Post on 01-Feb-2016
Capítulo “Sei lá o caraças…”
Maputo, República de Moçambique. Avenida Marginal, 13 de Março de 2014 05:56
Rodrigo estremeceu. Aquele telemóvel não era suposto tocar tão cedo. Alguma coisa tinha
corrido mal. Após confirmar que não tinha ninguém na estrada, em sentido contrário, guinou de repente
para o pequeno miradouro imediatamente antes do Clube Náutico de Maputo. Virou para a
direita e imobilizou o carro mesmo no meio do largo, fazendo levantar uma nuvem de pó que
envolveu as mesas contíguas como um manto. Largou o volante e continuou a olhar para o
visor, que continuava piscar no suporte, um pouco acima da consola central do carro. Ao fim
de 30 segundos a luz do aparelho apagou-se. Rodrigo expirou lentamente sem nunca tirar os
olhos do aparelho.
Um baque, seguido de vidros a catapultarem-se violentamente em todas as direcções foi a
última coisa que ouviu antes de cair, inerte, em cima do volante, e depois para o lado. Uma bala tinha-lhe acertado na parte traseira da nuca, atravessou-lhe o crâneo e saiu pelo
vidro da frente, espalhando uma massa disforme de sangue, cabelo, pele e cérebro por todo o
compartimento. Silêncio absoluto.
Os primeiros raios de sol despontavam agora na pérola do índico. Alguns veículos passavam na estrada, a 50 metros do local onde o agora defunto tinha
imobilizado do seu carro. No sentido Avenida 25 de Setembro - Costa do sol um velho Toyota Corolla desgastado pelo
tempo e por alguns acidentes, abrandou ao passar em frente ao Clube Naval. - Para aí! - exclamou o pendura quase que saltando do carro em movimento. O condutor mal teve tempo de imobilizar o veículo já o homem estava a entrar novamente a
correr Tinha apontado o seu telemóvel para um velho Mercedes Benz estacionado no meio do parque
e com alguns vidros partidos, e tirado algumas fotografias. Uma de trás, outra de lado e uma
última, já a correr, para dentro do veículo. - Segue! - ordenou, batendo na porta duas vezes. Os pneus chiaram várias vezes. O Corolla fez inversão de marcha e voltou para onde veio, a
toda a velocidade. No banco detrás alguém perguntou: - Posso levantar-me? Já me doi o corpo todo. O condutor olhou pelo retrovisor e chegou até a levantar-se um pouco, mas não conseguiu
vislumbrar nada. O pendura deu-lhe uma chapada no braço que o fez dobrar para a esquerda
de dor. - Para que foi isso? - reclamou - Pago-te para conduzir. Só. - Disse com um tom de voz ameaçador. - Sabes que o último
curioso que trabalhou para mim mora agora no Languene ? 1
O condutor, um homem de compleição física média anuiu. Concentrou-se na condução e nada
mais disse. - Deixe-se estar! - informou Jeremias, o pendura. Era um homem possante. Um pouco forte e
certamente com mais de um metro e noventa. Os bícepes desafiavam constantemente as
bainhas da velha t-shirt que tinha vestida. Usava óculos ray-ban espelhados, o que metia
muita confusão a Gerson, o condutor, pois nunca sabia para onde ele estaria a olhar. Depois de entrarem na 25 de Setembro outra vez seguiram em frente até ao cruzamento com
o 33. Viraram à direita e subiram a Avenida Vladimir Lenine e desapareceram algures no
Malhangalene. Nem repararam que atrás deles, a menos e cem metros, 2 motas faziam igual percurso. Do banco de trás, contra o apelo do pendura, um homem de cabelo rapado, muito moreno e
com uma tatuagem no pescoço levantou o tronco ao nível da janela e espreitou.
1 Um dos cemitérios da capital Moçambicana.