A Descoberta Do Brincar - A Pesquisa

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A Pesquisa

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A Pesquisa 02 – Metodologias e Processos. 04 – Conceituação – O que é brincar? 06 – Tempo – Quanto as crianças brincam? 07 – Espaço – Onde as crianças brincam? 09 – Companhia – Com quem as crianças brincam? 11 – Brincadeiras – Do que as crianças brincam? 16 – Benefícios – Por que as crianças brincam? 18 – Conclusões.

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A Pesquisa: Metodologias e Processos A pesquisa “A Descoberta do Brincar”, que faz um mapeamento das questões relativas ao tema no Brasil, foi realizada em três fases: 1ª Fase) pesquisa bibliográfica: Nesta etapa fez-se um amplo levantamento e avaliação bibliográficos sobre os conhecimentos relativos ao tema “Brincar” no Brasil. 2ª Fase) pesquisa qualitativa: Nesta fase foram entrevistados 32 pais, 64 crianças e 16 especialistas de diversas áreas que se relacionam com o desenvolvimento infantil, incluindo psicólogos, pedagogos, médicos, representantes de meios de comunicação, ONGs e governo. As entrevistas sobre o tema “Brincar” foram individuais ou em grupos de discussões e envolveram aspectos como: -percepção em relação à situação da infância no Brasil; -definições, evolução e benefícios do brincar; -o brincar, brinquedos e brincadeiras na rotina das crianças; -relação do tempo e do espaço com o brincar; -papel dos pais e da escola no brincar. 3ª Fase) pesquisa quantitativa: Nesta etapa foi realizado um mapeamento estatístico inédito sobre o brincar da criança brasileira na ótica dos pais, abordando temas como:

-dados demográficos, de classificação e mapeamento da estrutura familiar; -hábitos de lazer dos pais; -atividades, opiniões mais gerais e perguntas atitudinais; -como o tema brincar é visto; -hábitos de brincadeiras dos filhos - tipo de brincadeira, com quem brinca, onde brinca, quantidade de horas, etc; -participação dos pais neste momento do brincar; -variáveis para cruzamentos com a estrutura do brincar: peso e altura, percepção do aprendizado pelos pais, questões de desempenho social e emocional; -presença do brincar na escola.

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A pesquisa cobriu todo o território nacional, representando a população de pais com filhos de 6 a 12 anos em todas as suas principais variáveis: sexo, idade, escolaridade e classe social. As entrevistas foram distribuídas em todas as regiões do País, representando todos os estratos de porte de cidade (pequenas, médias e grandes), num total de 77 municípios. A amostra de 1014 entrevistas representa um total de 31.560.000 pais e 24.320.000 filhos. Todas as entrevistas foram pessoais e domiciliares, sendo que a seleção dos domicílios foi feita por meio de sorteio aleatório de setores censitários do IBGE. Os resultados aqui apresentados são uma compilação de todas as fases do estudo, incluindo a visão de todos os públicos pesquisados.

a descoberta do brincar

1.014 entrevistas, representando um universo de 31 milhões de pais e 24 milhões de crianças entre 6 e 12 anos;

77 cidades; 2 meses de entrevistas;

todas as regiões do Brasil.

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Resultados – O brincar da criança brasileira Os resultados serão apresentados por meio de seis dimensões que definem o universo do brincar: Conceituação – O que é brincar? Tempo – Quanto as crianças brincam? Espaço – Onde as crianças brincam? Companhia – Com quem as crianças brincam? Brincadeiras – Do que as crianças brincam? Benefícios – Por que as crianças brincam?

Conceituação – O que é brincar? Segundo os especialistas, há uma complexidade na definição do termo “brincar” e uma visão de que este não deve ser definido por um conceito restrito. Nesse sentido, as definições a seguir contribuem para o entendimento do termo “brincar”: Brincadeiras são atividades cujas regras são bastante flexíveis. Atividade lúdica, em geral, é uma atividade que envolve regras, que podem ser fixas ou não, enquanto jogo é uma brincadeira que envolve regras. Brinquedo é todo objeto, industrializado ou não, que serve como suporte para a brincadeira.

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Apesar dos vários entendimentos dos pais sobre o conceito, para eles o brincar ideal para seus filhos deve incluir o ambiente externo, a natureza, a liberdade e, sobretudo, a interação com outras crianças. “ Brincar é bagunça, brincar é ter amigos, é ficar corado de tanto correr. ” “ Minha maior satisfação é ver minha filha com as amigas brincando ao sol, correndo. A criança extravasa, volta para casa realizada. Isso é que é o verdadeiro brincar. ”

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Tempo – Quanto as crianças brincam? Segundo os especialistas, pais e as próprias crianças, o tempo para brincar está cada vez menor. Isso ocorre por diferentes razões em cada classe social. Nas classes CD, o tempo para brincar compete, particularmente para as meninas, com a necessidade de auxiliar os pais nos serviços domésticos. Meninas classe CD - “Minha mãe sempre deixa eu brincar. Mas primeiro tenho que fazer minhas obrigações – arrumo minha cama, limpo a casa e lavo a louça – depois eu faço lição, depois eu brinco. Eu brinco mais à noite, porque de manhã não dá tempo.” Nas classes A e B, as crianças estão brincando menos porque estão acumulando inúmeras atividades organizadas, restando pouco tempo livre. Meninas classe AB - “De segunda a sábado eu fico num lugar que é um clube. Eu vou à uma hora e volto às cinco e meia. Lá eu faço balé, pintura, informática.” Independentemente de classe social, diante da atual pressão do mercado de trabalho, os pais têm ansiedade em proporcionar, desde cedo, vários tipos de aprendizagem formal para seus filhos e reconhecem que as crianças brincam menos do que deveriam. - 59% dos pais concordam totalmente que o mercado de trabalho está cada vez mais competitivo e será difícil para seus filhos conseguirem um bom emprego. - 26% dos pais priorizam a preparação das crianças desde cedo para o mercado de trabalho, enquanto apenas 19% deles consideram prioridade deixar as crianças brincarem mais. - 53% dos pais concordam que as crianças brincam menos do que deveriam hoje em dia - 84% dos pais concordam que, para estarem preparadas para a vida, as crianças devem estudar mais do que brincar.

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Os especialistas alertam para os riscos dessa postura, como o estresse das crianças, a perda de atenção, a falta de motivação e a dificuldade para criar e ter autonomia sobre o uso de seu tempo. “ A criança precisa aprender a brincar sem compromisso, sem hora marcada, com liberdade...” “ Antigamente a gente falava que o principal era colocar a criança em uma boa escola. Hoje, a gente sabe que não é bem assim, porque, quando forem adultas, tudo o que elas aprenderam na escola em termos de ‘aprender’, de conhecimento, vai estar superado. O que vai servir para elas é a criatividade, é a inteligência...”

Espaço – Onde as crianças brincam? Onde/ em que lugar o(a) seu(sua) filho(a) mais brinca: - (MENÇÕES MÚLTIPLAS)

SEXO DA CRIANÇA

IDADE DA CRIANÇA CLASSE SOCIAL

Percentual (%) Total Menino Menina 6 a 8 anos

9 A 12 anos AB C DE

Quintal da casa 56 59 54 60 54 52 53 60 No quarto dele(a) 49 40 58 47 50 58 59 39 Escola 46 47 46 50 44 53 43 48 Rua 40 48 32 35 44 19 36 48 Sala 33 28 38 35 31 28 33 34 Casa de amigos/ parentes 32 29 35 30 33 22 31 35 Praça pública/ parque perto de casa 9 11 8 9 10 18 11 6 Outros espaços da casa 8 7 10 8 8 7 11 7 Área de serviço da casa 5 5 5 6 5 4 6 5 Área de lazer ou playground do prédio/ conjunto habitacional 3 5 1 4 3 15 2 1 Num cantinho de brincar (cantinho da sala por exemplo) 2 3 2 3 2 2 2 2 Clube 2 2 2 1 3 8 1 1 Cozinha 2 2 2 2 2 2 2 1 Num quarto de brincar 2 2 2 2 1 1 2 1 Outros 3 5 1 3 4 5 3 3 BASE - nº de pessoas entrevistadas 1014 504 510 427 587 122 384 508

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Na visão dos especialistas e pais, o brincar livre foi bastante prejudicado pelas transformações do espaço urbano. Houve uma concentração populacional em muitas cidades e as casas foram substituídas por condomínios verticais, cujas áreas privadas vão diminuindo em função do aumento do preço. A rua era, por excelência, um espaço de liberdade, de convívio, de trocas e de interações sociais. A pouca área verde, a diminuição das moradias e a perda dos espaços públicos, juntamente com a violência e o aumento do trânsito, têm impedido cada vez mais a realização do brincar, que acontece então em espaços mais reduzidos e com menor contato com a natureza. Uma vez que os locais de brincadeira foram desaparecendo, um dos poucos espaços remanescentes são as escolas, a maioria das quais ainda possuem pátios para as crianças brincarem e têm os professores como transmissores de cultura. Para as crianças, esse espaço é visto como o principal local para a brincadeira da maneira como gostam ou querem brincar, ressaltando o seu papel no estímulo do brincar em grupo: Meninos classe CD – “Na escola é legal porque tem espaço e muita gente para brincar. Dá para brincar de coisas que a gente não brinca em casa - pega-pega, bola.” Meninas classe CD - ”Lá eu brinco de corre cotia, amarelinha. Se a classe tem disciplina e cumpre toda a lição da semana, na sexta a gente pode brincar na sala de brinquedos.” Meninas classe AB - “Pula-corda, vivo-morto, ninguém ensina. A gente vê os outros brincando e aprende brincando na escola.” Diante desse cenário, os especialistas apontam para a necessidade de profissionalização dos educadores para o brincar: “ As escolas não formam profissionais assim. Não existe disciplina de brincar e ludoeducação, do papel do brincar. (...) Elas ensinam as fundamentações teóricas, mas não o ferramental. (...) O profissional sabe a importância do brincar, mas não sabe aplicar.”

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Companhia – Com quem as crianças brincam? Com quem o(a) seu(sua) filho(a) mais brinca: - (MENÇÕES MÚLTIPLAS)

SEXO DA CRIANÇA IDADE DA CRIANÇA CLASSE SOCIAL

Percentual (%) Total Menino Menina 6 a 8 anos

9 A 12 anos AB C DE

Com amigos do bairro/ da rua 71 73 69 68 73 62 72 72 Com amigos da escola 69 68 70 63 73 76 70 66 Com irmãos/ irmãs 56 58 53 57 55 40 49 65 Com pai/ mãe 37 37 38 44 32 49 39 33 Com primos/ primas 34 31 38 37 32 35 36 33 Sozinho 14 15 12 12 15 11 15 13 Com outros adultos da família 7 6 7 7 6 12 6 6 Com bichos de estimação 6 6 5 7 5 6 8 4 Com empregada/ babá 1 1 - 1 - 2 - - Amigos da igreja - - - - - - - - Amigos do clube - - - - - 2 - - Sobrinhos - - - - - - - - Adultos que não são da família - - - - - - - - BASE - nº de pessoas entrevistadas 1014 504 510 427 587 122 384 508

Esta dimensão da pesquisa foi focada na importância da relação pais e filhos durante o brincar e mostrou que, na grande maioria, os pais brasileiros não se mostraram dispostos a brincar com os seus filhos. - Apenas 53% dos pais brincam com os filhos diariamente. Os motivos para isso são vários, incluindo o excesso de trabalho... “Trabalho numa empresa, faço matemática à noite. No decorrer da semana mal vejo as crianças. Minha prioridade é o bem-estar delas, para poder dar o melhor para elas.”

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“Vendedor, se pára, não ganha. Sábado e domingo são os dias em que mais vendo. Acaba não sobrando tempo para curtir a família.” ...a falta de entendimento sobre a importância disso no desenvolvimento e aprendizagem infantil... “Eu acho que não tem necessidade de brincar com ele. (...) O que ele espera de mim é que eu lhe dê proteção.” ...e desconhecimento sobre como brincar em conjunto “Eu prefiro ajudar a organizar os brinquedos, assistir a um desenho com ela, mas brincar eu não sei muito, nem contar hístorias eu consigo.” - Só 14% dos pais classificam “Brincar com os filhos” como uma das atividades que lhes dão mais prazer. Para as crianças, a convivência com os pais é extremamente valiosa. Brincando junto com os pais, as crianças se sentem mais acolhidas e seguras, adquirindo a sensação de liberdade, de ampliação dos limites e da capacidade para enfrentar desafios. Elas também percebem quanto brincar com seus pais favorece uma maior intimidade e harmonia entre eles. Meninas classe AB - “Gosto de sábado e domingo porque fico com meu pai, minha mãe e minha irmã. Eu gosto porque a gente está junto.” Meninos classe CD - “É legal brincar com o meu pai porque é diferente! Sabe, quando a gente brinca, ele ri bastante, ele não pára de rir! É legal ver ele rindo.” Para os especialistas, ainda que o tempo que os pais passem com os filhos seja pequeno, é condição primordial que durante a brincadeira haja uma real dedicação às crianças. Alguns chegaram a sugerir a criação de uma “hora do lazer” para as famílias, na qual seus integrantes poderiam se permitir exclusivamente brincar. “ O ideal é que na organização familiar se tenha a hora da brincadeira. (...) Vamos desligar o celular, a TV...”

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Brincadeiras – Do que as crianças brincam? Vou ler uma lista de atividades e brincadeiras e gostaria que você me dissesse se seu(sua) filho(a) costuma brincar ... (MENÇÕES MÚLTIPLAS)

SEXO DA CRIANÇA

IDADE DA CRIANÇA CLASSE SOCIAL

Percentual (%) Total Menino Menina 6 a 8 anos

9 A 12 anos AB C DE

Assistir TV/ vídeos/ DVD em casa 97 97 98 98 97 100 98 97 Cantar/ ouvir música 81 74 88 77 84 82 77 84 Desenhar 81 75 87 85 78 75 82 81 Andar de bicicleta, patinete, skate, patins, carrinho de rolimã 79 84 74 76 81 89 77 77 Jogar bola 68 86 50 66 70 76 64 70 Brincar de pega-pega, esconde-esconde, polícia e ladrão... 65 63 68 67 64 54 65 69 Brincar em parques/ praças/ espaços públicos (escorregar, balançar, escalar) 60 63 56 64 57 71 57 59 Ler histórias (livros e gibis) 59 59 60 47 68 67 55 61 Dançar 57 40 74 57 58 57 55 59 Brincar com boneca, boneco, homenzinhos e acessórios 57 34 79 64 51 49 57 58 Brincar na terra/ areia 55 62 49 69 45 54 46 62 Brincar com animal de estimação 49 52 47 46 52 57 52 46 Contar histórias 49 44 53 53 46 49 45 52 Brincar com água: numa piscina, banheira, com esguicho 48 48 48 52 45 71 45 45 Brincar com coleções (cartas de jogadores de futebol, figurinhas auto-colantes, papéis de carta...) 46 52 40 48 45 60 43 45 Brincar de montar quebra-cabeça ou outros brinquedos de montar 46 48 43 49 43 54 46 44 Brincar com tinta 45 40 51 58 36 54 45 43 Pular corda/ amarelinha/ brincar de bambolê 44 21 67 44 44 36 41 48 Brincar de teatrinho, casinha, escolinha, lojinha 43 20 66 47 40 38 46 41

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Continuação:

SEXO DA CRIANÇA

IDADE DA CRIANÇA CLASSE SOCIAL

Percentual (%) Total Menino Menina 6 a 8 anos

9 A 12 anos AB C DE

Brincar com massinha 41 34 48 55 30 42 42 40 Jogar esportes que NÃO sejam por competição (futebol, vôlei...) 41 55 26 32 47 50 40 39 Brincar na praia, rio 40 41 40 40 41 61 42 34 Bolinha de gude 38 64 13 44 34 28 36 42 Jogar videogame conectado à TV/ jogar game boy 38 51 26 32 42 61 43 29 Brincar de faz de conta/ fantasiando-se/ maquiar-se 35 16 54 42 31 45 35 33 Jogos de tabuleiro (dama, dominó, ludo, xadrez) 34 40 28 29 37 48 35 30 Escrever histórias 31 30 33 28 34 32 28 33 Jogos com papel e caneta (tipo stop, forca, jogo da velha) 29 30 29 26 32 41 28 28 Brincar de roda 28 16 40 38 21 26 26 30 Soltar pipa 27 48 6 27 26 21 24 31 Ir ao cinema, teatro, shows 19 21 18 15 22 62 18 10 Ficar no computador – jogando videogame, navegando na Internet 16 19 14 12 20 60 16 6 Jogar iô-iô / peão 16 24 8 16 16 17 13 18 Jogar ping-pong / pebolim 10 13 6 6 12 9 7 12 Tocar um instrumento (bateria, flauta, piano) por diversão 8 12 4 6 10 20 7 6 BASE - nº de pessoas entrevistadas 1014 504 510 427 587 122 384 508

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Segundo o quadro anterior, a pesquisa apontou “assistir televisão” como primeira brincadeira mais praticada pelas crianças, com 97% de incidência. A atividade é seguida por “cantar e ouvir música”, com 81% de ocorrência, e “desenhar”, com os mesmos 81%. A primeira brincadeira que envolve atividade física (bicicleta, patinete, skate, patins, carrinho de rolimã) vem em quarta posição, com 79% de prática entre as crianças. Na visão dos pais, o tempo que as crianças passam em frente à TV impede a realização de outras atividades que seriam importantes para seu desenvolvimento, tais como a leitura, o trabalho escolar e as atividades lúdicas de relacionamento familiar e grupal. Para as crianças, a TV serve como alternativa à falta de espaço e companhia para brincar: Meninas classe AB - “Eu ligo a TV no meu quarto e fico brincando com as minhas bonecas. (...) Ah! Porque é chato ficar sozinha brincando; com a TV ligada, ela fica falando.” Meninos classe AB - ”Eu passo a tarde assim: vejo um pouco de TV, daí eu canso e vou jogar videogame. Daí eu canso, vou ver TV de novo.” Meninos classe CD - “Eu acordo e fico assistindo até a hora de ir para a escola. Depois que volto da escola eu também assisto meus desenhos. Só paro para tomar banho e fazer lição.” O ponto destacado pelos especialistas é a onipresença da TV na infância brasileira, em detrimento de atividades para o desenvolvimento de habilidades físico-motoras e de criatividade. Existe uma primeira preocupação relacionada à ausência de atividades físicas durante o brincar: “Hoje as crianças não se movem tanto. O sedentarismo é maior, a obesidade (...), o índice vem aumentando muito no Brasil.” Além disso, os entrevistados ressaltam os benefícios de um brincar mais diversificado.

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O brincar que envolve movimento permite que haja uma percepção mais apurada dos objetos que estão a nossa volta, contribuindo para a descoberta de limites, a exploração do espaço, a realização de atividades desafiadoras, o estabelecimento de relações, a elaboração de conceitos, entre tantas outras coisas.

“Hoje existe uma dificuldade de desenvolvimento motor porque as crianças carentes vivem em espaços muito confinados. (...) Subindo numa rampa, num parque, numa balança, ela desenvolve equilíbrio.”

É importante lembrar que, embora nem sempre explícita, a idéia de que pensamento e ação têm uma relação intrínseca é fundamental para o desenvolvimento humano. Ao se movimentar a criança interioriza as imagens de seu entorno, formando as representações mentais, organizando o pensamento, construindo o conhecimento. Ela aprende também a lidar com situações novas e inesperadas, agir autonomamente e consegue conhecer e compreender o mundo exterior. O movimento é, sobretudo para a criança pequena, uma forma de expressão. Isso mostra a relação existente entre ação, pensamento e linguagem. Movimentar-se, além de mexer partes do corpo ou se deslocar no espaço, é uma forma de expressão capaz de mostrar como a dimensão corporal se integra ao desenvolvimento mental do ser humano. No decorrer da entrevista, as pessoas deixaram clara a relação entre a brincadeira e a criatividade. Na realidade, brincar é uma diversão imaginada e isso remete ao processo de criação. Durante o brincar a criança vai além da imitação, porque ela a transforma simbolizando. Há, portanto, uma alteração na qual a criança coloca algo de si e, assim, cria. “É a partir do desenvolvimento imaginário que você vai criar a escrita depois. Quando você fala uma letra, por exemplo, ela é um código, mas para desenvolver esse código você precisou criar coisas que não existem. É difícil você aprender a ler quando você não tem imaginação.” Com o tempo, o pensamento intuitivo, considerado também espontâneo, dá origem ao pensamento analítico, envolvendo relações, ordenações, configurações e significações, atividades que também ocorrem durante as brincadeiras. É no faz-de-conta, por exemplo, que tais relações ficam mais explícitas, porque brincando a criança cria e experimenta um mundo imaginário onde ela parece estar, processa o que vê, atribuindo um sentido ao que sente, sonhando e projetando o futuro.

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“O jogo simbólico é imprescindível... é onde entram as bonecas, as fantasias: você é um adulto, você é um motorista... É onde a criança vivencia papéis (...), onde ela ganha uma estrutura de formação de sua própria identidade. Ela vai perceber quem ela é, ela pode vivenciar outros papéis, e vai processando as coisas da vida de forma simbólica. (...) E isso eu acho importantíssimo para a vida emocional dela no futuro.” Os profissionais mostraram que, mais do que um direito da criança, o brincar é essencial para sua vida. Sob essa perspectiva, a atividade traz inúmeros benefícios, porque solicita a inteligência, possibilita uma maior e melhor compreensão do mundo, favorece a simulação de situações, antecipa soluções de problemas, sensibiliza, alivia tensões, estimula o imaginário e, conseqüentemente, a criatividade. Permite, também, o desenvolvimento do autoconhecimento, elevando a auto-estima, propiciando o desenvolvimento físico-motor, bem como do raciocínio e da inteligência, sensibilizando, socializando e ensinando a respeitar as regras. Enfim, o brincar diverte, traz alegria e faz sonhar.

“(...) Eu acho que essa criança que teve mais facilidade de brincar, se movimentar e desenvolver sua fantasia tem uma possibilidade muito maior de ser um adulto criativo. (...) Na vida, no trabalho, nas decisões que vai tomar; ele não vai achar que só aquela decisão é a certa, ele vai ter uma base para pensar em várias opções. A criança percebe, no brincar, que ela é capaz de fazer isso. (...) São aprendizados para a vida.”

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Benefícios – Por que as crianças brincam? Nas entrevistas com os pais foi revelado que, apesar de terem clareza sob a importância do brincar, eles não conseguiam relacioná-lo amplamente ao desenvolvimento infantil. “Desenvolve para o coletivo, eles aprendem a se relacionar, se entrosar com os outros. Aprendem a perder, a ganhar de uma forma natural: brincando!” “Ah! Brincar é bom para tanta coisa! Ajuda a sonhar, a ter fantasias. As crianças ficam com mais criatividade.” - Apenas 16% dos pais vêem o desenvolvimento do lado emocional como principal benefício que o brincar traz para as crianças e 17% dos pais vêem como principal benefício o desenvolvimento de habilidades físicas. Já os especialistas enfatizam as razões da necessidade do brincar: “Durante muito tempo brincar foi considerado uma mera atividade lúdica, associada essencialmente ao lazer. Com o conhecimento mais intenso que se teve do ser humano, do desenvolvimento do cérebro, descobriu-se que o brincar é uma forma de aprender.”

“Um cérebro infantil precisa ser desafiado, ele precisa ser estimulado - obviamente dentro de limites e nunca transbordando para o excesso. Mas, na medida que ele é mais estimulado, ele apresenta condições de desenvolvimento muito superior.(...)A brincadeira desenvolve toda potencialidade corporal e cerebral. A brincadeira é muito desafiante.(...) Por isso, o brincar não pode mais ser visto como uma prenda, como aquele minuto com o qual se preenche o tédio, mas sim como uma atividade absolutamente essencial para o desenvolvimento do ser humano em toda a plenitude.”

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“Nos jogos a criança aprende a respeitar o outro, usar a potencialidade do outro, cooperar, trabalhar junto, se expressar por meio do corpo.(...) Você trabalha questões de respeito, compaixão, como e quando se impor, como superar dificuldades. (...)É no convívio com as outras crianças que as questões emocionais vão nascendo.” Logo, o brincar deve incitar e favorecer o movimento, a cognição, aprendizagem das regras e a criação. A oferta de estímulos adequados pode auxiliar nesse processo, mostrando para a criança que o mundo não está pronto e que pode ser alterado. Em linha com os especialistas, as crianças, de maneira intuitiva, declaram com suas palavras os benefícios do brincar.

“É bom para a saúde, faz ficar forte e maior.” “Faz bem porque a gente se mexe e não fica parado.” “Faz bem para os ossos, a gente cresce e fica feliz.” “A professora disse que quando a gente brinca fica mais inteligente.” “Quando eu brinco eu fico feliz, feliz.”

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Conclusões O estudo “A Descoberta do Brincar”, além de apresentar um mapeamento inédito do brincar da criança no Brasil, mostra a necessidade de se aumentar o conhecimento coletivo sobre os benefícios do brincar para o desenvolvimento infantil. Essa atividade, que tem o poder de lançar bases para a criatividade, o espírito de coletividade, a autonomia, a auto-estima, a psicomotricidade e o repertório de saberes das crianças - o brincar -, vem sofrendo grande pressão para a diminuição de sua existência durante a infância. A publicação deste material se destina a promover uma ampla discussão sobre o tema, sensibilizando, entre outros formadores de opinião, pais e educadores para que o brincar ganhe relevância na vida das crianças. Dessa forma, espera-se que elas sejam beneficiadas em seu desenvolvimento, formando uma geração de pessoas mais criativas, empáticas, independentes, sociáveis e com o poder de constituir uma sociedade mais feliz.

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Os apontamentos da pesquisa são muitos e não há respostas imediatas, mas contribuições científicas e factuais importantes para a análise do brincar no Brasil. Nesse sentido, algumas primeiras conclusões emergem como reflexo da pesquisa: 1. As crianças precisam de mais tempo para brincar. Os especialistas são unânimes em afirmar que o tempo da brincadeira livre e real está cada vez menor e esta pesquisa assim o comprova. O tempo livre da brincadeira é essencial para a formação de pessoas com o poder de criar. 2. O brincar está cada vez mais restrito ao espaço escolar. Este fato denota a importância da formação de profissionais qualificados para melhor implementar o brincar neste tipo de espaço e com atualização sobre o tema. 3. As crianças brincam muito melhor ao lado dos pais. A simples presença dos pais é definitiva na segurança e na autoconfiança das crianças em suas descobertas durante as brincadeiras. Não se trata apenas de incentivo, mas de motivação real e essencial. 4. O brincar precisa ser heterogêneo e múltiplo. Há claramente uma necessidade de diversidade na atividade do brincar para o pleno desenvolvimento físico-motor e psicológico das crianças.