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UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO ROSALY MACHADO ÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA CONTÁBIL A PARTIR DA ÉTICA DISCURSIVA CURITIBA 2018

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UNIVERSIDADE POSITIVO

PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO

ROSALY MACHADO

ÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA CONTÁBIL A

PARTIR DA ÉTICA DISCURSIVA

CURITIBA

2018

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ROSALY MACHADO

ÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA CONTÁBIL A

PARTIR DA ÉTICA DISCURSIVA

Tese apresentada ao Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Positivo, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Administração. Orientador: Prof. Dr. Fábio Vizeu Ferreira

CURITIBA

2018

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da Universidade Positivo - Curitiba – PR

Elaborado pelo Bibliotecário Douglas Lenon da Silva (CRB-9/1892)

M149 Machado, Rosaly

Ética nas organizações: reflexões sobre a prática contábil a partir da ética discursiva. / Rosaly Machado. ― Curitiba : Universidade Positivo, 2018. 151 f. ; il.

Doutorado (Tese) – Universidade Positivo, Programa de Pós-graduação em Administração, 2018.

Orientador: Prof. Dr. Fábio Vizeu Ferreira.

1. Administração. 2. Contabilidade. 3. Ética do discurso. 4. Análise do discurso. I. Ferreira, Fábio Vizeu. II. Título.

CDU 657::147 (043.2)

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Ao meu amado esposo Wilson e aos meus queridos filhos

Fabrício, Franciele e Filipe, pela demonstração de amor, apoio e

paciência em minhas ausências.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, meu Criador, por ter me dado forças para concluir o Curso de Doutorado em

Administração.

Esse caminho eu não percorri sozinha. Sinto profunda gratidão pelas pessoas que, de

alguma forma, colaboraram para a realização dessa pesquisa.

Ao orientador da tese, Prof. Dr. Fábio Vizeu Ferreira, eu agradeço imensamente pelo

acolhimento, disponibilidade, incentivo e zelo que teve ao me conduzir sempre com

cordialidade, interesse e seriedade no percurso do estudo da Teoria do Agir

Comunicativo de Jürgen Habermas.

À banca do exame de qualificação do Curso de Doutorado, composta pelo Prof. Dr.

Juliano Lima Soares, pelo Prof. Dr. Luiz Panhoca, pela Profa. Dra. Mayla Cristina

Costa, Prof. Dr. Sérgio de Iudícibus, eu agradeço pelas leituras e comentários que

suscitaram sugestões valiosas.

À Coordenação do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração (PMDA) e

à todos os docentes da Universidade Positivo que ministraram as suas disciplinas no

decorrer do curso.

Aos professores Áureo Sato, Eliane Fernandes Pietrovski e Luiz Gustavo Lara, amigos

que colaboraram com sugestões importantes para esse estudo.

À Profa. Dra. Valéria Silva da Fonseca, por haver contribuído com as correções dessa

tese.

De modo especial, à minha filha Franciele Machado de Souza, pela companhia nas

viagens e pelo apoio nos momentos difíceis da trajetória acadêmica.

À amiga Meire Fava, companheira nos estudos, até no repartir dos lanches.

Às minhas amigas Claudia Cristina de Lara, Roselma Aparecida Batista e Helena

Francisco Pinto, e ao meu amigo Tiago Carvalho, que me deram apoio nessa

caminhada.

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Aos amigos de ingresso do doutorado, Turma 2014, em especial às minhas queridas

amigas Gislaine Martinelli Baniski, Larissa Mongruel, Meire Martins, Rubia Maier e

Zélia Halicki.

À minha mãe Laura e ao meu pai Clodomiro (In memoriam), minha eterna gratidão e

amor por me tornarem o que hoje eu sou.

Aos familiares, especialmente à minha irmã Rosiane, às minhas tias Ester e Rute.

Todas as palavras a serem ditas nesse momento são insuficientes para exprimir a

minha gratidão, por isso eu silencio.

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Peça a Deus que abençoe seus planos e eles darão certo.

(PROVÉRBIOS 16:3)

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RESUMO

A falta de ética é um problema do mundo contemporâneo, que tem causado danos para as organizações e para a sociedade devido as ocorrências crescentes de fraudes. Assim, mediante uma lógica econômica racional que nem sempre respeita os princípios da ética, os contadores enfrentam dilemas éticos que, muitas vezes, são de difícil resolução e comprometem a imagem da Contabilidade. Assim sendo, o objetivo geral dessa tese foi o de analisar de que forma a ética discursiva pode ser uma referência para orientar os profissionais contábeis no exercício das suas práticas. Para tanto, foram empregadas como fundamento teórico o conceito de ética derivado da Teoria do Agir Comunicativo, proposta pelo filósofo Jürgen Habermas. O estudo é de natureza exploratória, com uso do método qualitativo. Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas não estruturadas com 11 profissionais ativos ou que já exerceram atividades em órgãos regulamentadores da Contabilidade. Os dados secundários foram coletados por meio da consulta a documentos, resoluções e normas contábeis, além de matérias publicadas em jornais, revistas e portais da área. Para o tratamento dos dados foram utilizados a análise do discurso e a análise documental. Os resultados obtidos permitem afirmar que por meio da compreensão da ética discursiva habermasiana os profissionais contábeis podem contrapor ações estratégicas previamente determinadas para distorcer a verdadeira identidade da ciência contábil. Conclui-se que o agir comunicativo habermasiano, articulado por meio das pretensões dos critérios de validez, possui potencial significativo para oferecer recursos aos contadores para lidarem com os dilemas éticos do contexto organizacional e reconstruírem uma contabilidade autônoma.

Palavras-chaves: Contabilidade; Ética Discursiva; Teoria do Agir Comunicativo; Análise do Discurso.

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ABSTRACT

The lack of ethics is a problem in the modern world that has been causing several

losses to the organizations, it also affects the society itself due to the increasingly

incidence of frauds. Thus, before a rational economic logic that not always respect

ethical principles, the accountants face many ethical dilemmas, which are often hard

to handle with, and it might stain Accountancy’s image. Therefore, this doctoral thesis’

main objective was to analyze how discoursive ethics can be a reference to guide

accounting professionals in the use of their practices. For this purpose, the concept of

ethics stemming from the Theory of Communicative Action by philosopher Jürgen

Habermas, was deployed. On this study exploratory, and qualitative method are

applyed. The primary data collection was conducted by interviewing 11 working

professionals, or those who have already had experiencies with the activity of

accounting regularory agencies. Both of them were done in a non-structured way. The

secondary data was collected via consultation in accounting documentary framework,

resolutions and regulations. Besides articles published in newspapers, journals and

accounting portal. To examine the data, discourse and documentary analysis were

used. The results obtained allow us to affirm that through the understanding of the

Habermasian discursive ethics, accounting professionals can counteract strategic

actions which are distorting the true identity of the accounting science. We conclude

that Habermasian communicative way of acting articulated trhough the pretensions of

Validity Criteria appeared to be a great tool to increase the accountants’ resources

while dealing with ethical dilemmas which come up in the organizational context. It is

also an opportunity to build an autonomus Accountancy.

Key words: Discourse Analysis, Accountancy, Ethics, Theory of Communicative

Action

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Charge sobre Contabilidade Criativa ........................................................ 52

Figura 2 - Relações dos Atos comunicativos com o Mundo. ..................................... 60

Figura 3 - Teoria do Agir Comunicativo ..................................................................... 63

Figura 4 - Exemplo de Atos Locucionários, Ilocucionários e Perlocucionários .......... 70

Figura 5 - Ética do Discurso de Habermas ................................................................ 70

Figura 6 - Fundamento Teórico de Referência da Pesquisa ..................................... 87

Quadro 1 - Critérios, Dimensões e Mecanismos de Distorção Comunicativa ........... 69

Quadro 2 - Esquema Analítico do Estudo da Ética Discursiva na Contabilidade ......79

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LISTA DE SIGLAS

ABRASCA APIMEC BACEN CEPC CFC CPC CVM FASB FIPECAFI IASB IBRACON NBC PEPC

Associação Brasileira das Companhias Abertas Associação dos Analistas Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais Banco Central do Brasil Código de Ética Profissional do Contador Conselho Federal de Contabilidade Comitê de Pronunciamentos Contábeis Comissão de Valores Mobiliários Financial Accounting Standard Board Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras International Accounting Standards Board Instituto dos Auditores Independentes do Brasil Normas Brasileira de Contabilidade Programa de Educação Profissional Continuada

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 14

1.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DA PESQUISA ........................................... 18

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA ........................................................................... 18

1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA ..................................................................... 18

2 A EMERGÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA CONTABILIDADE

MODERNA ................................................................................................................ 21

2.1 A COMPREENSÃO HISTÓRICA DA CONTABILIDADE ................................. 21

2.2 A ORIGEM DA CONTABILIDADE................................................................... 23

2.3 A CONTABILIDADE E O ESTADO MODERNO .............................................. 28

2.4 O LUGAR DA CONTABILIDADE NAS ORGANIZAÇÕES MODERNAS ......... 33

2.5 A EVOLUÇÃO DA CONTABILIDADE NO BRASIL.......................................... 35

3 ÉTICA, MODERNIDADE E CONTABILIDADE .............................................. 41

3.1 A ÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES .................................................................... 45

3.2 A ÉTICA E A CONTABILIDADE ...................................................................... 49

3.3 CONCLUSÃO ................................................................................................. 55

4 A CONTABILIDADE ENQUANTO DISCURSO ............................................. 57

4.1 O DISCURSO PARA HABERMAS .................................................................. 59

4.2 A ÉTICA DISCURSIVA DE HABERMAS ......................................................... 64

4.3 CONCLUSÃO ................................................................................................. 76

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................... 78

5.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA DA PESQUISA ....................................... 79

5.1.1 PERGUNTAS DE PESQUISA .................................................................... 80

5.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA................................................................... 80

5.3 SUJEITOS DE PESQUISA ............................................................................. 81

5.4 COLETA DOS DADOS ................................................................................... 83

5.5 ANÁLISE DOS DADOS .................................................................................. 84

6 APRESENTAÇÃO DE ANÁLISE DE DADOS ............................................... 89

6.1 APRESENTAÇÃO DA ANÁLISE DO DISCURSO DA ÉTICA CONTÁBIL ....... 89

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 127

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 137

APÊNDICE 1 ........................................................................................................... 150

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1 INTRODUÇÃO

A história revela que a Contabilidade ocupa posição significativa no

desenvolvimento das organizações, pois a civilização é inseparável dos métodos de

cálculo econômico. Com o passar do tempo, a atividade produtiva do homem foi

aumentando. Por sua vez, a atividade mercantil também se expandiu e requereu a

necessidade de ser controlada e organizada para o mercado de trocas. A partir do

século XV, o mercantilismo foi considerado modalidade central da política econômica

dos Estados absolutistas. A comercialização de produtos entre os Continentes foi

possível por conta das empresas de navegações marítimas, sobretudo por meio da

aliança firmada entre reis e burguesia, que se fundamentava, concomitantemente, no

fortalecimento do Estado e no enriquecimento da classe burguesa (HOBSBAWM,

1996; IUDÍCIBUS; MARION, 2002; SÁ, 1998).

A legitimidade da prática contábil sempre foi constituída pelo progresso de

períodos específicos, caracterizados por diferentes demandas humanas e sociais. Por

isso, acompanha a evolução da história dos indivíduos no mundo, sendo aquela que

descortina a interpretação dos negócios para os seus usuários e a sociedade, “em

nítidos períodos, cada um servindo de base para demarcar as evoluções” (SÁ, 1998,

p. 11).

Nessa evolução, se destaca Luca Pacioli, um frei que difundiu a teoria contábil

de débito e crédito e, ao apresentar o sistema de dupla entrada (método das partidas

dobradas), posicionou a prática da Contabilidade a partir de critérios de veracidade e

inteligibilidade. Isso põe em xeque ideias frequentemente utilizadas nas práticas

contábeis dos dias atuais, como, por exemplo, as ‘oportunidades criativas’, termo que

as pessoas usam para justificar o seu próprio comportamento antiético na sociedade

contemporânea (JONES,2011).

Essa primeira reflexão serve para situar o leitor no contexto da Contabilidade,

que, desde os primeiros momentos de sistematização do método das partidas

dobradas por Pacioli até os dias atuais, vem se transformando com o desenvolvimento

do capitalismo. Nesse processo de consolidação histórica, a ocupação do contador foi

se ampliando gradualmente até se tornar a prática principal de constituição da

linguagem dos negócios. Assim, a Contabilidade foi sendo amplamente caracterizada

como um instrumento de mediação social, abrangendo sistemas funcionais de prática

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de ensino e de pesquisa, bem como definindo o incremento das operações das

organizações e das solicitudes das atividades do Estado (LEE, 1990).

Por outro lado, o mundo dos negócios está cada vez mais intricado e de difícil

compreensão devido, principalmente, às transformações mobilizadas pela

globalização, pelas políticas públicas e os variados planos econômicos, pela

diversidade tecnológica, pela ambivalência das diferentes legislações, entre outros

fatores. Todo esse cenário contribuiu para tornar a prática da Contabilidade ainda

mais complexa, marcada por uma trajetória ambígua no contexto das organizações.

Sobre esse aspecto, nota-se que os líderes das organizações, sejam eles os seus

proprietários ou os seus administradores profissionais, constituíram durante muito

tempo uma espécie de ‘cultura de confiança’ em relação à Contabilidade,

considerando-a uma prática criteriosa e baseada na racionalidade, exercida de acordo

com padrões socialmente aceitos, capazes de nortear corretamente a tomada de

decisão (CROSBIE, 2008).

Todavia, os acontecimentos recentes envolvendo as organizações e,

particularmente, a Contabilidade, revelam outra situação. Os episódios de escândalos

de fraude na prática contábil são cada vez mais frequentes, e têm demonstrado, além

da falta de veracidade nos relatórios contábeis, quebra de confiança significativa.

Acerca dos questionamentos a respeito da credibilidade das práticas contábeis, Bayou,

Reinstein e Williams (2011, p. 115) afirmam que “independentemente de a

contabilidade ser fidedigna, muitos leigos (até mesmo os muitos abastados

financeiramente) e profissionais compreendem que a contabilidade não deve iludir,

isto é, ela deve representar fielmente alguma realidade econômica”. Ou seja, apesar

da descrença generalizada, ainda resta certa esperança com referência à ética

contábil.

Todos esses fatos conduzem à observação de que mesmo sendo a informação

contábil o substrato do discurso que anuncia o comportamento financeiro das

organizações, ela está diretamente relacionada com a ética nos negócios. Porém,

autores como Bryer (2005), Crosbie (2008) e Puxty et al. (1987), entre outros,

destacam que a natureza utilitarista da economia capitalista, legitimada historicamente

pela força do Estado, foi substancialmente empobrecida pelo distanciamento entre os

negócios e a ética. Com esse mesmo ponto de vista, Bayou, Reinstein e Williams

(2011) alegam que a ideologia moderna, centrada na priorização do lucro e do

interesse econômico privado, atingiu também o pensamento contábil, induzindo-o a

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se tornar forte legitimador do padrão de decisão utilitarista e transformando-o em um

discurso cada vez mais incoerente.

Pensar nas questões éticas contemporâneas somente é possível sob uma

perspectiva histórica, na qual se sobressai a emergência e a consolidação do sistema

capitalista. Nesse sentido, verifica-se que a orientação econômica capitalista do

mundo contemporâneo gerou problemas sociais, que se manifestam nos dilemas

éticos. É nesse contexto que cada vez mais tem sido divulgada a falta de ética nos

negócios na mídia, que revela o número crescente de organizações e de profissionais

especializados que atuam de forma perniciosa, sofrendo uma série de penalidades

legais e econômicas. Em certa medida, essa ausência de ética pode ser explicada

pelas pressões da concorrência na gestão, para muitos estudiosos uma das

impulsionadoras principais do desvio da ética nos negócios (BRYER, 2005; JONES,

2011; LAUGHLIN, 1996, 2007; POWER; VASQUEZ, 2007).

Mesmo com tantas contradições, as práticas da Contabilidade não deixaram de

ser importantes para a sociedade. Por conta disso, os pesquisadores da área

precisam retomar o seu foco na ética. Na realidade, a ética contábil enfrenta o desafio

de constituir-se a partir da tensão entre o interesse econômico dos negócios

capitalistas e os problemas sociais que emergiram na modernidade a partir do

capitalismo. Sobre essa tensão, Chua (1986, p. 610) adverte que “sociedades podem

ser capitalistas, socialistas ou ambas, e mercados podem ser monopolísticos ou

firmas exploratórias. No entanto a contabilidade segue a economia, ou seja, toma uma

posição neutra ao não julgar os termos como definitivos”.

A Contabilidade vem sendo solicitada para elaborar o discurso do mundo dos

negócios, com o intuito de certificar que os relatórios que emanam da organização

são como uma carta de referência para qualquer tipo de usuário tomar decisões.

Nesse sentido, Mellemvik, Monsen e Olson, (1988, p. 104) afirmam que a

”contabilidade é uma linguagem concebida para reduzir a incerteza com vistas à

melhorar o controle e a tomada de decisão”. Entretanto, o modelo contábil atual está

filiado à ordem capitalista, um terreno fértil para gerar oportunidades para um discurso

dúbio, ligado a um mito que tem sido responsável por induzir muitos usuários a tomar

decisões obscuras, porque consideram somente as informações contidas nos

relatórios contábeis. Basta lembrar da Enron, que na época da descoberta da fraude

era a sétima maior empresa dos Estados Unidos e uma das maiores do setor de

energia mundial. O colapso da Enron foi ocasionado por falcatruas contábeis,

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causando assombro tão grande, que muitos usuários se recusavam a acreditar que

aqueles resultados financeiros anunciados eram reais (CHABRAK; DAIDJ, 2007).

Além disso, a Contabilidade apresenta relatórios com termos que são próprios

da sua linguagem técnica, e, muitas vezes, grande parte dos usuários não consegue

interpretar o que de fato está sendo informado. Conforme Chambers (1999, p. 246)

esclarece:

como comunicações inteligíveis, balanços financeiros são uma ilusão, por mais que pareçam ser um retrato sistemático e compreensível dos fatos financeiros da empresa. O número de pessoas que têm sido enganadas por sua grande perda em relatos de companhias aparentemente verdadeiros e realistas na última década está além do constatado, deve ser uma grande multidão.

Pensando em evitar interpretações ambíguas e grande risco de perdas

causadas pela falta de inteligibilidade nas demonstrações financeiras, Sunder (2015,

p. 547) faz um questionamento: “se, e em que medida, contadores e contabilidade

devem tentar proteger os usuários de suas imperfeições decisórias, permanece uma

questão em aberto”. Para tentar ajudar o usuário da Contabilidade a compreender os

relatórios financeiros, Dias Filho (2000, p. 48) recomenda que os contadores

identifiquem:

os elementos mais significativos que merecem ser considerados no processo de comunicação da informação contábil. É certo que os usuários têm necessidades diferenciadas, reagem à informação de modo específico, mas, enquanto se movem no tempo e no espaço, possuem valores e objetivos que podem ser compartilhados. A Contabilidade precisa considerar esses referenciais na relação que

estabelece com o usuário de suas informações.

A Contabilidade exerce papel importante na gestão das organizações, ao

oferecer ao gestor o esclarecimento de informações sólidas, necessárias para a

coordenação das suas atividades. De acordo com a literatura especializada, os

enunciados dos relatórios das demonstrações contábeis têm o propósito de propiciar

aos usuários segurança de como proceder nas suas operações. Porém, sem a devida

orientação ética na conduta do profissional da contabilidade, eles podem ser

inverídicos, acarretando prejuízos para os usuários e para a sociedade (BAYOU;

REINSTEIN; WILLIAMS, 2011).

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1.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DA PESQUISA

Conforme foi colocado, a Contabilidade é a ciência que tem a missão de

enunciar as evidências dos fenômenos patrimoniais das organizações (SÁ, 1998).

Mediante uma economia que não respeita os princípios éticos, os contadores que

operam no mundo dos negócios enfrentam muitos dilemas éticos, por vezes de difícil

resolução, comprometendo a imagem da Contabilidade na sociedade. Assim, o

problema de pesquisa que orientou a realização do presente estudo foi o que segue.

Como a noção da ética discursiva pode orientar os profissionais contábeis no

exercício das suas práticas?

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

O objetivo geral dessa investigação é avaliar de que forma a ética discursiva

pode ser uma referência para orientar os profissionais contábeis no exercício das suas

práticas.

Os objetivos específicos são:

Descrever o impacto da orientação utilitarista dos negócios nas práticas da

Contabilidade.

Analisar a natureza do discurso da Contabilidade.

Compreender as práticas da Contabilidade no mundo dos negócios por

meio da teoria da ética discursiva.

1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA

O interesse em realizar essa investigação surgiu com o conhecimento das

ideias, argumentos e sugestões apresentados nos trabalhos de diversos autores das

áreas de Contabilidade e de ética nos negócios, entre os quais se destacam Laughlin

(1987, 2012), Arrington e Puxty (1991), Iudícibus, Martins e Carvalho (2005), Bayou,

Reinstein e Williams (2011), Carnegie e Napier (2012), Vizeu (2015) e Vizeu, Macadar

e Graeml (2016). Tais autores compartilham a preocupação com a ética nas

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organizações e, em particular, em relação à Contabilidade, bem como de que forma

as pesquisas acadêmicas podem orientar a renovação da prática contábil,

conectando-se decididamente a sociedade nas questões mais prementes na

contemporaneidade.

A pesquisa foi conduzida com base na Teoria do Agir Comunicativo e do

conceito derivado da ética discursiva de Habermas (1987, 1989a; 1989b, 1991, 1992,

2002, 2012a, 2012b, 2014), como será explicitado no próximo capítulo. O uso dessas

teorias nos estudos de Contabilidade ainda é bastante incipiente, havendo grande

caminho a percorrer. Nesse sentido, o autor que estimulou o surgimento de novas

ideias para essa pesquisa foi Laughlin (1987, 2012). Nos seus trabalhos ele aborda

como a teoria de Habermas pode promover uma crítica das práticas da Contabilidade,

dando ênfase aos fenômenos sociais e técnicos que abrangem os sistemas contábeis,

mas também possibilitando a sua compreensão e mudança por meio do paradigma

da linguagem.

Laughlin (1987) acredita, ainda, que tais teorias permitem avaliar, em algum

sentido, a validade das ideias expressas pela comunicação contábil. Do mesmo modo,

Iudícibus et al. (2011) mencionam que elas pressupõem um sistema de eticidade

interessante para a Contabilidade, pois são capazes de orientar uma diversidade de

usuários e de outros envolvidos, criando um compromisso ético sem nenhuma forma

de manipulação ou constrangimento.

O próximo capítulo apresenta, inicialmente, uma reconstrução da história da

Contabilidade, que ajuda a entender a origem e a natureza das mudanças

institucionais ocorridas na área ao longo do tempo, tornando mais claro o seu impacto

no funcionamento organizacional e, por conseguinte, nos dilemas éticos enfrentados

pelos profissionais e pelas organizações. Normalmente, os dilemas éticos surgem

quando as organizações buscam alternativas para sobreviver às pressões da

concorrência. Martins e Carvalho (2005) advertem que, nos dias de hoje, a sociedade

e as organizações nela inseridas não podem renunciar à postura do comportamento

ético nos negócios. Isso é um alerta sobretudo para os contadores, que preparam as

informações financeiras com base nas quais os negócios são desenvolvidos, podendo

afetar positiva ou negativamente o contexto social. Nesse ponto, os autores advertem

que a Contabilidade deve ser pensada para que o usuário não somente avalie o

passado, mas para que todos possam considerar as perspectivas futuras da

organização. Logo, a postura ética do contador deve ser incontestável.

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Quanto a perspectiva discursiva, Laughlin (1987) menciona a sua possibilidade

de contribuição para que os estudiosos da área assumam uma intenção mais proativa

na pesquisa contábil, de modo a reverter o seu isolamento em relação à abordagem

crítica nas ciências sociais, necessária para a reflexão sobre os aspectos técnicos e

as implicações culturais subjacentes aos sistemas contábeis. Arrington e Puxty (1991)

alegam que, para que isso seja efetivado, a Contabilidade deve estar mais

preocupada com os seus processos de compreensão intersubjetiva, emergentes

quando ela é vista como um discurso, e não somente com a fundamentação da sua

racionalidade para o aprimoramento técnico de atividades constituídas para atender

interesses econômicos privados.

Ainda sobre esse ponto, Laughlin (2012) ressalta a necessidade da

Contabilidade se libertar de afirmações conceituais duvidosas e de relatórios

problemáticos, seja na perspectiva da linguagem técnica e da manipulação intencional

da ambiguidade na legislação, seja pelos problemas éticos associados à área e à

prática de negócios. Para o autor a Contabilidade não apenas segue uma prescrição,

como é uma voz pública que anuncia as transações econômicas e financeiras no

mundo dos negócios. Nesse sentido, ele sugere que o uso da teoria discursiva de

Habermas é adequado para as pesquisas na área, na medida que oferece um

referencial analítico e crítico para se testar os relatórios e outras comunicações

contábeis. No presente trabalho se busca referências na teoria discursiva de

Habermas (2012) para orientar os profissionais contábeis no exercício das suas

práticas.

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2 A EMERGÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA CONTABILIDADE MODERNA

Neste capítulo é apresentado o referencial teórico-empírico que fundamenta o

entendimento do processo histórico de emergência da Contabilidade moderna. Lee

(2013) afirma que a Contabilidade moderna deve ter uma teoria coerente e consistente.

Ademais, o autor a divide em dois momentos: o primeiro foi o aparecimento do método

das partidas dobradas; o segundo sinaliza a necessidade urgente dos contadores e

de suas associações profissionais de se comprometerem de maneira total e

inequívoca, de buscarem um corpo de conhecimento contábil em áreas

correlacionadas com a sua prática para melhorar a qualidade de relatórios indefinidos

e ambivalentes, que muitas vezes são considerados verídicos e justos.

A Contabilidade consiste em uma forma de linguagem, tanto no âmbito das

organizações públicas e privadas como em nível social. Um dos desafios da trajetória

da ciência contábil deriva dos negócios da sociedade moderna, cuja estrutura político-

econômica provém da corrente do pensamento liberal, conforme assinala Hobsbawm

(1997, p. 71) “se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente pela

gerência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas

fundamentalmente pela revolução francesa”. Mediante esse recorte histórico, cabe

lembrar que as relações complexas entre presente e passado e as mudanças e

transformações contínuas no contexto social delas decorrentes, promoveram a

Contabilidade para assumir novos significados e influências em diversas formas de

atuação para a consolidação das organizações, especialmente aquelas de finalidade

econômica.

2.1 A COMPREENSÃO HISTÓRICA DA CONTABILIDADE

As leituras históricas do passado das sociedades civis, enquanto participantes

do contexto social, cultural, econômico e político, se uniram à história humana de

maneira definitiva, levando a considerar as respostas complexas que o homem já

descobriu e que não pode esquecer (LE GOFF, 1995; VIZEU, 2010a). Pela lente da

história se pode entender a importância do conhecimento do passado e do presente,

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prefigurando o futuro. Isto se aplica à Contabilidade e aos outros campos do esforço

humano (CARNIGIE; NAPIER, 2012).

Desde os primórdios da civilização, a história sempre foi contada por diversos

períodos transitórios. Trata-se de “tempo que é diferente do tempo natural, tempo que

conecta o passado, presente e futuro em uma relação de constante mutação” (MATITZ;

VIZEU, 2012, p. 170). Portanto, tentar entender o passado, é perceber que em

qualquer tempo pode ser reconstruído um novo entendimento. As aberturas da

abordagem histórica de determinado contexto social podem ser caracterizadas como

esforço temporal, enquanto incidem na compreensão de que as organizações

modernas se relacionam com outros mecanismos modernos de articulação social, tais

como o Estado e a sociedade civil (MATITZ; VIZEU, 2012).

Todos os movimentos que fazem parte da história de um povo ao longo do

tempo, são registrados cronologicamente. O mercantilismo é um desses movimentos,

que surgiu para preconizar o desenvolvimento econômico e para fortalecer a primeira

racionalização de poder do Estado (FOUCAULT, 1979).

Entre os séculos XV e XVIII, países da Europa viabilizaram a administração da

vida econômica e social por meio de estruturas de ordem estatais, adotando práticas

de um conjunto de escritos relacionados ao desenvolvimento do comércio e à uma

série de projetos, ideias e atitudes políticas. Esse período foi sinalizado por Marx como

o começo do capitalismo, um sistema econômico e político baseado na mentalidade

de mercado, que maximiza o lucro (BRYER, 2005; MILLER, 1990).

O desempenho da Contabilidade foi decisivo para a inserção de tecnologias

calculistas na elaboração dos processos de legislação e nos regulamentos

governamentais de natureza econômica e social. Durante todo o período moderno, a

Contabilidade foi sendo progressivamente institucionalizada, e se tornou um método

importante para auxiliar as atividades do governo burguês emergente (LEE, 1990).

Um bom exemplo de como esse processo ocorreu é a consolidação dos

Estados absolutistas, como foi o caso do reinado de Luís XIV, na França. Durante as

suas duas primeiras décadas, os programas governamentais de registo e de

autenticação das atividades financeiras das empresas privadas, a reforma das

finanças estatais e os relatórios estatísticos do reino precisaram da operacionalidade

da Contabilidade para tornar os seus projetos funcionais. Para tanto, foi escolhido

Jean Baptiste Colbert, defensor do mercantilismo. Ele tinha experiência como

superintendente de comércio e controlador de finanças para auxiliar o governo na

Page 23: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

23

função pragmática de escrita dos registros dos livros de contas, e para instruir os

comerciantes a como organizarem as suas atividades mercantis. Por conseguinte, foi

aumentando cada vez mais a necessidade de coordenar o crescimento da economia

das organizações, mobilizadas pela atribuição da escrita dos registros contábeis,

difundidos em diversos níveis da sociedade (IUDÍCIBUS; MARION, 2002; MILLER,

1990; MILLER; POWER, 2013).

A Contabilidade sempre se destacou a partir de situações concretas, como os

registros de situações de documentações numéricas das atividades da nação. Mas

outros fatores a levaram a ocupar-se com as necessidades da gestão organizacional,

entre eles o pagamento de salários devido às atividades de produção, o cálculo de

tributos e a incidência de despesas gerais de custos em consequência da introdução

das tecnologias de industrialização. A mentalidade capitalista gerou grandes

revoluções técnicas na produção e nas relações sociais (BRYER, 2005; LEE, 1990;

MORGAN, 1988). Portanto, a história da Contabilidade sempre foi acompanhada por

intervenções advindas da indústria, do comércio, da sociedade e do Estado. A

interferência desses agentes na vida econômica e social da nação estimulou o

emprego das práticas contábeis como apoio suscetível às mudanças de gestão nas

organizações e na sociedade.

Porém, a história da Contabilidade também pode ser considerada sob uma

perspectiva filosófica. Martins (2012) ressalta ainda mais a importância da

Contabilidade inter-relacionada com outras doutrinas concentradas nas teorias sociais.

A incorporação de outros pontos de vistas como alternativas à corrente dominante

certamente contribuirá para sanar as patologias identificadas com as mudanças de

paradigmas no mundo dos negócios.

2.2 A ORIGEM DA CONTABILIDADE

A história do nascimento da Contabilidade é análoga à do Estado, isto é, ambos

emergiram pelas necessidades vinculadas a trajetória do desenvolvimento social,

político, econômico e cultural das sociedades (CARNEGIE; NAPIER, 2012). O

conhecimento e a interpretação dos eventos econômicos registrados pela

Contabilidade representam uma das fontes mais importantes da história das

organizações.

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24

Como um fenômeno social a Contabilidade nasce com a pré-história, onde o

homem primitivo teve a necessidade de se comunicar para obter informações a

respeito do registro do aumento ou da diminuição de suas riquezas (MARION, 2002).

De acordo com Lee (1990), os seus primeiros registros históricos revelam que cinco

mil anos antes de surgir a contabilização de dupla entrada na obra produzida pelo

italiano Luca Pacioli, os antigos sumérios faziam peças de argila para representar o

controle tangível das suas mercadorias.

Na civilização suméria esferas ocas eram consideradas ‘fichas’, que indicavam

uma conta pessoal que, por sua vez, constituía a parte dos ativos totais investidos ou

emprestados a um devedor particular, além de um mecanismo de inventário que

revelava detalhes do patrimônio. Para os sumérios os símbolos representavam uma

única peça de uma mercadoria específica. A quantidade de vários outros tipos de

produtos poderia ser facilmente rastreada por fichas de argila com formato de cilindros,

cones, entre outros, representando um sistema simbólico para os ativos tangíveis

daquela época (LEE, 1990; MATTESSICH, 1989).

De fato, as fichas de argila foram precursoras da Contabilidade moderna de

dupla entrada. Além disso, elas representam o impulso principal para a escrita feita

com auxílio de objetos, bem como para a contagem abstrata. Porém, com o avanço

da escrita, os sumérios passaram a adotar o uso do papiro (ALEXANDER, 2002).

Com as mesmas necessidades que tiveram os sumérios, todos os povos foram

constituídos por forças sociais, políticas e econômicas, que os levaram a desenvolver

a prática contábil. Segundo Carqueja (2002), cada país apresenta uma mistura sem

igual de inúmeras variáveis, as quais influenciaram o padrão de desenvolvimento da

Contabilidade. Carmona (2004) ressalta que a sua historiografia difere entre os países.

Entre eles, são apresentadas a seguir algumas considerações sobre a China, a Grécia,

o Egito, a Itália e o Estados Unidos.

A Contabilidade da antiga China se destacou por contribuir para as atividades

dos programas de governo. Naquela época o papiro - tipo de folha antecessora ao

papel - facilitou o detalhamento da escrita dos bens patrimoniais. Entretanto, com o

avanço da economia dos povos chineses, as práticas contábeis que foram criadas na

época para desenvolvê-la, se tornaram obsoletas. Desde então, elas foram

atualizadas para atender as necessidades dos seus usuários, principalmente nos

relatórios de governança corporativa sobre o informativo gerenciamento de resultados,

nas auditorias do governo, nas transações empresariais de fusões reversas e na

Page 25: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

25

medição da rentabilidade e da posição financeira dos mercados chineses. Atualmente,

a China está em processo de transição devido as exigências do contexto contábil

moderno, no qual a regulamentação das Normas Internacionais de Contabilidade (IAS)

está sendo considerada a partir da reinterpretação, adaptação e ajustes que

interagem com as características da sua contabilidade (ALEXANDER, 2002;

EZZAMEL; XIAO, 2015).

Na Grécia antiga, os primeiros controles contábeis usados eram semelhantes

aos dos povos sumérios. Porém, pela invenção do dinheiro, acerca de 600 anos D.C.,

a Grécia foi um dos primeiros lugares a produzir moedas, possibilitando o surgimento

de serviços bancários bem mais evoluídos do que os das sociedades anteriores. Na

década de 1990, o país se posicionou como globalizado, apresentando um cenário de

discurso político-econômico neoliberal, buscando a liberdade de comércio a fim de

garantir o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Dessa forma, a Grécia

começou a utilizar as práticas de auditoria contábil com os auditores gregos

estabelecendo a dinâmica da profissão, o que resultou em uma nova era na sua

contabilidade (ALEXANDER, 2002; CARQUEJA, 2002).

Por sua vez, no Egito, uma das maiores economias do Oriente Médio, a história

das práticas contábeis começou exclusivamente nas mãos dos escribas. A civilização

egípcia tinha prazer de escrever, e alcançou um lugar social de prestígio com os

escribas, tendo em vista a necessidade do governo de organizar e de registrar a

arrecadação de impostos. Assim, eles contribuíram também para o avanço posterior

da escrita contábil (ALEXANDER, 2002).

Inicialmente, a forma de governo no Egito antigo era a teocrática. No decorrer

dos anos, a sua política do governo se deslocou rapidamente para a economia de

mercado, com o desenvolvimento do papiro e do cálamo facilitando o registro das

operações dos negócios. Nos dias atuais, as regulações contábeis egípcias são

amparadas por um comitê, que determina os seus pronunciamentos contábeis,

formado por uma instituição independente responsável pelo desenvolvimento de

normas de contabilidade; ou seja, não é composto por membros do Conselho de

Contabilidade. Em anos recentes, os regulamentos normativos que estabelecem as

práticas contábeis no Egito passaram a ser avaliados, transcorrendo por processos

transitórios de elaboração de normas de contabilidade financeiras, legitimando as

Normas Internacionais de Contabilidade (ALEXANDER, 2002; HASSAN, 2008).

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26

Entre os países da Europa, a Itália se destaca por se adaptar rapidamente ao

doutrinamento da Economia Aziendale (PIGATO; LISBOA, 1999). O italiano Luca

Pacioli deu novo significado às técnicas contábeis de dupla entrada na forma de

Tractatus de Coputis et Scripturi, um capítulo da sua obra escrita em 1494,

assegurando a demanda das informações sobre as transações comerciais. Assim, as

operações iniciais de negócios italianas decorreram da produção feudal, das

operações bancárias e de transporte, justificando a necessidade dos senhores

detentores de riquezas de controlarem os seus bens (BENNETT, 2015; JOHNSON;

KAPLAN, 1986).

Nesse período, a libertação da dominação feudal pelas grandes cidades do

norte da Itália permitiu o fluxo livre do capital no comércio internacional, desvendando

um cenário marcado por questões políticas e econômicas importantes. A

Contabilidade da época estava sujeita a pressões constantes devido ao crescimento

de um sistema de comércio cada vez mais complexo, que requeria a obtenção de

alguma forma de manutenção do controle das informações do retorno do capital. Logo,

na Itália as crescentes demandas comerciais surgiram da efervescência do

mercantilismo. Para solucionar os problemas práticos decorrentes da atividade

comercial, foi constituído o célebre Banco de Médici, caracterizando o movimento

intenso das forças econômicas e culturais das raízes do capitalismo. E as técnicas

contábeis de dupla entrada foram fundamentais para o banco prestar serviços de

medir e atribuir lucros aos comerciantes e aos outros investidores (BENNETT, 2015;

BRYER, 2000, 2005; IUDÍCIBUS, 2009; LEE, 1990).

Embora Iudícibus (2009) alegue que a Contabilidade na antiguidade evoluiu a

partir dos seus inventários sucessivos arrolados por todos os ativos, subtraídos das

dívidas, ela deriva da diferença entre o patrimônio líquido e o lucro. O sistema de

partidas dobradas já existia no ano de 1270, aproximadamente. Contudo, o uso da

contabilidade de dupla entrada somente se tornou mais difundido com o crescimento

do comércio durante o século XVII e a partir do final do século XVIII (BRYER, 2000).

Antonelli, Boyns e Cerbioni, (2009) revelam que, no século XX, a Itália ainda

era gerenciada por uma contabilidade de cultura mercantilista, componente mais

dinâmico da civilização, sendo entendida como um instrumento adequado para

resolver os problemas de regulação do crescimento. Tal resolução foi influenciada por

três fatores: a mudança na situação econômica internacional; o início do processo de

integração europeia; e a mudança da política interna, com o nascimento do partido

Page 27: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

27

socialista no governo. Ocorreu, também, a ascensão das telecomunicações, do

sistema de transporte de correios e de obras publicadas, que, entre outros fatores,

seguramente ajudou a explicar o papel cada vez maior das influências externas nas

práticas contábeis italianas. No país são usados relatórios orçamentários pelo regime

de caixa. Entretanto, há o esforço de tentar um ajustamento para cumprir os critérios

de adoção das convergências das normas contábeis da União Europeia.

Nos Estados Unidos, por volta do século XVI, os ingleses começaram a

expandir os plantios e a criação de animais, tornando o comércio agropecuarista cada

vez mais complexo por causa das suas diversas inter-relações (BRYER, 2000). Mais

adiante, no percurso do século XVIII até o início do século XIX, o país atingiu o ápice,

na medida que foram construídas ferrovias e, por sua vez, a indústria evoluiu,

principalmente nos setores de siderúrgica e têxtil. Essa evolução expressou, naquela

época, que o “pragmatismo foi uma forma de pensamento que marcou o contexto

norte-americano durante o século XX” (MACHADO-DA-SILVA; VIZEU, 2007, p. 94).

O advento das produções mecanizadas nos Estados Unidos não exigia a

criação de uma contabilidade avançada para avaliar o valor da depreciação das

máquinas. Porém, era necessário manter controle mais intenso dos custos da

produção industrial, além de calcular as horas de trabalho gastas em cada etapa da

fabricação, certificando-se que os empregados trabalhavam diligentemente (BRYER,

2000; JOHNSON; KAPLAN, 1986). Considerando esses esforços, o país foi

ampliando os negócios para se tornar a maior economia mundial.

O sistema de comércio mercantilista contribuiu também para a expansão dos

negócios norte-americanos, especialmente de técnicas e métodos progressivos do

cultivo de cereais, da pecuária, entre outros. A revolução agrícola motivou os

fazendeiros a explorarem oportunidades comerciais, e a refletirem sobre a relação

entre o capital investido e os lucros obtidos. Assim, o mercantilismo foi o principal

sistema econômico de comércio utilizado entre os séculos XVI e XVIII, colaborando

para a evolução industrial dos Estados Unidos (BRYER, 2000, 2005). Em todos os

contextos históricos das civilizações “a revolução industrial representa o evento que

marcou um novo período da história moderna, cuja atividade industrial se torna

preponderante em relação à agrária, dando condições absolutas para a expansão da

economia capitalista” (VIZEU, 2010b, p. 784). O capitalismo foi organizacional e

tecnicamente revolucionário, porque a sua propagação desencadeou pressões que

Page 28: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

28

forçaram as indústrias a aumentarem de modo intenso a produtividade do trabalho

(BRYER, 2005).

Com o passar dos anos, outros fatores contribuíram para o progresso do

cenário da revolução industrial nos Estados Unidos. Basta notar que as

movimentações das grandes corporações surgiram:

no início do século XX, [aliadas] ao formidável desenvolvimento do mercado de capitais e ao extraordinário ritmo de desenvolvimento que aquele país experimentou e ainda experimenta, [constituindo] um campo fértil para o avanço das teorias e práticas contábeis norte-

americanas (IUDÍCIBUS, 2009, p. 18).

Para Bryer (2005) a história da transição evolutiva dos Estados Unidos para o

capitalismo revela que as relações sociais de mercado dominantes e a mentalidade

calculista favoreceram a consolidação dos sistemas de informação das práticas da

ciência contábil em todo o mundo. Tal mentalidade apareceu com a adoção de novos

sistemas para padronizar a linguagem contábil dos negócios. Ultimamente, inúmeros

países, inclusive o Brasil, já adotaram o International Financial Reporting Standards

(IFRS) dos Estados Unidos, devido à necessidade de instituir uma interpretação

padronizada de eventos econômicos e o compartilhamento de uma linguagem única

entre os teóricos da área.

2.3 A CONTABILIDADE E O ESTADO MODERNO

A história da Europa Ocidental na Idade Média foi marcada por um sistema

feudal, consolidado no século X por uma economia ruralizada, na qual os senhores

feudais cediam as suas terras aos vassalos, que, por sua vez, eram considerados

seus empregados e lhes deviam fidelidade. Era uma época em que o poder terreno

do governo originava do poder divino, ou seja, os vassalos, que não tinham posse de

terra, deviam aceitar e acreditar nos conselhos governamentais, além de amar a Lei

de Deus. Porém, esse sistema de governo originou muitos problemas, entre os quais

se destacam a relação servil de produção, a tributação monárquica legitimada pelo

voto das assembleias legislativas, as guerras, a punição religiosa coerciva, as

heranças territoriais, afetando consideravelmente a situação política e contribuindo

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para a perda do domínio do regime partidário feudalista (FOUCAULT, 1979; TELLO,

2012).

Tal período cronológico se caracterizou pela oposição ao tempo antigo e pela

transposição inicial para um período contemporâneo, por uma disposição para mudar

o apego ao passado, em que o antigo se tornou sinônimo de superado e o moderno

de progressista, a grande regressão demográfica, econômica e cultural motivou a

diminuição da escravatura e a intensificação da ruralização. A queda do imperador

romano Romulo Augusto acelerou o aparecimento de mudanças de pensamento

significativas na sociedade medieval, que perduraram até meados do século XVIII.

Logo, uma nova concepção e um processo de longa duração passaram a existir, em

um panorama no qual a política, a economia, os governantes e os governados

encontram-se em momentos em que uma situação favorável é revertida na Europa

Ocidental, e, em meados do século XVIII, final da Idade Média, surge um novo modelo

de governo configurado como Estado, ou seja, uma nação soberana dentro de um

território delimitado (ALEXANDER, 2002; LE GOFF, 1995; TELLO, 2012).

Mediante essa situação, começam a emergir novas formações sociais, com o

Estado sendo considerado alternativa única de organização política e social,

representando os povos do mundo inteiro (TELLO, 2012). Para Foucault (1979) o

poder do Estado é o que mantém a sociedade hierarquicamente organizada, ou seja,

tem a faculdade de governar a família, os bens e o patrimônio. Como esclarece Faoro

(1993, p. 14):

nessas circunstâncias não é a sociedade civil a base da sociedade, mas uma ordem política em que os indivíduos ou são basicamente governantes ou governados, onde os soberanos e seu quadro administrativo controlam diretamente os recursos econômicos e militares do seu domínio que é também o seu patrimônio.

O Estado, em sua primeira fase absolutista, era considerado fonte de poder e

controle (MARTINEZ, 2006). Essas categorias manifestam um poder centralizador

soberano, em que:

normativamente teria um papel histórico a cumprir, na manifestação de condições sociais, institucionais, jurídicas e administrativas, que a priori como agente de modernização da sociedade, compreende toda a pluralidade de ordens políticas, jurídicas, categorias de tempo, pessoa, razão e natureza, assim como os regimes de produção, propriedade, herança, identidade territorialidade, e valor a serem

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reduzidos à preparação (ou entendidas como transtorno a serem superados) à formação do Estado (VIANNA, 2011, p. 206).

Nesse contexto, o inglês Thomas Hobbes, um dos renomados filósofos

clássicos da história do Estado, na célebre obra “O Leviatã” busca compreender a sua

origem, forma e matéria, além da necessidade de estabelecimento do seu poder.

Segundo Hobbes (apud ARAÚJO; COSTA; MELO, 2015), a condição natural do

homem expressa a mais perfeita igualdade. Porém, não oferece garantias de

segurança diante das constantes ameaças, nas quais ele se torna um ser insociável,

pois os sentimentos que os orienta são a discórdia, a competição, a desconfiança e a

glória. Ou seja, com a ausência do poder coercitivo do Estado a humanidade entraria

em estado de guerra constante. Assim, Hobbes (apud ARAÚJO; COSTA; MELO, 2015)

se referia aos homens como criaturas predominantemente racionais, mas incapazes

de resolver os seus próprios problemas e de manter acordos de cooperação sem a

intervenção do Estado.

O Estado foi reconhecido como o agente de maior racionalização da sociedade

senhorial feudal e monopolizador das normas jurídicas a cumprir. Além disso,

precisava superar os resquícios do feudalismo, num mundo em que houve expansão

súbita da fronteira de interesses em função de guerras e da expansão comercial

(VIANNA, 2011; TELLO, 2012). Para configurar a sua estrutura normativa e a

realização da sua força constitutiva:

a igualdade civil, a dignidade do indivíduo, e do patrimônio deveriam ser definidas pelo mérito da riqueza e não do nascimento; o fim da estrutura e lógica estamental patrimonial na ocupação de cargos administrativos e nos efeitos e usos da lei e justiça; o fim da persona jurisdicional das cidades, dos domínios rurais da nobreza e das várias circunscrições fiscais, ou seja, o nivelamento político e fiscal do território estatal; a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário em instituições distintas, autônomas e permanentes; o fim das corporações de ofício e das companhias oficiais de direito (VIANNA, 2011, p. 214).

As duas transições do Estado foram divididas nos períodos pré-político e

político civil, podendo ser compreendidas pela concepção sucessiva de dois contratos,

nos quais:

em primeiro momento, a legitimação da igualdade entre os homens através de um contrato social individualmente acordado. Em segundo momento, o estabelecimento de um corpo político, caracterizado pela

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31

constituição de um poder soberano. Todavia essa passagem não se dá de forma estanque, em certa medida fica implícita a unicidade de ambos os momentos (ARAÚJO; COSTA; MELO, 2015, p. 252).

Em outras palavras, o poder soberano do Estado se tornou limitado pela

maneira de conceber a interface entre a liberdade e o direito dos indivíduos em

sociedade. Araújo, Costa e Melo (2015) afirmam que o entendimento de Hobbes se

refere à figura do Estado moderno, em que o poder é visto como pertencente a todos

os indivíduos, mantendo-os em respeito e dirigindo as suas ações no sentido do bem

comum.

O Estado moderno representa a liberdade dos modernos, pode ser compreendida através da ideia de liberdade do homem privado, baseada nos direitos civis de ir e vir, direito à opinião, à opção religiosa, à participação política, diferentemente da dos antigos, a qual é essencialmente direta, na modernidade se faz através da representatividade política (ARAÚJO; COSTA; MELO, 2015, p. 266).

Para Martinez (2006) o Estado moderno concentra o poder para expandir as

riquezas nacionais. Logo, o seu contrato inicial começa a ser infundido pela ideia de

liberdade do indivíduo, ou seja, advém da laicização da política, que pressupõe três

movimentos: o enfraquecimento da força da igreja, o abrandamento da moral e a

aceitação da sua legitimidade (MARTINEZ, 2006; TELLO, 2012).

Em certo momento, o Estado moderno foi “constituído pela renúncia dos

homens ao estado de natureza, estabelecendo um estado civil baseado em princípios

da vida social e política, pelo qual legitima o elo político” (ARAÚJO; COSTA; MELO,

2015, p. 251). Da mesma forma, o Estado moderno “guarda a chave para definirmos

o próprio metabolismo do capital e da estrutura política e funcional e administrativa

que o acompanha” (MARTINEZ, 2006, p. 143).

O sistema do Estado moderno se posicionou como um “catalizador de capital”

(MARTINEZ, 2006, p. 148), onde os comerciantes gradualmente foram organizando

os seus negócios, pela necessidade de calcular o lucro e controlar suas riquezas”

(BRYER,2000). Assim, “o Estado Moderno é a forma e a roupa do capital, é ainda,

mais precisamente no que nos interessa a vestimenta íntima, é a roupa de baixo do

Estado capitalista” (MARTINEZ, 2006, p. 147). Outros aspectos importantes

caracterizam o sistema de governo do Estado moderno:

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32

em primeiro lugar, o campo programático e abstrato de racionalidades, afirmações e reivindicações que define os objetivos e objetivos do governo, e que é chamado de "racionalidades políticas". Em segundo lugar, o conjunto de cálculos, procedimentos e ferramentas que materializam e visualizam processos e atividades, e que é denominado "tecnologias" (MILLER, 1990, p. 315).

Portanto, existe uma reciprocidade essencial entre os aspectos pragmáticos e

tecnológicos do governo do Estado moderno. Como afirma Foucault (1979), as "artes

do governo" e o cálculo não são facilmente separadas. Um exemplo disso são as

necessidades organizacionais de ordem administrativa e financeira, como a

manutenção dos registros de livros-razão rudimentares e inúmeras rotinas calculistas,

entre elas, a elaboração do comprovante de pagamento de salários devido às

atividades de produção, o cálculo de tributos e a incidência de despesas gerais de

custos.

Em consequência da introdução das tecnologias de industrialização, entre

outros fatores, são justificadas e estabelecidas congruências entre os papéis

pragmáticos da Contabilidade e os objetivos vinculados a concepções particulares aos

domínios do governo do Estado moderno. O próprio desencadeamento da vida social

e organizacional pode haver contribuído para o desenvolvimento de maior consciência

da natureza e da diversidade da funcionalidade da Contabilidade com o Estado

moderno (BOUGEN, 1989; LEE, 1990; MILLER, 1990; MORGAN, 1988).

Os relatos da história do Estado moderno são valiosos para ilustrar como o

papel social da Contabilidade foi se constituindo durante o desenvolvimento das

sociedades para se aproximar da modernidade e, assim, contribuir com a

emancipação do homem. Na maioria das vezes, os procedimentos contábeis são

decisivos na avaliação do comportamento dos indivíduos, das organizações e das

práticas de governo ao longo do tempo. Nesses termos, a Contabilidade não é

simplesmente uma prática relacionada à função administrativa de controle de registros

dos bens patrimoniais, de mensuração monetária, mas também tem potencial para

legitimar a integração social dos indivíduos (CARDOSO et al., 2009; MILLER, 1990;

LAUGHLIN, 2007; POWER; LAUGHLIN, 1996).

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33

2.4 O LUGAR DA CONTABILIDADE NAS ORGANIZAÇÕES MODERNAS

A trajetória histórica das organizações modernas é acompanhada pelos

diferentes movimentos das práticas contábeis, os papéis que elas desempenham e as

suas relações com as atividades de coordenação e de controle organizacional ao

longo do tempo. Assim, o lugar da Contabilidade nas organizações foi conquistado

pela sua força produtiva multidisciplinar, não meramente pela sua sistematicidade. As

suas práticas, de acordo com os parâmetros estabelecidos, estão sendo cada vez

mais difundidas em toda a sociedade, para fornecer a interconexão de informações

específicas aos mercados globalizados, para calcular custos, para detectar o índice

de riscos de vários tipos de contratos, entre outros inúmeros tipos de cálculos

financeiros (MILLER; POWER, 2013).

Mediante um sistema econômico em desenvolvimento e a crescente

complexidade das atividades organizacionais, tornou-se fator decisivo para as

organizações acolher a Contabilidade como a linguagem universal dos seus negócios,

divulgando informações históricas e preditivas sobre indicadores de interesse para os

usuários. Por meio do seu sistema de escrituração, tem-se a capacidade de conduzi-

los a relacionarem o que aconteceu com o que pensaram que aconteceu (BIONDI,

2011; IUDÍCIBUS et al., 2010). Logo, a divulgação dos relatórios contábeis

proporciona à eles um panorama do que as organizações representam na sociedade,

e revela o seu potencial para as decisões de mercado.

Em vista disso, “o entrelaçamento estratégico da contabilidade com várias

estruturas e processos organizacionais tem importantes implicações. Quando se trata

de contextos locais específicos a contabilidade não pode ser separada dos seus

poderes subjacentes” (BOUGEN, 1989, p. 231). Na realidade, as suas várias atuações

decorrem da formação da natureza das atividades organizacionais, e do modo como

é solicitada a divulgação dos relatórios das demonstrações financeiras.

Nota-se que a maneira de elaborar as informações contábeis vem sendo

moldada pelas atividades organizacionais em curso, confrontadas pelas inúmeras

mudanças repercutidas no desdobramento capitalista dos seus negócios, no qual os

custos são estabelecidos, os lucros são divididos entre os acionistas, a distribuição de

dividendos é calculada, o capital deve ser protegido, os convênios prudenciais devem

ser cumpridos, entre outras tarefas que as organizações devem exercer e gerenciar

(BIONDI, 2011). De modo semelhante, a Contabilidade é compreendida por autores

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34

como Biondi (2011), Morgan (1988) e Puxty et al. (1987) como uma ciência influente

de gestão e de comunicação, pois as aplicações normativas dos princípios contábeis

estabelecem condições equitativas dentro e fora das organizações.

Conforme Iudícibus (2009), os princípios contábeis se tornam cada vez mais

indispensáveis nos regulamentos da ciência contábil, não apenas para articular as

formas de gestão das atividades contábeis. Eles representam também a essência das

doutrinas para criar padrões específicos e constantes dos fenômenos de causa e

efeito, que ocorrem com o crescimento da organização moderna. Ainda, a dimensão

das atividades contábeis não pode ser vista somente como uma simples rotina de

cálculo, ou um conjunto de técnicas que registram e controlam o patrimônio

organizacional. Pelos sistemas contabilísticos é possível conhecer o passado e o

presente bem como o funcionamento diário das transações econômicas e financeiras,

e acompanhar as possibilidades de orientações de planos futuros para a organização.

A função da Contabilidade consiste em melhorar a articulação do diálogo entre ela, os

gestores comerciais, as instituições econômicas e financeiras, entre outros, provendo

relatórios de forma inteligível e confiável. Além disso, ela representa historicamente

“uma forma de alocação aos períodos dos recursos, colocados à disposição dos

gestores e que, entre outras funções, avalia o progresso da entidade e o desempenho

dos próprios gestores” (IUDÍCIBUS, 2013, p. 7).

Esses fatos sublinham o histórico das práticas contábeis como determinante

para a resolução de muitos problemas e tensões que caracterizam as relações entre

as organizações e a sociedade, como ressalta Morgan (1988). E o emaranhado dos

contextos econômico, financeiro, político e social possibilita, por meio de uma lógica

de ordem, o inter-relacionamento dos estudos organizacionais com a Contabilidade

(BOUGEN, 1989). O envolvimento dela com as questões problemáticas de

coordenação e de controle nas organizações públicas e privadas é bastante relevante

para dar continuidade à operacionalização das suas funções, na medida que as

práticas contábeis devem ser empregadas com o intuito de acompanhar os efeitos

interativos da sua gestão dentro e fora da sua área de negócios.

Page 35: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

35

2.5 A EVOLUÇÃO DA CONTABILIDADE NO BRASIL

Uma das formas de se verificar os aspectos peculiares de formação e de

organização da Contabilidade no Brasil é por meio do escrutínio da trajetória histórica

social, econômica, política e cultural que as condicionam (VIZEU, 2010a). Nesse

contexto, a história da Contabilidade brasileira também começou na época em que as

raízes do capitalismo foram estabelecidas pela transição do modo feudal de produção

para a industrialização. Tal processo continua preponderante até os dias atuais, no

que diz respeito à constituição das regulações das práticas contábeis (BRYER, 2005;

IUDÍCIBUS, 2009; SÁ, 1998).

No Brasil, as primeiras contribuições culturais contabilísticas emanaram da

Europa, principalmente da França e da Itália, com os escritos de Luca Pacioli e o seu

método de registro do desdobramento de entrada dupla, e os de Federico Melis, que

abrangiam aspectos necessários das práticas da Contabilidade para o comércio, tais

como registro de inventário, livros mercantis e autenticação dos livros contábeis. Mais

adiante, os Estados Unidos contribuíram por força da evolução do ensino contábil no

país (IUDÍCIBUS; MARTINS; CARVALHO, 2005; SÁ, 1998, 2004).

Entre os séculos XVII e XVIII, o Brasil, enquanto colônia de Portugal, possuía

inúmeras limitações, pois a sua atividade principal era a agrícola e, assim, havia a

necessidade urgente de liberdade de comércio. Com a vinda da família real

portuguesa para o país, Dom João VI estabeleceu várias medidas, que beneficiaram

o desenvolvimento da economia brasileira (COELHO; IUDÍCIBUS, 2009; LINS, 2010;

PELEIAS; BACCI, 2004).

A preocupação do governo com os negócios públicos e privados se destacava,

surgindo a oportunidade para a primeira nomeação de um contador. Assim, no ano de

1549, por meio de uma carta de Dom João III, Gaspar Lamego foi nomeado Contador

da Casa Real. Na mesma época, Bastião de Almeida foi nomeado Guarda Livros das

casas da Fazenda, Contos e Alfândega. Mais tarde, próximo ao século XVIII, Dom

José, então rei de Portugal, despacha Carta de Lei ao Brasil e aos demais domínios

portugueses com o Decreto Imperial nº 4.475, que se tornou a primeira

regulamentação da profissão de contador no país (COELHO; LINS, 2010; PELEIAS

et al., 2007).

Outros episódios importantes para a Contabilidade brasileira ocorreram no

século XVIII. No início do século, foram constituídas as aulas de comércio, que tiveram

Page 36: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

36

maior impulso no século XIX. Nesse período, José Antonio Lisboa foi nomeado o

primeiro professor de Contabilidade do Brasil. Em 25 de junho de 1850, por meio da

promulgação da Lei nº 556, foi instituído o Código Comercial, a primeira fonte de

normatização legal da Contabilidade no país, que trouxe a obrigatoriedade de as

empresas manterem a escrituração. O surgimento do Código Comercial permitiu a

expansão das estradas de ferro, das empresas de serviços urbanos e dos

investimentos estrangeiros, representativos do crescimento da economia. Já em 22

de agosto de 1860, foi promulgada a Lei nº. 1083, reconhecida como a primeira Lei

das Sociedades Anônimas do Brasil (COELHO; LINS, 2010; PELEIAS; BACCI, 2004;

PELEIAS et al., 2007).

Esse quadro contribuiu, ainda, para uma reorganização do ensino comercial na

década de 60 do século XIX. O Decreto nº. 2741, de 9 de fevereiro de 1861, definiu

que os estudos do Instituto Comercial do Rio de Janeiro formariam um curso

preparatório e profissional. De acordo com o seu artigo 1º, tal curso possuía quatro

cadeiras, sendo a segunda de Escrituração Mercantil e Legislação de Fazenda. No

artigo 10º, consta que não seria exigida habilitação anterior para a participação nas

cadeiras oferecidas, exceto para a de Escrituração Mercantil, cuja matrícula dependia

da aprovação na cadeira de Aritmética Completa, a primeira ministrada. A partir do

século XIX, as ações educacionais de Contabilidade se fortaleceram com a criação

do Ministério da Educação (COELHO; LINS, 2010; PELEIAS et al., 2007).

Já no século XX, foi fundada, em 1905, a Escola de Comércio do Rio de

Janeiro, tida como a primeira escola brasileira de Contabilidade. Em 26 de setembro

de 1940, foi promulgado o Decreto-Lei 2.627, considerado por Iudícibus e Ricardinho

Filho (2014) a segunda Lei das Sociedades Anônimas. Em 1949, trabalhos realizados

pela Escola de Nova Friburgo se transformaram em modelo para a Escola Técnica de

Comércio, ao desenvolver atividades de pesquisa e de métodos de ensino,

destacando-se os cursos de Secretariado, Contabilidade e Desenho Industrial

(COUTO, 1989).

Percorrendo mais uma década, episódio bastante significativo foi a aprovação,

em agosto de 1950, do Código de Ética Profissional dos Contabilistas do Brasil, cuja

matéria a respeito, além do próprio código, foram publicados no Jornal Tribunal

Contábil:

Page 37: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

37

o ponto alto do certame contábil foi, sem dúvida, a elaboração do Código de Ética Profissional dos Contabilistas do Brasil, considerado pela classe como conquista de suma importância e que, de há longos anos, desde o III Congresso de Contabilidade vem sendo ventilado em todas as reuniões de contabilistas, sem nunca ter chegado a uma solução. Finalmente, no Congresso de Belo Horizonte, chegou-se a um resultado, concluindo-se pela aprovação definitiva do mesmo (PELEIAS; BACCI, 2004, p. 51).

Na década de 60, ocorreram novas mudanças no ensino da Contabilidade, pela

necessidade de reorganizar a didática do modelo de ensino italiano. Nesse momento,

se inicia uma transformação mais ampla da Contabilidade, que se voltou para o estilo

norte-americano ou anglo-saxão. Entre outros fatos, o “Professor José Boucinhas [...]

adota o método didático norte-americano, baseado no livro de Finney e Miller,

Introductory Accounting, fazendo importantes adaptações à realidade brasileira”

(IUDÍCIBUS, 2009, p. 23).

Em 1965, perante a necessidade de tomar medidas disciplinares, foi

estabelecida a Lei 4.728, de 14 de julho, que regulamentou o mercado de capitais e

os mercados financeiros. As bolsas de valores, principalmente as do Rio de Janeiro

(BVRJ) e de São Paulo (BOVESPA), além do Instituto Brasileiro de Mercado de

Capitais (IBMEC), estão entre as tantas instituições que promoveram o

aperfeiçoamento das atividades da Contabilidade no Brasil (COUTO, 1989).

Na década seguinte, foi decretada a Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ou

a nova Lei das Sociedades Anônimas. Ela resultou de forças da modernidade, que

pressionavam pelo benefício aos inúmeros interesses dos investidores internacionais,

dando condições estruturais para o crescimento e o aperfeiçoamento das formas de

conglomerados estatais, multinacionais e privados. Ao mesmo tempo, essa lei visava

à atender as instituições jurídicas, econômicas e sociais, oferecendo detalhes mais

precisos para a elaboração de demonstrativos contábeis de acordo com os princípios

da Contabilidade. O estabelecimento desses princípios contemplou não somente a

formalização da uniformidade terminológica, mas também criou as bases para a

normatização dos procedimentos contábeis a serem utilizados por todos os

profissionais da área. No mesmo ano, foi criada a Comissão de Valores Mobiliários

(CVM), que, juntamente com a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais

e Financeiras (FIPECAFI), constituída em 1974, editou o Manual de Contabilidade das

Sociedades por Ações, com o intuito de orientar as instituições financeiras, os fundos

de investimento, as empresas e o mercado em geral a respeito dos procedimentos

Page 38: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

38

contábeis (COELHO; LINS, 2010; COUTO, 1989; IUDÍCIBUS, 2009; IUDÍCIBUS;

MARTINS; GELBCKE, 2009).

Em 1990, a classe contábil se uniu aos diferentes órgãos de influência

marcante nas suas práticas, tais como: o Conselho Federal de Contabilidade (CFC),

no qual as normas contábeis brasileiras são editadas; o Instituto dos Auditores

Independentes do Brasil (IBRACON), que surgiu com o objetivo de agrupar em um

único órgão a representatividade dos profissionais auditores, dos contadores com

atuação em todas as áreas e dos estudantes de ciências contábeis; a Associação dos

Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC), criada

em junho de 1988 para promover a certificação dos profissionais, a representação

política institucional junto ao governo e às entidades representativas congêneres do

mercado, além do intercâmbio internacional com outras confederações de

profissionais; a Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA), entidade

que reúne empresas de capital aberto; e o Banco Central do Brasil (BACEN). A

atuação conjunta desses órgãos expressa indícios da idealização de um processo,

que já estava em andamento, de adequação ao International Accounting Standards

Board (IASB) e ao Financial Accounting Standards Board (FASB) pela Contabilidade

brasileira (IUDÍCIBUS et al., 2013; MARTINS; GELBCKE; 2009).

Vários anos depois, muitos ajustes haviam sido realizados para adaptar a

Contabilidade brasileira aos padrões das normas internacionais e norte-americanas.

Ainda em função do atendimento à tal necessidade, surge a Resolução 1.055, de 7

de outubro de 2005, que constituiu o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a

fim de agrupar os esforços da ABRASCA, da APIMEC, da BOVESPA, do CFC, da

FIPECAFI e do IBRACON para a redução do custo de elaboração de relatórios

contábeis, de riscos e custo nas análises e decisões, do custo de capital. Além de

centralizar as normas dessa natureza, o CPC foi criado também para a representação

e a formalização dos processos democráticos na produção de informações contábeis.

Desde então, o órgão estabeleceu vários pronunciamentos técnicos para esclarecer

os procedimentos concernentes à prática contábil e o modo como eles devem ser

divulgados no Brasil (IUDÍCIBUS, 2009; MARTINS et.al, 2013).

Em 28 de dezembro de 2007, foi promulgada a Lei nº 11.638, que alterou a lei

anterior das sociedades por ações, revogando e introduzindo outros dispositivos para

a Contabilidade, entre eles, novas disposições para o exercício social, para as

demonstrações financeiras e para a validação dos pronunciamentos do CPC. Essa

Page 39: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

39

edição da lei procurou, ainda, propiciar a convergência das práticas contábeis

brasileiras com os padrões internacionais devido a integração de blocos econômicos

e políticos de países da Europa. Porém, Iudícibus e Lisboa (2007, p. 6) advertem que:

ao adotarmos as normas internacionais, daremos um passo à frente. Seremos comparáveis, mas não poderemos ser, nunca, “incomparáveis”, no que se refere à qualidade, se, livres de grilhões, tivéssemos a coragem de dar grandes saltos de qualidade em nossa contabilidade, indo à procura do “valor” econômico-subjetivo da empresa, mais que a parâmetros contábeis limitados.

Cabe observar que a análise histórica dos padrões contábeis norte-americanos

do FASB revela características que promovem um sistema de Contabilidade baseado

em regras, enquanto que o sistema europeu (IAS) é fundamentado em princípios.

Mesmo assim, esses dois padrões se ajustam e objetivam aperfeiçoar a informação

financeira em benefício dos investidores, entre outros usuários de informação contábil

nos mercados de capitais dos Estados Unidos (ALEXANDER; JERMAKOWICZ, 2006).

No contexto brasileiro, as publicações do FASB e do IASB abordam conceitos

bastante diferentes de “todos com os quais estamos acostumados, de conteúdo denso

e de difícil entendimento e absorção por parte de nossos contadores, acostumados a

formas mais codificadas de apresentação” (IUDÍCIBUS, 2009, p. 80).

Em 27 de maio de 2009, a Lei 11.491 foi decretada para autorizar a liberação

de parcelamento de dívidas tributárias, bem como a remissão dos créditos tributários

de pequeno valor. As mudanças introduzidas pelas leis 11.638/07 e 11.941/09

determinaram inúmeras deliberações nas práticas contábeis brasileiras.

Mais adiante, surgiu a Resolução do CFC 1.298, de 17 de setembro de 2010,

cuja estrutura normativa contribuiu para que as Normas Brasileiras de Contabilidade

(NBC) sigam os padrões contidos no International Financial Reporting Standards

(IFRS) dos Estados Unidos. A adoção dessas normas internacionais acarretou várias

modificações nas práticas contábeis, tais como a alteração da classificação dos

grupos de contas de ativos e passivos, subdividindo-os em circulante e não circulantes;

a eliminação das terminologias resultado não operacional da demonstração do

resultado do exercício, contas dos ativos diferidos do resultado de exercícios futuros,

além da substituição de valor de mercado por valor justo, entre outras (IUDÍCIBUS et

al., 2013).

Page 40: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

40

Nos dias atuais, a maioria dos organismos de regulação contábil possui

contradições entre si, sendo improvável que algum país exiba um conjunto de leis

inteiramente aperfeiçoadas a qualquer momento do tempo. Desse modo, existe a

preocupação com o efeito da rigidez do processo de normas contábeis, incluindo

manipulação informativa, práticas incoerentes, evasão de regra, influência política,

falhas nos regulamentos, que se tornam cada vez mais complexos (LEE, 1990;

MILLER; POWER, 2013; PUXTY et al., 1987).

De acordo com Iudícibus et al. (2010, p. 7), mais recentemente uma das

grandes dificuldades dos reguladores, acadêmicos, elaboradores, auditores e

usuários da Contabilidade no Brasil “diz respeito à escolha de padrões contábeis

capazes de definir a forma mais adequada para o reconhecimento, mensuração e

divulgação das informações econômico-financeiras ao público externo”. A realidade

mostra que ainda há muito o que fazer para que as regulações e as normatizações

internacionais evidenciem uma estrutura conceitual, de evoluções científicas, que

ampare as modificações e os ajustes das normas brasileiras existentes. Como

assegura Martins (2014, p. 106-107):

precisa o mundo acadêmico contábil reforçar as pesquisas teóricas e conceituais e oferece-las para o mundo normatizador. E precisa também desenvolver os testes empíricos sobre a relevância das normas existentes para retroalimentar os normatizadores sobre os acertos e erros de suas decisões, mas em total vínculo com esse outro lado do mundo. E precisa levar isso tudo ao mundo prático e ao dos normatizadores numa linguagem e num formato acessível a eles [...] é necessário que os normatizadores se conscientizem de que não são sábios só porque detêm o poder, de que não é só do mundo prático que surgem ideias inovadoras, e que é preciso sempre pensar em aplicar alternativas. E que suas crias, as normas, precisam sim ser testadas para que sua relevância seja provada antes de sua implementação.

Portanto, atualmente os desafios da Contabilidade brasileira são constantes,

porque ela passa por um processo regulatório importante, que pode modificar as

diversas formas da sua aplicabilidade. Porém, não se deve deixar de lado as

potencialidades dos seus arcabouços conceituais.

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41

3 ÉTICA, MODERNIDADE E CONTABILIDADE

Conforme apresentado anteriormente, o dinamismo econômico do mundo

capitalista transformou a posição e o exercício da profissão contábil, antes incipientes

e rudimentares, em uma prática profissional avançada e integrada aos interesses dos

negócios e do Estado. Em tempos passados, o mercado, por exemplo, não era

globalizado, e o custo de uma transação não era considerado medida de valor, não

se coletava a avaliação dos stakeholders. Na atualidade, a tendência da força do

mercado capitalista é a de manipular as normas contábeis, para se agir de acordo

com a pressão exercida pelo processo competitivo globalizado. Logo, não se deve

corroborar com as incoerências sistêmicas do capitalismo, que, em determinadas

conjunturas, tenta negligenciar as doutrinas das práticas cotidianas da Contabilidade

moderna.

Tal negligência envolve uma das questões a desafiar a Contabilidade na

contemporaneidade, qual seja, as suas implicações éticas. Elas nem sempre são

observadas, como reflexo de uma sociedade centrada no sistema capitalista que, por

vezes, subverte a lógica social aos seus preceitos políticos e econômicos. Nesse

contexto, a ética é fundamental para que o contador reencontre o seu papel social.

Como afirma Coelho (2017, p. 8), “se queremos uma profissão séria e valorizada,

precisamos entender que as normas éticas servem como uma proteção ao exercício

profissional e não como uma barreira para conquista de novos espaços”.

Por conta disso, é preciso investigar, além da dimensão histórica da

Contabilidade, o seu caráter ético, ao entendê-la como tão imbricada com a própria

emergência das instituições de base da modernidade, que pode se tornar mecanismo

de corrupção, ou, se observado criticamente o seu papel social, agente garantidor de

princípios e de valores ético-morais importantes para o processo civilizatório.

Notadamente, os comportamentos considerados antiéticos são uma das

preocupações principais da sociedade moderna. E a corrupção, enquanto

representativa da má conduta ética, “representa tudo aquilo que esboroa e apodrece

a nossa capacidade de ter uma convivência decente” (CORTELLA; BARROS FILHO,

2013, p. 50).

Etimologicamente, a palavra ética vem do grego ethos, que, até o século VI

A.C., significava a morada do homem (Unger,1991). Todavia, sob a ótica moderna, a

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42

ética possui forte relação com o caráter moral, ou seja, com o modo de conduta que

é a referência para os seres humanos agirem no mundo em que vivem, no qual a sua

moral se distingue pelo modo de agir certo perante aos outros. A esse respeito, Nalini

(2014, p. 37) esclarece que:

Ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. É uma ciência, pois tem objetivo próprio, leis próprias e método próprio, na singela identificação do caráter científico de um determinado ramo do conhecimento. O objeto da Ética é a moral. A moral é um dos aspectos do comportamento humano. A expressão moral deriva da palavra romana mores, com o sentido de costumes, conjunto de normas adquiridas pelo hábito reiterado de sua prática.

Os princípios éticos orientam e possibilitam ao homem identificar os dilemas

que ele está vivendo. Como sugere Cortella (2009, p. 135), a ética é “um conjunto de

valores e princípios que eu e você usamos para decidir as três grandes questões da

vida, que são: Quero? - Devo? - Posso? ”. Tais perguntas são exemplos de como o

homem pode refletir, a partir do julgamento ético, sobre a escolha de padrões de

conduta que ele deve ter para viver bem. A ética é um exercício individual de liberdade

de escolha, mas que afeta e é constituída pela moral da coletividade. Assim, ela é

uma referência importante desde o nascimento, pois vai se formando com base nos

valores morais compartilhados com a família, com os amigos, na igreja, no ambiente

escolar, no bairro, no trabalho, enfim, em todas as esferas de sociabilidade. Portanto,

também para Cortella (2015, p. 18) os conceitos de ética e de moral se relacionam

intimamente, apesar de expressarem pontos distintos:

[Ética e moral] são conceitos correlatos e conectados, mas não têm sentido idêntico, pois, enquanto ética é o conjunto de valores e princípios que orientam a minha conduta em sociedade, a moral é a prática desses valores na ação cotidiana. Exemplo: tenho como princípio ético que “o que não é meu não é meu”; encontro um celular no chão da sala de aula, devolvê-lo ao dono é um ato moral. A razão para fazê-lo é um princípio ético.

A discussão acerca das questões éticas pode ser encontrada em referências

diferentes das sociedades contemporâneas, compondo intenso debate. Nos textos

bíblicos, por exemplo, o apóstolo Paulo, na sua primeira carta de aconselhamento aos

cristãos em Corinto, que enfrentavam dissensões e uma situação de desordem, afirma:

“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas

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43

me são licitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma’’ (BÍBLIA SAGRADA, I

Coríntios, 6, 12). Isso quer dizer que, mesmo tendo a liberdade para aceitar ou rejeitar

fazer qualquer coisa pelas suas escolhas, se o homem cometer um ato precipitado,

sem pensar nos princípios éticos, as consequências serão inevitáveis. De acordo com

os valores cristãos, a consequência está associada com a justiça divina; no mundo

secular, a consequência é a desordem social.

Conforme o pensamento ético, a dignidade do homem depende da sua

consciência e coragem para enfrentar as dificuldades da decisão livre, pois o mundo

em que ele vive resulta das suas escolhas (CORTELLA; BARROS FILHO, 2013).

Nesse sentido, os dilemas éticos não dizem respeito somente àquela pessoa que

causou o dano, mas também às outras pessoas que sofrerão os efeitos causados por

uma atitude incorreta. Dessa forma, os princípios éticos abrangem virtudes, que visam

a garantir o bem comum, a vida em sociedade, tais como a verdade, a reciprocidade,

a gratidão, a credibilidade, o respeito, a justiça, a honradez, a prudência, a

honestidade, o carisma etc. Os princípios éticos devem estar dispostos na consciência

das pessoas e são subentendidos pela capacidade de ajuizamento ético,

universalmente aceitos na cultura da sociedade moderna (VIZEU, 2015).

É por esse motivo que, em diferentes países, as normas sociais e os aspectos

culturais podem individualizar os padrões éticos de uma comunidade, exercendo

influência nos atos de moralidade das pessoas. Seguindo essa ideia, “a moral possui,

em sua essência, uma qualidade social. Isso significa que se manifesta somente na

sociedade, respondendo às suas necessidades e cumprindo uma função

determinada" (VASQUEZ, 2007, p. 67). Logo, o valor moral da conduta humana está

atrelado ao que ela acarreta no mundo: se ela produzir efeitos bons, significa que a

ética foi eficaz; se ela produzir efeitos ruins, a ética foi ineficaz (CORTELLA; BARROS

FILHO, 2013).

Em síntese, a moral é o exercício da conduta dos homens, que são orientados

pelos princípios da ética, aceitos de forma livre e internalizados por cada indivíduo,

conforme sugerem Barros Filho e Pompeu (2015, p. 113): “quando falamos de

moralidade nos referimos a um conjunto de princípios que escolhemos livremente

respeitar. São princípios que definimos como norteadores de nossas vidas”. Em

função disso, a ética estabelece valores que corrigem e ampliam os significados da

vida, e ajudam o indivíduo a continuar a ter vontade de viver be (VIZEU, 2015). Do

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44

mesmo modo, a ética atua psicologicamente, inibindo, pelo sentimento de culpa,

aquilo que não é lícito (BARROS FILHO E POMPEU (2015).

Cortella e Barros Filho (2013, p. 14), referindo-se a Kant, comentam o princípio

de racionalidade da referência ética:

[Kant] diz que tudo o que não se puder contar como fez, não se deve fazer. Porque, se há razões para não poder contar, essas são as mesmas razões para não fazer. E não estou falando de sigilo, estou falando de vergonha. Pois existem coisas que não podem ser contadas porque pertencem ao terreno da privacidade, do sigilo. Mas há aquelas que não podemos contar porque nos envergonham, e nos diminuem.

Ou seja, como a ética é uma referência que atua psicologicamente, abarca uma

dimensão racional. Por isso, Kant a relaciona com a razão prática, ou razão moral.

Por outro lado, a ética reverbera em outras esferas da subjetividade: não se pode falar

de ética sem pensar na integridade, na dignidade e na sinceridade, que estão entre

as inúmeras virtudes que constituem o caráter do indivíduo (VIZEU, 2015). Igualmente,

a ética é emancipadora, porque concede à ele a liberdade de fazer as suas escolhas,

para formar a sua identidade (CORTELLA, 2015).

Immanuel Kant foi o primeiro filósofo a contribuir com o pensamento ético

moderno, pelo processo normativo de revelar, desenvolver e justificar analiticamente

princípios morais. Entre as suas obras, destaca-se Fundamentação da Metafísica dos

Costumes, escrita em 1785, na qual ele estabelece a possibilidade de uma lei moral

universal. Partindo do pensamento metafísico e de pressupostos apriorísticos, Kant

constituiu uma filosofia da moral baseada na razão, ao alegar que o fundamento de

toda razão moral é a capacidade do homem de agir racionalmente. Nesse sentido, a

sua obra revela o emprego do conhecimento hermenêutico da ética à moral, em

termos de viver bem coletivamente (VIZEU; MACADAR; GRAEML, 2016).

Na visão de Kant a moralidade pressupõe autonomia da vontade, a liberdade

do homem de agir de acordo com as leis da sua própria razão, a despeito das leis

deterministas da natureza. Logo, o valor moral da ação humana vem de si mesmo,

com propósito de constituição de si próprio, fundamentado na sua intenção, não nas

suas consequências. Esse imperativo se afasta do pensamento filosófico

utilitarista/materialista, no qual a ética tem que servir para algum fim, de forma eficiente

(VIZEU; MACADAR; GRAEML, 2016).

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45

No pensamento contemporâneo, entende-se que os motivos para a tomada de

decisões éticas são inúmeros, inclusive os de cunho utilitarista. Considerado por

muitos um estágio do julgamento ético, como observa Bowen (2004), o julgamento

utilitarista é visto no presente trabalho como baseado na razão do tipo instrumental,

definida como cálculo utilitário de consequências. Em função disso, tal orientação do

comportamento se contrapõe a uma ética deontológica; mais do que isso, representa

uma tensão importante em termos de conduta no contexto da modernidade (VIZEU,

2015; VIZEU, MACADAR; GRAEML, 2016).

Portanto, não há como ignorar que a maior implicação do pensamento ético

ambíguo da sociedade contemporânea foi a de ceder lugar para a racionalidade

instrumental, dirigida para a finalidade econômica e com perda de autonomia

individual. Habermas (2012a, p. 671), seguindo o pensamento dos seus

predecessores da Escola de Frankfurt, identifica nessa evidência uma das

contradições mais significativas do período histórico atual, afirmando que a razão

instrumental “permanece atrelada como mácula ao que ela mesma, estando maculada,

não é capaz de explicar. Isso porque lhe falta um universo conceitual refinado o

bastante para tratar da integridade do que é destruído pela razão instrumental”.

Nas organizações, a razão instrumental se operacionaliza, especialmente, na

formulação de estratégias que garantem o desempenho econômico, que visam à

aumentar a lucratividade. Ademais, a dominação racional-instrumental, uma força

expressiva na sociedade capitalista, tem se tornado um dos agentes principais do

esvaziamento da ética e da moral no contexto organizacional (VIZEU, 2009). Isso

dificulta o seu enquadramento no modelo adequado para formar uma conduta ética,

porque os seus princípios não são consistentes o suficiente para assegurar a

institucionalização apropriada do tecido social.

3.1 A ÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES

As organizações são geridas por dirigentes, que se esforçam cada vez mais

para maximizar os lucros e expandir a fatia de mercado, frequentemente com

procedimentos duvidosos. Contudo, os efeitos nocivos para a sociedade da falta de

postura ética nos negócios tornou urgente a necessidade de se questionar quais são

Page 46: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

46

as referências mais apropriadas para a constituição de uma ética nas organizações

capaz de determinar as boas práticas e a boa conduta.

A carência de ética, uma das patologias mais agudas identificadas nas

organizações contemporâneas, é conjecturada, muitas vezes, por uma prática

linguisticamente mediada por uma comunicação sistematicamente distorcida. Sem

dúvida, a ética não pode ser usada somente como retórica para a construção de uma

imagem corporativa adequada, como recurso discursivo para convencer as pessoas

de que a organização age com responsabilidade (VIZEU, 2009). E é nesse sentido

que se observa o investimento em ferramentas de comunicação organizacional sobre

valores supostamente empregados, tais como honestidade e transparência. Todavia,

na prática as ações das organizações revelam outras questões prioritárias, nem

sempre explicitadas em declarações de valores, e que podem suplantar qualquer valor

de cunho ético-moral: o foco no resultado econômico maximizado (METCALF, 2014).

Cortella e Barros Filho (2013) comentam que a palavra ‘foco’ inevitavelmente

vem acompanhada da palavra ‘resultado’, como se fosse uma obviedade, anulando

outros itens tratados como princípios a serem perseguidos. Mesmo com a consciência

de que é importante que as organizações possuam gestores dedicados ao seu

trabalho, a ganância no comportamento corporativo é prejudicial para a sociedade, e

os leva a encararem a ética como cosmética, a considerarem a responsabilidade

social como marketing para promover os negócios (CORTELLA, 2009). Ademais, a

ética nas organizações não se limita simplesmente às questões dos negócios. Ela se

estende à boa convivência social, ao bem viver na sociedade, com a consciência

tranquila.

O problema da ausência de ética na conduta corporativa tem sido tão premente

no contexto contemporâneo, que a sociedade exige das organizações a implantação

de ações objetivas e concretas para solucioná-lo. Uma das maneiras encontradas é o

estabelecimento de um documento formal, um código de ética profissional a ser

seguido pelos seus integrantes. Assim, pressupõe-se que os valores éticos de uma

organização podem ser cuidadosamente transmitidos aos funcionários pelo código de

ética, que pode ser categorizado por dois grupos: aquele que investiga a prevalência

de códigos de ética e seus valores comuns entre organizações; e aquele que examina

a eficácia dos códigos de ética e os fatores que a afetam (KI; KIM, 2010).

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47

Metcalf (2014) menciona que, em meados do século XX, ocorreu uma

proliferação de códigos de ética profissional no mundo, escassos anteriormente. Nos

dias atuais eles são obrigatórios na maioria das profissões. Como o autor observa:

existe diversos princípios que podem ser encontrados na essência de códigos éticos de conduta contemporâneos nas mais diversas esferas: respeito pelo indivíduo (autonomia, privacidade, consentimento esclarecido); equilíbrio entre risco ao indivíduo e benefícios à sociedade; seleção cuidadosa de participantes; avaliação independente dos pedidos de pesquisa; comunidades auto reguladoras de profissionais; financiamento dependente da adesão das normas éticas (METCALF, 2014, p. 2).

O código de ética pode ser apresentado também como políticas éticas escritas,

ou princípios de conduta, que padronizam o compromisso de uma organização e, até

mesmo, de uma comunidade. Embora alguns afirmem que um código de ética é uma

panaceia para resolver problemas dessa natureza, por certo ele é benéfico para

esclarecer o pensamento ético e promover comportamentos éticos na organização (KI;

KIM, 2010; OLADINRIN; HO, 2014). Porém, os problemas éticos relacionados ao

contexto organizacional são cada vez mais graves e nocivos, acarretando inúmeros

danos na vida dos indivíduos.

Um estudo foi realizado por Petrick, Cragg e Sañudo (2011) para verificar os

contextos éticos das organizações no Canadá, no México e nos Estados Unidos,

considerando os escândalos causados por falta de ética profissional. Os autores

relatam que um capitalismo norte-americano profundamente negativo minou as

formas convencionais de padrões de negócios das organizações. Nesse sentido, eles

concluem que é necessário melhorar a conduta nos negócios e a prática da liderança.

Para tanto, as organizações devem oferecer ensinamentos sobre ética, para que os

futuros líderes possam agir eticamente nas atividades organizacionais.

Outra pesquisa, elaborada por Ki e Kim (2010), visou a identificar os valores

éticos universais nos negócios pelo exame de códigos de ética das organizações de

relações públicas nos Estados Unidos e na Coreia do Sul. Mesmo a cultura dos dois

países sendo distinta, os resultados encontraram o compartilhamento de valores

éticos semelhantes entre eles. Os valores mais citados foram ‘respeito aos clientes’ e

‘boa conduta’; os menos citados foram ‘honestidade’ e ‘sinceridade’. Porém, apesar

das semelhanças, a pesquisa revela que há poucos padrões éticos para orientar as

práticas de relações públicas nesses dois países.

Page 48: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

48

Acrescenta-se, ainda, a investigação realizada por Jones (2011), cujo objetivo

foi analisar a história dos escândalos derivados da contabilidade criativa e da fraude

na Austrália, na China, na Grécia, no Reino Unido, na Itália e nos Estados Unidos. Os

atos fraudulentos cometidos foram graves, e os que mais se destacaram foram:

vendas falsas, manipulação de registros de práticas contábeis, roubo, provisões

falsas, dívidas da organização relacionadas como capital próprio, empréstimos como

vendas e ativos superestimados.

No Brasil, como em outros países emergentes, tem sido enfatizado que a falta

de um sistema ético nas organizações pode prejudicar significativamente o

desenvolvimento dos negócios. Sob essa perspectiva, Halter, Arruda e Halter (2009)

pesquisaram a percepção dos fornecedores do comportamento ético dos membros do

departamento de compras de uma multinacional no Brasil. Os autores queriam

verificar se a transparência nas negociações e a adesão ao código de ética da

organização podem sustentar um comportamento ético adequado nas relações entre

eles. Os resultados do estudo mostram que a falta de transparência foi um dos fatores

que promoveu a corrupção na organização investigada, ou seja, quando a

transparência não faz parte da cultura organizacional, a boa conduta desaparece.

Em relação a cultura nacional, é importante observar que, desde o tempo em

que o Brasil era Colônia de Portugal, rudemente dominado pela força dos atos

patrimonialistas dos agregados do poder estatal (FAORO, 1993), foi constituída nas

organizações brasileiras uma mentalidade sem distinção entre o interesse privado e o

interesse público, o que conduziu ao aumento de uma atuação ilícita em favor de

interesses próprios. Assim, o patrimonialismo se tornou “nosso vício de origem, [...]

fruto de um Estado que intervém na sociedade e coordena e comanda, pelo alto, a

exploração do mundo produtivo e mercantil” (FILGUEIRAS, 2009, p. 388).

A partir desse argumento, Filgueiras (2017), em matéria publicada na Revista

Exame, comenta as manobras dos funcionários criminosos nas organizações no

Brasil. Ele salienta que, por muito tempo, roubar figurou do modelo de negócios de

parcela considerável do alto empresariado e de políticos inescrupulosos brasileiros. O

autor assinala, também, que estudos de consultorias nacionais e internacionais

revelam que um terço das fraudes acontece um pouco a cada dia pelo desvio de

alguns produtos ou pelo reembolso de despesas pequenas, passando

desapercebidas da direção, mas com efeito significativo na economia e nas finanças.

Page 49: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

49

Os fatos acima mencionados evidenciam que a maneira de se discutir ou de se

pensar sobre a ética nas organizações precisa ser reformulada. Existe uma postura

de impunidade, fundamentada na concepção de que a ética é um projeto inacabado,

que não pode ser firmemente instalado e no qual não se pode confiar, conforme

afirmam Pullen, Rodhes e ten Bos (2012). Na sua pesquisa eles averiguam que existe

resistência na implantação de questões éticas nas organizações. Logo, os autores

sugerem a construção de um projeto ético de crítica e de resistência às formas de

coação, desigualdade e discriminação dos indivíduos.

Especialmente no que se refere ao impacto financeiro da ausência

generalizada de conduta ética nas organizações, grandes empresas com operações

financeiras no exterior seguem a Lei Sarbanes-Oxley. Essa lei, conhecida pelas

iniciais SOX, foi promulgada nos Estados Unidos, em 30 de julho de 2002, pelo

Senador Paul Sarbanes e pelo Deputado Michael Oxley. A sua criação se deu após

os escândalos financeiros corporativos do final da década de 1990, entre eles, o

famoso caso da Enron, com o objetivo de evitar o esvaziamento dos investimentos

financeiros e a fuga dos investidores, causada pela aparente insegurança acerca da

governança adequada das organizações (GITMAN, 2010).

Todavia, sob o olhar financeiro, uma compreensão mais precisa da dimensão

ética nos negócios por ser feita quando se reconhece o papel central da Contabilidade

na coibição à conduta aética presente nas organizações, seja na ação dos próprios

contadores, seja na sua instrumentalização para atender as demandas de

maximização de resultados econômicos.

3.2 A ÉTICA E A CONTABILIDADE

Conforme observado no capítulo anterior, a Contabilidade influencia

extremamente os negócios, sobretudo por permitir informar, por meio da comunicação

contábil, mutações do patrimônio e obrigações de seus usuários, além de auxiliar na

tomada de decisão e no aprimoramento dos resultados financeiros. Assim, a

Contabilidade, quando “praticada com a observância dos seus princípios e normas, é,

por si só, um fator que inibe a ocorrência de desperdícios ou fraudes” (COELHO, 2017,

p. 7).

Page 50: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

50

Dando continuidade a esse argumento, na modernidade a crise da ética se

estabelece especialmente a partir do sistema financeiro, no que diz respeito ao sentido

pragmático da veracidade dos relatórios contábeis. Tal constatação não é ingênua ou

equivocada, como asseveram Bayou, Reinstein e Williams (2011, p. 110): “pareceres

financeiros não são enganosos ou fraudulentos. Mas alegar que algo é enganador

presume que existe uma ideia do que é um parecer financeiro confiável e um falso”.

Em outras palavras, apesar de quase a totalidade dos princípios da Contabilidade

expressarem a sua finalidade de fornecer informações fidedignas para a tomada de

decisão dos seus usuários, sem uma orientação ética satisfatoriamente instituída não

há garantias de que o contador assumirá um compromisso com a verdade e não

fornecerá um relatório contábil falso.

Justamente por esse problema é que a confiança na tomada de decisão

empreendida por meio dos relatórios contábeis se estabelece a partir de uma ética

contábil. Bayou, Reinstein e Williams (2011) afirmam que a verdade representa uma

questão genuína para orientar a ciência contábil, os profissionais e os usuários que a

utilizam. Assim, a inconformidade aparente de um relatório financeiro surge, em parte,

de uma interpretação errônea da natureza do termo ‘verdade’. Ou seja, a flexibilização

da noção de verdade é, antes de tudo, um problema essencial para a elaboração de

uma ética contábil.

Por certo, se o contador não atender aos regulamentos e às normas da conduta

contábil, causará perdas significativas para as organizações e para a sociedade. Isso

implica na confrontação entre a ética contábil e a cultura financista e instrumental,

vícios de um sistema capitalismo que contribui para a persistência de escândalos. O

imperativo da verdade na ética contábil indica, ainda, que todos os aspectos das

atividades da Contabilidade estão relacionados com a transparência. Por isto, aqueles

que as exercem precisam estar atentos às armadilhas do contexto corporativo, que os

induzem ao oposto. Nesse sentido, cabe lembrar que o contador tem sido solicitado

não somente para informar mutações patrimoniais das organizações, mas também

para manipulá-las (JONES, 2011; LOW; DAVEY; HOPPER, 2008).

Para Van Dijk (2006) a maioria das manipulações contábeis ocorre pelo

“domínio das mentes”, pela percepção cognitivo-racional do ser humano. Esse tipo de

manipulação decorre da ideologia, pois constitui uma das formas habituais do discurso

ideológico, qual seja, a distorção do que é o ideal. Outro tipo de manipulação

ideológica pode ser aquele que advém da comunicação interativa entre as pessoas,

Page 51: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

51

que também é uma maneira de expressar a conduta antiética da prática contábil.

Desse modo, a manipulação contábil é um fenômeno social pernicioso, porque viola

as normas sociais e leva as pessoas a acreditarem ou a fazerem coisas que não

atendem, essencialmente, aos seus próprios interesses ou ao bem comum.

O princípio da verdade na prática contábil é antigo, e se relaciona com a

necessidade de inteligibilidade da informação. Niyama, Rodrigues e Rodrigues (2015)

lembram que, antigamente, os livros de registros contábeis eram escriturados com

uma caneta feita de pena de ave e não podiam conter rasuras ou borrões de tinta, a

fim de permitir a clareza da escrita. Caso contrário, a escrituração tinha que ser

caligrafada novamente, para evitar possíveis distorções na interpretação das

informações registradas.

Já na conjuntura social atual de predominância da racionalidade instrumental,

a Contabilidade passou a ser concebida, exclusivamente, como uma ferramenta de

informação à mercê dos interesses econômicos, estabelecidos sem qualquer critério

ético, e tendo por consequência a elaboração instrumental de uma imagem fictícia da

realidade patrimonial e financeira das organizações, falsificando a verdadeira

informação contábil. Esse é o triste destino da trajetória histórica da Contabilidade,

enquanto um discurso relacionado com a economia (CHIAPELLO, 2007; JONES,

2011).

O problema ético da manipulação contábil está associado, ainda, a constatação

de indícios de fraude. Sobre isso, Souza (2017) sugere que quando o profissional da

Contabilidade identificar a manipulação contábil, ele deve informar o episódio à chefia.

Se não forem tomadas medidas adequadas para sanar o problema, ele deve renunciar

às suas funções, para evitar o seu envolvimento na situação. Porém, o que se verifica

é que, quase sempre, a origem da manipulação contábil conta com a participação

direta do contador.

Nesse contexto, quando a Contabilidade adota uma estrutura moral

exclusivamente capitalista, ela perde a sua legitimidade, porque não se torna apenas

um recurso para a constituição da linguagem principal dos negócios, mas também o

porta-voz primordial de um sistema perverso e corrompido. A fraude contábil,

manifestada como roubo, desfalque, estelionato, falsificação, entre outras, acontece

nas organizações quando o contador e os gestores, visando à atender os seus

objetivos e metas econômicas, adulteram ou omitem intencionalmente informações

para lesar o outro, seja um cliente, um fornecedor, um parceiro, ou até mesmo o

Page 52: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

52

governo, que representa os interesses da sociedade. Em outras palavras, mesmo

quando se constitui o discurso de que não há dolo nas fraudes contábeis, tais atos

significam “enganar os outros em benefício próprio” (IUDÍCIBUS; MARION; PEREIRA,

2003, p. 111).

Portanto, inúmeras contestações dos relatórios adulterados das

demonstrações contábeis estão sendo realizadas na sociedade. Talvez seja devido à

percepção geral de que é conveniente para os profissionais corrompidos em sua

conduta ética não tomarem qualquer providência para cessar o ato ilícito. Uma

alternativa possível para diferenciar o que é ato contábil fraudulento, é analisar o que

está subjacente à intenção de praticá-lo. Isso ajudará a determinar se o ato foi

deliberado ou um erro acidental. No entanto, o que se verifica é que a fraude contábil

possui, quase sempre, a característica de dolo, cometido premeditadamente e com

intuito de obtenção de vantagem, embora o erro possa ser caracterizado como ação

ou omissão involuntária (JONES, 2011; SÁ; HOOG, 2010, p. 21).

Nos Estados Unidos, por exemplo, os escândalos sobre a falta de ética nas

práticas contábeis da Enron e da WorldCom causaram repercussão tão intensa, que

levou o congresso norte-americano a questionar se os contadores eram corruptos ou

incompetentes. De fato, os atos ilícitos violam os princípios éticos-morais da

sociedade, e devem ser considerados como evidências de corrupção de caráter.

Neste sentido, é importante salientar que a corrupção é um fenômeno multifacetado,

com implicações negativas e prejudiciais para o crescimento da sociedade

(CARNEGIE; NAPIER, 2012; JAIN, 2001). O corrupto procura se servir dos seus

proveitos a qualquer custo, se destituindo de qualquer propensão psicológica para os

valores e as referências éticas.

Jones (2011) apresenta ‘contabilidade criativa’ como um termo que representa

a corrupção na prática contábil contemporânea. Ele afirma que, sob essa perspectiva,

a Contabilidade torna-se um instrumento, no qual são empregados procedimentos de

magicking para preparar relatórios de acordo com os interesses dos usuários. A Figura

1 ilustra esta prática, evidenciando a racionalidade discursiva que circunscreve o tipo

de profissional que a exerce.

Figura 1 - Charge sobre Contabilidade Criativa

Page 53: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

53

Fonte: Jones, 2011, p. 3.

A contabilidade criativa se destaca como tema polêmico, porque sobrevém de

uma proposta problemática, a partir do momento que ela é utilizada para se cometer

atos fraudulentos no âmbito das ciências contábeis. Ela corresponde a banalização

da manipulação de informações para fins utilitários. Logo, qualquer ação de reter ou

de manipular deliberadamente informações, para fazer com que outras pessoas

reajam contrariamente à maneira que fariam se tivessem informações verdadeiras,

tem por premissa a mentira. A contabilidade criativa é uma espécie de ‘maquiagem’

da realidade patrimonial de uma instituição, decorrente da manipulação dos dados

contábeis para se apresentar a imagem desejada pelos gestores da informação

contábil. Ao empregá-la para alcançar os números desejados, o contador corre o risco

de perder a sua integridade e cometer atos antiéticos. Em outras palavras, elaborar

fatos contábeis que não nunca existiram significa ter um relatório fantasma

(COSENZA, 2003; JONES, 2011; KOEHN, 2005).

Portanto, fatores sociais, governamentais e políticos precisam ser levados em

consideração no estudo dos problemas éticos. Por conta disso, pesquisas voltadas

para a ética na prática contábil revelam diferentes aspectos desse problema. Sidani,

Ghaneme e Rawwas (2014) realizaram uma investigação para verificar o que pode

induzir o contador autônomo e o contador vinculado à uma organização a cometerem

falhas éticas. O resultado mostra que as razões deles se envolverem em práticas de

sonegação de impostos são variadas, tais como: interesse próprio; ameaça do

governo pela imposição de cobrança de altos juros; incapacidade de ser fiel aos

princípios éticos; influência do ambiente organizacional; falta de competência;

ausência de instruções éticas na organização; colaboração de outras áreas

relacionadas com as práticas contábeis. Os autores concluem que as combinações

Page 54: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

54

de corrupção com evasão fiscal em muitos países são consideradas expressão de

moral reduzida, atingindo extremamente o desempenho econômico, e desafiando as

universidades a transmitirem ensinamentos aos futuros contadores sobre o

conhecimento ético e o seu comportamento no local de trabalho.

O ensino da postura ética do profissional contábil é indispensável no currículo

dos cursos de Contabilidade, uma vez que a consciência ética de muitos deles tem

diminuído ao longo dos anos. Koehn (2005) adverte que, nos dias de hoje, as

exigências do currículo de Contabilidade deixam pouco tempo disponível para tal.

Assim, o treinamento ético fornecido na sala de aula não prepara adequadamente os

futuros profissionais para os dilemas do mundo real. Por isso, é preciso enfatizar as

questões da ética no currículo de Contabilidade, como um requisito de educação

continuada (BLANTHORNE; KOVAR; FISHER, 2007).

Sobre essa questão, Maxfield, Bourne e Peterkin (2016), ao pesquisarem a

disciplina de ética no currículo dos cursos australianos de Contabilidade, sugerem que

o ensino do comportamento ético inicie a partir da escola primária, com

esclarecimentos para as crianças do papel da punição na contenção de desvios de

conduta. Já Blanthorne, Kovar e Fisher (2007), ao analisarem a opinião de educadores

e estudantes acerca da matéria de educação ética no curso de Contabilidade,

observaram que os educadores acreditam que o desenvolvimento ético é necessário

para restaurar a confiança pública mediante os escândalos contabilísticos recentes.

Porém, os estudantes não parecem compartilhar a mesma opinião, ao indicarem que

a falta de educação ética no currículo não contribuiu para essa ocorrência. A pesquisa

revela, ainda, a necessidade de mais integração do corpo docente nas questões éticas

para melhorar a qualidade do ensino, pois os professores preferem se concentrar

principalmente nas suas próprias áreas de especialização técnica, e deixam como

prioridade secundária o ensino da ética. Por conseguinte, a falta de qualificações do

corpo docente para ensinar ética também é uma preocupação.

Finalmente, o estudo realizado por Smith, Smith e Mulig (2005) teve por objetivo

verificar a importância e o papel atribuídos à ética pelos estudantes para a

Contabilidade e para os negócios. Os resultados mostram que a inclusão de um

ensino de qualidade da ética em sala de aula é um dos pontos mais importantes que

os educadores precisam solidificar, à medida que fornece subsídios para se discutir

verdades mais profundas sobre como fazer negócios e viver bem a vida.

Page 55: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

55

Desse modo, a Contabilidade tem grandes desafios a enfrentar, entre os quais

o de não deixar que a confiança dos seus usuários se perca, além do de preservar a

imagem e o status profissional do contador. Isso porque o exercício da profissão

contábil abrange uma variedade de procedimentos que requerem a consideração de

princípios éticos e, consequentemente, o empecilho do uso de práticas tais como

contabilidade criativa, fraude e evasão fiscais, entre outras, vistas como

enfraquecimento da conduta de alguns contadores.

3.3 CONCLUSÃO

As particularidades do cenário contemporâneo têm exigido das organizações a

implantação de mudanças que envolvem muito mais do que questões econômicas.

Em grande parte, tal exigência tem sido provocada por uma espécie de consciência

ética, que eclode em decorrência dos problemas sociais advindos das ações das

organizações, resultando, nas esferas do Estado e da sociedade civil, em uma

inquietação com a sua responsabilidade social. Nesse sentido, o ensino da ética nos

círculos de formação profissional, tais como instituições de ensino superior,

associações de classe e profissionais, cursos profissionalizantes, entre outros, devem

ser conduzidos de forma a alinhar o comportamento das pessoas no trabalho com

valores socialmente aceitos de conduta ético-moral.

Essa necessidade se torna mais premente se for considerado que o mundo

capitalista foi colonizado com base em um sistema de valores utilitaristas, moldado

pela racionalidade instrumental, que leva as pessoas a descartarem valores e

princípios éticos universais. Um dos argumentos centrais do enfoque econômico

utilitarista é o desejo exclusivo de ganho econômico, que se manifesta na conduta

voltada para esse fim, independente dos meios utilizados. Em última instância, o

sistema de valor utilitarista influencia as pessoas a desenvolverem estratégias de ação,

que as condicionam a atuar de acordo com uma lógica individualista, muitas vezes em

detrimento de interesses sociais mais amplos.

Nesses termos, o sistema capitalista, pelo viés utilitarista, estreita a concepção

ética de profissionalismo operacionalizada na Contabilidade. Porém, se ela permite a

condução da ação unicamente pela razão instrumental, esse dilema ético encontra

meios de resolução na contabilidade criativa. A astúcia decorrente desse tipo de

Page 56: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

56

comportamento envolve certa combinação de intenções, com o uso das práticas

contábeis como cúmplice de um processo individualista, eticamente adormecido, sem

identidade, para demostrar resultados financeiros melhores conforme interesses

particulares. Desse modo, os riscos de inversão da moral surgem quando a

consciência ética do contador enfraquece e a força dos indicativos do raciocínio

instrumental-utilitarista domina a linguagem dos negócios.

Portanto, tal tipo de dominação tem afetado as práticas da Contabilidade

especificamente no que diz respeito aos princípios éticos e à postura do contador,

concentrando os seus dilemas éticos sobretudo nos pressupostos de verdade e de

inteligibilidade, que são de extrema importância. Tornar os procedimentos contábeis

inteligíveis para os usuários e para a sociedade é uma questão de caráter e de

conduta profissional, que pode ser vista sob nova referência de ética. Para isso, uma

das alternativas é compreender a perspectiva do filósofo alemão Jürgen Habermas

sobre ética discursiva, que permite considerar a Contabilidade como uma prática

discursiva, conforme será apresentado no capítulo a seguir.

Page 57: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

57

4 A CONTABILIDADE ENQUANTO DISCURSO

O discurso pode ser entendido como o uso da linguagem, e tem sido

empregado como uma forma de prática social. É uma atividade voltada para a

interação, na qual as pessoas se relacionam enquanto falantes e ouvintes para

produzir significado. Nesse sentido, o discurso também pode ser definido como um

sistema de declarações para compor um assunto, manifestando-se em textos, obras

de arte, imagens, entre outros modos de comunicação. Em determinado contexto, ele

justifica o papel da argumentação com pragmática transcendental, ou seja, como um

meio racional para alcançar a compreensão do que está sendo dito pelo falante. Logo,

o discurso representa o mundo e, por conseguinte, informa as coisas e estabelece

significados da realidade (PHILLIPS; LAWRENCE; HARDY, 2004).

Qualquer discurso abarca as intenções de dizer algo a respeito de alguma coisa.

Os textos das práticas contábeis são reproduzidos no formato de relatórios. Logo, a

Contabilidade é uma forma de linguagem, formadora de opiniões para a tomada de

decisão no âmbito dos interesses humanos, com o papel essencial de produzir

discurso. Ela tem propriedade pragmática ampla, e está sujeita a um processo de

comunicação, que afeta a vida das pessoas de maneiras diferentes. Como tal, o seu

discurso precisa ser considerado no contexto de uma análise histórica dos aspectos

econômicos, sociais e culturais (FERGUSON, 2007; LEHMAN, 1995).

A realidade dos negócios sempre foi anunciada pelos registros da

Contabilidade, estabelecidos entre os domínios da teoria, da prática e da linguagem

com a incumbência de oferecer uma mensagem confiável. Sob essa perspectiva,

Iudícibus et al. (2011) afirmam que a teoria contábil deve instituir o seu objeto de

pronunciamento contábil em torno de uma fala bem estruturada. Assim, as práticas

discursivas da Contabilidade produzem textos acomodados por um sistema

numericamente codificado, para descrever resultados que devem ser comunicados

para os seus usuários (FERGUSON, 2007; LLEWELLYN; MILNE, 2007).

A leitura dos relatórios das demonstrações contábeis revela uma verdade a ser

conhecida. Contudo, muitas vezes a produção e a recepção do texto escrito não estão

inteligíveis. Ademais, alguns textos da Contabilidade podem ser usados como retórica,

para persuadir o público de interesse. Um exemplo disso são os relatórios anuais

polidos, que apresentam comentários sobre o impacto social e ambiental das

Page 58: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

58

atividades das organizações, produzidos para que determinado público as encarem

com bons olhos, acreditando que elas preservam o meio ambiente (BOLAND JR, 1993;

FERGUSON, 2007; WILLIAMS, 2004).

Todavia, é necessário que a contabilidade produza uma linguagem que possa

ser compreendida por especialistas e pela sociedade em geral. Habermas (2012a)

alega que toda informação precisa ter validade e ser inteligível, para que haja

captação do conteúdo e, por conseguinte, traga a si própria o entendimento. Sendo a

Contabilidade uma linguagem profissional complexa, tais atributos apontam para a

sua criação de modo a não acarretar divergência ou ambiguidade na sociedade.

Power e Laughlin (1996), em um estudo sobre o discurso da Contabilidade pela

ótica da teoria crítica da ação comunicativa de Habermas, verificaram que uma das

críticas que ela enfrenta é se desvirtuar da sua imagem, quando retira da sua

linguagem as questões necessárias de qualquer sistema contábil, quais sejam, a

facticidade e a validade, fronteiras entre as informações sagradas e profanas das

organizações. Os autores também afirmam que o discurso da Contabilidade está

sendo afetado pela interferência da racionalidade instrumental, em que a pressão do

utilitarismo tenta distorcer a facticidade do seu próprio contexto, que repousa sobre a

legitimidade da veracidade.

Em outras palavras, a operacionalidade das práticas contábeis se tornou o

discurso da colonização de um sistema capitalista, centrado em ganho financeiro e

poder, uma vez que nas maiores fraudes criadas no mundo financeiro sempre foram

produzidos relatórios auditados por empresas reconhecidas no meio contábil

(CHAMBERS, 1999). Williams (2004) lembra que todo o esforço para debater o

significado de índices e de ferramentas de análise aparentemente não ajudou a

maioria dos analistas, que recomendaram a compra de ações da Enron até o dia em

que se declarou a sua falência. Segundo o autor, o problema sério do discurso contábil

tem sido a transformação da função contábil em uma relação meramente técnica,

porque muitas universidades não fornecem treinamento adequado, que permita aos

alunos desenvolverem as habilidades de julgamento e de tomada de decisão

profissional.

Chambers (1999) elabora uma narrativa sobre a pobreza do discurso da

Contabilidade, no sentido de que os seus produtos são ‘discursos’, concebidos por

contadores para informar a situação financeira da organização para executivos,

investidores e financiadores interessados no lucro e na solvência dos negócios.

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Entretanto, ninguém, absolutamente ninguém, a não ser quem fez os cálculos, pode

saber qual foi o conjunto de regras usado na organização naquele ano. As chances

são de que, em determinado ano, as empresas listadas nas bolsas de valores não

calculem a sua riqueza e renda da mesma maneira. Para o autor, até que isso seja

resolvido, a Contabilidade seguramente será atormentada pela pobreza do seu

discurso.

Nesse sentido, Hendriksen e Van Breda (1999) aconselham que a divulgação

seja adequada, justa e completa. Todas as etapas da contabilização são importantes,

porque uma depende da outra para atingir a revelação das informações contábeis,

pronunciadas para os seus usuários na forma de discurso.

Brown e Yule (1988) afirmam que a coesão contabiliza as relações semânticas

essenciais, para que qualquer passagem de fala ou de escrita esteja habilitada para

funcionar como um texto. Phillips, Lawrence e Hardy (2004) reiteram que, assim, a

Contabilidade pode maximizar a divulgação dos seus textos por meio de notas

explicativas completas, precisas e inteligíveis, para impedir que intérpretes não

habilitados disseminem informações enganosas. Ela pode se dedicar, também, ao

aumento dos seus recursos, da sua autoridade, da sua centralidade e,

consequentemente, da sua legitimidade, para garantir que os textos sejam

reconhecidos como fundamentais para a tomada de decisão nos negócios.

Portanto, as disposições de comunicação são bastante visíveis na

Contabilidade. E a Teoria do Agir Comunicativo (TAC), de Habermas (2012), possui o

potencial de apoiar a interação comunicativa no processo de elaboração e de

enunciação dos relatórios contábeis para a tomada de decisão, além de preservar a

função real da Contabilidade pela disposição das pretensões dos critérios de

veracidade, sinceridade, legitimidade e inteligibilidade. Sob a visão habermasiana, o

discurso da Contabilidade instiga, ainda, uma análise contínua a respeito das suas

práticas, pois está alinhado aos interesses particulares de uma sociedade

contemporânea regida por uma moralidade radicalmente utilitarista e individualista

(ARRINGTON; PUXTY, 1991).

4.1 O DISCURSO PARA HABERMAS

O filósofo alemão Jürgen Habermas, um dos intelectuais mais importantes da

atualidade, se preocupou em compor uma teoria crítica da modernidade, que trata de

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assuntos pertinentes às patologias do sistema capitalista. A Teoria da Ação

Comunicativa (TAC) de Habermas (2012), na qual ele procura esclarecer as

possibilidades da razão, da emancipação e da comunicação racional-crítica pela

adoção da ação comunicativa.

As bases da teoria de Habermas perpetram em muitos debates na literatura

sociológica, para o entendimento das limitações que permeiam o modelo central das

práticas universais do homem de modo racional, tomando a razão comunicativa para

resgatar a sua forma legítima de emancipação na sociedade. A racionalidade

comunicativa é considerada por Habermas para equilibrar dois níveis da sociedade,

quais sejam, os paradigmas do mundo da vida e do sistema, principalmente para lidar

com as questões da ética. O equilíbrio entre estilos cognitivos diferentes e as suas

respectivas modalidades de práxis é o centro da teoria da ação comunicativa

(ARAGÃO, 1992; LEHMAN, 1995; POWER; LAUGHLIN, 1996).

A Figura 2, apresentada na sequência, mostra as relações da comunicação

com o mundo, criado pelos atores (A) mediante exteriorizações (AC), de acordo com

Habermas (2012b).

Figura 2 - Relações dos Atos Comunicativos com o Mundo

Fonte: Habermas, 2012b, p. 232.

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61

O mundo objetivo (o mundo das coisas), o mundo social (o mundo das leis, das

normas e da cultura) e o mundo subjetivo (dos sentimentos) estão envolvidos em um

processo comunicativo, mediados pela linguagem. Para Araújo (2001, p. 209):

um ato de fala comunicativo ajusta-se ao mundo objetivo formado pelo conjunto das entidades sobre as quais é possível um enunciado verdadeiro; ao mundo social, conjunto das relações interpessoais legitimamente reguladas; e ao mundo subjetivo, conjunto das vivências do falante.

O agir comunicativo domina as situações do mundo da vida. Ele tem dois

recortes: “um é o teleológico, relacionado com à concretização de fins (ou a realização

de um plano de ação), e o outro é o comunicativo, que abrange aspectos da

interpretação da situação e da obtenção de um acordo” (HABERMAS, 2012b, p. 233).

O mundo da vida está contextualizado no agir comunicativo dos homens, porque a

natureza dialógica é própria da vida humana. Esse agir dialógico tem mostrado, ao

longo do tempo, que é uma linguagem formadora de opiniões, em que qualquer modo

de ação comunicativa se manifesta no discurso, e pode ser utilizado como recurso

para moldar e constituir realidades (HABERMAS, 2012b).

A tarefa da teoria crítica habermasiana é acomodar um equilíbrio entre

pensamento e ação. Para Habermas (apud HEATH, 2014) o mundo da vida toma a

forma tanto de conhecimento transmitido culturalmente, como de padrões de

comportamento expressos nas normas sociais. Em razão disso, ele “identifica na

filosofia da linguagem de cunho analítico os pressupostos de validade do ato de fala,

onde se encontra o fundamento da racionalidade comunicativa” (VIZEU, 2011, p. 66).

Assim, pela linguagem é possível acontecer a integração social.

A TAC deriva de um projeto frankfurtiano, desenvolvido por Habermas para

criticar a cultura capitalista da sociedade moderna no contexto histórico do mundo da

vida. Fundamentado na filosofia da linguagem, ele apresenta a sua teoria destacando

a centralidade do processo da comunicação humana, e seguindo a tendência das

ciências sociais denominada ‘virada linguística’. “Nessa abordagem, a reivindicação

emancipatória da razão é alcançada pela interação intersubjetiva, que é praticada por

membros da mesma comunidade comunicativa” (VIZEU, 2015, p. 188). Ou seja, os

participantes dessa comunidade usam expressões linguísticas próprias, para

alcançarem o entendimento compartilhado para conviver. De acordo com Zanella

(2012, p. 134):

Page 62: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

62

a linguagem mediatiza toda a relação significativa entre o sujeito e o objeto. De modo mais fundamentado ainda, esse tipo de relação está decisivamente presente em toda a comunicação humana, o que insinua um mútuo entendimento sobre o sentido das palavras usadas e sobre o sentido das coisas mediadas pelos significados das palavras, já que se trata do jogo linguístico do argumentar, o qual segue regras, e, por isso, é acessado de modo intersubjetivo.

Na TAC a linguagem é compreendida “como ação dialógica intersubjetiva,

único modo capaz de evitar que as relações estratégicas decorrentes da rigidez do

sistema com suas leis de mercado, juntamente com o poder político de influência

(Estado, mídia, propaganda), penetre no mundo da vida” (ARAÚJO, 2001, p. 205). O

entendimento do sujeito é resgatado com argumentos de verdade, correção e

veracidade, impostos sobre uma racionalidade comunicativa, com o intuito de

emancipá-lo e libertá-lo da dominação ditada pela razão instrumental, que aflige, de

forma coercitiva, o seu modo de viver e de agir eticamente em situações do mundo da

vida (HABERMAS, 2012b).

Ademais, a orientação para o êxito pragmático é contestada, pois, como um

imperativo da racionalidade instrumental, permeia as organizações e as condiciona

para a criação de um ambiente relacional manipulado. Habermas (2012a, p. 573)

alerta que a comunicação sistematicamente deturpada ocorre conforme apresentado

na Figura 3, a seguir.

Page 63: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

63

Figura 3 - Teoria do Agir Comunicativo

Fonte: Habermas, 2012a, p. 574.

Como exposto anteriormente, a intervenção estratégica, mesmo sendo

mediada pela linguagem, não serve como exemplo de agir orientado pelo

entendimento. A ação estratégica, baseada na razão instrumental, fundamenta a

comunicação orientada para o êxito, na medida que o sujeito é induzido a tomar

decisões que lhe parecem favoráveis, junto com a sua predisposição para o alcance

de seus objetivos (VIZEU, 2009). Nesse caso, o êxito determina as ocorrências

desejadas, em um mundo que negligencia as regras de comportamentos éticos,

admitidos pela sociedade. Como afirma Heath (2014, p.14)

de fato, Na sociabilidade humana, é preciso ter em mente a postura de agir corretamente, não porque existe uma norma proibindo e punindo danos causado aos outros, mas por se estar consciente de fazer o que é certo.

Pela tentativa de conscientizar o sujeito de que as emboscadas aéticas,

advindas do capitalismo, capturam as condutas adequadas da sociedade

contemporânea, retoma-se a necessidade de se dialogar sobre questões da ética

(HEATH,2014). Os princípios éticos são identificados a partir de uma ação

moralmente reconhecida pela sociedade, que, simultaneamente estabelecidos por

juízos de valores, são armazenados na consciência dos sujeitos. Segundo Teixeira

Page 64: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

64

(2017, p. 312), Habermas pretende “uma ética universal inserida no meio social, sendo

que, neste espaço é passível de erros, levando em consideração a própria ação que

é exercida na comunidade. Mas esses erros são corrigíveis dentro do entendimento

mútuo”.

Assim, o pensamento habermasiano se fundamenta na reconstrução da

racionalidade comunicativa pela orientação do comportamento ético, com a crença na

possibilidade de reconquistar um espaço no qual os cidadãos possam participar de

uma discussão que tenha validade.

4.2 A ÉTICA DISCURSIVA DE HABERMAS

Inúmeros conflitos éticos têm sido desencadeados na sociedade capitalista

atual, uma vez que sujeitos expressam discursos baseados em falácias, concebidos

na ação estratégica, ignorando afirmações éticas e esquecendo de colocar em prática

costumes morais, habitualmente considerados como válidos para resguardar a

conduta adequada dos demais seres humanos. É nesse ambiente, compreendido

entre a guinada linguística e a pragmática universal, que Habermas se situou para

apresentar a proposta do agir comunicativo, a fim de conduzir o sujeito a fazer parte

das interações sociais e contrapor a concepção de ação estratégica, que ignora a

consciência moral. A moral:

diz respeito à regulação da vida para conformá-la à coletividade em que se vive, razão pela qual se refere às normas sociais reguladoras da vida social. Assim, a conduta moral é regida pela noção do justo, ou seja, pela conformidade da ação com o interesse de todos (VIZEU; MACADAR; GRAEML, 2016, p. 988).

Habermas desenvolveu ideias para lidar com as questões éticas, na tentativa

de orientar o sujeito como agir em situações complexas na colonização do mundo. Ele

pretendeu dar continuidade à aplicação do princípio de universalização e sua relação

com a afirmação de validade, supostamente levantada em todos os atos de fala,

elaborando, junto com Karl-Otto Apel, a teoria da ética discursiva, no final da década

de 1960. Tal teoria é reconhecida como uma das teorias críticas mais abrangentes do

paradigma interativo (HEATH, 2014).

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Partindo da teoria pragmática de Ludwig Wittgenstein, o filósofo da linguagem

britânico John Langshaw Austin foi o primeiro a propor o uso dos atos de fala para

verificar de modo sistemático os fenômenos pragmáticos. Ele distingue três atos de

fala, quais sejam, os locucionários, os ilocucionários e os perlocucionários, que

“podem ser caracterizados [...] com as seguintes palavras-chave: dizer algo; agir

enquanto se diz algo; realizar algo por meio de se estar agindo enquanto se diz algo”

(HABERMAS, 2012a, p. 501). De acordo com Souza Filho (2006, p. 226-227), quando

“Austin trouxe a proposta dos atos de fala, a tipologia deveria servir para a

identificação da força ilocucionária do proferimento nos casos em que o performativo

não é explícito, bem como nos casos em que o verbo performativo e a força

ilocucionária não coincidem exatamente”.

Habermas (2012a) observa que Austin analisa os atos de fala como um todo e,

assim, ignora a evolução da teoria dele, ao não supor que os atos ilocucionários e

perlocucionários acarretam interações diferentes no contexto do agir comunicativo.

Desse modo, o pensamento habermasiano se ajusta no encadeamento das ideias

sobre o assunto elaboradas, posteriormente, pelo filósofo norte-americano J. R.

Searle.

No âmbito da teoria dos atos de fala de Searle (1969), os atos locucionários e

ilocucionários são considerados atos de enunciação, porque advêm do emprego da

dimensão linguística pelo teor das sentenças. Por exemplo: o ato de dizer algo - ‘a

terra é redonda’ - é locucional, e não é diferente do ato ilocucionário. Por conseguinte,

os atos performativos são distintos dos atos ilocucionários, porque não interagem

utilizando os recursos da linguagem para atingir um efeito proposital para determinado

fim.

Habermas, analisando a teoria de Searle, desenvolve a teoria do agir

comunicativo fundamentada em interações mediadas pela linguagem, na qual os

falantes alcançam entendimento. Assim, Habermas (2012a, p. 503) afirma que “com

a ajuda dos atos ilocucionários o falante dá a conhecer sua vontade de que

compreenda o que ele disse, enquanto saudação, ordem, admoestação, explicação,

etc. Cabe ao ouvinte entender o teor manifesto de ação de fala”.

Os atos ilocucionários são considerados como o núcleo do ato da fala. Uma

das suas características é possibilitar o ouvinte alcançar o significado do que o falante

disse. Searle (1969) acredita que os atos ilocucionários são o ponto de comunicação

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66

quando os sujeitos se comprometem a fazer algo, ou seja, eles são diretivos quando

tentam fazer com que os ouvidos façam algo.

Searle (1987) identifica cinco categorias de atos de linguagem: constatativos,

diretivos, comissivos, declarativos e expressivos. Os atos constatativos, ou

representativos, são os que escrevem, relatam ou afirmam o estado das coisas, que

podem ser aceitos pela linguagem. Os atos diretivos são as ordens, o comando, são

os que declaram algo, de modo positivo ou imperativo, com a intenção de direção de

ajuste. Os atos comissivos são aqueles em que o falante realiza a ação no futuro, são

as promessas. Por fim, os atos expressivos não apresentam condição de ajuste, pois

eles simplesmente pressupõem a verdade da proposição expressa, como são as

felicitações, as desculpas.

Conforme Oliveira (2001), Habermas realiza uma sistematização de tais atos

de fala, apoiando-se na regra essencial de Searle. Por meio do recorte de uma

tipologia teórica, ele divide os atos de fala ilocucionários nas quatro classes abaixo.

Atos comunicativos: servem para exprimir o sentido da conversa, isto é,

explicitam o sentido do proferimento enquanto proferimento. Qualquer

conversa pressupõe uma compreensão preliminar fática do que significa

comunicar-se na linguagem, compreender proferimento e, possivelmente, e

compreendê-los mal. Exemplos: dizer, falar, perguntar, objetar, contradizer.

Atos constatativos: expressam o sentido do uso cognitivo de sentenças, ou

seja, explicitam o sentido das declarações enquanto sentenças declarativas.

Exemplos: descrever, comunicar, narrar, explicar, interpretar etc.

Atos representativos: servem para expressar o sentido pragmático de

autorrepresentação de um falante a um ouvinte, ou seja, explicitam o

sentido de expressões, intenções e atitudes do falante. Nesse caso, os

exemplos advêm das sentenças intencionais como saber, pensar, querer,

desejar, amar, odiar, manifestar, ocultar etc.

Atos regulativos: exprimem a realização de ações regradas

institucionalmente. Em contraposição às três primeiras classes, não

pertencem aos universais pragmáticos por pressuporem instituições,

enquanto os atos universais constituintes do diálogo geram, primeiramente,

as estruturas universais da situação da fala. Exemplos: saudar, agradecer,

dar os pêsames, casar, apostar, batizar, nomear etc.

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67

No que se refere aos atos perlocucionários, Leech (1983) concorda com

Habermas (2012a), ao afirmar que eles estão fora do domínio da teoria da fala, porque

os seus efeitos são uma questão à parte. Os efeitos perlocucionários “são indícios da

integração de ações de fala a contextos de interação estratégica” (HABERMAS, 2012a,

p. 507). Logo, “o fim perlocucionário de um falante (assim como qualquer propósito

que se procura obter com ações voltadas a um fim) não surge do teor manifesto da

ação de fala; só se pode desvendar esse fim por meio da interação de quem age”

(HABERMAS, 2012a, p. 503). Desse modo, no seu ato de fala, o falante exerce a

influência causal de persuadir ou de convencer, para materializar o agir estratégico

com o objetivo de bloquear a comunicação.

Considerando que o ato perlocucionário se manifesta na ação estratégica,

Uribe Riviera (1995, p. 27) enfatiza que ela se apresenta:

não com um desempenho discursivo, mas com o poder antecipado [...]. Em todas as circunstâncias de interação em que a aceitação de obrigações de ação (decorrentes do ato de fala) por parte do destinatário e, as expectativas de ação do falante, não residem em pretensões de validade e no desempenho das pretensões de validade (através de razões), podemos falar em ações estratégicas. Estes tipos de ações substituem as pretensões de validade por pretensões de poder.

O embaraço das ações estratégicas pode causar ruídos nos sentidos da fala,

notados na distorção das expressões linguísticas em interações comunicativas.

Segundo Vizeu e Cicmanec (2013, p. 154), Habermas distingue quatro tipos de

manipulação dos sentidos, cada um deles remetendo à uma dimensão ontológica do

sujeito no mundo:

A manipulação da veracidade dos proferimentos, dada pela mentira e/ou

pela omissão dos fatos concretos.

A manipulação da sinceridade, dada pela manifestação demagógica do

falante sobre as suas próprias impressões pessoais, camuflando os seus

interesses e/ou sentimentos reais em relação ao mundo e aos outros.

A manipulação da retidão, na qual se omite ou se distorce o conteúdo moral

dos proferimentos.

A manipulação da inteligibilidade, dada no sentido de se comprometer a

clareza do proferimento com a intenção de induzir a interpretação do ouvinte.

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Sob essa perspectiva, Habermas (2012a) alega que, no mundo da vida, a

distorção comunicativa opera no patamar da inteligibilidade, ou seja, daquilo que foi

dito, mas que não foi entendido. Para Uribe Riviera (1995) é necessário descolonizar

o mundo da vida, capturando um sistema no qual se priorize a comunicação em

termos de uma opção definida de entendimento.

Todavia, “se um ato de fala determinar-se para o êxito, para intervenção eficaz

do mundo empírico, trata-se do agir estratégico, no qual a força argumentativa e

consensual da linguagem não é utilizada” (ARAÚJO, 2004, p. 249). Mediante essas

circunstâncias, Habermas (2012a, p. 485) afirma que “é possível através do ato

ilocucionário, delimitar as ações orientadas para o entendimento, com as ações

orientadas para o êxito”. Ele prossegue, ainda, enfatizando que na ação comunicativa:

os aspectos analíticos podem se discernir ações sociais segundo o seguinte critério: ou os participantes assumem uma atitude orientada para o êxito, ou assumem uma atitude orientada pelo entendimento. Sob circunstâncias apropriadas deve ser possível identificar essas atitudes a partir do saber dos próprios participantes. Em primeiro lugar é necessário fazer uma análise conceitual dessas duas atitudes (HABERMAS, 2012a, p. 496-497).

Assim, a teoria habermasiana não se encontra na ação estratégica, porque

quando “surgem ações estratégicas, o interlocutor se preocupa com a orientação para

o sucesso do ato de fala e, nessa preocupação, distorce sistematicamente a

comunicação” (VIZEU, 2015, p. 199). Em outras palavras, o uso estratégico não gera

entendimento nem acordo, uma vez que nesse contexto o falante não tem consciência

de que, muitas vezes, ele age manipulando as informações, distorcendo a

comunicação, porque o seu comportamento racional está voltado para os seus

próprios interesses. A ação estratégica ignora reivindicações éticas, pois:

é orientada para interesses performativos e utilitários. Consequentemente, quando um palestrante executa uma ação estratégica, ele (a) distorce a interação comunicativa ao omitir ou manipular informação (veracidade distorcida), sendo falso sobre as suas intenções atuais e/ou alegando sentimentos dos quais ele (a) carece (sinceridade distorcida), adotando reivindicações morais ilegítimas ou subvertendo-as (distorção da legitimidade) e/ou sendo confuso ou ambíguo sobre o que ele (a) está dizendo (compreensibilidade distorcida) (VIZEU, 2015, p. 186).

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A distorção comunicativa ocorre a favor de um sistema, que opera por meio de

um sistema estratégico de utilidades com o objetivo de restringir a capacidade das

pessoas de agir comunicativamente. No Quadro 1 são apresentados os critérios de

validez dos atos de fala com os exemplos respectivos de distorções comunicativas.

Quadro 1 - Critérios, Dimensões e Mecanismos de Distorção Comunicativa

Critério de validez Dimensão Ontológica Mecanismos de Distorção Comunicativa

Verdade Objetiva Mentira; omissão de informações; adulteração de dados; interpretação conveniente de dados e informações.

Sinceridade Subjetiva Demagogia; sentimentalismo exagerado; intenção de cooperação não comprovada; consideração exagerada com o outro; polidez.

Legitimidade Normativa Desonestidade e transgressão justificadas; falso moralismo; menção a dimensão pública e/ou a valores da sociedade sem necessidade.

Inteligibilidade Compreensiva Ambiguidade; retórica; uso de jargões; uso de metáforas; uso desnecessário de informações; polidez.

Fonte: Vizeu e Cicmanec, 2013, p. 157.

A racionalidade comunicativa produz ação livre e comunicativa. De tal modo,

Habermas (2012a) inclui no agir comunicativo as interações mediadas pela linguagem,

que permitem um espaço para os atos de fala serem comparados em cenários sociais,

que se diferem entre o agir baseado em racionalidade comunicativa e o agir baseado

em racionalidade estratégica. A Figura 4, a seguir, mostra um exemplo de aspectos

pragmáticos externalizados em atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários.

A figura ilustra atos de fala de um garoto com o seu pai. O primeiro quadro

representa o ato locucionário, no qual é usada a dimensão linguística para uma ação

de fala correta, a fim de estabelecer uma relação interpessoal entre eles. O segundo

quadro possui, primeiramente, característica de ato ilocucionário, por ser uma

conversa inteligível, em que o pai expressa a sua opinião, chegando a uma

concordância cada vez mais garantida, com probabilidade de que as pretensões de

validade levantadas poderiam, se necessário, ser cumpridas discursivamente entre a

sentença e os fatos. Entretanto, nesse mesmo quadro o enunciado do filho tem um

efeito vinculado ao ato performativo, no qual ele tenta persuadir o pai em seus planos

de ação, visando ao êxito e não à ação comunicativa. O terceiro quadro representa o

ato perlocucionário, porque mostra a influenciação causal de persuasão feita pelo

garoto. No modelo dos atos performativos são vistas, frequentemente, tentativas de

um falante ensejar que o ouvinte execute determinada ação. No último quadro,

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aparece novamente na fala do pai e do filho o ato perlocucionário, pois o pai reage

com êxito mediante as condições do discurso do filho, que também exulta porque usou

um discurso com sentenças estratégicas.

Figura 4 – Exemplo de Atos Locucionários, Ilocucionários e Perlocucionários

Fonte: Blogmáticas Calvin e Haroldo, 2018.

Os atos locucionários e ilocucionários têm o sentido de separar, como aspectos

analíticos, o teor proposicional e o modus das ações de fala. Porém, os atos

perlocucionários são compreendidos por uma atitude voltada para o interesse pré-

estabelecido, num contexto em que o falante se comunica inconsciente e

sistematicamente deturpado pelas ocorrências de um estado desejado do mundo

(HABERMAS, 2012a).

Os atos de fala da ética discursiva de Habermas tratam das questões sociais,

que envolvem o agir moralmente incorporado na intersubjetividade, com a perspectiva

de levar o sujeito à compreensão de si mesmo e dos outros pelo acordo consensual,

alcançado pela aplicação do princípio da universalização entendido como verdade,

para tomar a decisão inteligível na sociedade (CUARTAS VELEZ, 2005). Essa

abordagem pode ser evidenciada na Figura 5.

Figura 5 - A Ética do Discurso de Habermas

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Fonte: Cuartas Velez, 2005, p.190.

A ética do discurso de Habermas oferece um procedimento intersubjetivo para

o desenvolvimento de normas. Para Teixeira (2017, p. 314) ela “possibilita a

intersubjetividade entre as pessoas, diálogo sem que aconteça dominação, pois a

língua no discurso desenvolvida por Habermas traz em seus traços a

comunicabilidade como organizadora das normas morais com culturas diversas".

Conforme Zanella (2012, p. 131), a estrutura da ética discursiva de Habermas

“é uma proposta de uma ética do “viver bem”, da “felicidade” e da “solidariedade” entre

indivíduos capazes de linguagem e ação”. Habermas (1989a) compõe o relato do

discurso moral-prático, que pode ser argumentado em dois princípios com enunciados

morais distintos. O primeiro é o princípio da universalização (U), e o segundo é o

princípio do discurso (D). Para cada princípio, ele estabelece maneiras diferentes de

explicação da validade e da autenticidade da ética.

O princípio (D), que pode ser chamado de discurso prático, está fundamentado

por normas morais, para validar aquelas “normas de ação com as quais todos os

possíveis afetados pudessem concordar como participantes em discursos racionais”

(HABERMAS, 1998a, p. 107). O princípio (U) representa as discussões em meio a

possíveis controvérsias acerca das normas de ação. Todavia, Habermas (1991)

ressalta que o uso de (U) na validade do discurso moral, significa que a sua

fundamentação deve ser aceita por todos, sem coerção. A respeito disso, Cenci (2006,

p. 113-114) adverte que:

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em razão de as regras do plano lógico-semântico e do plano dialético dos procedimentos firmarem, respectivamente, as condições de sentido e as condições de sinceridade para a validade das argumentações, a fundamentação de (U) não pode ocorrer a partir de tais planos. As condições de sentido e sinceridade são necessárias para a validade do discurso argumentativo, mas não para a fundamentação de (U). Por conseguinte, (U) terá de ser derivado do terceiro plano, o das pressuposições argumentativas procedimentais, ou seja, de pressuposições como as da força do melhor argumento – mediante a ausência de coação e da busca cooperativa da verdade – e da igualdade de direitos a todos os interlocutores.

Para Habermas (1989, p. 88) no discurso moral-prático “só um processo de

entendimento mútuo, intersubjetivo, pode levar a um acordo que é de natureza

reflexiva; só então os participantes podem saber que eles chegaram a uma convicção

comum”. Logo, tal teoria tem como princípio de valimento que “toda norma válida tem

que preencher a condição de que as consequências e efeitos colaterais

previsivelmente resultem de sua observância universal, para satisfazer os interesses

de todo indivíduo, e serem aceitas sem coação por todos os concernidos”

(HABERMAS, 1989, p. 147). De acordo com Pinzani (2009, p. 129):

por isso, que Habermas padronizou “D” para sugerir o acordo comum entre as partes, e como ponto de partida para uma fundamentação de normas morais. A análise do princípio (D) se torna indispensável para entender o comportamento ético das pessoas, e para explicar que a pretensão de validade dos enunciados morais deve ter um princípio que permita distinguir as razões válidas (boas) das inválidas.

Perante as perspectivas da moral, apenas as normas podem dar validade ao

discurso prático. Assim, a pretensão de validez relativa à correção normativa

estabelece vínculos normativos. Habermas (2012a) entende que o julgamento moral

envolve a apresentação de uma pretensão de validade universal, ou seja, o que é bom

para uma pessoa, é bom para todas.

Por conseguinte, um elemento particular da teoria habermasiana está na ação

estratégica. Como Vizeu (2015, p. 199) esclarece:

surgem ações estratégicas quando o interlocutor se preocupa com a orientação para o sucesso do ato de fala e, nessa preocupação, distorce sistematicamente a comunicação. Embora este tipo de ação social seja racional, é assim somente na dimensão objetiva.

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Para conseguir lidar com as situações patológicas conflitivas da sociedade

moderna, Habermas (2012a) recomenda investigar o papel das pretensões de validez

para explicar as questões éticas do discurso.

A pretensão de validez é preenchida pelo pressuposto de ser ato de fala verdadeiro, não no sentido lógico da proposição, mas no sentido pragmático do ato de fala, que possibilita ao ouvinte a constatação, a crítica das razões aduzidas para garantir a legitimidade e a oportunidade do ato de fala de afirmação, sua avaliação com relação à situação de discurso (ARAÚJO, 2001, p. 208).

O agir comunicativo habermasiano se realiza pelo levantamento de pretensões

de validade, ou seja:

de proferimentos ou de atos de fala que se candidatam a um “sim” ou a um “não” dos ouvintes, o resgate das pretensões de validade correspondente à confirmação das mesmas, no caso de uma rejeição dos participantes de uma convicção se obrigar a apresentar argumentos objetivando a possibilidade de algum acordo (URIBE RIVIERA, 1995, p. 25).

Entre o ato de fala e o entendimento, há uma pretensão de interpretação

recíproca. A ação da fala entre indivíduos só tem validez quando tal ação foi orientada

para alcançar entendimento. Portanto, a fala e o texto intervêm no mundo real, a fim

de propiciar o entendimento mútuo nos atos de fala (ARAGÃO, 1992). Segundo

Habermas (2012a, p. 515-516):

um ato de fala, pode ser considerado aceitável quando cumpre as condições necessárias para que um ouvinte possa assumir uma posição, diante a pretensão manifestada pelo falante. Essas condições não podem ser cumpridas de modo unilateral, estando relacionadas apenas ao falante, ou apenas ao ouvinte; mais que isso, são condições para o reconhecimento intersubjetivo de uma pretensão linguística que fundamenta, de um modo típico para o ato de fala, um comum acordo que se especifica conforme o conteúdo e versa sobre obrigatoriedades relevantes para as consequências da interação.

Todo ato de fala supõe uma pretensão de validez, ou seja, de verdade no

mundo objetivo, de correção no mundo social, de sinceridade no mundo subjetivo, que

se expressa como linha orientadora para distinguir os modos básicos de linguagem

(HABERMAS, 2012a). Quando as pessoas falam ou escrevem algo, sempre há o

anseio de validar o que está acontecendo no mundo da vida. Porém:

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o uso efetivo da linguagem na vida cotidiana é muito menos estruturado, muito mais fragmentado do que se observa nos casos e exemplos considerados pela teoria. Este uso é muito mais indireto, oblíquo e incompleto do que a teoria parece ter reconhecido. Isso equivale a dizer que, em larga escala, a Teoria dos Atos de Fala estaria formulando uma concepção idealizada de linguagem. No uso concreto, elementos implícitos têm um papel muito maior do que se admite. [...]. Seria, então, necessário ter à disposição ferramentas para uma análise mais profunda que leve em conta elementos implícitos, incluindo o caráter indireto de certos atos e de certos modos de influenciar a ação do interlocutor, tais como a manipulação, o preconceito, assim como outras características oblíquas e não declaradas que, apesar disso, são determinantes da força ilocucionária desses atos, assim como de seus efeitos e consequências (SOUZA FILHO, 2006, p. 228).

Os atos de fala estão situados em cenários, ou contextos, que podem ser

explícitos ou implícitos. Isto é, pode existir algo que ainda não foi enunciado, que está

oculto (SEARLE, 1969). Ducrot (1987), ao revelar os princípios de semântica

linguística - dizer e não dizer, mostra que os atos de fala podem ser constituídos num

contexto, que determine a inversão das significações expressas com clareza (as

explícitas) por outras que se apresentam de modo obscuro (as implícitas), tais como

ocultar algo, proteger algo, camuflar algo etc.

Esse ponto de vista se refere ao agir comunicativo no mundo da vida,

interligado entre o contexto da integração social e o da integração sistêmica

(HABERMAS, 2012a). Entendidas como dois paradigmas, a integração social e a

integração sistêmica constituem interpretações diferentes das perspectivas de uma

sociedade moderna, ou seja:

duas perspectivas analíticas ou dois princípios de coordenação da ação que se opõem, concorrem entre si e que, no entanto, podem "reconciliar-se" à medida que o uso dos médiuns sistêmicos (o poder e a utilidade econômica) se subordine aos padrões simbólicos do mundo da vida dos atores (ou seja, quando a integração social é dominante) (URIBE RIVIERA, 1995, p. 113).

Habermas (2012a) critica o poder porque, na perspectiva sistêmica, muitas

vezes ele permanece oculto, tanto quanto as relações de dominação e de exploração.

Além disso, ele bloqueia os processos comunicativos no âmbito da ação estratégica.

Sob essa ótica, as pretensões de poder também apresentam aspectos da

realidade social, pertinentes à linguagem do mundo da vida (HABERMAS, 2012a). As

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relações de poder em uma sociedade “produzem a censura, de tal modo que há

sempre silêncio, acompanhando as palavras” (ORLANDI, 2007, p. 83). As pretensões

de poder “falham completamente quando [aplicadas] aos domínios da reprodução

cultural, integração social e socialização. [Elas] não conseguem substituir os

mecanismos de coordenação da ação para o mútuo entendimento” (PINTO, 1995, p.

85).

Assim, a pretensão de poder tem relação com o uso da linguagem e com a

estrutura social, referente às questões de efeitos ocultos na comunicação. O poder é

sancionador, e está vinculado na ação da fala. A pretensão de poder faz parte do

significado de um imperativo, em que o falante cria uma expectativa fundamentada

para que ela prevaleça (HABERMAS, 2012a; FOUCAULT, 1979; TRAPPES-LOMAX,

2002; VAN DIJK, 2006).

Habermas (2012a, p. 534) denomina essa análise de validade dominante, que

pode ser identificada:

pelo aspecto de validade predominante sob a qual o falante gostaria de ver ser compreendida sua enunciação. Quando faz uma declaração, afirma algo, narra, explica, apresenta, prediz, discute, etc., o falante está em busca de um comum acordo com o ouvinte, fundado no reconhecimento de uma pretensão de poder.

Tal abordagem abrange o que o falante disse, é um discurso feito entre

locutores. No entanto, ao longo de um dizer, há uma margem de não ditos, embora

presente (ORLANDI, 2007). Logo, outra maneira de analisar a pretensão de poder

está no silencio. Ou seja, não dizer algo pode ser considerado como discurso pelo

analista. Segundo Orlandi (2007, p. 85), essa reflexão pode levar à seguintes

questões: entre o dizer e o não dizer, desenrola-se todo um espaço de interpretação

no qual o sujeito se move; há recortes que mostram o não dizer, constituindo o

processo discursivo em questão em cada uma das análises. Isso é o que Habermas

chama de “colonização do mundo da vida, o qual será responsável por uma série de

patologias que atingem as sociedades capitalistas contemporâneas, em especial nos

países mais avançados (PINTO, 1995).

Todavia, para que os critérios de uma racionalidade comunicativa sejam

contemplados, em determinado discurso:

Page 76: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

76

os argumentos expressos devem representar aquilo que os interlocutores realmente entendem como verdadeiro (pretensão de validade objetiva), sentem sinceramente (pretensão de validade subjetiva) e acreditam ser os valores e princípios de retidão legitimados em sua sociedade (pretensão de validade normativa) e serem inteligíveis (pretensão de inteligibilidade). A interação humana orientada para o entendimento é a verdadeira relação dialógica, e é denominada por Habermas como a ação comunicativa (VIZEU, 2011, p. 67).

O ser humano é um ser interpretante no mundo. Por isso, a teoria do agir

comunicativo desencadeia situações, que permitem aos sujeitos dialogar com o seu

mundo (espaço vivido), e interpretar dada situação. Por meio da estruturação de uma

linguagem, é possível alcançar entendimento sobre algo no mundo.

Os sujeitos envolvidos na ação comunicativa orientam-se para o entendimento, para lidar com formas de manipulação comunicativas. Cabe ao sujeito determinar seus padrões e valores, para o seu próprio bem viver em comunidade, pois “a tentativa de fundamentar a ética sob a forma de uma lógica da argumentação moral só tem perspectiva de sucesso se também pudermos identificar uma pretensão de validez, associada a mandamentos e normas” (HABERMAS, 1989, p. 79).

Ou seja, o sujeito precisa de orientação de como agir, ao se deparar com uma

situação a ser resolvida de maneira prática, pois “cada cultura constitui sua própria

moral e não há, portanto, como julgar uma norma moral de uma determinada cultura

com base em outra” (VIZEU; MACADAR; GRAEML, 2016, p. 988).

Por certo, a resolução dos conflitos vigentes na sociedade moderna pode

ocorrer por meio de uma estruturação comunicativa entre diferentes sujeitos,

conduzindo-os à formulação de uma ética discursiva. A proposta da ética do discurso

traz um conjunto de questões importantes a serem analisadas, e que devem serem

consideradas com mais seriedade pelas organizações, pelos cientistas sociais e,

principalmente, pela sociedade.

4.3 CONCLUSÃO

Em tempos de turbulência moral e de conflito ético, acredita-se que a teoria da

ética do discurso de Habermas é de grande relevância para a construção da

legitimidade da Contabilidade, no que se refere à compreensão da dimensão moral e

Page 77: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

77

social das suas práticas. O discurso abre novos mundos e cultiva as possibilidades de

um bom viver.

Habermas (2012a) afirma que o ato discursivo é aquele em que a identidade

dos sujeitos se apresenta como intersubjetiva, sendo constituída por relações

verdadeiras ao longo do tempo. Numa economia orientada para o mercado, marcada

por pressões constantes causadas pelo sistema capitalista, faz-se necessário refletir

sobre o discurso das práticas da Contabilidade, na medida que elas têm sido exercidas,

muitas vezes, com base em concepções aéticas.

Nesses termos, a ética discursiva de Habermas pode auxiliar a Contabilidade,

ao oferecer uma maneira de testar se as máximas são verdadeiras ou falsas. Ela

precisa apresentar interpretações adequadas, e uma posição dialógica que satisfaça

as condições ideais nos aspectos da veracidade dos seus relatórios, da ausência de

coerção, entre outros.

A voz da Contabilidade não pode se dúbia. A respeito disso, Laughlin (2012,

p.2) comenta que Habermas, ao se referir aos problemas da sociedade

contemporânea, faz uma citação com efeito metafórico: “a rosa na cruz do presente

pode ter ficado pálida, mas ainda não está completamente desbotada”. Ou seja, a

Contabilidade tem potencial para buscar mais acuidade na criação dos seus discursos,

no sentido de criar possibilidades de reivindicações de validade relativas à verdade, a

fim de atender a sociedade e as organizações com resultados precisos, inteligíveis e

eticamente corretos.

Page 78: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

78

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia científica serve para sistematizar e organizar dados da realidade

com vistas ao conhecimento dos fenômenos. Ela pressupõe o emprego de um

conjunto de procedimentos e de técnicas, que, com o passar do tempo, têm se tornado

cada vez mais robustos e se multiplicado na literatura especializada, proporcionando

aos pesquisadores condições mais adequadas para fazer as suas escolhas, e

garantindo-lhes um senso de visão a ser seguido no decorrer da investigação

(CRESWELL, 2007; STRAUSS; CORBIN, 2008).

Assim, a metodologia da pesquisa é definida a partir de uma postura específica

do pesquisador em relação à realidade empírica focalizada e ao quadro teórico

traçado, implicando em um olhar investigativo, que articula procedimentos

previamente estabelecidos e legitimados pela comunidade científica com outros

constituídos criativamente com base em argumentos consistentes. Ou seja, o olhar

metodológico “inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método), os

instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do

pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade” (MINAYO,

2008, p. 14).

Neste capítulo são apresentadas as características da delimitação

metodológica da presente investigação, que se pauta na reflexão acerca do discurso

ético da Contabilidade, sobretudo no que se refere ao foco na inteligibilidade das

informações contábeis. Para tanto, possui orientação qualitativa, com a utilização de

recursos analíticos selecionados, em especial, a partir da Teoria do Agir Comunicativo

de Habermas (2012). O Quadro 2, a seguir, revela os tópicos que compõem o

fundamento teórico de referência, com os autores das obras consultadas para

desenvolvê-los.

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79

Quadro 2 – Fundamento Teórico de Referência da Pesquisa

Tópicos Autores

Inteligibilidade - Pretensões de Validade

Para explicar as questões éticas do discurso

da Contabilidade

Vizeu, Macadar e Graem (2016); Vizeu (2011,

2015); Habermas (1987, 1989, 2002, 2012); Heath

(2014); Pinzani (2009); Low, Davey e Hopper

(2008); Araújo (2001).

Constituição da legislação para a

atividade contábil

Souza (2017); Castro (2017); Ezzamel e Xião

(2015); Niyama, Rodrigues e Rodrigues (2015);

Miller e Power (2013); Conselho Federal de

Contabilidade (2008a, 2008b, 2010); Hassan (2008);

Iudícibus (2009); Alexander e Jermakowicz (2006);

Peleias e Bacci (2004); Lee (1990); Couto (1989);

Puxty et al. (1987).

Questões relacionadas com as demandas

ético-morais

Maxfield, Bourne e Peterkin (2016); Vizeu (2015);

Cortella (2009, 2015); Cortella e Barros Filho (2013);

Heath (2014); Metcalf (2014); Sidani, Ghanem e

Rawwas (2014); Zanella (2012); Pullen, Rhodes e

ten Bos (2012); Petrick, Cragg e Sañudo (2011); Ki

e Kim (2010); La-Taille (2010); Conselho Federal de

Contabilidade (2003, 2010); Bolt-Lee (2010); Halter,

Arruda e Halter (2009); Sá (2007); Vasquez (2007);

Koehn (2005); Peleias, e Bacci (2004); Bowen

(2004); Habermas (2002); Fipecafi (1997).

Consciência ético-moral - profissional

contábil

Castro (2017); Coelho (2017); Souza (2017);

Niyama, Rodrigues e Rodrigues (2015); Sidani,

Ghaneme e Rawwas (2014); Petrick, Cragg e

Sañudo (2011); Jones (2011); Conselho Federal de

Contabilidade (2003, 2010); Sá (2007); Sá e Hoog

(2010); Peleias e Bacci (2004); Peleias et al. (2007);

Koehn (2005); Metcalf (2014); Habermas (2002);

Fipecafi (1997).

Fonte: a autora, 2018.

5.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA DA PESQUISA

Esse estudo foi realizado com base no pressuposto de que ética discursiva é

um modo de garantir que a comunicação seja inteligível. Para ser considerada ética

discursiva, é necessário estabelecer critérios de conduta a partir de uma interação

comunicativa (HABERMAS, 2012). Logo, supõe-se que os enunciados das práticas

da Contabilidade devem apresentar, de forma implícita e simétrica, a verdade, a

sinceridade, a legitimidade e, sobretudo, a inteligibilidade, numa situação de fala ideal.

Tendo em vista as questões identificadas sobre os desafios éticos do contexto

das organizações e, particularmente, da área de Contabilidade na conjuntura social e

Page 80: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

80

histórica atual, a investigação foi conduzida a partir das perguntas de pesquisa

apresentadas na sequência.

5.1.1 Perguntas de pesquisa

Como a abordagem da ética discursiva de Habermas pode orientar os

profissionais da Contabilidade no exercício das suas práticas na sociedade

contemporânea?

De acordo com o agir comunicativo de Habermas, quais são as principais

características que identificam a Contabilidade como um discurso distorcido

para os usuários e para a sociedade?

De que modo a compreensão inteligível dos demonstrativos contábeis evita

que uma organização ofusque deliberadamente informações financeiras

para enganar os usuários interessados?

Como o ensino da ética garante que aqueles que à aprenderam se tornarão,

necessariamente, profissionais éticos?

5.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA

O presente estudo é de natureza exploratória, com uso do método qualitativo e

da pesquisa documental. O método qualitativo permite a investigação de fenômenos

sociais, tais como ética, política, discurso, moral, liberdade etc. (DENZIN; LINCOLN,

2006). Nesse sentido, a pesquisa qualitativa possibilita elaborar:

análises mais profundas em relação ao fenômeno que está sendo estudado. A abordagem qualitativa visa destacar características não observadas por meio de um estudo quantitativo, haja vista a superficialidade deste último (RAUPP; BEUREN, 2006, p. 92).

Corroborando essa afirmação, Gonsalves (2001) afirma que uma das

características da pesquisa qualitativa é não usar dados estatísticos para responder o

problema de pesquisa. Mesmo assim, ela não deixa de ter “propriedades inerentes de

Page 81: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

81

rigor, folego, complexidade, riqueza, e profundidade a qualquer investigação” (FLICK,

1998, p. 231).

Em termos processuais, na pesquisa qualitativa é empregado um conjunto de

técnicas, que visam a descrever os fenômenos sociais em busca dos seus significados

e particularidades. Logo, é uma forma adequada para compreendê-los com base no

ponto de vista das pessoas (GODOY, 1995).

Foi realizada, também, uma pesquisa documental. Esse tipo de pesquisa é

bastante utilizado nas ciências sociais, pois permite que o pesquisador lance um novo

olhar nas características de um texto. Isso requer que ele faça uma leitura minuciosa

e interpretativa (GODOI; BALSANI, 2006).

Por definição, um documento é um texto escrito, produzido por indivíduos e

grupos no decorrer de suas práticas diárias (BOWEN, 2004; MOGALAKWE, 2006). O

pesquisador precisa tomar cuidado com “a autenticidade das fontes documentais,

[devendo] procurar saber se o documento é genuíno, isto é, se não foi forjado, e se é

autêntico” (BELL, 1993, p. 108). Outra questão importante é reconhecer as

dificuldades de acesso ao documento, pois:

naturalmente, nunca se deve partir do princípio de que, simplesmente por existirem, os documentos estão à disposição dos investigadores. Algumas fontes podem ser consideradas confidenciais e não serem abertas ao público. Assim, convém que o investigador se informe antecipadamente da sua disponibilidade (BELL, 1993, p. 103).

Ainda, é necessário que o pesquisador conheça o contexto de elaboração e de

divulgação do documento a ser analisado, ou seja, a sua origem, a época em que foi

escrito, bem como as condições sociais, políticas e culturais da sua produção. Assim,

é importante verificar em que circunstâncias o documento foi produzido e a sua

finalidade (BELL, 1993).

5.3 SUJEITOS DE PESQUISA

Na pesquisa qualitativa, é essencial selecionar os sujeitos de pesquisa com

propriedade. Silverman (2009) sugere que eles devam ser escolhidos de acordo com

a sua atuação no âmbito do fenômeno investigado, ficando claro quais são os

Page 82: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

82

aspectos que justificam a sua seleção. Tal escolha se materializa, também, pela

disponibilidade deles, o que implica na formulação de uma estratégia adequada.

Levando esses fatores em consideração, foram selecionados profissionais

capazes de manifestar o discurso de quem atua hodiernamente com a prática contábil

e com a formação de contadores. Desse modo, o grupo de respondentes foi

constituído por 11 profissionais que exerceram atividades em órgãos normativos e

regulamentadores da Contabilidade, especialistas nos seus aspectos institucionais,

legislativos, legais e éticos, conforme especificado abaixo.

Três profissionais que atuaram como membros do Comitê de

Pronunciamentos Contábeis e um como membro do Conselho Executivo da

Secretaria da Presidência do Conselho Federal de Contabilidade (CFC). O

objetivo do CFC (2018) é zelar pelo registro profissional, pela fiscalização

da profissão e pela educação continuada do contador no Brasil.

Cinco profissionais que foram membros do Conselho Consultivo de Apoio

Técnico do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná (CRCPR). As

atribuições do CRCPR (2018) são registrar, orientar, fiscalizar e promover

o aprimoramento técnico, científico e cultural dos contadores atuantes no

Estado.

Um profissional que integrou o Colegiado da Comissão de Valores

Mobiliários (CVM). A CVM (2018) fiscaliza, normatiza, disciplina e

desenvolve o mercado brasileiro de valores mobiliários, cuidando da

transparência e da qualidade de todos os tipos de informações, entre as

quais as informações contábeis.

Um profissional que atuou como membro do Conselho de Controle de

Atividades Financeiras (COAF), encarregada de receber, examinar e

identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas no país (COAF,

2018).

Um profissional que foi membro do Conselho de Administração do Instituto

dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON). Essa associação

agrupa auditores independentes e contadores, adotando os preceitos do

Código de Ética Profissional do Contador, os princípios legais e as normas

profissionais que regem tais profissões (IBRACON, 2018).

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83

5.4 COLETA DOS DADOS

A presente pesquisa foi realizada por meio da coleta de dados primários e

secundários. Os dados primários foram obtidos em entrevistas não estruturadas e os

dados secundários por meio da consulta a documentos.

A entrevista é o procedimento de coleta de dados mais empregado em

pesquisas qualitativas. Corresponde a “uma conversa a dois, feita por iniciativa do

entrevistador, destinada a fornecer informações pertinentes a um objeto de pesquisa”

(MINAYO, 2008, p. 107).

Segundo Godoi e Balsani (2006), a entrevista não estruturada é composta por

perguntas abertas. Ela possibilita que o entrevistado se expresse mediante ao

estímulo do entrevistador, que tem a liberdade de inserir outras perguntas no diálogo,

não previstas no roteiro original. Todavia, essas perguntas devem estar sempre

relacionadas com o objetivo geral da pesquisa. É por isso que esse tipo de entrevista

requer treinamento para lidar com qualquer eventualidade, com interferência mínima

possível. O entrevistado pode responder as perguntas de forma espontânea, como

numa conversação normal, e o entrevistador deve se dedicar apenas a escutá-lo com

atenção, para conseguir resultados satisfatórios.

Para essa investigação foi preparado, inicialmente, um roteiro de entrevista

preliminar, aplicado a oito integrantes da pesquisa. Após a sua correção e

modificação, foi elaborado o roteiro final, aplicado a todos os integrantes da pesquisa,

composto por oito perguntas abertas, das quais sete foram para a investigação de

questões éticas da Contabilidade e uma para a verificação específica da

inteligibilidade das demonstrações financeiras, como se pode observar no Apêndice

1. Cada entrevista foi gravada eletronicamente com a autorização prévia dos

entrevistados, e o seu conteúdo foi transcrito e revisado para a organização do total

de dados obtidos.

Os dados secundários foram coletados por meio da consulta a documentos,

tais como: Código de Ética Profissional do Contador (CEPC); resoluções e normas do

Conselho Federal de Contabilidade (CFC), do International Ethics Standards Board

for Accountants (IESBA) e do International Federation of Accountants (IFAC); Normas

Brasileiras de Contabilidade Profissionais Gerais (NBC PG); e matérias publicadas em

jornais, revistas e portais da área de Contabilidade.

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84

5.5 ANÁLISE DOS DADOS

Tendo em vista a abordagem qualitativa da pesquisa, foram utilizados para o

tratamento dos dados primários e dos dados secundários a análise do discurso,

procedimentos da hermenêutica e a análise documental. A análise do discurso está

sendo empregada em diversas áreas do conhecimento com o uso de várias práticas.

Para Pêcheux (1983) ela tem o objetivo de expor o pesquisador à penumbra da

materialidade do texto. Para tanto, ele deve observar o contexto em que ocorrem os

fatos, para verificar o que o sujeito diz em relação a outros dizeres.

Além disso, entende-se que a análise do discurso permite desvendar domínios

sociais mais do que outras técnicas, especialmente aqueles relacionados com a

dimensão simbólica e discursiva das organizações. Segundo Brown e Yule (1988),

uma das motivações para o uso da análise do discurso, é que ela advém da

preocupação com a ligação entre a linguagem e o mundo, e às sentenças usadas para

fazer declarações podem ser atribuídos valores de verdade. Como assevera Orlandi

(2007, p. 15):

a análise do discurso não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a linguagem no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos, enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros

de uma determinada forma de sociedade.

No campo epistemológico da análise do discurso são encontradas diversas

abordagens. Na presente investigação optou-se pela concepção de Orlandi (2007),

definindo-se, primeiramente, o que ele denomina dispositivo teórico e dispositivo

analítico. O dispositivo teórico consiste na definição dos pressupostos fundamentais

para a elaboração da análise do discurso, enquanto o dispositivo analítico os articula

para o alcance dos objetivos almejados. Como ela sugere, tal distinção possibilita

considerar a linguagem como princípio norteador das formações discursivas,

desvinculando o esforço da análise da exaustão temática de um discurso conteudista.

Para Orlandi (2007, p. 63) “o texto é a unidade que o analista tem diante de si

e da qual ele parte”. A teoria dirige a relação do pesquisador com tal objeto de análise,

com a sua interpretação. Porém, ela alerta que o discurso transcende o texto, na

medida que as palavras escritas no texto podem produzir interpretações diferentes.

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O quadro de referência teórico empregado para a condução da análise do

discurso foi composto pela Teoria do Agir Comunicativo (TAC) e pela ética discursiva

de Habermas (2012a;2012b). Cabe salientar que tal arcabouço teórico não oferece

categorias e procedimentos metodológicos específicos para a identificação de

determinado conjunto de elementos linguísticos (BROWN; YULE, 1998).

Parte-se da premissa habermasiana de que o discurso é uma maneira

particular de falar e de entender o mundo da vida. Nesse sentido, Orlandi (2007) afirma

que a palavra discurso tem o mesmo significado de curso, percurso, movimento; é

uma prática de linguagem constitutiva do homem e da sua história. Por ser a

linguagem reconhecida como meio de entendimento mútuo no pensamento

habermasiano, muitos tipos de textos e de conversas podem ser selecionados para a

elaboração da análise do discurso.

Também foram considerados para a realização da análise do discurso os

pressupostos constitutivos do modelo de interação discursiva proposto pela TAC.

Segundo Pinto (1995, p. 80), para Habermas a ação comunicativa “surge como uma

interação de no mínimo dois sujeitos, capazes de falar e agir, que estabelecem

relações interpessoais com o objetivo de alcançar uma compreensão sobre a situação

em que ocorre a interação”. Ou seja, o discurso se materializa pela interação da

linguagem, formando a noção do interdiscurso acomodado na memória discursiva, em

que os proferimentos não ditos também são importantes para manter todo o dizer.

Sobre esse aspecto, Pêcheux (1983, p. 53) lembra que “todo enunciado é

intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar

discursivamente para derivar para um outro”. Isso implica que, no agir comunicativo,

o saber discursivo é articulado pela linguagem, proporcionando o entendimento do

que o falante disse em relação a outros dizeres.

Desse modo, outra apreciação dos atos de fala na análise do discurso ajuda a

elaborar uma estrutura normativa implícita no agir comunicativo, relacionada com a

descrição da realidade do mundo contemporâneo. Orlandi (1995, p. 83) alega que no

uso dessa técnica:

há noções que encapam o não dizer: a noção de interdiscurso, a de ideologia, a de formação discursiva. Considerando que há sempre no dizer um não dizer necessário. Em outras palavras, o interdiscurso determina o intradiscurso: o dizer (presentificado) se sustenta na memória (ausência) discursiva.

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86

Para Orlandi (1995), se o não dizer significa algo dito, cabe ao pesquisador

detectar tudo o que não foi dito, bem como tudo o que for concernente ao dito. Isso

pode ser concretizado por meio de um método, partindo do princípio de que o dizer

está relacionado com a memória e com o saber discursivo para traçar as margens do

não dito, que faz contornos do dito significativo.

Ainda, a interação é um processo dinâmico, que envolve o falante e o ouvinte

em um contexto físico e social pelo potencial de um enunciado. Eles se unem pela

validade pretendida nos seus atos de fala, calcada, de forma implícita e simétrica, em

critérios de verdade, sinceridade, inteligibilidade e legitimidade (HABERMAS, 2012;

TRAPPES-LOMAX, 2002).

Para Pêcheux (1983) toda a articulação de um ato de fala somente pode ser

descrita pelo encadeamento léxico e sintaticamente determinado, que, por sua vez,

será possível na interpretação ocorrida no espaço em que a análise do discurso atua.

Habermas (2012a, p. 498) afirma que “se não pudéssemos referir-nos ao modelo de

fala, não teríamos condições de analisar, nem preliminarmente, o que significa o

entendimento de dois sujeitos”.

Assim, os tipos de atos de fala ilocucionários e perlocucionários estabelecidos

por Habermas (2012a) também foram considerados na identificação da fala

subentendida no discurso a partir do corpus textual. Os atos ilocucionários possuem

o teor proposicional e o modus das ações de fala; os atos perlocucionários só podem

ser revelados por meio da interação entre os sujeitos, quando a fala é usada para

forçar a realização de determinada ação, de acordo com pretensões de poder

(HABERMAS, 2012a; URIBE RIVIERA, 1995).

Portanto, o discurso é relevante para o estudo das práticas da Contabilidade,

porque ele possibilita detectar as condições de construção das práticas contábeis

mediante pretensões dos critérios de validade e de poder, de acordo com as

percepções da realidade social dos sujeitos. Isso foi realizado nessa pesquisa para

identificar o discurso ético, principalmente no que concerne à inteligibilidade das

informações contábeis. Nos estudos organizacionais as pretensões dos critérios de

validade e de poder de Habermas (2012a) já têm sido utilizadas como instrumento

conceitual e operacional em pesquisas teórico-empíricas sobre o discurso.

A Figura 6 sintetiza o esquema analítico da realização da análise do discurso

na presente investigação, com o objetivo de verificar a ética discursiva na

Contabilidade.

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Figura 6 – Esquema Analítico do Estudo da Ética Discursiva na Contabilidade

Fonte: a autora, 2018.

Construída com base no dispositivo teórico delimitado, a figura mostra que a

abordagem da pragmática da análise do discurso efetivada está pautada na interação

dos sujeitos, que resulta em enunciados produzidos em contextos sociais, permitindo

alcançar a compreensão deles. As formas e os meios de análise da pragmática do

discurso constituem as suas propriedades materiais, que dizem respeito à ação

humana concretizada pela linguagem (BROWN; YULE, 1988; HABERMAS, 2012a;

DUCROT, 1987; ORLANDI, 2007).

Para solidificar a análise do discurso, foram utilizados no tratamento dos dados

procedimentos da hermenêutica. Eles serviram para elaborar interpretações das

práticas discursivas dos entrevistados e dos documentos, auxiliando na identificação

dos interdiscursos. De acordo com Batista (2012, p. 116), a hermenêutica “em sua

versão moderna, toma para si a defesa das ciências humanas enquanto forma de

conhecimento distinta das ciências naturais, calcada na interpretação, e não na

explicação”. Habermas (1989, p. 39-40) também apresenta a sua versão dessa

filosofia.

Permitam-me, primeiro, explicar o que entendo por hermenêutica. Toda expressão dotada do sentido – seja um proferimento (verbal ou não verbal), um artefacto qualquer como, por exemplo, um utensílio, uma instituição ou um documento – pode ser identificada, numa perspectiva bifocal, tanto como uma ocorrência observável, quanto como a objetivação inteligível de um significado. Para captar (e formular) seu significado, é preciso participar de algumas ações

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comunicativas (reais ou imaginadas) no curso das quais se empregue de tal modo a frase mencionada que ela seja inteligível para os falantes e ouvintes e para os membros eventualmente presentes da mesma comunidade linguística.

Na abordagem hermenêutica se reconhece o papel da linguagem e da

historicidade na construção do entendimento sobre algo. Segundo Minayo (2008, p.

231), a hermenêutica “coloca a fala em seu contexto para entendê-la a partir do seu

interior e no campo da especificidade histórica”. Ela leva o pesquisador à assumir, de

fato, a posição de intérprete, na qual ele se torna “um mediador entre o texto e a

totalidade que ele encerra. Esse diálogo, visto dessa forma, não é nem objetivo nem

subjetivo, é intersubjetivo. Pressupõe sempre um acordo, um consenso” (BATISTA,

2012, p. 116).

Por fim, foi realizada uma análise documental. Essa técnica consiste no exame

de materiais que não receberam tratamento analítico ou que podem ser reexaminados

para a obtenção de nova explicação. O uso de documentos enriquece a pesquisa com

mais informações, aproximando a compreensão do objeto de análise do seu contexto

histórico, social e cultural. Permite, ainda, confirmar a confiabilidade dos dados, uma

vez que subsidia informações coletadas em outras fontes (CHAUMIER, 1971;

MARTINS; THEOPHILO, 2009).

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89

6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

A proposta de análise do discurso envolve os quatro critérios das pretensões

de validez, com a finalidade de analisar as condições de construção das práticas

contábeis. Com efeito, consiste analisar se o que eles estão falando realmente

acontece no mundo da Contabilidade para garantir a ética, e se essas falas estão

validadas nestes critérios.

Assim, a análise parte do pressuposto de que ética discursiva para Habermas

(2012) é uma forma de garantir que a comunicação seja inteligível. Para ser

considerado uma ética discursiva, é necessário estabelecer critérios de conduta, a

partir de uma interação comunicativa.

Logo, as evidenciações das práticas da Contabilidade devem apresentar de

forma implícita e simétrica, a verdade, sinceridade, inteligibilidade, e a legitimidade,

numa situação de discurso ético.

6.1 ANÁLISE DO DISCURSO DA ÉTICA CONTÁBIL

Essa sessão apresenta análise do discurso da ética no contexto das práticas

da Contabilidade, com o intuito de mostrar as perspectivas da TAC de

Jürgen Habermas aplicada no campo de estudos organizacionais. A trajetória das

questões abordadas nas entrevistas teve como intuito saber: Como a noção da ética

discursiva se faz presente entre os profissionais contábeis no exercício de suas

práticas? Assim, sob uma perspectiva analítica discursiva, as falas dos entrevistados

foram provocadas pelo seguinte questionamento: o que é a ética?

No discurso comum dos entrevistados a palavra ética, é um conjunto de normas

e regras morais, racionalmente ajuizados no contexto cultural de uma sociedade, e

que de forma imperativa modela o comportamento do ser humano em suas ações

individuais, e também no coletivo.

Paralelamente a essas exposições, E4 disse que “a ética não é apenas um

conceito, ela é um dever fundamentado em um conjunto de normas, através do qual

as sociedades podem controlar a conduta de seus membros”. Já E6 entende que a

ética “é subjetiva por ser uma modelagem do comportamento individual das pessoas

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90

[...], mas, que ao mesmo tempo se constitui em padrão de valores coletivos que tem

por finalidade orientar ações individuais e coletivas”.

Um documento comemorativo publicado pelo CFC em 2016, fez uma

retrospectiva dos 70 anos da contabilidade, e se refere a ética como um dos pilares

que calçam a qualidade da prestação dos serviços e na proteção da sociedade.

A ética, essa ciência vinculada ao julgamento de apreciação moral e juízos de valor, estruturou-se em códigos deontológicos, especificando os deveres de cada profissão, e tornou-se instrumento de proteção do exercício dos profissionais, ao mesmo tempo em que resguarda os

direitos dos públicos assistidos.

A ética, deve estar fundamentada em boas razões e, motivada de forma

racional. Isso possivelmente seja uma manifestação de um discurso ético da

modernidade que tem origem em Kant (1974), pelo qual a ética se manifestou como

um imperativo na sociedade, onde as ações corretas são determinadas com base no

princípio moral da universalidade.

Este discurso transcendental da ética moderna parece se fazer também

presente no discurso da ética contábil, através de saberes fundamentais na trajetória

das práticas da classe contábil, no que diz respeito ao distanciamento de conflitos de

interesses.

A capacidade de considerar questões éticas da contabilidade por uma

perspectiva universalista pode ser desvendada na ação comunicativa, no sentido de

seguir e observar quais valores podemos seguir para chegar a um acordo comum

(HABERMAS, 1987; 2012a; VIZEU, 2011).

Porém, os regulamentos morais são reivindicados e aplicáveis para um tipo

específico de sociedade, mas pode acontecer que para outras comunidades pode não

ser bem aceitos.

Estes conflitos interpessoais aparecem na fala de E2 afirmando que “só pode

explicar ética através do relativismo cultural”, onde nenhuma cultura é superior a outra

cultura quando comparada ao ponto de vista das ações éticas de cada pessoa no

contexto de suas particularidades.

Retomando as considerações de Kant (1974) e de Habermas (1995), a

humanidade pode de viver bem agindo de forma ética, independentemente da

diversidade cultural. A trajetória do mundo da vida parece ser um convite para uma

análise mais aprofundada para este discurso. Em vista disso, possivelmente, não seja

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91

válido o julgamento de uma norma moral de uma certa cultura, confrontada com a

outra (VIZEU; GRAEML,2016).

Este argumento também tem respaldo na TAC de Habermas (2012) pela

valorização das relações comunicativas humanas independente da diversidade

cultural e social, onde as divergências de ideias devem ser compartilhadas, como

forma de suprir os problemas de interação comunicativa entre os sujeitos.

O agir comunicativo habermasiano (2012a) favorece a interação das normas

morais, por meio da linguagem, onde as pessoas podem estabelecer de forma

espontânea relações comunicativas para argumentar suas ideias e opiniões, e viver

bem em sociedade.

Outro ponto de enfrentamento da ética, está na intersubjetividade. A definição

da ética pode não apresentar argumentações de universalidade e racionalidade na

contabilidade, quando os julgamentos éticos de uma sociedade diferem crucialmente

em contrapartes da moral de outros grupos sociais.

Resgatando um texto publicado no portal do CFC, Silva et al. (2003) disseram

que a ética não é um assunto fácil de ser tratado e compreendido, principalmente

porque a reivindicações éticas da profissão contábil está fundamentada na realidade

social, cultural e econômica de uma sociedade.

Alguns dos entrevistados comentaram que atualmente os enfoques do conjunto

de princípios da ética estão mudando no contexto da sociedade contemporânea. E4

disse que “os valores éticos vão acabar sendo substituídos, [...] vão se modificando,

porque a medida que a gente vai vivendo na sociedade, com o tempo, vai mudando

os conceitos. E aí é que entra as confusões contemporâneas no mundo”.

Esses conflitos podem se estabelecer quando as pessoas distorcem a

verdadeira função da contabilidade. E2 disse que “não há contabilidade como um fim

de fraude. Ela não é um fim, ela é usada como meio”.

Resgatado pela a mesma ideia, E5 disse que o contador de hoje é fruto de uma

sociedade que nos induziu a isso, e nós aceitamos [...] porque muitos profissionais

contábeis aceitam manipular tributos como se fosse parte de sua atividade. Uma das

mais complexas implicações éticas, “advêm da sonegação de impostos”.

A falsificação de tributos é um problema esmagador tendo em vista, que alguns

empresários brasileiros ao utilizar a contabilidade tributária, agem como se ela fosse

um contrato de negócio, de tal forma que o resultado garanta pagar menos impostos.

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92

No mundo dos negócios a matéria tributária, tem caracterizado uma ação

antiética, inserida no contexto contábil, que precisa ser investigada com mais

rigorosidade.

Estes discursos trazem à tona para a realidade de que muitos princípios éticos,

foram sendo substituídos por outros valores morais, porque existe uma força que

ordena para que esses valores sejam modificados na sociedade.

Retomando a história da contabilidade foi possível entender que as suas

práticas foram sendo modificadas ao longo do tempo por um sistema capitalista que

abriga contradições de ordem moral (BRYER, 2005; IUDÍCIBUS, MARTINS E

CARVALHO, 2005; SÁ, 1998).

Esses conflitos criam o espaço para a classe dominante inserida no sistema

capitalista, mobilizar as práticas da contabilidade, persuadindo estes profissionais

para atender os interesses colonizado por um sistema de valores utilitaristas, onde a

contabilidade se tornou um meio para justificar as pretensões de um sistema de

raciocínio instrumental.

Deste modo, os sistemas econômico-financeiros são motivados por uma ação

orientada para a realização de tarefas funcionais, a contabilidade por sua vez está

inter-relacionada com está instrumentalidade.

Um dos pontos marcantes da TAC de Habermas (1987, 2012a), está em

mostrar que a ação estratégica utilitarista por si só, neutraliza a ação comunicativa,

impedindo que haja interação entre as pessoas na sociedade contemporânea.

Considerando os ensinamentos de Laughlin, (2012), a apresentação de um

enunciado contábil de cunho instrumental/utilitarista, não pode ser considerado como

válido, por causa da incapacidade de fornecer a legitimidade e a veracidade de um

documento completo em si mesmo. Um proceder ético pode ser compreendido

quando os efeitos de seus princípios estão alinhados com padrões de julgamentos

morais convencionadas no contexto de uma sociedade.

A esse respeito E6 disse que “os princípios éticos refletem no comportamento

das pessoas”. O não causar danos as pessoas, é um dos princípios éticos que

engrandece o respeito que se deve ter para com o seu semelhante. Aqui ficou

evidenciado que os imperativos de conduta moral refletem no discurso da ética

aplicado ao contexto contábil.

Por conseguinte, o discurso de E7 traz uma perspectiva para melhorar os

dilemas éticos da contabilidade. Ele disse que “está havendo uma pressão para que

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93

os profissionais que trabalham com a contabilidade não façam coisas erradas que

prejudique os usuários, em qualquer lugar do mundo”.

O agir ético do profissional contábil tem um papel legítimo e necessário, que se

solidifica nas evidenciações de suas demonstrações contábeis. Em face disso, a

postura ética de um profissional da contabilidade é uma condição indispensável para

enfrentar os dilemas da ética inseridos da sociedade contemporânea.

Paralelamente a estas considerações, foi possível identificar interdiscursos

sobre a ética na prática contábil.

Primeiro: os acordos de convivência devem ser guiados por um código.

Na contabilidade o CFC e os CRCs, são os órgãos responsáveis por fiscalizar

os problemas caracterizados de má conduta do profissional da contabilidade. A

maiorias das profissões regulamentadas tem um código de comportamento ético para

garantir à sociedade em geral relações seguras de convivência.

Considerando o discurso dos participantes, a aplicação da ética contábil foi

alcançada por uma norma que guia a conduta do contador. A primeira intenção de

materialização do código de ética do profissional da contabilidade, aconteceu no V

Congresso de Contabilidade realizado no ano de 1950, em Belo Horizonte.

Depois de duas décadas o CFC, atendendo as determinações expressas no art.

10 do Decreto-lei n. 1.040, de 21 de outubro de 1969, mediante a Resolução n. 290,

aprovou o Código de Ética Profissional do Contabilista (CEPC). Mais adiante com a

edição da Resolução n.803, o CFC com a participação de todos os membros dos

conselhos regionais em 1996 aprovou o Código de Ética Profissional do Profissional

da Contabilidade CEPC.

Posteriormente o Plenário do CFC, no dia 9/12/2010, modificou os dispositivos

do (CEPC) – Resolução CFC n. 803/1996 – por meio da Resolução CFC n. 1.307/2010.

Com a mudança, o CEPC passou a denominar-se Código de Ética Profissional do

Contador (CEPC). O principal desígnio da constituição do CEPC advém de um

conjunto de diretrizes éticas emitidos pelo CFC para ajudar os contadores conduzir

suas ações de acordo com seus valores e padrões éticos.

Diante esta conjuntura, de maneira abreviada, E2 fez uma comparação dizendo

que o eixo central da eticidade do CEPC de 96, permanece de alguma forma pela

força da operabilidade e amparo legal no Código Civil de 76, pelas razões que

assinalam princípios da valorização da dignidade humana, da ética, entre os demais

valores que expressam os imperativos da moralidade na sociedade. Ainda, E2

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94

ressaltou que “o CEPC desde a década de 70 e de 90, o código já não tinha

enforcement”.

Este interdiscurso está se referindo aos dilemas éticos que envolveu as práticas

da contabilidade com algumas das maiores instituições financeiras brasileiras. A

exemplo disso, as falcatruas que determinaram a falência do Banco Nacional em

1990, foram descobertas somente por meio de laudo pericial do Instituto Nacional de

Criminalística, da Polícia Federal. Isso demostra que naquela época, a empresa de

auditoria responsável por examinar e assegurar a veracidade nas demonstrações

contábeis não teve a capacidade de detectar fraudes.

As ocorrências de fraudes na contabilidade corroboram para o entendimento

de que o simples acordo de convivência conduzido pelo CEPC, presume-se que ainda

não esteja sendo suficiente para modificar o histórico cultural do mundo dos negócios

brasileiro, tipicamente caracterizado pela colonização de um sistema capitalista.

Quando E2 disse que o código já não tinha enforcement, fez entender que os

acordos do CEPC há muitas décadas já estavam correspondendo as conformidades

do Código Civil, no sentido de legitimar a solidariamente, e a responsabilidade dos

atos dolosos e, de má fé do profissional contábil no exercício de sua profissão.

No Capítulo IV - Dos deveres em relação aos colegas e à classe - Art. 9º,

parágrafo único do CEPC diz que: “O espírito de solidariedade, mesmo na condição

de empregado, não induz e nem justifica a participação ou conivência com o erro ou

com os atos infringentes de normas éticas ou legais que regem o exercício da

profissão”.

Diferentemente do enunciado do Art. 9º, as vozes de E8 e também de E9,

revelaram que o CEPC parece estar resguardando a imagem do contador mediante

aos dilemas éticos, implicados em crises de legitimação e racionalidade na

enunciação de relatórios contábeis contraditórios.

Por este mesmo olhar, o discurso de E2 demonstra que, “há uma posição

assumida pelo órgão de classe muito mais de legitimação de defesa do interesse da

classe contábil, do que propriamente dito de utilizar os regulamentos do código de

ética para o seu próprio propósito”.

Dito isto, inúmeras matérias têm sido publicadas pelo IBRACON e até mesmo

pelo CFC sobre a responsabilidade do profissional contábil ao realizar um trabalho de

auditoria por amostragem de documentos. Em outras palavras, o profissional contábil

necessariamente não tem o propósito de encontrar fraudes, a sua função é somente

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95

informar que as demonstrações que foram auditadas, foram preparadas de forma

adequada e, estão alinhadas com o padrão contábil adotado no Brasil.

Os conflitos surgem a partir do momento que ações estratégicas, desviam o

ideal de uma lógica racional de argumentação e de entendimento. Talvez para os

membros CFC a moralidade da classe contábil esteja em proteger a imagem do

contador para algum fim desejado no mundo objetivo.

Quando Vizeu, Macadar e Graeml (2016) comentaram que a conduta moral é

regida por uma ação licita, consolidada pelos interesses de todos os participantes de

uma classe social. Subentende-se que os acordos de convivências do CEPC foram

estabelecidos sob a inspiração da moral dos integrantes de uma determinada classe

social. Mas, a contraposição de ideias entre alguns dos entrevistados diz respeito a

posição assumida pelo CFC resguardando a imagem do contador mediante aos

dilemas éticos.

Talvez essa ação do CEPC se assemelhe a “um caráter coletivo na defesa de

interesses, mesmo que estes não se constituam como vantagens concretas para

todos aqueles nas quais se referem às questões reivindicadas” (SEIFERT; VIZEU,

2015a, p. 130).

A sociedade contemporânea está comprometida com imperativos orientados

para o êxito, com sistemas fechados para argumentação autônoma, desconectados

das regras de comportamentos éticos no mundo da vida (HABERMAS, 2003; 2012a).

Este delineamento de ideias pressupõe que o problema da ética na sociedade

contemporânea advém de um sistema estratégico que tem por finalidade articular

ações que lhe parece favorável.

A ética no CECP inclui tanto a adoção rigorosa de procedimentos morais,

quanto a avaliação cuidadosa de situações singulares em que o julgamento do

profissional se torna necessário. Pressupõe-se que alinhado a estas ideias E5 disse

que, “os profissionais da classe contábil precisam atender os princípios da

contabilidade”.

Um discurso do IFAC materializado no texto publicado em 2016, marca

distintivamente a responsabilidade do profissional contábil em observar os princípios

éticos do CEPC, atender aos interesses coletivos, e recusar o atendimento exclusivo

para satisfazer as necessidades de uma pessoa em particular.

Pressupõe-se que o IFAC esteja retomando ações de moralidade,

fundamentais para o fortalecimento do CEPC com a classe social e com a sociedade.

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96

De acordo com os pensamentos de Habermas (2012a) e Vizeu (2005), os acordos de

uma sociedade possivelmente terão validez quando houver entendimento mútuo entre

os sujeitos, para desenvolver o compartilhamento de ideias através da argumentação

livre e autônoma. As pretenções de validade podem ser confrontadas nos acordos do

CEPC com os seguintes atributos éticos: veracidade, (pretensão de buscar a verdade

prática dos fatos no mundo objetivo); sinceridade e honestidade (buscar a moralidade

dos fatos no mundo subjetivo) legitimidade (buscar a correção normativa através dos

fatos no mundo social); inteligibilidade (buscar a clareza atribuída pela coerência da

racionalidade dos fatos no mundo subjetivo).

Todos esses critérios são indispensáveis para fortalecer a moralidade e as

características estruturais do agir comunicativo do CEPC, ao mesmo tempo, afasta

posições particularista totalmente assimétrica que desintegra a postura de um agir

ético. Habermas (2012a) defende uma moral de igual respeito e responsabilidade

solidária para todos, com a intenção de tentar minimizar os conflitos que surgem na

sociedade contemporânea.

Segundo: a penalidade é necessária.

O caráter educativo e normativo do CEPC, está em orientar os profissionais

contábeis a exercer suas funções respeitando as normas éticas que regem o código.

O objetivo do CEPC foi instituído para definir o comportamento ético, atribuir

penalidades e executá-las, quando não forem observadas as normas constantes

neste código. Como uma advertência, o CEPC impõe as penalidades para restringir

os comportamentos daquelas pessoas que desvirtuam seus princípios.

Todo código de ética apresenta no seu contexto não somente princípios de boa

conduta a serem seguidos, mas também as determinações corretivas que resultam

da sua violação. O CEPC impõe penalidades que não são tratadas da mesma forma.

Observe:

CAPITULO V – Das penalidades.

Art. 12 - A transgressão de preceito desse Código constitui infração ética,

sancionada, segundo a gravidade, com a aplicação de uma das seguintes penalidades:

I. Advertência Reservada;

II. Censura Reservada;

III. Censura Pública.

Dentre as penalidades previstas no CEPC, a penalidade de censura pública é

aquela que normalmente a sociedade tem tomado conhecimento. Porém, vem sendo

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97

mantido em sigilo àquelas infrações éticas consideradas com censura reservada ou

de advertência reservada.

O Decreto-Lei 9.295/46, concede ao CFC e também aos CRCs, a autoridade

de fiscalizar o exercício das práticas contábeis, a pessoa que cometeu uma

transgressão caracterizada por advertência ou censura reservada, recebe uma

comunicação pessoal reservada do CFC, alertando-o da violação dos princípios da

ética e, prevendo que ela poderá ser enquadrada a um processo administrativo

conforme as normas estabelecidas nos artigos 13 e 14 do CEPC.

Um ponto relevante foi resgatado no discurso de E3, mediante sua vasta

experiência neste assunto ele disse que,

a CVM tem poder sobre o contador auditor de companhias abertas, sim, esse está sujeito a fiscalização e sansões e penalidades por parte da CVM, além de estar no ponto de visto do CFC, e se ele audita instituições financeiras ele está sujeito até do Banco Central.

A dialética do discurso de E3 se confirma na publicação do Jornal Valor

Econômico que recentemente apresentou uma matéria escrita por Schincariol (2018).

A CVM decidiu apertar o cerco a auditores externos que não adotam o padrão mínimo exigido pelas normas e muda a postura e aumenta a punição a auditores. “Em vez de somente aplicar multa o colegiado do regulador decidiu suspender temporariamente por dois anos os auditores que não demonstrarem o padrão mínimo de conduta esperado pela classe contábil.

Na visão dos membros da CVM a imposição da penalidade mais rigorosa

ajudará a prevenção de futuros atos ilícitos. A decisão de CVM teve impacto positivo

para a imagem da classe contábil, tendo em vista que minimizará os danos causados

às organizações e à sociedade.

Mas, retomando as análises os discursos da maioria dos entrevistados

revelaram que existem infrações éticas caracterizadas no CEPC que permanece

escondido da vista ou do conhecimento da sociedade por uma determinação de sigilo

por regulamentado no CFC.

Esses discursos possivelmente se referem à redação da Resolução do CFC n.

1.307 de 09 de dezembro de 2010, art. 18, onde foram criados o § 2º e incisos I e II

do art. 12:

"§ 2º Na aplicação das sanções éticas, podem ser consideradas como

agravantes:

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98

I - Ação cometida que resulte em ato que denigra publicamente a imagem do

Profissional da Contabilidade.

A legitimação de uma norma/regulamento implica na responsabilidade de uma

comunicação simples, inteligível e transparente, para não causar interpretação

ambígua na tomada de decisões. Além disso, pressupõe-se que a transparência de

um regulamento ético incide em disponibilizar as informações para os cidadãos

interessados.

Um recorte textual publicado pelo CRC-PA, apresenta o ponto de vista de

Nobrega (1997) sobre o recurso dos processos éticos quanto da aplicabilidade da

pena de censura pública pelo Tribunal Regional de Ética.

É verdade que a infração ética encharca de mácula a classe contábil, mas não é menos verdade que a punição, se aplicada fora de suas proposições, pode trazer prejuízos imensos ao profissional que nela incorrer. Como reparar uma pena ética aplicada inadequadamente, principalmente se esta vem ao domínio público?

Há de se pensar que a boa vontade do comprometimento com a

verdade/legitimidade imbricados nos princípios éticos do CEPC foi substituído pelo

despreparo de julgar os dilemas das questões éticas dos profissionais da

contabilidade.

A base da teoria habermasiana, adverte que um discurso ético vai além de

imperativos monólogos e hipotéticos, neutraliza o desiquilíbrio de poder e conflito, e

assegura o julgamento de normas universais, válidas para todas as pessoas que

representam aquela comunidade.

Presume-se que o desgaste do compromisso ético que vem acontecendo com

alguns profissionais que estão envolvidos com a contabilidade, pode ser explicado por

profundas mudanças no contexto das práticas contábeis. No discurso de E3 observou-

se que “os conflitos de divergências estão entre o interesse do proprietário versus do

gestor profissional, divergências entre o interesse do avaliador, com o do avaliado, e

assim por diante”.

A expressão sob a égide do compromisso ético é um imperativo que deve ser

estabelecido para todas as pessoas que procuram a contabilidade (IUDÍCIBUS, et al.

2011). Um discurso que encobre um dilema ético, possivelmente as violações de

princípios éticos não estão sendo observados, e assim, a veracidade perde a sua

licitude, a benefício de outro imperativo que contrapõe a racionalidade comunicativa.

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99

Quando um profissional da contabilidade comete infrações éticas,

possivelmente as proposições deônticas universais não prevaleceram, por que se

desviou do interesse comum (HABERMAS,2002).

Por uma exposição lógica pressupõe-se, que as queixas de alguns dos

entrevistados advêm da falta de rigorosidade nas penalidades do CEPC. E7 disse

“todo código de ética só funciona se tiver punição rigorosa”.

Resgatando a análise documental, observou-se que Sandra Maria Batista, vice-

presidente de Fiscalização, Ética e Disciplina do CFC, disse que a fiscalização é mais

que um dever, é um compromisso exercido pelo CFC e pelos CRCs. Na continuação

de sua narrativa a vice-presidente disse que:

De acordo com o Art. 76 da Lei nº 12.249/2010, as penalidades ético-disciplinares aplicáveis por infração ao exercício legal da profissão são: no aspecto disciplinar – multas; suspensão do exercício da profissão por até dois anos; cassação do registro profissional; e no aspecto ético – advertência reservada, censura reservada e censura pública. No ano passado, houve mais de 213 mil diligências dos fiscais dos 27 Conselhos Regionais de Contabilidade. Os processos julgados em primeira instância passaram dos 11 mil e, em segunda instância, de 1.400, com duas cassações de registro. (FELICIANO; SANTOS, 2018)

Ademais, os relatórios de dados estatísticos que o CFC já divulgou na mídia,

bem como, as informações concedidas por membros do conselho de ética, nos

veículos de comunicação de contabilidade, demostram que as penalidades de

infrações éticas agravantes normalmente se apresentam com percentual considerado

muito baixo, quer dizer, dificilmente aparece uma ocorrência.

Diante dessas circunstâncias, presume-se o motivo da fala de E8 “ nós não

sabemos quantos contadores foram denunciados, quantos contadores foram punidos,

qual é o tipo de punição. Nós não temos essas informações, a sociedade não sabe”.

Ultimamente, a penalidade é um fenômeno onipresente em vários domínios da

sociedade contemporânea. Mas, determinados tipos de penalidades estabelecidas no

contexto do CEPC permanecem restritas ao conhecimento da classe contábil e da

sociedade.

Este posicionamento foi constatado no discurso de E4 “não é todo o

procedimento de fiscalização que existe uma ciência da sociedade, apenas em alguns

casos, e isso aí é um rito processual que nós temos que obedecer”.

Acompanhado o discurso anterior, E6 disse que possivelmente os membros

do conselho reguladores do CFC “foram cautelosos por dificuldade ou pela

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100

complexidade de definir o que é, ou não é certo colocar em público uma punição

prescrita”.

Organizando as ideias em Orlandi (1995) existem vozes que dão significado as

coisas, mas há silêncios que se colocam no lugar da voz. O silêncio pode ser

considerado algo dito, pela perspectiva de um discurso dominador que se materializa

pela vontade de dominar o espaço de uma determinada classe social em torno de

uma razão estratégica. Pressupõe-se que o não dito é o silencio que se demonstrou

óbvio sob a forma de comunicação do CFC.

Além de que, o não dito pode ter sido o silencio das palavras, que foi

obscurecida de forma intencionada por uma ação teleológica. Assim, as informações

das penalidades não publicadas pelo CFC pode ser o subentendido que se define em

relação ao não dizer.

Quando algo não fica claro, o objetivo não é mais a compreensão mútua que

se sobressai, mas um fim deliberadamente escondido por um dos interlocutores

(HABERMAS 2012a; VIZEU, 2015).

Na teoria habermasiana, o impedimento de entendimento mútuo entre os

sujeitos, pode ser considerado como um critério inválido porque não existe

oportunidades de argumentações entre os concernidos.

Buscando uma abordagem dialógica para este contexto, os comunicados de

ordem normativos da ética podem ser validados ou não, por mediação dos critérios

de pretenções de validez, que assegura o entendimento por meio do esforço de

argumentações de uma vontade autônoma (HABERMAS,1981).

O resguardo de esclarecimentos sobre as penalidades éticas agravante

prescrito pelo CFC, quiçá tenha característica determinante para o seu próprio êxito,

definidos por critérios particulares, não necessariamente com padrões socialmente

estabelecidos na coletividade da classe.

Deste modo, a pretensão do CFC erguida por imperativo regulatório restrito,

mediatizou involuntariamente legitimidade em si mesmo, fazendo com que o consenso

se diluísse entre os concernidos. Em situações em que os acordos normativos se

tornam conflitantes entre os indivíduos de uma determinada classe societária, a

legitimidade perde a validade até que o processo de diálogo seja restabelecido.

As pretenções dos critérios de validez (pretensão da veracidade; pretensão da

sinceridade e honestidade; pretensão da legitimidade; pretensão da inteligibilidade)

são fundamentais para resgatar o diálogo de todos os interessados por meio de uma

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101

racionalidade comunicativa, onde a argumentação livre de coerção, proporcionará

trocas discursivas imbricadas para reconstruir normas universais, com a pretensão de

contrapor a lacuna dos conflitos de interesse, em favor da orientação para o bem estar

comum do mundo da vida (HABERMAS, 1984; 1992 VIZEU, 2015).

Uma comunicação livre de dominação, não se cala, não oculta informações de

interesses sociais. Porém, na ideologia de ação instrumentalista/estratégica, a

linguagem é dominada pelas pretenções do poder deste sistema (HABERMAS, 1992,

VIZEU 2013), que bloqueia os processos comunicativos (URIBE RIVEIRA,1995).

Recuperando a análise documental constatou-se uma publicação feita pelo

CRC- PR em 2011, registrando que no ano de 2010, o CFC por meio da Resolução

CFC n. 1.307/10, ajusta a nova legislação da profissão através da Lei 12.249/2010,

incluindo ao CEPC novas regras de conduta profissional. Entre as mudanças a serem

consideradas apresentaram-se: a falta de comunicação de fatos necessários ao

controle e fiscalização profissional e a falta de auxílio à fiscalização do exercício

profissional, condutas contrárias à ética profissional, entre outros.

Alguns anos depois, nota-se que esses imperativos ainda não foram totalmente

compreendidos no contexto do CEPC. Uma entrevista foi concedida para o Portal

Dedução em 2017, onde o ex-coordenador dos trabalhos da comissão revisora do

CEPC, Luiz Fernando Nobrega disse que “Os contabilistas passaram a receber

questionamentos após escândalos contábeis verificados recentemente envolvendo

empresas como a Petrobrás e a Odebrecht”.

Um dos motivos do discurso citado acima, pode ter implicação com a

publicação de Filgueiras (2015) para a Revista Exame, colocando na berlinda o

trabalho das firmas de auditoria, por não perceber balanços mentirosos da Petrobrás,

Odebrecht”, entre outras empresas envolvidas com fraudes no Brasil. O conteúdo

da reportagem teve o intuito de sinalizar os contraditórios das práticas contábeis,

fazendo questionamentos sobre uma auditoria deficiente, por não ter capacidade de

identificar corrupção no balanço e, de não haver consenso sobre a responsabilidade

das empresas de auditoria na hora de descobrir fraudes.

Na condição de órgão regulador da classe o CFC em 2017, realizou um

workshop sobre Ética e Compliance e os paradigmas e desafios para os profissionais

da contabilidade. Os falantes enfatizaram que a contabilidade está sendo considerada

como um grande instrumento para apresentar à sociedade as demonstrações

transparentes”.

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102

Outro ponto relevante sobre a questão das penalidades surgiu no discurso de

dois participantes. Na visão deles, a maioria das infrações éticas são consideradas

como erro ou por atropelamento por causa de muitas atividades que o governo/fisco

atribui ao profissional contábil. Possivelmente este discurso seja o resultado de um

processo de secularização do Estado em sua organização burocrática no mundo

contemporâneo, que sem limites atribui responsabilidades a outrem.

Considerando a análise documental apresentado no portal de contabilidade

resgatou-se o discurso de Zanluca, dizendo que os contabilistas trabalham para o

governo, fazendo várias declarações. Ressalta, que essas obrigações cada vez mais

podem ser aumentadas se as pessoas que representam a classe contábil não

pressionar fortemente o Congresso Nacional.

Ainda hoje, o reflexo de um entrelaçamento de poder estatal, tem concentrado

várias atividades para a contabilidade. Esta conjuntura pode ser identificada quando

Martinez (2006) se referiu ao Estado como a roupa intima do capitalismo,

possivelmente seu discurso se encaixa neste contexto, no sentido de que o Estado

ordena a elaboração de relatórios contábeis eficazes, para satisfazer seus próprios

interesses.

Este interdiscurso abre uma possibilidade de retomar o entendimento de Faoro

(1993); e também de Bougen (1989), onde não se pode negar que o Estado moderno

representa uma força dominadora patrimonialista, e estabelece elos com a

diversidade da funcionalidade da contabilidade desde que o Brasil foi Colônia de

Portugal.

Contrapondo aos princípios de um discurso ético, muitas demandas impostas

pelo Estado, andam de mãos dadas com a concepção estratégica de um poder que

predomina a sociedade contemporânea. Relembrando os pensamentos

habermasiano, encontra-se uma estrutura conceitual que pode ser aplicada para

analisar as distorções no discurso que refletem a ideologia dominante de poder do

Estado.

Pressupõe-se que as raízes da cultura sorrateiramente arraigada em um

sistema utilitarista, estabelece “jeitinhos” relações entre os sujeitos e os sistemas da

sociedade contemporânea, para justificar algo que interessa a uma determinada

classe social. Este tipo de pensamento advém de uma dimensão objetiva, que

alimenta uma comunicação sistematicamente distorcida (HABERMAS 2002, VIZEU,

2015).

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103

A proposta da TAC de Habermas (2012a), abre o caminho para um agir

comunicativo, com afirmações e argumentações verdadeiras e livres de coerção

legitimadas por um discurso ético, em oposição à uma ação estratégica que pressupõe

ocultação de informações e, o uso fraudulento da linguagem. Ou seja, um enunciado

que não oferece clareza torna-se problemático, ininteligível obscuro, pressupondo um

discurso distorcido.

Observa-se nos dias de hoje, que as patologias da sociedade contemporânea

muitas vezes são originadas pela ausência do diálogo livre de dominação. Quando

um dos interlocutores realiza uma ação estratégica, ele distorce a interação

comunicativa omitindo e/ou desviando a veracidade dos fatos. O pensamento

habermasiano, contrapõe estes problemas por meio da determinação dos critérios de

validez em todos os atos de fala.

A pretensão de validade de um agir ético diz respeito àquilo que é digno de ser

reconhecido, ou seja, é a garantia que o falante oferece para que haja entendimento

e, para que o ouvinte dê crédito ao que é dito entre os participantes de uma fala sem

coerção e, com uma boa vontade para ouvir os argumentos dos outros. (HABERMAS,

2002; VIZEU, 2015).

O estabelecimento de uma comunicação transparente e executável no CEPC,

presume-se que seja possível quando os órgãos de classe da contabilidade e a

sociedade, chegarem ao um entendimento comum sobre a forma de divulgar as

informações.

Terceiro: as normas e regulamentações precisam ser claras – inteligíveis.

Normas e regulamentos são procedimentos textuais de comunicação social que

necessitam de uma linguagem inteligível no conteúdo a ser enunciado. De acordo com

o pensamento habermasiano, as forças que mantem as normas com validade de uma

comunicação, certamente não estão de mãos dadas com ambiguidades e embaraços

de linguagem. Essa contraposição toma lugar à expressão do próprio imperativo da

inteligibilidade, garantida pela definição semântica de (compreensão/entendimento),

que certamente assegura no discurso a pretensão de compreensibilidade entre o

emissor e o receptor de uma mensagem (HABERMAS, 1996; 2012.a).

Pressupondo que a linguagem do espaço social do CEPC não é só

regulamentos éticos, mas também é um processo mútuo de um agir comunicativo,

que por meio da linguagem livre de coerção se torna inteligível, livre de dificuldades e

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104

ambiguidades na interpretação, alguns dos entrevistados apresentaram uma

inquietação sobre a redação do código de contabilidade.

Na fala da maioria dos entrevistados, não há transparência do que exatamente

as normas do código de ética consiste, mas existe uma confusão entre um código de

ética e outros documentos éticos que compreendem diretrizes ética.

Para ressaltar essa questão E6 disse que “as normas precisam ser claras e

atualizadas”. Já E5 disse que “o pacote de normas tem que ser bem feito, de modo

que ele seja aplicável de maneira clara”.

Presume-se na fala de E5, e de E6 que as normas e regulamentos éticos do

CEPC não esteja produzindo o efeito que se espera, pela presunção da incapacidade

de proporcionar uma linguagem inteligível

No contexto das normas e regulamentos do CEPC, Habermas (2012a; 1987)

acredita que na racionalidade comunicativa os sujeitos têm oportunidades de

argumentar suas ideias frente as normas e condutas morais de uma comunidade, sob

a condição de facilitar o entendimento mútuo através do discurso. No sistema de

linguagem participativa, supõe-se que normas racionalmente válidas de um enunciado

se apresenta de forma inteligível para ser interpretadas no mundo da vida.

Inspirando-me em Vizeu (2004) diria que Habermas (2012a) observa o mundo

da vida é um espaço social e, a partir do diálogo a ação comunicativa dá significado

para os sujeitos em contextos interativos, livres de coação. Mas, neste mesmo lugar

surgem conflitos que decorrem das relações interpessoais, principalmente por falta de

entendimento.

Em contraditório as características do agir comunicativo, aparece uma

comunicação incompleta, não discursiva, truncada, obscura, conflituosa, com falsas

garantias de legitimidade. O que permite lembrar que este tipo de patologia da

modernidade tem causado efeitos negativos na classe contábil.

Assim, os conflitos contraditórios da forma pragmática apresentado nas normas

e regulamentos do CEPC, podem ser resolvidos onde os sujeitos daquela comunidade

tenham a possibilidade de expor suas opiniões, argumentar livremente até mesmo

aqueles assuntos que possam causar desconforto entre os próprios concernidos, sem

infringir os critérios de validade.

Um pouco mais adiante, o discurso de E5 enfatiza que o CFC “deveria ser mais

proativo em relação as normas éticas”. Este interdiscurso reflete que no Brasil,

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105

ultimamente a mídia tem destacado a fraude contábil como uma das aliadas à

corrupção.

A publicação do Jornal Contábil, no site da Fenacon (2017), revelou que nos

últimos dez anos, temos presenciado nove maiores e piores escândalos envolvendo

as práticas da Contabilidade, resultado de uma ambição excessiva de alguns sujeitos

de postura antiéticas.

Por um mesmo viés, Sant’Anna (2018) publicou no site do IBRACON uma

reportagem que tem como título: A ética como missão do profissional de Contabilidade

na Agenda 2030’. De acordo com o pensamento do autor “ a demanda dos cidadãos

por ética e probidade torna-se cada vez mais forte no Brasil e no mundo”.

A triangulação analítica entre documentos e entrevistas evidenciaram

sentimento de desacredibilidade do enforcement da normas e regulamentos do CEPC,

por falta de clareza para veicular os dilemas éticos da classe contábil.

Quarto: novas perspectivas para o CEPC

Entre os problemas endêmicos das sociedades modernas apresentam-se os

atos de fraudes, corrupções, lavagem de dinheiro, roubo, falsificações entre outras

patologias do mundo moderno, não estão reconhecidos como imperativos éticos na

estrutura do CEPC.

Esta realidade ganhou notoriedade pelo fato de que, a decorrência da

negligência de princípios éticos no exercício das atividades de qualquer natureza,

causam conflitos pela salvaguarda da moralidade.

Observando a corpus da análise, notou-se que a maioria dos entrevistados

disseram que o código não tem enforcement, que precisa melhorar a transparência

nas informaçãoes e, impor mais rigorosidade nas punições, entende-se que existe a

necessidade de alterações no CEPC.

A discussão a respeito do código ética, tem alusão com a linguagem cultural de

uma determinada sociedade, pela finalidade de proteger os direitos das pessoas que

estão estabelecidas em determinada comunidade. Desta forma qualquer que seja a

natureza de um código de ética, poderá ter perspectivas intersubjetivas, modificáveis

e abertas para interpretações.

Uma das maneiras de desenvolver questões de dilemas éticos, ambiguidades,

equívocos, falta de clareza do código de ética, encontra-se nas investigações

habermasiana, que por meio da pragmática universal, núcleo fundamental da

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106

linguagem pode alcançar o entendimento através do acordo comum entre as partes

(HABERMAS, 1989a,1990).

Relembrando o texto da reportagem concedida em 2017 ao Portal Dedução o

ex-coordenador dos trabalhos da comissão revisora do CEPC, Luiz Fernando

Nobrega disse que “não é o Código de Ética que dita o futuro, mas as tendências que

devem ser trazidas para o bojo dos ditames do Código. Os comportamentos podem

mudar e se isto acontecer o código deverá acompanhar”.

As lacunas que existem na legitimação de determinadas normas de éticas

dispostas no código, podem dar margem à fraude contábil. Em termos de

conscientização da ética na contabilidade, existe um movimento que busca melhorar

a inteligibilidade das normas contábeis.

No Brazil isto parece se replicar a nível de expectativas pela alteração do CEPC

para torna-los mais aderentes as expectativas da sociedade quanto a prática contábil.

No discurso de E1, E4, E10, E11, o International Ethics Standards Board for

Accountants (IESBA), órgão responsável pela emissão das normas éticas para os

profissionais da Contabilidade, vem se esforçando para apresentar uma nova versão

do CEPC em breve.

O interdiscurso também fez alusão para o projeto global Responding to Non-

Compliance with Laws and Regulations (NOCLAR) que está sendo analisado pelos

membros dos órgãos reguladores e fiscalizadores das questões da ética na

contabilidade brasileira, entre outros órgãos envolvidos.

A possibilidade de sua adoção será para proporcionar a resposta ao

descumprimento de Leis e regulamentos de ética, e também para orientar o

profissional contábil brasileiro como se portar diante da identificação de algum ato

ilegal“.

De acordo com a reportagem publicada pelo IFAC (2017) “NOCLAR in Brazil:

one step at time”, uma análise cautelosa está sendo elaborada para a adoção da

norma Responding to Non-Compliance with Laws and Regulations (NOCLAR), por

não existir amparo suficiente no arcabouço da lei brasileira para o profissional contábil

fazer denúncias de atos fraudulentos, corrupção e, lavagem de dinheiro.

E10 disse que “o CEPC, está sendo reformulado colocando algumas roupagens

diferentes, mas não muda a essência do código existe”. Ou seja, em determinada

situação, presume-se que o contador poderá estar amparado pela norma para

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107

desatender o sigilo profissional e denunciar os atos ilícitos aos órgãos de competência.

Mas este movimento ainda não se concretizou no atual código.

Todavia, por ser algo novo cautelosamente Luiz Fernando Nobrega, Ex vice-

presidente de Fiscalização, Ética e Disciplina do CFC, disse para a reportagem do

Portal Contábil que a NOCLAR, ainda é algo distante, precisa passar por ajustes

perante a lei brasileira, é uma probabilidade à ser adaptado a longo prazo, para depois

o CFC entrar com as devidas providencias de adoção sobre as novas regras.

Recentemente, o IESBA divulgou uma matéria, relatando que o CEPC receberá

novas alterações que se tornou vigente em junho de 2019. As modificações

representam importantes avanços na ética nos últimos quatro anos. No ponto de vista

do presidente da IESBA Stavros Thomadakis, o CEPC está sendo alterado para

apresentar uma comunicação com mais clareza sobre como os profissionais da

contabilidade devem lidar com temas éticos e relativos à independência,

especificamente porque a legislação brasileira não protege o contador de forma plena

para tratar de questões de atos ilegais.

De modo recente, o IFAC fez um pronunciamento final no Portal Contábil

dizendo que o CEPC, a partir da culminação de extensa pesquisa e consulta global

entre as partes interessadas, foi reestruturado no contexto dos padrões internacionais.

O Código inclui revisões substantivas e, foi completamente reescrito sob uma nova

estrutura de redação. As principais revisões incluem:

Salvaguardas (provisões melhor alinhadas com as ameaças ao cumprimento dos princípios fundamentais);Provisões de independência mais robustas relacionadas à longa associação de pessoal com clientes de auditoria; Seções novas e revisadas dedicadas aos profissionais da Contabilidade e relacionadas a: preparação e apresentação da informação e pressões para ruptura nos princípios fundamentais; Guia claro para contadores na prática pública que contempla provisões para profissionais da Contabilidade atuantes no negócio aplicáveis também àqueles; Novo guia para enfatizar a importância do entendimento dos fatos e circunstâncias no exercício do julgamento profissional e; Novo guia para explicar como cumprir com os princípios fundamentais que suportam o julgamento profissional na auditoria ou nos trabalhos de asseguração.

Provavelmente, sob uma nova composição redacional, o código de ética

brasileiro será um divisor de águas para ajudar combater a fraude e a corrupção no

mundo dos negócios. É importante lembrar que possivelmente a existência de

escândalos de natureza fraudulenta que envolveram as práticas da contabilidade,

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108

contribuíram para a criação ou renovação de princípios éticos mais rigorosos e

criteriosos de uma determinada classe, como foi o caso da Lei Sarbanes-Oxley (SOX)

em 2002 nos Estados Unidos.

No Brasil as mudanças do CEPC foram determinadas pela Portaria CFC nº 45,

de 6 de abril de 2017, onde uma comissão foi constituída pelo vice-presidente de

Fiscalização do CFC, Luiz Fernando Nóbrega; pelo conselheiro do CFC Paulo Schnorr

e pelos contadores Rui Cadete (RN), Mário Lúcio Gonçalves Moura (MG) e Roberto

Schulze (ES), para analisar de forma significativa todas as hipóteses e propostas de

melhorias que foram coletadas por intermédio da participação dos profissionais da

classe contábil.

Na pretensão de alteração e reconstrução racional das normas do CEPC, é

importante pensar na realidade social, no sentido de expressar a própria subjetividade

da ética no mundo da classe contábil. E4 disse que é preciso que “a sociedade, seja

ela contábil ou não, ajude apurar os fatos do que são fraudes éticas, problemas éticos

e, problemas disciplinares que afetam os profissionais e a sociedade.

As alterações das normas de ética do código podem ser verificadas em termos

de ser “verdadeiro ou falso, justificado ou injustificado, e assim por diante, a partir da

realidade pragmática da contabilidade. Nos estudos de Habermas (2012a), é possível

perceber que por meio da linguagem os sujeitos têm a possibilidade de abrir

enunciados comunicativos, que podem ser orientados pelo princípio da universalidade

para adequações e modificações de normas éticas.

Além disso, cabe considerar que para elaborar um enunciado correto existe a

possibilidade de promover reivindicações de critérios de validade universal, onde os

sujeitos compartilham suas ideias justificada pela veracidade, sinceridade, retidão e

inteligibilidade para evitar a manipulação das ações estratégica do sistema utilitarista

(VIZEU e CICMANEC, 2013).

A validade de uma lei, normas e regulamentos pode ser justificado pela

expectativa normativa de que existem boas razões para proporcionar as

oportunidades de compartilhamento de ideias, para chegar ao acordo comum entre

as pessoas envolvidas com o fenômeno e, ao mesmo tempo com a sociedade.

Isto posto, surge a esperança de que o CFC restabeleça normas de padrões

éticos e punições severas no Brasil, para inibir os conflitos de interesses, e atos

fraudulentos que afetam e contrariam os princípios éticos da Contabilidade.

Page 109: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

109

Quinto: a prática da ética contábil passa pela formação profissional

De acordo com o Art. 2º do CEPC, os profissionais da contabilidade “devem

exercer sua profissão com zelo, diligência e honestidade, observada a legislação

vigente e resguardados os interesses de seus clientes e/ou empregadores, sem

prejuízo da dignidade e independência profissionais”.

Todos esses imperativos, são princípios éticos que foram estabelecidos para

direcionar o contador nas suas atividades. No discurso de E3 “o contador deve ser o

primeiro a zelar pelos controles internos, pela qualidade das práticas contábeis, onde

pequenos desvios provocam grandes consequências no patrimônio, no resultado e

até mesmo na imagem da empresa”.

Ultimamente, a mídia tem demonstrado inúmeros casos de corrupção,

envolvendo várias classes de profissionais que atuam no mundo dos negócios.

Infelizmente a contabilidade tem sido citada por práticas ilícitas, esquemas

fraudulentos, praticados contra o patrimônio de empresas públicas e privadas, além

de pessoas físicas, como investidores, ou seja, causando danos à sociedade e

denigrindo a imagem da própria classe contábil.

Retomando a leitura de Vizeu (2015) percebeu-se que Habermas propõe

mudança paradigmática para lidar com o problema da ética na sociedade

contemporânea, razão pela qual se tenha a possibilidade de construir barreiras

restritivas para defender o mundo da vida contra a invasão dos sistemas.

Dentre as problematizações dos dilemas da sociedade moderna considera-se

as implicações do ensino da ética da contabilidade. De acordo com o discurso de E6,

“ Hoje os problemas de falta de ética na contabilidade são trazidos muito mais rápido

a luz do conhecimento do que os do passado e, isso é o que eu acredito que está

acontecendo”.

O discurso de E6 tem um legado positivo no sentido de alertar que o ensino da

ética na contabilidade precisa ser ajustado conforme a realidade atual. Isto posto,

presume-se como alternativas que o educador de contabilidade organize abordagens

inovadoras (temas atuais sobre dilemas éticos) para serem discutidos em sala de aula.

Todavia, esta mesma ocorrência, transmite uma preocupação de como ensinar

ética na sociedade moderna, proporcionando um nível satisfatório de aprendizagem.

E8 disse que “o ensino a ética passa por valores. Mas como poderíamos melhorar

esses valores, é na escola; é com o pai; é com a mídia; ”.

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110

Este discurso manifesto, pode ser resultado de interdiscursos da realidade

vivenciada pela classe contábil. O escopo do ensino da ética no curso de ciências

contábeis, está em proporcionar efetividade na reflexão sobre a base moral em uma

sociedade, no sentido de que a prática da contabilidade diz respeito a condição de

maturidade do raciocínio ético das pessoas.

Ademais, segundo E7, “a disciplina de ética sempre fica em segundo plano nos

cursos de ciências contábeis [...]. O ensino da ética deveria ser atribuído de forma

especial entre as disciplinas do curso inteiro”.

Este discurso pode estar alinhado à um dito de sentimento de desamparo do

ensino da ética, em relação aos níveis de educação do curso de ciências contábeis, e

ao mesmo tempo pressupondo o enfraquecimento das práticas da moral na trajetória

do profissional contábil.

Porém, aparece um discurso diferente de E7, no entendimento de E8,

não é aula que vai mudar a postura do aluno [...] o aluno vai prestar atenção no código da profissão, mais isso não vai fazer mudar o seu comportamento enquanto indivíduo. Se ele quiser e tiver que fazer alguma atitude errada propositalmente para cometer um ato fraudulento, ela vai fazer. Então, falando do profissional a falha não está no banco escolar. Nós vemos que o problema está na sociedade organizada, na formação do caráter e na cultura que o Brasil aprendeu a conviver, a tolerância a corrupção. Um cenário que tende a ter mudanças a curto prazo e médio prazo, mais ainda estamos longe de países mais desenvolvidos.

A fala de E8, se distanciou um pouco de E7, a partir de um interdiscurso que

pressupõe o problema da contabilidade está imbricado na pressão do sistema

econômico-financeiro, dominado por uma força estratégica ‘parasita’ da sociedade

contemporânea, que enfraquece os valores morais das pessoas, e consequentemente

perdem o significado do valor de uma postura ética.

Na visão habermasiana a ação estratégica ignora os princípios éticos porque

está orientada para os interesses utilitaristas (VIZEU, 2015). Este relato leva para um

interdiscurso, pelo fato de que determinados cursos enfocam o conhecimento utilitário,

focados na aprendizagem instrumental, e muitas vezes fica de lado o preparo da

comunicação dos estudantes com o mundo exterior.

No decorrer das análises discursivas E6 esclareceu que para melhorar a

aprendizagem dos alunos, é muito importante fazer conexões das atividades com a

vida real. Mas, “ os elementos (princípios normativos) que são os formadores do

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111

código de ética, no exato momento em que você terminar a lista muitos deles já se

tornaram obsoletos, porque já caducaram”

Retomando as análises das fontes secundárias percebeu-se que Benett

Stewart (2003), autor do método de avaliação de resultados contábeis Economic

Value Added (DVA) disse que os princípios que norteiam as atuações dos contadores

foram adotados a muitos anos atrás, e por isso já não estão resultando o mesmo efeito

para evitar fraudes.

Por um esforço critico E4 disse que “ alguns valores acabam sendo substituídos

por outros, e a medida que a gente vai vivendo, o tempo vai mudando de conceitos

[...]. Os fatos que até então era verdade absoluta, o mundo então começa a mostrar

cenários um pouco diferente”.

Interdiscursivamente, pressupõe-se que os princípios que sustentam a ética

nas práticas da contabilidade precisam ser atualizados, para resguardar os

contadores que estão sob pressão para agir de maneira contrária à sua ética

profissional. Relembrando a análise documental de (CHABRAK, DAIDJ, 2007), os

Princípios de Contabilidade Geralmente Aceitos (GAAP), não foram suficientes para

inibir os escândalos de fraude na Enron.

Os enunciados da contabilidade até o presente momento têm sido uma forma

de comunicação com o mundo dos negócios. Pressupondo que os princípios

contábeis nem sempre oferecem maior clareza no surgimento de situações

específicas e inabituais, surge a necessidade deste profissional expressar sua opinião.

Diante de uma interação discursiva E5 disse que, “Hoje o contador necessita

exercer um julgamento como profissional contábil [...] e precisa publicar uma

informação de maneira que o leitor saiba o raciocínio”.

Por uma acomodação na teoria de Habermas (1984, 1987), a responsabilidade

do contador em fazer julgamentos, diz respeito a uma racionalidade comunicativa, que

ampara o agir moral do sujeito fundamentado nos critérios de validez, ou seja,

dialogicamente ou comunicativamente o enunciado é reconhecido como legítimo.

Naturalmente, a tendência do ensino contábil advém não somente de uma

atividade relativamente técnica, mas também sob uma perspectiva interpretativa, que

merece ser intensificada no ensino contábil para possibilitar melhor compreensão de

um enunciado real e efetivo.

Sob uma análise discursiva notou-se o pronunciamento de três entrevistados

dizendo que o CFC tem oferecido regularmente cursos na área contábil, por meio do

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112

Programa de Educação Profissional Continuada (PEPC), com a finalidade de atualizar

e expandir os conhecimentos sobre competência técnica e profissional, bem como, da

elevação do comportamento social, moral e ético dos profissionais da contabilidade.

Logo, nota-se a disparidade entre os discursos, porque a maioria dos

entrevistados disseram que o CFC precisa acrescentar política de educação

continuada envolvendo preceitos éticos, inseridos em uma filosofia de ensino que

ajude na formação dos futuros profissionais.

Como se tem observado na TAC de Habermas (1993, 2012a) resguarda

igualdade de voz a todos os sujeitos para expressar suas opiniões, oferece um diálogo

baseado na comunicação livre de pressões e contradições, porque está integrada

através das considerações da racionalidade comunicativa, que repousa sobre uma

formulação orientada para alcançar entendimento.

As reivindicações de validade no ensino da contabilidade podem ser

identificadas e avaliadas especificamente para lidar com conflitos ou dilemas éticos

da profissão.

Paralelamente a esses discursos, uma das mudanças de grande relevância

apresentadas pelo CFC, com fundamento no disposto na alínea “f” do art. 6º do

Decreto-Lei n. 9.295/46, alterado pela Lei n. 12.249/10, faz saber que foi aprovada em

seu plenário as seguintes Normas Brasileira de Contabilidade (NBC), para a disciplina

de ética três novas Normas Brasileiras de Contabilidade Profissionais Gerais (NBC

PG): NBC PG 100, NBC PG 200 e NBC PG 300, advindas da International Federation

of Accountants (IFAC) convergidas para a realidade brasileira, com a finalidade de

acrescentar orientações para o profissional contábil exercer suas atividades de

maneira ética.

Possivelmente, todas essas normas foram regulamentadas para proporcionar

reforço no ensino da ética nos cursos de ciências contábeis, a fim de que, a

aprendizagem das normas da ética contribua para melhorar a qualidade e a

consistência dos serviços prestados pelos contadores.

Do ponto de vista habermasiano, a pragmática do ensino da ética na

contabilidade certamente tem sua contribuição em três mundos: objetivo, normativo e

subjetivo. As argumentações da aprendizagem da ética se distribuem em: teorias

(mundo objetivo); normas e regulamentos (mundo social) e a linguagem/comunicação

(mundo subjetivo).

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113

Mediante este contexto, a colonização dos sistemas imbricados na sociedade

moderna de alguma maneira interfere no ensino da ética da contabilidade. Por um

olhar da TAC de Habermas (2012a), o movimento de recuperação das críticas

direcionadas à prática da ética contábil, pode ter o seu ponto de partida por meio do

agir comunicativo, pela proposta de emancipar os educadores do ensino da ética,

oferecendo mecanismos de capacitação de aprendizagem engajados na

argumentação participativa entre os sujeitos do mundo da vida.

O processo de aprendizagem da disciplina da ética contábil deve ser visto como

uma oportunidade de melhorar a qualidade do ensino já existente nos cursos de

ciências contábeis, pela perspectiva de mudança direcionada para uma pedagogia

inovadora e atualizada.

Sexto: um olhar sob a contabilidade enquanto linguagem inteligível

A história revela que a comunicação da contabilidade sempre esteve conectada

aos métodos de cálculos econômicos, estabelecidos pelo sistema que rege os

negócios na sociedade. Provavelmente, com os avanços de mercado, o discurso

econômico-financeiro dos relatórios contábeis vem sendo modificado para tomada de

decisões no mundo das organizações (IUDÍCIBUS; MARION 2002).

Disposta aos diferentes movimentos mercantilista/capitalista, a contabilidade

no Brasil teve grandes revoluções muito importante que aceleraram o nível da escala

comunicativa.

Pelo efeito de ter conhecimento na história da contabilidade, e vários anos de

experiência de trabalho técnico nas regulamentações de leis do CPC, E3 disse que:

a Lei das S/As, proporcionou um grande avanço para a contabilidade. Antes o trabalho do contador era exclusivamente para fins fiscais, era uma contabilidade hermética totalmente fechada, muito pior do que se vê hoje. [...]. A linguagem dos balanços era uma coisa maluca, como por exemplo: não existia informações de vendas, as informações começavam com o lucro bruto, não existia demonstração de resultado de exercício (DRE). Então, era preciso fazer muitos cálculos para entender aquilo.

Tendo vasto conhecimento e experiência de trabalho no CPC, e no conselho

consultivo de normas SAC do IASB, E5 falou que:

a contabilidade depois de 11.638/2007, ela teve uma enorme alavancagem para o meio de comunicação, e ainda talvez demore alguns anos, talvez décadas, para que saibamos essa nova

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114

oportunidade que veio em nossa mão. A ferramenta é comunique-se bem.

Através destes discursos foi possível perceber que com essas modificações, a

linguagem da contabilidade está sendo mais clara do que era antes. Com a adoção

da Lei 11.638/2007, a linguagem da contabilidade passou a ser universal, ou seja, a

comunicação passa a ser mais engajada com outros países que também fizeram a

adoção com o IFRS.

Um dos principais motivos da adoção da Lei 11.638/2007, foi a intenção de

aprimorar universalmente a linguagem contábil representada por um conjunto de

demonstrações contábeis, inteligíveis e aceitáveis globalmente.

Enquanto uma linguagem, “a contabilidade deve cumprir adequadamente o seu

papel, pois a sua relevância está vinculada em ser um canal de comunicação” disse

E2.

Embora, já esteja estabelecido para as práticas da contabilidade uma

linguagem com critérios universais, E5 disse que “ainda existe alguns contadores que

não entenderam a necessidade de melhorar a comunicação das demonstrações

contábeis”.

Um enunciado puramente técnico se distancia do agir comunicativo por não dar

margem as interfaces da linguagem. O contexto das práticas da contabilidade

necessariamente implica discursos sobre os resultados econômicos- financeiros das

organizações. Na fala de E3, ficou enfatizado a necessidade de:

produzir mais de uma informação sobre o mesmo evento. Por exemplo, balanços a valores justos ao lado de balanços a valores históricos; e ao lado de valores históricos corrigidos pela inflação. Como gerencialmente produzimos informação sobre o mesmo produto sob óticas diferentes: ao custo real por absorção, ao custo variável com preços de reposição, e assim por diante.

Ainda sobre estas considerações, o discurso de E4 revela que:

o Brasil depois que fez a aderência as normas internacionais, ele procura se amoldar em vários segmentos para realidade global. As normas que tem sido alternada nos últimos tempos, por exemplo: reconhecimento de receita que procura se amoldar com os padrões internacionais, isso para que a comunicação seja mais efetiva, não só aqui internamente, mas seguindo conceito que já vem do IASB, como também a comunicação externa, onde os nossos balanços, nossas demonstrações estejam em linha com o que acontece fora.

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115

Resgatando a memória da revisão de literatura, percebeu-se que Iudícibus et

al. (2011) cita Habermas (2002) para explicar o processo comunicacional da

contabilidade, direcionando às pretensões de validade como uma oportunidade de

efetivar os relatórios da contabilidade de forma inteligível, a partir do momento que

estes proporcionem a compreensão junto ao outro.

O agir comunicativo centrado no mundo da vida procura recuperar a

significação da linguagem das práticas cotidianas da contabilidade, onde os sujeitos

têm a possibilidade de argumentação livre de pressões de outrem, e todos os

concernidos participam do discurso, para chegar ao acordo comum (HABERMAS,

2002).

Prosseguindo a análise, notou-se que a maioria dos entrevistados disseram

que a linguagem da Contabilidade parece estar mais direcionada para o governo, do

que para disponibilizar informações para os seus clientes.

Portanto, “o governo ordena muitas tarefas para os contadores informar ao o

fisco, e desta forma desvia o verdadeiro trabalho do profissional da Contabilidade”,

disse E9.

De acordo com a matéria publicada no site do CRC-SF, o contador trabalha

cada vez mais para o governo. A solução para esta distorção de papel, será a

desburocratização e quando o governo rever as formas de tributações. A partir do

momento que isso acontecer o contador terá tempo para escrever com boa qualidade

a realidade de cada negócio e, também vai ter tempo para pensar mais, para realizar

um bom julgamento da situação econômico-financeira das empresas (NOBREGA,

2012).

Percebeu-se na fala dos entrevistados que a identidade e função da

Contabilidade está sendo desviada por inúmeras atividades que o governo lhes tem

atribuído. A respeito disso, na fala de E4 “os profissionais não têm conseguido fazer

uma comunicação efetiva do ponto de vista redacional com seus usuários, por ter

muitos afazeres expedidos pelo governo”.

Analisando a teoria habermasiana, cabe dizer que a colonização do sistema

estatal se infiltra cada vez mais na força produtiva da contabilidade, com pretenções

de poder autônomo e monólogo, utilizando a contabilidade como se fosse uma

dobradiça entre o fisco e as organizações.

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116

A intervenção burocrática do Estado, tem sido uma das preocupações

manifestadas na teoria habermasiana, onde legalização, normas e contextos de ação,

independente de qual for a sua necessidade, deve buscar o entendimento mútuo

como um mecanismo de coordenação de ação entre os sujeitos.

Neste sentido, a racionalidade comunicativa visa um processo de socialização

onde os participantes usam a linguagem para se comunicar com as partes

interessadas, com a finalidade de buscar o entendimento sobre algo em comum. O

ato de se unir e buscar o entendimento (ação comunicativa) pode ser uma maneira de

bloquear os conflitos entre o governo e a classe contábil (HABERMAS, 1984; 1987).

Analisando o delineamento discursivo dos entrevistados, percebeu-se que a

contabilidade precisa melhor a forma de linguagem na apresentação de seus

relatórios.

Para começar dois entrevistados manifestaram a mesma ideia, partindo do

pressuposto que cada tipo de usuário usa informações contábeis de maneiras

diferentes, então é preciso apresentar de formas diferentes e, com uma linguagem

especificas para cada um deles.

Logo, a discussão passou a ser estruturada por meio dos discursos de alguns

dos entrevistados, eles citaram que as redações das notas explicativas das

demonstrações contábeis, são consideradas muito importante para esclarecer ao

usuário certos fatos que não foram possíveis entender.

Partindo da sua própria experiência, E5 disse que:

o contador necessita fazer as interpretações daquilo que os números de seus relatórios não conseguem explicar. Isso envolve muito mais do que elaborar um relatório estático, significa garantir que a informação evidenciada seja compreendida de forma que clara, para

levar os usuários ao entendimento, e tomar decisões seguras.

A maioria dos relatórios da contabilidade exigem que se faça uma comunicação

por escrito, para complementar o entendimento das ocorrências dos fatos contábeis.

O enunciado de uma comunicação econômico-financeira exige uma escrita clara.

No discurso de E5 “o contador precisa publicar uma informação de maneira que

o leitor saiba o raciocínio. E não há como evitar isso, o contador, precisa ser capaz de

escrever de maneira inteligível”.

Em vista disso, a narrativa da Resolução do CFC n. 1.374 de 2011, trata das

abordagens principais da comunicação da Contabilidade fundamentadas nas

Page 117: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

117

características qualitativas da informação e, na capacidade de ser útil na tomada de

decisões. Ou seja, espera-se que o contador ao escrever seus relatórios transmita

mensagens simples e fáceis de compreender.

Porém, no entender de E6 “existem dificuldades no processo de comunicação

do profissional contábil, devido à falta de leitura, e também por que ele precisa

escrever mais, e isso não tem acontecido, consequentemente as ideias se

enfraquecem e a escrita se torna ruim”.

Dito isso, surgiu um interdiscurso sobre o empenho do curso de ciências

contábeis em ensinar os futuros contadores a se comunicar bem com os usuários. O

enunciado de um relatório contábil pode fazer sentido para alguém treinado e versado

nos princípios da contabilidade. Mas, talvez para determinados usuários da

contabilidade, este mesmo enunciado se tornam ininteligível.

A Resolução do CFC n. 1.1374/2011, apresenta a NBC T 1 - Estrutura

Conceitual para a Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis, para o

profissional contábil ter parâmetros para elaborar seus relatórios. E ressalta que existe

diversos tipos de usuários, tendo em vista suas finalidades distintas e necessidades

diversas.

Demonstrações contábeis devem ser preparadas sob a égide desta Estrutura Conceitual objetivam fornecer informações que sejam úteis na tomada de decisões e avaliações por parte dos usuários em geral, não tendo o propósito de atender finalidade ou necessidade específica de determinados grupos de usuários.

Neste contexto, os entrevistados manifestaram suas opiniões a respeito de

quais medidas os órgãos superiores tomam ou deveriam tomar, para tornar a

comunicação das demonstrações contábeis mais efetiva.

Na fala de E6 “a responsabilidade é dos professores e não dos órgãos

reguladores. Mas é preciso que este professor tenha vocação para fazer isso”.

Com a mesma visão dois entrevistados disseram que o CFC atualmente tem

trabalhado nas questões da imagem e valorização do profissional, buscando parcerias

para melhor integração do profissional com a sociedade, por meio de cursos para os

contadores através do Programa de Educação Continuada (PEPC).

Ressaltou E4 que o (PEPC) “precisa ser mais divulgado nas instituições de

ensino do curso de ciências contábeis, para que os alunos tenham oportunidades de

aprendizagem”.

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118

Na fala de E7 “é preciso que os professores sejam capacitados para ensinar os

alunos a elaborar relatórios diferenciados ao usuário, o futuro contador precisa ter uma

formação de qualidade”.

Na sequência E9 disse que “as teorias da contabilidade devem ser integradas

de forma eficaz com uma disciplina de comunicação, para que esse profissional tenha

condições de comunicar-se bem com o usuário em diferentes níveis de compreensão”.

A contabilidade serve para registrar e organizar todas as transações

financeiras de uma organização. Assim, E8 disse que, para determinados usuários:

muitas vezes é melhor fazer uma planilha pontual com o fluxo de caixa atualizado. Então, as vezes não é o balanço somente que vai esclarecer ou resolver a vida do empresário. Às vezes é um relatório bem pontual e atualizado com informações que esse empresário consiga entender bem e tirar suas conclusões para tomada de decisões, assim, vai ganhando a confiança do empresário.

A partir desses discursos foi possível perceber que a linguagem como

mediadora das práticas contábeis é um elemento vital para evitar ruídos na

comunicação. A linguagem contábil pode predispor aos usuários um determinado

modo de percepção e comportamento. Possivelmente a contabilidade tenha diferentes

tipos de usuários e use termos técnicos linguísticos diferentes por causa da natureza

das atividades organizacionais.

Neste contexto, o agir comunicativo habermasiano conduz os indivíduos a

realizar diferentes perspectivas de linguagem para diversas situações. O falante

(emissor de uma mensagem) pode usar as mesmas palavras, de maneiras diferentes,

em ocasiões diferentes com o objetivo tornar claro para o receptor (ouvinte da

mensagem) no seu ato de fala. Usualidades linguísticas específicas variam o dialeto

de acordo com a classe social.

A dimensão da força da linguagem fornece estruturas de intersubjetividade

geradas linguisticamente. Mas, a comunicação só será legítima, se aplicar critérios

validados no agir comunicativos, ou seja, se um enunciado não for compreensível,

então não existiu entendimento mútuo entre os sujeitos.

A proposta de Habermas, (1987, 2012a) para os problemas de comunicação

advém da possibilidade de conscientizar os sujeitos que é preciso haver entendimento

uns aos outros, para alcançar clareza na comunicação.

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119

Ao retornar aos discursos dos entrevistados notou-se também que a

compreensibilidade das notas explicativas é uma das características desejáveis nos

relatórios contábeis. Pelas muitas experiências já vivenciadas E5 proferiu:

no Brasil existem poucos profissionais preparados para fazer notas explicativas, porque são pouquíssimas as instituições de ensino de contabilidade que disponibilizam a disciplina de notas explicativas na graduação. Muitas vezes as notas explicativas não são nada explicativas, e nem transparente. Nas notas explicativas não pode usar adjetivo, nem pode omitir informações importantes, não pode faltar com a verdade.

A contabilidade tem sido considerada a linguagem dos negócios e, ao mesmo

tempo, tal linguagem tem que ser flexível para se adaptar a um ambiente em

mudanças.

Os discursos a seguir se referem ao preparo do futuro profissional do curso de

ciências contábeis. Iniciando as argumentações E5 disse que “o ponto chave está em

comunicar-se bem com os diversos tipos de usuários”. Paralelamente a estas

questões, no ponto de vista de E11:

o contador precisa ser um profissional diferenciado, precisa entender de gestão, de administração de empresas, de economia, e mais, precisa ser um consultor de seu cliente do que propriamente um contador de débito e crédito. [...]. A cada dia que passa, o profissional contábil é convidado a traduzir informações para tomada de decisões, é muito importante que a comunicação contábil tenha qualidade, e clareza.

Neste mesmo sentido argumentativo apoiando o discurso anterior, E5 se referiu

ao profissional contábil dizendo:

é preciso saber fazer os relatórios das demonstrações contábeis de maneira compreensível, e aí precisa também saber em que nível se pode aumentar ou diminuir o nível [...]. Mas, isso ainda é uma dificuldade que precisa ser superado. Agora não se pode escrever algo tão técnico, mas também escrever algo tão ruim.

Paralelamente, ao que foi relatado acima, E7 disse que “ infelizmente estamos

longe de formar profissionais competentes e bem direcionados para informar com

qualidade e clareza as práticas contábeis”.

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120

Uma vez que o discurso de E5 e de E7 se relacionaram com outros, formou-se

um interdiscurso no sentido de compreender que um enunciado, precisa ser

apresentado da melhor maneira possível. Para melhorar qualquer efeito de

inteligibilidade na comunicação, e ao mesmo tempo reduzir ou eliminar ruídos

causados pela distorção da linguagem, faz-se necessário a efetividade da interação

argumentativa entre os falantes.

A inteligibilidade da linguagem das práticas contábeis tem sido considerada um

desafio, pelo fato de que muitos termos técnicos usados nos relatórios são difíceis de

compreender. Para melhor esclarecer esta circunstância, resgatou-se na literatura

essa observação:

é importante utilizar, nas demonstrações contábeis, uma terminologia clara e relativamente simplificada[...], termos (e grupos) obscuros como 'resultado pendente', 'pendente' ou mesmo 'resultado de exercícios futuros' devem ser evitados, por não serem precisos" (IUDICIBUS, 1997, p.113).

De acordo com relatório do FASB, através do Statements of Financial

Accounting Concepts nº. 2, editado em 1980, “os benefícios da informação contábil

podem ser aumentados tornando-a mais compreensível e, portanto, útil para um

círculo mais amplo de usuários”

Outra vez, pressupõe-se que de alguma maneira, a falta de compreensibilidade

nos relatórios contábeis esteja nas expressões linguísticas que interagem na

linguagem da contabilidade. Paralelamente a estes fatos, a falta de compreensão

pode ser considerada como uma forma de influência ilegítima na comunicação. A

disposição de enunciado ético está na clareza das informações que repousa sobre a

legitimidade do melhor argumento (VIZEU, 2015).

No enunciado de um relatório, a inteligibilidade pode ser vista como um

requisito indispensável em qualquer tipo de mensagem. Tanto o emissor de um

enunciado, bem como o respectivo receptor, deve buscar entendimento entre si, de

acordo com as estruturas do sistema linguístico manifestado naquele contexto.

Dentre as dificuldades de clareza e entendimento na comunicação entre os

sujeitos, o reconhecimento do significado da palavra no enunciado é o primeiro passo

em todo o processo para alcançar a inteligibilidade.

Assim, todos os discursos aqui apresentados possivelmente possam servir

beneficamente, para melhorar a inteligibilidade das práticas contábeis no mundo dos

negócios organizacionais.

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121

6.2 DISCUSSÃO

Nessa sessão se discute as práticas contábeis com base na síntese dos

interdiscursos identificados na investigação mediante a articulação dos resultados

obtidos e a sua evidenciação no quadro teórico. Eles são apresentados no Quadro 3,

a seguir.

O discurso da Contabilidade possui sintomas de uma das patologias da

sociedade contemporânea, denominada ‘ dilemas éticos’. Essa problemática está

relacionada com o CEPC, pois muitas vezes não tem sido considerada por alguns

profissionais envolvidos com as práticas contábeis. A obediência ao CEPC é uma das

formas de expressar o compromisso com a responsabilidade e o respeito pelo usuário

e pela sociedade em geral. Além disso, o CEPC ajuda a aprimorar o senso de

identidade da classe contábil por meio de princípios éticos, que sustentam a boa

imagem do contador.

Neste contexto, percebe-se que a racionalidade instrumental voltada para o

êxito, com uma perspectiva pré-determinada para os seus fins, norteia a trajetória das

práticas da Contabilidade em um mundo que negligencia as regras de

comportamentos éticos. Habermas (2012a) ressalta que a sociedade contemporânea

está comprometida com imperativos orientados para o êxito, com sistemas fechados

para argumentação, desconectados das regras de comportamentos éticos no mundo

da vida.

É importante ressaltar que a responsabilidade do profissional contábil também

diz respeito a como não desvirtuar a verdadeira função da Contabilidade. Como afirma

Heath (2014, p. 14), “é preciso ter em mente a postura de agir corretamente, não

porque existe uma norma proibindo e punindo danos causado aos outros, mas por se

estar consciente de fazer o que é certo”. Essa postura precisa estar relacionada à

necessidade da profissão de se legitimar de acordo como princípios éticos universais,

além de oferecer orientação sobre como os princípios devem ser seguidos. Assim, os

contadores devem desenvolver e praticar o raciocínio moral com base nos princípios

acordados coletivamente, estabelecendo o consenso entre os integrantes da classe

para o bom funcionamento do CEPC.

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122

Quadro 3 – Os Interdiscursos Identificados e os Seus Significados

Interdiscursos Identificados Significado

Os acordos de convivência devem ser guiados por um código

A possibilidade de melhorar a clareza e a inteligibilidade das disposições do CEPC. Ou seja, alinhar o discurso do código do contador de acordo com os requisitos do dever ético, ponderando todos os fatos e as circunstâncias específicas que estão inter-relacionadas com as práticas e com o comportamento ético do contador.

A penalidade é necessária O comprometimento com a determinação séria e rigorosa da penalidade no CEPC pode ser uma das alternativas de prevenção de atos ilícitos futuros. Além disso, quando a punição é devidamente aplicada, evidencia-se que o CEPC garante à sociedade em geral relações seguras com as práticas da Contabilidade.

As normas e regulamentações precisam ser claras e inteligíveis

A linguagem transparente e precisa possibilita que os contadores tenham a facilidade de entender o que a legislação determina para o desempenho adequado das suas práticas. Talvez a maior contribuição que os órgãos reguladores das normas e regulamentações da classe contábil possa oferecer à sociedade, seja de tornar o discurso mais inteligível, com intuito de assegurar a pretensão de compreensibilidade entre o legislador das normas e o profissional contábil. O processo mútuo de um agir comunicativo pode acontecer por meio de uma linguagem livre de coerção.

Novas perspectivas para o CEPC A falta de enforcement no CEPC é uma brecha que precisa ser suprida na atuação do CEPC. Por outro lado, existe a necessidade de promulgar novas leis, que protejam e capacitem os profissionais da Contabilidade à agirem de forma eticamente correta, quando forem confrontados com a corrupção ou com outros atos ilegais.

A prática da ética contábil passa pela formação profissional

Questões éticas sobre as práticas cotidianas da Contabilidade devem ser discutidas intensamente nas aulas de ética nas instituições de ensino. A falta de ética do profissional contábil pode ser uma das razões do aumento de manipulações e fraudes nas demonstrações financeiras. As falsificações distorcem a realidade econômica das organizações, causando danos aos empresários, investidores e outras pessoas envolvidas com as transações do mundo dos negócios.

Um olhar sobre a Contabilidade enquanto linguagem inteligível

A força da elite domina o discurso da Contabilidade. A sua linguagem somente será inteligível e mais confiável para os seus usuários quando os profissionais contábeis se conscientizarem de que existe a necessidade de responsabilização moral, fundamentada em relatos contábeis inteligíveis, para tornar fidedigna a tomada de decisão no mundo dos negócios.

Fonte: a autora, 2018.

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O agir ético está sempre associado à determinada situação. Ainda que o CEPC

possua legitimidade, muito pode e deve ser feito para aperfeiçoar a clareza da

linguagem do seu conteúdo, no sentido de fornecer aos contadores orientações

consistentes sobre como lidar com situações que surgem no dia a dia da sua atividade,

que geralmente exige interpretações relacionadas aos princípios éticos. Habermas

(1987) ressalta que a ausência de ações pautadas na ética pode ser uma das

características da existência de patologias da sociedade moderna, que ocasionam

deformações da moral no mundo da vida, geradas por um sistema capitalista que

aprisiona a emancipação humana.

O contador precisa se emancipar de todas as formas de pressões de classes

dominadoras, que conseguem impor os seus interesses, muitas vezes com

estratégias autoritárias, monopolizando a sua autonomia. Retomando a história da

Contabilidade, verificou-se que as suas práticas foram sendo modificadas ao longo do

tempo por um sistema capitalista que abriga contradições de ordem moral (BRYER,

2005; IUDÍCIBUS; MARTINS; CARVALHO, 2005; SÁ, 1998).

No âmbito contábil, observou-se que existe a necessidade de impor

penalidades aos contadores cujas violações são de natureza ética. As práticas de atos

ilícitos como corrupção, adulteração de documentos, balanços falsificados, sonegação

fiscal, propinas, lavagem de dinheiro, emissão de notas frias, desvio de verbas,

abertura de empresas fantasmas, suborno, entre outras ações de má conduta de

alguns profissionais do crime que se dizem contadores, estão denegrindo a imagem

da classe. No CEPC lê-se:

Art. 13. O julgamento das questões relacionadas à transgressão de preceitos do Código de Ética incumbe, originariamente, aos Conselhos Regionais de Contabilidade, que funcionarão como Tribunais Regionais de Ética e Disciplina, facultado recurso dotado de efeito suspensivo, interposto no prazo de quinze dias para o Conselho Federal de Contabilidade em sua condição de Tribunal Superior de Ética e Disciplina. § 1º O recurso voluntário somente será encaminhado ao Tribunal Superior de Ética e Disciplina se o Tribunal Regional de Ética e Disciplina respectivo mantiver ou reformar parcialmente a decisão. § 2º Na hipótese do inciso III do art. 12, o Tribunal Regional de Ética e Disciplina deverá recorrer ex oficio de sua própria decisão (aplicação de pena de Censura Pública). § 3º Quando se tratar de denúncia, o Conselho Regional de Contabilidade comunicará ao denunciante a instauração do processo até trinta dias após esgotado o prazo de defesa.

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124

Porém, as ocorrências de falta de ética têm aumentado significativamente no

âmbito contábil, e a maioria das penalidades é em forma de multas, conselhos ou

avisos por escrito. A ausência de severidade nas penalizações e a falta de

transparência nas informações de violações do CEPC possivelmente seja um dos

estímulos para que a corrupção ganhe força na classe contábil. Mediante as

ponderações da teoria de Habermas (1987, 1989), o desuso de ações da moral é uma

das patologias que advêm da colonização do mundo sistêmico, que de forma

instrumental aprisiona as penalidades do CEPC.

Conforme sustentado na presente investigação, os atributos de um

comportamento ético envolvem critérios de pretensões de validez como a sinceridade,

a veracidade, a legitimidade e a inteligibilidade (HABERMAS,1987, 2012a). Tais

atributos contrariam ideias bastante utilizadas nas práticas contábeis atuais, como,

por exemplo, as ‘oportunidades criativas’ (JONES, 2011). Logo, o CFC deve levar em

conta a complexidade das situações de dilemas éticos vivenciadas no mundo contábil,

e se posicionar impondo rigorosidade nas penalidades.

Ademais, do ponto de vista ético as normas e regulamentações da

Contabilidade precisam ser inteligíveis. A inteligibilidade é o aspecto mais importante

de toda a comunicação contábil. No entanto, a linguagem utilizada na comunicação

do CEPC ainda não alcançou satisfatoriamente a compreensibilidade. Para Habermas

(1987) a inteligibilidade das normas depende da aceitação universal. E a

compreensão do que significam ações de boas maneiras deve ser compartilhada entre

os integrantes da Contabilidade. Os acordos de uma sociedade possivelmente terão

validez quando houver entendimento mútuo entre os sujeitos, para desenvolver o

compartilhamento de ideias por meio da argumentação livre e autônoma (HABERMAS,

2012a; VIZEU, 2005).

O alcance da inteligibilidade das normas e regulamentações da Contabilidade

representa também credibilidade e comparabilidade das informações necessárias

para o processo decisório nas organizações. Habermas (2012a) afirma que toda

informação precisa ter validade e ser inteligível, para que haja captação do conteúdo

e, por conseguinte, traga a si própria o entendimento. A inteligibilidade é a palavra de

ordem para as práticas contábeis, com o intuito de determinar disposições de

comunicação eficazes entre os membros da classe, os usuários e a sociedade.

O CEPC apresenta perspectivas futuras. Acredita-se que o CFC buscou

aprimorar o CEPC, ajustando o seu conteúdo conforme a realidade das organizações,

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125

e, ao mesmo tempo, tentando melhorar a qualidade das práticas contábeis e modificar

a imagem de parceira de irmãos contadores como senhores da elite. Porém, embora

tenha reivindicado a formulação de um conjunto de princípios éticos ao longo do tempo,

a sua estrutura ainda necessita de várias mudanças para consolidar a transparência

e a legitimidade dos contadores na sociedade brasileira. Entre as prioridades de

mudança, estão a reformulação dos processos disciplinares para os profissionais que

não cumprem as suas regras e novas definições de princípios e normas éticos.

A Contabilidade é uma profissão de grande visibilidade no mundo inteiro, e as

transformações do seu código de ética e do discurso que o envolve representam uma

atitude de responsabilidade dos componentes do CFC, para fundamentar a boa

conduta durante a trajetória da vida profissional e atender às solicitudes da sociedade

brasileira com mais seriedade. Vizeu, Macadar e Graeml (2016) ressaltam que a

conduta moral é regida por uma ação licita, consolidada pelos interesses de todos os

participantes de uma classe social.

Os ensinamentos dos princípios éticos devem estar alinhados, ainda, com a

possibilidade de aprimorar o comportamento dos contadores futuros e ajudar a

diminuir as crises éticas. No entanto, vive-se em uma sociedade regida por uma

moralidade radicalmente utilitarista e individualista, pautada por pressões que levam

as pessoas a não se importarem com valores e princípios éticos universais

(ARRINGTON; PUXTY, 1991; VIZEU, 2015; VIZEU, MACADAR; GRAEML, 2016).

Desse modo, esse sistema, que se caracteriza determinante para o seu próprio êxito,

definido por critérios particulares, descentraliza ações de boa conduta estabelecidas

na coletividade da classe contábil. Portanto, o professor de ética deve atentar para

o ensino adequado do seu conteúdo e, ao mesmo tempo, refletir sobre o seu papel

de educador que contribui para a criação dos valores e da consciência moral dos

alunos nos cursos de ciência contábil.

Iudícibus et al. (2011) entendem que a comunicação da contabilidade necessita

de um esforço para a formação de um discernimento equânime para além de

descrever, interpretar e explicar os valores subjacentes à vida em uma sociedade cada

vez mais complexa. Ao observar a teoria de Habermas (2002), entende-se que a

expressão inteligível para a contabilidade significa enunciar de forma inteligível,

oferecer ao ouvinte mensagem clara, para que possa atingir compreensão junto ao

outro. A contabilidade deve cumprir o seu papel de enunciar informações fidedignas

para a tomada de decisão. Mas, o que parece é que determinados contadores que

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elaboram demonstrações contábeis têm reprimido essa questão e, não dão o devido

valor para a utilidade da decisão inteligível no mundo dos negócios das organizações.

As orientações e ensinamentos dos princípios éticos devem estar alinhadas

pela possibilidade de melhorar o comportamento dos contadores atuais e futuros,

e ajudar a diminuir as crises éticas, protegendo a classe social da profissão

contábil. No entanto, vivencia-se, uma sociedade contemporânea regida por uma

moralidade radicalmente utilitarista e individualista (ARRINGTON; PUXTY,

1991), que se apresenta como uma forma de pressão que leva as pessoas a não se

importar com valores e princípios éticos universais (VIZEU, 2015; VIZEU, MACADAR;

GRAEML, 2016). Desta forma, esse sistema que se caracteriza determinante para o

seu próprio êxito, definidos por critérios particulares, descentraliza ações de boa

conduta estabelecidos na coletividade da classe contábil. Portanto, é preciso admitir

que um dos cuidados do professor de ética, está em monitorar o quão bem ensina

a ética no curso de ciências contábeis e, ao mesmo tempo fazer uma reflexão se

realmente está sendo um educador que cumpre o seu papel nas instituições de

ensino da ciência contábil.

Por fim, considera-se que a contabilidade tem sido praticada e concebida

como a linguagem dos negócios, pelo fato de que através dela as informações

econômicas-financeiras são evidenciadas para diversos usuários da sociedade. Mas,

enquanto linguagem inteligível precisa melhorar, pois no descrever os fenômenos

contábeis que acontece nas organizações tem se distanciado de uma comunicação

clara e efetiva, desconectada com a finalidade de ser compreensível, pressupõe que

o seu discurso está sendo induzido por ânimos de interesses particulares.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Preocupado com a sociedade como um todo, Habermas (1987, 2012)

apresenta a ética do discurso como um procedimento observável, que visa a reparar

dilemas éticos para estabelecer uma ordem social racional, possível de neutralizar a

infiltração de um sistema estratégico orientado para atender interesses próprios no

mundo dos negócios. Na teoria habermasiana foram identificados, na filosofia da

linguagem dos atos de fala, pressupostos nos critérios de validade para constituir a

ética do discurso como uma proposta séria, com regras subjetivas, voltada para os

valores morais da sociedade (VIZEU, 2015).

Nesse sentido, a teoria da ética discursiva é relevante para quaisquer

reivindicações das práticas contábeis. Os resultados obtidos na presente investigação

revelam que a Contabilidade tem a possibilidade de escapar da lógica circular da

modernidade capitalista e proteger a sua própria identidade por meio da pragmática

da argumentação universal, ajustando-a mediante a estrutura de um discurso livre de

coerção. Resgata-se aqui uma condição muito importante para impedir que interesses

tendenciosos e coercivos tomem o lugar da argumentação livre entre os profissionais

contábeis.

Isso pode ser considerado também pelo fato de que a proposta da ética

discursiva para as práticas contábeis está além da racionalidade do saber técnico, ou

seja, está concentrada em desidealizar o agir funcionalista, substituindo-o por meio

de uma comunicação espontânea, representada por uma pragmática universal com a

intenção de ampliar a racionalidade do agir moral no contexto contábil. A visão

habermasiana situa a ética discursiva contrapondo a ação estratégica por ignorar

imperativos éticos, instituindo orientações para as práticas performativas de

interesses utilitários (VIZEU, 2015).

Tendo em vista os pensamentos habermasianos, infere-se que, ao definirem

os procedimentos que regulamentam as suas práticas, os profissionais contábeis

devem levar em conta o compartilhamento de ideias com os outros, pano de fundo

das ações humanas. A ética discursiva não é simplesmente um artifício de designação,

mas um processo interativo, que pode levar ao entendimento entre os integrantes da

classe contábil e contestar os poderes da linguagem utilitarista, que tem desviado a

verdadeira finalidade da Contabilidade.

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O raciocínio do agir comunicativo é considerado moralmente desejável nas

práticas contábeis, uma vez que os princípios éticos reconciliadores, manifestados em

ações morais, intensificam o seu discurso e asseguram validade no exercício da

profissão com resultados satisfatórios (LAUGHLIN, 1987). Assim, a proposta da ética

discursiva torna-se apropriada para a Contabilidade pela necessidade de o contador

resgatar o apoio da comunidade contábil por intermédio da ação comunicativa, na qual

os falantes são capazes de fazer argumentações sobre os seus planos de ação com

a finalidade de evitar conflitos e promover o acordo comum entre os seus integrantes.

Tal como Vizeu (2011), acredita-se que, na ação comunicativa, a interação humana

orientada para o entendimento é a relação dialógica adequada para avaliar a

veracidade dos discursos.

O objetivo geral dessa tese foi o de analisar de que forma a ética discursiva

pode ser uma referência para orientar os profissionais contábeis no exercício das suas

práticas. Para atingi-lo, foi formulado como primeiro objetivo específico: compreender

o impacto da orientação utilitarista dos negócios nas práticas da Contabilidade.

Na análise dos dados coletados as ações estratégicas do Estado despontam

como um dos sinais da influência do sistema utilitarista nas práticas contábeis. Tais

ações se caracterizam pela imposição de regras na execução de tarefas formais. O

conflito acontece, tendo em vista que o profissional conhecedor das inúmeras normas

designadas pela legislação tributária não tem tempo suficiente para se preparar para

ser um assessor, que oferece informações eficazes à administração das

organizações. Por outro lado, existe o contador que pouco se aprofundou nas

exigências do fisco, mas que pode ser um orientador excelente na tomada de decisão.

Mesmo com a proposta da Lei 6.404/76 para o distanciamento da

Contabilidade Fiscal da Societária, a influência fiscal é significativa. O Estado continua

sendo catalisador de dinheiro, porque as forças econômicas permanecem bastante

conjuntivas, hoje talvez ainda mais em virtude dos efeitos do processo de globalização

(IUDÍCIBUS, 2005; MARTINEZ, 2006).

As imposições advindas das ações estratégicas do Estado moderno se

instalam como se fossem um parasita, que sufoca e desvia o desempenho da

Contabilidade em busca de concentração e de centralização de poder, que servirão

para o desenvolvimento do sistema capitalista (BOUGEN, 1989; BRYER, 2000;

MARTINEZ, 2006; MILLER, 1990). As vinculações de conflitos entre a

responsabilidade da Contabilidade e os requerimentos do Estado podem ser

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reconciliadas a partir do momento em que se abra espaço para a argumentação livre

de pressão.

Verificou-se também o impacto dos atos ilícitos nas práticas contábeis. Como

característica de um agir utilitarista, os valores morais e éticos são deixados em

segundo plano, com as confusões e as contradições nas práticas contábeis surgindo

em face dos conflitos de interesses. A Contabilidade está situada em meio a pontos

de vistas controversos no que concerne à transparência sobre qual é o seu verdadeiro

papel. Logo, é um campo com muitas possibilidades de ocorrência de turbulência ética

(IUDÍCIBUS et al., 2011).

Existe outra lacuna nas práticas contábeis decorrente do fato das auditorias

independentes não possuírem a responsabilidade de detectar fraudes. A questão de

identificar fraudes pelas auditorias é importante para os auditores e para os usuários,

que usam as demonstrações contábeis para a tomada de decisão. O papel do auditor

consiste em emitir uma opinião justa sobre todos os aspectos relevantes, de acordo

com a estrutura do relatório financeiro. A observância dos princípios, normas e

regulamentos determinados na ciência contábil, por si só, inibe a ocorrência de

fraudes (COELHO, 2017).

Porém, como lembra Jones (2011), é difícil explicar para os usuários que é

possível duas empresas do mesmo setor seguirem princípios contábeis diferentes e

ambas obterem um relatório de auditoria verdadeiro e justo. Na ação utilitarista as

ações morais não são prioridades, porque a orientação está voltada para o alcance

de interesses próprios. O efeito utilitarista se manifesta nas práticas contábeis a partir

do momento em que os relatórios econômico-financeiros se apresentam neutros de

suas responsabilidades, ou seja, um relatório ou um julgamento é elaborado visando

à atingir um desfecho predeterminado. Assim, a profissão contábil continua a lutar

com o problema da veracidade dos relatórios contábeis, à luz das necessidades

distintas dos leitores de demonstrações financeiras para a consecução de um relatório

verdadeiro.

Os resultados obtidos revelam, ainda, o impacto da matéria tributária na

sociedade. Um exemplo disso é o esquema de evasão fiscal, com o uso de meios

ilícitos para evitar o pagamento de taxas, impostos, tributos e multas por

descumprimento das leis do fisco. Em outras palavras, a pretensão de omitir e de

desviar pagamentos de impostos por meio de atos ilícitos. Isso corrobora o argumento

de Jones (2011) de que os atos ilícitos prejudicam as sociedades em desenvolvimento

Page 130: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

130

e a sua constância reflete no crescimento econômico, uma vez que reduzem a

capacidade de os governantes fornecerem benefícios sociais. A evasão fiscal tem

consequências negativas ligadas a ação utilitarista pelo fato de afetar a eficiência

administrativa do governo e a justiça social (OLIVEIRA et al., 2009).

Conforme o pensamento habermasiano, a racionalidade instrumental incentiva

os sujeitos a pensarem que a Contabilidade não é um fim, mas um meio para

conseguir sonegar impostos. As práticas do magicking servem para preparar os

relatórios contábeis, de forma que sirvam aos interesses dos usuários (JONES, 2011).

Observou-se que tais impactos ocorreram porque o CFC tem mantido sigilo em

determinadas situações de violações do CEPC, como meio de atingir o êxito da ação

da classe contábil. Avalia-se que a causa da argumentação da classe contábil

sobrevém do fato de que os códigos de ética, por si só, não garantem a honestidade,

a integridade e o comportamento ético das pessoas, além de não sustentarem critérios

de validez por meio de um sistema de disposições de princípios éticos, que utiliza uma

linguagem prescritiva para manter segredo disciplinar da própria classe e da

sociedade. Tal achado vem ao encontro das ideias de Vizeu (2005), quando ele afirma

que, por meio das pretensões dos critérios de validez do ato de fala, a verdade, a

sinceridade, a retidão e a inteligibilidade são passíveis de fundamentar um discurso

ético.

Outro impacto identificado foi o da comunicação contábil orientada para o êxito.

Partindo do pressuposto de que a Contabilidade oferece benefício para alguns grupos

da sociedade em detrimento de outros, a desconsideração de acordos morais pode

ser mais um sinal de orientação utilitarista. Na medida que o sujeito é induzido à tomar

decisões que parecem favoráveis ao que já está predisposto para a consecução dos

seus interesses, ele negligencia as regras de comportamentos éticos consolidadas na

sociedade (VIZEU, 2009).

A teoria habermasiana permite propor mudança na linguagem estratégica

infiltrada na Contabilidade (POWER; LAUGHLIN, 1996). Na ética discursiva, a

pretensão utilitarista não tem espaço para estratégias de ação e não tem direito à voz.

Entretanto, o agir comunicativo sobreposto pela mediação do discurso ético perante a

sociedade, inibe e evita confusões advindas de manipulações comunicativas entre os

sujeitos. O agir comunicativo entre as pessoas está convencionado aos padrões e aos

valores de bem viver em sociedade, assentados nos princípios éticos dos critérios de

validez (HABERMAS, 1989, 2014; VIZEU, 2005).

Page 131: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

131

Os resultados encontrados possibilitam evidenciar, ainda, que o CEPC precisou

sofrer alterações devido as brechas existentes nos mecanismos legais de codificação,

aplicação e execução. O CEPC é um documento público, escrito de acordo com às

condições reais da sociedade contemporânea. A história revela que a necessidade de

revisão dos códigos de ética no mundo social sucede dos resultados comprovados

por grandes rupturas de questões de responsabilidade, confiança e legitimidade

institucional, que exigem, portanto, a compilação de novos arranjos sociais e políticos

(METCALF, 2014).

Considera-se indicativo de ações utilitaristas no CEPC, quando as violações

aos códigos de ética podem ser identificadas como conflitos de interesses no âmbito

do desvio da verdadeira função das práticas contábeis. As crises de dilemas éticos na

Contabilidade vêm sendo mostradas constantemente pela mídia brasileira, e os

grandes colapsos corporativos são acompanhados geralmente pelos profissionais

contábeis.

Entre as características comuns que surgem na ocorrência de fraude

corporativa estão a desonestidade, a imprecisão e a ininteligibilidade, disfarçadas pela

manipulação de valores dos fenômenos ocorridos nas demonstrações financeiras

elaboradas pelos contadores. Essas atitudes geram falta de confiança e incerteza na

tomada de decisão no universo organizacional, além de manchar a imagem do

contador.

Há necessidade de se cultivar o discurso ético na Contabilidade, para que as

limitações comunicativas sejam amenizadas. Verificou-se que as orientações éticas

disponibilizadas no CEPC precisam ser obedecidas a partir do entendimento dos

critérios de validez de Habermas (2012a), para assegurar o agir comunicativo guiado

pelos princípios éticos da ciência contábil. O discurso ético tem a possibilidade de

garantir as solicitudes nas práticas da Contabilidade pela perspectiva de bloquear os

problemas que surgem no contexto organizacional, terreno fértil para gerar

oportunidades para um discurso dúbio, que sufoca o agir ético da comunidade contábil.

As rupturas de princípios éticos provavelmente encontraram espaço no ethos do

capitalismo, em que o agir comunicativo não é prioridade, porque a orientação está

direcionada para interesses individuais próprios (CICMANEC, 2013; VIZEU, 2006,

2015).

Quanto ao segundo objetivo específico formulado, qual seja, compreender a

natureza do discurso da Contabilidade, observou-se que a área tem enunciado vários

Page 132: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

132

discursos para as organizações, mas precisa comunicar-se adequadamente com o

usuário em níveis diferentes de compreensão. A comunicação da ciência contábil

sempre se manifestou por meio da linguagem, para disponibilizar informações para os

usuários definirem os seus negócios.

À luz da teoria do agir comunicativo, as práticas contábeis têm a possibilidade

de aprimorar a linguagem do seu discurso, e de visualizar um caminho de melhoria

nas interpretações. O uso comunicativo da linguagem permite ao contador tornar

válido o seu discurso pela força do ato ilocucionário (livre de coerção, não forçado),

para assegurar o que foi dito.

As terminologias e técnicas adotadas nas enunciações dos relatórios contábeis

devem ser expressas de maneira simples e elucidativa, para garantir a inteligibilidade

e não causar ambiguidade no entendimento. O uso de terminologias difíceis de

entender, diagramas e tabelas sem explicações consistentes, dificulta a compreensão

do usuário que possui conhecimento escasso sobre Contabilidade. Logo, a falta de

compreensão das informações contábeis pode ser evitada no momento de se elaborar

os relatórios.

Os resultados obtidos mostram também que o discurso da Contabilidade ainda

é confuso para determinados usuários, porque eles não sabem a origem e o

significado dos termos técnicos no contexto dos recursos financeiros dos seus

negócios. Na realidade, seria tolice esperar que os usuários com pouco conhecimento

de Contabilidade e de negócios não precisem do auxílio do contador para tomar

decisões apropriadas de investimentos. O aprimoramento da comunicação contábil

consiste, assim, em desenvolver metodologias adequadas para avaliar a sua

compreensibilidade e atingir um nível de comunicação satisfatório com os usuários

(DIAS FILHO, 2000; IUDÍCIBUS, 2009).

Entre as características qualitativas principais do discurso da Contabilidade

encontra-se a clareza de seus relatórios. A inteligibilidade representa uma linguagem

compreensível sobre a posição financeira e a saúde da organização. Com base no

pensamento habermasiano, infere-se que a compreensibilidade é um imperativo

subjetivo da moral na comunicação entre os sujeitos e, somente dessa maneira, o

discurso das práticas contábeis será considerado inteligível. A inteligibilidade pode

ser alcançada quando a Contabilidade (interlocutora) e o usuário (receptor) passarem

do desentendimento ao entendimento, internalizando a assimetria na linguagem dos

seus enunciados. Em outras palavras, no contexto da teoria habermasiana as

Page 133: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

133

informações contábeis podem ser analisadas pela sua inteligibilidade, o que significa

que a comunicação deve ser orientada para o entendimento mútuo.

Outro aspecto contemplado na análise dos dados como discurso das práticas

contábeis são as notas explicativas. De certo modo, como parte integrante das

demonstrações contábeis as notas explicativas são caracterizadas como uma das

fontes principais de esclarecimentos complementares dos fenômenos que acontecem

nas organizações.

Porém, uma crítica foi levantada por um entrevistado acerca da necessidade

de melhoria das notas explicativas. Tal descontentamento advém da ausência de

informações importantes e da utilização de terminologias pouco esclarecedoras no

momento de elaborar os relatórios explicativos. Esse resultado corrobora a

observação de Flores, Santos e Carvalho (2015) de que as inúmeras publicações de

notas explicativas são cópias literais de livros de contabilidade societária,

pressupondo que os usuários das demonstrações contábeis têm afinidade com essa

matéria. A reformulação das notas explicativas visa à aperfeiçoar as formas de

comunicação, nas quais os argumentos expressos devem representar o que os

interlocutores realmente entenderam como verdadeiro, sincero, legítimo e inteligível

(VIZEU, 2011).

O preparo das notas explicativas também carece de maior atenção nos cursos

de ensino superior de Contabilidade, pelo compromisso de ensinar adequadamente a

elaboração de relatórios contábeis. Ao se produzir e entender enunciações, é ativado

o background adquirido no mundo da vida (HABERMAS, 1998).

Infere-se, ainda, que a Contabilidade, enquanto a voz que anuncia os

resultados econômico-financeiros, deve procurar estabelecer a interação com os seus

usuários. Assim, a qualidade da informação e da comunicação contábil “pode ser

melhorada pela proposta de enunciar de forma inteligível; oferecer ao ouvinte algo que

se possa compreender; fazer-se a si próprio, desta forma entender; atingir seu objetivo

junto ao outro” (HABERMAS, 2002, p.12). Mais uma vez, ela pode ser intensificada

por meio do discurso ético estruturado na veracidade, na sinceridade, na legitimidade

e na inteligibilidade, com conversas e diálogos esclarecendo o conteúdo dos relatórios

aos usuários.

A transparência foi identificada na análise dos dados como outro elemento

central no discurso das práticas contábeis, porque permite que investidores, credores

e outros participantes do mercado avaliem a posição financeira da organização, e,

Page 134: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

134

caso necessário, tomem medidas imediatas e corretivas. Conforme afirma Garvey

(2002), uma comunicação transparente assegura compreensibilidade e legitimidade

na mensagem.

Por outro lado, a falta de transparência foi questionada por abrir brechas para

infiltrações de transações desleais em uma ação estratégica. A falta de transparência

equivale à evidenciação de relatórios incompletos ou insuficientes, tão prejudiciais

quanto as publicações redundantes (IUDÍCIBUS, 2009).

Segundo Habermas (1987, 2014), a transparência é um imperativo qualitativo

do discurso orientado para o entendimento. Logo, a falta de comunicação transparente

ou a comunicação distorcida podem ser consideradas quase antitéticas no mundo da

vida. Na teoria da ação comunicativa e na teoria da ética discursiva a transparência é

condição necessária para a legitimação dos acordos sociais. O interlocutor precisa ter

a intenção de comunicar o verdadeiro conteúdo proposicional, para que o receptor

possa argumentar a mensagem com ele e atingir o entendimento (GARVEY, 2000;

HABERMAS, 2002).

Por fim, o terceiro objetivo específico formulado visou a compreender as

práticas da Contabilidade no mundo dos negócios por meio da teoria da ética

discursiva. Os ensinamentos de Habermas se destacam por apresentar pressupostos

da teoria da ação comunicativa a serem aplicados em situações problemáticas da

sociedade contemporânea (VIZEU, 2005). Verificou-se que a proposta da ética

discursiva habermasiana oferece recursos para lidar com os dilemas éticos que

possam surgir do exercício das práticas contábeis nas organizações.

Os resultados encontrados revelam que as práticas contábeis necessitam de

validades éticas para neutralizar os conflitos entre a classe contábil e a sociedade.

Uma das maneiras de tentar amenizar esse problema é usar a linguagem como

passagem principal para o agir comunicativo. Laughlin (1987) e Power (1996)

observam que a linguagem e a capacidade de raciocinar fornecem um meio de avaliar

como a modernidade moldou as práticas da Contabilidade. O comportamento ético do

profissional contábil não decorre somente de um código ético ou de mandatos legais,

mas principalmente de valores e de princípios internalizados no indivíduo. Nesse

sentido, a proposta do agir comunicativo de Habermas também ampara o profissional

contábil para lidar com esse problema mediante a possibilidade de estabelecimento

de um acordo racional da reciprocidade de liberdade de argumentação entre os

sujeitos (LAUGHLIN, 1987; LEHMAN, 1995; VIZEU, 2015).

Page 135: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

135

No contexto da Contabilidade é comum, ainda, a presença de egos

interagentes, que, movidos pela vontade utilitarista de proteger interesses próprios,

resolvem questões práticas ou solicitam a elaboração de relatórios com base em

padrões de qualidade inconsistentes, indefinidos e equivocados. Em outras palavras,

trata-se da abordagem ambígua que persiste na contabilidade criativa (JONES, 2011;

LEE, 2013).

Para Masten (2012) o utilitarismo tem desempenhado um papel cada vez mais

influente na Contabilidade. A teoria da ética discursiva contribui para amenizar tal

invasão das ações estratégias e, ao mesmo tempo, emancipar as práticas contábeis

por intermédio também dos atos de fala, ao criarem reinvindicação de validade

relativas à verdade ou à falsidade dos relatórios (LAUGHLIN, 1987, 2012; POWER,

1996).

Outro ponto emergente na análise dos dados foi que a Contabilidade, enquanto

uma instituição moderna, sustenta as suas práticas com margens de erros aceitáveis

devido ao uso de uma linguagem técnica e complexa. Isso reforça a alegação de West

(2003) de que, desde o início associativo da classe contábil, parece que os contadores

preferem utilizar uma linguagem técnica prescrita com conceitos abstratos, sem o

apoio de uma explicação coerente, caracterizando o cenário atual de um discurso

contábil conflitante. Além disso, a ausência de compreensibilidade pode possibilitar

que manipulações sejam efetuadas por meio da contabilidade criativa, acobertadas

por ofuscação ou por termos pouco esclarecedores (COURTIS, 2004; LEE; CLARK;

DEAN, 2008).

Em face dessa realidade, é preciso que o contador elabore demonstrações

contábeis com argumentos explicativos e palavras acessíveis, que representem o

significado exato dos resultados e não gerem entendimento dúbio. A manutenção do

modo atual de enunciar números contábeis pode causar mais prejuízos às

organizações, além de constituir terreno fértil para mascarar fraudes contábeis

(JONES, 2011; LAUGHLIN,1987).

Portanto, a teoria da ética discursiva habermasiana possui potencial elevado

para orientar a solução das dificuldades de interações comunicativas das práticas

contábeis, ajudando na construção de uma contabilidade autônoma, reivindicada por

pretensões de validade a partir de enunciados inteligíveis, livre da tensão ou da

coerção existentes no mundo dos negócios.

Page 136: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

136

Novos estudos podem ser desenvolvidos para aprofundar a compreensão da

articulação da Contabilidade com a teoria do agir comunicativo sob a perspectiva da

ética discursiva de Jürgen Habermas. Para tanto, sugere-se verificar essa relação com

o emprego de uma amostra mais ampla, composta por usuários das informações

contábeis internos e externos às organizações ou por professores de cursos de ensino

superior de Contabilidade, para constituir um corpus textual do discurso de quem atua

rotineiramente com a prática contábil e com a formação dos profissionais da área.

Page 137: UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE MESTRADO E …

137

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APÊNDICE 1

ROTEIRO DE ENTREVISTA

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Ética *Quais são os padrões de conduta que delimitam o cotidiano do profissional da Contabilidade? *As incidências de violação dos princípios éticos que emanam dos princípios da Contabilidade repetidamente pela prática da contabilidade criativa, podem ser consideradas má conduta profissional? *O ensino da ética garante que aqueles que aprenderam, se tornarão, necessariamente, profissionais éticos? *A verdade contabilística tem uma dimensão ética significativa? *Como perceber que existe falsificação contábil nas evidenciações da prática contábil? *Quando é descoberta uma fraude contábil, como explicar que o profissinal da Contabilidade não teve qualquer participação nela ou não percebeu indícios de manipulação dos relatórios das práticas contábeis? *A compreensão inteligível dos demonstrativos contábeis evitaria que uma organização ofuscasse, deliberadamente, informações financeiras para enganar os usuários interessados?

Inteligibilidade *Quais são as principais características que identificam a Contabilidade como sendo um discurso distorcido para os usuários e para a sociedade?