ 82

    Textos Bblicos ................................................................................................................... 30

    Um amor diferente ............................................................................................................ 98

    O problema do livre-arbtrio ......................................................................................... 105

    Textos Bblicos ................................................................................................................. 117

    Soberania sinnimo de determinismo? ..................................................................... 124

    O problema da responsabilidade humana .................................................................. 129

    A orao muda as coisas? .............................................................................................. 135

    Determinismo na Bblia? ................................................................................................ 143

    O determinismo de Jonathan Edwards ....................................................................... 158

    Atos autocausados so impossveis? ............................................................................ 161

    O determinismo de Edwards explica o mal e o pecado? .......................................... 163

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    O determinismo leve resgata a liberdade e a responsabilidade humana? ......... 170

    Textos Bblicos ................................................................................................................. 175

    Os decretos de Deus no indeterminismo ..................................................................... 178

    O indeterminismo pelos arminianos ............................................................................ 181

    O tesmo aberto necessrio? ....................................................................................... 185

    ltimas consideraes .................................................................................................... 193

    CAP.3 COMO ENTENDER A PREDESTINAO? ................................................... 194

    Introduo ao Captulo .................................................................................................. 194

    Predestinao em Calvino ............................................................................................. 195

    A predestinao em calvinistas posteriores ................................................................ 198

    Os problemas da eleio incondicional ....................................................................... 201

    Apresentando a eleio corporativa ............................................................................. 213

    Indivduos eleitos ao ministrio ................................................................................... 223

    Atos 13:48 e o grego ........................................................................................................ 228

    Atos 13:48 em seu contexto ............................................................................................ 232

    Romanos 9 ........................................................................................................................ 236

    Jac e Esa ........................................................................................................................ 240

    A misericrdia de Deus .................................................................................................. 245

    O endurecimento do Fara ............................................................................................ 249

    Os vasos de desonra ....................................................................................................... 256

    Concluso ......................................................................................................................... 262

    O Livro da Vida ............................................................................................................... 263

    Consideraes Finais ...................................................................................................... 264

    CAP.4 DEPRAVAO TOTAL E GRAA PREVENIENTE ..................................... 265

    Introduo ao Captulo .................................................................................................. 265

    O que depravao total?.............................................................................................. 265

    Textos Bblicos ................................................................................................................. 268

    Arminianos clssicos creem na depravao total? ..................................................... 271

    Qual a soluo para a depravao do homem? ....................................................... 278

    ltimas consideraes .................................................................................................... 282

    CAP.5 A GRAA IRRESISTVEL? .............................................................................. 284

    Introduo ao Captulo .................................................................................................. 284

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    A Universalidade da Graa ........................................................................................... 285

    A graa resistvel e precisa ser aceita ........................................................................ 289

    ilgico Deus chamar algum que j predestinou perdio ................................ 307

    A possibilidade de arrependimento necessria ....................................................... 309

    O amor de Deus implica em oferecer salvao a todos ............................................. 315

    Amor forado contradio de termos ....................................................................... 320

    Se a graa resistvel, a salvao por obras? ............................................................ 323

    ltimas consideraes .................................................................................................... 327

    CAP.6 MONERGISMO E SINERGISMO ..................................................................... 328

    Introduo ao Captulo .................................................................................................. 328

    O que os arminianos clssicos entendem por sinergismo? ................................... 328

    A f como um dom de Deus .......................................................................................... 331

    Textos Bblicos ................................................................................................................. 335

    ltimas consideraes .................................................................................................... 340

    CAP.7 UMA VEZ SALVO, SEMPRE SALVO? ............................................................. 341

    Introduo ao Captulo .................................................................................................. 341

    Hebreus 6:4-6 ................................................................................................................... 342

    Hebreus 10:26-31 ............................................................................................................. 345

    Joo 15:1-7 ........................................................................................................................ 348

    1 Corntios 9:27 ............................................................................................................... 351

    Tiago 5:19-20 .................................................................................................................... 355

    2 Pedro 2:20-22 ............................................................................................................... 356

    Mateus 24:24 .................................................................................................................... 359

    Mateus 5:13/Marcos 9:50 ................................................................................................ 360

    Romanos 11:17-23 ........................................................................................................... 362

    Glatas 5:7 ........................................................................................................................ 363

    2 Corntios 6:1 ................................................................................................................. 363

    Hebreus 2:1-3 ................................................................................................................... 364

    1 Tessalonicenses 5:19 ................................................................................................... 364

    2 Pedro 3:17 .................................................................................................................... 365

    2 Pedro 2:1 ...................................................................................................................... 366

    Hebreus 3:7-14 ................................................................................................................. 367

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    Caindo da graa .............................................................................................................. 369

    O naufrgio ...................................................................................................................... 372

    A apostasia ....................................................................................................................... 373

    As igrejas do Apocalipse ................................................................................................ 375

    A perseverana condicional ........................................................................................ 377

    O Livro da Vida ............................................................................................................... 379

    Analisando os textos calvinistas ............................................................................... 381

    A perda da salvao implica em salvao pelas obras? ............................................ 392

    ltimas consideraes .................................................................................................... 394

    CAP.8 EXPIAO: LIMITADA OU ILIMITADA? ..................................................... 396

    Introduo ao Captulo .................................................................................................. 396

    Calvino contra a expiao limitada .............................................................................. 398

    Um amor limitado........................................................................................................... 401

    Analisando os textos calvinistas ............................................................................... 410

    Joo 3:16 e o mundo .................................................................................................... 412

    Todos no so todos? ..................................................................................................... 417

    2 Pedro 2:1 ...................................................................................................................... 419

    1 Timteo 4:10 ................................................................................................................ 420

    2 Pedro 3:9 ...................................................................................................................... 421

    1 Timteo 2:4 .................................................................................................................. 422

    1 Corntios 8:11 ............................................................................................................... 424

    2 Corntios 5:14-15 ......................................................................................................... 427

    1 Joo 2:2 ......................................................................................................................... 427

    Romanos 5 ........................................................................................................................ 428

    Romanos 11:32 ................................................................................................................. 431

    Mateus 18:14 .................................................................................................................... 431

    Joo 5:34 ............................................................................................................................ 432

    Joo 11:42 .......................................................................................................................... 432

    Refutando objees ......................................................................................................... 433

    ltimas consideraes .................................................................................................... 437

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 438

    APNDICE 1 O LIVRE-ARBTRIO INJUSTO? ........................................................ 440

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    APNDICE 2 O LIVRE-ARBTRIO NOS PAIS DA IGREJA .................................... 447

    Agostinho jovem (354-430) ........................................................................................ 447

    Teodoreto (393-466) ........................................................................................................ 447

    Eusbio de Cesareia (265-339) ....................................................................................... 448

    Atansio de Alexandria (295-373) ................................................................................. 448

    Hilrio de Poitiers (300-368) .......................................................................................... 449

    Joo Crisstomo (347-407) ............................................................................................. 449

    Ambrsio de Milo (340-397) ........................................................................................ 450

    Jernimo (347-420) .......................................................................................................... 451

    Orgenes de Alexandria (185-253) ................................................................................ 452

    Metdio de Olimpos (311) ........................................................................................... 452

    Arquelau de Atenas (Sc.V) ........................................................................................... 452

    Arnbio de Sicca (330) .................................................................................................. 453

    Cirilo de Jerusalm (313-386) ........................................................................................ 453

    Baslio Magno (329-379) ................................................................................................. 454

    Gregrio de Nissa (330-395) .......................................................................................... 455

    Iriney de Lyon (130-202) ................................................................................................ 455

    Atengoras de Atenas (133-190) ................................................................................... 456

    Telo de Antioquia (186) ........................................................................................... 456

    Taciano, o Srio (120-180) ............................................................................................... 457

    Bardesano da Sria (154-222) ......................................................................................... 457

    Clemente de Alexandria (150-215) ............................................................................... 457

    Clemente de Roma (35-97) ............................................................................................. 458

    Tertuliano (160-220) ........................................................................................................ 458

    Novaciano de Roma (258) ............................................................................................ 459

    Justino de Roma (100-165) ............................................................................................. 459

    Didaqu (Sc.I) ................................................................................................................ 460

    Snodo de Arles Proposies Condenadas (473) ..................................................... 461

    Snodo de Orange (529) .................................................................................................. 461

    Conclio de Kiersy (853) ................................................................................................. 462

    Conclio de Valena (855) ............................................................................................... 462

    Concluso ......................................................................................................................... 462

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    A graa de Deus livre em todos e livre para todos (JOHN WESLEY)

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 8

    INTRODUO

    No se opor ao erro aprov-lo, no

    defender a verdade neg-la (TOMS DE

    AQUINO)

    Eu sempre fui ensinado, desde criana, que o calvinismo era um erro teolgico.

    Mas isso foi s at a poca em que eu passei a estudar melhor o assunto.

    Depois que comecei a ler os escritos de Calvino, descobri que eu estava

    enganado. No, o calvinismo no era apenas um erro teolgico: era um ensino

    terrvel e assombroso, como o prprio Calvino admitiu, quando disse:

    certamente confesso ser esse um decretum horribile1.

    Por que Calvino chamou sua doutrina do decreto divino de horrvel ou

    espantosa? Porque ele sabia que, se levada s suas consequencias irredutveis,

    sua doutrina transformaria Deus em um mostro moral que predestina todos os

    acontecimentos malficos da humanidade, que faz dos seres humanos

    marionetes nas mos de um Criador que faz acepo de pessoas, que s ama os

    eleitos e que no deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao

    conhecimento da verdade.

    Um deus que predestina alguns para a salvao e outros para um tormento

    eterno. Que criou seres pr-ordenados a sofrerem eternamente. Que criou o

    mal e que ordenou o pecado. Que determinou cada evento que aconteceria

    neste planeta, inclusive esposas que seriam espancadas por seus maridos,

    crianas estupradas por pedfilos, genocdios, Holocausto, tortura, assassinato.

    Um deus que, como disse Olson, s pode ser temido e mal pode ser

    diferenciado do diabo2. E o pior: que faz tudo isso para a sua glria!

    Como disse Dave Hunt:

    1 Institutas, 3.23.7. 2 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 142.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 9

    Todos os argumentos dos calvinistas possuem um propsito: provar que Deus

    no ama a todos, isto , provar que Cristo no morreu por todos, provar que

    Deus no bondoso com todos. E que, na verdade, Ele se agrada em mandar

    multides para o inferno. Que amor este?3

    Alm disso, a teologia calvinista nos leva a outros problemas. Por exemplo: por

    que eu oraria para um descrente ser salvo? Se ele foi predestinado por Deus

    para ser salvo (e essa predestinao fatalista e a graa irresistvel), ento no

    h qualquer necessidade de eu orar para que esse descrente seja salvo, pois ele

    ser salvo de qualquer jeito. Mas, se ele no foi predestinado (o que significa

    que ele foi predestinado para a perdio), ento qualquer orao que eu faa

    por ele ser completamente intil, pois ele j estaria pr-ordenado para ir para

    o inferno e no haveria nada que algum pudesse fazer para reverter isso. Ou

    seja: a orao seria intil de um jeito ou de outro.

    A mesma coisa se aplica a misses: para que sair daqui para pregar o evangelho

    na frica ou na sia em pases perseguidos se aqueles que foram predestinados

    sero salvos de qualquer jeito? E, se no foram predestinados, no ser a minha

    pregao que ir mudar isso. Ou seja: a orao e a pregao seriam

    completamente inteis, sem sentido lgico de existir de acordo com o

    mtodo calvinista.

    Por outro lado, se Deus no determinou tudo o que ir acontecer embora

    saiba tudo o que ir ocorrer , ento a orao e evangelizao so

    absolutamente necessrias. Ento vidas podem ser salvas se orarmos, e perder-

    se pela falta de orao. Ento almas podem ser ganhas para Cristo se formos

    pregar onde Cristo no pregado vidas essas que poderiam no ser salvas se

    no fssemos pregar. Isso d sentido vida crist. Faz com que a prtica do

    evangelho no seja algo intil e sem razo de ser. Ou, para ser mais claro, isso

    ser arminiano.

    3 David Hunt. Que amor este? A falsa representao de Deus no calvinismo. Parte 1/2. Disponvel em:

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 10

    Calvinistas admitem tudo isso? Nem todos. Eles disfaram isso em meio sua

    teologia, mascarada sob o nome de soberania divina. Assim, eles pretendem

    dizer que todos aqueles que no creem no calvinismo no creem na soberania

    de Deus ou na graa soberana. Fazem verdadeiros espantalhos da teologia

    arminiana 4 , comparando-a ao pelagianismo, ao semipelagianismo e ao

    romanismo5. Tudo isso para encobrir as concluses que se chegam atravs de

    sua prpria teologia.

    Como disse Jerry Walls:

    O debate entre calvinismo e arminianismo no tem sua nfase na liberdade,

    mas na bondade de Deus. O arminiano defende, em primeiro lugar, no a

    liberdade humana, mas a bondade divina, que o calvinista parece afogar em

    nome da soberania6

    Aqui um calvinista poderia alegar: Mas voc est fazendo um espantalho da

    doutrina calvinista. Ela no ensina isso!. De fato, muitos calvinistas, quando

    refutados por arminianos, se defendem dizendo que o calvinismo no ensina

    isso. Em um debate televisivo, o pastor presbiteriano Welerson Alves Duarte

    disse: Muitas crticas e argumentos que ns ouvimos contra o calvinismo, na

    verdade no tratam de calvinismo. Um espantalho criado e conceitos que

    nenhum calvinista defende so apresentados como se fosse calvinismo, e ento

    fica fcil argumentar contra a outra parte7.

    4 Um espantalho quando se pretende refutar uma tese contrria pervertendo aquilo que realmente ensinado pela oposio. Por exemplo: o arminianismo cr na soberania de Deus, mas um calvinista afirma que os arminianos no creem na soberania divina e, em seguida, passa a provar biblicamente que Deus soberano. Ele no est refutando a verdadeira teologia arminiana, mas est batendo em um espantalho montado por ele mesmo, j que os arminianos creem na soberania divina, e, portanto, argumentar em favor dela no refuta nada da verdadeira teologia arminiana. 5 Iremos abordar estes conceitos com mais profundidade no captulo seguinte do livro. 6 Jerry L. Walls. Jerry Walls on Reformation, Free-will and Philosophy. Disponvel em: . Acesso em: 09/01/2014. 7 Pr. Welerson Alves Duarte. Se a predestinao calvinista no correta, como entender Romanos 9? Disponvel em: . Acesso em: 09/01/2014.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 11

    Para evitar que um calvinista use tal argumento contra este livro, dizendo que

    certa afirmao no representa o que crido no calvinismo, farei questo de

    expor mais de duas centenas de citaes de Calvino e outras centenas de

    citaes de outros autores calvinistas famosos ao longo de todo o livro.

    Uma anlise meticulosa nos escritos de Calvino nos mostra claramente que ele

    era muito mais calvinista do que se imagina, e que os calvinistas extremados

    tm razo em se dizerem os verdadeiros seguidores da sua doutrina. Embora

    muitos hoje tentem suavizar os ensinos de Calvino, o prprio Calvino no

    suavizou sua doutrina nem um pouco, mas foi bem aberto em dizer, por

    exemplo, que o assassino mata os inocentes por um decreto de Deus:

    Imaginemos, por exemplo, um mercador que, havendo entrado em uma zona

    de mata com um grupo de homens de confiana, imprudentemente se desgarre

    dos companheiros, em seu prprio divagar seja levado a um covil de

    salteadores, caia nas mos dos ladres, tenha o pescoo cortado. Sua morte

    fora no meramente antevista pelo olho de Deus, mas, alm disso,

    estabelecida por seu decreto8

    Ou ento que Deus deseja os roubos, os adultrios e os homicdios:

    Mas, replicaro, a no ser que ele quisesse os roubos, os adultrios e os

    homicdios, no o haveramos de fazer. Concordo. Entretanto, porventura

    fazemos as coisas ms com este propsito, ou, seja, que lhe prestemos

    obedincia? Com efeito, de maneira alguma Deus no no-las ordena; antes,

    pelo contrrio, a elas nos arremetemos, nem mesmo cogitando se ele o queira,

    mas de nosso desejo incontido, a fremir to desenfreadamente, que de intento

    deliberado lutamos contra ele9

    Ou ento que o nico motivo pelo qual os crimes acontecem pela

    administrao de Deus, e que os prprios homicidas e malfeitores so meros

    instrumentos nas mos de Deus para praticar tais atos horrendos:

    8 Institutas, 1.16.9. 9 Institutas, 1.17.5.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 12

    Os crimes no so cometidos seno pela administrao de Deus. E eu

    concedo mais: os ladres e os homicidas, e os demais malfeitores, so

    instrumentos da divina providncia, dos quais o prprio Senhor se utiliza para

    executar os juzos que ele mesmo determinou. Nego, no entanto, que da se

    deva permitir-lhes qualquer escusa por seus maus feitos10

    Ou ento que Deus lana os infantes a uma morte eterna por causa de um

    decreto horrvel, porque assim lhe pareceu bem:

    De novo, pergunto: donde vem que tanta gente, juntamente com seus filhos

    infantes, a queda de Ado lanasse, sem remdio, morte eterna, a no ser

    porque a Deus assim pareceu bem? Aqui importa que suas lnguas

    emudeam, de outro modo to loquazes. Certamente confesso ser esse um

    decretum horribile. Entretanto, ningum poder negar que Deus j sabia qual

    fim o homem haveria de ter, antes que o criasse, e que ele sabia de antemo

    porque assim ordenara por seu decreto11

    Ou ento que Deus no s permite, mas incita os mpios s maldades contra

    ns:

    A suma vem a ser isto: que, feridos injustamente pelos homens, posta de parte

    sua iniqidade, que nada faria seno exasperar-nos a dor e acicatar-nos o

    nimo vingana, nos lembremos de elevar-nos a Deus e aprendamos a ter por

    certo que foi, por sua justa adminitrao, no s permitido, mas at

    inculcado, tudo quanto o inimigo impiamente intentou contra ns12

    Ou ento que o pecado dos mpios provm de Deus:

    10 Institutas, 1.17.5. 11 Institutas, 3.23.7. 12 Institutas, 1.17.8.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 13

    Que os maus pequem, isso eles fazem por natureza; porm que ao pecarem,

    ou faam isto ou aquilo, isso provm do poder de Deus, que divide as trevas

    conforme lhe apraz13

    Ou ento que a prpria Queda de Ado foi preordenada por Deus:

    A Queda de Ado foi preordenada por Deus, e da a perdio dos rprobos e

    de sua linhagem14

    Ou ento que essa Queda e a condio depravada do ser humano ocorreram

    pela vontade de Deus:

    Quando perecem em sua corrupo, outra coisa no esto pagando seno as

    penas de sua misria, na qual, por sua predestinao, Ado caiu e arrastou com

    ele toda sua prognie. Deus, pois, no ser injusto, que to cruelmente

    escarnece de suas criaturas? Sem dvida confesso que foi pela vontade de

    Deus que todos os filhos de Ado nesta miservel condio em que ora se

    acham enredilhados15

    Ou ento que o homem caiu (no pecado) porque Deus assim achou

    conveniente:

    Alm disso, sua perdio de tal maneira pende da predestinao divina, que ao

    mesmo tempo h de haver neles a causa e a matria dela. O primeiro homem,

    pois, caiu porque o Senhor assim julgara ser conveniente. Por que ele assim

    o julgou nos oculto16

    Se voc no concorda com esses ensinos absolutamente repudiveis, voc pode

    ser qualquer coisa, menos um calvinista ainda que pense que um17. Pois o

    13 Institutas, 2.4.4. 14 Institutas, 3.23.7. 15 Institutas, 3.23.4. 16 Institutas, 3.23.8. 17 Essas so apenas algumas citaes de um todo muito maior que iremos passar ao longo de todo este livro. Elas nos mostram que Calvino no tinha qualquer receio em dizer abertamente aquelas coisas que seus seguidores calvinistas de nossos dias dizem que so espantalhos,

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 14

    que Calvino afirmou so concluses inevitveis dos pressupostos calvinistas, dos

    quais dependem toda a doutrina. Mas, se voc concorda com o que Calvino

    disse nas linhas acima, convido-lhe a prosseguir na leitura deste livro, onde

    estes e outros ensinos sero derrubados por argumentos lgicos e

    Escritursticos.

    Finalmente, o maior objetivo, para deixar claro desde o incio, no defender o

    arminianismo embora o arminianismo seja a doutrina bblica sobre a salvao

    mas resgatar os princpios morais sobre um Deus cheio de amor, graa,

    misericrdia, justia, retido e compaixo por todos os homens sentidos esses

    abandonados por um calvinismo ansioso em apresentar Deus aos perdidos

    como algum que s os ama se eles estiverem no rol dos eleitos, e se no

    tiverem essa sorte sero lanados para sempre em um inferno eterno, no

    tendo nada a fazer contra isso, pois para isso j foram pr-ordenados desde

    antes da fundao do mundo.

    Tudo isso nos mostrar que o calvinismo, de fato, no isso que mostram por

    a muito pior.

    porque, em muitos casos, eles mesmos se escandalizam com a teologia do verdadeiro Calvino, pois sabem que absurda se levada a srio.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 15

    CAP.1 CALVINISMO E ARMINIANISMO

    Que ningum esbraveje contra o arminianismo

    a menos que saiba o que ele significa

    (JOHN WESLEY)

    Introduo ao Captulo

    Em termos simples, o calvinismo cr que Deus elegeu algumas pessoas para

    irem para o Cu e outras para o inferno, ou seja, predestinou uns para a

    salvao e outros para a perdio, enquanto o arminianismo cr que a salvao

    parte de Deus, que estende sua graa ao homem perdido, mas que o pecador

    pode aceitar ou rejeitar o convite divino18.

    Mas tanto o calvinismo como o arminianismo so bem mais que isso. O

    calvinismo, como o prprio nome indica, foi sistematizado por Joo Calvino

    (1509-1564), um grande pregador e telogo francs, um dos principais

    Reformadores junto a Lutero, Zwnglio e Knox. Calvino restaurou o pensamento

    de Agostinho (354-430), que defendeu as teses de determinismo e

    predestinao fatalista contra Pelgio (350-423)19.

    Jac Armnio (1560-1609), por outro lado, foi um dos maiores pregadores da

    doutrina que leva o seu nome, sendo tambm reconhecido como um telogo

    neerlands proeminente de sua poca, enfatizando a doutrina do amor de Deus

    por todos e da expiao universal, que foi pregada por todos os Pais da Igreja

    que viveram antes de Agostinho e pela grande maioria dos telogos que

    viveram depois dele at a Reforma. Pelo fato de Armnio ser da gerao

    18 ZGARI, Maurcio. Sete enigmas e um tesouro. Editora Anno Domini: 2013, p. 98. 19 Calvino foi provavelmente o maior f de Agostinho que este mundo j viu. Ele citou Agostinho de forma direta nas Institutas mais de quatrocentas vezes. Como Laurence Vance bem observa, ningum consegue ler cinco pginas nas Institutas de Calvino sem ver o nome de Agostinho. O prprio Calvino revela sua ligao com Agostinho nas seguintes palavras: Agostinho est to ligado a mim que, se eu quisesse escrever uma confisso de minha f, eu poderia assim fazer com toda a plenitude e satisfao a mim mesmo de seus escritos (A Treatise on the Eternal Predestination of God, p. 38).

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 16

    posterior a Calvino, no houve debate direto entre os dois, mas o que faltou

    entre eles sobrou nos sculos que se seguiram, se tornando o tema mais

    disputado entre os cristos evanglicos at os dias atuais.

    Infelizmente, h muitas distores da verdadeira teologia arminiana sendo feita.

    Muitos conhecem Calvino, mas poucos conhecem Armnio. Muitos conhecem o

    calvinismo, mas poucos conhecem o arminianismo. mais fcil algum pensar

    que arminianismo tem alguma relao com a Armnia do que com Armnio.

    Consequentemente, distores grotescas do ensino arminiano tem sido feitas

    por leigos e telogos nestes cinco sculos.

    Poucos calvinistas j leram alguma obra de Armnio, e seus ataques teologia

    arminiana so quase sempre em segunda mo, atacando conceitos falsos

    criados por pseudos-arminianos, ao invs de refutar precisamente aquilo que

    foi crido e ensinado por Armnio. interessante notar que os livros calvinistas

    em geral quase nunca citam uma obra de Armnio ou fazem alguma citao

    direta de um remonstrante20. Pouqussimos interagem com autores arminianos

    renomados, e quase sempre a defesa do calvinismo se fundamenta em bases

    falsas, atacando um espantalho ao invs de lidar com aquilo que o

    arminianismo verdadeiro.

    uma pena, mas muitos calvinistas ainda pensam que o arminianismo clssico

    nega a depravao total e o pecado original, apregoa que o homem cado pode

    iniciar a salvao ou que no cr em predestinao, eleio ou na soberania

    divina. Dilemas falsos, tais como predestinao vs livre-arbtrio e soberania

    divina vs responsabilidade humana tem sido feitos como se um lado

    (calvinismo) cresse no primeiro e o outro lado (arminianismo) cresse no

    segundo, quando, na verdade, arminianos clssicos creem em ambos.

    Esta ignorncia quanto ao verdadeiro arminianismo, que ser chamado neste

    livro de arminianismo clssico (em contraste ao arminianismo popular, que

    ser explicado mais adiante), no est presente apenas em leigos, mas at

    mesmo em muitos dos mais proeminentes telogos calvinistas na histria. O

    20 Remonstrantes era o nome dado aos discpulos de Armnio.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 17

    grande Charles Spurgeon, conhecido como o prncipe dos pregadores e auto-

    denominado calvinista, chegou a dizer em uma de suas pregaes que se

    tornou calvinista aps crer que ele no poderia iniciar sua salvao sem que

    Deus o tivesse buscado primeiro:

    Lembro-me que quando me converti, eu era um arminiano completo. Pensei

    que eu mesmo havia comeado a boa obra e costumava me sentar e pensar:

    Bem, busquei o Senhor por quatro anos antes de encontr-lo, e acho que

    comecei a me elogiar porque havia clamado por Ele insistentemente em meio a

    muito desnimo! Mas um dia me ocorreu um pensamento: O que me levou a

    buscar a Deus?, e num instante a resposta veio de minha alma: Por qu? Por

    que Ele me conduziu a isto! Primeiro deve ter me mostrado minha necessidade

    Dele, seno eu nunca O teria buscado! Deve ter me mostrado Sua preciosidade,

    ou eu nunca teria achado que vale a pena busc-Lo. Ento de uma vez

    enxerguei com a maior clareza possvel as Doutrinas da Graa. Deus deve

    comear!21

    Spurgeon tinha uma viso distorcida do verdadeiro arminianismo. Ele lidava

    com o arminianismo popular, que uma distoro do arminianismo clssico,

    crendo, por conseguinte, que os arminianos ensinam que o homem comea a

    boa obra e inicia a salvao. Contra esse arminianismo popular de sua poca ele

    foi para o outro extremo o calvinismo, que lhe parecia ser a nica opo que

    ensinava o contrrio.

    Na verdade, todos os arminianos clssicos creem e defendem que Deus que

    inicia a salvao, que sem a graa divina ningum poderia buscar ou aceit-lo,

    que ningum pode se elogiar ou se orgulhar de algo que fruto inteiramente

    da graa de Deus e que sem Ele ns nunca o teramos buscado. Se Spurgeon

    entendesse que o verdadeiro arminianismo no era nada daquilo que ele

    pensava que era, provavelmente no teria nenhuma razo para se tornar

    21 SPURGEON, Charles H, Sermo sobre: A Soberana Graa de Deus e a Responsabilidade do Homem.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 18

    calvinista apenas iria abandonar o arminianismo popular, o qual eu tambm

    rejeito, assim como todos os arminianos clssicos22.

    Infelizmente o mesmo ocorre nos dias de hoje. Muitos grandes telogos atuais

    preferem se auto-denominar calvinistas mesmo sendo arminianos na prtica,

    porque possuem um conceito equivocado do que vem a ser arminianismo.

    Norman Geisler, por exemplo, que provavelmente o apologista mais

    respeitado na atualidade, rejeita quatro dos cinco pontos da TULIP calvinista,

    mas mesmo assim prefere se intitular calvinista moderado do que

    arminiano23. Em seu livro mais famoso sobre o tema, ele faz uma confisso

    impressionante:

    A idia de Calvino foi contraposta por Armnio e tem sido rejeitada por todos

    os calvinistas moderados24

    Mas se os calvinistas moderados (como Geisler) aceitam Armnio e rejeitam

    Calvino, por que ainda insistem em se rotularem calvinistas e no

    arminianos? No h nenhuma razo lgica, a no ser pelo preconceito que

    possuem ao termo arminianismo, tendo em mente no o arminianismo

    clssico, mas o popular, que distorce muitos pontos ensinados por Armnio.

    Contra esse tipo de arminianismo, e no contra o verdadeiro arminianismo,

    muitos telogos tem se intitulado calvinistas, ainda que sejam totalmente

    arminianos em seu ensino. Talvez o leitor que se cr calvinista se identifique

    arminiano ao fim desta leitura, aps se deparar com o verdadeiro calvinismo

    (o de Calvino) e com o verdadeiro arminianismo (o de Armnio).

    22 Spurgeon, como veremos em vrias citaes ao longo deste livro, cria em uma srie de aspectos arminianos que so rejeitados pelos calvinistas, tais como que Deus deseja a salvao de todos os homens, que o todos de 1 Timteo 2:4 eram todos mesmo e no apenas os eleitos, em Deus estendendo (oferecendo) Sua graa aos pecadores (no-eleitos) e em outros conceitos tipicamente arminianos, que eram rejeitados por Calvino ou pela maioria dos calvinistas posteriores. 23 Geisler no cr na depravao total e ensina a expiao universal, a graa resistvel e a eleio condicional. Ele fala sobre isso em seu livro: Eleitos, mas Livres. 24 GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleio divina e o livre-arbtrio. Editora Vida: 2001, p. 275.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 19

    A TULIP calvinista

    TULIP um acrstico que significa:

    Total Depravity (Depravao Total)

    Unconditional Election (Eleio Incondicional)

    Limited Atonement (Expiao Limitada)

    Irresistible Grace (Graa Irresistvel)

    Perseverance of the Saints (Perseverana dos Santos)

    Esses so os cinco pontos considerados mais importantes dentro do sistema

    calvinista, ainda que o calvinismo em si seja mais do que apenas isso. Eles so

    um sistema fechado, o que significa que os pontos permanecem ou caem

    juntos. O que passa disso petio de princpio ou non sequitur. Isso

    reconhecido pelos prprios calvinistas, como Boettner, que disse:

    Prove que qualquer um destes pontos seja falso e o sistema como um todo

    precisa ser abandonado25

    Engelsma tambm observa:

    Negue esta doutrina, e todo o sistema calvinista demolido26

    Geisler igualmente discerne que, se um ponto rejeitado, logicamente todos

    sero27. Isso porque, do ponto 2 ao 5, uma coisa leva outra. Calvinistas e

    arminianos clssicos creem na depravao total, mas tem uma viso diferente

    sobre como Deus resolve esse problema. Para os calvinistas, a soluo uma

    graa irresistvel que atua somente nos eleitos. Para os arminianos, a soluo

    uma graa preveniente universal, que pode ser aceita ou rejeitada pelo ser

    humano.

    25 Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p. 59. 26 Engelsma, Confessional Calvinism, p. 103. 27 GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleio divina e o livre-arbtrio. Editora Vida: 2001, p. 64.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 20

    Consequentemente, os calvinistas creem em uma eleio individual

    incondicional, onde certas pessoas (os eleitos) tm que ser salvas e outras

    pessoas (os no-eleitos) tm que ser condenadas. Como os arminianos no

    creem em uma predestinao individual incondicional, e sim que a salvao est

    disponvel a todos, a eleio condicional f em Jesus, significando que todos

    os que creem fazem parte do grupo corporativo de eleitos a Igreja.

    Em consequencia do fato de que apenas os eleitos podem ser salvos e os

    demais j foram predestinados perdio, os calvinistas tem que crer em uma

    expiao limitada, isto , que Jesus s morreu pelos eleitos. E como os

    arminianos creem que a salvao est disponvel a todos, Cristo morreu por

    todos.

    Por fim, se a eleio incondicional e tudo s depende de Deus, ento ningum

    que uma vez foi salvo pode cair da f e apostatar. Os arminianos, ao contrrio,

    creem que a apostasia possvel porque a graa de Deus no irresistvel, e o

    homem pode rejeit-la a qualquer momento. Como vemos, os ltimos quatro

    pontos do calvinismo ficam de p ou caem juntos. Refutando ou descrendo em

    um dos pontos do acrstico, os outros caem igualmente por um non sequitur28.

    Um calminianismo possvel?

    Uma moda recente, inventada por muitos pregadores que querem se manter

    afastados da polmica entre calvinismo e arminianismo dizer que no nem

    calvinista nem arminiano. Palavras de efeito, mas sem nenhum significado real,

    tais como: no sou nem calvinista nem arminiano, eu sigo a Bblia e no sigo

    Calvino nem Armnio, eu sigo a Cristo tem sido ditas no objetivo de se afastar

    do debate e tentar safisfazer ambos os lados.

    Ainda outros, tentando conciliar as duas doutrinas para ser simpatizante de

    ambos, se auto-rotulam como calminianos (o que seria uma mistura de

    calvinismo e arminianismo), afirmando que os dois sistemas so bblicos, como

    28 Non sequitur quando a concluso no segue s premissas.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 21

    se a verdade fosse relativa ou a Bblia fosse contraditria e afirmasse doutrinas

    mutuamente excludentes como mutuamente verdadeiras.

    Primeiramente, necessrio esclarecer que simplesmente impossvel uma

    mistura de calvinismo com arminianismo. A razo simples: ou a eleio

    condicional ou incondicional; ou a graa resistvel ou irresistvel; ou o livre-

    arbtrio existe ou ele no existe; ou Deus determina tudo ou Ele no determina

    tudo; ou Cristo morreu por todos ou ele no morreu por todos; ou uma vez

    salvo est salvo para sempre ou possvel perder a salvao.

    impossvel, para qualquer pessoa que queira manter o mnimo de

    consistncia, afirmar ambas as doutrinas como sendo completamentares e no

    como sendo excludentes. uma coisa ou outra, no pode haver um meio-

    termo. Isso reconhecido tanto por calvinistas como por arminianos. Spurgeon

    mesmo reconhecia que no h nada entre eles seno uma vastido estril29, e

    William Shedd disse que somente estes dois esquemas gerais de doutrina

    crist so logicamente possveis30. como disse Boettner:

    Deve ser evidente que h apenas duas teorias que podem ser mantidas pelos

    cristos evanglicos sobre este importante tema; que todos os homens que tm

    feito qualquer estudo dele, e que tm alcanado toda as concluses

    estabelecidas sobre isto, deve ser ou calvinistas ou arminianos. No h

    nenhuma outra posio que um cristo pode tomar31

    O arminiano Roger Olson tambm comenta:

    Apesar dos pontos comuns, o calvinismo e o arminianismo so sistemas de

    teologia crist incompatveis; no h um meio termo estvel entre eles nas

    questes determinantes para ambos32

    29 SPURGEON, Charles H, citado em Good, Calvinists, p. 63. 30 William G. T. Shedd, Calvinism: Pure and Mixed (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1986), p. 149. 31 Predestination, p. 333. 32 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 80.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 22

    Portanto, a no ser que voc seja um humanista secular relativista e

    inconsistente, que cr em duas coisas contraditrias como sendo verdadeiras ao

    mesmo tempo, no pode afirmar que meio calvinista e meio arminiano. Ou

    voc calvinista, ou voc arminiano. Como vimos anteriormente, os cinco

    pontos so um sistema fechado, onde toda a doutrina cai ou permanece de p,

    como em um domin. Se um ponto do calvinismo est errado, todos os outros

    esto.

    Por mais que palavras de efeito e sem sentido sejam utilizadas hoje em dia por

    pregadores que querem se parecer mais cristos se no se rotularem de

    arminiano nem calvinista, no final das contas ele sempre ou calvinista ou

    arminiano, se ele tem mesmo alguma opinio formada. Ele nunca realmente

    um meio-termo, a no ser que seja inconsistente. O pastor Ciro Sanches, por

    exemplo, gosta de dizer que no arminiano nem calvinista. Ele diz que segue

    s a Bblia. Mas a teologia dele inteiramente arminiana em todos os detalhes.

    Seria mais honesto, e melhor para a comunidade arminiana no Brasil, que ele

    simplesmente admitisse que um arminiano. Ele, assim como outros

    pregadores, so arminianos mesmo que escondam isso, da mesma forma que

    existem calvinistas que evitam se intitularem calvinistas, mas em ambos os casos

    a doutrina que ensinada por tais pregadores exatamente a mesma daqueles

    que se intitulam calvinistas ou arminianos de forma aberta.

    No muda absolutamente nada em termos de doutrina, muda apenas o

    discurso. Dizer que no sou nem calvinista nem arminiano parece um discurso

    bonito, parece mais bblico, mas se perguntar para essa pessoa o que ela cr

    ela sempre ir responder algo que seja plenamente compatvel ou com o

    calvinismo ou com o arminianismo, embora evite o rtulo.

    Portanto, tais frases de efeito so inteis e completamente superficiais. lgico

    que um dos pontos bblico e o outro no. Se o calvinismo verdadeiro, o

    arminianismo falso; da mesma forma, se o arminianismo verdadeiro, o

    calvinismo falso. A Bblia ensina um e no ensina outro. A razo ensina um e

    no ensina outro. A moral ensina um e no ensina outro. No h como escapar

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 23

    disso, por mais que se tente evitar. De fato, tais pregadores que no se intitulam

    nem calvinistas nem arminianos s podem ser uma coisa: inconsistentes.

    Pelagianismo e Semi-Pelagianismo

    Antes de estudarmos mais a fundo o que os arminianos clssicos acreditam,

    ser necessrio explicar um pouco sobre o que os arminianos no acreditam,

    mas que frequentemente colocado na conta deles por pessoas ignorantes ou

    simplesmente mal intencionadas. Como Olson observa, identificaram o

    arminianismo com o arianismo, o socianismo, o pelagianismo, o

    semipelagianismo, o humanismo e a teologia liberal33, e as distores e

    informaes incorretas que so ditas sobre o arminianismo na literatura

    teolgica no so nada menos que apavorantes34.

    Os crticos calvinistas, na tentativa de passarem uma caricatura da doutrina

    arminiana para afastarem as pessoas do arminianismo e mant-las aliceradas

    no calvinismo, inventam verdadeiras loucuras sobre a teologia arminiana, dentre

    as quais se destaca a acusao de que os arminianos so semipelagianos, ou at

    mesmo pelagianos. O pelagianismo veio de Pelgio (350-423), que foi

    condenado por heresia por ter ensinado que o homem pode iniciar a salvao e

    por negar o pecado original.

    Nas palavras de Godfrey, Pelgio insistia que a vontade do homem era to livre

    que lhe era possvel ser salvo unicamente atravs de suas prprias habilidades

    naturais35. Obviamente, nenhum arminiano clssico cr nisso. Arminianos

    clssicos creem no pecado original, na depravao total, na necessidade e

    dependncia total da graa e que s Deus pode iniciar a salvao. Armnio,

    como veremos mais adiante, foi verdadeiramente enftico em negar o livre-

    arbtrio espiritual parte da graa preveniente. Sobre a negao de Pelgio da

    depravao herdada, Calvino comentou:

    33 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 103. 34 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 51. 35 GODFREY, W. Robert. Who Was Arminius?, Modern Reformation, n. 1, 1992, p. 7.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 24

    Esta relutncia no pde impedir que Pelgio entrasse em cena, cuja profana

    inveno foi haver Ado pecado to-somente para seu prprio dano, e que aos

    descendentes nada afetou36

    Olson diferencia o pelagianismo de sua forma suavizada, o semipelagianismo,

    dizendo:

    "O pelagianismo nega o pecado original e eleva as habilidades humanas morais

    e naturais para viver vidas espiritualmente completas. O semipelagianismo

    abraa uma verso modificada do pecado original, mas acredita que os

    humanos tm a habilidade, mesmo em seu estado cado, de iniciar a salvao

    ao exercer uma boa vontade para com Deus37

    Em outras palavras, pelagianismo e semipelagianismo no tm absolutamente

    ligao alguma com o verdadeiro arminianismo. Os acusadores afirmam isso

    apenas para acrescentarem insulto injria. Embora alguns tenham sido

    enganados pelo arminianismo popular e neguem a depravao total (ou deem

    uma nfase demasiada ao livre-arbtrio humano), Armnio e os arminianos

    clssicos afirmam repetidamente que o ser humano totalmente depravado e

    no pode iniciar nenhuma salvao, e que a graa precisa primeiro ser

    derramada para ento o livre-arbtrio espiritual ser restaurado para que a

    pessoa possa aceitar ou rejeitar a graa divina.

    Ele disse:

    O livre-arbtrio incapaz de iniciar ou de aperfeioar qualquer verdade ou bem

    espiritual sem a graa. Que no digam a meu respeito, como dizem de Pelgio,

    que pratico uma iluso em relao palavra graa, o que quero dizer com isso

    que a graa de Cristo e que pertence regenerao (...) Confesso que a

    mente de um homem carnal e natural obscura e sombria, que suas afeies

    36 Institutas, 2.1.5. 37 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 24.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 25

    so corruptas e excessivas, que sua vontade obstinada e desobediente, e que

    o homem est morto em pecados38

    O arminiano William Pope acrescenta:

    Nenhuma habilidade permanece no homem para voltar-se a Deus; e esta

    declarao concede e vindica o mago do pecado original como interno. O

    homem natural est sem o poder de at mesmo cooperar com a influncia

    divina. A cooperao com a graa da graa. Portanto, ela se mantm

    eternamente livre do pelagianismo e do semipelagianismo39

    A diferena entre arminianismo e as formas de pelagianismo total, enquanto a

    diferena entre arminianismo e calvinismo neste aspecto mnima, pois ambos

    creem no pecado original, ambos creem na depravao herdada, ambos creem

    que a depravao total, ambos creem que Deus inicia a salvao, ambos

    creem que Deus precisa estender a graa ao homem perdido, e o nico ponto

    em que calvinistas e arminianos divergem no modus operandi dessa graa

    se ela resistvel (arminianismo) ou irresistvel (calvinismo).

    Podemos sintetizar a situao da seguinte maneira:

    PELAGIANISMO SEMIPELAGIANISMO ARMINIANISMO CALVINISMO

    No existe

    depravao

    herdada

    A depravao

    herdada parcial e o

    homem ainda tem

    algo que possa iniciar

    a salvao

    A depravao

    herdada total e

    Deus precisa

    salvar o homem

    perdido mediante

    uma graa

    preveniente

    resistvel

    A depravao

    herdada total

    e Deus precisa

    salvar o homem

    perdido

    mediante uma

    graa

    preveniente

    irresistvel

    38 ARMINIUS, A Letter to Hippolytus A Collibus, Works, v. 2, p. 700-701. 39 POPE, William Burton. A Compendium of Christian Theology. New York: Phillips e Hunt, s/data, v. 2, p. 80.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 26

    Em suma, arminianos clssicos rejeitam o pelagianismo e o semipelagianismo

    como heresias de modo to enftico quanto qualquer calvinista, e a acusao

    de que o arminianismo uma forma de pelagianismo simplesmente injuriosa

    e falsa, seja por fruto da ignorncia de tais acusadores ou por ms intenes de

    gente que precisa de uma caricatura para refutar algo que no entende. como

    disse Thomas Summers: Que ignorncia ou descaramento tem estes homens

    que acusam Armnio de pelagianismo ou de qualquer inclinao para tal!40

    Arminianismo Clssico

    Vimos o que o arminianismo no . Agora, preciso saber o que exatamente o

    arminianismo trata. Ele no , como muitos pensam, uma posio oposta aos

    cinco pontos da TULIP calvinista. Arminianos sustentam o primeiro ponto (da

    depravao total), rejeitam os trs seguintes (da eleio incondicional, da

    expiao limitada e da graa resistvel) e se dividem quanto ao quinto ponto (da

    perseverana dos santos), porque nem Armnio nem os remonstrantes

    imediatos definiram essa questo, mas a deixaram em aberto, dizendo:

    Que os verdadeiros cristos tenham fora suficiente, atravs da graa divina,

    para enfrentar Satans, o pecado, o mundo, sua prpria carne, e a todos venc-

    los; mas que se por negligncia eles pudessem se apostatar da verdadeira f,

    perder a felicidade de uma boa conscincia e deixar de ter essa graa, tal

    assunto deveria ser mais profundamente investigado de acordo com as

    Sagradas Escrituras41

    Essa a razo pela qual parte dos arminianos clssicos creem que uma vez

    salvo est salvo para sempre, conquanto que a maioria creia na possibilidade de

    apostasia, como foi definido pelos remonstrantes posteriores e propagado

    firmemente por John Wesley.

    40 SUMMERS, Thomas. Systematic Theology: A Complete Body of Wesleyan Arminian Divinity. Nashville: Publishing House of the Methodist Episcopal Church, 1888. v. 2, p. 34. 41 The Remonstrance, in HARRISON, Beginnings of Arminianism, p. 150-151.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 27

    O cerne da doutrina do arminianismo clssico a da graa preveniente.

    Nenhum arminiano verdadeiro cr que o livre-arbtrio, por si s, seja suficiente

    para que o homem chegue Deus. Ns cremos que o homem cado est morto

    em seus pecados e que preciso que Deus derrame a graa preveniente, que

    restaura o livre-arbtrio espiritual e o torna capaz de aceitar ou rejeitar a graa

    divina. Por isso, Armnio disse:

    Se qualquer contradio for oferecida a esta doutrina, Deus necessariamente

    privado da glria de sua graa, e ento o mrito da salvao atribudo ao

    livre-arbtrio do homem e a seus prprios poderes e fora cuja declarao

    cheira a pelagianismo42

    Arminianos clssicos tambm creem em todos os cinco princpios da Reforma

    Protestante: Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gratia, Sola Christus e Soli Deo Gloria.

    A salvao somente pela graa, atravs somente da f. No concernente

    doutrina da justificao do homem, Armnio disse:

    Eu no estou ciente de ter ensinado ou considerado quaisquer outros

    sentimentos em relao justificao do homem ante Deus que sejam

    diferentes dos que so mantidos unanimemente pelas Igrejas Reformadas e

    Protestantes e que esto em completa concordncia com suas opinies

    expressas43

    Igualmente, nenhum arminiano rejeita a doutrina da predestinao, mas a cr

    em termos corporativos e, portanto, condicional f em Cristo. Da mesma

    forma, nenhum arminiano rejeita a soberania divina, o que no implica,

    obviamente, que Deus tenha que determinar cada evento e cada detalhe que

    ocorra no universo.

    Deus soberano por estar no controle de tudo, e no por determinar tudo o

    que tornaria Deus o autor do pecado. por isso que os arminianos creem no

    livre-arbtrio e em atos autocausados, porque somente assim o pecado seria

    42 Works of Arminius, vol. 1, p. 617. 43 ARMINIUS, A Declaration of the Sentiments of Arminius, Works, v. 1, p. 695.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 28

    totalmente da conta do homem, e no por um impulso ou ordem de Deus,

    como cria Calvino e como creem a maioria dos calvinistas.

    O arminianismo clssico difere do arminianismo popular porque o

    arminianismo popular no o verdadeiro arminianismo, mas uma distoro

    posterior ao arminianismo de Armnio. Remonstrantes posteriores, como Philipp

    van Limborch, distorceram o arminianismo clssico e o aproximaram ao

    semipelagianismo44. Consequentemente, nos sculos seguintes, e at hoje,

    muitos pregadores ensinam nos plpitos das igrejas crists ensinamentos que

    se parecem muito mais com Pelgio do que com Armnio.

    Os exemplos existem aos montes. D um passo em direo a Deus, e Ele dar

    dois em direo a voc; Deus vota sim, o diabo vota no e voc tem o voto

    de minerva, e outros casos do tipo mostram que muitos pregadores no esto

    nem um pouco familiarizados com a verdadeira doutrina arminiana, mas

    colocam uma nfase por vezes maior no homem do que no prprio Deus.

    O arminianismo popular nada mais seno uma distoro do ensino arminiano

    por pessoas que no tiveram contato com o verdadeiro arminianismo, e por

    isso no merece esse nome. Assim como a maioria dos calvinistas rejeitam

    formas extremadas que distorcem o prprio calvinismo como geralmente

    atribudo ao hipercalvinismo , tambm ns rejeitamos essa forma distorcida de

    arminianismo que em nada reflete o ensino de Armnio, que pe um foco

    demasiado no homem e que por vezes coloca Deus em um papel secundrio na

    obra da salvao. No a toa que a maioria deles sequer j ouviu falar em

    graa preveniente.

    Arminianos clssicos tambm no tem qualquer problema com lemas calvinistas

    como a regenerao precede a f e a f um dom de Deus. Sim, Armnio

    cria e se expressou assim diversas vezes que a f um dom de Deus,

    embora no no sentido de um dom imposto como no calvinismo, mas de um

    dom oferecido, como um presente. Da mesma forma, arminianos clssicos no

    tem problemas em assumirem que, em certo sentido, a regenerao precede a

    44 Veja mais sobre isso na obra: Teologia Arminiana: Mitos e Realidades, de Roger Olson.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 29

    f, pois a graa preveniente precisamente uma graa regeneradora, que

    resgata o livre-arbtrio espiritual e torna o homem apto a aceitar ou rejeitar o

    convite, embora a regenerao completa s acontea caso o homem aceite o

    convite.

    Por fim, concordo com Olson quando ele diz que antes de dizer eu discordo,

    devemos ser capazes de verdadeiramente dizer eu entendo45, e isso vale tanto

    para calvinistas como para arminianos. Se os pentecostais lessem mais Armnio

    e pensadores arminianos clssicos, iriam abandonar toda proximidade com o

    semipelagianismo, que era veementemente rejeitado por Armnio. E se os

    calvinistas estudassem mais a doutrina arminiana clssica, certamente muitas

    dvidas se dissipariam e muitos se identificariam muito mais com Armnio do

    que com Calvino.

    Se os calvinistas lessem Armnio ou pelo menos dois ou trs telogos

    arminianos clssicos, dificilmente Roger Olson teria que escrever um livro inteiro

    refutando as distores que so feitas at hoje em torno do arminianismo, em

    sua obra: Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. As distores s so feitas

    porque a procura pela informao pequena, e a ansiedade por uma refutao

    grande. Como disse Olson, espero que no futuro os crticos do arminianismo

    o escrevam como seus proponentes o descrevem e que rigidamente evitem a

    caricatura ou deturpaes, assim como esperam que os outros tratem sua

    prpria teologia46.

    Calvinismo

    Se o arminianismo sofreu distores com o passar dos sculos que foram alm

    dos ensinos de Jac Armnio, o calvinismo no fica atrs. Aps a morte de

    Calvino, seus seguidores acrescentaram e retiraram doutrinas importantes de

    sua teologia. Como veremos no captulo 8, Calvino era abertamente defensor da

    45 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 316. 46 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 55.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 30

    expiao universal, contra a expiao limitada que foi crida depois dele, a partir

    de Teodoro de Beza47.

    Mas se por um lado os seguidores de Calvino acrescentaram mais extremos

    sua teologia, tambm foi muito mais comum o inverso: seguidores que

    suavizaram sua doutrina, retirando pontos importantes para torn-la mais

    aceitvel ao povo. Por exemplo, como veremos mais adiante no livro, Calvino

    defendia explicitamente que Deus determina o pecado e que ordenou a Queda.

    Nem todos os calvinistas pensam assim. Calvino tambm defendeu a dupla

    predestinao, em que Deus no apenas elege um grupo para si, mas tambm

    elege outro para ser condenado.

    Embora ele defendesse a responsabilidade humana (ainda que de forma

    contraditria), ele rejeitava o livre-arbtrio libertrio e cria que tudo, incluindo os

    desejos no corao do homem, provinha de Deus e no do prprio homem.

    Ento, com o passar dos sculos, os calvinistas foram aumentando e diminuindo

    aspectos importantes na teologia de Calvino. Os que aumentaram so

    comumente chamados de hipercalvinistas, e os que diminuram so

    comumente chamados de calvinistas moderados.

    Mas h um problema fundamental: nenhum hipercalvinista aceita essa

    nomenclatura, pois eles pensam que so eles os verdadeiros seguidores da

    doutrina original de Calvino, e, portanto, eles so os verdadeiros calvinistas, e

    no hiper. Da mesma forma, a maior parte dos calvinistas moderados se

    chama apenas de calvinista, pois tambm se creem os verdadeiros calvinistas.

    No fim das contas, temos dois grupos lutando pelo centro e pela hegemonia de

    seu prprio calvinismo e lanando o outro mais para a esquerda ou para a

    direita.

    Boettner, por exemplo, se referiu ao calvinismo moderado nestas palavras:

    47 Retomaremos esse tema no captulo 8 deste livro, que trata sobre a expiao limitada, e mostraremos diversas citaes de Calvino defendendo a expiao universal de modo enftico, inclusive refutando objees.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 31

    Calvinismo brando sinnimo de calvinismo enfermo, e a enfermidade, se no

    curada, o incio do fim48

    Por outro lado, um calvinista moderado, Charles Spurgeon, se referiu a seu

    prprio calvinismo dizendo: Somos os calvinistas verdadeiros!49. Ele tambm

    disse que o hipercalvinismo um sistema de teologia com que muitos se

    identificam e que tem esfriado muitas igrejas, pois as tem levado a omitir os

    convites gratuitos do evangelho, e negar que dever dos pecadores crer em

    Jesus50.

    Se isso j torna a situao complicada, fica ainda pior quando vemos calvinistas

    auto-denominados moderados chamando de calvinistas extremados aqueles

    que tambm se denominam moderados, para se distinguirem dos

    hipercalvinistas. Foi assim que Norman Geisler se referiu a R. C. Sproul ao longo

    de todo o livro Eleitos, mas Livres51, sendo que o prprio Sproul no se

    considera um calvinista extremado, e disse que o hipercalvinismo

    anticalvinismo52.

    Para ser mais claro, no h nenhum calvinista que admita estar fora do centro.

    Todos se creem os verdadeiros calvinistas e puxam para a esquerda ou para

    direita aqueles que tm uma teologia mais branda ou mais severa que a dele.

    Calvinistas que se consideram moderados so considerados extremados por

    outros, e vice-versa. Deste modo, difcil tratar do calvinismo como algo fixo e

    imutvel.

    Mas ser que essa distino to clara? Ainda que em alguns aspectos da

    teologia eles tenham divergncias, elas so doutrinariamente mnimas, visto que

    ambos defendem os cinco pontos da TULIP calvinista. Na verdade, a diferena

    48 Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p. 105. 49 SPURGEON, Charles H, Sermo sobre: A Soberana Graa de Deus e a Responsabilidade do Homem. 50 SPURGEON, Charles H. The Metropolitan Tabernacle: its History and Work (Pasadena: Pilgrim Publications, 1990), p. 47. 51 Geisler usa os termos calvinismo extremado e hipercalvinismo como intercambiveis, significando, na prtica, a mesma coisa. 52 SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Crist: 1998, p. 71.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 32

    mais prtica do que terica. Como Laurence Vance diz, os calvinistas e os assim

    chamados hipercalvinistas creem, ensinam, e pregam as mesmas coisas sobre o

    calvinismo os hipercalvinistas apenas as colocam em prtica mais

    consistentemente do que os calvinistas53.

    Para esclarecer melhor o que Vance afirma, os hipercalvinistas seguem as

    premissas lgicas do calvinismo at as ltimas consequencias, enquanto os

    calvinistas moderados as seguem at certo ponto, apelando para o mistrio

    naquilo onde a concluso segue s premissas. Um hipercalvinista entende que,

    se Cristo no morreu por todos (expiao limitada), ento no h razo para

    crer que Deus deseje que todos se salvem, ou que o evangelho se aplique a

    todos que ouvem, ou que a f seja dever de todo pecador, ou que a oferta de

    salvao deva ser feita a um no-eleito54. uma concluso lgica do L da

    TULIP.

    Da mesma forma, se o mundo de Joo 3:16 se refere apenas aos eleitos e se

    foi s por eles que Deus amou e enviou Seu Filho unignito para que todos os

    eleitos que nele creem no peream mas tenham a vida eterna, ento lgico

    que Deus no ama o no-eleito. certo que nenhum calvinista (nem mesmo o

    moderado) cr que Deus ama o eleito da mesma forma que ama o no-eleito,

    mas o hipercalvinista leva a srio os textos calvinistas que dizem que Deus

    amou Jac e odiou Esa (Rm.9:13), como uma prova de que Deus odeia (ou

    no ama) o no-eleito, mas apenas o eleito.

    Como vemos, a distino mais prtica do que terica. Ambos creem nos cinco

    pontos da TULIP, mas apenas os hipercalvinistas assumem as consequencias de

    sua prpria lgica, admitindo os resultados de seus prprios pressupostos, ao

    passo em que o calvinista moderado cr na premissa mas no cr na concluso

    lgica da premissa, preferindo apelar ao mistrio e deixar as coisas obscuras,

    53 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 54 O artigo 33 dos Articles of Faith of the Gospel Standard Aid and Poor Relief Societies diz: "Por conseguinte, que ministros hoje em dia abordem as pessoas no-convertidas, ou a todos indiscriminadamente numa congregao mista, apelando a eles a que se arrependam, creiam e recebam a Cristo salvificamente, ou realizem qualquer outro ato dependente da renovada capacidade criativa do Esprito Santo, , por um lado, admitir poder na criatura, e por outro, negar a doutrina da expiao limitada.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 33

    sem fazer o mnimo esforo para solucionar dilemas calvinistas como

    predestinao vs livre arbtrio e soberania divina vs responsabilidade

    humana quando os hipercalvinistas assumem que uma existe e a outra no.

    por isso que o calvinista Edwin Palmer escreveu:

    Ele [o calvinista moderado] percebe que o que ele defende ridculo.

    simplesmente impossvel para o homem harmonizar esses dois conjuntos de

    dados. Dizer, por um lado, que Deus tornou certo tudo o que acontece e ainda

    dizer que o homem responsvel por aquilo que ele faz? Absurdo! Deve ser

    uma ou outra coisa, mas no ambas. Dizer que Deus preordenou o pecado de

    Judas e ainda Judas o culpado? Insensatez! Logicamente o autor de O Ladro

    Predestinado estava certo. Deus no pode preordenar o roubo e ento culpar o

    ladro. E o calvinista admite francamente que essa posio ilgica, ridcula,

    sem sentido e tola55

    Por isso, como Vance bem define, o termo hipercalvinismo altamente

    ambguo e diz respeito prtica e no profisso de algum56, e que o

    problema que calvinistas (incluindo Spurgeon) tem com o Dr. Gill [um

    hipercalvinista] que eles consistentemente praticaram seu calvinismo57.

    Outra ttica frequentemente utilizada por calvinistas opor o arminianismo

    contra o hipercalvinismo e ento tomar o calvinismo comum como uma posio

    moderada. Isto faz o calvinismo parecer ortodoxo58. Vance aponta que o termo

    hipercalvinismo frequentemente referido por aqueles calvinistas que

    querem desviar a ateno do que eles realmente crem e por meio disso fazer

    sua forma de calvinismo parecer bblica59.

    E ele declara:

    55 Edwin H. Palmer, The Five Points of Calvinism, p. 85. 56 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 57 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 58 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 59 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 34

    Quando a verdadeira posio de um calvinista finalmente revelada, ele

    geralmente alegar que ele est sendo deturpado. Por isso, um outro tipo de

    calvinismo foi inventado, e para ele que toda objeo contra o sistema

    calvinista depositada. Os partidrios deste esquema fictcio so referidos por

    vrios termos: ultra-calvinistas, calvinistas radicais, super-calvinistas,

    radicais. A favorita designao para este grupo hiper-calvinistas60

    Em sntese, calvinismo um termo ambguo que envolve calvinistas moderados

    e extremados, cada qual defendendo seu prprio calvinismo como sendo o

    verdadeiro calvinismo, o calvinismo do centro. Conquanto haja algumas

    poucas diferenas em termos de doutrina, ambos creem nos cinco pontos da

    TULIP, embora apenas os hipercalvinistas pratiquem as consequencias lgicas

    destes cinco pontos, razo pela qual a diferena entre ambos muito mais

    prtica do que terica. Enquanto calvinistas moderados seguem a lgica apenas

    at certo ponto e depois param e apelam ao mistrio, hipercalvinistas seguem a

    lgica das suas prprias premissas at o fim, suportando as consequencias.

    Dilogo entre calvinistas e arminianos na histria

    Por mais que desde sempre na histria do Protestantismo tenha havido

    arminianos e calvinistas, estes querem, a todo e qualquer custo, serem

    considerados os nicos verdadeiros protestantes, como se o fato de algum ser

    calvinista fosse primordial para algum ser verdadeiramente cristo. lgico

    que nem todos os calvinistas so exclusivistas ou intolerantes, mas muitos

    querem fazer da sua doutrina aquilo que diferencia uma igreja verdadeira de

    uma igreja falsa.

    Isso realmente lamentvel, mas, como disse Olson, fato que alguns

    calvinistas evanglicos trabalham arduamente para transformar a teologia

    calvinista como a norma da f evanglica. Os arminianos so marginalizados, se

    60 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 35

    no excludos s escondidas61. Os ataques de calvinistas a arminianos, muitas

    vezes os excluindo e os considerando no-cristos, tm sido feitos aos montes.

    Fred Phelps, o autor da obra Os Cinco Pontos do Calvinismo, alegou que, se

    voc no conhece os cinco pontos do calvinismo, voc no conhece o

    evangelho, mas alguma perverso dele62. Alm de chamar o arminianismo de

    perverso do evangelho, ele tambm disse que os no-calvinistas esto

    verdadeiramente nas trevas e na ignorncia de toda a verdade divina, no tem

    nenhuma religio e esto presos nas supersties e nas mentiras religiosas:

    Se voc no tem um entendimento e uma compreenso completa dos Cinco

    Pontos do Calvinismo voc est verdadeiramente nas trevas e na ignorncia de

    toda a verdade divina. E, se voc no tem uma crena inteligente nos Cinco

    Pontos do Calvinismo e amor por eles, voc no tem nenhuma religio racional,

    mas est preso na superstio e nas mentiras religiosas63

    Este exemplo lindo de tolerncia e dilogo tem sido marcante em outros

    militantes calvinistas. Ben Rose afirmou que os que no so calvinistas no so

    humildes o suficiente64; Robert Godfrey afirmou que no arminianismo Jesus

    no mais o verdadeiro Salvador de Seu povo65; Robert Peterson e Michael

    Williams chamaram o arminianismo de uma doutrina idlatra 66 ; Kim

    Riddlebarger disse que o arminianismo no apenas o abandono da ortodoxia

    histrica, mas tambm um srio abandono do prprio evangelho67.

    61 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 319. 62 Fred Phelps, The Five Points of Calvinism. The Berea Baptist Banner, 5 de fevereiro de 1990, p. 21. 63 Fred Phelps, The Five Points of Calvinism, The Berea Baptist Banner, 5 de fevereiro de 1990, p. 26. 64 ROSE, Ben Lacy. T.U.L.I.P.: The Five Disputed Points of Calvinism, 2a. ed. (Franklin: Providence House Publishers, 1996), p. 19. 65 GODFREY W. Robert. Who Was Arminius?, Modern Reformation, n. 1, 1992, p. 6. 66 PETERSON, Robert A; WILLIAMS, Michael D. Why I Am Not Arminian. Downers Grove, III.: Intervarsity Press, 2004, p. 39. 67 RIDDLEBARGER, Kim. Fire and Water, Modern Reformation, n. 1, 1992. p. 10.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 36

    Michael Horton no fica atrs e diz que um evanglico no pode ser arminiano

    mais do que um evanglico pode ser um catlico romano68; Sproul exclama

    que o arminianismo faz com que a redeno seja uma obra humana69 e coloca

    o arminianismo no mesmo nvel do semipelagianismo e do catolicismo

    romano70, isso quando no diz que aqueles que negam o determinismo

    calvinista so ateus71! Marcelo Berti disse que no h como ser cristo a no ser

    que se creia no determinismo divino e na dupla predestinao calvinista72, e o

    telogo e compositor de hinos Augustus Toplady declarou Wesley um no-

    cristo, por ser arminiano73.

    Tudo isso apenas afasta a possibilidade de dilogo entre arminianos e

    calvinistas. Embora eu considere o arminianismo a posio bblica sobre a

    salvao, de modo nenhum creio que algum calvinista no cristo por ser

    calvinista. Infelizmente, o mesmo no pode ser dito por muitos calvinistas sobre

    o arminianismo, seja por terem uma viso distorcida sobre o arminianismo

    clssico ou ento por desejarem fazer uma caricatura do arminianismo para

    torn-lo menos aceitvel ao pblico.

    Mas de onde vem essa intolerncia? Se analisarmos a histria, veremos que ela

    vem desde muito cedo. Laurence Vance, em seu livro O Outro Lado do

    Calvinismo, nos fala sobre muitos acontecimentos histricos e sobre a forma

    de perseguio que os arminianos antigos eram submetidos por no

    concordarem com o calvinismo predominante na poca. Ele diz:

    Os Estados da Holanda, em 23 de dezembro de 1610, ordenou que uma

    conferncia amigvel fosse realizada entre os dois partidos em Haia em maro

    do ano seguinte. Conformemente, em 11 de maro de 1611, seis remonstrantes

    (como os arminianos foram chamados), incluindo Episcopius e Uytenbogaert, se

    68 HORTON, Michael. Evangelical Arminians, Modern Reformation, n. 1, 1992. p. 18. 69 SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Crist: 1998, p. 102. 70 SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Crist: 1998, p. 158. 71 SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Crist: 1998, p. 16-17. 72 BERTI, Marcelo. Teologia Sistemtica, p. 50. Disponvel em: 73 OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexo: 2013, p. 104.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 37

    encontraram com seis contra-remonstrantes (como os calvinistas foram

    chamados), sob a liderana de Petrus Plancius e Festus Hommius (1576-1642).

    Os remonstrantes pediam tolerncia para suas opinies; os contra-

    remonstrantes, um snodo nacional para declararem herticas as opinies

    deles74

    Enquanto tudo o que os arminianos queriam era liberdade de opinio para

    poderem expressar as suas crenas, os calvinistas no estavam abertos ao

    dilogo. Vance aborda isso nas seguintes palavras:

    Cunningham admite que os telogos que compunham o Snodo de Dort

    geralmente defendiam que o magistrado civil tinha o direito de infligir

    sofrimentos e penalidades como punio por heresia mas que os arminianos

    defendiam tolerncia e indulgncia em relao s diferenas de opinio sobre

    assuntos religiosos 75 . Assim, embora ambos remonstrantes e contra-

    remonstrantes aderiam a uma aliana Igreja-Estado, os remonstrantes no

    procuravam usar o Estado para punir seus oponentes76

    No Snodo de Dort, havia treze remonstrantes intimados para comparecer ao

    snodo, mas eles foram convocados como rus, no tinham assentos como

    delegados77. Depois de Simo Episcpio esclarecer o parecer arminiano

    naquele snodo, os remonstrantes foram expulsos de uma forma totalmente

    amigvel:

    Os delegados estrangeiros so agora da opinio de que vocs so indignos de

    aparecer diante do Snodo. Vocs recusaram reconhec-lo como seu juiz legal

    e sustentaram que ele seu partido contrrio; vocs fizeram tudo de acordo

    com seu prprio capricho; vocs desprezaram as decises do Snodo e dos

    Comissrios Polticos; vocs recusaram responder; vocs incorretamente

    interpretaram as acusaes. O Snodo tratou vocs indulgentemente; mas vocs

    como um dos delegados estrangeiros expressou comearam e terminaram

    74 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 75 Cunningham, Theology, vol. 2, p. 381. 76 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 77 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

  • Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo? Pgina 38

    com mentiras. Com este tributo ns deixaremos vocs irem. Deus preservar

    sua Palavra e abenoar o Snodo. A fim de que ela no seja mais obstruda,

    vocs esto despedidos! Esto dispensados, vo embora!78

    Depois de serem expulsos de um snodo onde eram rus, os remonstrantes

    foram presos em 1618 em outro snodo, e foram substitudos por calvinistas:

    Em 1618 o caminho foi aberto para um snodo nacional. Grotius e

    Oldenbarnevelt foram presos, e os magistrados remonstrantes foram

    substitudos por patrocinadores dos contra-remonstrantes79

    Vance ainda afirma:

    No incio de julho, os treze remonstrantes foram convocados diante dos

    Estados-Gerais e solicitados para retratarem e concordarem em cessar de

    pregar suas doutrinas, ou serem banidos do pas80. Mais de duzentos ministros

    arminianos foram ento destitudos de seus plpitos e muitos destes foram

    banidos por recusar manter silncio. Uma severa teocracia calvinista foi ento

    estabelecida na qual somente o calvinismo poderia ser publicamente

    proclamado81. Mas felizmente, foi de curta durao, pois aps a morte do

    prncipe Maurcio, em 1625, os remonstrantes conseguiram permisso para

    retornar sob seu irmo e sucessor, Frederick Henry (1584-1647), e

    estabelecerem igrejas e escolas por toda Holanda, com certas restries82

    Portanto, a presso para tornar o calvinismo a nica doutrina aceitvel no

    protestantismo no de hoje, mas remete aos primrdios. Os arminianos eram

    intimidados quando no obrigados a renegarem suas crenas ou proibidos de

    ensinarem publicamente e nas escolas. Com a liberdade que temos hoje, essa

    presso menor, se limitando apenas ao psicolgico, quando calvinistas pintam

    78 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 79 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo. 80 Harrison, Beginnings of Arminianism, p. 385. 81 Harrison, Beginnings of Arminianism, pp. 386-387. 82 VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

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    o arminianismo como se fosse a maior heresia imaginvel e como se o

    calvinismo fosse a nica posio crist admissvel da salvao.

    A tolerncia de Calvino

    Sabemos que essa forma de intolerncia vem desde cedo, mas exatamente de

    quando seria? Temos fortes indcios de que tudo remete a seu principal

    pregador, o prprio Joo Calvino. Embora ele fosse um gnio, e, na minha

    opinio, um dos maiores intelectuais que este mundo j viu, e muito acima da

    mdia dos intelectuais de sua poca, ele tinha um forte problema em tolerar

    uma posio contrria. Isso fica evidente a comear pela leitura das prprias

    Institutas, a principal obra de Calvino, dividida em quatro grandes volumes.

    Ele se refere aos seus oponentes, que no criam em sua doutrina, por vrios

    diferentes nomes pejorativos, como dementes" 83 , porcos 84 , mentes

    pervertidas85, ces virulentos que vomitam contra Deus86, inimigos da graa

    de Deus 87 , inimi