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8/20/2019 Em Defesa Do Arminianismo - Silas Daniel http://slidepdf.com/reader/full/em-defesa-do-arminianismo-silas-daniel 1/126 1 Em Defesa do Arminianismo Silas Daniel Uma análise sobre a recente ascensão do Calvinismo no Brasil e uma exposição do que ensina, de fato, o Arminianismo Introdução Do século 16 ao 18, a principal corrente no meio protestante mundial era o que se convencionou chamar de Calvinismo. Foi somente a partir do século 19 em diante que o Arminianismo, surgido no início do século 17, passou a prevalecer como a principal corrente no meio protestante. Entretanto, tal predomínio tem sofrido certos retrocessos nos últimos anos, por pelo menos três razões. Em primeiro lugar, há muitos evangélicos arminianos que sequer conhecem de fato o Arminianismo. A maior demonstração disso está em grande parte das pregações que ouvimos hoje em dia. Qualquer análise sobre o conteúdo da

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Em Defesa do Arminianismo

Silas Daniel

Uma análise sobre a recente ascensão do Calvinismo no Brasil e uma exposiçãodo que ensina, de fato, o Arminianismo

Introdução

Do século 16 ao 18, a principal corrente no meio protestante mundial era o quese convencionou chamar de Calvinismo. Foi somente a partir do século 19 emdiante que o Arminianismo, surgido no início do século 17, passou a prevalecercomo a principal corrente no meio protestante. Entretanto, tal predomínio temsofrido certos retrocessos nos últimos anos, por pelo menos três razões.

Em primeiro lugar, há muitos evangélicos arminianos que sequer conhecem de

fato o Arminianismo. A maior demonstração disso está em grande parte daspregações que ouvimos hoje em dia. Qualquer análise sobre o conteúdo da

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teologia popular evangélica brasileira revelará, com enorme clareza, que muitodo que se tem esposado hoje em dia e recebe o nome de Arminianismo se trata,na verdade, de uma distorção do verdadeiro Arminianismo. O que se ouve emmuitos púlpitos é mais Semipelagianismo  –  e, em casos mais graves, atéPelagianismo – do que realmente Arminianismo.

Em segundo lugar, tivemos, nas últimas décadas, muitos livros e artigos opondo-se ao Calvinismo na imprensa evangélica brasileira. Só que muitos delespecaram por confundir Calvinismo de forma geral com Calvinismo fatalista,tornando seus argumentos facilmente rebatíveis por qualquer calvinista bemtreinado. Além disso, a quase totalidade desses textos dedicava-se muito maisa falar contra o Calvinismo do que a explicar o que é realmente o Arminianismo.

Em terceiro lugar, a rejeição cada vez maior no meio evangélico à ondatriunfalista do neopentecostalismo, o que é em si uma atitude muitíssimo boa,contribuiu involuntariamente para a ascensão do Calvinismo. Muitos crentes, de“ressaca” com tantos hinos e mensagens centrados no homem, passaram a

buscar literaturas e mensagens que exaltassem mais a soberania divina e,infelizmente, acabaram encontrando-as com mais frequência em sites deconteúdo calvinista.

Ou seja, em linhas gerais, uma má compreensão do que é o Arminianismosomada a uma aversão sadia de muitos evangélicos ao triunfalismoneopentecostal têm feito com que muitos se voltem para o Calvinismo. E issoestá acontecendo até mesmo nas Assembleias de Deus, a maior denominaçãoevangélica do país.

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 Arminius: uma vida marcada pela providência divina

Jakob Hermanszoon nasceu em 10 de outubro de 1559 na cidade de Oudewater,na província de Utrecht, na Holanda, filho do casal Hermand Jacobszoon, um

ferreiro especialista em fazer armaduras, e sua esposa Engeltje, ambosprotestantes. Seu pai morreu de forma trágica no mesmo ano em que Jakobnasceu, deixando sua mãe viúva e com filhos pequenos. Condoído da situaçãodo pequeno Jakob, um padre simpático ao protestantismo, chamado TeodoroEmílio, sustentou a criança e seus estudos. Porém, quando o garoto já estavacom 15 anos, seu benfeitor morreu. Deus, contudo, logo colocou outra pessoana sua vida: um homem chamado Rodolfo Sneillus, que, ao saber da história deJakob, resolveu adotá-lo e levá-lo para Marburg. Foi assim que, aos 16 anos,Jakob ingressou na Universidade de Leiden.

Tudo ia bem, até que, no mesmo ano em que Jakob ingressava na universidade,

outra tragédia aconteceu. Em 1575, a sua cidade natal  –  que quando Jakobnascera estava sob o domínio espanhol, mas havia se libertado desse domínioe se tornado protestante  – voltaria a ser atacada pelos espanhóis. A invasãoespanhola foi sangrenta, passando para a posteridade como “Massacre deOudewater”, no qual a mãe de Jakob, seus irmãos e demais parentes forammortos. Só Jakob sobraria de toda a sua família.

Em Leiden, o jovem protestante adotou a forma latinizada de seu nome: em vezde Jakob Hermanszoon, passou a se chamar Jacobus Arminius. Ele concluiuseus estudos em Leiden em 1582, mesmo ano em que foi a Genebra paraestudar com ninguém menos do que Teodoro Beza, amigo e sucessor do já

falecido João Calvino. Ali, porém, não permaneceu muito tempo, devido acontrovérsias decorrentes do seu uso de técnicas ramistas, que aprendera emLeiden. Essas técnicas foram criadas pelo professor calvinista francês Pierre dela Ramée (1515-1572) e eram ensinadas em algumas universidadesprotestantes. Ademais, Arminius não concordava com o supralapsarianismo deBeza, sobre o qual falaremos mais adiante.

De Genebra, Arminius seguiu para Basileia e de lá para Amsterdã, onde recebeuo convite para pastorear, sendo ordenado ao pastorado em 1588. Ganhou afama de bom pastor e ensinador. Em 1590, casou-se com a jovem Lijsbet Reael.Em 1603, após 15 anos de profícuo ministério, Arminius encerra suas atividadescomo pastor para aceitar o cargo de professor na Universidade de Leiden. Foiem Leiden que começaram os primeiros e históricos embates teológicos da vidade Arminius, e o principal responsável pelos ataques desferidos contra ele foi oteólogo e professor calvinista radical Franciscus Gomarus (1563-1641).

O supralapsariano Gomarus e o reformador Arminius

 A divergência entre Gomarus e Arminius se devia essencialmente à questão dosDecretos de Deus. E para entendermos bem esse ponto, é preciso antes explicaro que são Infralapsarianismo e Supralapsarianismo.

Calvinismo Infralapsariano é aquele que afirma que os decretos divinos deeleição e condenação ocorreram após o Decreto da Queda. Já oSupralapsariano assevera que os decretos divinos de eleição e condenaçãoforam determinados por Deus antes mesmo do Decreto da Queda  –  isto é,

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primeiro Deus planejou que alguns se salvariam e outros se perderiam paradepois determinar do que eles seriam salvos (sic). Pois bem, Gomarus eraadepto desse Calvinismo radical supralapsariano, e Arminius era absolutamentecontra o Supralapsarianismo. A divergência começou exatamente aí. Entretanto,o debate se intensificaria mais ainda quando Arminius acrescentou que a

Confissão Belga (1562) e o Catecismo de Heidelberg (1563), ambos documentoscalvinistas, precisavam de reformas. Gomarus cobrou de Arminius queexplicasse que tipo de reforma seria essa, mas este, em um primeiro momento,para evitar maiores confrontos, se negou a dizer o que tinha em mente.

 Após vários debates públicos entre Gomarus e Arminius, e entre aquele e algunsalunos de Arminius, a controvérsia ultrapassou a instituição onde lecionavam echegou a outras universidades, até que Gomarus e Arminius foram chamados acomparecer à Suprema Corte em Haia para apresentarem seus argumentos, quedividiam os acadêmicos protestantes no país. Ao final da exposição de cada um,a Suprema Corte, formada por oito magistrados, declarou que as diferenças no

que concernia à Doutrina da Predestinação, eram pequenas, e por isso ambosdeveriam aprender a conviver com essas diferenças. Arminius acatou aresolução, mas Gomarus partiu novamente para o ataque.

Diante dos sucessivos ataques de Gomarus, Arminius pediu então para que seformasse uma assembleia para ouvi-lo, assembleia esta que foi convocada para30 de outubro de 1608. Nela, Arminius finalmente declarou que alterações tinhaem mente ao falar que a Confissão Belga e o Catecismo de Heidelbergprecisavam de reformas. Ele se disse contrário tanto ao Supralapsarianismoquanto ao Infralapsarianismo, pois acreditava que ambos, no fundo, carregavamo mesmo erro, e expôs sua crença na predestinação a partir da presciênciadivina, apoiando-se em textos bíblicos.

Gomarus, por sua vez, teve sua permissão para falar à assembleia em 12 dedezembro de 1608, ocasião em que preferiu atacar Arminius de forma bastanteagressiva. Além disso, ele não tentou rebater os argumentos de Arminiusbiblicamente, se contentando apenas em enfatizar que seu colega estava indocontra os estimados Catecismo de Heidelberg e Confissão Belga, ao que Arminius responderia dizendo que nem mesmo esses dois importantes textosestavam acima da Bíblia e, como produções meramente humanas, estavamsujeitas a revisões e aperfeiçoamentos. O tom agressivo do discurso deGomarus mais sua aridez em termos de argumentos bíblicos contrastaramfortemente com o tom conciliador e recheado de biblicismo de seu oponente, oque fez com que mesmo alguns discordantes de Arminius lhe dessem razão.

Os dois discutiriam em outra assembleia nos dias 13 e 14 de agosto de 1609,porém, quando já estava marcado outro debate para 19 de agosto, a saúde de Arminius se debilitou e ele voltou a Leiden, onde faleceria em 19 de outubro de1609, vítima de tuberculose. Em seu enterro, foi honrado por seus alunos. Oconflito, entretanto, seguiria após sua morte, simplesmente porque o “Efeito Arminius” rachara ao meio o Calvinismo na Holanda. 

Os remonstrantes e a verdade sobre o Sínodo de Dort

 Após a morte de Arminius, os ataques a seus ensinos continuaram, tendo como

alvo agora os seus seguidores. Logo, com o objetivo de se defenderem dessesataques, 46 pastores e teólogos arminianos resolveram assinar um documento

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em que expunham e explicavam seu pensamento. Esses arminianos receberamo nome de “Remonstrantes”, expressão derivada do vocábulo holandês“remonstrantse”, que significa “reclamante” ou “protestante”. 

O documento em defesa do Arminianismo continha cinco pontos e foi elaboradoem janeiro de 1610. A repercussão do seu conteúdo foi, em um primeiromomento, muito positiva diante das autoridades holandesas, para indignaçãodos antiarminianos. O governo holandês entendera que as diferençasdoutrinárias entre calvinistas e arminianos não eram irreconciliáveis ouintoleráveis. Mas, pouco tempo depois, essa visão mudaria devido à mudançado contexto político nas terras baixas.

Em primeiro lugar, o principal desafeto do príncipe Maurício de Nassau (1567-1625), seu ex-amigo e braço direito Johan van Oldenbarnevelt (1547-1619),advogado-geral da Holanda, havia aderido ao Arminianismo. Oldenbarnevelt eraapoiado pela maioria das províncias marítimas holandesas, onde se concentravaa burguesia do país, que havia aderido majoritariamente ao Arminianismo. Essa

maioria apoiava Oldenbarnevelt “em sua oposição ao poder crescente deMaurício de Nassau” (GONZÁLES, Justo L., Uma História do PensamentoCristão – Da Reforma Protestante ao Século 20, vol. 1, 2004, São Paulo, CulturaCristã, p. 286). Já as demais províncias marítimas e as rurais eram fiéis a Nassaue apoiavam majoritariamente o Calvinismo.

Em segundo lugar, a Holanda estava, já havia algum tempo, em guerra com aEspanha, e os calvinistas convenceram Nassau que uma das formas de garantirque os católicos espanhóis não encontrariam guarida em solo holandês seriafortalecendo o Calvinismo, pois o Arminianismo supostamente daria brechaspara a “doutrina dos jesuítas” (missionários da contrarreforma católica). Não por

acaso, o principal xingamento calvinista aos arminianos na Holanda era designá-los como “jesuítas”. 

Por essas razões, Nassau convocou o Sínodo Nacional de Dordrecht (“Dort”, eminglês), mais conhecido como Sínodo de Dort (1618-1619), para condenar o Arminianismo. Sim, para condenar, porque o Sínodo já nasceu com essepropósito. Seu objetivo não era analisar honestamente a questão, mas elaborarum texto de condenação.

O referido sínodo reuniu calvinistas da Holanda e de oito países da Europa, quecondenaram os cinco pontos dos remonstrantes, fazendo surgir, em resposta aestes, os cinco pontos calvinistas, os quais, formando posteriormente umacróstico, receberiam o nome de Tulip (“tulipa”, em inglês): Total Depravity(“Depravação Total”), Unconditional Election (“Eleição Incondicional”), L imited Atonement (“Expiação Limitada”), Irresistible Grace (“Graça Irresistível”) ePerseverance of the Saints (“Perseverança dos Santos”). Esses 5 pontos sãochamados oficialmente de “Cânone de Dort”. O detalhe é que algumas dessascondenações distorcem o posicionamento dos remonstrantes, que, por exemplo,nunca negaram a Depravação Total. Isso aconteceu porque os remonstrantessequer tiveram a oportunidade de ser realmente ouvidos no sínodo.

Para dar uma aparência de justiça, o sínodo contou com alguns depoimentos deremonstrantes, mas sob as seguintes regras: em primeiro lugar, os

remonstrantes não poderiam participar das reuniões e de seus debates  – elesficavam em uma outra sala, esperando serem chamados pelo presidente do

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sínodo para falar apenas o que fosse pedido  –; em segundo lugar, depois dedarem um depoimento, voltavam imediatamente à tal sala, sem terem direito àtréplica; em terceiro lugar, os remonstrantes não escolheram seusrepresentantes  –  o sínodo é que os escolheu  –; em quarto lugar, osremonstrantes só poderiam responder em latim; e, finalmente, em quinto lugar,

todos os teólogos arminianos tiveram seu direito de voto impedido.Como se não bastasse, o presidente sinodal era John Bogerman (1576-1637),um calvinista que chegara ao encontro com fama de defender a pena de morteaos “hereges arminianos”. Aliás, alguns calvinistas que estavam no sínododefendiam o mesmo, embora não fossem maioria, enquanto todos osremonstrantes pediam “a tolerância e a indulgência em relação às diferenças deopinião sobre assuntos religiosos” (CUNNINGHAM, William, Historical Theology,vol. 2, p. 381). Bogerman também fora aquele que, juntamente com Gomarus,em um dos debates deste com Arminius, afirmou: “As Escrituras devem serinterpretadas de acordo com o Catec ismo de Heidelberg e a Confissão Belga”.

 Ao que Arminius respondera: “Como alguém poderia afirmar mais claramenteque eles estavam decididos a canonizar estes dois documentos humanos einstituí-los como os dois bezerros idolátricos em Dã e Berseba?” (HARRISON, A. W., The Beginnings of Arminianism to the Synod of Dort, Imprensa daUniversidade de Londres, 1926, Londres, pp. 87 e 88).

O resultado do Sínodo de Dort foram cerca de 200 pastores destituídos de suasfunções e exilados, e Oldenbarnevelt condenado à decapitação como traidor dopaís. Uma verdadeira vergonha, da qual se arrependeriam depois os pastores eteólogos Daniel Tilenus (1563-1633), Thomas Goad (1576-1638) e John Hales(1584-1656), que participaram do Sínodo de Dort, mas depois se tornaramarminianos. Somente após a morte de Maurício de Nassau, quando o príncipeFrederico Henrique de Nassau (1584-1647) assumiu seu lugar, os arminianosforam autorizados a retornar à Holanda. Um deles, Simon Episcopius (1583-1643), aluno de Arminius, substituiria Gomarus na cadeira de professor deTeologia na Universidade de Leiden. Infelizmente, após a condenação sofrida,os seguidores originais de Arminius na Holanda acabaram, com o passar dotempo, se afastando progressivamente do pensamento original do seu mentor edos primeiros remonstrantes. Arminius, por exemplo, nunca negou a DepravaçãoTotal ou a Doutrina do Pecado Original, nem os primeiros remonstrantes, porémalguns de seus futuros seguidores, como Philipp van Limborch (1633-1712),acabariam negando ambos. Hugo Grotius (1583-1645), seguidor de Arminius,

defenderia mais à frente a Teoria Governamental no lugar da Doutrina daSubstituição Penal de Cristo, adotada tanto pelo Arminianismo Clássico comopelos calvinistas. A TG considera que o sacrifício de Cristo apenas mostrou aomundo que as leis divinas foram quebradas e sua penalidade paga, e não queCristo realmente pagou a penalidade pelos pecados dos indivíduos. Ou seja, nofinal das contas, os remonstrantes de hoje, na Holanda, não têm nada a ver como Arminianismo Clássico. Eles são, inclusive, liberais em teologia. Porém,infelizmente, muitos calvinistas cometem a desonestidade de atacar osarminianos acusando-os de desvios doutrinários que, na verdade, foramcometidos por gerações seguintes dos remonstrantes. Apesar desses desviosdas gerações subsequentes, o Arminianismo original permaneceu vivo e logo se

espalhou pela Europa, mas sempre sendo minoritário. Até que, no século 18, omovimento metodista provocaria uma reviravolta, tornando o Arminianismo a

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principal corrente protestante do mundo nos séculos seguintes. Mas, antes devermos como se deu essa extraordinária reviravolta, vejamos o que ensina, defato, o Arminianismo.

O que ensina, de fato, o Arminianismo Clássico

Em linhas gerais, o que ensinava Arminius? O que é o Arminianismo?Em primeiro lugar, o Arminianismo ensina, à luz da Bíblia, que Deus determinousalvar algumas pessoas e condenar as demais a partir de Seu pré-conhecimentosobre a fé ou a incredulidade futuras dessas pessoas. Ou seja, a eleição ou acondenação divinas não são decisões arbitrárias de Deus, mas decisõestomadas por Deus desde a eternidade com base em Sua presciência em relaçãoàs escolhas futuras das pessoas. Escreveu Arminius: “Deus determinou salvar econdenar certas pessoas em particular. Este decreto tem seu fundamento nopré-conhecimento de Deus, pelo qual Ele conheceu desde toda a eternidadeaqueles indivíduos que, por meio da Sua graça preventiva, creriam; e por meio

de sua graça subsequente, perseverariam; [...] e por esse mesmo pré-conhecimento, Ele semelhantemente conheceu aqueles que não creriam e nãoperseverariam” (GONZÁLES, Ibid., p. 285). 

Paulo afirma: “...os que dantes conheceu, também os predestinou...” (Rm8.29,30). E Pedro assevera que somos “eleitos, segundo a presciência de DeusPai” (1Pe 1.2). Portanto, os calvinistas erram ao vincular a presciência divina àcausalidade. Para ser mais preciso: eles erram ao afirmar que Deus conhecepreviamente todas as coisas porque predestinou todas as coisas. Ora, o textobíblico é claro: a presciência vem antes da predestinação e da eleição. Estasdecorrem daquela, e não o contrário. Deus conhece previamente tudo porque é

onisciente, e não porque predeterminou tudo. Deus não precisa predeterminartudo para saber de tudo. Sim, Ele predetermina muitas coisas, mas não tudo.

 Além desses textos bíblicos que colocam claramente a presciência antes dapredestinação e da eleição, há muitos textos bíblicos que falam da onisciênciadivina de forma geral sem sugerir que ela decorre de uma predeterminação detodas as coisas. Salmos 139.2-4 é um deles. Além disso, a maior prova de quea onisciência divina não é fruto de predeterminação é que a Bíblia diz que Deusconhece até mesmo o futuro contingente condicional. O futuro contingentecondicional não é aquilo que acontecerá, mas aquilo que aconteceria se ascircunstâncias e as decisões fossem outras. Ou seja, Deus não sabe só o quevai acontecer, mas também “o que aconteceria se”. O exemplo clássico dessetipo de conhecimento divino é o da oração de Davi acerca do povo de Queila(1Sm 23.1-13). Davi perguntou a Deus se era verdade o que tinha ouvido de queSaul estava descendo à cidade de Queila para pegá-lo, e Deus respondeu quesim, num caso clássico de conhecimento do futuro causal. Porém, na sequência,Davi perguntou também se o povo de Queila, mesmo depois de tudo que Davifizera por eles contra os filisteus, mesmo depois de recebê-lo tão bem com osseus homens, o trairiam mais à frente, entregando-o a Saul na primeiraoportunidade; e Deus respondeu que sim, que entregariam, e Davi então saiudali, de maneira que o povo de Queila nunca traiu a Davi.

Esse é um caso de conhecimento de um futuro contingente condicional. Eles não

fizeram, mas Deus sabia que “eles fariam se”. Ora, se há um futuro contingentecondicional, e Deus o conhece, isso significa que Ele não precisa predeterminar

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todas as coisas para saber todas as coisas. Ademais, leiamos mais uma vez aspalavras de Paulo e Pedro: “...os que dantes conheceu, também ospredestinou...” (Rm 8.29,30); e “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai” (1Pe1.2). Ou seja, a presciência vem primeiro. A predestinação e a eleição se deramcom base na presciência divina. Logo, você não é salvo porque foi eleito; você é

eleito porque foi salvo em Cristo.Perceba que a Bíblia sempre fala de predestinação à vida eterna “em Cristo”. AEpístola de Paulo aos Efésios, que é a que mais fala em predestinação, mostraexatamente isso. Aliás, os termos “em Cristo Jesus”, “no Senhor” e “nEle”ocorrem 160 vezes nos escritos de Paulo, sendo que 36 vezes só em Efésios,onde está o recorde. Ou seja, se queremos entender bem Efésios, devemoscomeçar a atentar para a palavra-chave dessa epístola: “em Cristo”. Ora, maisde uma vez é dito em Efésios 1 que a predestinação ocorre “em Cristo”. Ou seja,a predestinação e a eleição não são para estar em Cristo. Elas são para os queestão em Cristo.

Para aqueles que estão “em Cristo” estão destinadas desde a fundação domundo todas aquelas bênçãos listadas em Efésios 1, 2 e 3; e a quem não estiverem Cristo, está destinada desde a fundação do mundo a perdição. Se vocêestiver nEle, Seu destino é o Céu; se não estiver nEle, o Inferno. O critério éestar nEle. Como afirma Paulo, Deus nos elegeu “para que fôssemos santos eirrepreensíveis diante dEle” (Ef 1.4), mas Cristo só vai “vos apresentar santos, eirrepreensíveis, e inculpáveis, se, na verdade, permanecerdes fundados e firmesna fé e não vos moverdes da esperança do Evangelho” (Cl 1.22,23). Está claro:a eleição é condicional. E qual a condição? Estar em Cristo: “...nos elegeunEle...” (Ef 1.4). A Eleição, portanto, é um decreto divino anterior à salvação efruto da graça, soberania e misericórdia divinas manifestadas em Cristo, o qualé a condição da nossa eleição.

Em segundo lugar, o Arminianismo ensina, à luz da Bíblia, a Doutrina daDepravação Total do ser humano, isto é, que o ser humano é tão depravadoespiritualmente que precisa da graça de Deus tanto para ter fé como parapraticar boas obras. Escreve Arminius: “Mas em seu estado caído e pecaminoso,o homem não é capaz, de e por si mesmo, pensar, desejar ou fazer aquilo queé realmente bom; mas é necessário que ele seja regenerado e renovado em seuintelecto, afeições ou vontade, e em todos os seus poderes, por Deus em Cristoatravés do Espírito Santo, para que ele possa ser capacitado corretamente aentender, avaliar, considerar, desejar e executar o que quer que sejaverdadeiramente bom. Quando ele é feito participante desta regeneração ourenovação, eu considero que, visto que ele está liberto do pecado, ele é capazde pensar, desejar e fazer aquilo que é bom, todavia não sem a ajuda contínuada graça divina” (ARMINIUS, Jakob, A Declaration of Sentiments, Works, vol. 1,p. 664, traduzido em Revista Enfoque Teológico, vol. 1, no 1, 2014, FEICS, p.105).

Ou seja, o homem não regenerado é escravo do pecado e incapaz de servir aDeus com suas próprias forças (Rm 3.10-12; Ef 2.1-10). O Arminianismo nuncaensinou que, por ainda ter em si resquícios da imagem de Deus, o homem tema capacidade de, mesmo no estado caído, corresponder com arrependimento e

fé quando Deus o atrai a si. Não, a iniciativa é sempre de Deus, já que o homem,em seu estado caído, não pode e não quer tomar iniciativa. À luz da Bíblia, o

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 Arminianismo sempre defendeu que é através da graça preveniente que adepravação total, que resulta do pecado original, pode ser suplantada, demaneira que o ser humano poderá, então, corresponder com arrependimento efé quando Deus o atrair a si. O livre-arbítrio é decorrente da ação da graçapreveniente. Vem de Deus a capacidade de arrepender-se e ter fé para ser salvo.

Em terceiro lugar, à luz da Bíblia, o Arminianismo ensina que a graça divina podeser resistida. Como afirma Arminius: “Creio, segundo as Escrituras, que muitaspessoas resistem ao Espírito Santo e rejeitam a graça que lhes é oferecida”(ARMINIUS, Ibid., p. 664 in Revista Enfoque Teológico, Ibid., p. 108). Sãoinúmeros os textos bíblicos que deixam clara a possibilidade de resistir à graçadivina (Gn 4.6,7; Dt 30.19; Js 24.15; 1Rs 18.21; Is 1.19,20; Sl 119.30; Mt 23.37;Lc 7.30; At 7.51; 10.43; Jo 1.12; 6.51; 2Co 6.1; Hb 12.5).

É equivocado pensar que Deus não é absolutamente soberano se concede aohomem, através de Sua graça preveniente, o livre-arbítrio, isto é, uma vontadelivre para escolher ou não a Salvação. Ora, um deus que no fundo manipula as

decisões dos seres humanos ao invés de, pela Sua graça, conceder-lhes acapacidade de livremente ter fé e se arrepender para convidá-los a Cristo, nãopode ser plenamente justo. É verdade que ninguém merece a Salvação, mas seDeus resolver salvar uns e condenar outros sem conceder uma possibilidadereal de escolha para Suas criaturas, estará manchando Sua justiça. O atributodivino da soberania deve estar em perfeita harmonia com o Seu caráter, que ésanto e justo (Is 6.3). Os calvinistas gostam de citar, em favor de sua crença emuma graça irresistível, João 6.44, onde Jesus afirma: “Ninguém pode vir a mim,se o Pai, que me enviou, o não trouxer; e eu o ressuscita rei no último dia”. Sóque o termo traduzido aqui como “trouxer” é, no grego, elkõ, que, segundo otradicional léxico de Strong, tem mais o sentido de “atrair”, “induzir alguém a vir”.

Ou seja, Deus atrai; Ele não força. Ele não violenta a liberdade humanaconcedida pela Sua graça e soberania. Jesus disse que os que vêm a Ele nãosão forçados, mas atraídos a Ele (Jo 12.32).

Em quarto lugar, o Arminianismo entende e sustenta, à luz da Bíblia, que Cristomorreu por todos (Jo 3.16 e 6.51; 2Co 5.14; Hb 2.9; 1Jo 2.2), mas Sua obrasalvífica só é levada a efeito naqueles que se arrependem e crêem (Mc 16.15,16;Jo 1.12). Trocando em miúdos: a Expiação de Cristo é suficiente, mas só setorna eficiente na vida daqueles que sinceramente se arrependem de seuspecados e aceitam Cristo como único e suficiente Senhor e Salvador de suasvidas. Trata-se, portanto, de uma Expiação Universal Qualificada, e não de uma

Expiação Limitada.Conquanto existam passagens bíblicas que afirmam que Cristo morreu pelasovelhas (Jo 10.11,15), pela Igreja (At 20.28 e Ef 5.25) ou por “muitos” (Mc 10.45),a Bíblia também afirma claramente em muitas outras passagens que a Expiaçãoé universal em seu alcance (Jo 1.29; Hb 2.9 e 1Jo 4.14), o que deixa claro queas passagens que dão uma ideia de ela ter sido limitada nada mais são do quereferências à eficácia da Expiação. Ou seja, a Expiação de Cristo foi realizadaem prol de toda a humanidade, mas só os que a aceitam usufruem de suaeficácia.

Os que crêem em Cristo são obviamente associados à obra expiadora (Jo 17.9;

Gl 1.4; 3.13; 2Tm 1.9; Tt 2.3; 1Pe 2.24), mas a Expiação é universal (1Jo 2.2). Ea eficácia não está na salvação de todos, mas na consecução da Salvação. O

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fato de a Expiação só ter sido aceita e aplicada em muitos e não em todos nãosignifica que sua eficácia é comprometida. O fato de muitos usufruírem dela jádemonstra sua eficácia. Ela só não seria eficaz se ninguém se salvasse por ela.Se alguém foi salvo por ela, esta foi eficiente. Não houve “desperdício” pelo fatode seu alcance ser universal, mas nem todos serem salvos. Além disso, se

crermos que a Expiação de Cristo é limitada, o que seria um sacrifício queproporcionasse uma Expiação Ilimitada? Jesus sofreria um pouco mais na cruz?Há casos de arminianos que crêem em uma Expiação Limitada com base napresciência divina, o que apresenta certa coerência, porém o ArminianismoClássico nunca defendeu a Expiação Limitada justamente porque não só hápassagens bíblicas claras sobre o alcance universal da Expiação como tambémuma Expiação Limitada é uma contradição ao ensino bíblico de que Deus nãofaz acepção de pessoas (Dt 10.17 e At 10.34). Deus é soberano, mas isso nãosignifica dizer que Ele fará alguma coisa que contradiga Seu caráter santo eamoroso. Lembremos que uma hermenêutica prudente interpreta umapassagem ou passagens observando o contexto geral sobre o assunto na Bíblia.

 A Bíblia se explica por meio dela mesma. Portanto, se ela afirma que Deus ésanto, justo e amor, e não faz acepção de pessoas; e que Deus quer que todosse salvem e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1Tm 2.3,4); e que aExpiação foi por “todos” (1Tm 2.6; Hb 2.9); logo as passagens em que há alusãoa “muitos” devem ser interpretadas à luz dessas outras. O resultado é que aspassagens que aludem a “muitos” não se referem ao alcance da Expiação, queé universal, mas à eficácia dela para os “muitos” que a receberam por fé. 

Não se pode simplesmente desconsiderar o significado óbvio dos textos sem iralém da credibilidade exegética. Quando a Bíblia diz que “Deus amou o mundo”(Jo 3.16) ou que Cristo é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo

1.29) ou que Ele é “o Salvador do mundo” (1Jo 4.14), significa isso mesmo. Emnenhum texto o vocábulo “mundo” se refere à Igreja ou aos eleitos. Escreve oapóstolo João: “E Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somentepelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1Jo 2.2). Ou como disse oteólogo H. C. Thiessen: “Concluímos que a Expiação é ilimitada no sentido deestar à disposição de todos, e é limitada no sentido de ser eficaz somente paraaqueles que crêem. Está à disposição de todos, mas é eficiente apenas para oseleitos” (Lectures in Sistematic Theology, Grand Rapids, 1979). Finalmente, emquinto lugar, o Arminianismo entende e sustenta, à luz da Bíblia, que o serhumano pode cair da graça, mas que tal coisa não é tão fácil de acontecer comose pensa. O próprio Arminius preferiu deixar em aberto essa questão, isso

porque há muitos textos bíblicos que enfatizam a perseverança dos santos e hámuitos outros que sugerem a possibilidade de cair da graça, de eventualmentese perder a salvação (Mt 24.12,13; Lc 9.62 e 17.32; Jo 15.6; Rm 11.17-21; 1Co9.27; Gl 5.4; Ap 3.5; 1Tm 1.19 e 4.1; 2Tm 2.10,12; Hb 3.6,12,14; 2Pe 2.20-22;1Co 15.1-2 e 2Co 11.3-4). Escreveu Arminius: “Nunca ensinei que um verdadeirocrente pode, total ou finalmente, cair da fé e perecer. Porém, não vou esconderque há passagens das Escrituras que me parecem ensinar isso” (ARMINIUS,Works, volume 1, p. 131).

De forma geral, sabemos que é muito difícil acontecer de um crente perder asalvação ao final, mas não impossível, razão pela qual a Bíblia insta para que o

cristão cultive sempre sua vida espiritual, fortalecendo-se em Deus paraperseverar até o fim (Ef 6.10-18). O fato de sabermos que temos segurança em

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Cristo não deve nos levar a relaxar em nossa vida espiritual, pois tal atitude pode,se não tomarmos cuidado, nos levar, mais à frente, a perecermosespiritualmente.

Nem Pelagianismo, nem Semipelagianismo

Portanto, o Arminianismo não tem absolutamente nada a ver comSemipelagianismo e muito menos com Pelagianismo, como acusamdesonestamente calvinistas mal informados  –  ou até mal intencionados. Omonge Pelágio da Bretanha (350-423), como sabemos, não acreditava nasdoutrinas bíblicas do Pecado Original, da Depravação Total e da GraçaPreveniente, esposadas e defendidas tanto por calvinistas como por arminianos.

Mas, a acusação mais comum que tem sido feita contra os arminianos é queeles, não obstante não serem pelagianos, seriam semipelagianos, acusaçãoigualmente falsa. O Semipelagianismo surgiu logo após a condenação doPelagianismo, quando alguns cristãos do quinto século, ao lerem os argumentos

de Agostinho contra Pelágio, concordaram que Pelágio havia incorrido em graveheresia, mas consideraram também que Agostinho havia exagerado um poucoem sua contra-argumentação às heresias pelagianas. Pelo fato de esses cristãosdiscordantes admirarem muito Agostinho, há quem prefira até chamá-los de“semiagostinianos”, mas prefiro usar   aqui a nomenclatura tradicional“semipelagianos”, porque é como são mais conhecidos. 

Diziam os semipelagianos, encabeçados pelo monge e teólogo francês JoãoCassiano (360-435), que os erros de Agostinho em seu embate com Pelágioforam dois: primeiro, seu conceito de predestinação, no que estavam certos; esegundo, sua defesa da Depravação Total, no que estavam completamente

equivocados. Os semipelagianos não negavam o pecado original  –  isto é, opecado herdado de Adão e Eva, a natureza pecaminosa etc –, mas diziam que,mesmo após a Queda, o ser humano ainda tinha em si resquícios da volição pré-Queda, um livre-arbítrio remanescente, que o possibilitava, sem precisar de umagraça preveniente, responder com fé e arrependimento à pregação doEvangelho. Para eles, Deus poderia até dar início à fé em alguns casos, mas emmuitos deles, ou na maioria, era o próprio homem que dava o initium fidei, oprimeiro passo para a Salvação. O Semipelagianismo, após muitas discussões,foi condenado no ano 529 pelo Concílio de Orange. Entretanto, essa condenaçãose aplicou apenas à oposição dos semipelagianos à Doutrina Bíblica daDepravação Total. O mesmo concílio condenou a crença de que Deus

predestinou o mal ou pessoas ao inferno. Ou seja, o que prevaleceu na Igreja,desde o século 6 em diante, foi uma Soteriologia que aceitava a DepravaçãoTotal, mas negava o conceito de predestinação de Agostinho, o qual seriaressuscitado apenas 1,1 mil anos depois por Lutero.

Lutero: de “calvinista”, no início, a “arminiano” no final da vida

Lutero viveu em uma época em que a Igreja Católica já tinha se desviado daSoteriologia Bíblica, passando a dar ênfase mais às boas obras do que à graçade Deus, e ainda explorando essa supervalorização das obras em um contextoidolátrico. Lutero confrontou contundentemente esses erros, porém, em suaprimeira fase, o fez indo um pouco para o outro extremo, pregando uma

Soteriologia que resgatava e valorizava maravilhosamente a graça, mas que, poroutro lado, desprezava um pouco o lugar da responsabilidade humana. Isso

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ocorreu porque sua fonte inicial não eram só as Escrituras, mas Agostinho. Porser de origem agostiniana, Lutero acabou sendo “calvinista” antes de Calvino. Aliás, Calvino desenvolveu sua Soteriologia inspirado, inconfessadamente, nosprimeiros ensinos de Lutero sobre predestinação.

Muitos se esquecem, porém, que, após escrever Da Vontade Cativa (1525), obraendereçada a Erasmo de Roterdã na qual defende a predestinação agostiniana,Lutero “evitou progressivamente a doutrina especulativa da predestinação, [...]preferindo se focar no ministério da Palavra e sacramentos, aos quais a graçaestá ligada, e dando progressiva proeminência à vontade redentiva universal deDeus” (BAVINCK, Herman, Reformed Dogmatics, volume 2, 2004, Baker Academic, p. 356). Nessa segunda fase, Lutero se tornaria primeiro um“calvinista compatibilista” (explicarei o que é isso mais à frente), combatendofortemente os “calvinistas fatalistas” antinomianos; depois, escreveria contra apredestinação dupla (a crença de que Deus predestinou tanto os que irão sesalvar quanto os que irão se perder); mais à frente, deixaria de defender também

a Expiação Limitada (que defendera em Comentário aos Romanos, 1516) paradefender a Expiação Ilimitada (o que fez em Sermon for First Sunday in Advent,1533); e voltaria também atrás ao defender a possibilidade do salvo decair dagraça nos artigos 42 a 45 dos Artigos de Esmalcade, escritos por ele em 1537como resumo de toda doutrina luterana. Isto é, Lutero terminaria sua vida seopondo a 3 ensinos que se tornariam depois 3 dos 5 pontos da Tulip calvinista. Ademais, Felipe Melanchton, sucessor de Lutero à frente do luteranismo, era, naprática, um “arminiano” antes de Arminius. 

Portanto, uma análise honesta da história nos mostra que o que convencionou-se chamar de “Calvinismo” nunca foi a posição dominante na História da Igrejadesde a sua fundação até hoje. O primeiro a propor as teses que seriamchamadas, em um futuro distante, de “Calvinismo“ foi, como vimos, Agostinho, eisso só no quinto século. Nenhum outro Pai da Igreja, antes ou depois de Agostinho, esposou o “Calvinismo”; e a Igreja, após Agostinho, não aderiu a seusposicionamentos “calvinistas”. O Concílio de Orange, como vimos, condenou apredestinação divina do mal; e os Concílios de Kiersy (853) e de Valença (855)afirmariam a predestinação pela presciência divina. Ou seja, nos primeiros 400anos da Igreja, não houve “calvinistas”; e de Agostinho a Lutero, que seria opróximo “calvinista” da história (e, mesmo assim, temporariamente), passaram-se 1,1 mil anos sem “calvinistas”. Tomás de Aquino, por exemplo, nunca foi“calvinista”, como alguns calvinistas forçosamente tentam classificá-lo, pois

defendeu explicitamente a predestinação com base na presciência divina.Mesmo no protestantismo, o Calvinismo não teve um reinado absoluto: com 20anos de Reforma, Lutero e Melanchton abandonam o “Calvinismo”; 65 anosdepois, surge, com Arminius, uma oposição mais forte ao Calvinismo; e desde oséculo 19, o Arminianismo é maioria entre os evangélicos no mundo. Ou seja, oque é conhecido como Arminianismo não é só um posicionamento que tem maissolidez bíblica como também é aquele que melhor representa o realposicionamento da Igreja sobre a questão soteriológica ao longo da história.

Quanto à reviravolta arminiana no meio protestante nos últimos séculos, ela sedeu principalmente devido à pregação e à pena de dois grandes homens do

século 18: John Wesley e seu teólogo e amigo John Fletcher.

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Wesley, John Fletcher e a reviravolta arminiana

Enquanto a Igreja Anglicana (igreja oficial inglesa) se tornaria majoritariamentearminiana, o Calvinismo seria a corrente prevalecente nas primeiras igrejas não-oficiais da Inglaterra. Porém, quando surgiu o movimento metodista, seus doisprincipais líderes, ambos oriundos da Igreja Anglicana, se dividiam nessaquestão: John Wesley (1703-1791) era arminiano e George Whitefield (1714-1770), calvinista. Após discutirem publicamente sobre o assunto sem chegar auma solução, ambos resolveram deixar essa questão para trás em prol daunidade e avanço da obra de Deus, fazendo o seguinte pacto: Whitefieldprometeu nunca mais falar mal de Wesley quanto a essa diferença doutrinária etambém não aceitar nunca uma crítica de alguém a seu amigo por causa dessadiferença, e Wesley se comprometeu a fazer o mesmo; e quem morresseprimeiro, o outro pregaria em seu enterro. Ambos seguiram à risca o acordo.

Porém, no ano da morte de Whitefield, a corrente calvinista dentro do metodismocomeçaria novamente a confrontar seu líder por causa do Arminianismo, de

maneira que Wesley, juntamente com o principal teólogo do metodismo noséculo 18, John Fletcher, resolveu escrever uma série de artigos defendendo o Arminianismo à luz da Bíblia e expondo equívocos do Calvinismo. Esses artigos,principalmente os de Fletcher, impuseram uma derrota pública e poderosa aoscalvinistas na Inglaterra no final do século 18, uma vez que estes, à época, nãoconseguiram responder à altura aos argumentos de Wesley e Fletcher.

Um dos opositores calvinistas, o talentoso compositor Augustus Toplady (1740-1778), sem argumentos diante da devastadora resposta de Wesley a seu resumoda obra do calvinista italiano Jerônimo Zanchi (século 16), passou a xingarWesley em profusão. O líder metodista, indignado com tantos ataques baixos,

pessoais e sem sentido, escreveu: “Conheço muito bem senhor AugustusToplady, mas não luto com limpadores de chaminés. É um combatedemasiadamente sujo para que me aproxime dele. Não conseguiria nada maisque manchar os dedos. Li suas breves páginas, e não perderei tempo com isso.Vou deixar esse assunto com o Sr. [Walter] Sellon. Não poderia cair em mãosmelhores”. 

Infelizmente, muitos calvinistas usam essas palavras duras de Wesley para dizerque houve “troca mútua de ofensas”, o que é uma inversão total dos fatos e dosenso das proporções. Essa foi a única resposta dura de Wesley a Toplady, eela só foi emitida depois de o líder dos metodistas receber uma série de ataques

pessoais e absurdos de Toplady. Antes dessa resposta dura e lacônica deWesley, Toplady xingara o líder do metodismo, por exemplo, de “Papa João”,“pregador de doutrinas perniciosas”, “sofista”, “jesuíta”, “mentiroso”, “pelagiano”,“blasfemo”, “maniqueu”, “pagão”, “velho gambá” e “representante do ignóbilpapel de vil e aleivoso assassino”. Isso é só uma pequena amostra. Topladychegou a escrever nada menos que 30 páginas (sic) com ofensas desse nívelcontra Wesley, pelo simples fato deste defender biblicamente o Arminianismo(LELIÈVRE, Mateo, John Wesley – Sua Vida e Obra, Editora Vida, 1997, pp. 251e 260). Ou seja, não houve uma troca mútua de ofensas. Houve um ofensor eum ofendido. Ao final de sua tradução à obra de Zanchi, Toplady escrevera oseguinte resumo: “A suma de tudo é esta: uma entre 20 pessoas da humanidade

(por exemplo) é eleita; as outras 19 são reprovadas. Os eleitos serão salvos,façam o que fizerem; os reprovados serão condenados, ainda que façam o que

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puderem para que isso não aconteça. Amado leitor, creia nisso ou sejacondenado. Em testemunho da verdade, assino-me: A. T. [Augustus Toplady]”(LELIÈVRE, Ibid., p. 251). Logo, Wesley resolve escrever dois documentos, umdeles de oito páginas, onde rebate os equívocos calvinistas apresentados naobra de Zanchi e resume a posição arminiana. Foram esses documentos, que

não traziam nenhuma ofensa pessoal e eram escritos em tom solene e didático,que provocaram a reação desproporcional de Toplady a qual nos referimos. Façoquestão de reproduzir abaixo a definição que Wesley faz do Arminianismo emum desses documentos, porque ela deixa claro que a posição de Wesley eraabsolutamente fiel à posição arminiana original, que foi defendida também pelosseus colegas John Fletcher e Walter Sellon. Segue trecho do resumo de Wesley,intitulado O que é o Arminianismo?:

“Os erros dos quais são acusados os usualmente chamados arminianos por seusadversários são cinco: 1) negam o pecado original; 2) negam a justificação pelafé; 3) negam a predestinação absoluta; 4) negam que a graça de Deus é

irresistível; 5) afirmam que o crente pode cair da graça. Quanto aos doisprimeiros pontos, declaro que não são culpados. As imputações são inteiramentefalsas. Nunca houve quem tratasse do pecado original e da justificação pela féem termos mais contundentes, claros e terminantes do que Armínio, nem mesmoo próprio Calvino. Esses dois artigos, portanto, devem ser excluídos do debate,porque quanto a eles concordam as duas partes. Quanto a isso, não existediferença por menor que seja, entre o sr. Wesley e o sr. Whitefield” (LELIÈVRE,Ibid., p. 250). Ao final do folheto, Wesley destacou ainda “a piedade de Calvinoe de Armínio” e implorou a seus discípulos que não usassem “o nome de cristãostão eminentes em sentido tão injurioso” (LELIÈVRE, Ibid., pp. 250 e 251). Trata-se de um documento honesto e equilibrado, o que só agrava ainda mais a reação

tosca de Toplady. Após esse episódio, outro acirraria ainda mais o debate entre calvinistas earminianos dentro do metodismo: um texto pastoral de Wesley, escrito tambémem 1770, em que ele combate o antinomianismo dentro de algumascomunidades metodistas. Tal texto, mesmo tão simples e bíblico, acabou sendo,devido ao clima já ruim que havia entre arminianos e calvinistas, mal interpretadopela corrente calvinista. A condessa Lady Huntingdon acusou Wesley,injustamente, de “pelagiano”, e classificou seu ensino de “horrível e abominável”.Wesley respondeu à acusação da condessa no seu sermão ministrado no cultofúnebre de seu amigo George Whitefield. Nele, Wesley mais uma vez enfatizou

os pontos de convergência entre calvinistas e arminianos, destacando a doutrinada justificação pela fé e lamentando a distorção feita pelos seus acusadores, queconfundiam  – propositadamente ou não  – o combate ao antinomianismo compregação de Salvação pelas obras.

Em reação ao sermão de Wesley, Lady Huntingdon pediu ao teólogo JoséBenson, que dirigia a escola metodista que ela sustentava, que escrevesse umaresposta ao discurso de Wesley, mas ele recusou. Em represália, Huntingdonordenou que todos os arminianos saíssem da escola. Benson, que dirigia ainstituição, foi o primeiro a anunciar sua demissão. Em seguida, Lady Huntingdonenviou a Bristol uma representação até Wesley, formada de oito pessoas, para

protestar. Após receber e ouvir atentamente às reclamações do grupo, Wesleypublicou um documento enfatizando mais uma vez que nunca defendera a justificação pelas obras e que seu documento contra o antinomianismo fora

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interpretado de forma incorreta por alguns irmãos, mas se estes achavam quefaltara maior clareza no seu texto, ele afirmava mais uma vez, “solenemente, napresença de Deus”, que “a segurança ou confiança” na Salvação está apenas“nos méritos de Cristo”, e não nas obras, embora saiba -se que “ninguém éverdadeiro cristão a não ser que faça boas obras”. A   comitiva de Lady

Huntingdon, representada por Walter Shirley, sobrinho e capelão da condessa,aceitou o texto de Wesley e publicou um documento oficial dizendo-se“plenamente satisfeita com a explanação, com a qual assentia cordialmente eestava de acordo”. 

Entretanto, antes mesmo dessa reconciliação acontecer, o extraordinário JohnWilliam Fletcher de Madeley (1729-1785) já havia preparado uma série deartigos, que foram publicados em forma de um opúsculo de 98 páginas,defendendo o Arminianismo à luz da Bíblia e demonstrando que o documentocontra o antinomianismo de Wesley não tinha obviamente nada a ver comSalvação pelas obras e era, sim, além de bíblico, muito claro. Os artigos foram

endereçados a Walter Shirley. Conta Lelièvre que, “ao circular, o escrito deFletcher produziu imediatamente uma grande comoção; o autor, já bastanteconhecido como orador sacro, deu-se a conhecer nesse opúsculo como escritorde distinção” (LELIÈVRE, Ibid., pp. 256 e 257). Logo, quando a comitiva dacondessa voltou de Bristol, a corrente calvinista já havia sofrido um “golpe” muitoforte com os textos de Fletcher, o que fez com que Shirley, em represália,classificasse desonestamente o documento produzido por Wesley naqueleencontro como uma retratação do líder do metodismo. Ora, em nenhummomento Wesley se retratara no referido documento, mas Shirley precisava deuma arma contra os textos desconcertantes de Fletcher, que depois dissocontinuou a escrever em resposta a Shirley, e com apoio total de Wesley,

provando que o texto deste obviamente não era retratação nenhuma ederrubando todos os argumentos contra os arminianos.

Os calvinistas sentiram, então, que era hora de formar uma blitz para contra-atacar Fletcher. Em 1772, o calvinista Ricardo Hill, irmão do famoso avivalistametodista Roland Hill, tentou fazer frente a Fletcher, defendendo a predestinaçãodentro do conceito calvinista em cinco artigos em forma de cartas endereçadasao teólogo metodista. Entretanto, outra vez Fletcher se saiu vencedor, refutando,“com lógica  incontestável e fervor eloquente”, o determinismo calvinista. Foi avez então de Toplady e Roland Hill juntarem forças para tentar rebater Fletcher,mas ambos também seriam derrotados pela pena do eloquente teólogo

arminiano. Frustrado, Toplady volta a atacar Wesley, que só assistia aosembates, mas é Thomas Oliver que o rebate, já que Wesley preferiu mais umavez não responder. A pena de Wesley só voltou a tocar no tema quando a penados irmãos Hill se voltou contra ele. Na ocasião, Wesley justificaria a volta aoembate dizendo que os escritos de Fletcher o haviam convencido de que fora“demasiadamente bondoso com os pregadores da reprovação”. Fletcher,enquanto isso, venceria outro oponente calvinista: John Berridge (1716-1793),vigário de Everton.

Quando, enfim, esses embates terminaram em 1776, o Arminianismo ergueu-sevitorioso. Os metodistas calvinistas, que já eram minoritários, perderam

seguidores e resolveram sair do movimento wesleyano, formando congregaçõesindependentes que, mais à frente, ingressaram na Igreja Congregacional.Entretanto, os efeitos desse debate foram além, sendo sentidos também no meio

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evangélico mundial nos anos seguintes, levando o Arminianismo a se tornarmajoritário.

O historiador Robert Southey destaca sobretudo os escritos de Fletcher como ocatalisador da ascensão arminiana: “O floreio de sua linguagem e sua unçãosagrada revelavam a sua origem francesa; mas seu raciocínio era agudo e claro,e o espírito dos seus escritos era formoso, sendo realmente mestre no assuntoe em tudo que nele estava compreendido”. Lelièvre declara que “a originalidadede Fletcher nessa controvérsia calvinista lhe granjeou um lugar de muitadistinção”. Já o historiador Richard Watson frisa a repercussão extraordináriadessa discussão para o evangelicalismo mundial: “Essa controvérsia produziuimportantes resultados. Mostrou aos calvinistas piedosos e moderados comquanta facilidade podiam compartilhar com o Arminianismo as mais ricasverdades evangélicas; e produziu, por seu exemplo destemido e corajoso dasconsequências lógicas derivadas da doutrina dos decretos, muito maiormoderação naqueles que ainda a admitem, dando origem a algumas das

modificações mais moderadas do Calvinismo no período seguinte, efeitos essesque perduram até hoje”. 

Lelièvre conclui: “Quando a pólvora do combate dissipou-se, descobriu-se que apredestinação [calvinista] ficara mortalmente ferida e, em seu lugar, levantara-se vigorosamente o Arminianismo, que fora excomungado pelo Sínodo de Dort.Mas, ao passo que na Holanda esse sistema teológico se desviara pouco apouco [...], na Inglaterra encaminhava-se até a preservação da doutrina dagraça” (LELIÈVRE, Ibid., p. 264). 

Outro fator que alavancou ainda mais o Arminianismo nos séculos seguintes foio advento do Movimento Pentecostal Moderno, que, devido a suas raízes

metodistas via Movimento da Santidade (Holiness), sempre foi, em sua maioria,arminiano. Os pentecostais são o maior grupo evangélico do mundo e o que maiscresce, o que garante que o Arminianismo permanecerá por muito tempo comoa principal corrente protestante.

Para calvinistas e arminianos

Curiosamente, depois que o Calvinismo deixou de ser majoritário no meioevangélico, passou a ser tratado pelos arminianos da mesma forma que tratavamo Arminianismo quando eles eram maioria: como uma “heresia perniciosa”. Ora,é errado ver o Calvinismo dessa forma, a não ser que se trate do Calvinismofatalista. O Calvinismo geralmente é compatibilista e, nesse caso, mesmo sendoainda um erro, não o é tão grave assim.

O calvinista fatalista é aquele que diz que como Deus já determinou quem vaiser salvo e quem não vai, é desnecessário evangelizar, fazer missões ou mesmose preocupar em ter uma vida de santidade. O calvinista compatibilista, aocontrário, reconhece plenamente a responsabilidade humana, mesmo que nãoconsiga explicar como a predestinação e a responsabilidade humana coexistemperfeitamente, de maneira que ele evangeliza, faz apelo, faz missões e exortaos crentes a viverem uma vida de santidade. Em outras palavras, o calvinistacompatibilista não diminui a responsabilidade humana, mas vê a coexistênciaentre responsabilidade humana e predestinação como uma antinomia, isto é,

uma aparente contradição, assim como ocorre na Doutrina da Trindade e naDoutrina da Plena Humanidade e da Plena Divindade de Cristo, que são

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realidades que a mente humana não pode compreender perfeitamente. Eleacredita que só no Céu poderá entender esse mistério. O arminiano, por sua vez,só reconhece estas duas últimas doutrinas como sendo antinomias. Por nãoencontrar, à luz da Bíblia, apoio para uma predestinação sem base napresciência divina, ele não vê como aparente contradição a coexistência entre

responsabilidade humana e predestinação.Como se vê, toda divergência entre calvinistas não-fatalistas e arminianos dizrespeito apenas à compreensão que eles têm acerca da mecânica da Salvação,e não a alguma diferença concernente à mensagem ou ao método da Salvação.Se fosse uma diferença relativa à mensagem ou ao método da Salvação, aí, sim,a coisa seria gravíssima. Ademais, teríamos que classificar como “heregesperniciosos” alguns dos maiores nomes do Cristianismo em todos os tempos(Agostinho, John Bunyan, George Whitefield, Jonathan Edwards, DavidBrainerd, Charles Spurgeon, William Carey etc) e a maioria esmagadora dosprotestantes dos séculos 16 ao 19. Ninguém é salvo por entender a mecânica

da Salvação, mas por aceitar, pela graça de Deus, a mensagem e o método daSalvação. Se fosse preciso, para ser salvo, também entender perfeitamente amecânica da Salvação, a maioria esmagadora daqueles que hoje são salvos emCristo não o seriam.

Pense, por exemplo, em um crente simples, que mal sabe ler e escrever, quemal pode entender detalhes da discussão entre calvinistas e arminianos. Paraser salvo, será que ele precisa entender o que é Supralapsarianismo,Infralapsarianismo, graça preveniente, initium fidei, Pelagianismo,Semipelagianismo etc? Claro que não. Basta entender a mensagem e o métododa Salvação: todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; sem o perdãodos pecados, você não pode ter comunhão com Deus e receber as bênçãosdivinas, e também está destinado à condenação eterna; Jesus é Deusencarnado, que veio não apenas para ensinar como devemos viver, mas paramorrer por nossos pecados, e ressuscitou ao terceiro dia para nossa Salvação;se você se arrepender de seus pecados e aceitar o que Jesus fez por você nacruz para remissão de seus pecados, e também aceitar o senhorio dEle sobresua vida, então terá seus pecados perdoados e a comunhão e a bênção eternasde Deus; você não é salvo pelas boas obras, mas salvo para praticar boas obras;todo salvo em Cristo deve procurar viver uma vida de santidade; Jesus voltará eum dia estaremos para sempre com Ele na eternidade se formos fieis.

Você não é salvo por entender perfeitamente o que ocorreu nos “bastidores” domundo espiritual quando você foi salvo  – ou seja, se você veio a Cristo porqueisso tinha sido predeterminado por Deus ou se Deus apenas sabia que isso iriaacontecer e então predeterminou, desde a eternidade, que você receberia todasas bênçãos que estão em Cristo. Você pode morrer sem entender plenamentecomo isso se deu e ser salvo. Porém, você nunca será salvo se não aceitar amensagem e o método da Salvação.

Em 1971, em uma conferência em Schloss Mittersill, na Áustria, o célebrepregador calvinista David Martyn Lloyd-Jones (1899-1981) defendeu o mesmoque este escriba: o óbvio de que a diferença entre Arminianismo e Calvinismodiz respeito apenas ao mecanismo da Salvação e não ao caminho da Salvação,

razão pela qual, ele, um calvinista, defendia que era errado considerar o Arminianismo condenável ou heresia perniciosa; e enfatizava ainda outra

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obviedade: Arminianismo não tem nada a ver com Pelagianismo. Que bom seriase todo calvinista tivesse essa percepção! Infelizmente, há aqueles que, além deconfundirem Arminianismo com Pelagianismo ou Semipelagianismo, colocam amecânica da Salvação no mesmo patamar da mensagem e do método daSalvação, confundindo alhos com bugalhos e tratando arminianos como

“hereges perniciosos”. Por outro lado, arminianos muitas vezes se esquecem que o Calvinismoprevalecente na história, sobretudo a partir do século 19 em diante, é oCalvinismo compatibilista, que era a posição de William Carey (1761-1834), o“Pai das Missões Modernas”, e Charles Spurgeon (1834-1892), “O Príncipe dosPregadores”. Ambos combateram o Calvinismo fatalista e viam como homens deDeus os arminianos John e Charles Wesley, assim como compatibilistas de hojeadmiram também arminianos como Dwight L. Moody, A. W. Tozer, LeonardRavenhill, C. S. Lewis e Billy Graham.

Em 1792, William Carey publicou o livro Inquiry into the Obligations of Christians

to Use Means for the Conversion of the Heathen (“Investigação sobre asobrigações dos cristãos de usar meios para a conversão de pagãos”), masencontrou resistência entre seus pares batistas, que eram calvinistas como ele.Para a maioria destes, a posição de Carey entrava em conflito com as crençascalvinistas. Mas, Carey insistiu, levando sua visão missionária a uma reunião depastores e propondo que, no encontro seguinte, discutissem a tarefa de levar oEvangelho aos pagãos, diante do que o pastor John Ryland (1753-1823), quepresidia a reunião, ordenou que Carey se sentasse, dizendo: “Quando agradara Deus converter pagãos, Ele o fará sem a sua nem a minha ajuda!”. 

Como Carey era mais fiel à Bíblia do que aos dogmas calvinistas, ele foi fazer

missões e deu início às Missões Modernas, criando a Sociedade BatistaMissionária. E o próprio Ryland, depois de ler a biografia do missionário calvinistaDavid Brainerd (1718-1747) escrita por Jonathan Edwards (1703-1758), passoua ser mais equilibrado, inclusive tornando-se amigo e apoiador de Carey, quetinha como referências John Wesley e David Brainerd.

Sobre os embates de Spurgeon com os calvinistas fatalistas de seus dias, háuma obra muito boa: Spurgeon vs. Hyper Calvinists: The Battle for GospelPreaching (“Spurgeon versus os Hiper -calvinistas: a Batalha da Pregação daPalavra”), 1995, da Banner of Truth. Comentando 1 Timóteo 2.3-6, que afirmaque Deus deseja “que todos os homens sejam salvos” e Cristo se entregou “por

todos”, escreve Spurgeon: “E então? Tentaremos colocar um outro sentido notexto do que já tem? Penso que não. É necessário, para a maioria de vocês,conhecer o método comum com qual os nossos amigos calvinistas mais velhoslidaram com esse texto. ‘Todos os homens’, dizem eles, ‘quer dizer algunshomens’, como se o Espírito Santo não pudesse ter falado ‘alguns homens’ sequisesse falar alguns homens. ‘Todos os homens’, dizem eles, ‘quer dizer algunsde todos os tipos de homens’, como se o Senhor não pudesse ter falado ‘Todotipo de homem’ se quisesse falar isto. O Espírito Santo, através do apóstolo,escreveu ‘todos os homens’, e sem dúvida isso quer dizer ‘todos os homens’.Estava lendo agora mesmo uma exposição de um doutor muito apto o qualexplica o texto de tal forma que muda o sentido; ele aplica dinamite gramatical

no texto e explode o texto ao expô-lo. [...] O meu amor pela consistência dasminhas próprias doutrinas não é de tal tamanho a me autorizar a alterar

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conscientemente um só texto da Escritura. Respeito grandemente a ortodoxia[calvinista], mas a minha reverência para a inspiração é bem maior. Prefiroparecer cem vezes ser inconsistente comigo mesmo do que ser inconsistentecom a Palavra de Deus” (SPURGEON, Metropolitan Tabernacle Pulpit, 1 Timothy2.3,4, volume 26, pp. 49-52).

Não por acaso, Spurgeon é autor de um livro intitulado The Soul Winner (“OGanhador de Almas”), no qual incentiva cada crente a se tornar um ativo eousado ganhador de vidas para Cristo. Spurgeon era assim porque o seuCalvinismo era compatibilista, como ele mesmo definiu certa vez: “Que Deuspredestina e que o homem é responsável são duas coisas que poucosenxergam. Acredita-se que são inconsistentes e contraditórias, mas elas nãosão. É simplesmente culpa do nosso julgamento fraco. Duas verdades nãopodem ser contraditórias. Se, então, acho ensinado em um lugar [da Bíblia] quetudo foi pré-ordenado, é verdade; e se achar em outro lugar [da Bíblia] que estásendo ensinado que o homem é responsável por todas as suas ações, é

verdade; e é a minha grande tolice que me leva a imaginar que duas verdadespodem se contradizer” (SPURGEON, C. H., New Park Street Pulpit, volume 4,1858, p. 337). Enfim, não devemos cometer a tolice de tratar nossos irmãoscalvinistas compatibilistas, não-fatalistas, como “hereges perniciosos”, o quenunca foram, mas também devemos nos conscientizar que o Arminianismo é,sem dúvida alguma, a melhor explicação, à luz da Bíblia, para a mecânica daSalvação. Não é verdade que “o Calvinismo honra ainda mais a Deus do que o Arminianismo”, como calvinistas mais fervorosos declaram. Tanto o Calvinismocompatibilista como o Arminianismo genuíno honram a Deus, sendo que o Arminianismo o faz de uma forma muito mais coerente à luz do texto sagrado,sem forçar alguma aparente contradição, alguma antinomia entre soberania de

Deus e responsabilidade humana, e sempre à luz da Bíblia. Ensinemos, pois, o Arminianismo.

Fonte: Revista Obreiro nº 68. CPAD 2015,

http://www.editoracpad.com.br/hotsites/obrasdearminio/

Uma avaliação do artigo "Em defesa do arminianismo"Por Franklin Ferreira

Em linhas gerais, o texto “Em defesa do arminianismo” (publicado na revistaObreiro Aprovado Ano 36, nº 68) é bom. O autor, o pastor assembleiano SilasDaniel, acerta ao distinguir entre o calvinismo (denominado no texto de“compatibilista”) e o hipercalvinismo (que, suponho, seja o que o autor chama de“calvinismo fatalista”). E ele também acerta ao tratar o primeiro como umainterpretação cristã legítima, e o segundo como um erro sério que precisa ser

rejeitado. E sugere algumas boas razões para o ressurgimento da fé reformadano Brasil (prevalência do pelagianismo em muitos púlpitos, críticas caricaturais

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ao calvinismo e a superficialidade neopentecostal). Ao fim do artigo, o autor falaem tons fortes e vigorosos da graça salvífica oferecida pela fé em Cristo, deforma bíblica. Então, o tom irênico do autor é bom e saudável.

Na tradição batista onde fui criado (fundamentalista e pietista, com algumaabertura à teologia liberal), o calvinismo ainda é tolamente tratado por algunscomo uma “heresia perniciosa” (para usar as palavras do autor), muitas vezesassim rotulado ao lado de G12, “guerra espiritual” e outras esquisitices presentesno cenário evangélico brasileiro. Então, o tom adotado pelo pastor Silas em seuensaio é um avanço importante no debate. E deve-se afirmar claramente, juntocom o autor: o arminianismo não é pelagianismo, apesar desta posição terprevalecido e ainda ser a visão religiosa de muitos pregadores e mestresevangélicos no Brasil, que têm como modelo Charles Finney; mas, dependendode que autor se lê (já que uma das poucas confissões de fé arminianasrepresentativas são os “Artigos da religião”, revisados por John Wesley), estatradição pode ser considerada semipelagiana ou semiagostiniana (mencionados,

mas não definidos no texto).Posto isso, o texto tem vários e sérios problemas, no campo da teologia e dahistória do pensamento cristão. Sobre o uso da Escritura, os versículos bíblicossão tratados como textos-prova. Não há sugestão de exegese ou de estudoléxico das palavras-chave, ou mesmo referências ao lugar das passagens nateologia bíblica. Isso fica evidente, por exemplo, na interpretação do autor daexpressão “aos que dantes conheceu” (Rm 8.29), reduzida a mera previsão geraldivina (ao interpretar 1Pe 1.2). Também não são indicados comentários bíblicospara suplementar as pressuposições do autor. Simplesmente presume-se queos ensinos arminianos são auto-evidentes nos versículos bíblicos citados. Hámuito tempo atrás fui arminiano, e usei muitos daqueles versículos que o autorcitou para “provar” o arminianismo e atacar o calvinismo. Mas, para cada textobíblico citado há uma interpretação, por assim dizer, “calvinista”, que é muitomais coerente e consistente com o texto bíblico em si, o livro onde este estáinserido e o contexto global da Escritura  – e o leitor pode ir aos comentários de Agostinho, Martinho Lutero e João Calvino, ou aos de D. A. Carson, DouglasMoo, Donald Guthrie, F. F. Bruce e John Murray, para conferir a exegese daspassagens-chave desta controvérsia.

Pelo menos, o autor reconhece as várias tensões (e, por que não, ascontradições) presentes na teologia arminiana, como ao tratar da presciênciadivina e do alcance da expiação: em outras palavras, o problema posto é: seDeus já sabia quem receberia a Cristo, por que este precisaria morrer por todos?Ou quando trata do significado da palavra “mundo”, sem levar em conta osignificado da propiciação realizada por Cristo (ao citar 1Jo 2.2 como texto-provada expiação geral). E quando admite algum tipo de predestinação (“sim, elepredetermina muitas coisas, mas não tudo”) ao mesmo tempo que, ao pressuporque Deus previu antes de predestinar, não trata de uma pergunta crucial, isto é,quem criou o que Deus previu?

Também há vários problemas no campo da teologia histórica. Trato apenas dosprincipais. Diferente do que o autor afirma, quase todos os grandes teólogosmedievais criam na predestinação, seguindo em maior ou menor grau o que

 Agostinho ensinou no século V: Próspero, Gottschalk, Anselmo, Bernardo,Bradwardine, Tomás de Kémpis e Tomás de Aquino (cf. S. Th: I, q. 23, a. 1, a.

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2, a. 4, a. 7, a. 8; I-IIae, q. 117, a. 5; II-IIae, q. 174; III, q. 24, a. 1, a. 3). Os pré-reformadores Jan Hus e John Wycliffe também afirmaram o ensino dapredestinação em moldes agostinianos. Um detalhe que chama a atenção é queainda que Agostinho seja citado, sua compreensão sobre a predestinação e agraça não é oferecida no texto.

O mais surpreendente é quando o autor afirma que Lutero abrandou a posiçãoafirmada em seu tratado “Da vontade cativa”, e que passou a crer napossibilidade de se cair da graça (lendo erroneamente os Artigos de EsmacaldeIII.42-45, que, na verdade, refutava distorções anabatistas). Ao tratar de umamudança de ênfase na teologia de Lutero, ele cita Herman Bavinck como fonte,mas não mencionou que este autor também afirmou que Lutero “nunca reverteusua posição sobre predestinação”, e que os “verdadeiros luteranos” rejeitaram osinergismo de Filipe Melanchthon (“Teologia Sistemática”, v. 2, p. 364). 

Obviamente, há diferenças significativas entre os teólogos cristãos, e mesmoentre teólogos da tradição reformada. Por isso, um bom ponto de partida para

tratar de temas teológicos controversos é começar com o que afirmam asconfissões de fé que resumem as posições das tradições professadas, e nãocom as posições de teólogos, por mais importantes que estes sejam (porexemplo, nem todos os teólogos reformados ficam satisfeitos com a afirmaçãoda CFW VI.1, de que Deus determinou permitir o primeiro pecado, mas estaconfissão, e não a opinião dos teólogos, representa a posiçãoreformada/puritana).

Sobre a participação dos arminianos no Sínodo de Dort – que talvez seja o maisimportante concílio protestante já ocorrido – é necessário deixar claro que estesnão foram vítimas inocentes do poder do Estado ou dos calvinistas, como o autor

parece opinar. Como John de Witt afirmou: “Os arminianos (...) utilizaram de todaengenhosidade para evitarem qualquer declaração [clara de seus ensinamentos](...), exigiram que fosse seguida sua própria pauta de assuntos em lugar da doSínodo, praticaram evasivas táticas de retardamento e obstruções (...) erejeitaram a autoridade do Sínodo em julgá-los; isto a despeito do fato de serlegalmente um Sínodo da Igreja em que ocupavam cargos, à qual confessavampertencer, e a cuja disciplina estavam obrigados a se submeter em virtude desuas ordenanças e votos!” (cf. O Sínodo de Dort, em Jornal Os Puritanos [Ano 3nº 2, Março/Abril 1995], p. 27-30) E, como o pastor Silas reconhece, “osseguidores de Arminius na Holanda acabaram, com o passar do tempo, seafastando progressivamente do pensamento original de seu mentor”, rejeitandodoutrinas como o pecado original, a expiação substitutiva e penal e até mesmoa divindade de Cristo, tornando-se, como nota o autor corretamente, “liberais emteologia”.

Quando trata da controvérsia arminiana do século XVIII, o autor (apoiando-seem uma única fonte secundária) poderia ter colocado toda a polêmica emcontexto, o que seria muito instrutivo para nós, hoje. Em meados de 1740, houveum confronto entre Wesley e George Whitefield; o primeiro supunha,erroneamente, que a doutrina da predestinação poderia conduzir aoantinominianismo. Mas a leitura dos escritos puritanos, por parte de Wesley,conduziu-o a uma reavaliação desta posição e, com isso, alcançou-se um acordo

entre ambos os lados, o que permitiu uma cooperação na pregação doevangelho, já que nos temas centrais (pecado original, justificação pela fé e

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santificação) havia acordo. Mas a contenda reiniciou-se em meados de 1770,por causa não da doutrina da predestinação, mas do ensino da justificação  – osuíço John Fletcher (Jean de la Fléchère), colega de John Wesley, começou anegar a doutrina da imputação da justiça de Cristo ao fiel. Em síntese, ele afirmouque a justificação requereria santificação pessoal e não a fé somente (cf. “Fourth

Check to Antinomianism”). Nesta altura, Wesley vacilou na defesa desta doutrinaimportantíssima para a fé evangélica. O contundente texto de Augustus Toplady,“Arminianismo: o caminho para Roma”, foi escrito nesta época – e em respostaa uma distorção da doutrina bíblica da justificação pela graça, recebida mediantea fé somente, com todas as implicações doutrinais e devocionais daídecorrentes. Richard Watson, talvez o mais habilidoso teólogo metodista,escreveu no século XIX, sobre Fletcher: “Embora muito admirado entre oswesleyanos, suas doutrinas não são admitidas como norma” (cf. Iain H. Murray,“Wesley and Men Who Followed”). E, diferente da perspectiva do autor, de que“o arminianismo ergueu-se vitorioso” da controvérsia, os metodistas arminianossaíram da igreja episcopal, que, na época, ainda era majoritariamente calvinista,

para fundar um dos ramos do metodismo, e do qual se originou os movimentosde santidade (o outro ramo, seguidor do calvinismo, era o metodismo galês, e setornou presbiteriano, e não congregacional, como afirmou o autor).

O estudo da história do pensamento cristão é muito importante. Mas, no fim, oque irá decidir toda discussão no âmbito da fé é a Escritura, que é “o juizsupremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas,e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniõesdos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o juiz supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senãoo Espírito Santo falando na Escritura” (CFW I.10). Portanto, o que conta é o que

a Escritura ensina. Que ela seja estudada por meio de “exegese, exegese e maisexegese”, sempre em dependência do Espírito Santo. Pois devemos nos apegarsomente e fielmente à Palavra de Deus, revelada nas Escrituras somente.

Sobre artigo do irmão Franklin Ferreira acerca de meu artigo em Obreiro

Por Silas Daniel

Soube no final da tarde de anteontem que o professor batista calvinista FranklinFerreira publicou em seu Facebook, provavelmente a pedido de alguns de seusleitores, uma avaliação sobre o meu artigo “Em Defesa do Arminianismo”,publicado na edição 68 (janeiro a março de 2015) da revista Obreiro Aprovadoda CPAD (Para ver sua avaliação, clique AQUI). Antes de tudo, fico feliz emsaber que a revista “Obreiro”, cuja circulação se destina originalmente aosarraiais assembleianos, esteja também sendo lida por irmãos em Cristo de outros

arraiais. E nos alegra ainda mais saber que é lida por gente do calibre do irmãoFranklin Ferreira, a quem, mesmo não conhecendo pessoalmente, admiro,

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devido à qualidade dos seus trabalhos que já me chegaram às mãos,notadamente a sua obra rica e de fôlego Teologia Sistemática  – uma análisehistórica, bíblica e apologética para o contexto atual, em coautoria com AlanMyatt.

Soube só no final da quarta-feira sobre o artigo do irmão Franklin porque, até apresente data, não tenho Facebook, assim como não tenho Twitter, sendo minhapresença na internet resumida a cinco canais: um blog criado em 2007 eabandonado há dois anos, minha coluna no site de notícias CPADNews, doisemails – um de trabalho e outro pessoal – e uma conta no WhatsApp para falarcom amigos, criada há menos de seis meses. Não por acaso, foi somente poremail – e depois por uma mensagem de um leitor no espaço de comentários deminhas colunas aqui – que fiquei sabendo do artigo, que só fui ler ontem, no finalda tarde.

 Agradeço a cordialidade e as palavras de apreço do irmão Franklin na aberturade seu artigo e pretendo, por meio de três artigos que serão publicados aqui,

neste espaço, na semana que vem (o primeiro na segunda, dia 1; o segundo naterça-feira, dia 2; e o terceiro na quarta-feira, dia 3), fazer algumas observaçõesacerca de cada uma das dúvidas e objeções que o irmão Franklin levanta nodecorrer de sua avaliação sobre o conteúdo de meu artigo “Em Defesa do Arminianismo”. Ontem à noite ainda, comecei a escrevê-lo e já estou com osdois primeiros artigos prontos, faltando só uma última lida para revisão, e oterceiro está quase concluído. Preferi dividir essas minhas observações em trêsartigos porque o texto inteiro, como quase tudo que escrevo, é bem extenso.

 Até lá, indico, como “aperitivo” para os leitores, o excelente artigo do irmão ecompetente teólogo arminiano Zwinglio Rodrigues sobre o texto do irmão

Franklin acerca do meu artigo em Obreiro Aprovado. Para lê-lo, clique AQUI.

Comentários e respostas à crítica de Franklin Ferreira ao artigo ‘Em Defesa do Arminianismo’ 

Por Zwinglio Rodrigues

Sobre o começo

O escritor batista Franklin Ferreira postou alguns comentários em sua página dofacebook fazendo referência ao texto Em Defesa do Arminianismo, publicado naRevista Obreiro Aprovado, ano 36, nº 68, escrito pelo também escritor, nessecaso assembleiano, Silas Daniel. Li o artigo de Silas Daniel e o achei muito bom.O articulista representou bem o arminianismo clássico. Não vou entrar no méritoda “disputa”, mas, digamos, em meu próprio nome, visto que sou um arminianoclássico exaurido por ler e ouvir tantas inverdades e meias verdades sobre o

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arminianismo clássico, depois dos comentários de Ferreira ao texto de Daniel,passo a escrever algumas linhas comentando o que disse Ferreira e oferecendoalgumas respostas. Tratarei apenas sobre o que achar necessário para omomento. Esse será meu empreendimento aqui. Antes, devo informar que otexto seguinte é informal, ou seja, não tem pretensão alguma de ser acadêmico.

Tanto é que não cito as fontes donde retirei alguns excertos. Caso seja solicitadoa apresentar as fontes, os anos e as páginas, farei isso sem dificuldade alguma.Sigamos.

Sobre cordialidade

Observo de antemão o caráter gentil das linhas escritas por Ferreira. Nãodetectei nenhum tom belicoso. Isso é bom, pois não podemos imitar, porexemplo, a disposição raivosa (“disposição raivosa” é um eufemismo) que oSínodo de Dort dispensou ao ancião arminiano Van Oldenbarneveldt, crente,

irmão de fé, que foi decapitado e teve seus bens confiscados. Discussões edebates entre crentes, irmãos de fé, devem sempre ocorrer no campo das ideiase nada mais. Não cabe a cristãos autênticos serem iracundos e ofensivos notrato com o outro por causa de pontos de vistas teológicos distintos e nem porqualquer outra razão (sei o que é agir assim e o que é ser vítima disso). Afinalde contas, um crente genuíno tem o Espírito Santo para guiá-lo por um caminhodistante da contenda. Paulo disse que não convém ao servo do Senhorcontender (2Tm 2:24). Quem dera teólogos de todos os tempos tivessemobservado esta Escritura. Parabenizo a Ferreira pelo tom irênico (tomo porempréstimo esta palavra que ele usou referindo-se ao escrito de Daniel) de seuscomentários.

Feito esse destaque importante, passo a comentar algumas colocações deFerreira que penso estarem relacionadas ao modo como ele vê o arminianismoclássico.

Sobre os sistemas pelagiano, semipelagiano e arminiano

O autor comunga com Daniel que o arminianismo não é pelagianismo e isso medeixou deveras contente, pois é comum ler e ouvir acadêmicos calvinistasconcluírem que o arminianismo clássico é pelagianismo. Depois, Ferreira

argumenta que dependendo de qual autor se lê podemos nos deparar com umarminianismo que é semipelagianismo ou semiagostinianismo. Estou de acordo. A respeito daquelas duas últimas terminologias, para fins de debates, optosempre por usar o semiagostinianismo. Explico: o que é denominado desemipelagianismo está relacionado a um meio-termo que surge da querela entreos sistemas pelagiano e agostiniano. Ora, o que emerge da disputa não provémde qualquer núcleo teológico relacionado a Pelágio e sim a Agostinho. Não setratava de uma forma modificada do sistema teológico de Pelágio, pois a teologiapelagiana foi rejeitada peremptoriamente. Tratava-se de manifestações donúcleo teológico agostiniano, do qual alguns, além de contraporem-se àsdoutrinas pelagianas, não estavam dispostos a seguir o bispo de Hipona até as

últimas consequências de sua teologia. Destacar isso é importante porque, comoJessy Hurlbut, outros historiadores dizem que o pensamento soteriológico

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agostininano foi o que sempre prevaleceu na história da igreja, o que é umainverdade possível de ser provada tanto no tocante aos quatro primeiros séculosbem como no tempo posterior a Agostinho. Nem o agostiniano Próspero de Aquitânea subscreveu as doutrinas mais radicais de Agostinho.

Sobre exegese, exegese e mais exegese

Ferreira crítica Daniel por apresentar textos-prova para suas afirmações e nãooferecer nenhuma discussão léxical e/ou exegética. Não vou entrar no mérito dareprimenda. Mas, entendendo (acredito que Daniel também) a importância deuma abordagem exegética dos textos bíblicos, conforme destaca Ferreira. Porisso, desejo apresentar aqui duas referências bíblicas pinçadas do artigo deDaniel que atestam a doutrina da expiação ilimitada, uma doutrina cara aoarminianismo clássico.

Tais escrituras não serão dadas apenas como textos dos quais se presume aexpiação ilimitada, mas sofrerão uma análise exegética e lexical. Exporei ascoisas assim: 1. Apresentarei uma conclusão de Charles Spurgeon sobre o quefazem estudiosos calvinistas com o texto de 1Timóteo 2:4. Só escreverei aconclusão porque Spurgeon certamente fez a exegese da passagem e chegoua conclusão que qualquer exegeta fiel ao que está escrito chegaria. 2.Posteriormente, trabalharei a passagem de 1João 2:2. Aqui apresentarei umaexegese da referida escritura.

1. Spurgeon e 1Timóteo 2:4.

E então? Tentaremos colocar um outro sentido no texto do que já tem? Pensoque não. Precisa-se, para a maioria de vocês, conhecer o método comum comqual os nossos amigos Calvinistas mais velhos lidaram com esse texto. ‘Todosos homens,’ dizem eles, — ‘quer dizer, alguns homens’: como se o Espírito Santonão poderia ter falado ‘alguns homens’ se quisesse falar alguns homens. ‘Todosos homens,’ dizem eles; ‘quer dizer, alguns de todos os tipos de homens’: comose o Senhor não poderia ter falado ‘Todo tipo de homem’ se quisesse falar isto.O Espírito Santo através do apóstolo escreveu ‘todos os homens,’ e sem dúvidaquer dizer todos os homens. Estava lendo agora mesmo uma exposição de umdoutor muito apto o qual explica o texto de tal forma que muda o sentido; ele

aplica dinamite gramatical no texto, e explode o texto expondo-o […] O meu amorpela consistência com as minhas próprias doutrinas não é de tal tamanho parame autorizar a alterar conscientemente um só texto da Escritura. Respeitograndemente a ortodoxia, mas a minha reverência para a inspiração é bemmaior. Prefiro parecer cem vezes ser inconsistente comigo mesmo do que serinconsistente com a palavra de Deus.

Spurgeon diz que calvinistas

• mudam o sentido da Escritura; 

• aplicam dinamite gramatical no texto; 

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• explodem o texto expondo-o;

• alteram o texto em favor de suas próprias doutrinas; 

• estimam mais a ortodoxia do que a inspiração bíblica;

• e são inconsistentes. 

Com a palavra Ferreira para apresentar sua exegese de 1Timóteo 2:4.

2. Uma exegese de 1João 2:2.

Proponho um olhar sobre o vocábulo grego holos nas passagens de 1João 5:19e 2:2.

Holos, segundo James Strong, significa “’todo’ ou ‘tudo’, i.e., ‘completo’: emextensão ou quantidade […] como advérbio: tudo, inteiramente.” Gingrich eDanker estão de acordo e Rienecker e Rogers idem. Passemos à leitura dasreferências bíblicas. Sabemos que somos de Deus e que o mundo todo jaz nomaligno. (1Jo 5:19)

“Mundo todo”, nesta referência, em termos de quantidade, indica a totalidade daspessoas. Nenhum intérprete calvinista ousa impor (ou ousa?) ao texto umaespécie de categoria de pessoas, mas toma a referência como um todo inclusivo,pois o autor está a tratar disso. O estudioso calvinista sabe que o mundo, ahumanidade inteira, rebelde, está nas garras do maligno. No entanto, ao ler1João 2:2, a coisa muda de figura.

E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossospróprios, mas ainda pelos do mundo todo.

“Mundo todo” aqui para intérpretes calvinistas significa “mundo dos eleitos”.Dessa forma, em um mesmo texto, sob a pena do mesmo autor, em um contextoimediatíssimo, esses intérpretes dão sentidos diferentes à mesma palavra (todo)e expressão (mundo todo). Estive em uma mesa de debate com o doutor emhermenêutica e interpretação bíblica, Augustus Nicodemus, e ele chamou aatenção para a necessidade de se entender uma palavra revestida de algumaobscuridade exatamente no contexto mais imediato possível. Ou seja, antes deir a outros textos e autores é preciso averiguar se a palavra ou expressão ocorreno mesmo texto e autor estudado. Perfeito! Logo, encerra-se ser necessário usardo mesmo procedimento no tocante à palavra “todo” e a expressão “mundo todo”nas referências joaninas em foco. Portanto, o “mundo todo” em 5:19 que estáem pecado é o “mundo todo” de 2:2 passível de receber os benefícios daexpiação. A boa hermenêutica deve chegar a essa conclusão, pois estamostratando de regras básicas. A análise gramatical, per se, resolve a questão.Dizendo isso demonstramos o alto valor que damos ao sentido gramatical.

Não sendo suficiente para alguns, o próximo passo hermenêutico é a análisecontextual, e esta, prova não poder comportar outro significado que não sejaentender “todo mundo” como a totalidade das pessoas. Ademais, João fala sobre“pelos nossos pecados”, referindo-se aos crentes, e “pelos do mundo inteiro”referindo-se aos descrentes. Duas categorias bem distinguidas.

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Outro malabarismo interpretativo proposto por calvinistas chega ao ponto deconcluir que quando João diz “pelos nossos” ele está se referindo aos judeusconvertidos e quando diz “pelos do mundo inteiro” tr ata-se de uma indicação dosgentios convertidos. Disso supõe-se serem os interlocutores de João todos judeus. Ora, a primeira Epístola de João é um texto tardio escrito em cerca de90 d.C. e as comunidades já a muito eram compostas de crentes judeus egentios. Tomando por certo que as epístolas joaninas foram endereçadas àscomunidades cristãs da Ásia Menor reforça-se ainda mais o caráter misto dasigrejas. Portanto, o apelo calvinista ao contexto histórico também desconstrói ainterpretação dada à palavra “todo” e à expressão “mundo todo” chegando aosentido de “mundo dos eleitos”. 

Os arminianos clássicos seguem a boa hermenêutica e contenta-setranquilamente com a intenção autoral. A gramática, o contexto imediato e ocontexto histórico observados seguidamente nos informa que “mundo todo” em

5:19 e 2:2 trata da totalidade das pessoas sem ocupar-se com eleitos e nãoeleitos. Em extensão, a expiação é em favor de todos.

Não duvido que possa existir uma exegese melhor. Espero que Ferreiraapresente as interpretações calvinistas “mais coerentes e consistentes com otexto bíblico” (resgato uma fala de Ferreira). 

Meu amigo Walson Sales, arminiano fervoroso, de cinco pontos, a um tempoatrás me passou estas considerações históricas:

O que duas coisas todos esses homens  –  João Calvino, Heinrich Bullinger,Thomas Cranmer, Richard Baxter, John Preston, John Bunyan, John Howe,

Zacharias Ursinus, David Paraeus, Stephen Charnock, Eduard Polhill, IsaacWatts, Jonathan Eduards, David Brainard, Thomas Chalmers, Phillip Dod-dridge,Ralph Wardlaw, Charles Hodge, Robert Dabney, W.G.T Shedd, J. C. Ryle, A.H.Strong – tem em comum? Todos foram calvinistas, e todos não ensinaramexpiação limitada. Tal alegação com frequência choca igualmente calvinistas enão-calvinistas.

O que duas coisas todos esses nomes tem em comum? John Davenant, MattiasMartinius, Samuel Ward, Thomas Goad, Joseph Hall, Ludwig Crocius, e JohannHeinrich Alsted? Todos foram calvinistas, e todos foram delegados em Dort querejeitaram a expiação limitada.

O que duas coisas esses nomes tem em comum? Edmund Calamy, HenryScudder, John Arrowsmith, Lazarus Seaman, Richard Vines, Stephen Marshall,e Robert Harris? Todos foram calvinistas e todos foram teólogos em Westminsterque rejeitaram a expiação limitada. Todos os homens acima também afirmarama forma de expiação universal (Capítulo 4 do livro WHOSOEVER WILL: ABIBLICAL-THEOLOGICAL CRITIQUE OF FIVE POINT CALVINISM do dr DavidL. Allen – The Atonement: Limited dor Universal?)

Graças a Deus pela expiação ilimitada!

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Sobre presciência divina e expiação universal

Ferreira levanta a seguinte questão sobre a doutrina da presciência comopensada pelos arminianos clássicos: “se Deus já sabia quem receberia a Cristo,por que este precisaria morrer por todos?” Tal questão soa no sense. A morte deCristo no arminianismo clássico não é para aqueles que Deus sabia que searrependeria, mas é para toda a humanidade. Tal sacrifício como pensado peloarminianismo clássico revela, antes de mais nada, o amor de Deus por todahumanidade e por cada pessoa (Jo 3:16) e seu santo desejo de que todos sesalvem (1Tm 2:4, 2:6; Tt 2:11; 2Pe 3:9). Creio que Ferreira tenha conhecimentoda explicação arminiana para a questão que ele levanta. De todo modo, deixo arápida e básica explicação acima.

Sobre Dort

Noutro momento, o escritor sai em defesa do Sínodo de Dort apresentando umexcerto de John de Witt. Leiamos.

Os arminianos (…) utilizaram de toda engenhosidade para evitarem qualquerdeclaração [clara de seus ensinamentos] (…), exigiram que fosse seguida suaprópria pauta de assuntos em lugar da do Sínodo, praticaram evasivas táticasde retardamento e obstruções (…) e rejeitaram a autoridade do Sínodo em julgá-los; isto a despeito do fato de ser legalmente um Sínodo da Igreja em queocupavam cargos, à qual confessavam pertencer, e a cuja disciplina estavamobrigados a se submeter em virtude de suas ordenanças e votos!

Não vejo nada que deponha contra os arminianos nesta declaração quando

trazemos a baila outras informações sobre o Sínodo. Para ser o mais objetivopossível na tentativa de desacralizar o Sínodo e de absolver os arminianos,apresento os excertos a seguir.

Frederick Calder escreveu:

 A condenação foi determinada antes do Sínodo Nacional […] montado, não tantopara examinar as doutrinas dos arminianos com o objetivo de analisar se eleseram dignos de tolerância e indulgência, mas para denotar um certo ar desolenidade e justiça […]. Contando com a presença de ministros estrangeiros,

autoridades respeitáveis, buscavam legitimar uma sentença elaborada eacordada anteriormente entre aqueles que estiveram à frente dos trâmites paraa instalação do Sínodo.

Consoante Calder, o Sínodo foi montado apenas por uma questão pró-forma ede sagacidade, pois o veredito já era previsto.

Justo L. Gonzalez explica em torno de quais questões girou o debate depois dosremonstrantes apresentarem um documento (Remonstrance) contendo suascrenças. Vejamos.

[…] a controvérsia ficou envolvida num conjunto de questões políticas e sociais.

 A maioria das províncias marítimas, e especialmente a burguesia, que eranumerosa e poderosa naquelas províncias, tomaram a posição arminiana. As

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classes baixas rurais, bem como aqueles das ilhas que viviam da pesca,apoiaram o Calvinismo rígido de Gomarus, e foram acompanhadas nestaposição por diversos estrangeiros exilados para quem a pureza da fé eraessencial. Assim como as províncias marítimas apoiaram João Barneveldt emsua oposição ao poder crescente de Maurício de Nassau, os arminianos

contaram com o apoio de Barneveldt, enquanto Maurício era a favor dosGomaristas. Quando Roterdã optou pela posição remonstratense, Amsterdã,que há muito era sua rival, assumiu a posição oposta. De qualquer forma, em1618, Maurício de Nassau e seu partido tinham consolidado seu poder, e,portanto, quando o Sínodo de Dort foi convocado estava claro que elecondenaria a posição remonstratense.

Eram questões políticas e sociais deram o tom da controvérsia. Pelo menos é oque informa Gonzalez.

Ora, sabedores de todas as articulações políticas cheias de péssimas intenções,nada mais natural o comportamento dos arminianos criticado por Ferreira citando

Witt. Caso eu estivesse no lugar deles faria a mesma coisa. Suponho que atéFerreira. Continuo apresentando Dort.

Gonzalez escreve:

Imediatamente depois do Sínodo de Dordrecht tomaram medidas contra osarminianos e seus partidários… Quase uma centena de ministros de convicçõesarminianas foram banidos e outros tantos foram privados dos púlpitos. Aos queinsistiam em continuar pregando foi determinada a prisão perpétua. Os leigosque assistiam aos cultos arminianos corriam o perigo de ter que pagar pesadas

multas. Para se assegurarem de que os ministros não ensinassem doutrinasarminianas, também foi exigidoa aceitarem formalmente as decisões deDordrecht. Em alguns lugares se chegou a exigir dos tocadores de órgão umadecisão semelhante Conta-se que um deles comentou que não sabia como tocarno órgão os cânones de Dordrecht.

José C. Rodriguez anota:

Quando o Sínodo de Dort se reuniu em 1618, os remonstrantes esperavam serreconhecidos como iguais e que o sínodo ocorresse com espírito de fraternidade,

mas não foi assim. Imediatamente depois do Sínodo, começaram as represáliase perseguições dos remonstrantes. Um total de 200 ministros arminianos foramdepostos de seus cargos; 80 foram exilados; quase 70 fizeram um acordo paradeixarem seus ministérios e guardarem silêncio. Líderes políticos tiveram seusbens apreendido. Van Oldenbarnevedelt foi declarado culpado de traição e em14 de maio foi decapitado. Grócio foi sentenciado a prisão perpétua, porém coma ajuda de sua esposa, que o escondeu em um baú grande, supostamente cheiode livros, pode escapar e fugir em 1621.

Segundo Laurence Vance, isso tudo aconteceu, pasme, sob o seguinte juramento:

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Prometo diante de Deus, no qual creio e ao qual adoro, como estando presenteneste lugar, e como sendo o Pesquisador de todos os corações, que durante ocurso dos procedimentos deste Sínodo, que examinarei e julgarei, não apenasos cinco pontos, e todas as diferenças que deles resultam, mas também qualqueroutra doutrina, eu não usarei nenhuma composição humana, mas somente a

palavra de Deus, que é uma infalível regra de fé. E durante todas estasdiscussões, somente objetivarei a glória de Deus, a paz da Igreja, eespecialmente a preservação da pureza da doutrina. Então me ajude, meuSalvador, Jesus Cristo! Eu lhe suplico assistir-me pelo seu Espírito Santo!

Calder informa-nos:

Os Estados da Holanda, por meio de seus deputados, prometeram, verbalmente,que nenhum dano físico deveria ser infringido a eles, visto que o Sínodo estavasendo montado para examinar os pontos em disputa […]. Mas, eles violaram a

sua palavra, como os príncipes católicos fizeram com John Huss. Pois, emborativessem feito a promessa acima, não lhes permitiram sair de Dort, visitar suascasas, mesmo quando na ocorrência das aflições familiares mais urgentes, ouem caso de morte […]; e, finalmente, foram banidos do país como criminosos. 

Qual o valor da palavra de um Sínodo que como diz Ferreira “talvez seja o maisimportante concílio protestante já ocorrido”? 

Fechando esse momento descritivo do que andou acontecendo pelos lados deDordrecht sob um juramento em nome da Trindade, transcrevo mais umainformação de Calder.

Na manhã seguinte, 13 de maio de 1619, o último ato dessa tragédia foi realizadocom o assassinato da vítima inocente, para servir como o selo de sanção dostrabalhos do Sínodo. Trazido à presença de seus juízes, a sentença foi lida […]que terminava assim: “John Oldenbarneveldt sairá para o local da execução, teráa cabeça cortada pela espada da justiça, e seus bens serão confiscados.” Elerecebeu esta sentença de morte […] com um semblante destemido, e disse: “Euestava com boas esperanças de que vossas excelências […] permitissem que  meus bens ficassem para minha esposa e filhos.” Estas últimas palavras elepronunciou com uma voz fraca e semblante abatido, mas sendo informado pelopresidente que ele deveria submeter-se a sua sentença, retomou a sua firmeza,e levantando-se da assento foi imediatamente conduzido através do grande

salão para o cadafalso. A sala estava cheia de seus amigos e conhecidos. Elenão tomou conhecimento de nenhum deles quando passou, e continuou a dar-se com a mesma grandeza e serenidade em seu caminho para o cadafalso,apoiado em seu cajado, e apoiado por seu servo. Quando chegou lá, perguntou:“Será que não há almofada ou banquinho para que eu me ajoelhe?” e, emseguida, ajoelhando-se sobre as tábuas ásperas, ele orou por um tempo. Então,levantou-se e começou a preparar-se, dizendo, ao apontar para o carrasco:“Esse homem não precisa me tocar.” Ajoelhando-se para receber o golpe fatal,ele se dirigiu ao povo, exclamando em voz alta. “Bons cidadãos, não acreditoque morro como um traidor, mas, pelo contrário, como um verdadeiro patriota”;e, em seguida, ajoelhando-se, levantando as mãos para o céu, disse: “Cristo é o

meu guia; Senhor, tem piedade de mim, Pai, nas tuas mãos entrego o meu

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espírito”; foi quando o carrasco deu um golpe só em sua cabeça. E assim caiueste ilustre estadista e cristão.

Isso foi Dort, consoante autores citados. Via de regra, ao falarem do Sínodo deDort, os calvinistas não trazem a tona aqueles eventos. Ficam sempre no meioda estrada. Isso é Lamentável. Não sei o que escreveu Silas Daniel sobre Dort,mas se teceu críticas, fez muito bem. Se o desconsiderou como santo e tementea Deus, fez bem. Matthias Martinius, um dos delegados presentes, arrematou:“(havia) alguns divinos, alguns humanos, alguns diabólicos.” 

Sobre “desertores” do pensamento original de Armínio

Ferreira destaca ter Silas Daniel reconhecido que seguidores de Armínio seafastaram progressivamente do pensamento original do teólogo holandês.Daneil mais uma vez acertou em cheio dando esse destaque em seu texto.Muitos calvinistas medem Armínio, os primeiros remonstrantes e muitosarminianos clássicos de hoje com a “régua” Phillip Limborch que se afastou de Armínio apresentando ensinos próximos ao semipelagianismo e amalgamadosà religião natural do Iluminismo. Tenho tido sempre a impressão que fazem issopor desonestidade intelectual. Simon Episcopius, o principal líder dosremonstrantes, amigo de Armínio, manteve-se firme e apegado aos ensinossoteriológicos de mestre.

Sobre a divindade de Cristo e o arminianismo clássico

Quando Ferreira levanta a negação da divindade de Cristo por parte dearminianos posteriores, estaria ele referindo-se à fórmula autotheos (Deus em simesmo) Tanto Armínio como Episcopius defendiam esta fórmula do mesmomodo que os pais capadócios e o grande Atanásio, Patriarca de Alexandria. Armínio e Episcopius nunca negaram que o Filho fosse da mesma essência doPai, mas defendia que o Pai é a fonte da divindade. Portanto, ao se referir ànegação da divindade do Filho, caso esteja Ferreira fazendo menção à fórmulaautotheos, não é procedente inferir desta fórmula como sendo uma negativa dadeidade de Jesus Cristo.

 Armínio disse:Essa pessoa é o Filho de Deus e o filho do homem, dotado de duas naturezas,a divina e a humana, inseparavelmente unidas, sem mistura ou confusão […] osantigos denominaram, corretamente, esta união de hipostática.

 Armínio (Episcopius e remonstrantes também) cria na Trindade Ontológica

Sobre o fim

Finalmente, Ferreira, encerrando seus comentários concernentes ao texto de

Silas Daniel ressaltando a importância do estudo da história do pensamentocristão, certeza com a qual concordo. Depois ele argumenta que o supremo juiz

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desse deslize próprio da influência da pós-modernidade em nossos dias, quemme taxa de “absolutista”, no sentido de desprezo a qualquer convicção diferenteda minha, também não leu meu artigo, porque em nenhum momento desrespeitoas convicções de meus irmãos calvinistas compatibilistas. Assevero que o Arminianismo é biblicamente mais coerente, mas não reconheço como “heresia

perniciosa”, como acham alguns, o calvinismo compatibilista. Leiam lá. Dedicoas três últimas páginas do meu artigo a explicar isso.

3) Em uma entrevista dada ao blog “Teologia Pentecostal” sobre o meu artigo(para lê-la, clique AQUI), afirmei: “…até entendo que um crente assembleianopossa ter particularmente convicções calvinistas, mas empenhar-se em umprojeto de ‘calvinização’ da denominação é demais. Não que eu conheça alguémparticularmente empenhado nisso. Falo em hipótese. Se você já não se sentebem na Assembleia de Deus, se não se sente mais um assembleiano, se sente-se mais um calvinista do que assembleiano, é melhor sair da Assembleia de

Deus e ir para uma igreja tradicional ou renovada calvinista. Pelo menos em favorda própria coerência”. 

Por incrível que pareça, alguns entenderam que eu estava, arrogantemente,convidando todos os assembleianos que têm convicções calvinistas a saírem dadenominação. Primeiro, eu não tenho autoridade para isso; segundo, eu nãodisse isso. É só reler atentamente o que disse e qualquer um perceberá o óbviodos óbvios: que, em primeiro lugar, eu estava me referindo, com todas as letras,ao caso de um assembleiano que, hipoteticamente, além de ter convicçõescalvinistas, se dedica a uma campanha de “calvinização” da denominação– ouseja, trata-se de um caso muito específico –; e em segundo lugar, o que disse

em seguida, em relação a esse caso muito específico, foi uma argumentaçãológica, mais do que natural, atinente à consciência dessa pessoa: se a pessoanão se sente mais um assembleiano (que, por essência, é pentecostal earminiano), se não se sente mais confortável na sua denominação, ao ponto deiniciar uma campanha para adaptar toda a sua denominação à sua crençapessoal, é bem melhor sair de sua denominação e ir para outra igreja onde sesinta melhor. Eu faria isso, se esse fosse o meu caso.

4) Tem gente que acha absurdo uma denominação querer preservar suaidentidade. Acho mais do que natural. Os presbiterianos preservam a sua, oscongregacionais, os batistas e os metodistas idem. Até mais do que nós. NaIgreja Presbiteriana, por exemplo, para ser ordenado ao ministério, o candidatoa ministro deve empenhar palavra de honra que crê no Calvinismo e semprepregará e ensinará o Calvinismo. E se ele, depois de ordenado, descumprir seus juramentos ordenatórios, sofrerá um processo para ser retirado do ministério. Éassim que a coisa é tratada lá: como uma questão inegociável de consciência.Parece que nem sempre valorizamos isso, mas trata-se de algo muitoimportante. Deixe-me dar outro exemplo: alguém pode ser considerado aindaassembleiano se não crê mais no batismo no Espírito Santo? Seria coerência sedizer ainda assembleiano mesmo não se crendo mais nisso? A resposta,

obviamente, é “não”. Mas isso não significa que sairemos agora fazendo “caçaàs bruxas” para saber quem, no fundo, no fundo, pensa ou não assim nas ADs

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pelo Brasil. Até aqui, a coisa é um problema pessoal, de consciência da própriapessoa. O problema passa do forum pessoal quando a pessoa resolve confrontarsua denominação para que ela se curve à sua crença pessoal divergente, ouquando sai disseminando-a explicitamente na denominação, o que se constituitambém uma atitude de confronto.

Graças a Deus, não vejo isso na Assembleia de Deus. Não vejo assembleianoscalvinistas subindo no púlpito para confrontar pregando o Calvinismo. Aliás, euacrescentaria também que, mesmo considerando que há, sim, um grandenúmero de assembleianos que professam hoje alguma simpatia pelo Calvinismo,eles ainda parecem ser minoria em relação ao número de assembleianosinconscientemente semipelagianos por falta de ensino do que é o verdadeiro Ariminianismo. Não tenho nenhuma pesquisa científica para provar isso  –  éconclusão apenas do meu dia-a-dia viajando pelas ADs no Brasil. Portanto,posso estar equivocado, mas é o que me parece sinceramente.

 Ambos os casos – assembleianos semipelagianos e assembleianos calvinistas

 –  são fenômenos de um mesmo e antigo problema: a falta de ensinar o Arminianismo.

Enfim, voltando ao leito deste tópico, todos são livres para aderirem ao quecrêem. Ninguém é obrigado a permanecer em um lugar que prega aquilo do quediscorda. Permanecer em um lugar assim, guardando sua divergência só parasi, é incoerente, mas ainda é aceitável. Mas brigar com toda a sua denominaçãopor causa disso é mais do que incoerente: é gritantemente incoerente. Aindamais que não estamos falando da hipótese apenas de alguém tentar mudar aidentidade de toda uma denominação à sua imagem e semelhança, mas detambém estar brigando para isso por causa de uma doutrina secundária (no caso

do embate Arminianismo x Calvinismo, a mecânica da salvação, e não amensagem e o método da salvação).

5) Ainda na referida entrevista ao blog “Teologia Pentecostal”, eu disse que “A Assembleia de Deus é do jeito que é não apenas por ser pentecostal, mas porser também arminiana. Se a Assembleia de Deus deixa de ser arminiana, ela setorna outra coisa, e não mais o que é”. 

Por incrível que pareça, houve gente que entendeu que eu estivesse dizendoque seja impossível um pentecostal ser também calvinista e vice-versa. Claro

que não acho impossível um pentecostal ser calvinista. Estou falando em termosde identidade de uma denominação. Se a Assembleia de Deus deixa de serarminiana para se tornar calvinista, ela simplesmente deixa de ser Assembleiade Deus. Ela se torna outra igreja, porque, como eu já disse, “a identidadeconsiste em tudo aquilo que nos faz ser o que somos”. A AD é o que é   nãoapenas por ser pentecostal, mas por ser também arminiana. Faz parte de suaessência. Assim como uma Igreja Presbiteriana que se torna pentecostal deixade ser Igreja Presbiteriana. Ela se torna outro tipo de igreja, mesmo quemantenha a mesma nomenclatura. Pode até manter muito do que tinha antes,mas já não é mais a mesma igreja. É outra bem diferente.

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6) No meu referido artigo de Obreiro Aprovado, tratei extensamente sobre oSemipelagianismo na teologia popular da Assembleia de Deus, lembrando queisso é fruto de, durante décadas, os doutrinadores assembleianos terem sepreocupado mais em combater o Calvinismo do que em ensinar ao povo o queé, de fato, o Arminianismo – além de, como também frisei no artigo, muitas vezes

confundirem calvinismo fatalista com calvinismo de forma geral. Isso resultou emduas coisas: primeiro, muitos assembleianos, na prática, confundiam Arminianismo com Semipelagianismo ou até, em casos mais raros e graves, comPelagianismo; e em segundo lugar, quando os assembleianos passaram a tercontato maior com a teologia reformada, muitos deles, justamente por terem umavisão meramente fatalista do calvinismo e por não conhecerem perfeitamente o Arminianismo, se tornaram facilmente suscetíveis à teologia reformada.

Qual a solução para o fim do Semipelagianismo da teologia popular que vemosem alguns púlpitos e igrejas? É ensinar o Arminianismo de fato.

Os problemas para os excessos ou distorções no Arminianismo é ensinar o

 Arminianismo de fato, que tem sido pouquíssimo ensinado nas últimas décadasna Assembleia de Deus, e não descambar para o Calvinismo, como algunsassembleianos vitimados e ressacados pelas mensagens semipelagianasfizeram e propõem.

Segue-se uma analogia. Não é perfeita, mas serve para fins ilustrativos.

Sabemos que nos aeroportos há uma norma que proíbe as pessoas de levarempara o avião objetos perfurantes em bagagens de mão. Imaginemos, portanto,um aeroporto que estabelece essa norma pela primeira vez, mas nunca amassificou entre o seu público, que sempre manteve o hábito de levar bagagem

de mão. Logo, se tornarão freqüentes os casos de passageiros encontrados comobjetos perfurantes nas suas bagagens de mão. Mesmo assim, apesar dogrande índice de casos, o aeroporto continua não massificando que a implicânciacom certos objetos em bagagens de mão não é aleatória, mas específica: ocorreexclusivamente em relação a objetos perfurantes. Daí, alguns passageirosresolvem abandonar de vez a sua tradição de viajar com bagagem de mão, eassim nunca mais são incomodados. Muito bem, mas desnecessário. Bastavalevar bagagens de mão sem objetos perfurantes, o que a maioria faria se oaeroporto massificasse que a proibição é só para objetos perfurantes.

Nessa analogia imperfeita, os assembleianos que aderiram ao Calvinismo sãoos que preferem não levar bagagem de mão, quando bastava não levar objetosperfurantes nas bagagens de mão.

 A solução para o Semipelagianismo popular é ensinar o Arminianismo de fato, enão descambar para o Calvinismo.

Ensinemos, pois, o Arminianismo, que faz parte da nossa essência históricacomo denominação.

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Minhas observações às objeções levantadas pelo irmão Franklin Ferreira a meuartigo na revista Obreiro (Parte I)

Por Silas Daniel

Como anunciado em artigo publicado aqui, na sexta-feira, dia 29 de maio, seguehoje o primeiro de três artigos em sequência que estarei publicando nesta minhacoluna no CPADNews sobre as objeções levantadas pelo irmão Franklin Ferreiraao meu artigo publicado na revista Obreiro Aprovado do primeiro trimestre desteano (Se você pegou o bonde andando e não sabe do que se trata, clique AQUI).O segundo artigo será publicado amanhã, dia 2 de junho, e o terceiro e último naquarta-feira, dia 3 de junho. Vamos às minhas primeiras observações:

1) O irmão Franklin escreve que o semipelagianismo ou semiagostinianismo foi“mencionado, mas não definido” no meu texto. Bem, acho que no meu texto eudeixo claro o que é o semipelagianismo ou semiagostinianismo, diferenciando-oclaramente do arminianismo. Se não, vejamos (seguem abaixo trechos do meuartigo que o provam):

“Portanto, o Arminianismo não tem absolutamente nada a ver comSemipelagianismo e muito menos com Pelagianismo, como acusamdesonestamente calvinistas mal informados  –  ou até mal intencionados. Omonge Pelágio da Bretanha (350-423), como sabemos, não acreditava nasdoutrinas bíblicas do Pecado Original, da Depravação Total e da GraçaPreveniente, esposadas e defendidas tanto por calvinistas como porarminianianos”. 

“Mas, a acusação mais comum que tem sido feita contra os arminianos é queeles, não obstante não serem pelagianos, seriam semipelagianos, acusaçãoigualmente falsa. O Semipelagianismo surgiu logo após a condenação doPelagianismo, quando alguns cristãos do quinto século, ao lerem os argumentosde Agostinho contra Pelágio, concordaram que Pelágio havia incorrido em graveheresia, mas consideraram também que Agostinho havia exagerado um poucoem sua contra-argumentação às heresias pelagianas. Pelo fato de esses cristãosdiscordantes admirarem muito Agostinho, há quem prefira até chamá-los de

‘semiagostinianos’, mas prefiro usar aqui a nomenclatura tradicional‘semipelagianos’, porque é como são mais conhecidos”. 

“Diziam os semipelagianos, encabeçados pelo monge e teólogo francês JoãoCassiano (360-435), que os erros de Agostinho em seu embate com Pelágioforam dois: primeiro, seu conceito de predestinação, no que estavam certos; esegundo, sua defesa da Depravação Total, no que estavam completamenteequivocados. Os semipelagianos não negavam o pecado original  –  isto é, opecado herdado de Adão e Eva, a natureza pecaminosa etc –, mas diziam que,mesmo após a Queda, o ser humano ainda tinha em si resquícios da volição pré-Queda, um livre-arbítrio remanescente, que o possibilitava, sem precisar de uma

graça preveniente, responder com fé e arrependimento à pregação doEvangelho. Para eles, Deus poderia até dar início à fé em alguns casos, mas em

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muitos deles, ou na maioria, era o próprio homem que dava o initium fidei, oprimeiro passo para a Salvação”. 

“O Semipelagianismo, após muitas discussões, foi condenado no ano 529 peloConcílio de Orange. Entretanto, essa condenação se aplicou apenas à oposiçãodos semipelagianos à Doutrina Bíblica da Depravação Total. O mesmo concíliocondenou a crença de que Deus predestinou o mal ou pessoas ao inferno”. 

Pode-se até sugerir que eu poderia eventualmente me aprofundar mais no temado semipelagianismo, mas não é possível dizer que eu apenas “mencionei” osemipelagianismo sem dizer o que é.

2) Uma das coisas que o irmão Franklin considera “grave e sério” em meu artigoé o fato de eu não ter dedicado boa parte do meu texto a fazer exegese dostextos bíblicos usados pelo arminianismo para embasar-se. Pelo jeito, ele nãoentendeu o propósito do texto. É óbvio que considero fazer exegese algoimportantíssimo, mas o objetivo do meu artigo não era fazer exegese de umasérie de textos bíblicos citados pelo arminianismo para comprovar suaveracidade bíblico-doutrinária para calvinistas. Meu artigo foi escrito paraapresentar, de forma geral, o arminianismo aos leitores da revista (destinadaoriginalmente ao público assembleiano) que, eventualmente, mesmo sendoassembleianos, podem (alguns deles) desconhecer o que defende realmente oarminianismo e qual a sua história, desconhecimento este que se deve àinfluência do semipelagianismo popular no meio evangélico de hoje e aos“espantalhos” que muitas vezes alguns calvinistas fazem do arminianismo e querecentemente se popularizaram por causa da onda neocalvinista no Brasil, de

que falo na abertura do meu artigo. Isso está mais do que claro no meu texto.Inclusive, a parte do meu artigo ao qual o irmão Franklin se refere, quando criticaa ausência de exegese em alguns textos bíblicos citados por mim, era justamente aquela parte – que é a menor do artigo (exatamente 1/5 do texto) – onde eu tinha apenas o propósito de apresentar, de forma resumida, o quedefende o arminianismo. Portanto, daí concluir que eu e os arminianos de formageral pouco se importam com exegese, só porque não dediquei espaço no meutexto para isso quando este claramente não era o seu propósito, é um verdadeiro“salto quântico” de interpretação. Se o propósito do artigo fosse fazer umaexposição de textos-prova seguidos da exegese de cada um, ele teria sidototalmente diferente. Ele seria quase que totalmente disso. Eu não gastariatempo falando das outras coisas que disse ali, mas me deteria principalmenteem fazer exegese e o artigo teria que ser muito maior do que acabou sendo - eleteve 17 páginas. A única passagem bíblica em que citei alguma obra tentandofazer uma breve exegese com exposição lexical foi João 6.44, mas porque,repito, este não era o objetivo do texto.

“Ah, mas o título do artigo era ‘Em defesa do arminianismo’, o que poderia sugeriro contrário”, alguém pode dizer. Ora, o título foi sugerido pelo editor da revista eeu acabei aceitando só para que o título não ficasse muito longo, pois o meutítulo original era muuuuito maior. Ademais, o subtítulo explica bem o propósitodo artigo, que fica claro também logo na abertura, de maneira que considero

estranho que alguém não tenha entendido já de cara o propósito do artigo (Osubtítulo na capa era “O que é, de fato, o arminianismo, o que realmente ensina

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e o seu lugar na história”/ e no miolo da revista, o subtítulo era “Uma análisesobre a recente ascensão do Calvinismo no Brasil e uma exposição do queensina, de fato, o Arminianismo”). 

 Aproveitando: em sua crítica, o irmão Franklin me indica, para fazer umaexegese correta das passagens bíblicas que cito em defesa do arminianismo, oscomentários de “Agostinho, Martinho Lutero e João Calvino, ou os de D. A.Carson, Douglas Moo, Donald Guthrie, F. F. Bruce e John Murray”. Acho muitobons os comentários dos referidos irmãos e tenho obras de quase todos eles,mas também gosto muito dos comentários a essas passagens bíblicas feitos por Armínio, John Goodwin, John Wesley, Adam Clarke, Richard Watson, WilliamBurt Pope, Comentário Beacon, William Watson Menzies, Stanley M. Horton etc.Em muitas coisas concordo com aqueles, em outras concordo mais com estes.

3) O irmão Franklin afirma: “Pelo menos, o autor reconhece as várias tensões (e,

por que não, as contradições) presentes na teologia arminiana, como ao tratarda presciência divina e do alcance da expiação: em outras palavras, o problemaposto é: se Deus já sabia quem receberia a Cristo, por que este precisaria morrerpor todos? Ou quando trata do significado da palavra ‘mundo’, sem levar emconta o significado da propiciação realizada por Cristo (ao citar 1Jo 2.2 comotexto-prova da expiação geral). E quando admite algum tipo de predestinação(‘sim, ele predetermina muitas coisas, mas não tudo’) ao mesmo tempo que, aopressupor que Deus previu antes de predestinar, não trata de uma perguntacrucial, isto é, quem criou o que Deus previu?”. 

Vamos por partes. Primeiro, eu não me esquivei da pergunta “Se Deus já sabia

quem receberia a Cristo, por que este precisaria morrer por todos?”, como ésugerido. Eu a levantei e tratei dela. E em segundo lugar, creio ter tratadominimamente do significado da palavra “mundo” levando em conta o sentido dapropiciação efetuada por Cristo (se não me detive em meu artigo em umdesenvolvimento da doutrina da propiciação, é porque isso alongaria mais aindaessa parte específica do meu artigo que tratava exatamente de resumir para oleitor o que crê o arminianismo).

Se não, vejamos – seguem os trechos em que trato das duas coisas (com grifose colchetes que inseri para enfatizar o que digo):

“A Expiação de Cristo é suficiente, mas só se torna eficiente na vida daqueles

que sinceramente se arrependem de seus pecados e aceitam Cristo como únicoe suficiente Senhor e Salvador de suas vidas. Trata-se, portanto, de umaExpiação Universal Qualificada, e não de uma Expiação Limitada”. 

“Conquanto existam passagens bíblicas que afirmam que Cristo morreu pelasovelhas (Jo 10.11,15), pela Igreja (At 20.28 e Ef 5.25) ou por ‘muitos’ (Mc 10.45),a Bíblia também afirma claramente em muitas outras passagens que a Expiaçãoé universal em seu alcance (Jo 1.29; Hb 2.9 e 1Jo 4.14), o que deixa claro queas passagens que dão uma ideia de ela ter sido limitada nada mais são do quereferências à eficácia da Expiação. Ou seja, a Expiação de Cristo foi realizadaem prol de toda a humanidade, mas só os que a aceitam usufruem de sua

eficácia”. 

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“Os que crêem em Cristo são obviamente associados à obra expiadora (Jo 17.9;Gl 1.4; 3.13; 2Tm 1.9; Tt 2.3; 1Pe 2.24), mas a Expiação é universal (1Jo 2.2). Ea eficácia não está na salvação de todos, mas na consecução da Salvação. Ofato de a Expiação só ter sido aceita e aplicada em muitos e não em todos nãosignifica que sua eficácia é comprometida. O fato de muitos usufruírem dela já

demonstra sua eficácia. Ela só não seria eficaz se ninguém se salvasse por ela.Se alguém foi salvo por ela, esta foi eficiente. Não houve ‘desperdício’ pelo fatode seu alcance ser universal, mas nem todos serem salvos. Além disso, secrermos que a Expiação de Cristo é limitada, o que seria um sacrifício queproporcionasse uma Expiação Ilimitada? Jesus sofreria um pouco mais nacruz?”. 

“Há casos de arminianos que crêem em uma Expiação Limitada com base napresciência divina [ou seja, estou tratando aqui da tal pergunta “Se Deus já sabiaquem receberia a Cristo, por que este precisaria morrer por todos?”], o queapresenta certa coerência, porém o Arminianismo Clássico nunca defendeu a

Expiação Limitada justamente porque não só há passagens bíblicas claras sobreo alcance universal da Expiação como também uma Expiação Limitada é umacontradição ao ensino bíblico de que Deus não faz acepção de pessoas (Dt 10.17e At 10.34). Deus é soberano, mas isso não significa dizer que Ele fará algumacoisa que contradiga Seu caráter santo e amoroso. Lembremos que umahermenêutica prudente interpreta uma passagem ou passagens observando ocontexto geral sobre o assunto na Bíblia. A Bíblia se explica por meio delamesma. Portanto, se ela afirma que Deus é santo, justo e amor, e não fazacepção de pessoas; e que Deus quer que todos se salvem e cheguem ao plenoconhecimento da ver dade (1Tm 2.3,4); e que a Expiação foi por ‘todos’ (1Tm 2.6;Hb 2.9); logo as passagens em que há alusão a ‘muitos’ devem ser interpretadas

à luz dessas outras. O resultado é que as passagens que aludem a ‘muitos’ nãose referem ao alcance da Expiação, que é universal, mas à eficácia dela para os‘muitos’ que a receberam por fé”. 

“Não se pode simplesmente desconsiderar o significado óbvio dos textos sem iralém da credibilidade exegética. Quando a Bíblia diz que ‘Deus amou o mundo’(Jo 3.16) ou que Cristo é ‘o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo’ (Jo1.29) ou que Ele é “o Salvador do mundo” (1Jo 4.14), significa isso mesmo. Emnenhum texto o vocábulo ‘mundo’ se refere à Igreja ou aos eleitos. Escreve oapóstolo João: ‘E Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somentepelos nossos, mas também pelos de todo o mundo’ (1Jo 2.2). Ou como disse o

teólogo H. C. Thiessen: ‘Concluímos que a Expiação é ilimitada no sentido deestar à disposição de todos, e é limitada no sentido de ser eficaz somente paraaqueles que crêem. Está à disposição de todos, mas é eficiente apenas para oseleitos’ (Lectures in Sistematic Theology, Grand Rapids, 1979)”. 

Por fim, a pergunta “Quem criou o que Deus previu?”. O problema é que oscalvinistas pensam que Deus só pode prever aquilo no qual Ele diretamente criouou interveio. Eu expliquei isso no meu artigo, inclusive lembrando que oconhecimento divino do futuro contingente condicional, fato apresentado naBíblia, é um problema para esse tipo de raciocínio:

“Os calvinistas erram ao vincular a presciência divina à causalidade. Para ser

mais preciso: eles erram ao afirmar que Deus conhece previamente todas ascoisas porque predestinou todas as coisas. [...] Deus conhece previamente tudo

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porque é onisciente, e não porque predeterminou tudo. Deus não precisapredeterminar tudo para saber de tudo. Sim, Ele predetermina muitas coisas,mas não tudo. [...] A maior prova de que a onisciência divina não é fruto depredeterminação é que a Bíblia diz que Deus conhece até mesmo o futurocontingente condicional. O futuro contingente condicional não é aquilo que

acontecerá, mas aquilo que aconteceria se as circunstâncias e as decisõesfossem outras. Ou seja, Deus não sabe só o que vai acontecer, mas também ‘oque aconteceria se’”. 

“O exemplo clássico desse tipo de conhecimento divino é o da oração de Daviacerca do povo de Queila (1Sm 23.1-13). Davi perguntou a Deus se era verdadeo que tinha ouvido de que Saul estava descendo à cidade de Queila para pegá-lo, e Deus respondeu que sim, num caso clássico de conhecimento do futurocausal. Porém, na sequência, Davi perguntou também se o povo de Queila,mesmo depois de tudo que Davi fizera por eles contra os filisteus, mesmo depoisde recebê-lo tão bem com os seus homens, o trairiam mais à frente, entregando-

o a Saul na primeira oportunidade; e Deus respondeu que sim, que entregariam,e Davi então saiu dali, de maneira que o povo de Queila nunca traiu a Davi”. 

“Esse é um caso de conhecimento de um futuro contingente condicional. Elesnão fizeram, mas Deus sabia que ‘eles fariam se’. Ora, se há um futurocontingente condicional, e Deus o conhece, isso significa que Ele não precisapredeterminar todas as coisas para saber todas as coisas”. 

4) Afirma ainda o irmão Franklin: “Diferente do que o autor  afirma, quase todosos grandes teólogos medievais criam na predestinação, seguindo em maior ou

menor grau o que Agostinho ensinou no século V: Próspero, Gottschalk, Anselmo, Bernardo, Bradwardine, Tomás de Kémpis e Tomás de Aquino (cf. S.Th: I, q. 23, a. 1, a. 2, a. 4, a. 7, a. 8; I-IIae, q. 117, a. 5; II-IIae, q. 174; III, q. 24,a. 1, a. 3). Os pré-reformadores Jan Hus e John Wycliffe também afirmaram oensino da predestinação em moldes agostinianos”. 

Nesse ponto, concedo que houve um excesso da minha parte ao desprezar100% de todo e qualquer vestígio da compreensão agostiniana em relação àmecânica da Salvação durante a Idade Média. Antes de tudo, é óbvio que, depoisde Agostinho, seria natural se ver ainda entre os pensadores medievais algumainfluência aqui e acolá do seu ensino a respeito da mecânica da Salvação, masé importante que se diga duas coisas sobre esse assunto e que se constituemas razões pelas quais acabei tomando essa posição exagerada de ignorarcompletamente essas referências.

Em primeiro lugar, não se pode dizer que algum dos nomes citados pelo irmãoseguiu à risca o que Agostinho ensinou a respeito da mecânica da Salvação  – nem Próspero de Aquitânea, nem Anselmo, nem Bernardo, nem Bradwardine,nem Thomas a Kempis, nem Tomás de Aquino. O próprio irmão reconhece issoao falar que eles seguiram em “maior ou menor grau” o que Agostinho disse. Detodos eles, só o monge Gottschalk foi, aparentemente, o mais fiel.

E em segundo lugar, o irmão afirma que “quase todos os grandes teólogos

medievais criam na predestinação [agostiniana]”, dando a entender que aposição agostiniana referente à mecânica da Salvação era, se não majoritária,

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pelo menos de grande influência na Idade Média, quando, na verdade, ela nãofoi nem majoritária, nem de grande influência na época de nenhum dessesnomes, mas muito ao contrário.

Para começar, o monge leigo francês Próspero de Aquitânia (390-455) não podeser considerado um teólogo medieval, porque a Idade Média começaoficialmente em 476. Além disso, ele foi contemporâneo e discípulo direto de Agostinho (354-430), razão pela qual é natural que tenha seguido 100% o seumentor  –  pelo menos no início. Próspero escreveu a primeira vez contra oshereges pelagianos enquanto seu mentor Agostinho era vivo, e ele estavaapenas reverberando o seu ensino. Portanto, estamos falando de um discípulodireto de Agostinho defendendo seu mentor em vida, em meio ao debate contraos hereges pelagianos.

Ora, assim como Próspero, houve muitos que, em meio ao calor do debate entrePelágio (350-423) e Agostinho, aderiram em um primeiro momento àquelepensamento novo de Agostinho acerca da mecânica da Salvação,

principalmente aqueles que eram discípulos dele  – como é o caso de Próspero.Nada mais natural. A questão é que, depois das condenações a Pelágio em 417,418 e 431, mesmo a maioria concordando que Pelágio era um herege, essamesma maioria não concordaria com os excessos de Agostinho na questão damecânica da Salvação, tanto que o próprio Próspero, que era um ardorosodefensor de seu mentor tanto contra pelagianos quanto contra semipelagianos,no final da vida, “abandonou certas posições intransigentes de Agostinho” (In“Autores citados na Suma Teológica – I Seção da II Parte”, in “Suma TeológicaIV”, Loyola, 2005, p. 23), de maneira que  havia uma “nítida diferença entre aposição de Próspero em [sua obra] De vocatione e a posição do Agostinho velhoe do Próspero jovem, especialmente sobre a interpretação de 1 Timóteo 2.4 esobre a predestinação” (YOUNG, F.; EDWARDS, M.; e PARVIS, P. (edi tores);Studia Patristica – papers presented at the Fourtheenth International Conferenceon Patristic Studies held in Oxford 2003, volume XLIII, Augustine and Other LatinWrites, PEETERS, 2006, p. 493 e seguintes).

Quanto ao monge alemão Gottschalk de Orbais (804-869), que talvez tenha sido,nos mil anos pós-Agostinho, o seu mais fiel seguidor, quando ele começou apregar a predestinação agostiniana após estudar sozinho, sem influência diretade alguém, os escritos do bispo de Hipona, teve seu ensino rejeitado pelaesmagadora maioria dos de sua época, tendo sido duramente combatido, numaclara prova de como esse tipo de ensino era “aceito” ou “influente” naquelaépoca.

O pobre do Gottschalk, além de condenado por heresia no Concílio de Mogúnciaem 848, foi lamentavelmente surrado e proibido até de pisar no território doimperador carolíngeo Luís, o Germânico, que compreendia um terço da Europana época. Ele tentou, então, ganhar a simpatia dos cristãos do outro dos trêsterritórios carolíngeos da época (o de Carlos, o Calvo), mas foi condenado noConcílio de Kierzy em 849 pelas mesmas heresias, sendo que desta vez foi pior:além de ser removido do seu sacerdócio, foi, lamentável e cruelmente,chicoteado, obrigado a jogar ele mesmo no fogo seus escritos e foi trancafiadoem um mosteiro. Depois de apelar a amigos para que o ajudassem, viu cinco

deles escreverem em favor de seus ensinos, mas os escritos destes foram logocombatidos pelo bispo Incmaro de Reims, dentre outros. Resultado: apesar da

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persistência de Gottschalk e seus amigos, os ensinos dele foram condenadosem sequência nos Concílios de Kiersy em 853, de Valência em 855, de Langresem 859 e de Savonnières também em 859. Todos esses concílios reprovaram apredestinação dupla agostiniana e asseveraram que a predestinação se dá pelapresciência divina.

 Anselmo e Bernardo, por sua vez, foram menos consistentes que Gottschalk emsua fidelidade à visão agostiniana da mecânica da Salvação. E o que dizer doarcebispo britânico Thomas Bradwardine (1290-1349), que pregava a duplapredestinação, mas não cria na depravação total, dizendo que o pecado originalnão teria causado consequências mais graves sobre a natureza humana? E quetambém cria na importância das boas obras para a complementação da justificação e da remissão dos pecados (sic)? Pode-se considerá-lo um“calvinista” ou “monergista” de fato, 100%? Ademais, o bispo Bradwardinelamentava em seus escritos que, nos seus dias, só ele ainda acreditava nadoutrina agostiniana da mecânica da Salvação.

Os escritos de Bradwardine sobre o assunto até chegaram a ser lidos em Oxforde Paris, mas foram esmagadoramente ignorados ou, quando repercutidos,rejeitados pelos teólogos da época e pela igreja. Até seu companheiro ThomasBuckingham, quando se manifestou sobre o assunto, foi para combater o queensinava seu colega. Ao bispo Bradwardine restou apenas o consolo deaparentemente ter influenciado, como o irmão Franklin lembra, o pré-reformadorJohn Wycliffe, que já defende um posicionamento bem mais próximo de Calvinoe do Lutero do início da Reforma. Wycliffe, por sua vez, influenciou Huss. Aliás,Wycliffe e Huss, que ainda são Idade Média, foram um total esquecimento meu.Talvez porque minha mente tende a ver Wycliffe e Huss como um capítulo àparte, por terem sido pré-reformadores. Bradwardine já não se encaixa nesseperfil.

Enfim, se eu fosse traçar uma linha rigorosa depois de Agostinho, eu colocariana Idade Média apenas Gottschalk, Wycliffe e Huss.

Quanto ao alemão Thomas a Kempis (1380-1471), a verdade é que ele nãoescreveu nenhuma obra sobre o assunto. A única coisa que é empunhada peloscalvinistas como prova “incontestável” de seu agostinianismo em relação àmecânica da Salvação é um pequeno trecho de sua obra A Imitação de Cristoque apenas sugere agostinianismo. Nada mais. Não se tem nada de Thomas aKempis que deixe definitivamente claro qual seu pensamento sobre o assunto.

O mais engraçado é que sua obra A Imitação de Cristo enfatiza muito a práticada vida cristã, a dedicação espiritual cristã, tendo sido influência decisiva navisão espiritual de ninguém menos que o semipelagiano Erasmo de Roterdã e oarminiano John Wesley, que se opuseram a essa visão agostiniana da mecânicada Salvação.

Em suma, não estamos falando de uma doutrina que teve livre e intensacirculação, que tenha sido amplamente sustentada e ensinada na Idade Média,mas de um ensino reprovado esmagadoramente durante todo esse período eque teve, claro, como uma série de outros ensinos reprovados naquela época,uma ou outra pessoa que excepcionalmente a defendeu em menor ou maior

grau.

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Não se pode citar esses nomes como prova de que a visão agostiniana damecânica da Salvação era de grande influência na Era Medieval. Aliás, se aposição deles fosse tão comumente aceita em suas épocas, Lutero, no início daReforma, e Calvino, mais à frente, não causariam nenhuma espécie em seusdias quando a ensinassem. O ensino dos católicos jansenistas, que vieram logo

depois, também seria normalmente aceito pela igreja da época. Todosreconheceriam que só era mais uma corrente dentre tantas outras aceitasnaquela época, não é mesmo?

 Amanhã, prossigo sobre esse tópico, falando de Tomás de Aquino. E, claro,também falarei amanhã, se Deus permitir, sobre outros questionamentos e/ouobjeções levantadas pelo irmão Franklin.

Minhas observações às objeções levantadas pelo irmão Franklin Ferreira a meuartigo na revista Obreiro (Parte II)

Por Silas Daniel

Hoje, darei continuidade ao tópico 4 das minhas observações sobre as objeçõeslevantadas pelo irmão Franklin Ferreira ao meu artigo “Em Defesa do Arminianismo”, publicado na edição 68 da revista Obreiro Aprovado (CPAD, jan/mar-2015). Vamos lá.

De todos os nomes mencionados pelo irmão Franklin para tentar sustentar quea visão agostiniana da mecânica da Salvação era uma corrente comumenteaceita no período medieval, Tomás de Aquino é, para mim, um capítulo especial,um capítulo à parte. Por quê? Porque a menção do seu nome pelo irmão Franklinme dá a oportunidade de esclarecer um terrível engano que tem sidopopularizado por teólogos calvinistas nos últimos anos: que o antes tãodesprezado Aquinate  –  desprezado inclusive por Calvino  –  teria sido um“calvinista”. 

Ora, Aquino pensava diferentemente de Agostinho e muito mais ainda de Calvinosobre a questão da mecânica da Salvação. Seu pensamento sobre esse assuntoera, sim, influenciado diretamente por Agostinho, como ele mesmo assume emsua Summa Theologica; entretanto, suas conclusões, no geral, sãomajoritariamente diversas da de Agostinho, e mais ainda em relação aopensamento de Calvino.

Em primeiro lugar, Aquino cria na predestinação agostiniana só para os eleitos;

ele não cria na predestinação dupla, que foi defendida tanto por Agostinhoquanto por Calvino. Apesar de haver passagens aparentemente dúbias de

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 Aquino quanto a isso, de forma geral, o que Aquino chama de “reprovados” nãoé necessariamente a mesma coisa que predestinados à perdição, mas diziarespeito ao castigo pelos pecados daqueles que deliberadamente preferiram ocaminho da perdição. Isso ficará mais claro a seguir, ao analisarmos os doispróximos pontos de divergência entre Aquino, de um lado, e Agostinho e Calvino,

do outro. Se não, vejamos.Em segundo lugar, diferentemente de Agostinho e Calvino, Aquino acreditavaque havia duas espécies de salvos: os salvos predestinados e os não-predestinados. E em terceiro lugar, diferentemente de Agostinho e Calvino, Aquino cria que havia salvos que podiam perder a salvação, embora a maiorianão pudesse perdê-la.

Sobre esses dois últimos pontos, escreve ele: “Esse livro [O Livro da Vida] é ainscrição dos que são ordenados à vida eterna, à qual alguém é ordenado porduas causas: ou por predestinação divina, que nunca falha, ou pela graça. Poisquem tem a graça por isso mesmo é digno da vida eterna; todavia esta

ordenação, às vezes, falha, porque alguns eram ordenados, pela graça recebida,a alcançar a vida eterna e, contudo, a perderam pelo pecado mortal. Por outrolado, os ordenados pela predestinação divina a alcançar a vida eterna estão,absolutamente falando, inscritos no Livro da Vida; porque nele estão inscritoscomo havendo de alcançá-la em si mesma; e esses não serão nunca deleriscados. Dizemos, porém, que estão inscritos no Livro da Vida, não absoluta,mas relativamente, os ordenados a alcançar a vida eterna, não porpredestinação divina, mas só pela graça. Porque nele estão inscritos comohavendo de alcançar a vida eterna em sua causa e não em si mesma. E essespodem ser dele riscados” (AQUINO, Summa Theologica, I, 24, 3). 

Para Aquino, os salvos predestinados o eram pela graça eficaz e os demaissalvos, pela graça suficiente. Para ele, os primeiros não poderiam cair, mas ossegundos poderiam eventualmente cair e se perder, sim. Para ele, as passagensna Bíblia que tratavam de um crente verdadeiro perder a salvação se referiam aesse segundo grupo, logo não haveria contradição entre as passagens bíblicasque pareciam falar de uma predestinação incondicional e as passagens bíblicasque enfatizavam não apenas uma responsabilidade humana na salvação, mastambém a possibilidade de perdê-la. Essa foi a forma que Aquino encontrou paranão fazer a Bíblia “brigar” com a predestinação agostiniana dos eleitos. 

Para o primeiro grupo de salvos, a soteriologia de Aquino era 100% agostiniana,

mas para o segundo grupo, 100% arminiana: como vimos no final do textosupracitado, embora Deus saiba, pela Sua presciência, aqueles que serãosalvos no segundo grupo, permite que seus nomes sejam riscados e recolocadosno Livro da Vida conforme suas entradas na e saídas da graça. O argumento dapresciência que Aquino usa é exatamente o mesmo esposado por Boécio (480-525), que cria na predestinação com base na presciência: Deus pode saber detudo sobre o passado, o presente e o futuro simultaneamente porque Ele nãoestá no tempo, mas fora do tempo.

Escreve Aquino sobre a presciência divina: “E ainda que os [futuros]contingentes passem a existir em ato sucessivamente, Deus não os conhece

sucessivamente conforme estão em seu ser como nós, mas simultaneamente,pois seu conhecimento, bem como seu próprio ser, tem como medida a

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eternidade; ora, a eternidade, que é totalmente simultânea, engloba a totalidadede tempo, como acima foi dito. Assim, tudo o que está no tempo está desde todaeternidade presente para Deus; não apenas porque Deus tem presentes asrazões de todas as coisas, como alguns o pretendem, mas porque seu olharrecai desde toda a eternidade sobre todas as coisas, como estão em sua

presença” (AQUINO, Summa Theologica, I, 14, 13). Em quarto lugar, diferentemente de Calvino e mais próximo de Agostinho, Aquinonão acreditava na inexistência de livre-arbítrio. Aquino afirmava que, mesmo nocaso dos salvos do primeiro grupo (os predestinados), o livre-arbítrio continuavaexistindo, as escolhas das pessoas continuavam a ser reais. Ele justificava issodizendo que Deus apenas inclinava as vontades dos predestinados, mas não asforçava. Isso porque Aquino crê que há em todos os seres humanos um desejopela beatitude, só que o desejo pelo mal é muito maior. No caso dospredestinados, Deus não mudaria a vontade deles, mas daria uma espécie de“mãozinha” no desejo pela beatitude em seus corações para garantir a escolha

certa deles e, consequentemente, a salvação inevitável deles. Nesse aspecto, Aquino e Agostinho eram o que, criteriosamente, temos de chamar de sinergistasinconsistentes; ou, como alguns preferem chamar, “monergistas defeituosos”. 

 Asseverava Aquino: “A vontade é livre” (AQUINO, Questões Disputadas,Questão XXII, Artigo 5). E ainda, com todas as letras: “A vontade não pode serforçada por Deus” (AQUINO, Questões Disputadas, Questão XXII, Artigo 8). Emais: “Ninguém se torna pecador se não por si próprio, e ninguém se torna justose não pela operação de Deus e por cooperação própria” (AQUINO, QuestõesDisputadas, Questão XXII, Artigo 9). Isso não é monergismo.

Em quinto lugar, diferentemente de Calvino e Agostinho, Aquino não acreditava

em Expiação Limitada. Escreve ele: “A paixão de Cristo não foi uma expiaçãomeramente suficiente, mas uma superabundante expiação para os pecados detoda a raça humana, de acordo com 1 João 2.2: ‘Ele é a expiação pelos nossospecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo’”(AQUINO, Summa Theologica, III, 48, 2).

Enfim, por todas essas razões, não dá para considerar Aquino um calvinista ouagostiniano. Aquino apenas simpatizava com alguns dos pontos esposados por Agostinho sobre o tema da mecânica da Salvação, discordando de todo orestante  –  restante este que consistia simplesmente na maioria dos pontosesposados pelo bispo de Hipona sobre o assunto.

Não admira que Calvino e Lutero, diferentemente de alguns calvinistas de hoje,não demonstravam apreço por Aquino. Calvino, inclusive, combateu diretamentea visão de Aquino sobre a predestinação dos eleitos, mencionando o Comentáriosobre as Sentenças de Pedro Lombardo, de Aquino, Livro II, Discussão 41 (sobre“A vontade e o pecado”), Artigo 3, onde, entendia Calvino, o Aquinate incluíraalgum mérito humano na predestinação:

“Não é procedente a cavilação de Tomás de Aquino de que a predestinação dizrespeito à graça mercê da qual extraímos méritos que são objeto da presciênciadivina. Não faço caso da sutileza de Tomás de Aquino, o qual diz que, ainda quea presciência dos méritos não possa ser chamada de causa da predestinação

no que se refere a Deus, que predestina, contudo pode ser assim chamada noque diz respeito a nós, como quando afirma que Deus predestinou a seus eleitos

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para que, com ela, mereçam a glória. Quando, pois, o Senhor não quer quecontemplemos nada na eleição, se não Sua mera bondade, se alguém aquideseje visualizar algo mais, será por mera afetação. Porque, caso queira porfiarem sutileza, não falta com que repulsemos o próprio minúsculo sofisma deTomás. Ele pretende provar que a glória é, de certa maneira, predestinada para

os eleitos por seus méritos, porque Deus os predestina à glória pela qualmerecem a glória” (CALVINO, Institutas, Livro III, Capítulo 22, 9). 

Lutero, por sua vez, chegou a chamar Aquino de a estrela que caiu do céu,mencionada em Apocalipse 8.10, e sua Summa Theologica como “aquintessência de todas as heresias” (SCHAFF, Phillip, History of the ChristianChurch, volume V – The Middle Age –, Eerdmans, 1988, p. 676).

Logo, chega a ser constrangedora essa atitude revisionista de alguns autorescalvinistas recentes (e que provavelmente devem ter influenciado o irmãoFranklin em sua visão de Aquino) de, na ânsia de construir uma espécie de “fortelinhagem histórica calvinista” pós-Agostinho que nunca existiu, querer ver um

 Aquino que nem Lutero nem Calvino viram, e que, na verdade, nunca houve.

Mais recentemente, a coisa chegou a um ponto ainda mais constrangedor,quando o teólogo calvinista norte-americano Michael Horton, incomodado pelofato de que não há sequer vestígios de calvinismo nos Pais da Igreja até Agostinho, começou uma “caça” desses vestígios, empreendendo umamaratona de leitura de todos os escritos dos Pais da Igreja antes de Agostinhopara ver se encontrava algo que ninguém nunca encontrou. Ele quis descobrir oque nenhum autor calvinista ávido por descobrir encontrou em mais de 400 anosde busca, nem mesmo Calvino, que reconheceu decepcionado que todos os Paisda Igreja eram-lhe contrários (Institutas, Livro II, capítulo II, 9). Resultado: dando

“saltos quânticos” de interpretação, Horton distorceu descaradamente osignificado de algumas passagens dos Pais da Igreja que publicou em umapêndice de seu livro Putting Amazing Back Into Grace (Baker, 2002) comoprova de que o calvinismo estaria presente nos Pais da Igreja pré-Agostinho(sic)!

Horton chegou a inventar a continuação de uma passagem dos escritos deClemente de Roma, noutros casos traduziu erroneamente o significado claro dealguns vocábulos gregos, além de interpretar algumas passagens divorciadas deseus respectivos contextos ou de outras passagens dos próprios Pais da Igrejacitados que clarificavam indubitavelmente o posicionamento destes sobre os

temas mencionados nos tais textos mencionados. Enfim, tudo o que não mandaa boa hermenêutica (termo que, lembro aos leitores, se aplica não só à áreateológica, mas também à interpretação de textos legais e literários de formageral).

O teólogo arminiano Jack Cottrell foi um dos que expuseram tal atitude (veja AQUI, com uma boa tradução AQUI). Ainda bem que a maioria dos calvinistasmais sérios, talvez por vergonha alheia, não embarcaram nessa do Horton.

Bem, mas voltando a Aquino, ainda que ele tivesse defendido mesmo umposicionamento idêntico ao de Agostinho, o que nunca fez, a verdade é que,diferentemente do que a cultura popular cristalizou, sua teologia não foi voz

majoritária do final da Idade Média até o século 19. Após Aquino, já no século14, as correntes escolásticas de Duns Scot, William de Ockham e a dos

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averroístas – nenhuma delas defensora da predestinação agostiniana  – foramas que prevaleceram, principalmente as duas últimas (BOEHNER, Philotheus;GILSON, Etienne; História da Filosofia Cristã, Editora Vozes, 1982, p. 464). Acorrente de Aquino, que nem pode ser considerada um agostinianismo de fatoem relação à mecânica da Salvação, era apenas mais uma naqueles dias  – 

respeitada, mas não majoritária. E depois ainda viria a posição molinista,elaborada no século 16 por um espanhol originalmente tomista (o jesuíta Luís deMolina), adotada pelos jesuítas e contra a qual se voltariam, obviamente, os seusdemais colegas tomistas - no caso, os dominicanos, porque os jesuítasacabariam aderindo em peso ao molinismo. A briga entre tomistas e molinistasfoi uma briga, na verdade, entre "tomistas-tomistas" e "tomistas-molinistas". Ateologia de Aquino só se tornou a posição oficial da Igreja Católica no século 19,após a encíclica Aeterni Patris, publicada em 1879 pelo papa Leão XIII, que erafã declarado de Tomás de Aquino e em uma época em que estava acontecendoum revival da teologia do Aquinate na Igreja Católica. E mesmo depois de setornar a teologia oficial, no que diz respeito à mecânica da Salvação, a Igreja

Católica continua abrigando, ao lado do aquinismo, o semiagostinianismo doSínodo de Orange e o molinismo, e olhando para tudo isso à luz do Concílio deTrento, sem ver nenhuma "grande contradição" - segundo ela - entre elas (eu,obviamente, discordo em parte).

Portanto, por qualquer ângulo, não dá para usar Tomás de Aquino como provada existência de uma linhagem agostiniana de grande influência na teologiacristã durante a Idade Média no que diz respeito ao entendimento da mecânicada Salvação.

P.S.: Como minha exposição sobre Aquino ficou enorme, deixei os demaistópicos que apresentaria hoje para o artigo de amanhã. Até lá!

Minhas observações às objeções levantadas pelo irmão Franklin Ferreira a meuartigo na revista Obreiro (Parte III)

Por Silas Daniel

Caros, depois de uma quarta e uma quinta de feriado agitadas em minha vidaresolvendo problemas pessoais, finalmente segue outra parte de minhasobservações acerca das objeções levantadas pelo irmão Franklin Ferreira aomeu artigo Em Defesa do Arminianismo”, publicado na revista Obreiro Aprovado(CPAD), edição 68 (jan-mar/2015). Antes, porém, de apresentar minhas últimasobservações, gostaria de trazer algumas breves reflexões sobre algunscomentários que andei lendo na internet de alguns irmãos em Cristo,assembleianos ou de outras denominações, que têm acompanhado essa série

de artigos.

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Em primeiro lugar, isso aqui não se trata de uma disputa para ver quem é maisinteligente. Tremenda tolice! Irmão Franklin não precisa disso, nem eu. E o fatode eu discordar de algumas de suas objeções ao meu artigo não muda nada deminha impressão positiva sobre a qualidade do seu trabalho. Aliás, das objeçõesque me fez, três pelo menos serviram para retificar um excesso meu e clarificar

dois pontos em que deixei margem para ser mal compreendido. Ou seja, no finaldas contas, suas objeções me deram uma excelente oportunidade de clarificar eaperfeiçoar ainda mais o que havia sido dito.

Em segundo lugar, eu não estou escrevendo essa série de artigos como seestivesse querendo converter os calvinistas do Brasil em arminianos. Pelo amordo nosso Senhor! Não tenho a mínima pretensão disso. Estou apenasrespondendo a objeções que me foram levantadas publicamente na internet edas quais discordo 100% na maioria dos casos. Se fui objetado nominal epublicamente, e discordo das objeções, nada mais natural do que tratarpublicamente delas, e justamente pelo canal onde foram levantadas essas

objeções: a internet.Em terceiro lugar, não fui eu que atravessei a rua para “cutucar” ninguém. Dascoisas que eu li nessas discussões de internet, essa foi a mais ridícula detodas.Vejam bem: eu escrevi em uma revista assembleiana, voltada para opúblico assembleiano, um artigo dirigido aos assembleianos, onde, inclusive,não mencionei ninguém de fora do arraial assembleiano, aí um irmão de outradenominação manifesta publicamente objeções ao meu artigo e sou eu que“cutuquei” alguém? Que lógica é essa? 

 Agora, eu não deixo de achar curioso que calvinistas de outras denominaçõesestejam super atentos e interessados nesse debate sobre calvinismo e

arminianismo dentro da Assembleia de Deus. É realmente curioso (Não que essaseja necessariamente a motivação do irmão Franklin, não afirmo isso, mas pelomenos de alguns). Parece que alguns irmãos calvinistas estão interessados emuma “calvinização” de outras denominações. 

Bem, por outro lado, como disse no meu primeiro artigo desta série, é bom saberque irmãos de outras denominações lêem os periódicos assembleianos e,mesmo que involuntariamente, os divulguem.

Em quarto lugar, agradeço pelo carinho e pelas mensagens de apreço que tenhorecebido por aqui, por email, na rua e pelo WhatsApp de amados irmãos do Brasilafora que estão acompanhando minha série de artigos. Motivado pelos pedidosde alguns irmãos, talvez eu transforme o conteúdo dessa série de artigos,incluindo entre eles o da revista Obreiro Aprovado, em um esboço para um livrosobre o tema arminianismo, onde, claro, tudo estaria muito mais enriquecido doque tudo o que escrevi em Obreiro Aprovado e por aqui. Quem sabe? Há outroprojeto na frente, mas estou seriamente pensando no assunto.

Dito isso, segue mais uma observação.

5) Ainda sobre meu artigo, irmão Franklin afirma: “Um detalhe que chama aatenção é que ainda que Agostinho seja citado, sua compreensão sobre apredestinação e a graça não é oferecida no texto”. 

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Não entendi o que o irmão Franklin quis sugerir com isso. Uma apresentação dacompreensão de Agostinho sobre a predestinação e a graça não foi feita, masdeixei claro em meu artigo (segue agora o que escrevi lá:) que “o primeiro apropor as teses que seriam chamadas, em um futuro distante, de ‘calvinismo’ foi,como vimos, Agostinho, e isso só no quinto século. Nenhum outro Pai da Igreja,

antes ou depois de Agostinho, esposou o ‘calvinismo’”. Acho que ficou claro queo posicionamento dele era essencialmente o mesmo de Calvino, razão pela qualnão me detive em apresentá-lo. Ademais, o tema principal do artigo não era Agostinho. E se eu abrisse um parêntese para destrinchar a compreensão dobispo de Hipona, o artigo, que já tinha 17 páginas, estouraria todos os limites decaracteres estabelecidos pela revista, razão pela qual tive que jogar fora muitacoisa que havia escrito no artigo bruto.

Mas, como o irmão demonstra interesse sobre uma exposição minha acerca dacompreensão de Agostinho sobre a graça, segue alguma coisa a seguir.

 Antes, para situar bem historicamente o pensamento de Agostinho sobre a

questão, é importante lembrar que, até o debate com Pelágio, ninguém nahistória do cristianismo havia tido essa compreensão que Agostinho apresentara,como, aliás, reconhece Calvino (Institutas, Livro II, Capítulo II, 9), comoreconhece Loraine Boettner (que, aliás, no capítulo 28 de sua conceituada obraThe Reformed Doctrine of Predestination, também reconhece que, depois de Agostinho e antes de Lutero, só Gottschalk e Wycliffe parecem ter esposado comcerteza o mesmo pensamento), como reconhece Norman Sellers (SELLERS,Election and Perseverance, Schoettle Publishing Co., 1987, p. 3) etc.

 Aliás, essa compreensão de Agostinho foi, além de totalmente independente detudo que se tinha dito até àquela época sobre o assunto, também tardia. O

 Agostinho jovem, como todos os cristãos de sua época, não pensava como o Agostinho do debate com Pelágio em diante. Se não, vejamos.

O Agostinho jovem, em sua obra Sobre o Espírito e a Letra, escreveu que o“livre-arbítrio [é] naturalmente implantado [por Deus] dentro do ser humano”(capítulo 4), que Deus predestina com base na sua presciência (capítulo 7) e que“a justiça do homem deve ser atribuída à operação de Deus, apesar de não terlugar sem a vontade do homem” (capítulo 7).

Na mesma obra, Agostinho ainda pergunta: “Será que nós tornamos nulo o livre-arbítrio pela graça? Deus me livre! Não, antes estabelecemos o livre-arbítrio”(capítulo 52). E mais: “O apóstolo diz: ‘Não há poder que não proceda de Deus’.[...] Em nenhum lugar, no entanto, encontramos na Sagrada Escritura umaafirmação do tipo ‘Não há vontade que não proceda de Deus’. E com razão issonão está escrito, porque não é verdade. Caso contrário, Deus seria o autor dopecado” (capítulo 54). 

Por fim, no capítulo 58 da referida obra, depois de afirmar que o livre-arbítrio édado por Deus ao ser humano, Agostinho arremata: “Deus, sem dúvida alguma,deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimentoda verdade, mas não lhes tirando o livre-arbítrio, pelo bom ou mau uso do qualé que poderão ser justamente julgados” (capítulo 58). 

Só foi mais à frente, em meio à controvérsia com o herege Pelágio, que Agostinho, em seu ímpeto para combater a heresia pelagiana, reinterpretou e

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relativizou as passagens bíblicas que enfatizam a responsabilidade humana ereinterpretou e enfatizou todas as passagens que falam da ação divina naSalvação.

Em sua obra A Predestinação dos Santos, seção III, capítulo 7, Agostinho contaque mudou de ideia porque deixou de crer que a fé antecede a graça de Deus – isto é, ele deixou de crer que Deus elegia aqueles que, pela Sua presciência, Elesaberia que teriam fé para crer por si mesmos. Ou seja, tecnicamente, o Agostinho antes da disputa com Pelágio era o que podemos chamar hoje desemipelagiano.

 Agostinho mudou de ideia porque percebeu rapidamente que essa féantecedente daria força ao pensamento de Pelágio. Logo, para não cair nasutileza do pensamento de Pelágio, Agostinho radicalizou afirmando que aescolha teria que ser a causa da fé e não a fé a causa da escolha, e que a fécomo dom de Deus não significava apenas a capacidade dada ao homem paracrer, mas Deus fazendo o homem crer para sua salvação.

Mesmo assim, a soteriologia de Agostinho não era 100% igual a de Calvino. Erapraticamente a mesma coisa, eram essencialmente iguais, mas havia detalhessutis que os diferenciavam. Se não, vejamos.

Em primeiro lugar, diferentemente de Calvino, Agostinho continuava crendo emlivre-arbítrio, mas sem saber como essa verdade se coadunava com a sua formade ver a predestinação – para ele, isso era um mistério, como ele confessa, porexemplo, no final do parágrafo 11 do capítulo VI de sua obra Da Predestinaçãodos Santos: “Todas as veredas do Senhor são misericórdia e fidelidade [Sl24.10], mas Seus caminhos são insondáveis [Rm 11.33]. Portanto, a misericórdia

pela qual liberta gratuitamente e a verdade pela qual julga com justiça sãoigualmente insondáveis”. 

 Agostinho, inclusive, em sua obra Contra Juliano, bispo de Eclano (386-455),negou-se a afirmar que todos os que crêem na existência do livre-arbítrio sãopelagianos: “Não é verdade, como você diz, que ‘se alguém diz que há livre -arbítrio no homem é [...] pelagiano ou celestiano’. Um pelagiano ou celestiano équem não atribui a graça de Deus à liberdade à qual temos sido chamados”(AGOSTINHO, Contra Juliano, livro III, capítulo 2).

Mais à frente, nessa mesma obra Contra Juliano, no Livro IV, capítulo 47, o bispode Hipona dirá, indignado, ao seu opositor Juliano:

“Você afirma que em outro livro eu disse: ‘O livre -arbítrio é negado se defende-se a graça e a graça é negada se defende-se o livre-arbítrio’. Você me calunia!Isso não é o que eu disse, embora, por causa da dificuldade dessa questão,possa parecer e ser pensado que eu o tenha dito. Eu não me oponho a dar asminhas palavras exatas, para que os leitores possam ver como você deturpa osmeus escritos e como você tira proveito dos incompetentes ou ignorantes queconfundem sua loquacidade com argumento. Na última parte do meu primeirolivro a São Piniano, intitulado ‘De gratia contra Pelagium’, eu disse: ‘O problemado livre-arbítrio envolve distinções tão difíceis de fazer que, quando o livre arbítrioé defendido, a graça de Deus parece estar sendo negada; e quando a graça de

Deus é afirmada, o livre-arbítrio parece ser negado’. Você, um homem honestoe verdadeiro, deixou de fora algumas das minhas palavras e deu a elas a sua

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Mesmo assim, apesar dessa mudança de Calvino, o professor Lane conclui aofinal do seu artigo: “Será que Calvino acreditava em livre -arbítrio? Mesmo opróprio Calvino não podia dar uma resposta clara e inequívoca a esta pergunta.Em diferentes estágios da história do homem, diferentes graus de liberdade sãoconcedidos à vontade. O ensino de Calvino sobre o livre-arbítrio é muito próximo

ao de Agostinho. Talvez a maior diferença está na atitude. Agostinho, ao ensinarclaramente o cativeiro da vontade e a soberania da graça, teve grande cuidadopara preservar o livre-arbítrio do homem. Calvino foi muito mais polêmico em suaafirmação de impotência humana e estava relutante em falar de livre-arbítrio. Oque Agostinho tinha cuidadosamente salvaguardado, Calvino, a contragosto,admitiu”. 

Em segundo lugar, diferentemente de Calvino, Agostinho cria na possibilidadede um crente genuíno se perder. Explico: dizia ele que só os cristãos eleitos  – que o seriam de forma incondicional  –  perseverariam até o fim e que haviacristãos genuínos que se perderiam, porque não estavam entre os eleitos.

Eis mais uma das diferenças sutis entre Calvino e Agostinho que pouca gentepercebe – inclusive, o próprio Calvino, que cita Agostinho mais de 400 vezes nasInstitutas, não percebeu isso, caso contrário não teria dito em sua obra A Treatiseon the Eternal Predestination of God (nove anos depois da questão levantadapor Pighius sobre o livre-arbítrio), que “Agostinho está tão inteiramente comigoque se eu quisesse escrever uma confissão de minha fé, eu poderia fazê-lo comtoda a plenitude e satisfação para mim mesmo a partir de seus escritos”. 

Por essas e outras, há quem acredite que Calvino conhecia muitos escritos de Agostinho apenas pelo popular resumo de todas as obras do bispo de Hiponaescrito na Idade Média por Pedro Lombardo, e muito corrente ainda em seus

dias. Se é verdade, não sei. Só sei que, diferentemente de Tomás de Aquino (vermeu artigo anterior), Agostinho afirmava que nenhum dos crentes genuínos não-eleitos se salvará (Aquino, como vimos, dizia que alguns deles poderiam sesalvar, enquanto todos os predestinados se salvariam), e isso é diferente do queensinava Calvino também. Essa era a forma de Agostinho driblar aqueles textosbíblicos que falavam claramente da possibilidade de um crente genuíno perdera salvação.

Escreve Agostinho no capítulo 9 de sua obra Sobre a Repreensão e a Graça”,datada de 427 d.C., apenas três anos antes de sua morte (os grifos são meus):

“Se, porém, já sendo regenerado e justificado, ele [o cristão] relapsa de suaprópria vontade para uma vida maligna, asseguradamente ele não pode dizer‘Eu não recebi [a graça de Deus]’, porque de sua própria livre escolha paramalignidade ele perdeu a graça de Deus que havia recebido”. 

E no mesmo capítulo, mais à frente, ele ainda diz:

“Mas aqueles que não perseveram, e que cairão da fé e da conduta cristãs nofim de suas vidas [...] não há dúvida de que não podem ser contados no númerodestes [os eleitos], mesmo naquele tempo em que estão vivendo bem epiamente. Porque eles não são feitos para diferir da massa de perdição pelo pré-conhecimento e predestinação de Deus, e, portanto, não são chamados de

acordo com o propósito de Deus, e então não são eleitos; mas são chamadosentre aqueles a quem é dito ‘muitos são chamados’, não entre aqueles a quem

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é dito ‘mas poucos escolhidos’. E ainda assim, quem poderia negar que eles sãoeleitos, desde que creem e são batizados, e vivem de acordo com Deus?Manifestamente, eles são chamados eleitos por aqueles que são ignorantes doque eles de fato são, mas não por Aquele [Deus] que conhece que eles não têma perseverança que leva o eleito para a vida abençoada, por Aquele que sabe

que eles assim permaneceriam [por um tempo] e que depois iriam cair”. Mas, Agostinho, por que Deus não lhes dá o dom da perseverança então, sevocê disse antes que eles foram justificados e regenerados de verdade? Eis aresposta de Agostinho, no capítulo 17 da mesma obra:

“Se me tivessem perguntado por que Deus não tem dado perseverança paraaqueles a quem Ele deu este amor pelo qual puderam viver cristãmente,respondo que não sei. Pois eu não falo arrogantemente, mas comreconhecimento de minha pequena medida. [...] Até onde Ele condescende emmanifestar Seu julgamento para nós, vamos agradecer; mas no ponto em queEle pensa ser melhor ocultá-lo, não vamos murmurar contra Seu conselho, mas

crer que isto é também o mais saudável para nós”. 

E logo em seguida, no capítulo 18, Agostinho, para não gerar confusão em seusleitores, faz questão de asseverar mais uma vez que esses de quem ele estáfalando eram crentes salvos mesmo, e ele ainda reconhece que o que estáensinando parece sem lógica (os grifos são meus):

“É de fato de se admirar, e de se admirar grandemente, que alguns de Seusfilhos – os quais Ele verdadeiramente regenerou em Cristo, aos quais Ele deufé, esperança e amor – Deus não lhes dê perseverança também”. 

Um detalhe ainda interessante é que Agostinho cria também que não era

possível um cristão genuíno saber em vida se ele era um predestinado. Alguns(não todos) dos calvinistas de segunda onda – os chamados “puritanos” – pareceque tinham um pensamento parecido. Escreve Agostinho: “Que tais coisas comoessas sejam faladas a santos que perseverarão, como se eles fossem contadosincertos se perseverarão, é razão para que eles não devam de outra forma ouvirtais coisas, uma vez que é bom para eles ‘não serem soberbos mas temerem’(Rm 11.20). Pois quem, na multidão de crentes, pode presumir que, enquantoele está vivendo neste estado mortal, ele está no número dos predestinados?”(AGOSTINHO, Sobre Repreensão e Graça, capítulo 40).

Ou seja, para Agostinho, nenhum crente realmente salvo deve presumir que

perseverará até o fim. Só Deus sabe aqueles que Ele predestinou que irão até ofim. E Deus faz com que eles não saibam justamente para que não relaxem, oque é parte da garantia de que perseverarão. Escreve Agostinho sobre isso:

“Pois acerca da utilidade deste segredo [sobre quem perseverará até o fim, istoé, quem são os predestinados], Deus o faz assim para que [...] todos, mesmoque estejam bem, devam temer, pois não se sabe quem conseguirá. Acerca dautilidade deste segredo, deve ser crido que alguns dos filhos da perdição, quenão receberam o dom da perseverança para o fim, começam a viver em fé comobras de amor, e vivem por algum tempo fiel e justamente, e mais tarde caem, enão são levados dessa vida antes que isso aconteça a eles. [...] [Dessa forma,]

os homens terão este bem saudável temor, pelo qual o pecado da presunção éafastado, apenas até que eles possam alcançar a graça de Cristo pela qual

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vivem piamente, e depois o tempo de se assegurarem que jamais se afastarãodEle” (AGOSTINHO, Sobre Repreensão e Graça, capítulo 40).

 Agostinho sintetiza tudo ao final: “Eles recebem a graça de Deus, mas apenaspara uma estação, e não perseveram; eles deserdam e ficam deserdados. Eles,pelo seu próprio livre-arbítrio, como não têm recebido o dom da perseverança,são arrancados pelo justo e oculto julgamento de Deus” (AGOSTINHO, SobreRepreensão e Graça, capítulo 42).

Por fim, quero acrescentar que, além de Próspero de Aquitânia, o maior discípuloe propagador da soteriologia de Agostinho quando este ainda estava em vida emesmo após a morte dele, ter mudado depois sua posição em relação a Agostinho em alguns pontos importantes (como mencionei no primeiro artigodesta série), os discípulos radicais da soteriologia agostiniana foramrepreendidos em sínodos ainda no quinto século. O presbítero Lúcido, líder deum grupo deles, teve seus ensinos condenados e sua retratação assinada nosSínodos de Arles e Lião, ambos realizados no ano 473, pouco mais de 40 anos

após a morte de Agostinho. A retratação elaborada pelo Sínodo e assinada porLúcido dizia, por exemplo, o seguinte:

“A vossa repreensão é salvação pública, e vossa sentença, medicina. Portanto,também eu considero como sumo remédio desculpar-me, acusando os errospassados, e purificar-me com salutar confissão. Por isso, segundo as recentesdecisões do louvável Sínodo, condeno convosco a sentença que diz que oesforço da obediência humana não é para ser conjugado à graça divina; que dizque, depois da queda do primeiro homem, foi extinto totalmente o arbítrio davontade; que diz que não foi pela salvação de todos que Cristo, nosso Senhor eSalvador, assumiu a morte; que diz que a presciência de Deus impele com

violência o homem à morte, ou seja, que aqueles que se perdem, se perdem porvontade de Deus; [...] que diz que uns são destinados à morte, outrospredestinados à vida. [...] Condeno todas essas coisas como ímpias e sacrílegas. Afirmo, porém, a graça de Deus deste modo, que sempre mantenho unido oesforço do homem e o impulso da graça, e declaro que a liberdade da vontadehumana não foi extinta, mas atenuada e enfraquecida, e que aquele que sesalvou está no perigo e o que se perdeu teria podido salvar-se”. 

“Também afirmo que Cristo, nosso Deus e Salvador, no que concerne àsriquezas da Sua bondade, ofereceu o preço da morte por todos e não quer queninguém se perca, Ele que é o Salvador de todos os homens, de modo particular

dos que crêem, rico para com todos os que o invocam. E, dado que a respeitode realidade tão importante se deve dar satisfação à consciência, recordo-me deter dito anteriormente que Cristo viera somente para aqueles dos quais tinhapresciência de que acreditariam. Agora, porém, com base na autoridade dossagrados testemunhos que se encontram em abundância nos textos das divinasEscrituras, trazidos à luz pela reflexão da doutrina dos antigos, de bom gradoprofesso que Cristo veio também por aqueles que se perderam, pois foi contra aSua vontade – de Cristo – que se perderam. De fato, não é lícito dizer que asriquezas da imensa bondade e os benefícios divinos sejam restritos somente aosque, pelo que se vê, são salvos. Pois, se dizemos que Cristo trouxe os remédiossomente para aqueles que foram remidos, parece que absolvemos os não

remidos, dos quais consta que devem ser punidos por desprezarem a redenção”. 

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“Afirmo ainda que, que através da ordem e sequência dos séculos, na esperançada vinda de Cristo, alguns se salvaram pela lei da graça, outros pela lei deMoisés, outros pela lei da natureza que Deus escreveu no coração de todos; masque nenhum deles, desde o início do mundo, foi absolvido do laço do pecado  – original – senão pela intercessão do sagrado sangue.” 

“Professo ainda que para pecados capitais são preparados fogos eternos echamas infernais, já que merecidamente, para as culpas humanas que sãosustentadas até o fim, se segue a sentença divina, na qual incorrem com justiçaaqueles que não creram de todo o coração nestas realidades”. 

“Orai por mim, santos senhores e padres apostólicos! Eu, presbítero Lúcido,subscrevi de minha própria mão esta carta, e confirmo o que nela está escrito, econdeno o que nela é condenado” (DENZINGER, Heinrich; HÜNERMAN, Peter;Compêndio dos Símbolos, Definições e Declarações de Moral, Loyola e Paulinas

[coedição], 2007, pp. 123 e 124).Pois bem, nesses sínodos, são condenados os ensinos da expiação limitada, dainexistência de livre-arbítrio, do monergismo, da graça irresistível, dapredestinação incondicional e dupla, e da impossibilidade de um crente salvocair da graça. Lembrando ainda que o Concílio de Orange, de 529, por ocasiãoda condenação ao semipelagianismo, condenou simultaneamente apredestinação dupla agostiniana.

 Aliás, por falar de semipelagianismo, só agora, depois de uma resposta do irmãoFranklin Ferreira a um artigo do irmão Zwinglius Rodrigues, consegui entender oque ele quis dizer quando afirmou que eu havia apenas mencionado, mas não

definido (em meu artigo em Obreiro Aprovado) o que era o semiagostinianismoou semipelagianismo. Na verdade, temos visões históricas diferentes sobre esseassunto, por isso houve ruído de comunicação no meu entendimento sobre suaobservação acerca desse tópico do meu artigo.

Explico: sem mencionar o nome de João Cassiano, o Sínodo de Orangecondenou o ensino atribuído a ele, mas que não era exatamente o que eleensinava. João Cassiano não ensinava exatamente aquilo que lhe foi atribuídoe recebeu a pecha de “semipelagianismo”. Como disse em meu artigo emObreiro Aprovado, João Cassiano e seus seguidores, que posteriormente seriamchamados de semipelagianos – mas que eram admiradores de Agostinho e por

isso eram conhecidos originalmente como semiagostinianos  –  ensinavam queDeus poderia dar início à fé em alguns casos, mas em outros era o própriohomem que dava o initium fidei, o primeiro passo para a Salvação. Ou seja,Cassiano não ensinava terminantemente que era o homem que dava o início;ele não dizia que Deus nunca dava o início, mas afirmava que algumas vezesDeus dava o início e outras vezes, não (CASSIANO, Conferência XIII, capítulos10, 11 e 12). O que o Sínodo de Orange condenou terminantemente foi a ideiade que é o homem que dá o início.

Inclusive, quando Próspero de Aquitânia, após a morte de Agostinho, escreveucontra João Cassiano acusando-o de heresia e apelando às autoridades

eclesiásticas contra ele, “nenhuma medida foi tomada contra Cassiano”, porqueas autoridades eclesiásticas da época entendiam simplesmente que “não havia

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razão para tal” (In ESPÍRITO SANTO, Arnaldo do, João Cassiano e a Regra deSão Bento, artigo da revista Humanitas, volume L, 1998, Universidade de Lisboa,p. 303).

 A gente só sabe disso hoje porque os escritos de Cassiano sobre o assuntoexistem até hoje. Se não fosse isso, teria ficado definitivamente para aposteridade que Cassiano ensinava que Deus nunca dava início, só o homem – e é o que se popularizou, mas não é verdade. Por isso sou daqueles que, emvez de fazer diferença entre os termos semiagostinianismo e semipelagianismo,preferem usar simultaneamente ambos os termos para se referir ao cassianismo,e deles prefiro mais o termo semipelagianismo, tão somente porque, comoexplico no meu artigo em Obreiro Aprovado, é o termo mais popular para sereferir a esse equívoco doutrinário.

Lembremos que o termo “semipelagianismo” só foi criado no século 17(GIRAUD, Cesare, Num só Corpo  –  Tratado Mistagógico sobre a Eucaristia,Loyola, 2003, p. 14), mais precisamente pelo protestantismo. Até antes disso, os

cassianistas eram considerados apenas cassianistas ou semiagostinianos.

Enfim, sou daqueles que, como o historiador Justo L. Gonzales, consideracorreto ambos os termos  – semipelagianismo e semiagostinianismo  – para sereferir ao cassianismo, com a diferença de que Gonzales prefere mais o termo“semiagostinianismo” (GONZALEZ, Justo L. Uma História do PensamentoCristão, volume 2, São Paulo, Cultura Cristã, 2004, p.58), e eu, por questão depopularidade do termo, prefiro mais semipelagianismo, embora concorde com otermo semiagostinianismo sem problema algum.

Um detalhe interessante é que como o Sínodo de Orange não condenou os

escritos de João Cassiano, mas apenas aquele detalhe de um de seus ensinos,sua obra e nome continuaram sendo respeitados tanto no Ocidente quanto noOriente. Se bem que a Igreja Oriental, justamente porque a decisão do Sínodode Orange, mesmo sem mencionar Cassiano, toca claramente em um aspectodo seu ensino, não aceita até hoje a decisão daquele conclave. A visão sobre amecânica da Salvação da Igreja Oriental é, oficialmente, até hoje,“semiagostiniana” ou “semipelagiana”, como queiram rotular. Para ficar maisclaro: ela é cassianista.

 Ademais, como afirma Gonzales na mesma obra, apesar de os teólogoscatólicos depois de Orange continuarem a respeitar a autoridade de Agostinhopara vários assuntos, a maioria deles acabou, na prática, interpretando o temada mecânica da Salvação na Bíblia à luz dos escritos de teólogos comoCassiano.

 Aqui termino o quinto tópico de minhas observações. Devido ao fato de que faltaainda outras observações finais e, além disso, este artigo de hoje ficouigualmente enooorme, segue amanhã o quarto e último artigo. Eram três, mas,pela demanda dos temas, se tornaram quatro. No próximo, se Deus quiser,concluo minhas observações.

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Resposta ao Pr. Silas Daniel - Sobre arminianismo, calvinismo e o uso da históriado pensamento cristão

Postado por Ruy Marinho - no dia 19.6.15 - Seja o primeiro a comentar!

Por Franklin Ferreira

Silas Daniel respondeu à minha avaliação de seu texto “Em defesa doarminianismo” (publicado na revista Obreiro Aprovado Ano 36, nº 68) em trêslongos textos, publicados no site da CPAD. Tratarei de todos eles nestapostagem.

INTRODUÇÃO

Palavras têm significado. Portanto, há que se fazer uma diferença entresemipelagianismo e semiagostinianismo: o primeiro ensina que a graça de Deuse a vontade do homem trabalham juntas na salvação, e o homem deve tomar ainiciativa; a fé e o arrependimento são obras humanas, sendo consideradas pré-requisitos para se receber o Espírito. O segundo ensina que a graça de Deus seestende a todos, capacitando uma pessoa a escolher e a fazer o necessário paraa salvação; a fé e o arrependimento são dons do Espírito. Esta diferença nãopode ser subestimada. Ainda que o termo “semipelagianismo” tenha sido

cunhado pelos luteranos no século XVI, e usado na Epítome da Fórmula deConcórdia, para, retrospectivamente, rotular a teologia associada à JoãoCassiano (conhecida como massilianismo, mas que também tem sido chamadapelos católicos de semipelagiana).

Já “molinismo” é a noção ensinada pelo jesuíta Luis de Molina, no século XVI.Esta posição foi uma ruptura não só com os ensinos de Agostinho e Aquino sobrea predestinação, mas também com os de Armínio (na medida em que omolinismo defende que Deus sabe que, se certa pessoa for colocada em umasituação particular, ela não irá resistir à graça). O autor busca respaldo nomolinista, ainda que se identifique como arminiano. Para tentar responder àquestão “quem criou o que Deus previu?”, ele apela à ideia do “conhecimentodivino do futuro contingente condicional” (a scientia media, ideia elaborada porde Molina), que supostamente teria respaldo bíblico (ele cita apenas um texto-prova em apoio a esta ideia). O molinismo tem sido popularizado atualmente porWilliam Lane Craig e Alvin Plantinga. No site Bereianos há farto materialrefutando o molinismo (escritos por Joseph Nally, James Anderson, John Frame,Herman Bavinck, Matthew McMahon, Paul Helm e François Turretini). E naTeologia Sistemática que escrevi com Alan Myatt há seções tratandocriticamente esta posição.

De toda forma, a teologia católica tem rejeitado o ensino associado com osemipelaginismo (ou massilianismo) como herético, desde o Sínodo de Orange,

de 529 (Denzinger-Hünermann (ed.), Compêndio, 374):

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“Cân. 4. Se alguém professa que, para sermos purificados do pecado, Deusaguardou a nossa vontade, não porém que também o querer ser purificados sedá em nós mediante a inspiração e a obra do Espírito Santo, este tal se opõe aomesmo Espírito Santo, que diz por meio de Salomão: ‘A vontade é preparadapelo Senhor [Pv 8.35 septg.], e ao Apóstolo, que salutar mente anuncia: ‘É Deus

que opera em vós tanto o querer como o realizar segundo seu beneplácito’ [cf.Fp 2.13]”. 

Silas reconhece que errou em seu estudo da soteriologia dos teólogosmedievais. Ele havia, confiantemente, escrito em seu artigo publicado na revistaObreiro Aprovado que “o que prevaleceu na Igreja, desde o século 6 em diante,foi uma soteriologia que aceitava a Depravação Total, mas negava o conceito depredestinação”. Agora, nas postagens mais recentes, escreve, corrigindo-se,que “houve um excesso (...) [de sua] parte ao desprezar 100% de todo e qualquervestígio da compreensão agostiniana em relação à mecânica da Salvaçãodurante a Idade Média”. Tratarei do uso da história por parte de Silas neste texto,

mas me causa desconforto o uso recorrente da expressão “mecânica dasalvação”, o que, me parece, remete o debate à posição católica popular (comoconectada ao recebimento mecânico da graça pelos sacramentos, numadistorção daquilo que o catolicismo denomina de ex opere operato) ouevangélica popular (como relacionada à “aceitação” de Cristo diante do apelo,que assegura aquele que “se decidiu” a salvação, conforme sistemapopularizado pelo pelagiano Charles Finney), o que empobrece a linguagem dodebate.

1. SOTERIOLOGIA AGOSTINIANA NA IDADE MÉDIA

Parece óbvio escrever isso, mas nenhum especialista em história dopensamento cristão afirmou que há plena concordância entre os teólogosmedievais que citei e as formulações de Agostinho, o “Doutor da Graça”, comoparece ter entendido o autor. Mas não há como notar que há sim algum tipo decontinuidade entre as formulações de Agostinho e dos teólogos medievais quecitei anteriormente: Próspero, Gottschalk, Anselmo, Bernardo, Bradwardine,Tomás de Kémpis e Tomás de Aquino, além de Jan Hus e John Wycliffe. Mesmoquanto ao conceito do livre-arbítrio há diferenças de definição entre estes autores(e não só entre eles, mas entre Martinho Lutero, João Calvino e JonathanEdwards. cf. R. C. Sproul, Sola Gratia). No afã de provar que os autores antigos

não eram “calvinistas” (ou, pelo menos, eram mais próximos do “arminianismo”),o autor perdeu de vista o que afirmei em meu primeiro texto, quando lembrei quehá diferenças significativas entre os teólogos cristãos, uma constatação quedeveria ser óbvia para qualquer um familiarizado com fontes primárias. “Um bomponto de partida para tratar de temas teológicos controversos é começar com oque afirmam as confissões de fé que resumem as posições das tradiçõesprofessadas, e não com as posições de teólogos, por mais importantes que estessejam”. Em outras palavras, o que determina o que tal tradição crê (no caso, atradição católica, reformada, luterana, batista, etc.) são seus documentosconfessionais, não a posição de seus teólogos, mesmo dos mais representativos – pois este recurso, via de regra, se vale da falácia do argumento da autoridade

(ad verecundiam) e também suscita a pergunta: por que recorrer a teólogo tal,quando se pode citar outro teólogo?

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Usando a data da queda do Império Romano do Ocidente, que a historiografiatradicional emprega para marcar o fim da Antiguidade clássica, o autor rejeitaPróspero de Aquitânia como um escritor medieval, desconsiderando o fato deque, intelectualmente, pode-se citar as origens do pensamento medieval cristãoem Agostinho de Hipona, o “mestre do ocidente” (Philotheus Boehner e Etienne

Gilson, História da filosofia cristã) – por exemplo, Jacques LeGoff situa Agostinhonum primeiro período do medievo, que “balança da Antiguidade Tardia e a altaIdade Média” (cf. Homens e mulheres da Idade Média; cf. também A. S. McGrade(org.), Filosofia medieval; Josep-Ignasi Saranyana, La filosofía medieval: desdesus orígenes patrísticos hasta la escolástica barroca; Etienne Gilson, A filosofiana Idade Média; D. W. Hamlyn, História da filosofia ocidental, etc.). Ao tratar darejeição da heresia pelagiana no Sínodo de Cartago, em 418, M. Pohlenzafirmou: “O fato de a Igreja ter -se pronunciado por tal doutrina [da necessidadeda graça] assinalou o fim da ética pagã e de toda a filosofia helênica – e assimcomeçou a Idade Média” (cf. Giovanni Reale & Dario Antiseri, História dafilosofia. v. 2).

De qualquer forma, há algumas afirmações questionáveis por parte do autorsobre os teólogos citados. Sobre Próspero, supondo haver ocorrido umamudança em sua posição (várias citações deste autor podem ser encontradasem Jaroslav Pelikan, A tradição cristã, v. 1) – Próspero, após abandonar a Gália,onde contendia com os discípulos de Cassiano, se tornou secretário de Leão I,sendo influente na composição do Tomo a Flaviano, fundamental na preparaçãoda Definição de Calcedônia (cf. Philip Jenkins, Guerras santas). E os cânonesdo Sínodo de Orange foram baseados em uma coletânea de textos de Agostinho(chamadas Sententiae) “recolhidas em Roma pela metade do século V porPróspero de Aquitânia” (cf. Denzinger -Hünermann (ed.), Compêndio, p. 139).

Pode-se citar neste contexto, outro importante agostiniano, Isidoro de Sevilha,considerado o último grande Pai latino, que defendeu as posições agostinianassobre predestinação e graça em sua obra Etymologie (livro VII)  – e foi ele, maisdo que Agostinho (que tratou mais da predestinação para a vida eterna, do queà condenação eterna), que formulou a doutrina da predestinação dupla (JaroslavPelikan, A tradição cristã, v. 3).

Sobre Anselmo e Bernardo, o autor reconhece que ambos seguiram a Agostinho,ainda que “foram menos consistentes que Gottschalk em sua fidelidade à visãoagostiniana”, como ele mesmo escreve. Mas este não é o ponto em questão. Ofato é que ambos eram monergistas, como aqueles que forem às suas obras

poderão comprovar. Sobre Bradwardine, o autor afirma, categoricamente, semapresentar fontes, que ele “não cria na depravação total, dizendo que o pecadooriginal não teria causado consequências mais graves sobre a naturezahumana”. Na verdade, este teólogo medieval não enfatizou tal doutrina por umarazão metodológica: “Bradwardine apoia sua teologia anti-pelagiana com umadoutrina metafísica da onipotência divina consideravelmente distinta das ideiasde Agostinho, resultando em que a dependência soteriológica total dahumanidade em Deus é considerada uma consequência do caráter do serhumano como criatura e não de sua pecaminosidade. A Queda não é, portanto,tida como um divisor de águas na economia da salvação”. Outro teólogomedieval pode ser citado como um firme agostiniano, Gregório de Rimini:

“Enquanto o predestinarismo de Bradwardine é resultante de sua doutrinametafísica da onipotência divina, o de Gregório surge de seu conceito

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cristologicamente centrado na história da salvação” (cf. Alister McGrath, Origensintelectuais da Reforma). De qualquer forma, recomendo a obra de McGrath, queoferece uma boa discussão do impacto de Bradwardine e de Rimini na teologiaposterior, e as diferenças entre as escolas filosóficas de ambos.

 Acerca de Tomás de Kémpis, há uma carta que Susanna Wesley escreveu aoseu filho John, reclamando por aquele crer na predestinação (datada de 8 de junho de 1725; cf. Susanna Wesley: The Complete Writings). E a respeito deTomás de Aquino, ele também reconhece que ele “cria na predestinaçãoagostiniana só para os eleitos”. Portanto, a afirmação de seu primeiro artigo, deque não havia ninguém que ensinasse a doutrina da predestinação entre Agostinho e a Reforma Protestante, é falaciosa  –  ainda que ele reconheça,corretamente, em seu primeiro artigo, que, “do século 16 ao 18 a principalcorrente no meio protestante mundial era o que se convencionou chamar decalvinismo”. Portanto, para deixar claro, o que era comum a todos os teólogosmedievais citados acima era a crença na predestinação dos eleitos, ou aqueles

que são salvos; mas eles (com a possível exceção de Isidoro e Gottschalk)negavam que Deus predestinaria ativamente pecadores ao inferno, desde aeternidade, sem levar em conta suas próprias escolhas. Tal posição está emharmonia com o que havia sido definido no Sínodo de Quierzy, em 850 (cf.Denzinger-Hünermann [ed.], Compêndio, 621-621):

Cap. 1. Deus onipotente criou o homem sem pecado, reto e com livre-arbítrio e,querendo que permanecesse na santidade da justiça, colocou-o no paraíso. Ohomem, porém, usando mal o livre-arbítrio, pecou e caiu, e se tornou a ‘massada perdição’ de todo o gênero humano. Deus bom e justo escolheu, porém,dessa massa de perdição, segundo sua presciência, os que por graçapredestinou [Rm 8.29s; Ef 1.11] à vida, e predestinou-lhes a vida eterna; dosoutros, porém, que segundo o juízo da justiça deixou na massa da perdição, elesabia com antecedência que se perderiam, não porque os tivesse predestinadoa se perderem, mas porque, sendo justo, lhes predestinou uma pena eterna. Epor isso falamos, simplesmente, de uma só predestinação de Deus, que se referequer ao dom da graça, quer à retribuição da justiça.

Cap. 2. No primeiro homem perdemos o livre-arbítrio, e o recebemos medianteCristo nosso Senhor; de uma parte, temos o livre-arbítrio para o bem, prevenidoe ajudado pela graça, de outra temos o livre-arbítrio para o mal, abandonadopela graça. Temos, pois, o livre-arbítrio, porque foi libertado pela graça e pelagraça foi sanado do arbítrio corrompido.” 

2. A RESSURGÊNCIA DA SOTERIOLOGIA AGOSTINIANA

Silas se equivoca ao supor que dei “a entender que a posição agostinianareferente à (...) Salvação era, se não majoritária, pelo menos de grande influênciana Idade Média, quando, na verdade, ela não foi nem majoritária, nem de grandeinfluência na época de nenhum desses nomes, mas muito ao contrário”. Nenhumespecialista em história do pensamento cristão fez tal afirmação. Também éevidente para qualquer estudioso do período medieval que o pelagianismo e omassilianismo (ou “semipelagianismo”) eram a posição dominante no catolicismo

popular medieval, ainda que os principais teólogos do período seguissem emmaior ou menor grau a soteriologia de Agostinho. E é justamente a prevalência

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do “semipelagianismo” na igreja medieval que fornece o contexto para que aReforma Protestante seja chamada de “renascença agostiniana” (cf. TimothyGeorge, Teologia dos reformadores) e o movimento puritano inglês e escocêsdos séculos XVI e XVII seja chamado de “agostinianismo reformado” (cf. J. I.Packer, “Os puritanos”, Robin Keeley (org.), Fundamentos da teologia cristã). 

 Assim sendo, é necessário dizer que ainda que quase todos os teólogosreformados e luteranos no continente, assim como os teólogos puritanos naInglaterra, fossem firmemente monergistas, há diferenças de método e ênfaseentre eles, como qualquer leitor dos mesmos sabe (pode-se citar, somente atítulo de ilustração, Martinho Lutero, Martin Bucer, Ulrich Zwinglio, João Calvino,Teodoro de Beza, William Perkins e William Ames). Aliás, não deixa de serirônica a tentativa do autor de usar o pensamento de João Calvino como umaespécie de gabarito para analisar os autores mais antigos  – quando a obra de Ames, The Marrow of Theology foi imensamente mais influente no calvinismo naInglaterra e nas treze colônias na América (que se tornariam os Estados Unidos)

nos séculos XVII e XVIII que as Institutas da Religião Cristã.Portanto, mais uma vez: o que define uma tradição não são os escritos dosteólogos que pertencem à certa tradição, mas sim as confissões de fé queresumem esta tradição. Se o leitor, portanto, quer saber o que a tradiçãoreformada ensina sobre predestinação, deve ir diretamente à Confissão de Féde Westminster (III.1-8), à Confissão Belga (Artigo 16), à Segunda ConfissãoHelvética (X.1-9) e aos Cânones de Dort (I.6-18, II.8-9, e rejeições de erros).

3. A PROGRESSÃO DO DOGMA

Em nenhum de meus escritos afirmo algo como uma “forte linhagem históricacalvinista”, como o autor sugere. Nem mesmo fiz isso em minha avaliação doartigo dele. Na verdade, a meu ver, o maior erro presente na análise histórica deSilas Daniel é o anacronismo, que “consiste em utilizar os conceitos e ideias deuma época para analisar os fatos de outro tempo” – segundo Lucien Febvre, opecado mortal do historiador. Com isso, as nuances e diferenças na soteriologiados pais latinos e gregos que viveram antes de Agostinho, assim como dosteólogos medievais, são perdidas, justamente por, no caso, o autor não permitiraos Pais da Igreja e Medievais falarem, mas tentar impor a estes autorescategorias interpretativas estranhas ao pensamento deles, tais como “cincopontos do calvinismo” ou do “arminianismo”. Ele constantemente usa estascategorias de avaliação (ou lentes interpretativas), tentando achar “textos-prova”, a favor ou contra estes, nos diversos escritores citados. Portanto, o usodestes eixos interpretativos, de forma anacrônica, torna sua pesquisa históricacomprometida.

Os eixos interpretativos devem ser: monergismo e sinergismo, ou agostinianismoe pelagianismo (e suas gradações, semiagostinianismo e “semipelagianismo”).Neste sentido, todos os autores que citei afirmaram uma soteriologiamonergística (ainda que com diferenças entre si e inconsistências), e todos osque citei, em maior ou menor grau, seguiram as formulações de Agostinho sobrea predestinação (cf. a tabela em Reginald Garrigou-Lagrange, Grace:

Commentary on the Summa Theologica of St. Thomas, ch. 1). Deve-se ter emmente que o autor-chave que mitigou e reinterpretou os ensinos de Agostinho

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sobre a graça foi Gregório I, o Grande  –  e que, junto com Agostinho, éconsiderado um dos “fundadores da Idade Média” latina (cf. J. LeGoff, Homense mulheres da Idade Média).

O autor cita Jack Cottrell em seu apoio, para afirmar o que deveria ser claro: quenenhum Pai da Igreja antes de Agostinho cria na predestinação graciosa esoberana, ainda que usem tal fraseologia ocasionalmente (cf. 1 Clemente, 1.1;6.1; 29.1; 46.4; 50.6-7). Mas, ao mesmo tempo em que critica Michael Horton,Cottrell (e, parece, Silas) cai no mesmo erro que ele visa corrigir; ele,aparentemente, não faz o serviço completo, ou seja, demonstrar qual seja adoutrina da salvação dos Pais da Igreja antes de Agostinho.

Por exemplo, a noção de livre-arbítrio em vários dos Pais (Justino, Irene eTertuliano) estava, na maioria das vezes, conectada à teodicéia, não àsoteriologia. E isso se deu porque a apologética destes Pais era dirigida contrao determinismo cego presente na cultura greco-romana. Sobre a salvação, emlinhas gerais, os Pais diziam que a antiga lei tinha sido abolida, e o evangelho

seria a nova lei. Deste modo, os Pais ressaltaram a obediência à esta nova lei,bem como a imitação de Cristo, como sendo o caminho da salvação, e oconteúdo essencial da vida cristã. Mesmo em Agostinho não havia uma noçãoda imputação da justiça de Cristo aos pecadores, recebida pela fé somente (umtema-chave da Reforma protestante do século XVI). Também se enfatizava queo Espírito Santo era recebido por meio do sacramento do batismo. Em outrasocasiões, a salvação era apresentada em termos de imortalidade eindestrutibilidade, em vez de perdão dos pecados. E vários dos Pais orientais,inclusive João Cassiano, no ocidente, afirmaram a doutrina sinergística datheosis, ensinando que a salvação seria adquirida por meio da divinização dohomem. Em linhas gerais, estas várias formulações confundiram os ensinosbíblicos sobre a justificação e a santificação. Por outro lado, a noção da eleiçãopor meio da presciência divina estava conectada, muitas vezes, com a previsãode algum tipo de mérito. Justino, por exemplo, afirmou que Deus “prevê quealguns se salvarão pela penitência” (cf. 1 Apologia, 28.2). Ainda assim, a mortee a ressurreição de Cristo eram enfatizadas como constituindo o fundamento dasalvação dos homens – mas Cottrell e Silas parecem ignorar estas nuanças, quetornam a teologia dos Pais bem diferente da posição arminiana clássica (para asoteriologia dos Pais da Igreja, cf. J. N. D. Kelly, Patrística, caps. 13-14; JaroslavPelikan, A tradição cristã, v. 1, cap. 6).

De qualquer forma, duvido que um arminiano genuíno endosse tais posições  – e Silas cai na própria armadilha que visa refutar. Por causa da interpretaçãoanacrônica que arminianos contemporâneos (e mesmo calvinistas, como StevenJ. Lawson, no irregular Pilares da graça, v. 2) fazem dos escritores cristãos da Antiguidade e do Medievo, variações e diferenças entre os escritores antigos nasoteriologia são ignoradas, justamente por não permitir que estes escritoresfalem, mas tentar impor categorias interpretativas estranhas ao pensamentodeles. Mesmo a interpretação que Silas oferece de aspectos da soteriologia de Agostinho incorre no anacronismo, pois ele tenta interpretá-la pela lente dos“cinco pontos” do calvinismo. Uma interpretação da posição de Agostinho,sucinta, sóbria e muito mais perto da verdade, é sugerida por Colin Brown (cf.

Filosofia e fé cristã):

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“Frequentemente tem sido dito que tanto o catolicismo quanto o protestantismotêm sua origem em Agostinho. O primeiro obtém dele (mas não exclusivamentedele) seu alto conceito da igreja e dos sacramentos. O último segue Agostinhona sua visão da soberania de Deus, da perdição do homem no pecado e dagraça de Deus que é o meio exclusivo para trazer a salvação ao homem. Assim

como ocorre a todos os ditados fáceis, esta declaração acerca de Agostinhosimplifica demais. Há, certamente, católicos hoje que compartilham do ponto devista de Agostinho acerca da salvação e protestantes que não compartilhamdele. Seja como for, porém, foi de Agostinho mais do que qualquer outro teólogoindividualmente que o pensamento medieval recebeu seu arcabouço teológicode ideias. Mesmo quando pensadores posteriores alteraram a pintura dentro doquadro, o arcabouço com que começaram foi a teologia da igreja primitiva emgeral e a de Agostinho em particular”. 

O que é preciso ter em mente é que os escritos dos Pais da Igreja, especialmenteno que se refere ao ensino da graça antes da controvérsia pelagiana, não

pretendiam ser apresentações doutrinárias sobre salvação no sentido estrito dotermo. Como resultado, não podemos esperar deles um quadro completo destesartigos de fé. Até porque a soteriologia não foi um problema com o qual elesprecisaram se defrontar, já que os principais debates estavam relacionados coma Trindade e a divindade de Cristo  –  e resulta daí as tensões e mesmocontradições presentes em seus escritos, quando tratam da soteriologia.

Também é importante destacar que o Sínodo de Orange rejeitou o pelagianismoe o “semipelagianismo” (massilianismo), e a noção de que Deus predestinariapecadores à perdição. Mas não rejeitou a predestinação para a vida eterna, eafirmou que a fé seria resultado da ação prévia do Espírito Santo (Denzinger-Hünermann (ed.), Compêndio, 397):

“[Conclusão redigida pelo bispo Cesário de Arles] Segundo a fé católica cremostambém que, depois de ter recebido a graça pelo batismo, todos os batizados,com o auxílio e a cooperação de Cristo, podem e devem cumprir quanto dizrespeito à salvação da alma, se quiserem empenhar-se fielmente. Ao contrário,não só não acreditamos que pelo divino poder alguns tenham sido predestinadosao mal, mas, se há alguns que querem crer em tamanho mal, com toda areprovação lhes dizemos: anátema!

Professamos e cremos também, para nossa salvação, que cada boa obra nãosomos nós a iniciar, sendo depois ajudados pela misericórdia de Deus, mas que

ele, sem que preceda algum mérito bom, nos inspira antes de tudo a fé e o amora ele, para que, de uma parte, procuremos com fé o sacramento do batismo e,de outra, depois do batismo, com seu auxílio possamos cumprir o que lheagrada. Por isso, evidentissimamente, é preciso crer que tão admirável fé – sejaa do ladrão que o Senhor chamou para a pátria do paraíso [Lc 23.43], seja a docenturião Cornélio [At 10.3], seja a de Zaqueu, que mereceu acolher o próprioSenhor [Lc 19.6]  – não vem da natureza, mas foi doada pela generosidade dagraça divina”. 

O que se rejeitou no Sínodo de Orange, portanto, foi a ideia de quepredestinação e reprovação seriam noções simétricas. A posição estabelecida

neste sínodo foi reafirmada no Sínodo de Quierzy, em 853, que rejeitou o ensinoda predestinação à perdição (atribuído a Gottschalk), reafirmando que Deus

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predestina pela graça e salva pela misericórdia, e a reprovação é um ato deperfeita justiça, que pronuncia a pena unicamente para punir a falta, e após aprevisão dessa: “Cap. 3. (...) Que alguns sejam salvos é dom daquele que salva;que alguns ao contrário se percam é culpa dos que se perdem” (Denzinger -Hünermann [eds.], Compêndio, 623). O Sínodo de Valença, realizado em 855,

afirmou: “Cân. 3. (...) Assim professamos com fé a predestinação dos eleitos àvida e a predestinação dos ímpios à morte; na eleição dos que devem ser salvos,a misericórdia de Deus precede o mérito, mas na condenação dos queperecerão, o desmérito precede o juízo de Deus” (Denzinger -Hünermann [eds.],Compêndio, 628).

CONCLUSÕES

Três observações finais: parece que Silas ficou espantado com a repercussãode seu texto, mesmo em círculos fora das Assembleias de Deus. Isso se deu,

me parece, por ser um texto bem escrito e por, finalmente, haver uma boa defesado arminianismo – não do velho pelaginismo, ainda tão presente em nosso meio,mesmo em denominações históricas. E deve-se ter em mente que o debatesoteriológico não está circunscrito a uma denominação. Ao escrever sua defesado arminianismo, o autor está dialogando com toda a igreja evangélica.

Não indiquei ao Silas comentários bíblicos para suplementar a falta de exegeseem seu texto. Isso seria indelicadeza de minha parte. Os indiquei aos leitores demeu texto, como qualquer um pode conferir, indo à primeira postagem. Dequalquer forma, o desafio feito ao fim daquele texto permanece  –  por maisvalioso que seja o diálogo com a tradição cristã, no fim, o que decidirá todo

debate entre irmãos será a “exegese, exegese e mais exegese”. Pois, como diza Confissão Belga (Artigo 2), “Deus se fez conhecer, ainda mais clara eplenamente, por sua sagrada e divina Palavra, isto é, tanto quanto nos énecessário nesta vida, para sua glória e para a salvação dos que lhe pertencem”. 

Por fim, muitos leitores elogiaram o tom cordial de parte a parte. Isso se dáporque Silas, diferente de escritores pelagianos, não trata o calvinismo comouma heresia. E, é necessário deixar claro, mesmo calvinistas não tratam oarminianismo como herético. Ou, pelo menos, não deveriam. Por exemplo: Agostinho, refutou os erros dos massilianos (“semipelagianos”) em duas obras(A predestinação dos santos e O dom da esperança), mas tratou-os como irmãosou amigos errados, não como hereges. William Ames (que foi conselheiro dopresidente do Sínodo de Dort, Johannes Bogerman), escreveu que oarminianismo “não é corretamente uma heresia, mas um erro perigoso na fé”. 

John Wesley reconheceu, em 1745, que sua teologia estava “a um fio de cabelo”do pensamento de João Calvino: “Ao atribuir todo o bem à livre graça de Deus. Ao negar o livre-arbítrio natural e o poder antecedente à graça. E, ao excluir omérito humano; mesmo para o que ele realizou ou pratica pela graça de Deus”.Isso é exemplificado numa conversa que Charles Simeon teve com Wesley, em1784:

“Senhor, sei que o chamam de arminiano: e algumas vezes sou chamado  de

calvinista; portanto, deveríamos desembainhar as espadas. Porém, antes deconsentir em iniciar o combate, permita-me fazer-lhe algumas perguntas (...).

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Diga-me: o senhor se sente uma criatura depravada, tão depravada que nuncateria pensado em voltar-se para Deus, se ele não tivesse colocado isso em seucoração?

Sim [replicou o veterano], sinto-o realmente.

E não tem esperança alguma de tornar-se aceitável perante Deus por qualquercoisa que possa fazer por si; e espera na salvação exclusivamente através dosangue e da justiça de Cristo?

Sim, unicamente por meio de Cristo.

Mas, senhor, supondo-se que foi inicialmente salvo por Cristo, não poderia dealguma outra forma salvar-se depois, através de suas próprias obras?

Não, mas terei de ser salvo por Cristo do princípio ao fim.

 Admitindo, portanto, que foi inicialmente convertido pela graça de Deus, o

senhor, de um modo ou de outro não tem que se manter por suas própriasforças?

Não.

Nesse caso, então, o senhor tem que ser mantido, cada hora e momento, porDeus, tal como uma criança nos braços de sua mãe?

Sim, inteiramente.

E toda sua esperança está firmada na graça e misericórdia de Deus, para serpreservado até o seu reino celeste?

Sim, não tenho esperanças senão nele.Então, senhor, com sua permissão embainharei novamente a minha espada;pois este é todo o meu calvinismo; esta é a minha eleição, minha justificaçãopela fé, minha perseverança final; em suma, é tudo quanto sustento, e como osustento; portanto, se lhe parecer bem, em lugar de buscarmos termos e frasesque serviriam de base para luta entre nós, unamo-nos cordialmente naquelascoisas sobre as quais concordamos.” 

O grande desejo de John Wesley, ao qual ele devotou sua vida, foi pregar “astrês grandes doutrinas bíblicas: o pecado original, a justificação pela fé e aconsequente santidade”. Que Deus nos dê de seu Espírito Santo para não

apenas confessar tais doutrinas, mas pregá-las com zelo e paixão nesta épocaem que a igreja cristã é desafiada e confrontada com um ambiente cultural epolítico cada vez mais hostil à fé evangélica.

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Minhas observações às objeções levantadas pelo irmão Franklin Ferreira a meuartigo na revista Obreiro (Parte IV)

Ter, 23/06/2015 por Silas Daniel

Hoje, segue a quarta parte da minha série de artigos com observações àsobjeções do irmão Franklin Ferreira ao meu texto Em Defesa do Arminianismo,publicado na revista Obreiro Aprovado (CPAD), edição 68 (janeiro/março-2015).

 Antes de prosseguir, porém, quero responder rapidamente a um email que recebirecentemente de um irmão em Cristo simpatizante do calvinismo (avisei aoreferido irmão que responderia por aqui). Ele tem dois questionamentos sobre oque falei nos últimos artigos. As colocações desse amado irmão são, em síntese,as seguintes: (1) Se a doutrina do pecado original só foi elaborada por Agostinho,

não seria melhor desconsiderarmos, nessa questão da mecânica da Salvação,a opinião dos Pais da Igreja que o antecederam? Além disso, (2) o que nósconhecemos como arminianismo só teria surgido no século 17, porque o quereinou na igreja nos seus primeiros séculos foi o semipelagianismo, logo o queficaria conhecido como calvinismo seria muito mais antigo, porque surgiu aindano século 5 d.C.

Ora, em primeiro lugar, conquanto Agostinho tenha sido o primeiro a ter sepreocupado  –  por razões óbvias (a questão do batismo dos infantes e opelagianismo)  –  em desenvolver a doutrina do pecado original (termo queaparece pela primeira vez em Orígenes), antes dele havia, entre alguns Pais da

Igreja, declarações alinhadas com o conceito. Antes de Agostinho, você encontratanto Pais da Igreja  – a minoria  – com posicionamentos semelhantes ao delenesse sentido, em declarações isoladas aqui e ali (essas passagens costumamser enfatizadas tanto por teólogos católicos quanto por protestantes), quantoPais da Igreja que defendiam o que posteriormente seria chamado pelosteólogos da Igreja Ortodoxa de “pecado ancestral”, e que eram a grande maioria. 

Logo, uma vez que você não vai encontrar, antes de Agostinho, nenhum dosPais da Igreja defendendo predestinação incondicional, expiação limitada, graçairresistível e impossibilidade de um crente cair da graça, mas vai encontrar ouPais da Igreja defendendo o conceito que seria denominado depois de “pecado

original” ou Pais da Igreja defendendo o que depois seria designado como“pecado ancestral”, podemos afirmar que, tecnicamente, os Pais da Igreja antesde Agostinho esposavam ou aquilo que seria posteriormente chamado desemipelagianismo ou aquilo que posteriormente seria designado comoarminianismo. A única diferença é que os termos semipelagianismo earminianismo só seriam cunhados no século 17, mas, como pensamento, eles jáexistiam desde o período mais primevo da Igreja. O calvinismo, por sua vez, quesurgiu como nomenclatura em fins do século 16, surgiu, como pensamento, pelomenos em essência, no século 5 com Agostinho.

Em segundo lugar, uma vez que, logo após Agostinho, os Sínodos de Arles eLião em 473 condenaram a predestinação dupla, a predestinação incondicional,a graça irresistível, a expiação limitada e a impossibilidade de um salvo em Cristocair da graça; e o Sínodo de Orange, que condenou outra vez a dupla

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predestinação, condenou, do ensino de João Cassiano e seus discípulos,apenas a crença de que, em alguns casos, o initium fidei poderia ser do homem,não condenando o ensino de João Cassiano e seus discípulos de que apredestinação é só em relação aos crentes, nem o ensino destes de que apredestinação se dá com base na presciência, nem o ensino destes de que a

graça pode ser resistida, nem o ensino destes de que a expiação é ilimitada, emuito menos o ensino destes de que é possível o crente cair da graça, logo adoutrina bíblica que resta de Arles, Lião e Orange é o que tecnicamente seriachamado séculos depois de arminianismo. Porém, isso não significa dizer que aIgreja Medieval era arminiana; apesar das decisões desses conclaves oficiais,ela acabou se tornando, na prática, como já disse nos outros artigos,majoritariamente semipelagiana. E no final da Idade Média e início da EraModerna, pela influência das visões ockhamista, averroísta e scotista damecânica da salvação, além do contexto de idolatria, simonia e supersticiosidadepopular dentro da Igreja Católica nesse período, ela se tornou, na prática, maispelagiana que semipelagiana, o que provocou a Reforma Protestante.

Portanto, como defendi em meu artigo em Obreiro Aprovado, o arminianismoclássico é “o que melhor representa o posicionamento da Igreja sobre a questãosoteriológica ao longo da história”. 

 Aproveitando, vai aqui uma reflexão importante sobre o semipelagianismo:embora seja indubitavelmente um equívoco doutrinário, ele não é um equívocotão grave, como afirmam muitos calvinistas, uma vez que João Cassianoensinava que mesmo quando era o homem que dava o initium fidei (possibilidadeque tanto os arminianos quanto os calvinistas rejeitam à luz do texto sagrado),ainda assim este dependia do auxílio divino, sem a qual a Salvação seriaimpossível (Conferências XIII, capítulos 10, 11 e 12); e durante a história e aindahoje, os irmãos semipelagianos têm crido dessa forma. Ademais, se osemipelagianismo fosse um equívoco doutrinário tão grave, a maioriaesmagadora dos crentes genuínos de hoje e de todas as épocas estaria perdida,porque a grande massa de cristãos sinceros durante a história tem sido, ou porconvicção ou – na maioria dos casos – por falta de um melhor entendimento doensino bíblico acerca da mecânica da Salvação, semipelagianos. E como escreviem meu artigo de Obreiro Aprovado, ninguém é salvo pelo entendimento perfeitoda mecânica da salvação, mas pela aceitação do método e da mensagem dasalvação.

No Céu, este arminiano que vos escreve e os demais irmãos que perseverarematé o fim iremos encontrar, com certeza, um grande número de salvos em Cristoque, em relação à compreensão da mecânica da Salvação, eram, na Terra,semipelagianos.

Mas, vamos agora ao sexto tópico das objeções.

6) Escreve o irmão Franklin: “O mais surpreendente é quando o autor afirma queLutero abrandou a posição afirmada em seu tratado ‘Da vontade cativa’, e quepassou a crer na possibilidade de se cair da graça (lendo erroneamente os Artigos de Esmacalde III.42-45, que, na verdade, refutava distorçõesanabatistas). Ao tratar de uma mudança de ênfase na teologia de Lutero, ele cita

Herman Bavinck como fonte, mas não mencionou que este autor tambémafirmou que Lutero ‘nunca reverteu sua posição sobre predestinação’, e que os

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‘verdadeiros luteranos’ rejeitaram o sinergismo de Filipe Melanchthon (‘TeologiaSistemática’, v. 2, p. 364)”. 

Em primeiro lugar, não sou eu apenas que afirmo isso: vários teólogos luteranose não-luteranos reconhecem, como este escriba, que Lutero abrandou a suaposição afirmada em De servo arbítrio e que o texto da seção III.42-45 dos Artigos de Esmalcade é claro quanto à crença de Lutero na possibilidade de umcristão genuíno cair da graça. Ademais, não apenas esse trecho dos Artigos deEsmalcade comprovam isso.

Em segundo lugar, ao citar Bavinck, eu não afirmei em nenhum momento queLutero abandonou sua posição específica sobre o ponto “predestinação”, mas,sim, que Lutero, como reconhece o próprio Bavinck, logo depois de escrever DaVontade Cativa ("De servo arbítrio"), “evitou progressivamente a doutrinaespeculativa da predestinação”. E na sequência, eu é que acrescentei que,nessa segunda fase de sua vida, Lutero não parou por aí, mas foi mais além, seopondo “a 3 ensinos que se tornariam depois 3 dos 5 pontos da Tulip calvinista”. 

Outro detalhe: no texto original que tive de diminuir, eu citava vários autores quefalam das mudanças de Lutero ao final de sua vida em relação ao tema damecânica da Salvação, mas, como precisava cortar texto para que o artigopudesse entrar na revista, deixei propositadamente apenas aquela passagem deBavinck, justamente para ressaltar, aos meus leitores que eventualmentesimpatizam com o calvinismo e conhecem esse célebre autor calvinista, queembora seja comum vermos calvinistas dizendo insistentemente  –  eequivocadamente – que “Lutero foi mais calvinista do que o próprio Calvino”, atémesmo teólogos calvinistas como Bavinck reconhecem, mesmo querelutantemente, que Lutero não foi “mais calvinista do que o próprio Calvino”,

pois reconhecem que, no final de sua vida, o reformador alemão colocou emdetrimento a doutrina da predestinação em seu ensino. O problema apenas éque teólogos calvinistas como Bavinck geralmente só mencionam esse fato,silenciando totalmente para o fato também de que Lutero foi muito mais além doque isso. Mesmo nunca tendo revertido oficialmente sua posição sobre apredestinação, ele não apenas colocou essa doutrina como a entendia emdetrimento dentro do seu ensino, como também terminou sua vida, comoinformei em meu artigo, negando 3 dos chamados 5 pontos do calvinismo.

Entre os muitos teólogos que ressaltam claramente a mudança do pensamentode Lutero sobre a mecânica da Salvação estão, por exemplo, entre os mais

antigos, o pastor e teólogo luterano Teodósio von Harnack (1817-1889), o pastore teólogo luterano Emil Brunner (1889-1966), o pastor e teólogo metodista AlbertNash (1828-1893), o historiador Kaspar Brandt (1653-1696) e até mesmo  – embora timidamente – o teólogo calvinista Louis Berkhof (1873-1957), sem falardo próprio Philip Melanchthon; e entre os mais recentes, temos, por exemplo, opastor e teólogo luterano canadense Bart Eriksson; o teólogo luterano Douglas A. Sweeney, professor e chefe do Departamento de História da Igreja e Históriado Pensamento Cristão do Trinity Evangelical Divinity School; o pastor luteranoDon Matzat, articulista da revista Modern Reformation; o pastor batista John Arkenberg, mestre em História da Igreja e História do Pensamento Cristão; e oteólogo John Weldon, doutor em Religião Comparada e mestre em Apologética

Cristã.

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Em sua obra Luthers Theologie (“A Teologia de Lutero”), volume I, pp. 148 a 190,Teodósio von Harnack, que era considerado um dos maiores especialistas sobrea Teologia de Martinho Lutero no século 19 e não deve ser confundido com seufilho Adolf von Harnack, assevera, citando vários textos do próprio Lutero, amudança clara de pensamento do reformador alemão sobre a questão da

mecânica da Salvação no final da sua vida. Emil Brunner, que cita T. vonHarnack em sua célebre Dogmática, volume I, assevera o mesmo. Maisprecisamente, logo depois de afirmar que, após Agostinho, apenas o mongeGottschalk, o tomista Bradwardine e Wycliff pregaram realmente a predestinaçãoagostiniana (embora, como eu já disse, Bradwardine negava outros pontos carospara o agostinianismo e o calvinismo no que concerne ao entendimento damecânica da Salvação – ver meu primeiro artigo desta série), Brunner afirma, nasequência, a respeito do pensamento de Lutero sobre o assunto (os grifos sãomeus):

“Lutero, também, em sua obra De servo arbitrio, argumentou o determinismo

estrito de Bradwardine até suas últimas consequências, com extrema, para nãodizer brutal, lógica. Entretanto, no ensino de Lutero, esta não foi a sua últimapalavra [sobre o assunto]. Esse determinismo predestinarianista foiposteriormente desmentido por sua nova compreensão da Eleição, adquirida apartir de uma nova visão sobre o Novo Testamento. Lutero, é verdade, nãorevogou o que ele disse em De servo arbitrio; mas, a partir de 1525 em diante, oseu ensino era diferente. Ele tinha se libertado da formulação agostiniana desseproblema e também do raciocínio causal de Agostinho. Ele viu que essa doutrinada predestinação era teologia natural especulativa, e entendeu a ideia bíblica daEleição em e através de Jesus Cristo”. 

“[...] Se, antes de 1525, e especialmente em De servo arbitrio, Lutero negaexplicitamente o universalismo da vontade divina da salvação, agora ele enfatizaa verdade de que Deus em Cristo nos oferece, como seu único arbítrio, oEvangelho da Graça – ‘Nee est praetur hunc Christum alius Deus aui aliqua Deivoluntas quarenda’ – e para isso ele acrescenta que quem especula sobre avontade de Deus fora de Cristo perde a Deus (40, I, 256). Em Cristo, oCrucificado, ‘tu conheces a esperança certa da misericórdia de Deus para ti etoda a raça humana’ (ibid., 255). Ele agora faz uma distinção explícita entre ouniversalismo da promessa e o particularismo da maneira em que o mundo vaiacabar: ‘Porque o Evangelho oferece a todos os homens, é verdade, o perdãodos pecados e a vida eterna por meio de Cristo, mas nem todos os homens

aceitam a promessa do Evangelho, e o fato de todos os homens não aceitarema Cristo é culpa deles mesmos... ‘Interim manet sententia Dei et promissiouniversalis’ [‘Nesse meio tempo, ele {o Evangelho} continua a ser uma sentençade Deus e uma promessa universal’]... Pois é a vontade de Deus que Cristo deveser um ‘communis omnium thesaurus’ [‘Um tesouro comum a todos’]... Mas osincrédulos resistem a essa vontade graciosa de Deus’(Erl. Ed., 26, 300)”. 

“Assim, doravante, ele faz uma distinção entre o universalismo da vontade divinada salvação e o particularismo no Juízo Final, e toda a culpa pela ruína dohomem é colocada na própria conta deste: ‘Non culpa verbi quod sanctum est etvitam offert, sed sua culpa quod hanc salutem quae offertur rejiciunt’ (40, 2, 273).

É no fato da incredulidade do homem que a doutrina da dupla predestinaçãocomeça, pois é dito que a causa da incredulidade do homem é derivada davontade de Deus e, portanto, se dá a partir do ‘decreto’ de Deus. Aqui, no

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entanto, segue-se o ponto de virada decisivo no pensamento de Lutero. De 1525em diante, ele adverte a seus ouvintes contra a busca de um decreto divinoescondido desse tipo. Em tons exaltados, ele exorta os seus alunos, em suaspalestras sobre Gênesis: ‘Vos igitur qui nunc me auditis, memineritis me hocdocuisse, non esse inquirendum de praedestinatione Dei absconditi. Sed ea

aquiescendum esse quae revelatur per vocationem et per ministerium verbi. Ibienim potes de fide et salute tua certus esse’. A graça de Deus em Jesus Cristo – este é o verdadeiro ‘beneplacitum Dei Patris' [‘O prazer de Deus, o Pai’]’ (43,463)”. 

“Lutero percebe que a questão da predestinação está fora da esfera da revelaçãocristã e da fé, e que é uma questão de teologia natural especulativa. É a teologiaescolástica especulativa que faz a distinção entre uma ‘voluntas signi’ (‘a vontaderevelada’) e uma ‘voluntas beneplaciti’, a eleição divina insondável ou rejeição.[...] Em tudo isso Lutero percebeu duas verdades: em primeiro lugar, que adoutrina tradicional da predestinação, como ele mesmo tinha tomado de

 Agostinho, é uma teologia especulativa e, portanto, não cria um verdadeiroconhecimento de Deus, mas, pelo contrário, leva os homens ao desespero; e,por outro lado, que a verdadeira doutrina da predestinação é simplesmente oconhecimento da eleição em Jesus Cristo através da fé. Assim, neste ponto,como em tantos outros, Lutero libertou o Evangelho do fardo da tradição quetinha quase totalmente obscurecido-o, e ele mais uma vez baseia a verdadeteológica sobre a revelação de Deus em Jesus Cristo” (BRUNNER, Emil,Dogmatic, volume I, The Christian Doctrine of God, The Westminster Press, pp.342- 345).

 Além de T. von Harnack e Brunner, o pastor e teólogo metodista Albert Nash(1828-1893), em sua obra Perseverance and Apostasy, de 1870, assevera: “Naparte inicial de sua carreira, Lutero aparece favorecendo algumas das maisestritas visões de Agostinho, porém, mais tarde em sua vida, adotou sentimentosem harmonia com o ensino subsequente de Arminius. O mesmo deve ser dito deMelanchthon” (NASH, Albert, Perseverance and Apostasy: being a argument inproof of the Arminian Doctrine, N. Tibbals & Son, Nova Iorque, 1871, pp. 5 e 6).

E além de T. von Harnack, Brunner e Nash, o próprio teólogo calvinista LouisBerkhof admite essa mudança em Lutero, embora o faça timidamente.

Na página 101 de sua Teologia Sistemática (Cultura Cristã), Louis Berkhofcomeça afirmando que “todos os reformadores do século 16 defenderam a mais

estrita doutrina da predestinação” (grifos meus). Aí, na frase seguinte, ele mesmocomeça a relativizar o que disse. Ele mal começa o parágrafo e já se contradiz.Diz Berkhof na sequência: “Esta afirmação é verdadeira mesmo quanto aMelanchthon em seu período inicial”. Sim, ele está certo ao afirmar queMelanchthon começou defendendo “a mais estrita doutrina da predestinação”;entretanto, uma vez que o reformador alemão mudou muito cedo sua visão inicialsobre esse assunto, e estamos falando aqui ainda do século 16, Berkhof deveria,só por isso, já retificar o que disse na frase anterior, afirmando em seu lugar:“Ainda no século 16, nem todos os reformadores mantiveram a mais estritadoutrina da predestinação”. 

Mas, para piorar, Melanchthon mudou de pensamento juntamente com Lutero ecom a concordância deste (Veremos isso daqui a pouco). Aliás, o próprio

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Berkhof, na frase subsequente, reconhece a mudança em Lutero, ao afirmar que“Lutero aceitava a doutrina da predestinação, se bem que a convicção de queDeus queria que todos os homens fossem salvos o levou a enfraquecer um tantoa doutrina da predestinação nos últimos tempos de sua existência” (grifos meus).Ou seja, Berkhof admite que não foi simplesmente Melanchthon que mudou de

posição: o próprio Lutero mudou. A verdade é que, quando a Reforma Protestante não tinha nem chegado aosseus 20 anos de existência, Lutero, o pai da Reforma, já enfraquecera a doutrinada predestinação nos moldes que seriam chamados posteriormente decalvinistas, e isso é simplesmente a primeira metade do século 16. Portanto,mais certo ainda seria o irmão Berkhof gravar em sua obra: “Ainda no século 16,nem todos os reformadores mantiveram a mais estrita doutrina da predestinação,a começar do pai da Reforma: Lutero”. 

Berkhof continua: “Ela [a doutrina da predestinação nos moldes agostinianos] foidesaparecendo gradativamente da teologia luterana, que agora a considera,

total ou parcialmente (reprovação),como condicional. Calvino [ao contrário]sustentou firmemente a doutrina agostiniana da predestinação dupla e absoluta”(grifos meus). Correto. Faltou só dizer que esse “gradativamente” foi ainda naprimeira metade do século 16, antes mesmo de a Reforma chegar a 20 anos deexistência, e com seu fundador – Lutero – vivo, ativo e aquiescendo.

Mas, como adiantei no início, não são apenas esses teólogos mais antigos queasseveram o que afirmei. John Arkenberg e John Weldon, por exemplo, na nota2-3 de sua bem conhecida obra Catholics and Protestants: Do They Now Agree?,elogiada e recomendada por calvinistas como R. C. Sproul, John McArthur Jr eD. James Kennedy, e lançada originalmente em 1995, ressaltam igualmente a

mudança de pensamento de Lutero, citando especificamente a questão do cairda graça. Frisam eles (os grifos são meus): “Embora Lutero concordasse que osméritos de Cristo eram a única base da justificação de um homem, e que estanão dependia de forma alguma de ações do homem, Lutero ainda pensava queum homem pode perder a sua justificação se ele, finalmente e totalmente, seafastar de Cristo. Uma vez que o dom do perdão dos pecados e a vida eternadados por Deus são apropriados pela fé, se um homem decidir não descansarmais seu destino eterno em Cristo e totalmente voltar-se contra Ele, Luteroacreditava que só assim este homem poderia perder a sua salvação.Em outraspalavras, o único pecado que Lutero pensou que poderia causar a perda dasalvação é o pecado da apostasia sem arrependimento”. 

Sobre esse mesmo assunto, o pastor e teólogo luterano canadense BartEriksson escreve (os grifos são meus): “Um tema que encontramos [...] [nosescritos de Lutero] é a possibilidade de cristãos perderem a sua salvação, decaírem para longe da graça. O pensamento luterano ao longo dos anos temsublinhado que é possível cair para longe da salvação, e Lutero acreditava dessaforma. Os teólogos luteranos dos primeiros duzentos anos após Lutero  – umperíodo normalmente referido como a era da ‘Ortodoxia Luterana’ –  tambémensinaram que era possível para os cristãos perderem a sua salvação (SCHMID,H., The Doctrinal Theology of the Evangelical Lutheran Church, 5ª edição, TheLutheran Bookstore, 1876, pp. 459 e 482). A ideia de que os cristãos podem

perder a sua salvação também mostra-se em uma série de lugares nasconfissões luteranas (Luther’s own Smalcad Articles, pp. 308, 310 e 315, e na

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Formula of Concord Epitome, artigo IV, seção 19, p. 477, no The Book ofConcord [“O Livro de Concórdia”], edição e tradução de Theodore G. Tappert,Fortress Press, 1959)”. 

Prossegue Eriksson: “Aqui está uma das declarações dos Artigos de Esmalcadede Lutero [Eriksson passa a citar, então, um trecho da seção III, artigos 42-45]:‘É, portanto, necessário conhecer e ensinar que quando pessoas santas (...)caem em pecado aberto – como Davi caiu em adultério, homicídio e blasfêmia –, a fé e o Espírito retirou-se delas’. Agora, os teólogos luteranos não retiram essanoção de algum chapéu. A ideia que podemos perder a nossa salvação é retiradadiretamente dos ensinamentos do apóstolo Paulo. [...] Lutero reflete sobre essesensinamentos de Paulo em seu comentário à Epístola aos Gálatas de 1535,quando ele escreve que ‘aos que pecam por causa da sua fraqueza, mesmo queo façam muitas vezes, não lhes será negado o perdão, desde que se levantemnovamente e não persistam em seus pecados, porque resistir ao pecado é o piorde tudo’ (Ibid., p. 80). Ele, então, continua a dizer, a respeito de Gálatas 5.19:

‘Diferentes pessoas são tentadas de maneiras diferentes, de acordo com adiversidade de sua constituição e atitude. Uma pessoa está sujeita a sentimentosmais burilados, outra a (...) mais óbvios, tais como o desejo sexual, a raiva ou oódio. Mas aqui Paulo exige de nós que andemos no Espírito e resistamos acarne. Qualquer um que cede à carne e persiste na presunçosa gratificação deseus desejos deve saber que não pertence mais a Cristo; embora ele possaorgulhar-se muito e sempre do título de ‘cristão’, ele está apenas enganando asi mesmo’ (Luther’s Work, volume 27, p. 81)”. 

Continua Eriksson: “As citações de Lutero sobre esse assunto estão em perfeitoacordo com o que vemos nas Escrituras e nas Confissões Luteranas que juramos pregar. Vale a pena lembrar que durante as nossas cerimônias deordenação de pastores luteranos somos conclamados a não dar ‘alguma ocasiãopar a a falsa segurança ou a esperança ilusória’ (Occassional Services, AugsburgPublishing House, 1995, p. 194). Se formos fieis às Escrituras, às ConfissõesLuteranas e aos ensinamentos de Lutero, que concorda com todos esses outrosdocumentos, temos de reconhecer que a persistência deliberada no pecado nãoé uma questão trivial. Além de prejudicar a nós mesmos e aos outros, o pecadodeliberado e persistente pode causar uma brecha no nosso relacionamento comDeus, uma queda da graça. [...] Lutero e nossas confissões afirmam que pode-se perder a salvação se houver persistência no pecado” (ERIKSSON, Bart,Luther on Sin and Salvation: Implications for the Homossexuality Debate, Sínodo

de Alberta, Canadá, junho de 2005, no site da Igreja Evangélica Luterana doCanadá – www.elcic.ca).

O pastor luterano norte-americano Don Matzav, por sua vez, escreve sobre opensamento de Lutero: “Ao lidar com a questão da eleição e da predestinação,Lutero compreendeu o impasse em que se chega ao manter ao mesmo tempo adepravação total do homem, a graça universal e a eleição de indivíduos porDeus, mas ele nunca tentou harmonizar esses ensinamentos. Ele temia queseria forçado a fazer concessões que violam a verdade bíblica. Lutero acreditavaque a eleição divina era a causa da nossa salvação e que essa doutrina era parao conforto do crente. [...] [Entretanto,] apesar de aceitar a eleição divina, Lutero

se recusou a abraçar as conclusões lógicas que levavam a uma expiaçãolimitada para os eleitos e à graça irresistível. Ele manteve a graça universal e opoder do homem de resistir e rejeitar o Evangelho. Para Lutero, era um mistério.

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No que diz respeito a investigar essa doutrina, ele escreveu: ‘Não estamosautorizados a investigar, e mesmo que você investigue muito, você nunca irádescobrir’. A doutrina da predestinação não foi central na teologia de Lutero. Asubstância da ‘sola gratia’ ou ‘somente a graça’ não estava na doutrina daeleição, mas na cruz de Jesus Cristo” (MATZAV, Don, Martin Luther and the

Doctrine of Predestination, revista Issues, Etc, outubro de 1996, volume 1,número 8).

Quanto à afirmação de Bavinck de que os “verdadeiros luteranos” rejeitaram osinergismo de Melanchthon, trata-se de uma tremenda distorção da história.

 Ainda no século 16, luteranos e calvinistas divergiram profundamente devido nãoapenas à questão da Santa Ceia, mas também devido à clara diferença de visãoentre eles sobre a mecânica da Salvação à luz da Bíblia. Brunner, na página 345do volume I de sua obra supracitada, lembra que a controvérsia entre luteranose calvinistas na segunda metade do século 16 não foi apenas por causa da visãodiferente sobre a Santa Ceia, embora esse tenha sido o ponto mais em destaque,

mas também porque aqueles “seguiram os ensinamentos posteriores de Lutero”que eram contrários aos ensinos calvinistas sobre a mecânica da Salvação (Ibid.,p. 345).

Um dos resultados diretos dessa divergência entre luteranos e calvinistas noséculo 16 foram os Artigos Saxões de Visitação anexados ao Livro de Concórdiaem 1593, elaborado pelos luteranos W. Mamphrasiu, A. Hunnius, J. Löner, M.Mirus, G. Mylius, dentre outros, para organizar e esclarecer a fé luterana emoposição exatamente ao ensino calvinista de seus dias (Veja-o AQUI). Lá, lemos,no artigo IV:

“Da Predestinação e da Providência Eterna de Deus  –  A doutrina pura everdadeira das nossas Igrejas neste artigo:

“1) Que Cristo morreu por todos os homens e, como o Cordeiro de Deus, levouos pecados do mundo inteiro”. 

“2) Que Deus não criou homem algum para a condenação, mas quer que todosos homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. Ele, portanto,chama a todos para ouvir a Cristo, seu Filho, no Evangelho; e promete, por suaaudição, a virtude e a operação do Espírito Santo para a conversão e salvação”. 

“3) Que muitos homens, por sua própria culpa, perecem: alguns, que não vão

ouvir o evangelho a respeito de Cristo; alguns, que novamente caem da graça,seja por erro fundamental ou por pecados contra a consciência”. 

“4) Que todos os pecadores que se arrependem serão recebidos em favor; eninguém será excluído, apesar de seus pecados serem vermelhos como sangue;uma vez que a misericórdia de Deus é maior do que os pecados do mundointeiro, e Deus se compadece em todas as suas obras”. 

“[...] Da falsa e errada doutrinas dos calvinistas sobre a predestinação e aProvidência de Deus:

“1) Que Cristo não morreu por todos os homens, mas apenas para os eleitos”. 

“2) Que Deus criou a maior parte da humanidade para a condenação eterna, enão é da sua vontade que a maior parte se converta e viva”. 

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“3) Que o eleito e regenerado não pode perder a fé e o Espírito Santo, ou sercondenado, embora eles cometem grandes pecados e crimes de toda espécie”. 

“4) Que aqueles que não são eleitos estão necessariamente condenados, e não

podem chegar à salvação, ainda que sejam batizados mil vezes, e recebam aeucaristia todos os dias, e levem uma vida irrepreensível como sempre pode serconduzido”. 

Os teólogos do período chamado (não por acaso) de “Ortodoxia Luterana” – Leonhard Hutter (1563-1616), Johann Gerhard (1582-1637), Johann Quensteldt(1617-1688), David Hollaz (1646-1713) etc  –, defenderam a posição luteranacontra a minoria simpática ao calvinismo. Em meio a esse combate, dois deles –  Quensteldt e Hollaz  –  chegaram até mesmo a ir além das mudançasempreendidas por Melanchthon e Lutero, ensinando também a predestinaçãocom base na presciência divina. Enfim, fato é que, desde o início das

divergências, os luteranos influenciados pelo calvinismo foram minoria. Comoinforma o teólogo luterano Douglas A. Sweeney, “os luteranos se inclinaram maispara os arminianos do que para os calvinistas sobre algumas das questõesdoutrinárias que dividiam os dois grupos” (AQUI). Mas, segundo a versãocalvinista, a esmagadora maioria  –  ou seja, a “Ortodoxia Luterana”, que eraanticalvinista – é que representava os “falsos luteranos”; e a minoria, que foi vozvencida, é que representava os “verdadeiros luteranos”. Essa é uma leituracompletamente equivocada dos fatos.

 Ademais, não é verdade que entre os reformadores no século 16 só haviadiferenças sutis no que diz respeito à doutrina da mecânica da Salvação. J. I.

Packer costuma dizer que o calvinismo, como definido no Sínodo de Dort, quetraz a posição que ele esposa pessoalmente sobre como funciona a mecânicada Salvação, é um círculo fechado: não há como você negar um dos cinco pontose sustentar os demais. Se Packer está certo, então não se pode considerardiferenças sutis aquelas esposadas entre os reformadores do século 16 no quediz respeito à mecânica da Salvação.

 Albert Nash, na sua obra supracitada, citando os escritos de Simão Espicopius(1583-1643), o mais fiel discípulo de Arminius, ressalta que (grifos meus) “nosdias de Calvino, alguns teólogos [protestantes] recusaram receber as doutrinasensinadas por ele. Alguns letrados e piedosos homens objetaram suas visõescomo novidades perigosas, e em alguns lugares tumultos foram criados porestas novidades” (NASH, Ibid., p. 6). Friso: Episcopius, nascido menos de 20anos depois da morte de Calvino, tendo vivido como criança e adolescente aindano século 16, sublinhava que, ainda “nos dias de Calvino”, houve divergênciasquanto ao ensino deste entre os teólogos protestantes. E ele não estava aludindoapenas aos luteranos.

Diferentemente do que diz Berkhof, “todos os reformadores” não defenderam “amais estrita doutrina da predestinação”. Não se pode falar de “mais estrita”, umavez que, por exemplo, eram contra a predestinação dupla, contra osupralapsiarianismo e esposavam a doutrina bíblica da expiação ilimitada osmártires protestantes ingleses Hugh Latimer e Thomas Cranmer, bem como

Heinrich Bullinger (1504-1575), sucessor de Zwinglius na Suíça, e seu sucessor

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Rudolf Gwalther (1519-1586), além dos reformadores Wolfgang Musculus (1497-1563), Erasmus Sarcerius (1501-1559) e Myles Covardale (1488-1569).

Só quanto ao tópico Expiação Limitada, e só no século 16, eram contráriosLutero, Melanchthon, William Tyndale, Oecolampadius (Ecolampádio), Bullinger,Wolfgang Musculus, Pierre Viret, Peter Martyr Vermigli, Hugh Latimer, ThomasCranmer, Myles Coverdale, Erasmus Sarcerius, Heinrich Bullinger, RudolfGwalther, Zachary Ursinus, Jacob Kimedoncius, David Paraeus, Robert Rollock,William Bucanus, Batholomaeus Keckermann, dentre outros menos ilustres. Elembremo-nos mais uma vez que os luteranos, de forma geral, não divergiam sóquanto a isso.

Todos essas pessoas e grupos representavam, simplesmente, a maioria dospensadores protestantes do século 16. E olha que nem estou incluindo nessahistória os radicais anabatistas, que surgiram bem no início da Reforma e porrazões óbvias não são contados aqui (embora entenda que possa haver quemconteste essa minha omissão).

E o que dizer do reformador holandês Joannes Anastasius Veluanus (1520-1570)? Propositalmente, cito-o à parte, para ressaltar a injustiça cometida quantoà sua memória durante muito tempo. Ele foi perseguido, preso e torturado pelaInquisição católica, mas saiu da masmorra para continuar pregando oEvangelho, tendo a sua obra The Layman’s Guide, de 1554, se tornado uma dasobras protestantes mais lidas em toda a Holanda na segunda metade do século16. Nela, Veluanus, além de pregar contra a justificação pelas obras, contra aveneração dos santos, contra o papado, contra a confissão auricular, contra adoutrina da transubstanciação (sua posição, nessa questão, era similar à deZwinglius), também ensinou, décadas antes de Arminius, o que seria chamado

posteriormente de arminianismo. Mesmo assim, Veluanus é praticamentedesconhecido pelo grande público. Por quê? Porque seu nome foi rapidamenteenterrado dentro da história do protestantismo holandês pelos calvinistasdaquele país logo quando estourou a controvérsia entre arminianos e calvinistasno início do século 17.

Fizeram isso logo com um dos nomes mais importantes da história da IgrejaReformada da Holanda, apenas porque, décadas depois de sua morte, ele setornaria um exemplo contundente e inconveniente de oposição à predestinaçãocalvinista dentro do movimento reformado holandês ainda em seu início.

Na controvérsia entre arminianos e calvinistas no início do século 17, osseguidores de Arminius lembravam a seus opositores que Veluanus já ensinarao que eles defendiam, e que este sempre fora, até aquela época, uma figurarespeitada por todos os protestantes holandeses. Bastou que isso acontecessepara que, após o Sínodo de Dort, o nome de Veluanus, antes tão respeitado,fosse propositada e completamente enterrado na história da Igreja ReformadaHolandesa, até que, em 1912, a Igreja Reformada Holandesa, reconhecendo ainjustiça cometida contra um de seus principais nomes, prestou umahomenagem de mea culpa a Veluanus; e em 1994, ainda foi erigida uma estátuaem reconhecimento e homenagem ao reformador holandês em frente à IgrejaReformada Holandesa de Garderen (Veja AQUI).

Portanto, é equivocado o que alguns calvinistas afirmam de que a posição deCalvino sobre a mecânica da Salvação era aceita por Lutero e todos os demais

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reformadores com apenas divergências praticamente irrelevantes entre eles.Essa é uma lenda que os dados históricos desmentem.

O próprio pensamento arminiano surgiu dentro do calvinismo ainda no século 16,e só pôde surgir porque já havia, bem no início do calvinismo, divergênciasinternas entre os seus adeptos no que concerne a algumas questões relativas àmecânica da Salvação. Só foi possível o pensamento arminiano aflorar dentrodo protestantismo porque não havia unanimidade dentro do protestantismodesde seu início sobre a predestinação em moldes estritos como ensinada porCalvino – não havia naquela época e, até mesmo dentro do próprio calvinismo,se formos criteriosos, nunca houve em época alguma.

O arminianismo é a consequência natural e inevitável desses questionamentosadvindos desde o início da Reforma. E ele foi tão forte no início do século 17 queos calvinistas tiveram que se mobilizar e conquistar apoio político para combatera “ameaça”. Com o supralapsariano fanático do Gomarus levando às últimasconsequências sua divergência com Arminius e a questão política entrando no

meio mais à frente, a coisa se tornou uma crise (Sim, a questão política estavano meio, e mostrarei isso documentalmente no próximo artigo). No final, porém,apesar da perseguição aos arminianos imposta pelo Sínodo de Dort,historicamente o arminianismo venceu: há mais arminianos no mundo hoje doque calvinistas.

 Antes de Arminius morrer, todas as assembleias diante das quais ele apresentouseu pensamento não acharam nada demais o teor da divergência entre ele e oscalvinistas mais ortodoxos, porque o espírito de divergência entre osprotestantes até aquela época não havia chegado ainda ao tom inquisidor que oSínodo de Dort, influenciado pelo contexto político, marcaria. Inclusive, como

prova disso, um detalhe importante é que os seguidores de Arminius não eramapenas pessoas que passaram a crer como ele depois que começaram a ouvirsuas palestras sobre o assunto, mas gente também que já pensava como ele eque o defendeu quando Gomarus criou a controvérsia, e que citavam Veluanus. Até mesmo o próprio Arminius, que já não era simpático ao supralapsiarianismo,não mudou completamente sua posição sobre o entendimento da mecânica daSalvação do nada, mas depois de ouvir  –  na intenção de combatê-los  –  osargumentos de alguém que já pensava como ele pensaria depois essa questão:o teólogo, filósofo, artista e político holandês Dirck Volkertszoon Coornhert(1522-1590). Ao estudar Romanos 9 a 11 à luz dos argumentos de Coornhert, Arminius capitulou em seu calvinismo.

Coornhert, que é considerado um dos pais da Renascença Holandesa,concordava, como tantos em sua época, com a compreensão de Veluanus sobrea doutrina da predestinação. Alguns, infelizmente, classificam erroneamenteCoornhert de “anabatista”. A verdade é que Coornhert nunca aderiu aoanabatismo ou a qualquer outro grupo, tendo manifestado posição independenteem toda a sua vida. Ele foi um opositor do catolicismo e, ao mesmo tempo,discordava do que ele considerava excessos dos cristãos reformados de formageral. Coornhert era também contra o Estado adotar uma posição dogmática emrelação à fé e contra a pena capital para os hereges.

O luteranismo só não teve problema similar ao que o calvinismo teve, vendo sairde dentro dele o arminianismo, porque Lutero e Melanchthon, sabiamente,

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passaram a entender, diferentemente do que defendiam no início da Reforma, adoutrina da mecânica da Salvação à luz da Bíblia. Essas mudanças que fizeramao final garantiram uma “tensão” que unifica doutrinariamente os luteranos atéhoje. Se bem que os luteranos norte-americanos, no final do século 19 e iníciodo século 20, teriam ainda uma briga homérica sobre a questão da eleição, se

ela é condicional ou incondicional (Atualmente, o Sínodo de Missouri afirma queela é incondicional e o Sínodo de Ohio, que é condicional).

Mas, voltemos a Lutero e Melanchthon.

É extremamente equivocada a ideia de que foi Melanchthon que mudou tudosozinho, “traindo” o pensamento de Lutero. Os fatos mostram exatamente ocontrário.

Como disse em meu artigo em Obreiro Aprovado, Lutero, em 1516, pregou aexpiação limitada em seu célebre Comentário aos Romanos, mas em 1533, jáem seu Sermão para o Primeiro Domingo do Advento, ele mudou radicalmente

sua posição, passando a pregar a expiação ilimitada (nessa época, a Reformatinha apenas 16 anos de existência). Mas não só ali: Lutero e Melanchthonescreveram juntos uma carta ao Conselho da Cidade de Nuremberg, datada de18 de abril de 1533, sobre a controvérsia naquela cidade acerca das confissõespública e privada de pecados, afirmando, ambos, a doutrina da expiaçãoilimitada; e em seus Sermões no Evangelho de João de 1537, comentando João1.29, Lutero defendeu a mesmíssima coisa.

E em 1537, na seção III, parágrafos 42 a 45 dos Artigos de Esmalcade, escritospelo próprio Lutero como resumo de toda doutrina luterana, ele afirma o que nãopode ser mais claro do que o sol sobre a possibilidade de um crente genuíno,

regenerado, cair da graça. Antes disso, porém, já na Confissão de Augsburgo de1530, escrita por ele e Melanchthon conjuntamente, lemos ambos afirmando noartigo 12: “Aqui se rejeitam os que ensinam não poderem voltar a cair aquelesque já uma vez se tornaram piedosos”. 

Lembrando que não foi só nesses documentos que Lutero defendeu apossibilidade de um cristão genuíno cair da graça. Ele defendeu o mesmo naseção XII do seu Catecismo Maior, que é a seção que trata Sobre a Oração doSenhor, e exatamente no tópico sobre a Sexta Petição (“Não nos deixes cair emtentação”); no seu comentário sobre a passagem de 2 Pedro 2.22; e no seucomentário sobre Gálatas 5.4, dentre outras passagens de seus escritos,algumas delas já citadas neste artigo.

 Ademais, quando Melanchthon escreveu em 1527 o seu Comentário aosColossenses, ele apresentou ali, pela primeira vez, uma posição sobre a questãodo livre-arbítrio diferente da de Lutero em De servo arbitrio, escrito dois anosantes, e Lutero não só aprovou o pensamento de Melanchthon como prefacioua obra dele e encheu de elogios a interpretação de Melanchthon. Em 1527, nabriga de Melanchthon com o antinomista João Agrícola, Melanchthon defendeuuma posição praticamente sinergista e Lutero o apoiou. E em 1536 e 1537,quando Melanchthon foi criticado por Conrado Cordatus, Jacob Schenck eNicolau Amsdorff por defender exatamente uma posição sinergista, Luteroapoiou Melanchthon outra vez. Em 1543, três anos antes de Lutero morrer,

Melanchthon, na reedição de sua principal obra Loci Communes, escreveuclaramente que o livre-arbítrio é real e que a graça pode ser resistida, e Lutero

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não escreveu uma linha para reprová-lo. Ao contrário, elogiou a ortodoxia deMelanchthon. Para ser mais preciso, Melanchthon defendeu a ideia de que “Deusmove as mentes a quererem, mas nós devemos concordar” (RIETH, RicardoWilly, O pensamento teológico de Filipe Melanchthon (1497-1560), artigo darevista Estudos Teológicos, volume 37, número 3, 1997, São Leopoldo, Escola

Superior de Teologia da IECLB, p. 233). Nos 27 anos de convivência entre eles,Lutero só discordou fortemente mesmo de Melanchthon em relação à suaposição sobre a Santa Ceia – a posição deste era igual à de Martin Bucer, quefoi provavelmente um mentor de Calvino. Enfim, como afirma o teólogo luteranoRicardo Willy, hoje, “graças à maior pesquisa sobre a teologia do Lutero maduro,passou-se a enfatizar mais a proximidade entre sua teologia e a de Melanchthon”(Ibid., p. 235).

Portanto, quando Melanchthon defendia posições diametralmente opostas àessência do calvinismo ainda no início do calvinismo, não é verdade que eleestava se afastando de seu líder e mentor, mas ele estava, bem ao contrário,

honrando-o, seguindo-o, corroborando-o em detrimento do posicionamentoradical de Calvino. Aliás, o próprio Melanchthon ressaltou que ele não estavamudando nada, mas apenas sendo fiel à mudança do pensamento de Lutero aofinal da vida. Em um de seus escritos, ele enfatizou que o pensamento queestava esposando sobre “a predestinação”, sobre “o assentimento da vontade”,sobre a “necessidade de nossa obediência” e sobre “o pecado mortal” que oscalvinistas discordavam não se diferenciava muito do de Lutero no final de suavida (BRANDT, Kaspar, The Life of Arminius, p. 10).

Resumindo, o pensamento final de Lutero sobre essa questão foi o seguinte:

1) Ele cria na depravação total, mas vendo, ao final, o livre-arbítrio mais como

 Agostinho o via do que como Calvino o via (sobre as diferenças de compreensãoacerca de livre-arbítrio entre Agostinho e Calvino, ver meu artigo anterior).

2) Ele não cria em predestinação dupla.

3) Ele cria em expiação ilimitada.

4) Ele negava que Deus compele ou força as pessoas a se converterem,chegando a inserir, pouco antes de morrer, na edição de 1546 de sua obra Deservo arbitrio, uma nota sobre a questão da necessidade e da contigênciaenfatizando isso: “Eu desejaria de fato que uma outra melhor palavra tivesse sidointroduzida na nossa discussão do que a usual ‘necessidade’, que não é aplicada

corretamente tanto para a vontade divina quanto para a vontade humana. Elatem um significado muito duro e incongruente para essa finalidade, pois sugereuma espécie de compulsão, e o oposto de boa vontade, embora o tema emdiscussão não implica tal coisa. Pois nem o divino nem a vontade humana fazemo que fazem, seja bem ou mal, sob qualquer compulsão, mas por puro prazer oudesejo, como acontece com a verdadeira liberdade. (...) A inteligência do leitordeve, portanto, suprir o que a palavra ‘necessidade’ não expressa...”. 

Há até quem ponha em dúvida se Lutero autorizou a inserção desta nota mesmo, já que essa edição saiu depois de sua morte. Só que a nota foi inserida parapublicação antes de sua morte e pelo seu fiel editor Georg Rörer, que havia

editado as obras de Lutero nas últimas décadas de sua vida, tendo se tornado,inclusive, seu editor único e oficial desde 1537 e sido designado o responsável

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por imprimir, pela primeira vez, suas Obras Completas. Até uma versão rivaldessa obra em Jena incluiu a nota acrescida por Lutero (KOLB, Robert, BoundChoice, Election, and Wittenberg Theological Method: From Martin Luther to theFormula of Concord, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 2005, pp. 26 e 27). Ademais, esse questionamento só surgiu muito tempo depois, quando da

controvérsia com os calvinistas. Além disso, no próprio texto original do De servoarbitrio, Lutero, que chegou a apresentar a vontade humana nesse livro apenascomo um cavalo domado ou por Deus ou por Satanás, chegou, em certo trecho(II.8), a contraditoriamente negar alguma compulsão divina: “Quando Deustrabalha em nós, a vontade é mudada sob a doce influência do Espírito de Deus.(...) Ela deseja e age, não por compulsão, mas por seu próprio desejo eespontânea inclinação”. Ou seja, Deus influencia, ele não força ou compele. 

Finalmente, o Lutero maduro acreditava que a graça que opera sobre aquele queaceita a Cristo é tão eficaz para a salvação quanto aquela que opera sobre o nãocristão, com a diferença de que aquele não resiste a ela, sem a qual não poderia

ser salvo de forma alguma, enquanto este será condenado tão somente porqueresiste a ela. Dizia ele que o cristão que não r esiste tem, sim, a “mãozinha” deDeus que o leva a isso, mas isso não significa compulsão, porque precisa haveruma concordância real do ser humano. Contraditoriamente à sua crença de quea graça pode ser resistida, Lutero sustentava ainda a doutrina da predestinaçãosem base na presciência, afirmando, porém, de forma radical, que nenhumcrente deveria se importar com a doutrina da predestinação, porque se tratavade uma doutrina impossível para a mente humana entender. Disse Lutero:

“A disputa sobre a predestinação deve ser totalmente evitada. Staupitz me disse:‘Se você quiser disputar sobre a predestinação, comece com as chagas deCristo, e ela cessará. Mas se você continuar a debater sobre isso, você vaiperder Cristo, a Palavra, os sacramentos e tudo mais’. Eu esqueço tudo sobreCristo e Deus, quando eu venhopara estes pensamentos, e realmente chego aoponto de imaginar que Deus é um patife. Devemos ficar na Palavra, no qual Deusse revela a nós e a salvação é oferecida, se acreditarmos nEle. Mas nopensamento sobre a predestinação, esquecemos Deus e, em seguida, o laudate(louvor) pára e o blasphemate (blasfêmia) começa. No entanto, em Cristo estãoescondidos todos os tesouros (Colossenses 2.3); fora dEle, todos estãotrancados. Portanto, devemos simplesmente nos recusar a discutir sobreeleição” (PLASS, Ewald, What Luther Says, volume I, p. 456). 

Lutero ainda acrescentaria, em suas Palestras em Gênesis, que ele não queriasaber – e queria que seus alunos não se importassem – “nem um pouco sobreesse assunto”. 

5) Como Agostinho, e diferentemente de Calvino (ver meu segundo artigo destasérie), Lutero cria que um crente genuíno pode cair da graça e se perdereternamente, e que os crentes que não caíam da graça eram os eleitos. Ou seja,para Lutero, assim como para Agostinho, nem todo mundo que nasceu de novoestá entre os eleitos de Deus. Logo, é possível que as pessoas regeneradasapostatem da fé. Era a forma que Lutero encontrou, tudo indica que copiada de Agostinho (como agostiniano de origem que era), para evitar o antinomianismoe não “brigar” com os textos bíblicos que ensinavam a possibilidade concreta de

um crente genuíno, regenerado, cair da graça.

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Em relação ao que crêem hoje os luteranos oficialmente, a única diferença emrelação ao pensamento de Lutero é que alguns luteranos defendem que aeleição é condicional, enquanto outros que é incondicional; e que uns crêem empredestinação com base na presciência, enquanto outros crêem nela sem basena presciência, mas sem negar o livre-arbítrio e a possibilidade de um crente

genuíno, regenerado, cair da graça.Enfim, o luteranismo, na questão da mecânica da Salvação, não é nem calvinistanem arminiano, porém não há como negar que, diferentemente do que oscalvinistas popularizam por aí, ele é mais próximo do espírito do arminianismoclássico do que do espírito do calvinismo no que diz respeito ao entendimentosobre a mecânica da Salvação. Por quê? Porque nega a expiação limitada, negaa predestinação dupla, nega que um crente genuíno não pode cair da graça enega que a graça manifestada sobre aquele que se torna cristão é menos eficazdo que aquela que é resistida por aquele que perece.

Luteranismo não é calvinismo. Luteranismo também não é arminianismo.

Luteranismo é outra via, como os irmãos luteranos sempre enfatizam quando oassunto é a mecânica da Salvação. Porém, não há como negar que asdessemelhanças são maiores entre calvinistas e luteranos do que entrearminianos clássicos e luteranos nessas questões, embora a lenda diga ocontrário. E uma coisa é a lenda, outra são os fatos.

No próximo artigo, tratarei do Sínodo de Dort e de outras objeções levantadaspelo irmão Franklin.

P.S: O irmão Franklin cobrou recentemente fontes para minha declaração sobre

as inconsistências de Bradwardine, que fiz no meu primeiro artigo desta série.Vamos lá: Russel J. Dykstra, na terceira e última parte de sua série de artigosintitulada Thomas Bradwardine: Forgotten Medieval Augustinian, publicada noperiódico Protestant Reformed Theological Journal, edição de novembro de2001, volume 35, número 1, uma publicação das Igrejas ReformadasProtestantes na América (PRCA) (veja AQUI); e o historiador e teólogo holandêsHeiko Augustinus Oberman (1930-2001), em sua obra Archbishop Bradwardine: A Fourtheenth Century Augustinian - A Study of His Theology in its HistoricalContext, publicação da Medieval Academy of America e da Oxford Press, 1959(pode ser acessada AQUI).

Diz Dykstra que Bradwardine tinha, por exemplo, "uma incapacidade dereconhecer as graves consequências do pecado original". Ele "não tinha umavisão do pecado como uma dívida profunda e um afastamento de Deus".Oberman diz que "Bradwardine enfatizava muito pouco a gravidade do pecado".

Dykstra afirma também que embora Bradwardine afirmasse que "o homem é justificado pela fé sem precedência de obras", isso não queria dizer que eledefendia o mesmo que os reformadores do século 16, porque ele afirmavatambém, como informa igualmente Oberman em sua referida obra (p. 182),citada por Dykstra, que "as boas obras são necessárias para a conclusão da justificação e da remissão", que "as obras são parte da satisfação pelo pecado".

Ele dizia que havia "a remissão da culpa do pecado" e "a remoção do castigo dopecado", e que a primeira ocorria "através do arrependimento", e a segunda,

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"pelas obras" do crente. Em suma, Bradwardine "não foi capaz de eliminar todosos vestígios dos méritos de sua teologia, como Lutero e os reformadores fariamcerca de 200 anos mais tarde", frisa Dykstra.

Dykstra, ao final, lembra ainda que "Bradwardine defende a penitência e as obrasde penitência como satisfação da pena temporal pelos pecados da Igreja", e queBradwardine afirmava inclusive que "as punições temporais podem serremovidas do presente e do futuro pelas indulgências que são extraídas dossupérfluos bens das boas obras da Igreja".

Como conclui Dykstra, "os reformadores teriam de ir muito mais longe do queBradwardine".

Congregação Luterana da Reforma

25 de junho de 2015

Finalmente um pastor evangélico lembrou que a Igreja Luterana existe.

Veja aqui: http://www.cpadnews.com.br/…/minhas-observacoes-as-objecoes…Infelizmente, porém, cometeu vários erros sobre ela que quero corrigir aqui:

1) A contribuição de Melanchthon para o luteranismo confessional foimonergista. Está expressa na Confissão de Augsburg de 1530 e na Apologia daConfissão de Augsburg.

2) "Mas, para piorar, Melanchthon mudou de pensamento juntamente com Luteroe com a concordância deste [...] Ademais, quando Melanchthon escreveu em1527 o seu Comentário aos Colossenses, ele apresentou ali, pela primeira vez,uma posição sobre a questão do livre-arbítrio diferente da de Lutero em De servoarbitrio, escrito dois anos antes, e Lutero não só aprovou o pensamento deMelanchthon como prefaciou a obra dele e encheu de elogios a interpretação deMelanchthon. Em 1527, na briga de Melanchthon com o antinomista João

 Agrícola, Melanchthon defendeu uma posição praticamente sinergista e Luteroo apoiou. E em 1536 e 1537, quando Melanchthon foi criticado por ConradoCordatus, Jacob Schenck e Nicolau Amsdorff por defender exatamente umaposição sinergista, Lutero apoiou Melanchthon outra vez. Em 1543, três anosantes de Lutero morrer, Melanchthon, na reedição de sua principal obra LociCommunes, escreveu claramente que o livre-arbítrio é real e que a graça podeser resistida, e Lutero não escreveu uma linha para reprová-lo. Ao contrário,elogiou a ortodoxia de Melanchthon". Absurdo! Lutero nunca apoiou oficialmenteo sinergismo tardio de Melanchthon. É sabido por toda a história do luteranismoque a confissão e a apologia de augsburg são monergistas. Tais escritos dadécada de 1530 demonstram que Melachthon foi oficialmente um monergista.Melanchthon, além de ter se tornado depois sinergista, também mudou aconfissão de augsburg para aceitar calvinistas quanto à Ceia. Tal mudança,

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porém, era negada por Melanchthon. É ponto pacífico que a personalidade deMelanchthon fazia-o apto a evitar polêmicas e tentar ser o mais conciliadorpossível. Isso não foi diferente no que diz respeito à amizade com Lutero. O fato,pois, de Lutero não ter rompido com Melanchthon de forma clara só revela o quea doutrina luterana sempre ensinou: que deve haver correta compreensão de

uma doutrina errada, exortação, espera por mudança e só depois o cisma. Adoutrina da justificação de Lutero estava em sintonia com o seu ensino sobre acorreta diferenciação entre Lei e Evangelho. Para Lutero, quem errasse essascoisas não podia ser cristão, pois se tratava de questões pelas quais a igrejapermanecia de pé ou caía. "justificatio est articulus stantis et cadentisecclesiae—'justification is the article by which the church stands and falls'”. Fonte:http://www.thegospelcoalition.org/…/2…/08/31/luthers-saying/

3) A Fórmula de Concórdia condenou o sinergismo tardio de Melanchthon.

4) Embora a Igreja Luterana seja crítica de doutrinas calvinistas como airresistibilidade da graça, a doutrina da expiação limitada e, em parte, da

perseverança dos santos, o luteranismo confessional é e sempre foi monergista.Pode-se dizer que o luteranismo aceita 50% da Tulip (Depravação Total, EleiçãoIncondicional e parte da perseverança dos santos - já que, apesar de aceitar aqueda da graça, ensina que ninguém persevera se não for pela obra única deJesus, sem cooperação humana). Ele condena toda forma de sinergismo,inclusive o de Melanchthon.

5) Não foram só os gnesioluteranos ou verdadeiros luteranos que rejeitaram osinergismo de Melancthon, mas a Fórmula de Concórdia, que uniu os maisdiversos partidos luteranos, sendo o documento final do luteranismo.

6) "Quanto à afirmação de Bavinck de que os “verdadeiros luteranos” rejeitaramo sinergismo de Melanchthon, trata-se de uma tremenda distorção da história".Essa afirmação é absurda. Todas as confissões luteranas não somente nuncaensinaram sinergismo, como a Fórmula de Concórdia condena diretamente osinergismo (não só representado pelo pelagianismo ou semipelagianismo): "children of God, who were elected and ordained to eternal life before thefoundation of the world was laid [...] We reject also the error of the grossPelagians, who taught that man by his own powers, without the grace of the HolyGhost, can turn himself to God, believe the Gospel, be obedient from the heart toGod's Law, and thus merit the forgiveness of sins and eternal life. We reject alsothe error of the Semi-Pelagians, who teach that man by his own powers can make

a beginning of his conversion, but without the grace of the Holy Ghost cannotcomplete it. Also, when it is taught that, although man by his free will beforeregeneration is too weak to make a beginning, and by his own powers to turnhimself to God, and from the heart to be obedient to God, yet, if the Holy Ghostby the preaching of the Word has made a beginning, and therein offered Hisgrace, then the will of man from its own natural powers can add something,though little and feebly, to this end, can help and cooperate, qualify and prepareitself for grace, and embrace and accept it, and believe the Gospel". Fonte:http://bookofconcord.org/sd-righteousness.php

7) Ao citar "Douglas A. Sweeney, 'os luteranos se inclinaram mais para os

arminianos do que para os calvinistas sobre algumas das questões doutrináriasque dividiam os dois grupos'" apenas está certo quando se trata de doutrinas

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específicas, como a expiação limitada e a graça irresistível. Note-se que asemelhança maior com arminianos, pela própria fonte do autor, é "sobre algumasquestões", o que não impede que em outras questões seja mais semelhante aocalvinismo.

8) " Além de T. von Harnack e Brunner, o pastor e teólogo metodista Albert Nash(1828-1893), em sua obra Perseverance and Apostasy, de 1870, assevera: 'Naparte inicial de sua carreira, Lutero aparece favorecendo algumas das maisestritas visões de Agostinho, porém, mais tarde em sua vida, adotou sentimentosem harmonia com o ensino subsequente de Arminius. O mesmo deve ser dito deMelanchthon' [...] Entre os muitos teólogos que ressaltam claramente a mudançado pensamento de Lutero sobre a mecânica da Salvação estão, por exemplo,entre os mais antigos, o pastor e teólogo luterano Teodósio von Harnack (1817-1889), o pastor e teólogo luterano Emil Brunner (1889-1966), o pastor e teólogometodista Albert Nash (1828-1893), o historiador Kaspar Brandt (1653-1696) eaté mesmo  – embora timidamente  – o teólogo calvinista Louis Berkhof (1873-

1957), sem falar do próprio Philip Melanchthon; e entre os mais recentes, temos,por exemplo, o pastor e teólogo luterano canadense Bart Eriksson; o teólogoluterano Douglas A. Sweeney, professor e chefe do Departamento de História daIgreja e História do Pensamento Cristão do Trinity Evangelical Divinity School; opastor luterano Don Matzat, articulista da revista Modern Reformation; o pastorbatista John Arkenberg, mestre em História da Igreja e História do PensamentoCristão; e o teólogo John Weldon, doutor em Religião Comparada e mestre em Apologética Cristã".

 Ao usar muitos autores que atestam "mudança" no pensamento de Lutero, nadamais nada menos mostra o que a Igreja luterana sempre soube: Lutero enfatizouem algumas épocas a soberania de Deus na salvação, depois, quando ocontexto requereu, enfatizou a importância dos sacramentos, da distinção entreLei e Evangelho etc. No entanto, mesmo com tais "mudanças", Lutero semprefoi claramente monergista e via na justificação a doutrina pela qual a igrejapermanece de pé ou cai. Desde cedo Lutero se preocupou com o que as pessoasfariam com suas palavras após a sua morte ("what first will happen when I amdead?"). Pensando nisso, ele foi muito enfático no sentido de que sua doutrinanão poderia ser mudada substancialmente. Falando sobre o seu CatecismoMenor, ele diz que não se deveria mudá-lo nem mesmo em uma sílaba ("we, too,should [imitate their diligence and be at pains to] teach the young and simplepeople these parts in such a way as not to change a syllable"). Fonte:

http://bookofconcord.org/smalcald.php9) Lutero viu na defesa da salvação pela fé sem obras o ponto principal quediferenciava a sua reforma do catolicismo, que era sinergista. Negar isso é negara essência da reforma de Lutero.

10) Por último, o autor cai no mesmo erro dos demais evangélicos. Ele parte doprincípio de que a dicotomia calvinista/arminiana deve ser o paradigma para seavaliar o luteranismo. Por isso, acha que o fato de o luteranismo criticar ocalvinismo o torna menos monergista e mais próximo do arminianismo.

Creio que o autor não teve má intenção com o seu texto, mas penso que ele

deveria ter consultado ou citado pastores luteranos confessionais brasileiros

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sobre o tema. Para nós luteranos o texto prejudica mais ainda a compreensãodo luteranismo (que já é tão desconhecido!) no meio evangélico.

Cordialmente,

Rev Daniel Branco

Respostas às objeções levantadas pelo irmão Franklin Ferreira a meu artigo emObreiro Aprovado (Parte V)

Qui, 16/07/2015 por Silas Daniel

Hoje, após o retorno de minhas férias, finalmente chegamos à reta final da minhasérie de observações às objeções do irmão Franklin Ferreira ao meu artigo EmDefesa do Arminianismo, publicado na revista Obreiro Aprovado número 68 (jan-mar/2015). O artigo final ficou muito extenso  – mais do que qualquer outro dasérie já publicado aqui  –, por isso o dividirei em três partes. Na terceira parte,falarei sobre o Sínodo de Dort, como prometido; e nesta primeira parte, quero,introdutoriamente,reafirmar e enfatizar três pontos sobre o meu último artigodesta série (relembre-o AQUI) devido a algumas réplicas que recebi por emailde leitores nas minhas férias, os quais são aparentemente simpatizantes do

calvinismo.

[P.S.: Somente hoje, 17 de julho de 2015, um dia após publicar este artigo, soubedo texto do Rev. Daniel Branco, da Congregação Luterana da Reforma no Brasil,fazendo algumas objeções ao meu quarto texto (leia-o AQUI). Como estava deférias, passei as últimas semanas "mergulhado", por isso só soube agora dotexto do Rev. Branco pelos leitores, quando comecei a liberar hoje de manhã oscomentários que haviam sido enviados há semanas aqui para a minha coluna. Agradeço ao Rev. Daniel Branco pela sua contribuição ao debate. Quanto àsobjeções, creio que o que escrevi aqui, neste texto publicado ontem, mesmo semter lido antes o texto do irmão, vem de encontro às suas objeções. E que bomsaber que aquilo que começou como um texto direcionado para o públicoassembleiano está repercutindo com muito interesse entre teólogos e pastoresbatistas, presbiterianos, luteranos etc. Vejo isso de forma muito positiva. Pareceque, afinal, os irmãos reformados, luteranos e batistas estão passando a ler cominteresse os artigos teológicos de autores assembleianos].

Em primeiro lugar, eu não afirmei que Lutero tornou-se sinergista. Não há umalinha no meu último artigo afirmando tal coisa, e nem no meu artigo de Obreiro

 Aprovado. O que eu asseverei no último artigo, com todas as letras possíveis, éque Lutero, no final de sua vida, foi claramente condescendente com o

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sinergismo de Melanchthon, não apenas não o condenando, mas chegando atémesmo a repreender a todos quantos o atacavam pelo seu sinergismo, demaneira que Melanchthon não pode ser considerado um “traidor” de Lutero. Issoé um fato.

Se Lutero foi firme contra Melanchthon quando o assunto era a divergência entreeles sobre a presença de Cristo na Ceia, no que diz respeito ao sinergismo deMelanchthon, ele, ao contrário, foi claramente condescendente, tolerante.

John M. Drickhamer, Th. D. pelo Seminário Concórdia em Saint Louis e pastorda Igreja Luterana Emanuel em Georgetown, Ontario, Canadá, em um texto emque assevera e lamenta o sinergismo de Melanchthon, é um dentre tantos quereconhece o que afirmei, inclusive lamentando que Lutero não tenha repreendidoMelanchthon em seu sinergismo (grifos e colchetes são meus): “A terceirageração dos Loci Communes de Melanchthon pode ser datada de 1544, emboranão houvesse muitas mudanças nela como na produção de sua segundageração [a edição de 1535]. Lutero teve a oportunidade de examinar as primeiras

edições dela [da produção de 1544] e não falou nada contra” (DRICKHAMER, J.M., “Did Melanchthon Become a Synergist?”, in revista “The Springfielder”,publicação do Seminário Teológico Concórdia, abril de 1976, volume 40, número2, p. 99).

Lembrando que, na edição dos Loci Communes de 1544, assim como na ediçãode 1535, Melanchthon afirmava as chamadas “três causas que concorrem paraa Salvação”: a Palavra de Deus, o Espírito Santo e o assentimento da vontadehumana.

O professor luterano Ricardo Willy Rieth também enfatiza essa condescendência

do monergista Lutero com o sinergismo de Melanchthon (os grifos e colchetessão meus): “Na controvérsia entre Lutero e Erasmo sobre o livre-arbítrio [1525],Melanchthon buscou um caminho intermediário, expresso na [sua obra] ‘Cartaaos Colossenses’ de 1527. A edição alemã desse comentário, de 1529, foiprefaciada por Lutero, que encheu de elogios a interpretação de Melanchthon. Apartir do artigo XVIII da Confissão de Augsburgo, a compreensão deMelanchthon sobre o livre-arbítrio alcançou ‘status’ confessional. Os elogios deLutero aos Loci [Communes]’ persistiram, mesmo após a nova edição de 1535,onde Melanchthon trazia a mesma compreensão sobre o livre-arbítrio. Luteroelogiava tanto a forma quanto o conteúdo da exposição (‘rest et verba’). [...]Quando aquele [Melanchthon] era denunciado por supostas diferenças de

ensino em relação a Lutero, este sempre saía em sua defesa. O mesmo ocorreuem 1527, quando da controvérsia antinomianista (João Agrícola) e em1536/1537, quando Conrado Cordatus, Nicolau Amsdorff e Jacó Schenckacusaram Melanchthon de defender um tipo de sinergismo” (RIETH, RicardoWilly, O pensamento teológico de Filipe Melanchthon (1497-1560), artigo darevista Estudos Teológicos, volume 37, número 3, 1997, São Leopoldo, EscolaSuperior de Teologia da IECLB, p. 225).

Em segundo lugar, eu também não disse que a suavização do entendimentooriginal de Lutero sobre o livre-arbítrio no final de sua vida, assumida em suanota publicada postumamente para a edição de 1546 de sua obra De servo

arbitrio, significava sinergismo. Também não há uma linha em meu último artigoafirmando tal coisa. O que disse – e repito aqui enfaticamente, posto ser um fato

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historicamente importantíssimo, mas lamentavelmente omitido, especialmentepor teólogos calvinistas  – é que Lutero, na referida nota de 1546, ao negar acompulsão divina, claramente se afastou daquela sua posição original maisradical quanto ao tema  –  posição esta, infelizmente, esposada por Calvino.Naquela nota, Lutero alinhava-se clara e definitivamente à posição mais branda

de Agostinho sobre o livre-arbítrio (Acerca das diferenças entre Agostinho eCalvino sobre essa questão, veja – ou reveja – AQUI meu segundo artigo destasérie).

Como disse em meu último artigo e repito aqui, Lutero terminou “vendo o livre-arbítrio mais como Agostinho o via do que como Calvino o via”. Aliás, ressaltei,inclusive, que tal mudança tinha seu gérmen já no texto original de De servoarbitrio, pois já havia no texto original um pequeno trecho em que Luterosuavizava o que ele afirmava de forma extremada em todo o restante do seulivro em relação ao livre-arbítrio.

Enfim, se eu acreditasse que Lutero teria se tornado um sinergista, eu o teria

afirmado com todas as letras: “Tornou-se um sinergista”. Inclusive, o teriacolocado, obviamente, no meu artigo de Obreiro Aprovado, mas o que dissetanto ali como aqui foi que Lutero havia negado, ao final da vida, três dos cincopontos do que seria chamado posteriormente de “Tulip” calvinista; e no meuúltimo artigo aqui, apenas acrescentei que Lutero também terminou alinhandosua visão do livre-arbítrio à de Agostinho, visão esta que – friso – é mais brandado que a de Calvino. Somente quanto a Melanchthon é que escrevi: “Erapraticamente sinergista”. Aliás, em meu artigo de Obreiro Aprovado, eu já disseratambém que Melanchthon se tornara, “na prática, um ‘arminiano’ antes de Armínio”. 

Em suma, no que diz respeito à relação entre Melanchthon e Lutero, o meuponto, que não pode ser negado, é que Lutero, no final da sua vida, além de termudado (assim como Melanchthon) a sua posição em relação àqueles pontosde que falei relativos à mecânica da Salvação, foi ainda tolerante com seu amigoe sucessor quando este começou a ir ainda mais além do que ele nesse assunto.Lutero, mesmo tendo permanecido monergista até o fim, não desaprovou amudança de Melanchthon. Ele não o repreendeu por isso. Por alguma razão, ele,mais do que fazer “vista grossa”, chegou até mesmo a defendê-lo dos ataques aseu sinergismo. E, por favor, não venham me sugerir que Lutero era “burro” ousofria de alguma espécie de “dislexia” para não entender o que Melanchthonescreveu claramente no Loci Communes de 1535, repetido em 1544 e – frise-se – lido mais de uma vez, com todo interesse, por Lutero.

Portanto, Melanchthon não pode ser chamado de “traidor” de Lutero. Aocontrário, vemos, inclusive, que ele foi fiel ao espírito das mudanças que o Luterovelho começou a empreender em relação ao entendimento bíblico da mecânicada Salvação. A única diferença é que ele deu um passo a mais que Lutero nessasmudanças; e até mesmo quando o deu, sempre insistiu e asseverou que suasmudanças estavam dentro do espírito do pensamento de Lutero ao final da vida.Citei, no meu último artigo – vocês devem se lembrar –, uma passagem da penade Melanchthon, reproduzida pelo historiador Kaspar Brandt, em que eleassevera isso. Nessa defesa, escrita originalmente em latim, Melanchton declara

que Lutero aceitara, sem proferir qualquer condenação, seus ensinos das “três

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causas concorrentes” e da predestinação; e que estes seus ensinos, sustentaele, não estavam fora do espírito da teologia do Lutero velho.

Em terceiro lugar, volto também a frisar o que escrevi no meu último artigo: nãoé verdade que a visão sinergista de Melanchthon sofreu uma grande derrotaapós a sua morte. Os filipistas foram derrotados mesmo, completamente, apenasna controvérsia sobre a presença real de Cristo na Ceia, na qual a posição delesera a mesma dos luteranos criptocalvinistas. Já na Controvérsia Sinergista, foioutra história: quem venceu, ao final, foi a posição centrista, capitaneada,principalmente, por Jakob Andreae (1528-1590), David Chytraeus (1530-1560)e Nikolaus Selnecker (1530-1592), todos liderados por Martin Chemnitz (1522-1586) e todos os quatro discípulos e protegidos de Melanchthon. O radicalismodos monergistas Nikolaus von Amsdorff (1483-1565) e Matthias Flacius (1520-1575), líderes dos autointitulados “gnesioluteranos”, assim como o radicalismodo sinergista Victorinus Strigel (1524-1569), foram reprovados. Aliás, quandoFlacius se levantou contra o sinergismo radical de Strigel, ele foi apoiado tanto

pelos “gnesioluteranos” quanto pelos filipistas de Wittenberg; e Flacius e osamsdorfianos, por sua vez, tiveram, ao final, seu monergismo radical tambémrechaçado.

 Após a “Declaração e Relatório Final Conjunto dos Teólogos das Universidadesde Leipzig e Wittenberg” em 1571, onde foi decidido que “a apreciação e arecepção da Palavra de Deus e o início voluntário da obediência no coraçãosurgem daquilo que Deus graciosamente começou a trabalhar em nós”, veio oponto final dado à controvérsia com o trabalho dos centristas liderados por MartinChemnitz, que basearia sua visão teológica tanto nos escritos de Lutero quantonos de seu fiel mentor e protetor Melanchthon – e até mais nos deste do que nosdaquele. O resultado final dessa controvérsia, sabemos, foi a Fórmula deConcórdia, que “rejeita os extremos de Strigel e Flacius, e ensina que o homemé puramente passivo em sua conversão, mas coopera com Deus após aconversão” (Enciclopédia Cristã do site das Igrejas Luteranas do Sínodo deMissouri, que defende a eleição incondicional – veja AQUI).

O célebre historiador cristão Philip Schaff reconhece que não houve nenhumaderrota completa sobre o sinergismo de Melanchthon na Fórmula de Concórdia.Diz ele (grifos e colchetes são meus): “O sistema luterano é um  compromissoentre o agostinianismo e o semipelagianismo. O próprio Lutero estava totalmentede acordo com Agostinho na depravação total e na predestinação, e declarou adoutrina da escravidão da vontade humana paradoxalmente de forma ainda maisforte do que Agostinho e Calvino [Schaff se prende, claro, ao Lutero da primeirafase e ao seu texto original de “De servo arbítrio”; o Lutero posterior, repito, queele olvida ou lhe passa despercebido, é mais próximo de Agostinho do que deCalvino]. Mas a Igreja Luterana seguiu Lutero apenas até metade do caminho. AFórmula de Concórdia (1577) adotou a sua doutrina da depravação total nostermos mais fortes possíveis, mas negou a doutrina da reprovação; ela apresentao homem natural como espiritualmente morto, como uma ‘pedra’ ou um ‘bloco’,e ensina uma eleição particular e incondicional, mas também ensina umchamado universal” (SCHAFF, Philip, History of the Christian Church, volume 7,1955, Eerdmans, p. 105).

Os teólogos luteranos Gassmann, Larson e Oldenburg ressaltam que “naFórmula de Concórdia, as posições extremadas dos gnesioluteranos foram

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instada e é feita responsável pelo uso dos meios da graça para apropriação dasalvação e para uma vida justa”. 

“É a conclusão dos juízes mais competentes que, neste ponto [isto é, o da“personalidade moral”], mesmo a Fórmula de Concórdia adere à tendênciafundamental de Melanchthon [mesmo mantendo o monergismo na conversão],e os expositores posteriores da Fórmula de Concórdia, não obstante as suascalúnias a Melanchthon, simplesmente adotaram sua concepção do caminho dasalvação a fim de salvar a sua própria ‘ordo salutis’ em seu ponto mais crítico deinconsistência e de absurdidade do puro acidente. Além disso, alguns dosluteranos mais capazes modernos  –  Thomasius, Sthal, Harless, Hofmann,Khanis e Luthardt  –  têm mais ou menos seguido o rumo tomado porMelanchthon, e desenvolveram a doutrina luterana da vontade e dapredestinação longe da posição tomada por Lutero em De servo arbitrio, e nuncarenunciaram. Na verdade, a proposição de que Deus ama e elege o homem emCristo, e não por um ‘absolute beneplacitum’, tornou-se clássica na igreja

luterana” (RICHARD, James William, Philip Melanchthon, the Protestantpreceptor of Germany (1497-1560), 1898, G. P. Putnam’s Sons, New York andLondon, pp. 236 a 238).

Deste mesmo autor, recomendo a leitura da obra The Confessional History of theLutheran Church, originalmente publicada em 1909 e muito rica em informaçõeshistóricas, trazendo também detalhes de documentos primários dos debates deambos os lados das controvérsias luteranas.

Em suma, a teologia luterana acomodou as visões monergista e sinergista. Nãohouve derrota total de um e vitória completa do outro. Não houve reprovaçãogeral à visão sinergista de Melanchthon. Os luteranos, no final do século 16,

estabeleceram um meio-termo, onde, em primeiro lugar, mantiveram-semonergistas na conversão, mas entendendo a natureza humana de formamenos radical do que a que propugnavam os luteranos calvinistas seguidores deMatthias Flacius; em segundo lugar, reconheceram que o homem coopera comDeus após a conversão, como defendiam os filipistas e diferentemente do queentendiam os luteranos calvinistas amsdorfianos; e, em terceiro lugar, comoenfatizei, seguiram todas as demais mudanças que Melanchthon, juntamentecom Lutero, empreendeu quanto ao entendimento da mecânica da Salvação aofinal de sua vida (negação da predestinação dupla, expiação ilimitada, graçauniversal e possibilidade de um cristão genuíno cair da graça).

Essa foi também a linha seguida por toda a “Ortodoxia Luterana” que se seguiuapós essa controvérsia do século 16. Inclusive, ainda no século 17, osrespeitados luteranos ortodoxos Johann Quensteldt e David Hollaz chegariamaté mesmo a defender a predestinação com base na presciência, e hoje já háaté luteranos que deram um passo mais adiante, defendendo a eleiçãocondicional, de maneira que, como frisei no meu último artigo, e afirma o teólogoluterano Douglas A. Sweeney, “os luteranos se inclinaram mais para osarminianos do que para os calvinistas sobre algumas das questões doutrináriasque dividiam os dois grupos”. Trocando em miúdos, no final das contas, a visãode Melanchthon acabou sendo mais preponderante na teologia luterana do quea de seus adversários.

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Por todas essas razões, o professor reformado norte-americano Herman Hankoadmite com lamento: “O Luteranismo, apesar de Lutero, tornou -seessencialmente sinérgico. Embora o próprio Lutero não era, em nenhum sentidoda palavra, um sinergista, Philip Melanchthon, seu amigo e colega de trabalho,o era. Sob a influência de Melanchthon, o sinergismo foi oficialmente incorporado

nos padrões confessionais das Igrejas Luteranas e continua até o presente comouma parte integrante da teologia luterana” (HANKO, Herman, The RelationBetween the Lutheran and Calvin Reformation, in site hopeprc.org, seção"Pamphlets”). (Atenção: Hanko não diz que a teologia luterana se tornoucompletamente sinérgica, mas “essencialmente sinérgica”, posto que osinergismo tornou-se, de fato, uma considerável parte integrante dela).

Dito isto, vamos às minhas demais observações sobre as objeções do irmãoFranklin.

7) O irmão Franklin, em uma tréplica recente, manifesta desconforto por eu usarinsistentemente a expressão “mecânica da Salvação” e sugere que talvez isso,

que o incomoda, seja influência católica ou eventualmente de uma teologiapopular influenciada por Finney. Diz ele: “Me causa desconforto o uso recorrenteda expressão ‘mecânica da salvação’, o que, me parece, remete o debate àposição católica popular (como conectada ao recebimento mecânico da graçapelos sacramentos, numa distorção daquilo que o catolicismo denomina de exopere operato) ou evangélica popular (como relacionada à ‘aceitação’ de Cristodiante do apelo, que assegura aquele que ‘se decidiu’ a salvação, conformesistema popularizado pelo pelagiano Charles Finney), o que empobrece alinguagem do debate”. 

Não tomei essa expressão de nenhum teólogo católico, nem de pelagianos ou

semipelagianos. Aliás, não sei porque essa constante suspeita dos irmãoscalvinistas de que tudo que diga respeito ao pensamento arminiano seria umaimportação do pensamento católico. Esse é um preconceito, além detremendamente equivocado, extremamente datado. Mas, prefiro acreditar que oirmão tenha pensado isso sobre mim apenas porque, em resposta a algumasobjeções do irmão, tive que escrever alguns parágrafos sobre detalhes dateologia de Agostinho, Aquino e Cassiano nos quais eventualmente citei uma ououtra obra católica.

 A ironia e a graça dessa história é que tomei esse termo emprestado exatamentedo calvinista Martin Lloyd-Jones, mais precisamente de uma palestra dele

transformada em livro (como tantas outras) na qual ele usou essa expressãopara explicar e enfatizar que conquanto ele, como calvinista, não considerasseo arminianismo uma visão correta, ele reconhecia que a diferença entrearminianos e calvinistas no que concerne à Doutrina da Salvação não se tratavade nada grave. Essa palestra dele, proferida em uma conferência realizada na Áustria em 1971 pela Associação Internacional de Estudantes Evangélicos(IFES, na sigla em inglês), encontra-se publicada, no Brasil, nas obras Que é umevangélico? e Discernindo os Tempos, ambas lançadas há muitos anos pelaeditora PES.

Na referida palestra, Lloyd-Jones afirmava, com acerto, que toda a diferença

entre calvinistas e arminianos dizia respeito ao “mecanismo da Salvação”, e nãoao “método [caminho] da Salvação”. Quando li isso pela primeira vez há mais de

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dez anos, achei os termos usados pelo irmão Lloyd-Jones didaticamenteperfeitos para explicar às pessoas a essência das divergências entre calvinistase arminianos. Desde então, tenho usado essa expressão constantemente, epropositadamente repito-a de forma sistemática em meus artigos, para deixarsedimentado, na mente das pessoas que me lêem, no que consiste exatamente

essa diferença. Se essa insistência incomoda o irmão, lamento, mas continuareia cometê-la, por crer que tal prática resultará em um melhor entendimento sobreo assunto por parte de um maior número de pessoas.

Por fim, se o irmão Franklin tivesse lido com mais atenção meu artigo na revistaObreiro Aprovado, não teria essa suspeita, pois cito, na penúltima página dele,o uso que Lloyd-Jones fazia desse termo.

8) E por falar de nomenclatura, na mesma tréplica, o irmão Franklin não aceitaque eu divirja, juntamente com uma gama enorme de outros historiadores,quanto à oposição ao uso da nomenclatura “semiagostinianismo” para se ref eriraos chamados “semipelagianos”, dizendo que é importante ter definições bem

claras dos termos, e que isso significaria seguir sempre a definição mais usual.Entretanto, quando corrijo o irmão Franklin, afirmando, conforme a definiçãousual de Idade Média, que Próspero de Aquitânia não era medieval, o irmão jáprefere relativizar a importância das definições usuais, dizendo que Agostinho ePróspero, de certa forma, por estarem situados ao final da Antiguidade, podemexcepcionalmente ser considerados também medievais, apesar de usualmentenão serem considerados assim, e que como alguns historiadores chegam a tratar Agostinho, em certo sentido (“intelectualmente”), como medieval, então, portabela, podemos fazer o mesmo com Próspero. Ou seja, em um momento, oirmão sugere a imprescindibilidade das definições usuais; mas, logo em seguida,contraditoriamente, faz pouco caso delas. Um mesmo peso, duas medidasdiferentes.

Diz o irmão Franklin: “Palavras têm significado. Portanto, há que se fazer umadiferença entre semipelagianismo e semiagostinianismo: o primeiro ensina quea graça de Deus e a vontade do homem trabalham juntas na salvação, e ohomem deve tomar a iniciativa; a fé e o arrependimento são obras humanas,sendo consideradas pré-requisitos para se receber o Espírito. O segundo ensinaque a graça de Deus se estende a todos, capacitando uma pessoa a escolher ea fazer o necessário para a salvação; a fé e o arrependimento são dons doEspírito. Esta diferença não pode ser subestimada. Ainda que o termo‘semipelagianismo’ tenha sido cunhado pelos luteranos no século XVI, e usadona Epítome da Fórmula de Concórdia, para, retrospectivamente, rotular ateologia associada à João Cassiano (conhecida como massilianismo, mas quetambém tem sido chamada pelos católicos de semipelagiana)”. 

E ainda: “Usando a data da queda do Império Romano do Ocidente, que ahistoriografia tradicional emprega para marcar o fim da Antiguidade clássica, oautor rejeita Próspero de Aquitânia como um escritor medieval, desconsiderandoo fato de que, intelectualmente, pode-se citar as origens do pensamentomedieval cristão em Agostinho de Hipona, o ‘mestre do ocidente’ (PhilotheusBoehner e Etienne Gilson, História da filosofia cristã)  – por exemplo, JacquesLeGoff situa Agostinho num primeiro período do medievo, que “balança da

 Antiguidade Tardia e a alta Idade Média” (cf. Homens e mulheres da IdadeMédia; cf. também A. S. McGrade (org.), Filosofia medieval; Josep-Ignasi

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Saranyana, La filosofía medieval: desde sus orígenes patrísticos hasta laescolástica barroca; Etienne Gilson, A filosofia na Idade Média; D. W. Hamlyn,História da filosofia ocidental, etc.). Ao tratar da rejeição da heresia pelagiana noSínodo de Cartago, em 418, M. Pohlenz afirmou: ‘O fato de a Igreja ter -sepronunciado por tal doutrina [da necessidade da graça] assinalou o fim da ética

pagã e de toda a filosofia helênica  –  e assim começou a Idade Média’ (cf.Giovanni Reale & Dario Antiseri, História da filosofia. v. 2)”. 

Para mim, é questão resolvida há muito tempo que (1) as definições usuais nemsempre são precisas, pois há casos em que são corretas e outros em que não osão; e também que, (2) nos casos claros de imprecisão dos termos usuais, deve-se ou evitar o uso do termo impreciso ou eventualmente até mesmo concederusar o referido termo devido à sua popularidade, mas fazendo sempre ressalvasclaras quanto a seu uso. Este foi o caminho tomado no meu artigo em “Obreiro Aprovado”: deixei claro que, por questões práticas, usaria o termo mais usual, omais popular, para se referir aos cassianistas (no caso, “semipelagianos”, mais

popular do que o termo igualmente válido “massilianistas”), mas frisando que,por questões de justiça, a melhor nomenclatura para se referir aos cassianistasdeveria ser “semiagostinianos”. 

Mesmo eu preferindo o termo usual (“semipelagianismo”), o irmão achou um erroeu ter dito que Cassiano e seus seguidores também poderiam ser chamados de“semiagostinianos”. Ora, uma vez que eu estou ciente das evidências emcontrário de muitos historiadores em relação ao termo “semipelagianismo” parase referir aos cassianistas, não posso ignorá-las apenas para adequar os termosàs definições preferidas por um determinado sistema do gosto do irmão. Entendoque o uso do termo “semiagostinianos” para se referir aos cassianistas possaincomodar calvinistas como R. C. Sproul, que, por conveniências óbvias, preferese opôr a esse uso, mas eu não posso fugir dos fatos. Aliás, Sproul, que insisteem trabalhar seu entendimento de tudo apenas sobre dois eixos  –  Agostinianismo e Pelagianismo ou Monergismo e Sinergismo – até pouco tempo(não sei se ainda continua) era tão “preciso” nesse seu sistema de definiçõesque sustentava o absurdo de que Arminianismo nada mais é do queSemipelagianismo.

 Ademais, como afirma o teólogo luterano norte-americano James WilliamRichard, a verdade é que até mesmo o termo “sinergismo” é impreciso. RessaltaRichard que “sinergista, sinergia e sinergístico são termos de reprovaçãoinventados [no século 16] por [Matthias] Flacius e seus seguidores”, os quais“não são justos para descrever o outro lado da controvérsia [os filipistas]”, porque“os filipistas repudiavam as coisas essenciais que os flacianos afirmavam sobreeles ao utilizarem essas palavras, ou seja, que, na conversão, a vontade é ‘causaeficiente’ e que por seu próprio poder nativo ela pode concordar com a promessae cooperar com a graça divina” (RICHARD, J. W., Confessional History ofLutheran Church, 1909, Lutheran Publication Society Philadelphia, p. 351).Nenhum filipista e nenhum arminiano defenderam tal coisa. Mas é isso quesugere o termo “sinergista”, cunhado no calor das paixões de um debateteológico e com o anseio de impingir à força a pecha de que haveria algumaproximidade dos filipistas com o pelagianismo. Seria correta, portanto, a

aceitação passiva desse termo para se referir à posição filipista ou à arminiana?Qualquer nível de entendimento de um consentimento da vontade no processode conversão, por mínimo que seja – sem ser “initium fidei” e subordinada à ação

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da Palavra e do Espírito  –, se encontra abrigado perfeitamente no termo“sinergismo”, que sugere uma participação intensa e equivalente entre duasações ou vontades? Não seria muito melhor um outro termo para classificar isso?

Enquanto não se convenciona termos mais precisos, a gente vai tocando a vidacom as nomenclaturas usuais inventadas no século 16 e que, não poucas vezes,mais confundem do que explicam. Eu as uso também, mas consciente de queelas são imperfeitas e eventualmente fazendo ressalvas ao usá-las. O problemaé que, infelizmente, alguns irmãos já têm, nessas questões específicas relativasà mecânica da Salvação, um sistema pré-definido, rígido e tendenciosamentegenérico, como é o caso do irmão Sproul, onde tudo deve ser entendido sempreatendendo inexoravelmente a um esquema pré-estabelecido: tudo tem que seencaixar perfeitamente no esquema dos dois eixos, com as gradações sendo tão“claras” e “precisas” que Sproul chama Arminianismo de Semipelagianismo... 

Nem mesmo Agostinho tratou os cassianistas como semipelagianos, mas comose fossem quase agostinianos. Foi Próspero de Aquitânia, logo após a morte de

 Agostinho, que tratou os cassianistas como hereges e, mesmo assim, Prósperoteve que voltar atrás rapidamente em muitos dos seus posicionamentos após odebate com eles nos primeiros anos após a morte de Agostinho. Além do mais,o Sínodo de Orange (529) não condenou o cassianismo como um todo, masapenas um único e pequeno aspecto dele, e ainda condenou a duplapredestinação agostiniana.

Mas, alguém pode perguntar: “Então, como chamaremos o resultado do Sínodode Orange, se os semipelagianos eram, na verdade, semiagostinianos?”. Oresultado desse Sínodo não é nem cassianista, nem agostiniano. À risca, é umaterceira coisa, porque condenou a ideia de um eventual “initium fidei” por parte

do homem, mas não condenou a expiação ilimitada, a graça resistível, apredestinação com base na presciência e a possibilidade de um cristão genuínocair da graça (todos pontos reprovados por Agostinho) defendidos igualmentepelos cassianistas e confirmados pelos Concílios de Arles e Lião em 476; e,repito, ainda condenou a predestinação dupla agostiniana. Essa terceira vertentederivada dos Sínodos de Arles, Lião e Orange seria chamada, séculos depois,de “Arminianismo”, mas, por questões práticas, prefiro chamar ou de“Agostinianismo moderado” ou até mesmo de “Semiagostinianismo” também,mas sempre fazendo a ressalva de que os próprios cassianistas podem serclassificados igualmente como semiagostinianos.

Essas nossas definições usuais são tão “precisas” que, não à toa, encontramosdeclarações como esta em algumas obras: “Essa posição oficial tomada peloSínodo de Orange em 529 pode ser chamada tanto de Semipelagianismo comode Semiagostinianismo, uma vez que ela tomou um meio-termo nessa disputa”(DITMANSON, Harold H., Grace in Experience and Theology, 1977, AugsburgPublication House, p. 53). E ainda: “Nos séculos subseqüentes, o ensino de Agostinho foi modificado para o que muito mais tarde, no século 16, começariaa ser chamado de Semipelagianismo, ou melhor, Semiagostinianismo, uma vezque as categorias de Agostinho permeiam essa abordagem” (HILLERBRAND,Hans J. [editor], Historical Dictionary of the Reformation and Counter-Reformation, 2000, Fitzroy Dearbon Publishers, verbete “Grace”). 

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Percebe como, na medida em que nos aprofundamos no conhecimento de cadauma dessas correntes, as classificações usuais se tornam cada vez maisimperfeitas? Algumas pessoas se perguntam: por que essas diferenças denomenclatura entre os teólogos e historiadores? Porque a verdade é que emborao Cassianismo não seja Arminianismo, nem o Arminianismo seja Luteranismo e

nem o Luteranismo seja Cassianismo, o Cassianismo é um tipo deSemiagostinianismo, assim como o que seria chamado posteriormente de Arminianismo também é um tipo de Semiagostinianismo, assim como oLuteranismo é igualmente outro tipo de Semiagostinianismo. Todos variandoapenas no nível de gradação do seu Agostinianismo, mas mantendo sempre asbases mais importantes deste: a defesa do pecado original e a condenaçãoveemente do Pelagianismo.

Sobre o Cassianismo ser Semiagostinianismo, seguem abaixo algunsdepoimentos, dentre tantos que eu poderia listar aqui, de teólogos e/ouhistoriadores (além dos que citei no primeiro artigo) que corroboram o que eu

digo (os eventuais grifos e colchetes são meus):“Semipelagianismo – Doutrina, sustentada durante o período de 427 a 529, querejeita as visões extremas tanto de Pelágio quanto de Agostinho no que dizrespeito à prioridade da graça divina e da vontade humana no trabalho inicial dasalvação. O termo ‘Semipelagianismo’, no entanto, é uma expressãorelativamente moderna, a qual aparentemente apareceu pela primeira vez naluterana Fórmula de Concórdia (1577) e veio a ser associada à teologia do jesuíta Luís Molina (1535-1600). O termo, não obstante, foi uma escolha infeliz,porque os chamados semipelagianos queriam ser qualquer coisa, menos meio-pelagianos. Seria mais correto chamá-los de semiagostinianos, pois conquantorejeitassem as doutrinas de Pelágio e respeitassem Agostinho, não desejavamseguir às últimas consequências sua teologia” (ELWELL, Walter A., EvangelicalDictionary of Theology, p. 1089).

“‘Semipelagianismo’ é muito mais difícil de definir. O termo não foi cunhado atéo final do século 16, na luterana Fórmula de Concórdia de 1577. Ela foi adotadapor alguns teólogos católicos também, particularmente pelos dominicanos[tomistas], que usaram o termo para descer a lenha em seus adversários jesuítas[molinistas]. Alguns têm sugerido que provavelmente o termo‘Semiagostinianismo’ é o mais preciso, uma vez que não se defendeu um meio-termo com Pelágio, mas se apoiou a doutrina da graça e do pecado original de Agostinho” (CARTWRIGHT, Steven [editor], A Companion to St. Paul in theMiddle Ages, 2013, Brill, pp. 86 e 87).

“Com isto, nós estamos no campo do que viria mais tarde a ser chamado deSemipelagianismo e que, mais recentemente, e provavelmente maiscorretamente, tem sido referido como Semiagostinianismo” (RAMSEY, Boniface,John Cassian: The Conferences, 1997, Newman Press, p. 459).

“...foi mais tarde esposada por João Cassiano na décima-terceira de suasfamosas 24 ‘Conferências’ e veio a ser chamada como Semipelagianismo ou,mais recentemente, e provavelmente mais corretamente, comoSemiagostinianismo” (RAMSEY, Boniface, Saint Augustin – Selected Writings on

Grace and Pelagianism, 2011, Augustinian Heritage Institute, p. 23).

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“...a doutrina chamada de Semipelagianismo, embora deva ser maispropriamente chamada de Semiagostinianismo, uma vez que Cassiano separou-se nitidamente de Pelágio e classificou-o como herético, enquanto sentiu-se emcompleta harmonia com Agostinho...” (JACKSON, Samuel M.; The New Schaff -Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge, volume 2, 1977, Baker Book

House, p. 436).“Note que o rótulo ‘Semipelagianismo’, com a sugestão de ‘meio-herético’, éimpreciso quando aplicado a visões desse tipo. Muitas vezes, é ignorantementeaplicado ainda hoje como um termo de recriminação contra visões similares.‘Semiagostinianismo seria ao menos mais exato e menos petição de princípio’(BETHUNE-BAKER, ‘Early History of Christian Doctrine, p. 321)” (BETTENSON,Henry; MAUNDER, Chris, Documents of the Christian Church, quarta edição,2011, Oxford University Press, p. 63  –  Caros leitores, esta obra, bastanteconhecida e a qual recomendo, existe em português).

“O termo ‘Semipelagianismo’ é anacrônico, inventado séculos mais tarde com

base em certos conteúdos da controvérsia pelagiana, e não foi usado por Agostinho. Agostinho não considerava os monges de Hadrumetum, Provence eMarseille como ‘heréticos pelagianos’, mas como ‘irmãos em Cristo’ que tinhamdúvidas sobre a natureza da graça de Deus e sobre as consequências da suadoutrina da graça. Essa fraternal troca de explanações nunca tomou a forma deuma controvérsia [entre Agostinho e os cassianistas]. Os monges explicitamenterejeitaram o pensamento de Pelágio. Além de ser anacronismo, por isso, o termo‘Semipelagianismo’ é também incorreto” (DUPONT, Anthony, Grat ia in Augustine’s Sermones ad Populum during the Pelagian Controversy, p. 64). 

“O termo ‘Semipelagianismo’ é, de fato, um anacronismo. Aqueles a quem é

aplicado o termo hoje estavam simplesmente tentando chegar a algum meio-termo diante da visão um tanto extremada de Agostinho sobre a predestinaçãoe o papel do livre-arbítrio na salvação do homem” (NEIL, Bronwen, Leo the Great,Routledge, 2009, p. 34).

“...o que mais tarde veio a ser chamado de Semipelagianismo, que não é umtermo de louvor, claro, dado que Pelágio foi um herético declarado;Semiagostinianismo teria sido o termo mais preciso...” (BERGER, Karol, Bach’sCycle, Mozart’s Arrow: An Essay on the Origins of Musical Modernity, 2006,University of California Press, p. 136).

“Eles [os cassianistas], então, estabeleceram um meio-termo que veio a serconhecido como Semipelagianismo, mas que poderia muito bem ter sidochamado de Semiagostinianismo” (STILWELL, Gary A., Where Was God: Evil,Theodicy, and Modern Science).

“Isto é usualmente chamado como ‘Semipelagianismo’. Entretanto, há algunsque preferem dar preferência  – como faz R. Seeberg, por exemplo  – ao nome‘Semiagostinianismo’” (PALMER, Edwin Hartshorn, The Encyclopedia ofChristianity, volume 2, 1968, National Foundation for Christian Education, p.372).

“Esta visão, mais tarde chamada de Semipelagianismo ou, dependendo da

perspectiva, Semiagostinianismo...” (HIGGINS, John R.; DUSING, Michael L.;

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TALLMAN, Frank D.; An Introduction to Theology: A Classical PentecostalPerspective, 1993, Kendall/Hunt Pub., p. 71).

“Cassiano tem sido chamado de pai do Semipelagianismo, mas seria mais justodescrever o sistema que ele advogava como Semiagostinianismo” (WILLIAMS,Norman Powell, The Grace of God, 1930, Longmans, Green and Co., p. 46).

“Ele [João Cassiano] ganhou alguns seguidores. Sua modificada forma dadoutrina de Pelágio é chamada de Semipelagianismo, mas alguns a chamam deSemiagostinianismo por ser uma posição entre as duas visões” (OGDEN,Russel, The Freedom Book: Choosing Your Future, 2011, WestBow Press, p.138).

“É enganador usar o termo ‘Semipelagianismo’ para Casssiano, como seimplicasse que ele simpatizasse com Pelágio e adotasse uma forma modificadade sua doutrina herética. Autores têm dito que seria mais justo chamar o erro deCassiano de ‘Semiagostinianismo’. [...] [Citando outros autores:]

‘Semiagostinianismo seria uma designação mais precisa, que não implicarianenhuma dúvida’. [...] ‘A controvérsia (...) tem sido comumente chamada, desdeo século 16, como Semipelagianismo, embora Semiagostinianismo seria o termomais verdadeiro para descrevê-la’” (MERTON, Thomas; O’CONNELL, Patrick F.;Cassian and the Fathers, 2005, Cistercian Publications, pp. 102 e 103).

“O Semiagostinianismo da escola de Vicente, Cassiano e Faustus foiestigmatizado com o rótulo um tanto áspero de Semipelagianismo”(ROBERTSON, Archibald, Regnum Dei: Eight Lectures on the Kingdom of Godin History of Christian Thought, 2004, Wipf and Stock Publishers, p. 203).

“Semipelagianismo é um nome conveniente, mas enganoso” (CRISTIANI, L.,

Jean Cassien, La Spiritualité Du Désert, volume 2, 1946, S. Wandrille, p. 237).

“Aplicar o termo [Semipelagianismo] aos monges da África ou da Gália quetinham dificuldades com as visões de Agostinho é, ao mesmo tempo,anacronismo e injustiça” (TESKE, R. J., General Introduction in Answer to thePelagians, volume 4 – To the Monks of Hadrumetum and Provence ["The Worksof Saint Augustin", I/26], 1999, p. 11).

“O termo ‘Semipelagianismo’ (...) é inutilmente pejorativo e sugere uma ligação  direta com Pelágio” (DANIÉLOU, J.; MARROU, H. I.; The Christian Centuries,volume 1 ["The First Six Hundred Years”], Londres, 1978). 

“O nome [Semipelagianismo] é errado. Os líderes dessa escola não estavam ameio-caminho de se tornarem discípulos de Pelágio” (CHADWICK, O., JohnCassian – A Study in Primitive Monasticism, 1968, Cambridge, p. 127).

Posso aumentar essa lista. Parei aqui para não ficar muito cansativo. E volto aperguntar: sabendo de tudo isso, como eu posso, conscientemente, aceitarinquestionável, passiva e silenciosamente um determinado uso recente epopular de uma determinada nomenclatura (“Semipelagianismo”), sem sequerfazer uma ressalva quanto a seu uso e sem mencionar a outra nomenclatura queparece ser a mais indicada (“Semiagostinianismo”), quando há evidências clarasde que aquela nomenclatura (“Semipelagianismo”) é mesmo imprecisa e há

inúmeros historiadores respeitados que reconhecem isso e preferem, por isso,esta outra nomenclatura (“Semiagostinianismo”)? Entretanto, apesar de tudo

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isso, ao fazer essa ressalva, ainda sou lamentavelmente classificado comoalguém que distorce os significados ou os fatos históricos. E olha que, mesmoapós a ressalva, insisti no termo usual “Semipelagianismo” para não causarconfusão!

Como se não bastasse, ainda há outro detalhe importantíssimo que foi esquecidonessa questão toda: embora a discussão sobre termos tenha, sem dúvida, a suaimportância, nossa preocupação principal deve ser sempre em relação aosentido em que os termos são empregados. Ou seja: as palavras têmsignificados, mas mais importante do que as palavras são os significados.

 As palavras empregadas correspondem realmente aos seus significados? Eainda: apesar das divergências de nomenclaturas, têm-se, pelo menos, algumaconcordância sobre os significados representados por essas nomenclaturas?

É comum historiadores preferirem um termo X para se referir a um fato A,enquanto outros preferem o termo Y para se referir à mesma coisa, e pode-se

debater intensamente sobre qual o termo mais indicado a ser usado, mas o queé mais importante do que definir qual o termo que melhor se aplica a uma coisaé saber, antes de tudo, se ambos os lados, pelo menos, têm a mesmacompreensão da coisa em si a qual se referem por termos diferentes. Ambosestão de acordo com o conteúdo e suas características? A divergência recaiapenas no rótulo utilizado para descrevê-la ou a divergência vai além do rótulodiferente? Isso evita “ruídos de comunicação”, isto é, desentendimentos mais doque desnecessários.

O que quero dizer com isso? Permita-me ser direto: o irmão acabou,desnecessariamente, se prendendo a uma questão de somenos importância e,

ainda mais, assumindo intransigentemente um lado que, à luz de inúmerosespecialistas, pode-se afirmar que não é o mais feliz. O irmão, claro, pode acharo contrário sobre sua posição, que tem seus seguidores; mas, a verdade é que,à luz de todas essas informações, conquanto respeitando sua posição, nãoposso concordar com ela de forma alguma devido às claras deficiências que elaapresenta.

E por falar do sentido por trás das palavras, vejamos agora o caso de Prósperode Aquitânia.

Será que quando Boehner e Gilson, ao mencionarem corretamente, como oirmão menciona, que as origens do pensamento medieval estão em Agostinho,

estão querendo dizer com isso que Agostinho já estava na Idade Média ouapenas que o pensamento que acabaria preponderando na Idade Média tevesua origem no final da Antiguidade com Agostinho? Será que quando omedievalista Jacques LeGoff declara que Agostinho “balança da AntiguidadeTardia à alta Idade Média”, ele está dizendo que o bispo de Hipona é Idade Médiaou apenas que, mesmo sendo cronologicamente Antiguidade, Agostinho, porviver no fim da Antiguidade e por seu pensamento ter marcado o início da IdadeMédia, estava quase (“balança”) na Idade Média? Quando Pohlenz fala sobre arejeição da heresia pelagiana no Sínodo de Cartago, em 418, ele estádeclarando que a Idade Média começou mesmo, de fato, em 418, com a decisãodesse Sínodo, ou apenas que a decisão desse Sínodo assinala o fim da ética

pagã e de toda a filosofia helênica, que é algo que caracterizou a Idade Médiaem seu início?

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Veja: não é que eu discorde que “intelectualmente” não possamos situar opensamento de Agostinho e de Próspero como “medievais” (Aliás, ao contrário,concordo com isso plenamente!), mas, sim, que a questão é que Agostinho ePróspero não estão situados cronologicamente na Idade Média. Esse era oponto, mas o irmão acabou desvirtuando esse aspecto da minha crítica à

menção de Próspero (que é uma crítica que vai, aliás, muito mais além do queesse aspecto). Ao se falar de Idade Média, é óbvio que eu não estava falandode uma definição elástica que incluiria a identificação intelectual de pensamentosdo fim da Antiguidade, ou mesmo do início da Modernidade, com umamentalidade preponderante na Idade Média, mas, sim, ao recorte históricomesmo, temporal: quem, no período da Idade Média, defendeu essencialmenteo que Agostinho defendeu em relação à mecânica da Salvação.

 A data majoritária, praticamente consensual, do início da Idade Média no ano476 é, dentre as alternativas levadas a sério, a segunda mais próxima queencontramos de Agostinho e Próspero entre todos os historiadores. As outras

estabelecem esse início nos anos 455 (ano considerado pela maioria dosespecialistas como o mais provável para a morte de Próspero), 487, 500 (asegunda alternativa mais aceita pelos especialistas para o início da IdadeMédia), 550 e 750. “750?” Sim, porque há quem classifique os anos de 400 a750 como “Antiguidade Tardia” (sic). Mais cedo que o ano 476, só há oposicionamento menos aceito por todos os especialistas, que inicia a IdadeMédia no ano 300(!).

Em segundo lugar, a questão aqui é um pouco mais ampla do que a meradiscussão sobre precisão e imprecisão de termos ou de definições de fasescronológicas, porque, independente de considerarmos Próspero ou não umhomem da Idade Média, independente de qual definição usarmos para IdadeMédia (as temporais ou mesmo a intelectual), ainda há o fato de que Prósperoera contemporâneo de Agostinho e discípulo direto deste durante seu ministério,tendo defendido o mesmo que seu mestre por influência direta deste enquantoeste estava vivo. Logo, uma vez que, ao referir-me à Idade Média, eu estavaaludindo claramente a todos que vieram após Agostinho (e foi assim, inclusive,que o irmão, ao mencionar Próspero, entendeu originalmente o que eu disse), ePróspero foi contemporâneo e discípulo direto de Agostinho, logo Próspero jánão se encaixaria como exemplo.

Foi só depois que fiz essa observação, lembrando, inclusive, que Prósperotecnicamente não era Idade Média, que o irmão, tentando justificar a menção aPróspero, procurou incluir o próprio Agostinho na Idade Média. Só que eu nãome referi apenas à questão técnica se Próspero era ou não Idade Média. Essefoi apenas um dos pontos que levantei inicialmente. Independente deste, aindaficam dois problemas: primeiro, se ele era contemporâneo de Agostinho ediscípulo direto deste durante seu ministério, tendo defendido o mesmo que seumestre por influência direta deste enquanto este estava vivo, como ele pode serconsiderado pós-Agostinho? Só porque ele, por ser mais jovem, viveu algunsanos a mais? E além do mais, em segundo lugar, como eu acrescentei, Prósperomudou de posição em relação a seu mentor depois que este morreu. Portanto,ainda mais por esse fato, Próspero não se encaixaria mesmo.

Quanto às mudanças de posição do Próspero velho em relação ao pensamentode Agostinho, o irmão despreza a fonte que eu mencionei, quando ela traz

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simplesmente o que é considerado o último grande estudo já produzido nomundo por especialistas em Próspero de Aquitânia e seu pensamento. Mas,posso citar também os historiadores M. Cappuyns, Arturo Elberti, AlexanderHwangs e Justus Gonzales que corroboram o que digo. Os dois primeiros,inclusive, defendem que há três estágios claros do pensamento de Próspero em

relação ao entendimento da mecânica da Salvação: a intransigente (até 432), adas primeiras concessões (433-435) e a das grandes concessões (após 435),esta última influenciada especialmente pelo papa Leão I, que não pensava comoPróspero as questões da graça e do livre-arbítrio.

Mas, se o irmão preferir, podemos ler o próprio Próspero velho para “tirar a provados nove” sobre a mudança em seu pensamento. Vejamos apenas algunstrechos (se não este artigo vai ficar maior do que já é) de sua obra Chamado àsNações, reconhecida pela maioria esmagadora dos especialistas como sendouma obra de sua autoria:

“A palavra do apóstolo, de que [Deus] deseja que todos os homens sejam salvos,

deve ser entendida em seu inteiro e pleno significado” (PRÓSPERO, Chamadoàs Nações, Livro I, capítulo 12)

“Confesso que Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem aoconhecimento da verdade” (Ibid, Livro II, capítulo 1) 

“O evangelho da cruz de Cristo foi estendido a todos os homens, sem exceção”(Ibid, Livro II, capítulo 1)

“A Bíblia ensina que Deus quer que todos os homens sejam salvos” (Ibid., LivroII, 2)

“Cristo morreu por todos os pecadores. [...] Ele morreu por todos os homens,sem exceção” (Ibid., Livro II, 16) 

“Ele não recusou dar a toda a humanidade o que Ele deu a alguns homens, masem alguns homens essa graça prevaleceu e em outros homens a natureza aresistiu” (Ibid., Livro II, capítulo 25)

“Quando, portanto, ouvimos Deus falar dessa forma com Caim, podemos terqualquer dúvida de que Ele desejava a sua conversão e, tanto quanto eranecessário, trabalhou para trazê-lo de volta a seus sentidos deste frenesi deimpiedade? Mas, a maldade obstinada de Caim tornou-se mais indesculpávelainda através do que deveria ter sido o seu remédio. E, é claro, Deus previu a

que extremos sua loucura iria levá-lo; e ainda, devido a este conhecimentoinfalível de Deus, não se pode concluir que a sua vontade criminosa foi instadapor qualquer necessidade para o pecado. [...] Embora essas misericórdiasdivinas não tenham trazido qualquer remédio ou alteração sobre essespecadores obstinados, elas mostram, no entanto, que a sua alienação não era oefeito de uma ordenança divina, mas de suas próprias vontades” (Ibid., Livro II,13)

“Os fiéis que pela graça de Deus crêem em Cristo ainda permanecem livres paranão crerem; aqueles que perseveram ainda podem se afastar de Deus” (Ibid.,Livro II, 28)

Mas, deixemos Próspero e o quinto século, e voltemos outra vez ao aqui e agora.

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(Este artigo continua na próxima postagem)

Teologia Pentecostal

 Arminiano de coração e intelecto: uma entrevista com Silas Daniel

Por Gutierres Fernandes Siqueira

O teólogo Silas Daniel escreveu recente artigo intitulado “Em Defesa do Arminianismo” na revista Obreiro (ano 36, n° 68). Esse longo texto na principalrevista teológica da denominação pentecostal tem causado algum barulho nas

redes sociais e está sendo interpretado como uma reação à calvinizaçãocrescente de pentecostais, em especial de jovens obreiros da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Inclusive, está prevista para os próximos meses apublicação da série The Works of James Arminius pela CPAD (Casa Publicadoradas Assembleias de Deus). Sendo, assim, uma iniciativa inédita no mercadoeditorial evangélico.

No texto, Silas Daniel costura um panorama histórico da doutrina arminiana,rebate alguns mitos sobre a historiografia de Jacob Armínio e da doutrina queleva seu nome. O artigo traz novas informações sobre os primeiros embatesentre calvinistas e arminianos no seio da iniciante Assembleia de Deus. Além

disso, diferencia as vertentes mais radicais e moderadas do Calvinismo eencerra com a convicção arminiana, mas em tom conciliatório com a tradiçãoreformada.

Nesta entrevista dada ao Blog Teologia Pentecostal ele compartilha conoscomais algumas impressões sobre a relação Arminianismo-Calvinismo ePentecostalismo.

Silas Daniel é autor de vários livros como "Reflexões sobre a alma e o tempo","História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil", "Habacuque- a vitória da fé em meio ao caos", "A Sedução das Novas Teologias" e "A Históriados Hinos que Amamos", e "Os Doze Profetas Menores" (coautor), todos títulos

da CPAD. Editor-chefe do Departamento de Jornalismo da CPAD. Serve comopastor-auxiliar na Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Artur Rios, no bairrode Campo Grande, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).

Veja agora essa enriquecedora entrevista.

Blog Teologia Pentecostal- O artigo ““Em defesa do Arminianismo””, de suaautoria, publicado na principal revista teológica da Assembleia de Deus, surgeem um momento onde se discute a crescente influência do Calvinismo nasfileiras assembleianas. Levando em conta esse contexto, podemos falar em uma

“reação”? Se sim, esse crescimento calvinista entre pentecostais gera algumapreocupação para a identidade assembleiana?

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determinadas formas de ver ou enfatizar certos aspectos da doutrina bíblicaacabam influenciando na forma de ser das igrejas, aproximando umas mais doque outras.

Da mesma forma que uma igreja que começa a se abrir ao pentecostalismocomeça a ter sua liturgia afetada, uma igreja pentecostal que começa a se tornarcalvinista começa também, aos poucos, a refletir essa mudança em sua liturgia,estilo de mensagens etc. Igrejas com mentalidade calvinista tendem, porexemplo, a serem mais formais em sua liturgia e mais avessas às manifestaçõespentecostais do que igrejas arminianas. Essa é uma das muitas preocupações,e ela não é baseada em teoria. É um dado empírico. Eu conheço umadenominação pentecostal, não vou dizer seu nome, cujos membros têmreclamado que, desde que ela passou oficialmente a ser calvinista, estápassando por um processo de despentecostalização visível. Seus cultosperderam a espontaneidade, estão cada vez mais formais; as profeciaspassaram a ser desprezadas, os batismos no Espírito Santo começaram a se

tornar raros. Sem falar dos perigos de alguns crentes descambarem para ofatalismo via adesão ao calvinismo.

Estou dizendo com isso que a Assembleia de Deus é “perfeita”? Que não temosnada para mudar para melhor? Que não precisamos refletir sobre nada referenteà nossa forma de ser? Não, não é isso. Acho que devemos sempre estarrefletindo com humildade sobre nossas virtudes e imperfeições; e nossadenominação, nas últimas décadas, tem melhorado positivamente em algunsaspectos justamente como fruto dessa reflexão. Em outras, ainda não. Essasmudanças são paulatinas, e é melhor que sejam assim mesmo, porquemudanças abruptas nunca fazem bem. Porém, é preciso sublinhar que essasmudanças nunca podem significar a perda de nossas raízes, da nossa espinhadorsal, da nossa essência, daquilo que realmente somos, e o arminianismo fazparte da essência assembleiana.

 Além do mais, até entendo que um crente assembleiano possa terparticularmente convicções calvinistas, mas empenhar-se em um projeto de“calvinização” da denominação é demais. Não que eu conheça alguémparticularmente empenhado nisso. Falo em hipótese. Se você já não se sentebem na Assembleia de Deus, se não se sente mais um assembleiano, se sente-se mais um calvinista do que assembleiano, é melhor sair da Assembleia deDeus e ir para uma igreja tradicional ou renovada calvinista. Pelo menos em favorda própria coerência.

TP) Você afirma que um dos erros dos arminianos nas Assembleias de Deus foienfatizar mais o combate ao calvinismo, muitas vezes de maneira um tantoamadora, do que afirmar ou reafirmar o arminianismo. Podemos falar apenas emuma “estratégia apologética mal focada” ou num desconhecimento dos teólogosassembleianos do seu próprio arminianismo, mesmo entre aqueles maisinformados?

SD- Creio que pode ter havido isso também, como vemos no caso de algunspoucos que dizem que não são calvinistas, mas também não são 100%arminianos por real desconhecimento do que é o arminianismo; mas, no geral,

foi mais a aplicação inconsciente de uma estratégia apologética equivocada. Eesse erro só pode ser percebido agora porque foi apenas mais à frente que

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surgiu um contexto que favoreceu uma maior aproximação dos assembleianosem relação à teologia reformada, contexto este que descrevo no início do meuartigo na revista Obreiro. Foi somente quando esse novo contexto surgiu que sedescobriu que essa estratégia era falha, porque ele provou que muitosassembleianos ou ainda não compreendiam direito o arminianismo ou não

sabiam defender bem a sua posição. Além disso, como já disse, muitos batiammuito no velho calvinismo fatalista pensando que estavam batendo no calvinismode forma geral, que é majoritariamente compatibilista.

TP) Sabemos que tradicionalmente a Assembleia de Deus no Brasil é arminiana,não há dúvidas sobre isso, mas essa teologia não está expressa em suaconfessionalidade oficial. A confissão de fé das Assembleias de Deus no Brasilé muito concisa. Quando lemos os 14 pontos do “Cremos”, não é possívelidentificar qual seria a “mecânica” de salvação adotada pelo documento. Emboravocê não coloque esse ponto no artigo como causa do aumento no número decalvinistas entre assembleianos, é possível afirmar que essa concisão

acentuada da confessionalidade assembleiana ajuda nesse processo de “muitasvozes” teológicas no seio da denominação? Ou seja, um documento muito curtoajuda na multiplicidade de opiniões, na falta de unidade? Ou ainda, seria o casoda Assembleia de Deus no Brasil adotar um documento confessional e, portanto,oficial, mais amplo e detalhado?

SD- Sim, creio que essa concisão dá margens a essas “muitas vozes”. Aproveitando: a razão de nosso “Cremos” ser tão conciso assim se deve afatores históricos. Durante um bom tempo, os líderes assembleianos brasileirosnunca sentiram internamente – no seio da denominação – uma real necessidadede um documento mais amplo. Não havia grandes divergências internasdoutrinárias dentro da denominação. Também não havia muito contato com ateologia de fora. Era muito difícil, por exemplo, ver um assembleiano brasileiroestudando em seminários de outras denominações. Até o fim dos anos 70, adenominação colocava o seu ensino teológico informal acima do ensino formalde teologia dos seminários, mesmo os da própria denominação. Ora,historicamente, os credos só vão ficando mais encorpados quando a igreja queprofessa aquele credo percebe a necessidade de se enfatizar determinadadoutrina que está sendo atacada. Se não há grandes ataques, o credogeralmente fica como está. E foi o que aconteceu.

Como até poucas décadas atrás as divergências teológicas e as heresias quesurgiam na AD eram muito pontuais, sem afetar a denominação como um todo,ninguém pensou em ampliar o “Cremos”. Só mais recentemente é que tivemosfenômenos maiores, geralmente advindos da influência neopentecostal emnosso meio e que exigiram da liderança da AD a produção de longosdocumentos oficiais explicitando nosso posicionamento doutrinário sobredeterminadas questões. A Comissão de Apologética da denominação é umreflexo desse novo momento. Ela foi formada a partir de 2001, isto é, só há 14anos. E só de 2012 para cá surgiu a discussão do detalhamento do “Cremos”,que deve ser levada adiante nos próximos anos.

Outro detalhe é que alguns articulistas assembleianos antigos, já falecidos,interpretavam essa concisão do nosso “Cremos” de forma positiva, como uma

suposta demonstração da virtuosa “não-formalidade pentecostal”. Só que elesse esqueciam que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ter uma confissão

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de fé mais elaborada não significa que seremos agora uma denominaçãoliturgicamente mais formal. Sempre defendi que ter uma confissão de fé maisdetalhada, que seja plenamente fiel às nossas raízes bíblicas e teológicas, nãosignifica ter uma igreja mais formal. Significa resguardar mais a denominação de“ventos de doutrina”. Não basta ter o detalhamento de nossa doutrina distribuído

espalhadamente em livros, revistas e jornais oficiais da denominação. É precisoter esse detalhamento todo reunido e organizado em um só documento oficial. Émais prático. É uma questão de praticidade e, nesses dias de tanta confusãodoutrinária, de necessidade também.

TP) Um ponto muito interessante do artigo é o conceito da contingência napresciência de Deus. Embora muitos pentecostais estejam bem distantes doCalvinismo, é comum na teologia popular certo fatalismo quando se trata de“causas e consequências”, especialmente diante de grandes tragédias. A frase“”Deus assim quis”” é muito comum sem levar em conta a lógica da afirmaçãoem alguns contextos. Por que o fatalismo e até certo determinismo é comum na

teologia popular?SD- É a velha confusão popular que é feita entre “vontade permissiva” e “vontadediretiva” de Deus. Muitos crentes acabam tratando tudo como “vontade diretiva”,embarcando, na prática, em um fatalismo, esquecendo os aspectoscontigenciais dos acontecimentos e também o peso da responsabilidadehumana em muitos casos. Isso acontece quase que invariavelmente em casosde tragédias, justamente porque tendemos a buscar explicações simplistas paraacontecimentos chocantes, quando muitas vezes as explicações não são tãosimples. Ou às vezes são e nós complicamos, mistificamos.

TP) Você dedica os quatro últimos parágrafos do texto a falar em um tom

conciliatório, citando especialmente Charles Spurgeon, pregador calvinista ebatista inglês. Chega até a afirmar que o Calvinismo honra a Deus, assim comoo Arminianismo. Em tempos de debates acalorados na internet o que você, comoarminiano convicto, tem aprendido dos calvinistas?

SD- Quando disse que o calvinismo honra a Deus tanto quanto o arminianismo,claramente estou me referindo ao calvinismo majoritário, compatibilista. É óbvioque o calvinismo compatibilista honra a Deus como o arminianismo, porqueambos reconhecem tanto a soberania de Deus quanto a responsabilidadehumana, que são ensinadas nas Escrituras; ambos pregam fielmente amensagem e o método da Salvação; ambos enfatizam a necessidade de se viver

uma vida de santidade, de se pregar o Evangelho, de se fazer missões, de seviver a vontade de Deus etc. Não posso dizer o mesmo do calvinismo fatalista.Quanto ao que aprendi com os calvinistas, posso dizer que, em termos deteologia, não aprendi com eles mais do que aprendi com bons teólogosarminianos, mas isso não significa que não tenha visto muita coisa boa. É óbvioque vi. Há muita coisa boa e enriquecedora na teologia reformada, mas o queme chama mais a atenção mesmo nos autores calvinistas clássicos não é tantoseus “insights” teológicos. Dos grandes cristãos do passado que eramcalvinistas, chama-me mais a atenção suas vidas: sua paixão por Deus, pelapureza, pela santidade de Deus, pelo viver para glória de Deus.

Lembro quando nos anos 80 li pela primeira vez “Heróis da Fé” (CPAD) domissionário assembleiano Orland Spencer Boyer. Fui tocado pelo testemunho

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de vida dos homens de Deus ali apresentados, e a maioria deles era decalvinistas. Isso me fez buscar mais sobre esses homens, e foi assim que li asobras de Lutero, as obras de John Bunyan, Richard Baxter, os sermões e livrosde Spurgeon, os sermões copilados de Whitefield, sermões e principais obras deJonathan Edwards. Depois li John Owen, Matthew Henry, e os nossos

contemporâneos Martin Lloyd-Jones e J. I. Packer. Mergulhei de cabeça nospuritanos, em sua história, em suas obras, de maneira que, no início dos anos90, já havia lido tudo deles e sobre eles que pude encontrar no Brasil e até umpouco do muito que se tem deles lá fora. Nessa época, era leitor assíduo darevista “Os Puritanos”, que não sei nem se ainda existe. Isso faz 20 anos oumais. Contudo, nada disso me tornou um calvinista. Ainda hoje adquiro obrasdesses grandes homens e toca-me sua devoção e alguns “insights” teológicos. Assim como tocam-me a vida e os escritos de arminianos como os irmãosWesley, Moody, Tozer e Ravenhill, dentre outros. Aliás, sempre achei, sobmuitos aspectos (não em todos), esse embate entre calvinistas e arminianos umaperda de tempo, preferindo mais aproveitar a riqueza que há na produção de

ambos os lados do que ficar me detendo nas diferenças. Essa minha atitudelevou até alguns colegas meus arminianos a pensarem equivocadamente,alguns anos atrás, que eu era um “calvinista enrustido”. Bobagem! Quem meconhece sabe que sempre fui um arminiano convicto. Apenas sempre me sentiincomodado com essa história de dizer que um excelente livro que é de autoriade um calvinista não presta porque é escrito por um calvinista. Há obrasmagníficas escritas por grandes cristãos calvinistas como por grandes cristãosarminianos. Usufruamos dessa riqueza de ambos os lados!

TP) O Arminianismo muitas vezes é dividido entre o “do “intelecto”” e “do“coração””, sendo o primeiro preocupado em se adequar ao espírito moderno e

às demandas do Iluminismo em particular. Muitos arminianos no século XVIIseguiram essa tendência liberal. Hoje, o liberalismo teológico é pequeno, mascrescente no Brasil, mesmo entre os pentecostais. Como o arminianismo “”docoração”” pode responder de maneira eficaz ao liberalismo usando o próprioarminianismo?

Entendo o sentido dado a esses termos pelos autores que estabelecem essadivisão, mas não a acho correta. O chamado “arminianismo do intelecto”, naverdade, é uma referência à ala de seguidores de Arminius que acabaram seafastando do pensamento original de seu mentor, inspirados pela ondaracionalista que nascia em seus dias e que culminaria na febre iluminista que

viria logo em seguida. Aqueles que permaneceram fieis ao pensamento originalde Arminius, que era totalmente ancorado nas Escrituras, não são arminianosapenas “de coração”, mas “de intelecto” também, e obviamente não no sentidoempregado pelos autores que preconizam essa divisão dentro do arminianismo.É esse arminianismo original, “do coração e do intelecto”, que pode responderde maneira eficaz ao liberalismo teológico de ontem e de hoje.

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Comentários:

 Anônimo disse...

Irmão Gutierrez, a paz do Senhor!

Já me comuniquei contigo por e-mail uma vez. Gostaria de fazer um comentário.Sou assembleiano, minha pneumatologia é pentecostal, mas pendo para o ladocalvinista na soterologia. Sei que não sería correto tentar ficar na AD praconvencer os demais irmãos a seguirem essa linha de pensamento..aliás, nemacho que haja muita necessidade para isso, pois o arminianismo(verdadeiro)honra a Deus do mesmo modo que o calvinismo(verdadeiro)...No entanto, o que

realmente me preocupa, é a crença sinergista levada ao extremo...muitos irmãosnegam o ensino protestante de salvação pela fé, ao repetirem nos cultos coisascomo "não cometa tal pecado, porque senão você perde a salvação"...em algunscasos, os supostos pecados se referem às coisas mais frívolas que a mente podeconceber...Acho que seria bom os teólogos de nossas igrejas passassem a secuidar em relação a esse extremo

28 de janeiro de 2015 23:55

Daladier Lima disse...

Prezado Gutierres, você comunga comigo da tese (esboçados em vários de seusposts) que o que faz falta no meio assembleiano é massa crítica. Portanto, ocalvinismo encontra um solo fértil, sem contrapontos. Lamentável, mas éexatamente o que está acontecendo aqui em Pernambuco.

 Abraços!

29 de janeiro de 2015 00:36

 Anônimo disse...

Caros irmãos, sou presbiteriano,acredito que não somos rivais (calvinismo Xarminianismo), muito pelo contrário, estamos engajados na mesma obra, a formaque o assunto está sendo abordado, parece que os irmãos reformados da A.D.devem sair da igreja e irem para uma reformada,(sendo que a visão sobresalvação nem está clara na declaração de fé da A.D),estão mais zelosos pela"imagem da denominação" do que pelas pessoas que formam a igreja (corpo deCristo) pelo que li neste post, o pastor convida os irmãos a sairem da igreja, senão acreditam no arminianismo... Lamentável... Aproveito para parabenizar oautor do blog, acredito que tem muitos irmãos da A.D.que estão com sede deconhecimento... A proposito, a literatura reformada vai muito além debibliografias, convido a leerem sem receios, assim como também já li livros deirmãos que se denominam arminianos... Fiquem na paz!

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3) O “dispensa comentários” e inspirador John Wesley; 

4) O soberbo poeta cristão Charles Wesley, cujos hinos me emocionam eedificam tanto (no caso dele, estou indicando apenas a apreciação de suahinologia, teologicamente rica, tocante, edificante e enoooooorme);

5) O extraordinário John William Fletcher (O Brasil precisa conhecer sua penatambém!);

6) O grande Adam Clarke, que passou 40 anos escrevendo uma obra teológicamonumental, muito copiada ainda hoje, mas nunca publicada no Brasil (Quepena!);

7) O não menos impressionante Richard Watson;

8) O sempre bom F. F. Bruce;

9) O evangelista apaixonado Billy Graham;

10) O penetrante A. W. Tozer;

11) O delicioso C. S. Lewis;

12) O profícuo e incansável Norman Geisler;

13) O sempre correto e claro Stanley Horton;

14) O não menos correto e claro William Menzies;

15) O contundente Dave Hunt;

16) O talentoso Jack Cottrell;

17) O competentíssimo Roger Olson;

18) Os brilhantes Alvin Plantinga e William Lane Craig.

 A lista é imensa, mas estes nomes, se lidos, já darão uma medida da rica emaravilhosa produção arminiana de qualidade.

(*) Sim, se você não sabia, havia puritanos arminianos, como o grande teólogocalvinista J. I. Packer, um dos maiores especialistas sobre o Movimento Puritano,admite em um trecho de seu clássico “Entre os Gigantes de Deus”, lançado no

início dos anos 90 no Brasil. É mentira que alguém só podia ser “puritano” sefosse calvinista; a maioria esmagadora o era, mas havia um pequeno grupo quenão. Goodwin não foi o único dos puritanos arminianos, mas os escritos dele sãoos mais acessíveis hoje. Sonho ainda em vê-lo publicado no Brasil.

30 de janeiro de 2015 10:26

 Anônimo disse...

Caro Rubcler, a Paz do Senhor!

 Apesar de postar como "anônimo", aqui quem tecla é o pastor Silas Daniel.Trabalho na CPAD há 17 anos e conheço sua política, que acho muitíssimo

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correta. A CPAD não publica obras que defendam explicitamente o calvinismo,mas publica, sim, obras de qualidade de autores calvinistas ou arminianos sobrediversos assuntos bíblicos, teológicos e do dia-a-dia. O que acontece é que,infelizmente, as pessoas nem sempre sabem separar as coisas: há quem acheque se a CPAD publica, por exemplo, uma obra sobre "família cristã" de um autor

calvinista, então ela está chancelando o calvinismo dele. Não! Ela está apenasreconhecendo que aquela obra, no que tange à abordagem do tema "famíliacristã", é muito boa para a igreja no Brasil de forma geral.

 Abraço!

Silas Daniel

30 de janeiro de 2015 10:35

 Anônimo disse...

Caro "Anônimo" presbiteriano,

 Aqui quem tecla como "anônimo" é o seu irmão em Cristo pastor Silas Daniel, dareferida entrevista. Quero apenas esclarecer que não estou convidando ninguémque tenha convicções calvinistas e está na AD a sair dela. Aliás, nem posso fazerisso, além de já ter declaro ser pessoalmente contra isso (Na terceira página domeu artigo na revista "Obreiro", deixei claro que sou contra qualquer espécie de"caça as bruxas" na denominação por esse tipo de convicção). Favor releratentamente a minha resposta à pergunta do Gutierres. Lá está claro que estou

falando apenas do caso hipotético de alguém que, além de ter uma convicçãopessoal calvinista, se empenha em uma campanha de "calvinização" dadenominação. Acho errado. Se a pessoa não se sente mais um assembleiano(que, por essência, é pentecostal e calvinista), se não se sente mais confortávelna sua denominação, ao ponto de iniciar uma campanha para adaptar toda a suadenominação à sua crença pessoal, é bem melhor sair de sua denominação e irpara outra igreja onde se sinta melhor. Eu faria isso, se esse fosse o meu caso.

 Abraço!

Em Cristo,

Silas Daniel30 de janeiro de 2015 10:49

 Anônimo disse...

Caro Fábio Stefani, a Paz de Jesus!

Quem tecla aqui como "anônimo" é o pastor Silas Daniel, da entrevista.

Sua colocação foi perfeita. Você entendeu bem o que eu quis dizer. Não acho

impossível ou terminantemente incompatível um pentecostal ser calvinista evice-versa, porém não dá para a Assembleia de Deus ser calvinista e continuar

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a ser Assembleia de Deus. Assim como não dá para a Igreja Presbiteriana serpentecostal e continuar a ser a Igreja Presbiteriana. Não, ela se tornará outrotipo de igreja, bem diferente, apesar de manter uma ou outra coisa do que eraantes. Sua identidade será mudada.

Uma coisa é alguns membros terem particularmente uma convicção diferente daposição oficial da denominação (isso ocorre em todas as igrejas), outra coisa éa denominação aderir como um todo a essa posição pessoal de alguns, passara pregar e a ensinar isso etc.

É por isso que nossos irmãos presbiterianos são tão preocupados com algumaespécie de "adesão ao pentecostalismo" por parte de alguns obreiros ou igrejasdeles, da mesma forma que os assembleianos com a "calvinização" de algunsirmãos (Não temos casos de igrejas "calvinizadas", só de alguns irmãos eobreiros que aderiram ao calvinismo).

 Abraço!

Em Cristo,

Silas Daniel

30 de janeiro de 2015 11:07

Erick Lima disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

30 de janeiro de 2015 11:37

 Anônimo disse...

ERRATA da mensagem de 30 de janeiro de 2014, às 10h49:

No final, onde coloquei "...que, por essência, é pentecostal e calvinista...", favorler "...que, por essência, é pentecostal e arminiano...".

Em Cristo,

Silas Daniel

30 de janeiro de 2015 13:37

 Anônimo disse...

Parabéns pela excelente entrevista irmão Gutierres!

O tema é urgente e muito importante.Creio que deveria ocupar maior espaço em

nossas Escolas Bíblicas.

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 Aproveito para fazer uma correção ao comentário de Anônimo e também pastorpresbiteriano.

O Pr.Silas não disse que "os que não crêem no arminianismo devem sair da Assembléia de Deus.Como se o arminianismo fosse algo divino.

Na verdade o que foi dito é que trata-se de um contra senso, uma incoerência,estar numa denominação sem concordar com suas doutrinas e teologia.

Ev.Andre Moreira

30 de janeiro de 2015 14:26

Ricardo Rocha disse...Caro Silas Daniel,

Tenho convicção de que você acerta o alvo quando diz que a tomada deconsciência das raízes arminianas da AD servirá para acabar com o caosdoutrinário que impera na denominação, em que os pulpitos são tomados porsemi-pelagianos, que acabou por redundar numa reação calvinistadesnecessária.

Todavia, discordo fortemente da sua afirmação de que a CPAD não temresponsabilidade no crescimento do calvinismo nos meios assembleianos.

Em primeiro lugar, a CPAD falhou como editora confessional. Salvo raríssimase honrosas exceções (como a teologia sistemática do Geisler e a Teologia deJohn Wesley do Collins) não há obras que se preocupem em ensinar a teologiaarmininana corretamente publicadas pela editora. Ao mesmo tempo em que issoocorre, a teologia sistemática do Charles Finney, nitidamente semi-pelagiana, épublicada até hoje pela CPAD. Não que esse livro não tenha méritos, mas é esseo tipo de teologia, que se afasta da ortodoxia arminiana que tem sido vendidocomo arminianismo no Brasil, inclusive sendo material que serve de treinamentopara pastores da denominação.

De outro lado, a CPAD perdeu MUITAS oportunidades de divulgar livros sobre o

arminianismo e publicados por autores arminianos. Não publicou os livros doOlson sobre a história da teologia e da sobre o arminianismo; também nãopublicou a excelente teologia do novo testamento do arminiano I. HorwardMarshall; não deu atenção aos maiores filósofos protestantes da atualidade,Willian Lane Craig e Alvin Plantinga. Este último, por sinal, é um caso curioso: éum dos maiores filósofos cristãos da história, certamente o maior de todos osfilósofos reformados. Mas ainda assim a filosofia/teologia dele é muito maiscompatível com o arminianismo do que com o calvinismo. E a CPAD perdeu aoportunidade de publica-los para outras editoras.

 Ao mesmo tempo em que ignorou teologos arminianos, a CPAD multiplicou

obras de autores calvinistas, muitos deles abertamente hostis ao arminianismo,como são o caso de John Piper e R.C. Sproul. E também não é verdade que os

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livros que a CPAD publicou de autores calvinistas não estejam impregnados,muitas vezes completamente, de teologia calvinista. O livro A dificil doutrina doamor de Deus, do D.A. Carson é totalmente calvinista. A explicaçãod ele sobreo amor divino é em muitos aspectos inaceitável para um arminiano. Outro casosão os livros da Nancy Pearcey: se por um lado a abordagem de cosmovisão

dela é relevantíssimo, por outro ela faz várias críticas a ao arminianismo nodecorrer do livro, e defende que somente o calvinismo pode fornecer um suportesólido para uma cosmovisão cristã.

 Ademais, esse tipo de publição também acaba influenciando as pessoas emdireção ao calvinismo indiretamente: ao lerem obras do Sproul, do Carson ou doPiper, aqueles que se interessam certamente procurarão os outros livros delesque são publicados, por exemplo, pela Cultura Cristã. E encontrarão lá defesasvigorosas do calvinismo. As chances de a influencia virar convencimento é muitogrande.

No mais, certas opções editorais são impossíveis de entender: porque publicar

Jonanthan Edwards e não o John Wesley? Por que os comentários de MattewHenry e não os do Adam Clark? Por que publicar as obras de apologética doSproul e não a do Craig? Pq publicar uma ultrapassada introdução ao novotestamento de um calvinista rígido como o Louis Berkhof ao mesmo tempo emque o Howard Marshall foi ignorado?

Essas decisões são ininteligíveis tanto de vista teológico/confessional como doponto de vista comercial. Ora, obras calvinistas já existem aos montes nomercado, sendo divulgadas com muita competência por várias editoras, como aCultura Cristã, a Fiel e a PES. O arminianismo é um nicho totalmente inexploradono mercado brasileiro. Publicar obras arminianas além de ser bom para a

identidade teológica da AD também enriqueceria o debate teológico brasileirocomo um todo. Isso para não mencionar a fatia do mercado que seriaabocanhada por isso.

Essas são coisas que precisam de explicação.

Um grande abraço.

31 de janeiro de 2015 00:16

Cláudio Henrique disse...

Não entendi o por que tantas justificativas do pr. Silas Daniel.

31 de janeiro de 2015 03:08

César Lopes disse...

Caro Pr. Silas,

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muito me alegram suas palavras. Com muita ponderação e respeito o senhortrata do referido assunto - prezando pela unidade e trazendo informaçõespreciosas para os leitores. O tom tem de ser conciliatório, não pode ser diferente- quem acha o contrário, se esquece do mandamento de Cristo. Concordo comcada palavra, proferida com muita clareza e objetividade.

31 de janeiro de 2015 17:39

Ricardo Rocha Lima da Silva disse...

Como resumo do meu longo comentário, minha impressão é que a onda decalvinização da AD tem no trabalho mal feito da CPAD uma grande contribuição.

Espero que o pastor Silas Daniel possa comentar isso e de alguma forma

esclarecer o motivo disso tudo.31 de janeiro de 2015 18:02

 Anônimo disse...

Caro Ricardo Rocha, a Paz!

Concordo contigo que talvez, em um ou outro caso, a CPAD poderia terpriorizado a publicação de uma obra de um autor arminiano, mas reforço que ofato de ela ter publicado essas obras de autores calvinistas nos últimos anos nãosignifica que ela tenha preferência por autores calvinistas. Que eu saiba, nãoexiste nem nunca existiu uma orientação para priorizar obras de autorescalvinistas na CPAD. Simplesmente, acabou acontecendo.

Uma das razões para isso é que muitos dos grandes autores conservadorespopulares da atualidade nos EUA são calvinistas, e isso acaba se refletindo nomercado editorial evangélico brasileiro, logo também na própria CPAD, quecompra obras de fora - especialmente dos EUA - assim como as outras editorasbrasileiras também o fazem. O Piper, o Sproul, o Carson e a Nancy Pearceyestão onde estão pelos seus próprios méritos. A CPAD fez bem em publicá-los,

como o irmão mesmo reconhece no caso da Pearcey.Outro detalhe para que isso aconteça é que a CPAD também tem sepreocupado, nos últimos anos, em publicar grandes obras evangélicas, grandesclássicos evangélicos de interesse geral, razão pela qual publica, de vez emquando, obras como a Teologia de Finney, o Comentário de Matthew Henry, aclássica "Introdução..." do Berkhof, "O Peregrino" de John Bunyan, "A Grandezado Pastorado" de John Angell James, dentre outros. Porém, acrescento que, nosúltimos tempos, a CPAD tem se preocupado também em publicar mais autoresarminianos. Ela tem começado a fazer isso e - pode ter certeza - o fará maisainda.

No caso do Craig e do Plantinga, ela acabou passando batida mesmo, se bemque acho pessoalmente as obras do Craig muito mais práticas do que as do

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Plantinga, que às vezes é técnico demais para o grande público, emboramuitíssimo competente. Sinceramente, não sei se essa característica delepesou. Não sei também se alguma obra dele chegou a ser avaliada pela CPAD.

Enfim, pode ter certeza que se a publicação dessas obras de autores calvinistas(mesmo que nenhuma ensinando explicitamente o calvinismo) ajudaram aalimentar o interesse dos leitores assembleianos pela teologia calvinista, foi umaajuda absolutamente involuntária.

Sobre a obra do Adam Smith, parece que há o projeto de publicá-la. Não sei emque pé está, mas é possível. E há muitas outras novidades para um futuropróximo, que não posso adiantar.

E a obra completa de Arminius vem aí! Ainda no primeiro semestre!

Em Cristo,

Silas Daniel

31 de janeiro de 2015 18:29

 Anônimo disse...

Caro Cláudio Henrique,

Não é justificativa, é explicação mesmo. É uma mania minha antiga, que os meusleitores de blog desde 2007 conhecem: gosto de ser muito explicativo para

garantir que estou sendo plenamente compreendido. Sou assim escrevendo eensinando. Cada um com sua mania.

Caro César Lopes,

Obrigado pelas palavras de apreço e motivação!

Caro Gutierres,

Obrigado por esse espaço.

Em Cristo,

Silas Daniel

31 de janeiro de 2015 18:34

Ricardo Rocha Lima da Silva disse...

Caro Silas Daniel, a paz do Senhor.

 Agradeço a resposta e a atenção que dedicou ao meu comentário.

Enfim, infelizmente é um fato que a CPAD perdeu muitas oportunidades e falhoucomo editora confessional. Mesmo essa decisão de publicar clássicos da

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teologia, no atual contexto, parece equivocada: clássicos calvinistas já sãopublicadas por editoras calvinistas, de modo que poderia ter sido dada atençãoaos clássicos arminianos. Ora, esses clássicos existem: o Sermão do Monte deJohn Wesley (que a CPAD também deixou passar...) as os sermões do JohnFletcher, as dogmaticas do Pope e do Orton Willey e mesmo obras de arminianos

contemporâneos, como as do Thomas Oden ou do Robert Schank, por exemplo.Enfim, se não podemos chorar o leite derramado, ao menos parece ser urgentea necessidade de a CPAD despertar. Pois, se como o irmão reconhece, a ADfracassou em ensinar o arminianismo, não será o artigo, excelente e louvável,como o seu, que mudará este quadro. Se a Assembleia de Deus quer realmentetomar consciência do seu arminianismo isso passa fundamentalmente pelapublicação massiva de obras de autores arminianos.

Espero que a sua influência e de outros possam mudar esse quadro da CPAD.

 A paz.

31 de janeiro de 2015 19:36

Celso Moreno disse...

Tem obreiros do Belém setor 28 compartilhando o Congresso com a Presençado Benny Hinn e vocês acham que a grande ameaça é João Calvino?

E o apoio cultural é da "cantora e vereadora" Noemi Nonato.

31 de janeiro de 2015 23:12

Diêgo Dantas disse...

Não acho que a "aderência" ao calvinismo por parte de pessoas em

denominações arminianas seja meramente uma questão de "nunca ter seensinado o arminianismo genuíno". Isso tem influência, mas é simplista demaisachar que é só isso e que basta ensinar o verdadeiro arminianismo pra mudar asituação. Acredito que tem muito mais por trás desse fenômeno. E digo mais, seas igrejas quiserem realmente ensinar o "verdadeiro" arminianismo, vão ter que,de cara, eliminar o conceito de livre-arbítrio (o que não será nada fácil), porque Armínio dizia que o homem não possui (está morto), e terão também queconciliar como o homem não possui esse livre-arbítrio e, ao mesmo tempo, tema capacidade de exercer fé e arrependimento, o que é o grande enigma que oarminianismo não responde. Em suma, se ficar com o livre-arbítrio, continuarácom o semipelagianismo; se abandonar o livre-arbítrio, terá que conciliar

depravação total com a capacidade de responder estando ainda morto. Por queuma pessoa crê e outra não crê, estando ambas mortas em delitos e pecados?

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É por isso que digo que é mais fácil entender o calvinismo do que o arminianismo.Se quiser ser coerente, o arminiano tem que apelar pra uma depravação parcial,e é justamente aí que ele se torna semipelagiano novamente. É isso que NormanGeisler faz em "Eleitos, mas livres", mescla semipelagianismo (depravaçãoparcial), arminianismo (eleição baseada na presciência, expiação universal e

graça resistível) e calvinismo (perseverança dos santos).1 de fevereiro de 2015 12:18

Diêgo Dantas disse...

Outro "profícuo" autor arminiano, Roger Olson, assevera em sua obra "Contra o

Calvinismo": “Outra objeção calvinista comum ao sinergismoevangélico/arminianismo é que ele não leva a depravação total a sério obastante. Afinal de contas, os calvinistas afirmam, humanos caídos sãoliteralmente mortos em delitos e pecados. A única esperança desses caídos éque Deus os ressuscite. Isso é verdade, mas esse ato de Deus, a ressurreiçãodos caídos, não os deixa sem opção de aceitá-lo ou não. Na verdade, osarminianos e outros sinergistas realmente acreditam que a graça prevenienterestaura vida à pessoa morta em delitos e pecados. Todavia, ela não os força aaceitarem a misericórdia de Deus para a salvação, que exige arrependimento efé (conversão). Assim, na teologia arminiana, uma regeneração parcialrealmente precede a conversão, mas ela não é uma regeneração completa."

Então, pergunto: onde na Bíblia se tem respaldo pra uma "regeneração parcialda graça preveniente"? Ou se está vivo, ou se está morto. Ou Deus vivifica, ouo morto permanece morto. E, se Ele vivifica, a pessoa exerce fé earrependimento, do contrário, jamais exercerá, pois está morta! Esse é otestemunho bíblico, e isso é o que o calvinismo diz. Se uma pessoa pode crerestando morta, das duas, uma: ou a "graça preveniente" não é manifestada atodos igualmente, o que qualquer arminiano negaria, ou alguns pecadores nãosão totalmente depravados, o que acho que eles também negariam.

1 de fevereiro de 2015 13:11

Diêgo Dantas disse...

Prezado irmão Erick,

1) Em minhas observações, citei duas obras de autores ARMINIANOS, NormanGeisler e Roger Olson, ambos referidos pelo pastor Silas Daniel em post acima.O que isso significa? Que aprendo sobre o arminianismo lendo obras de autores

arminianos também, não somente de calvinistas. Até agora, o que eu vi foi o queexatamente coloquei: um conceito de depravação total misturado com

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regeneração parcial (no caso do Olson) e um conceito de depravação parcialsemipelagiano (no caso do Geisler). Bom, se algo está errado e não bate com o Arminianismo Clássico que vocês tanto defendem, a culpa não é da minhainterpretação errada, os autores mesmos é que não estão conseguindo delinearseu sistema de pensamento de forma correta. Aguardemos as grandes obras

arminianas que serão lançadas em breve, pra ver se os calvinistas continuaminterpretando errado os arminianos.

2) Em nenhum momento, eu disse que não se deveria ensinar o arminianismoem sua denominação. Que se ensine. Só apontei as dificuldades que osensinadores terão de enfrentar, principalmente desarraigar o conceito de livre-arbítrio da mente das pessoas. Espero que consigam.

Sem mais.

1 de fevereiro de 2015 18:40

Pr. Paulo Henrique P. Cunha disse...

Tenho um grande respeito pelo Pr. Silas Daniel, mas acho que ele foi infeliz nasua colocação sobre a influência calvinista na AD. Grandes escritores comNorman Geisler tem inúmeros livros publicados pela CPAD, sendo que ele seconsidera um calvinista moderado. Penso que a causa das intermináveisdiscussões e exageros se concentram exatamente na incapcidade de separar

os calvinistas moderados dos calvinistas extremados ou extremistas.Recomendo a leitura do livro "Eleitos, mas livres" do Norman Geisler, quedemonstra que demonstra de forma clara que há mais pontos em comuns entrecalvinistas moderados e arminianos moderados do que pontos discordantes.Fico feliz com a posição equilibrada de ambos oa lados, como a do Pr. Geremiasdo Couto ( calvinista moderado) e do Pr. Ciro Sanches (arminiano moderado).

 Acho que a nossa querida AD não perde a sua indentidade com estas posiçõesteológicas moderadas, com as heresias destruídoras do neopentecostalismo,que está influenciando a nossa denominação, onde a Palavra de Deus temperdido o seu lugar, e onde, para muitos, o que as pessoas sentem tem se

tornado mais importante do que a Palavra de Deus diz.4 de fevereiro de 2015 22:27

Marlon Marques disse...

Diego Dantas!

O irmão não entendeu quando Armínio escreveu que o livre-arbítrio foi destruído.Realmente o livre-arbítrio foi destruído com a Queda, mas, pela graçapreveniente, que ilumina a todo homem que vem ao mundo (Jo 1:9), o arbítrio érestaurado e, se o homem não resistir ao Evangelho, ele é salvo.

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Continue lendo o Olson. Sugiro o livro Teologia Arminiana - Mitos e Realidades.

Graça e Paz!

5 de fevereiro de 2015 01:56

Pr. Paulo Henrique P. Cunha disse...

Desculpem-me, mas no meu comentário acima ficou faltando uma importantepalavra para ligar a frase repetida abaixo e dar o sentido correto:

 Acho que a nossa querida AD não perde a sua identidade com estas posiçõesteológicas moderadas, MAS sim com as heresias destruidoras doneopentecostalismo, que está influenciando a nossa denominação, onde aPalavra de Deus tem perdido o seu lugar, e onde, para muitos, o que as pessoassentem tem se tornado mais importante do que a Palavra de Deus diz.

6 de fevereiro de 2015 07:37

Taciano Cassimiro disse...

Por favor Silas Daniel não seja leviano dizendo que J.I. Packer era arminiano. Assim você cai em descredito.

Leia os comentários de Packer sobre os Remonstrantes e verás que uma coisaé uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Contudo acho interessante esse momento na denominação, que haja dialogo,estudos, e discernimento para não causar danos na convivência entreassembleianos.

Lembrando que arminianos e calvinistas são todos irmãos.9 de fevereiro de 2015 00:36

 Anônimo disse...

 A paz do Senhor para todos.

Fiquei muito feliz em ver esse assulto sendo abordado pois hj tem muitosobreiros em nossa ass.de Deus sendo calvinista pois se publica mas livros de

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autores calvinista do quer livros armenianus. Se nossa cpad e nossa cgadb querter obreiros e ensinadores armenianus publique livros de atores armernianus emenos calvinista. Falei com todo respeito, pois com msms disse o irmão Normaré Calvinista de carterinha basta ver seus assulto escritos em seus livros pq ndizer um perdido em meio ao tiroteio.

Ev.Genildo Rodrigues

10 de fevereiro de 2015 08:54

Samuel silva disse...

Minha familia é predominantemente pentecostal, logo, arminiana.Fiquei na A D

durante 12 anos, mas por contato com as literaturas calvinistas e incoerenciateológica na prática liturgica e muita imaturidade espiritual da igreja, passei acongregar na Igreja Presbiteriana do Brasil.Hoje sou calvinista, mas gostariamuito que meus irmãos assembleianos pelo menos ficassem a par do que é ocalvinismo

11 de fevereiro de 2015 13:08

 Anônimo disse...

Irmão Taciano Cassimiro, aqui é o pastor Silas Daniel. Onde eu disse ou escrevique J. I. Packer é arminiano?!?!? Onde o irmão viu isso?

Na entrevista ao Gutierres, respondendo à última pergunta feita por ele, eumenciono claramente J.I.Packer como calvinista. E na resposta ao Erik, nesteespaço de postagens, na resposta datada do dia 30 de janeiro/2015, às 10h26,eu escrevi "...o grande teólogo calvinista J. I. Packer".

De onde, então, meu irmão, você tirou essa de que eu disse que J.I.Packer é

arminiano?!?!?

E ainda me chama de "leviano"!

12 de fevereiro de 2015 11:28

Taciano Cassimiro disse...

Pastor Silas Daniel me desculpe a colocação e interpretação equivocada, e

agressiva da minha parte. Não pude corrigir o erro antes. Mudei de cidade nooutro dia, e só hoje com acesso a internet pude fazer este pedido de perdão.

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 Abraços e me perdoe em Cristo!

19 de fevereiro de 2015 01:34

Wilson R. Plaza disse...

Certa vez o reverendo Antonio Carlos da Igreja Presbiteriana da Barra. Disse:Que o avivamento vira, quando os pentecostais assembleiano se tornaremcalvinista. Pq o verdadeiro avivamento é uma volta para as escrituras. E omovimento reformado é isso é uma volta para escritura.

24 de fevereiro de 2015 17:44

Paulo Cesar Antunes disse...

Wilson R. Plaza,

Esse reverendo tem boca e pode falar o que quiser, inclusive que Jesus voltarásomente quando todos os cristãos se tornarem calvinistas ou que Calvino é ocaminho até Deus, mas isso não significa que seja verdadeiro. E por falar nisso,

dada a sua predição, esse reverendo é profeta?Mas você já ouviu falar do Avivamento Wesleyano? Pois é. Ele aconteceu,independentemente do Calvinismo. Esse avivamento até contou com o impulsodado por Whitefield, calvinista, mas ele foi ofuscado pelos irmãos Wesley, quederam vigor e solidez ao movimento.

21 de março de 2015 13:51

 Alexandre Gonçalves disse...

Qual o documento oficial das Assembleias de Deus que corroboram com a suatese de incompatibilidade do calvinismo nas Assembelais de Deus? De o de osr. deduz essa incompatibilidade? Se estivessemos falando de cessacionismo,poderia entender sua posição, mas falamos apenas da soteriologia calvinista enada mais. Melhor repensar seus pensamentos a meu ver intransigentes.

5 de abril de 2015 07:12

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 Alexandre Gonçalves disse...

Qual o documento oficial das Assembleias de Deus que corroboram com a suatese de incompatibilidade do calvinismo nas Assembelais de Deus? De o de o

sr. deduz essa incompatibilidade? Se estivessemos falando de cessacionismo,poderia entender sua posição, mas falamos apenas da soteriologia calvinista enada mais. Melhor repensar seus pensamentos a meu ver intransigentes.

6 de abril de 2015 12:23

 Anônimo disse...

Meu nome é João Marcos, congreguei na Igreja Evangélica Assembleia de Deus

em Mari-PB desde minha infância, meus avós já eram convertidos nadenominação desde quando eu nasci e fiquei até meus 19 anos congregandonesta igreja. Quando conheci as doutrinas reformadas houve um choque depensamentos, até então eu era alienado a uma linha de pensamento que me eraimposta desde a infância. Conheci a doutrina reformada após um congressonesta igreja onde foi pregado algo que me inquietou e quando cheguei em casaaquilo ainda me inquietava, então orei e fui ler a bíblia e ao ler encontrei algodiferente do que havia sido pregado naquele culto, então decidi me aprofundarmais no assunto e descobrir que muitas coisas que fui ensinado de uma formasingular, não era realmente como me parecia ser.

O maior problema hoje das igrejas pentecostais é a alienação dos adeptos, aoanalisarmos algumas igrejas, assim como eu fiz não só na que eu congregava,mas também nas regiões mais próximas, muitas pessoas não conhecem averdade das Escrituras, seguem ideias pregadas nos púlpitos, e bem sabemosque nestas pregações não lhe é proposto opções de pensamentos, mas lhe éimposto uma linha de pensamento a qual você não tem o direito de questionar. Assim surge uma denominação de pessoas alienadas, que muitas vezes adoramum Deus criado pela mente humana(falo do que presenciei durante 19 anos).

Não quero criticar nenhuma linha de pensamento teológico aqui, mas criticar ométodo de apresentação ou imposição de pensamentos... Sabemos que a AD é

uma denominação declarada Arminiana, que na verdade segue mais para o ladosemepelagiano. Mas a questão é, porque não é exposto aos seus membros osdois lados da moeda? Nesta revista foi publicado um artigo em defesa do Arminianismo, porque não se abre espaço para a defesa do Calvinismo? Todostem o direito de conhecer as duas vertentes sendo defendidas pelos seusadeptos. O problema é que os membros não tem a liberdade de analisarem averdade por trás dessa ideologia.

Eu cresci sendo ensinado a não questionar, a palavra do pastor era suprema,não podia nem examinar a bíblia pois estava indo contra a autoridade dopastor(parecia a ICAR no século XVI). Como ainda hoje nesta igreja onde

congreguei os membros são ensinados a não questionar, tem que aceitar epronto. Se todos os membros desta denominação resolvesse abrir suas bíblia e

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examinar tudo o que é pregado em seus púlpitos com as Sagradas Escrituras,haveria uma outra reforma protestante dentro das igrejas protestantes.

30 de abril de 2015 21:23

Pr. Paulo de Oliveira disse...

Olá,

Quem Tecla é o Pr. Paulo Araujo (judeu), eu entendo que as listas de escritores Arminianos são extensas como as listas de defensores do Calvinismo também,mas o que precisa ser de novo revisto não é nem o Arminianismo e nem oCalvinismo em si... O que me preocupa é a intolerância de ambos os lados... O

estudante mais do que sincero há de convir e lembrar que o mesmo Armínio,chama por assim dizer, Calvino de Profeta quando lida com seus comentários eos indica aos seus alunos, o que precisamos entender que nem mesmo Armínioé Pai do que é Chamado de Arminianismo hoje, o pior é que se agregaram tantascoisas ao que Calvino escreveu e também muito mais ao que Armínio falou quehoje nem podemos advogar muito tais sistemas, por exemplo tanto Calvino como Armínio eram advogados da mesma doutrina Reformada, então leia-se:

1- sessacionismo de dons;

2- leitura cíclica de Apocalipse;

3- tendencia escandalosa ao amilenismo;

4- batismo infantil;

5- batismo asperso;

6- e uma forte ligação com a teologia geral agostiniana...

Bem por fim, eu espero que nós não venhamos levar a Ass. de Deus nem paraum extremos e nem para o outro, mas que sejamos Calvinistas enquanto Calvinofor Bíblico e Arminianos enquanto Armínio for Crente; porque o que serve distotudo para nós Assembleianos é o lema Principal que estes dois sistemas tentam

advogar a si - SOLA SCRIPTURA!!!!!7 de maio de 2015 15:30

 Anônimo disse...

Graça e paz a todos. Sou batista de coração e me encontro a congregando na AD a um ano e meio(sou de confissão calvinista).

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Quanto ao assunto, tenho a dizer que é muito claro na denominação o receioquanto ao calvinismo e a esmagadora maioria nem sabe o que é calvinismo ouarminianismo. Há um "vaco" de conhecimento muito grande, a gente que chegade fora percebe um forte desejo de crescimento, uma forte valorização do nomeda denominação mas, não há muita preocupação que os obreiros sejam

estudados na palavra de Deus. Infelizmente ainda se valoriza muito o retété.Creio que é natural à medida em que os novos obreiros vão em busca doconhecimento e descobrem a teologia reformada, não tem como não aderir. Afinal, ela está presente em toda a Bíblia.

12 de maio de 2015 15:21

Pr. Paulo de Oliveira disse...Bem sr "anônimo", em suas palavras o sr conseguiu contradizer-se, ir contra tudoque já foi exposto acima e ainda mais desrespeitou minha denominação quandodesconsiderou Mestres em Teologia de uma geração muito anterior a nossa,gente que era Batista, Metodista e Presbiteriano, mas que entendeu que ossistema soteriológicos estavam e estão separando-nos da ideologia maior,afinal, Jesus não disse sejais calvinistas, sejais arminianos, sejais pentecostaisou qualquer outra coisa, o que o Mestre disse sobre salvação com TOM deORDEM foi: Ide e Pregai... QUEM CRER E FOR BATIZADO SERÁ SALVO... Oque vier depois disso é mera filosofia ..... "Digo isso como entendendo que a

filosofia feita está tentando perscrutar a mente e os desígnio de Deus e não comoFilosofia vã pecaminosa, mas mesmo assim infrutuosa , pois o Sábio Salomãoao tentar penetrar estes mesmos segredos deixou apenas isso registrado -2Crôn. 6:1"

18 de maio de 2015 09:18

 Anônimo disse... A paz do senhor amados.

Sou Assembleiano e abaixo segue minha posição:

Minha opinião?

Sinto grande respeito e admiração pelo pastor Silas Daniel.

Conheço muitas de suas obras. Eu o tenho como um grande teologo econhecedor das escrituras. Porem percebo, e é claro esse meu pensamentopode estar equivocado, que para o meu querido pastor é mais importante a

tradição e raizes da nossa igreja Assembleia de Deus do que a verdade teologicapropriamente dita.

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escolhido? Ou por que Deus, se fez carne e habitou entre os homens, sofrendopara remissão dos nossos pecados, se ele já tinha seus escolhido?

Se puder me responder nas duas linhas teológicas(doutrinas), ficarei muitoagradecido. Se alguém junto com o irmão Silas, quiser responder ficarei grato.

Um abraço.15 de setembro de 2015 19:06

 Anônimo disse...

parabens ao amado pastor silas daniel pelo esforço e brilhante pesquisa sobre

o assunto tão urgente em nosso tempo....tenho mim dedicado tambem nesseassunto de arminianismo nas assembleias de deus no brasil e em nossosseminarios e pulbitos....acredito em varios pontos positivos do calvinismo maisde coração sou arminiano,apesar de ser o arminianismo ser mal entendido ecriticado pelos que não conhecem sua historia e fundamento doutrinario...comodisse jhon weslley ;´´nem um homem esbravejem contra o arminianismo, amenos que o conheça´´

paz em cristo!

11 de outubro de 2015 14:54

Pr. Paulo de Oliveira disse...

Bom Dia,

Sou das A.D's. e mesmo penso que esta é uma falta de respeito intelectual paracom nossos irmãos, já me posicionei aqui, mas volto a me expressar um tantotriste. Não gostaria de ver nossa denominação tão carente de Teologia ser

influenciada por metade de um pensamento que só causou prejuízo na Europainteira e nos EUA, após sua real aceitação que é o puro pensamento Arminianoque acaba por ser pai de grandes heresias, se não em nosso tempo a maiordelas o Teísmo Aberto!!! Até porque as A.D's não são Arminianas e nemCalvinistas convictas...

 As A.D's sempre tentaram achar um ponto comum nos dois sistemas (claro quesei que isto é impossível quando se trata da visão salvífica), mas sempretentamos compreender um e outro e sempre nos conformamos com o meiotermo e onde não tínhamos explicação ficávamos calados como o bom Teólogodeve fazer (ex. RaShY - Rabi Shlomô Ytschak e o mesmo Calvino, Jhon Wyclif,

etc)... Espero que não se acenda um fogo inextinguível de adoração à Teologiade Armínio e depois não se consiga apagá-lo, pois o mesmo sistema Calviniano

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que tem problemas como: o mal; predestinação fatalista ou dupla predestinação;monergismo e etc... No Arminiano teremos as mesmas dificuldades, se não atépiores, pois o Pelagianismo caminha de mãos muito bem dadas com o Arminianismo... O que nos falta nas A.D's não é Teologia e nem Teólogos, issoaí até o MEC forma, o que nos falta de verdade nas A.D's são homens Bíblicos,

descomprometidos com seus cachês, descompromissados com seus ministériosparticulares e descomprometidos com sua visão particular e míope sobre o queé ou deixa de ser doutrina...

Faço um apelo aos amigos aqui e peço que parem de pregar as teses de Calvinoou as teses de Armínio ou mesmo as de Lutero, comecemos a pregar a Bíblianovamente, procuremos expor a Bíblia em nossos púlpitos, façamos etrabalhemos por um real comentário Bíblico advindo de um coração piedoso edeixemos o conformismo editorial de A-B ou C, sejam eles Calvinianos, Arminianos, Luteranos e afins....

Com isso não digo que não devamos fazer ou mesmo pensar pressupostos

Teológicos, apenas digo que nossa Teologia precisa ser completamente Bíblicae para isso precisamos abandonar a priorização pelos sistemas Teológicos epriorizarmos a Bíblia antes dos pressupostos, para que nossos pressupostosvoltem a ser o mais Bíblicos quanto conseguirmos postular!!!!

Desculpe-me qualquer coisa que possa parecer ofensiva a alguém, mas o intuitonão foi nem nunca será ofender ninguém e nem mesmo ter a última palavra, éapenas um pensamento de quem está viajando pelo Brasil, visitando cada igreja Ass. de Deus, conversando não com a liderança somente, mas com cadamembro em particular interessado em Teologia, esse é o grito do povo que tragoaté os amigos aqui e como todo teólogo deixo-vos mais este problema para

pensarmos juntos e que Deus ilumine alguém para podermos responder estaquestão!!!!

Prof. Paulo Araujo de Oliveira - Instrutor do CETADEB - Centro EducacionalTeológico das Assembleias de Deus no Brasil.

28 d t b d 2015 09 06