O Que é o Arminianismo

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O que é o Arminianismo? INTRODUÇÃO A posição de Jacob Armínio (1560-1609) e seus seguidores – frequentemente conhecidos como remonstrantes – quanto à graça, o livre-arbítrio, à predestinação e à perseverança dos crentes. Armínio era um teólogo calvinista holandês que, em todos aqueles pontos nos quais a tradição reformada diferia da católica ou da luterana, continuou sendo calvinista. É importante recordar isso, visto que frequentemente se diz que o arminianismo é o contrário do calvinismo, quando na realidade tanto Armínio como seus seguidores eram calvinistas em todos os pontos, exceto nos que debatiam. Além disso, é necessário notar que o debate envolvia também o interesse de um dos grupos em sublinhar o calvinismo estrito a fim de salvaguardar a independência recentemente conquistada do país, enquanto que o outro buscava posições que tornassem mais fácil para o país comercializar com outros que não fossem estritamente calvinistas. Em parte, por essa razão, os calvinistas estritos fundamentavam seus argumentos sobre as Escrituras, e o princípio da justificação só pela graça, construindo sobre isso um sistema rigidamente lógico e racional, enquanto seus opositores desenvolveram argumentos igualmente coerentes fundamentados sobre os princípios geralmente aceitos da religião – razão pela qual em certo modo foram precursores do racionalismo. Armínio envolveu-se em um debate quando resolveu refutar as opiniões daqueles que rejeitavam a doutrina calvinista estrita da predestinação. Mas então se convenceu de que eram eles que tinham razão, e se tornou o principal defensor dessa posição. Os calvinistas estritos que se opuseram a ele e que mais tarde condenaram seus ensinamentos eram supralapsarianos. Sustentavam que Deus havia decretado antes de tudo a eleição de alguns e a reprovação de outros, e depois havia decretado a queda e suas consequências, de tal modo que o decreto inicial da eleição e reprovação pudesse ser cumprido. Também sustentavam que as consequências da queda são tais que toda a natureza humana está totalmente depravada, e que o decreto da predestinação é tal que Cristo morreu unicamente pelos eleitos, e não por toda a humanidade. Em princípio, Armínio tratou de responder a essas opiniões adotando uma posição infralapsariana; mas logo se convenceu de que isso não bastava. Criticou então seus adversários argumentando, em primeiro lugar, que sua discussão dos decretos da predestinação não era suficientemente cristocêntrica, visto que o verdadeiro grande decreto da predestinação é aquele “pelo qual Cristo foi destacado por Deus para ser o salvador, a cabeça e o fundamento daqueles que herdarão a salvação”; e, em segundo lugar, que a predestinação dos fiéis por parte de Deus baseia-se em sua presciência de sua fé futura. Visto que a doutrina da predestinação de seus opositores se fundamenta na primazia da graça, e de uma graça irresistível, Armínio respondeu propondo uma graça “preveniente” ou “preventiva”, que Deus dá a todos, e que os capacita para aceitar a graça salvadora se assim

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  • O que o Arminianismo?

    INTRODUO

    A posio de Jacob Armnio (1560-1609) e seus seguidores frequentemente conhecidos como remonstrantes quanto graa, o livre-arbtrio, predestinao e perseverana dos crentes. Armnio era um telogo calvinista holands que, em todos aqueles pontos nos quais a tradio reformada diferia da catlica ou da luterana, continuou sendo calvinista. importante recordar isso, visto que frequentemente se diz que o arminianismo o contrrio do calvinismo, quando na realidade tanto Armnio como seus seguidores eram calvinistas em todos os pontos, exceto nos que debatiam. Alm disso, necessrio notar que o debate envolvia tambm o interesse de um dos grupos em sublinhar o calvinismo estrito a fim de salvaguardar a independncia recentemente conquistada do pas, enquanto que o outro buscava posies que tornassem mais fcil para o pas comercializar com outros que no fossem estritamente calvinistas. Em parte, por essa razo, os calvinistas estritos fundamentavam seus argumentos sobre as Escrituras, e o princpio da justificao s pela graa, construindo sobre isso um sistema rigidamente lgico e racional, enquanto seus opositores desenvolveram argumentos igualmente coerentes fundamentados sobre os princpios geralmente aceitos da religio razo pela qual em certo modo foram precursores do racionalismo.

    Armnio envolveu-se em um debate quando resolveu refutar as opinies daqueles que

    rejeitavam a doutrina calvinista estrita da predestinao. Mas ento se convenceu de que eram eles que tinham razo, e se tornou o principal defensor dessa posio. Os calvinistas estritos que se opuseram a ele e que mais tarde condenaram seus ensinamentos eram supralapsarianos. Sustentavam que Deus havia decretado antes de tudo a eleio de alguns e a reprovao de outros, e depois havia decretado a queda e suas consequncias, de tal modo que o decreto inicial da eleio e reprovao pudesse ser cumprido. Tambm sustentavam que as consequncias da queda so tais que toda a natureza humana est totalmente depravada, e que o decreto da predestinao tal que Cristo morreu unicamente pelos eleitos, e no por toda a humanidade. Em princpio, Armnio tratou de responder a essas opinies adotando uma posio infralapsariana; mas logo se convenceu de que isso no bastava. Criticou ento seus adversrios argumentando, em primeiro lugar, que sua discusso dos decretos da predestinao no era suficientemente cristocntrica, visto que o verdadeiro grande decreto da predestinao aquele pelo qual Cristo foi destacado por Deus para ser o salvador, a cabea e o fundamento daqueles que herdaro a salvao; e, em segundo lugar, que a predestinao dos fiis por parte de Deus baseia-se em sua prescincia de sua f futura.

    Visto que a doutrina da predestinao de seus opositores se fundamenta na primazia da

    graa, e de uma graa irresistvel, Armnio respondeu propondo uma graa preveniente ou preventiva, que Deus d a todos, e que os capacita para aceitar a graa salvadora se assim

  • decidirem. E, visto que a graa no irresistvel, isso implica que possvel um crente, mesmo depois de haver recebido a graa salvadora, cair dela. Foi contra todas essas propostas dos arminianos que o Snodo de Dordrecht, ou de Dort (1618-19) afirmou os cinco pontos principais do calvinismo estrito, a depravao total da humanidade, a eleio incondicional, a expiao limitada por parte de Cristo, a graa irresistvel, e perseverana dos fiis.

    As teorias de Armnio foram adotadas por vrios telogos de tradio reformada que no

    estavam dispostos a levar seu calvinismo s consequncias que Dordrecht as havia levado. O mais destacado entre eles foi Joo Wesley (1703-91). Entre os batistas ingleses, aqueles que aceitaram o arminianismo receberam o nome de batistas gerais, porque insistiam que Cristo morreu por todos, enquanto que aqueles que ensinavam a expiao limitada foram chamados batistas particulares.

    Fonte: Justo L. Gonzlez, Breve Dicionrio de Teologia, p. 46, 47

    QUEM FOI JAMES ARMINIUS?

    Um telogo holands. Arminius nasceu em Oudewater (18 m. em direo ao leste e nordeste de

    Roterd) em 10 de outubro de 1560 e morreu em Leiden em 19 de outubro de 1609. Aps a morte

    prematura de seu pai ele foi morar com Rudolphus Snellius, professor em Marburg. Em 1576

    retornou para casa e estudou teologia em Leiden sob Lambertus Danus. Aqui ele passou seis

    anos, at que recebeu autorizao dos burgomestres de Amsterd para continuar seus estudos

    em Genebra e Basel sob Beza e Grynus. Ele fez prelees sobre a filosofia de Petrus Ramus e a

    Epstola aos Romanos. Sendo chamado de volta pelo governo de Amsterd, em 1588 ele foi

    nomeado pregador da congregao reformada. Durante os quinze anos que passou aqui, ele

    obteve o respeito de todos, mas suas concepes sofreram uma mudana. Sua exposio de Rm

    7 e 9 e seu pronunciamento sobre a eleio e reprovao foram considerados ofensas. Seu colega,

    erudito mas irascvel, Petrus Plancius se ops a ele em particular. Disputas surgiram no consistrio,

    que temporariamente foram impedidas pelos burgomestres.

    Arminius foi suspeito de heresia porque considerava o consentimento com os livros simblicos

    como no unificadores e estava pronto a conceder ao Estado mais poder nas questes

    eclesisticas do que os rgidos calvinistas gostariam de admitir. Quando dois dos professores da

    Universidade de Leiden, Junius e Trelcatius, morreram (1602), os administradores chamaram

    Arminius; e Franciscus Gomarus, o nico professor de teologia vivo, protestou, mas ficou satisfeito

    aps uma entrevista com Arminius. O ltimo assumiu suas obrigaes em 1603 com um discurso

    sobre o ofcio sumo sacerdotal de Cristo, e se tornou doutor em teologia. Mas as disputas

    dogmticas foram renovadas quando Arminius realizou palestras pblicas sobre a predestinao.

  • Gomarus se ops a ele e publicou outras teses. Sucedeu uma grande agitao na universidade e

    os estudantes foram divididos em dois partidos. Os ministros de Leiden e de outros locais

    participaram da controvrsia, que se tornou geral. Os calvinistas queriam que a questo fosse

    decidida por um snodo geral, mas os Estados Gerais no queriam faz-lo. Oldenbarneveldt, o

    estadista liberal holands, deu em 1608 a ambos os oponentes oportunidade para defender suas

    opinies diante da suprema corte, e o veredicto pronunciado foi que, visto que a controvrsia no

    tinha qualquer relao com os pontos principais relativos salvao, cada um deveria ser

    indulgente com o outro. Mas Gomarus no se renderia. At os Estados da Holanda tentaram

    realizar uma reconciliao entre os dois, e em agosto de 1609, ambos os professores e quatro

    ministros foram convidados para fazer novas negociaes. As deliberaes foram primeiro

    mantidas oralmente, sendo depois continuada por escrito, mas foram encerradas em outubro com

    a morte de Arminius.

    Em suas Disputationes, que foram parcialmente publicadas durante sua vida, parcialmente aps

    sua morte, e que incluam toda a seo de teologia, assim como em alguns discursos e outros

    escritos, Arminius clara e diretamente definiu sua posio e expressou sua convico. No geral

    estes escritos so um belo testemunho de sua erudio e sagacidade. A doutrina da predestinao

    pertencia aos ensinos fundamentais da Igreja Reformada; mas a concepo dela afirmada por

    Calvino e seus partidrios, Arminius no poderia adotar como sua. Ele no queria seguir um

    desenvolvimento doutrinrio que tornava Deus o autor do pecado e da condenao dos homens.

    Ele ensinava a predestinao condicional e atribuiu mais importncia f. Ele no negava nem a

    onipotncia de Deus nem sua livre graa, mas ele considerava que era seu dever preservar a honra

    de Deus, e enfatizar, baseado nas claras expresses da Bblia, o livre-arbtrio do homem bem como

    a verdade da doutrina do pecado. Nestas coisas ele estava mais do lado de Lutero do que de

    Calvino e Beza, mas no pode ser negado que ele expressou outras opinies que foram

    vigorosamente contestadas como sendo afastamentos da confisso e do catecismo. Seus

    seguidores expressaram suas convices nos famosos cinco artigos que eles apresentaram diante

    dos Estados como sua justificao. Chamados de remonstrantes, por causa destas Remonstranti,

    eles sempre se recusaram a ser chamados de arminianos.

    Fonte: H. C. Rogge, em The New Schaff-Herzog Encyclopedia Of Religious Knowledge, Vol I, Editado

    por Samuel Macauley Jackson

  • Aspectos Histricos

    O QUE FOI A REMONSTRNCIA?

    JAC ARMNIO E A CONTROVRSIA DOS REMONSTRANTES

    A Holanda na qual Jac Armnio nasceu e foi criado estava lutando contra a tradio catlica

    romana e contra o domnio da Espanha catlica. Um pequeno grupo de rebeldes uniu vrias

    provncias contra o domnio espanhol e estabeleceu uma aliana instvel conhecida como

    Provncias Unidas (dos Pases Baixos). A Holanda era a maior e a mais influente das provncias. Ao

    mesmo tempo em que os holandeses se libertaram da Espanha, estabeleceram sua igreja nacional

    protestante. A igreja reformada de Amsterd foi fundada em 1566 e seus principais ministros e

    leigos mantiveram os trs princpios protestantes fundamentais, sem se aliarem a nenhum ramo

    especfico do protestantismo. O protestantismo holands primitivo era um tipo sui generis que

    no seguia rigidamente o luteranismo ou o calvinismo.

    Armnio foi criado como protestante na cidadezinha de Oudewater, entre Utrecht e Roterd, mas

    sua formao crist na juventude no foi pesadamente calvinista. Aos quinze anos de idade, foi

    enviado a Marburgo, na Alemanha, para obter sua educao. Enquanto estava l, sua cidade natal

    foi invadida por soldados catlicos leais Espanha e muitos habitantes foram massacrados. A

    famlia inteira de Armnio foi exterminada em um nico dia. O jovem estudante ficou sob os

    cuidados de um respeitado ministro holands de Amsterd e acabou se tornando um dos

    primeiros alunos a se matricular na recm-estabelecida universidade protestante de Leiden. A

    igreja reformada de Amsterd considerava Armnio um dos jovens candidatos mais promissores

    ao ministrio e por isso custeou seu estudo superior em Leiden e, depois, na Sua. L, estudou

    por algum tempo na Meca da teologia reformada, a Academia de Genebra, dirigida por Beza.

    Em 1588, Armnio iniciou o ministrio na igreja reformada de Amsterd, aos 29 anos de idade.

    Todos os relatos contam que seu pastorado foi ilustre. Conforme observa certo bigrafo: Armnio

    se tornou o primeiro pastor holands da igreja reformada holandesa da maior cidade da Holanda,

    exatamente quando ela estava emergindo de seu passado medieval e irrompendo na Idade de

    Ouro. Era notadamente benquisto e respeitado, tanto como pastor quanto como pregador, e

    rapidamente se tornou um dos homens mais influentes de toda a Holanda. Casou-se com a filha

    de um dos principais cidados de Amsterd e entrou para o grupo dos privilegiados e poderosos.

    Nem por isso demonstrou qualquer indcio de arrogncia ou ambio. Nem sequer seus crticos

    ousaram acus-lo de abusar de seu cargo pastoral ou de qualquer outra falha pessoal ou espiritual.

    Acabaram acusando-o de heresia somente porque, como pastor de uma das igrejas mais

    influentes da Holanda, comeou a criticar abertamente o supralapsarismo que entrou em

    ascenso conforme cada vez mais ministros holandeses retornaram de seus estudos em Genebra

  • sob a direo de Beza. Armnio era da escola amiga do protestantismo holands de mentalidade

    independente, que se recusava a declarar como ortodoxo qualquer ramo especfico da teologia

    protestante. Alguns, no entanto, insistiam cada vez mais que o supralapsarismo era a nica

    teologia protestante ortodoxa e que qualquer outra opinio significava, de alguma forma, uma

    acomodao teologia catlica romana e, portanto, era uma aliada em potencial da Espanha,

    inimiga poltica dos Pases Baixos.

    Na dcada de 1590, o conflito entre Armnio e os calvinistas rgidos da Holanda se tornou cada

    vez pior. Alguns estudiosos sugerem que Armnio mudou de opinio nesse perodo. Acreditam que

    tinha sido um hipercalvinista ou mesmo um supralapsrio. Essa suposio parece ter se

    fundamentado simplesmente no fato de ele ter sido aluno de Beza. O principal intrprete

    moderno de Armnio contradiz a ideia da alegada mudana de opinio de Armnio: Todas as

    evidncias levam a uma s concluso: Armnio no concordava com a doutrina de Beza sobre a

    predestinao, quando assumiu o seu ministrio em Amsterd; na realidade, provvel que nunca

    tenha concordado com ela. Na srie de sermes sobre a Epstola de Paulo aos romanos, o jovem

    pregador comeou a negar abertamente no somente o supralapsarismo, mas tambm a eleio

    incondicional e a graa irresistvel. Interpretou Romanos 9, por exemplo, como uma referncia

    no a indivduos, mas a classes crentes e incrdulos conforme predestinadas por Deus. Afirmou

    que o livre-arbtrio dos indivduos os inclua nas classes de eleitos e de rprobos e explicou a

    predestinao como a prescincia divina acerca da livre escolha dos indivduos. Para apoiar essa

    ideia, Armnio apelou a Romanos 8.29. Conforme observa o bigrafo e intrprete de Armnio, Carl

    Bangs, o telogo holands demonstrou, em seus sermes da dcada de 1590, o desejo de

    encontrar o equilbrio entre a graa soberana e o livre-arbtrio humano: o objetivo era uma

    teologia da graa, que no deixasse o homem entre a cruz e o punhal.

    Os rgidos oponentes calvinistas de Armnio em Amsterd e outros lugares no tardaram em

    farejar o pavoroso erro de sinergismo em sua pregao e ensino e, publicamente, acusaram-no de

    heresia para os oficiais da igreja e da cidade, que examinaram a questo e inocentaram Armnio

    das acusaes. Armnio apelou tradio protestante holandesa da independncia dos sistemas

    teolgicos especficos e tolerncia de diversidade nos pormenores da doutrina. Os oficiais

    concordaram. Os oponentes supralapsrios de Armnio ressentiram-se e decidiram que o

    arruinariam de qualquer maneira. Sofreram uma derrota fragorosa quando Armnio foi nomeado

    para ocupar a prestigiosa ctedra de teologia na Universidade de Leiden em 1603. O outro

    catedrtico de teologia daquele perodo era Francisco Gomaro, que talvez tenha sido o calvinista

    supralapsrio mais franco e rgido de toda a Europa. Gomaro, alm de considerar todas as outras

    opinies, inclusive o infralapsarismo, falhas ou at herticas, tinha, segundo quase todos os

    relatos a seu respeito, um temperamento extremamente irascvel.

    Quase que imediatamente, Gomaro iniciou uma campanha de acusaes contra Armnio.

    Algumas delas eram verdicas. Por exemplo, Armnio no escondia a rejeio no somente do

    supralapsarismo, mas tambm da doutrina clssica calvinista da predestinao como um todo.

    Gomaro distorceu esse fato e, publicamente e por trs das costas de Armnio, insinuou que ele era

  • um simpatizante secreto dos jesutas uma ordem de sacerdotes catlicos romana especialmente

    temida que era chamada tropa de choque da Contra-Reforma. Essa alegao de Gomaro, assim

    como outras, era claramente falsa. Por exemplo, Gomaro acusou Armnio de socinianismo, que

    era uma negao da Trindade e de quase todas as demais doutrinas crists clssicas. No importa

    o que Armnio escrevesse ou dissesse em sua defesa, via-se constantemente atacado por boatos

    e sob suspeita. Quando a controvrsia ultrapassou os limites das salas acadmicas e chegou aos

    plpitos e s ruas, suas defesas perderam o efeito. Era mais fcil chegar concluso de que onde

    h fumaa, h fogo. A controvrsia cresceu a ponto de provocar uma guerra civil entre as

    provncias dos Pases Baixos. Algumas apoiavam Armnio, outras apoiavam Gomaro. O conflito

    eclodiu em 1604, quando Gomaro, pela primeira vez, acusou Armnio abertamente de heresia e

    durou at a morte de Armnio por causa de tuberculose em 1609. Quando morreu, sua teologia

    estava sob a inquisio pblica de lderes religiosos e polticos. Em seu enterro, um de seus amigos

    mais ntimos fez o discurso fnebre diante do corpo de Armnio: Viveu na Holanda um homem

    que s no era conhecido por quem no o estimava suficientemente e s no o estimava quem

    no o conhecia suficientemente.

    Depois da morte de Armnio, quarenta e seis ministros e leigos holandeses respeitados redigiram

    um documento chamado Remonstrncia que resumia a rejeio, por Armnio e por eles

    mesmos, do calvinismo rgido em cinco pontos. Graas ao ttulo do documento, os arminianos

    passaram a ser chamados de remonstrantes. Entre eles, estavam os estadistas e lderes polticos

    holandeses que tinham ajudado a libertar os Pases Baixos da Espanha. Seus inimigos acusavam-

    nos de apoiar secretamente os jesutas e a teologia catlica romana, e de simpatizar com a

    Espanha, s porque concordavam com a oposio de Armnio a respeito das doutrinas da

    predestinao! No existe nenhuma evidncia de que qualquer um deles realmente tivesse

    alguma culpa em relao s acusaes polticas feitas contra eles. Mesmo assim, ocorreram

    tumultos em vrias cidades holandesas, nos quais foram pregados sermes contra os

    remonstrantes e distribudos panfletos que os difamavam como hereges e traidores. Finalmente,

    o grande poder poltico dos Pases Baixos, o prncipe Maurcio de Nassau, entrou na luta em favor

    dos calvinistas. Em 1618, ordenou a deteno e o encarceramento dos principais arminianos, para

    aguardar o resultado do snodo nacional de telogos e pregadores. O Snodo de Dort entrou em

    sesso em novembro de 1618 e foi encerrado em janeiro de 1619, contando com a presena de

    mais de cem delegados, inclusive alguns da Inglaterra, da Esccia, da Frana e da Sua. Joo

    Bogerman, um pregador calvinista com opinies extremadas, que havia defendido em um

    documento a pena de morte por heresia, foi escolhido como presidente.

    Como esperado, a despeito das eloquentes defesas do arminianismo feitas pelos principais

    remonstrantes, na concluso do snodo, todos os lderes remonstrantes foram condenados como

    hereges. Pelo menos duzentos foram depostos do ministrio da igreja e do estado e cerca de

    oitenta foram exilados ou presos. Um deles, o presbtero, estadista e filsofo Hugo Grotius (1583-

    1645), foi confinado em uma masmorra da qual posteriormente escapou. Outro estadista foi

    publicamente decapitado. Um historiador moderno da controvrsia concluiu que o modo de [o

  • prncipe] Maurcio tratar os estadistas arminianos s pode ser considerado um dos grandes crimes

    da Histria.

    O Snodo de Dort promulgou um conjunto de doutrinas padronizadas para a igreja reformada

    holandesa, que se tornou a base do acrnimo TULIP. Cada cnon, conforme eram chamadas as

    doutrinas, baseava-se em um dos cinco pontos da Remonstrncia. As coisas que os arminianos

    negavam, Dort canonizou como doutrina oficial, obrigatria para todos os crentes protestantes

    reformados. No arbitrou, no entanto, sobre o supralapsarismo e o infralapsarismo e, desde

    ento, as duas teorias continuaram dentro do consenso calvinista expresso pelo Snodo de Dort.

    Aps a morte do prncipe Maurcio em 1625, o arminianismo gradualmente voltou a fazer parte

    da vida holandesa. J em 1634, muitos exilados voltaram e organizaram a Fraternidade

    Remonstrante, que cresceu e formou a Igreja Reformada Remonstrante, que ainda existe. No foi

    nos Pases Baixos, no entanto, que a teologia arminiana causou maior impacto. Isso aconteceu na

    Inglaterra e na Amrica do Norte pela influncia de destacados ministros anglicanos, batistas

    gerais, metodistas e ministros de outras seitas e denominaes que surgiram nos sculos XVII e

    XVIII. Joo Wesley (1703-1791) tornou-se o arminiano mais influente de todos os tempos. Seu

    movimento metodista adotou o arminianismo como teologia oficial e, atravs dele, tornou-se

    parte da tendncia prevalecente na vida protestante da Gr-Bretanha e da Amrica do Norte.

    Fonte: Roger E. Olson, Histria da Teologia Crist, 471-475

    QUAIS FORAM OS CINCO PONTOS DA REMONSTRNCIA?

    Artigo 1

    Que Deus, por um eterno e imutvel plano em Jesus Cristo, seu Filho, antes que fossem postos os

    fundamentos do mundo, determinou salvar, de entre a raa humana que tinha cado no pecado

    em Cristo, por causa de Cristo e atravs de Cristo aqueles que, pela graa do Santo Esprito,

    crerem neste seu Filho e que, pela mesma graa, perseverarem na mesma f e obedincia de f

    at o fim; e, por outro lado, deixar sob o pecado e a ira os costumazes e descrentes, condenando-

    os como alheios a Cristo, segundo a palavra do Evangelho de Jo 3.36 e outras passagens da

    Escritura.

    Artigo 2

    Que, em concordncia com isso, Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e cada um

    dos homens, de modo que obteve para todos, por sua morte na cruz, reconciliao e remisso dos

    pecados; contudo, de tal modo que ningum participante desta remisso seno os crentes.

    Artigo 3

  • Que o homem no possui por si mesmo graa salvadora, nem as obras de sua prpria vontade, de

    modo que, em seu estado de apostasia e pecado para si mesmo e por si mesmo, no pode pensar

    nada que seja bom nada, a saber, que seja verdadeiramente bom, tal como a f que salva antes

    de qualquer outra coisa. Mas que necessrio que, por Deus em Cristo e atravs de seu Santo

    Esprito, seja gerado de novo e renovado em entendimento, afeies e vontade e em todas as suas

    faculdades, para que seja capacitado a entender, pensar, querer e praticar o que

    verdadeiramente bom, segundo a Palavra de Deus [Jo 15.5].

    Artigo 4

    Que esta graa de Deus o comeo, a continuao e o fim de todo o bem; de modo que nem

    mesmo o homem regenerado pode pensar, querer ou praticar qualquer bem, nem resistir a

    qualquer tentao para o mal sem a graa precedente (ou preveniente) que desperta, assiste e

    coopera. De modo que todas as obras boas e todos os movimentos para o bem, que podem ser

    concebidos em pensamento, devem ser atribudos graa de Deus em Cristo. Mas, quanto ao

    modo de operao, a graa no irresistvel, porque est escrito de muitos que eles resistiram ao

    Esprito Santo [At 7 e libi passim].

    Artigo 5

    Que aqueles que so enxertados em Cristo por uma verdadeira f, e que assim foram feitos

    participantes de seu vivificante Esprito, so abundantemente dotados de poder para lutar contra

    Sat, o pecado, o mundo e sua prpria carne, e de ganhar a vitria; sempre bem entendido

    com o auxlio da graa do Esprito Santo, com a assistncia de Jesus Cristo em todas as suas

    tentaes, atravs de seu Esprito; o qual estende para eles suas mos e (to somente sob a

    condio de que eles estejam preparados para a luta, que peam seu auxlio e no deixar de

    ajudar-se a si mesmos) os impele e sustenta, de modo que, por nenhum engano ou violncia de

    Sat, sejam transviados ou tirados das mos de Cristo [Jo 10.28]. Mas quanto questo se eles

    no so capazes de, por preguia e negligncia, esquecer o incio de sua vida em Cristo e de

    novamente abraar o presente mundo, de modo a se afastarem da santa doutrina que uma vez

    lhes foi entregue, de perder a sua boa conscincia e de negligenciar a graa isto deve ser assunto

    de uma pesquisa mais acurada nas Santas Escrituras antes que possamos ensin-lo com inteira

    segurana.

  • Base Bblica

    QUAL A BASE BBLICA PARA A GRAA PREVENIENTE?

    H muito que o SENHOR me apareceu, dizendo: Porquanto com amor eterno te amei, por isso

    com benignidade te atra. Jr 31.3

    Jerusalm, Jerusalm, que matas os profetas, e apedrejas os que te so enviados! Quantas vezes

    quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu no

    quiseste! Mt 23.37

    Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido. Lc 19.10

    Ali estava a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo. Jo 1.9

    Ningum pode vir a mim, se o Pai que me enviou o no trouxer; e eu o ressuscitarei no ltimo dia.

    Jo 6.44

    E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim. Jo 12.32

    Homens de dura cerviz, e incircuncisos de corao e ouvido, vs sempre resistis ao Esprito Santo;

    assim vs sois como vossos pais. At 7.51

    E uma certa mulher, chamada Ldia, vendedora de prpura, da cidade de Tiatira, e que servia a

    Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o corao para que estivesse atenta ao que Paulo dizia. At

    16.14

    E de um s sangue fez toda a gerao dos homens, para habitar sobre toda a face da terra,

    determinando os tempos j dantes ordenados, e os limites da sua habitao; para que buscassem

    ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que no est longe de cada um de

    ns. At 17.26, 27

    Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e pacincia e longanimidade, ignorando que a

    benignidade de Deus te leva ao arrependimento? Rm 2.4

    De sorte que a f pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus. Rm 10.17

    Porque pela graa sois salvos, por meio da f; e isto no vem de vs, dom de Deus. Ef 2.8

    Porque Deus o que opera em vs tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.

    Fp 2.13

    Que nos salvou, e chamou com uma santa vocao; no segundo as nossas obras, mas segundo o

    seu prprio propsito e graa que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos sculos; e

  • que manifesta agora pela apario de nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a morte, e trouxe

    luz a vida e a incorrupo pelo evangelho. 2Tm 1.9, 10

    Porque a graa salvadora de Deus se h manifestado a todos os homens. Tt 2.11

    Eis que estou porta, e bato; se algum ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa,

    e com ele cearei, e ele comigo. Ap 3.20

    QUAL A BASE BBLICA PARA A EXPIAO ILIMITADA?

    A morte de Cristo por todos os homens pode ser concluda de diversas passagens das Escrituras:

    1 Daquelas que dizem que ele morreu por todo homem, por todos os homens, por todos,

    pelo mundo, por todo o mundo:

    Pois o amor de Cristo nos constrange, porque julgamos assim: se um morreu por todos, logo todos

    morreram; e ele morreu por todos, para que os que vivem no vivam mais para si, mas para aquele

    que por eles morreu e ressuscitou. [2Co 5.14-15]

    Porque h um s Deus, e um s Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem. O qual

    se deu a si mesmo em preo de redeno por todos, para servir de testemunho a seu tempo. [1Tm

    2.5-6]

    Vemos, porm, coroado de glria e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que

    os anjos, por causa da paixo da morte, para que, pela graa de Deus, provasse a morte por todos.

    [Hb 2.9]

    E ele a propiciao pelos nossos pecados, e no somente pelos nossos, mas tambm pelos de

    todo o mundo. [1Jo 2.2]

    2 Daquelas que dizem que Deus em Cristo reconciliou o mundo:

    Pois que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, no imputando aos homens as

    suas transgresses; e nos encarregou da palavra da reconciliao. [2Co 5.19]

    3 Daquelas que dizem que a graa veio sobre todos os homens:

    Porque todos pecaram e destitudos esto da glria de Deus; sendo justificados gratuitamente

    pela sua graa, mediante a redeno que h em Cristo Jesus. [Rm 3.23-24]

    Portanto, assim como por uma s ofensa veio o juzo sobre todos os homens para condenao,

    assim tambm por um s ato de justia veio a graa sobre todos os homens para justificao e

    vida. [Rm 5.18]

    Porque a graa de Deus se h manifestado, trazendo salvao a todos os homens. [Tt 2.11]

  • 4 Daquelas que dizem que Deus deseja a salvao de todos os homens:

    Dize-lhes: Vivo eu, diz o Senhor Deus, que no tenho prazer na morte do mpio, mas em que o

    mpio se converta do seu caminho, e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos;

    pois, por que razo morrereis, casa de Israel? [Ez 33.11]

    Porque isto bom e agradvel diante de Deus nosso Salvador, que quer que todos os homens se

    salvem, e venham ao conhecimento da verdade. [1Tm 2.3-4]

    O Senhor no retarda a sua promessa, ainda que alguns a tm por tardia; porm longnimo para

    convosco, no querendo que ningum se perca, seno que todos venham a arrepender-se. [2Pe

    3.9]

    5 Daquelas que dizem que o Evangelho deve ser pregado a todos os homens:

    E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado

    ser salvo; mas quem no crer ser condenado. [Mc 16.15-16]

    E disse-lhes: Assim est escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia

    ressuscitasse dentre os mortos, e em seu nome se pregasse o arrependimento e a remisso dos

    pecados, em todas as naes, comeando por Jerusalm. [Lc 24.46-47]

    Mas Deus, no tendo em conta os tempos da ignorncia, anuncia agora a todos os homens, e em

    todo o lugar, que se arrependam. [At 17.30]

    6 Daquelas que dizem que Jesus veio salvar os perdidos:

    Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido. [Lc 19.10]

    7 Daquelas que dizem que Jesus o Salvador do mundo ou de todos os homens:

    E diziam mulher: J no pela tua palavra que ns cremos; pois agora ns mesmos temos ouvido

    e sabemos que este verdadeiramente o Salvador do mundo. [Jo 4.42]

    Pois para isto que trabalhamos e lutamos, porque temos posto a nossa esperana no Deus vivo,

    que o Salvador de todos os homens, especialmente dos que crem. [1Tm 4.10]

    E ns temos visto, e testificamos que o Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo. [1Jo 4.14]

    8 Daquelas que dizem que Jesus veio salvar o mundo:

    No dia seguinte Joo viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o

    pecado do mundo. [Jo 1.29]

    Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unignito para que todo aquele que

    nele cr no perea, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, no para

    que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. [Jo 3.16-17]

  • E, se algum ouvir as minhas palavras, e no as guardar, eu no o julgo; pois eu vim, no para

    julgar o mundo, mas para salvar o mundo. [Jo 12.47]

    Ressuscitando Deus a seu Filho Jesus, primeiro o enviou a vs, para que nisso vos abenoasse, no

    apartar, a cada um de vs, das vossas maldades. [At 3.26]

    9 Daquelas que dizem que Jesus se entregou por aqueles que o rejeitam:

    Disse-lhes, pois, Jesus: Na verdade, na verdade vos digo: Moiss no vos deu o po do cu; mas

    meu Pai vos d o verdadeiro po do cu. Porque o po de Deus aquele que desce do cu e d

    vida ao mundo. [Jo 6.32-33]

    10 Daquelas que dizem que Jesus morreu pelos judeus:

    Todos ns andvamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; mas o

    Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos ns. [Is 53.6]

    Ora ele no disse isto de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que

    Jesus devia morrer pela nao. [Jo 11:51]

    11 Daquelas que dizem que Jesus morreu pelos mpios ou veio salv-los:

    Pois, quando ainda ramos fracos, Cristo morreu a seu tempo pelos mpios. [Rm 5.6]

    Esta uma palavra fiel, e digna de toda a aceitao, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar

    os pecadores, dos quais eu sou o principal. [1Tm 1:15]

    12 Daquelas que dizem que Jesus morreu por aqueles que se perdem ou que correm risco de se

    perderem:

    Mas, se por causa da comida se contrista teu irmo, j no andas conforme o amor. No destruas

    por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu. [Rm 14.15]

    Pela tua cincia, pois, perece aquele que fraco, o teu irmo por quem Cristo morreu. [1Co 8.11]

    De quanto maior castigo cuidais vs ser julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e

    tiver por profano o sangue da aliana com que foi santificado, e fizer agravo ao Esprito da graa?

    [Hb 10:29]

    Mas houve tambm entre o povo falsos profetas, como entre vs haver falsos mestres, os quais

    introduziro encobertamente heresias destruidoras, negando at o Senhor que os resgatou,

    trazendo sobre si mesma repentina destruio. [2Pe 2.1]

  • Questes Teolgicas

    O QUE LIVRE-ARBTRIO?

    A primeira pea do quebra-cabea diz respeito ao livre-arbtrio. Dizer que uma pessoa livre a

    mesma coisa que afirmar que, em face de determinadas circunstncias, tal pessoa poderia ter

    agido (o verbo indica passado, de propsito) de maneira diferente daquela como agiu. Ela no

    teria sido compelida a agir assim por causas internas prprias (estrutura gentica ou compulses

    irresistveis), nem externas (outras pessoas, Deus). Embora estejam presentes certas condies

    causais, as quais na verdade so necessrias a fim de que as pessoas tomem decises ou ajam, se

    tais pessoas so livres, essas condies causais no so suficientes para determinar-lhes as

    decises e atos. O indivduo a condio suficiente para o curso de ao escolhido.

    Vamos ilustrar este ponto. Suponhamos que haja uma fatia de bolo de nozes coberto com

    chocolate, minha frente. Se sou livre, posso decidir entre comer e no comer o bolo, dadas as

    circunstncias causais do momento. natural que certas condies precisam estar presentes para

    que haja a possibilidade de eu vir a comer o bolo: o bolo tem de ser de nozes, deve estar aqui,

    deve ser apetitoso, devo ter uma boca, e assim por diante. Contudo, nos casos em que eu sou

    livre, embora o bolo de nozes esteja presente, e embora eu goste demais desse bolo, no sua

    mera presena, nem minha especial predileo por nozes que causaro minha deciso de com-

    lo. Por outro lado, se houvesse algo em minha constituio gentica que me tornasse compulsria

    a ingesto de bolo de nozes, uma compulso tal que a mera presena de uma fatia desse bolo me

    levasse a devor-lo, no importando qual fosse minha deliberao, nesse caso, ento, eu no seria

    livre. De maneira semelhante, se houvesse algum empurrando o bolo pela minha garganta

    dentro, ou de outra maneira qualquer, obrigando-me, ou coagindo-me a comer o bolo, eu no

    seria livre.

    No estou descrevendo, nem advogando uma liberdade radical, em que nossas escolhas so feitas

    de modo completamente independente de condies causais, ou quando nenhuma restrio

    impingida contra ns. Liberdade no significa ausncia de influncias externas ou internas.

    preciso que o bolo esteja presente para que eu possa com-lo. Ao invs, ser livre significa que as

    influncias causais no determinam minha escolha ou ao. A liberdade um conceito relativo,

    segundo nossa experincia: H vrios graus de liberdade. Contudo, quando somos livres, podemos

    fazer algo diferente daquilo que realmente fazemos, mesmo que seja extremamente difcil fazer

    essa mudana (como para mim difcil resistir aos bolos de nozes).

    Em segundo lugar, esta perspectiva de livre-arbtrio no significa que nossas escolhas so

    arbitrrias, nem que os atos que executamos so o produto do acaso. Frequentemente h razes

    que podem ser apresentadas para explicar nossos atos, as quais variam quanto lgica e ao apelo

    de que se revestem, mas, sempre so razes. Podem incluir os objetivos almejados. Por exemplo,

  • a compra de um po seria uma boa razo para eu ir padaria. As razes poderiam incluir os gostos

    e averses da pessoa. Por exemplo, eu compro uma taa de sorvete de creme russo, porque gosto

    de creme russo. O fato de eu gostar de determinado tipo de sorvete no foi a causa de eu t-lo

    comprado, embora fosse um fator que influenciou minha deciso no apenas de comprar sorvete,

    mas aquele sabor particular, tambm. As pessoas livres podem aceitar razes lgicas e

    racionalmente persuasivas, ou podem rejeitar as razes mais bvias, para aceitar outras. Seja qual

    for o caso, a ao ou deciso pode ser explicada. No arbitrria pela simples razo de ser tomada

    livremente.

    H dois tipos de evidncias que sustentam o livre-arbtrio humano. Por um lado h a evidncia

    universal, introspectiva. Sentimos que podemos tomar decises. Eu poderia ter escolhido ir ao

    clube, hoje, ao invs de trabalhar neste artigo; poderia ter pedido sopa de tomate, ao invs de

    macarro, na lanchonete. Entretanto, uma tomada de deciso s faz sentido se pudermos,

    significativamente, escolher entre duas ou mais opes, se pudermos agir de maneiras diferentes.

    O outro tipo de evidncia mais filosfico. As pessoas so essencialmente capazes de

    desempenhar atos que so certos ou errados (so chamados atos moralmente significativos), e

    tais pessoas so responsveis moralmente por seus atos. Contudo, para que as pessoas possam

    ser responsabilizadas moralmente por suas aes, precisam ser capazes de agir livremente,

    tomando decises diferentes. Para que determinada pessoa seja responsabilizada por um roubo,

    preciso que tal pessoa tenha tido a possibilidade de no roubar, sob aquelas circunstncias.

    Generalizando: se ser livre significa que poderamos ter agido de maneira diferente daquela como

    agimos, as pessoas precisam ser livres, ento, a fim de poderem agir moralmente. diferente o

    caso da pessoa que teve de agir coagida. Nenhuma pessoa livre se um ato desempenhado por

    outra pessoa humana ou divina empurra-a para pensar, desejar ou agir de determinada

    maneira.

    Verifica-se esta abordagem do comportamento moral em outra esfera. A lei faz distino entre

    assassinar uma pessoa (o assassino poderia ter agido de maneira diferente) e matar uma pessoa

    (quando fatores relevantes, crticos, estavam alm do controle da pessoa que mata, como quando

    um motorista no pode evitar atropelar uma criana que surge correndo sua frente, saindo

    dentre carros estacionados). H tambm o caso da alegao de insanidade mental, para desculpar

    pessoas que cometem assassinato. O que se discute no se a pessoa cometeu ou no o ato.

    Discute-se se a pessoa o praticou livremente, ou se seu estado psicolgico era de tal ordem que

    no poderia ter feito outra coisa seno matar.

    As Escrituras no discutem o livre-arbtrio em si mesmo (embora discutam-no em relao a outros

    aspectos de nossa vida, como por exemplo, a lei e o pecado). Contudo, elas esto cheias de

    exemplos de decises bem estudadas que pressupem o livre-arbtrio. Na opo de Ado e Eva

    para obedecer ou no (Gn. 3); na apresentao que Moiss fez de opo semelhante para Israel

    (por exemplo, x. 32 e 33); no famoso discurso final de Josu, concernente ao servio (Jos. 24); na

    apresentao que Jesus fez do caminho largo e do caminho estreito (Mat. 7:13,14), h apelos para

    uma deciso bem ponderada. Alm disso, como crentes, ns estamos sob certas obrigaes

  • morais, sendo a maior delas amar a Deus acima de tudo, e ao nosso prximo como a ns mesmos.

    Entretanto, as ordens no sentido de agirmos adequadamente, e as sanes impostas conduta

    inadequada, no fazem o mnimo sentido se as pessoas no tm livre-arbtrio. Deus coloca Suas

    determinaes diante de ns; Ele nos criou livres, a fim de aceit-las ou rejeit-las.

    Fonte: Bruce Reichenbach em David Basinger e Randall Basinger, Predestinao e Livre-Arbtrio,

    pp. 130-133

    O QUE A GRAA PREVENIENTE?

    Uma doutrina arminiana crucial a graa preveniente, na qual os calvinistas tambm acreditam,

    mas os arminianos a interpretam diferentemente. A graa preveniente simplesmente aquela

    graa de Deus que convence, chama, ilumina e capacita, e que precede a converso e torna o

    arrependimento e a f possveis. Os calvinistas a interpretam como irresistvel e eficaz; a pessoa

    em quem ela opera ir crer e arrepender-se para salvao. Os arminianos a interpretam como

    resistvel; as pessoas so sempre capazes de resistir graa de Deus, como a Escritura chama a

    ateno (At 7.51). Mas sem a graa preveniente, elas inevitavelmente e inexoravelmente resistiro

    vontade de Deus por causa de sua escravido ao pecado.

    Quando falamos de graa preveniente estamos pensando na que precede, que prepara a alma

    para a sua entrada no estado inicial da salvao. a graa preparatria do Esprito Santo exercida

    para o homem enfraquecido pelo pecado. Pelo que se refere aos impotentes, tida como fora

    capacitadora. aquela manifestao da influncia divina que precede a vida de regenerao

    completa.

    Em um sentido, ento, os arminianos, como os calvinistas, creem que a regenerao precede a

    converso; o arrependimento e a f so somente possveis porque a velha natureza est sendo

    dominada pelo Esprito de Deus. A pessoa que recebe a total intensidade da graa preveniente

    (isto , atravs da proclamao da Palavra e a chamada interna correspondente de Deus) no mais

    est morta em delitos e pecados. Entretanto, tal pessoa no est ainda completamente

    regenerada. A ponte entre a regenerao parcial pela graa preveniente e a completa regenerao

    pelo Esprito Santo a converso, que inclui arrependimento e f. Estes se tornam possveis por

    ddiva de Deus, mas so livres respostas da parte do indivduo. O Esprito opera com o concurso

    humano e por meio dele. Nesta cooperao, contudo, d-se sempre graa divina preeminncia

    especial.

    A nfase sobre a antecedncia e preeminncia da graa forma o denominador comum entre o

    Arminianismo e o Calvinismo. o que torna o sinergismo arminiano evanglico. Os arminianos

    levam extremamente a srio a nfase neotestamentria na salvao como um dom da graa que

    no pode ser merecido (Ef 2.8). Entretanto, as teologias arminianas e calvinistas como todos os

    sinergismos e monergismos divergem sobre o papel que os humanos desempenham na salvao.

  • Como Wiley observa, a graa preveniente no interfere na liberdade da vontade. Ela no dobra a

    vontade ou torna certa a resposta da vontade. Ela somente capacita a vontade a fazer a escolha

    livre para cooperar ou resistir graa. Essa cooperao no contribui para a salvao, como se

    Deus fizesse uma parte e os humanos fizessem outra parte. Antes, a cooperao com a graa na

    teologia arminiana simplesmente no-resistncia graa. meramente decidir permitir a graa

    fazer sua obra renunciando a todas as tentativas de auto-justificao e auto-purificao e

    admitindo que somente Cristo pode salvar. Todavia, Deus no toma esta deciso pelo indivduo;

    uma deciso que os indivduos, sob a presso da graa preveniente, devem tormar por si mesmos.

    Fonte: Roger E. Olson, Arminian Theology: Myths and Realities, pp. 35-36