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  • Introducao a Dinamica Estelar

    Notas de Aula

    Gastao Bierrenbach Lima Neto IAG/USP

  • Conteudo

    1 Introducao 11.1 Sistemas Astronomicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 Escalas de Tempo e Livre Caminho Medio . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

    1.2.1 Tempo dinamico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2.2 Livre caminho medio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21.2.3 Tempo de Relaxacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

    1.3 Aproximacao Contnua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

    2 Sistemas em Equilbrio 72.1 Teorema do Virial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    2.1.1 Aplicacao do teorema do virial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82.2 Pers de Luminosidade e Massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

    2.2.1 Galaxias elpticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112.2.2 Galaxias espirais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

    2.3 Pares de DensidadePotencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122.3.1 Massa pontual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132.3.2 Esfera homogenea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142.3.3 Pares de densidadepotencial de elpticas . . . . . . . . . . . . . 152.3.4 Estrutura vertical de um disco gravitacional . . . . . . . . . . . . 16

    2.4 Funcao de Distribuicao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.4.1 Teorema e equacao de Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.4.2 Equacao de BoltzmannVlasov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202.4.3 Equacao de Boltzmann em alguns sistemas de coordenadas . . . 21

    2.5 Momentos da equacao de Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222.5.1 Equacoes de Jeans em alguns sistemas de coordenadas . . . . . . 242.5.2 Aplicacao das equacoes de Jeans . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252.5.3 Teorema do virial tensorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

    2.6 Teorema de Jeans . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302.6.1 Integrais de movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302.6.2 Teorema de Jeans . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    2.7 Aplicacao do Teorema de Jeans . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    i

  • ii Conteudo

    2.7.1 Sistemas esfericos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 332.7.2 Inversao da funcao de distribuicao . . . . . . . . . . . . . . . . . 342.7.3 Modelos esfericos e isotropicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

    2.8 Distribuicao diferencial de massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

    3 Relaxacao violenta 413.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413.2 Ergodicidade e mistura no espaco de fase . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

    3.2.1 Funcao-H de Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 443.2.2 Teorema da mistura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 453.2.3 Relaxacao e mistura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

    3.3 Catastrofe gravo-termica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 483.3.1 Entropia maxima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 483.3.2 Instabilidade Gravo-termica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

  • Captulo 1

    Introducao

    1.1 Sistemas Astronomicos

    A dinamica estelar e a parte da astrofsica que estuda a estrutura e a evolucao desistemas gravitacionais de muitos corpos, enquanto que a dinamica planetaria se inte-ressa por sistemas de poucos corpos. Como diz o nome, na dinamica estelar, as estrelassao um elemento sempre presente apesar de nem sempre serem o principal componentecomo, por exemplo, em aglomerados de galaxias, onde a principal componente do sis-tema dinamico e a chamada materia escura. Na tabela 1.1 damos os principais sistemasestudados pela dinamica estelar. Nesta tabela, listamos as dimensoes e massas tpicasdestes objetos assim como o tempo de cruzamento, tcr, denido como aproximadamenteo tempo necessario para uma partcula do sistema atravessa-lo.

    Na maioria dos casos, as colisoes sao desprezveis entre os componentes que consti-tuem os sistemas de interesse para a dinamica estelar. Por exemplo, uma galaxia tpicatem um raio de 10 kpc enquanto o raio de uma estrela e da ordem de 1011kpc.

    Tabela 1.1: Resumo de sistemas dinamicos astrofsicos relevantes a` dinamica estelar. tcr e otempo de cruzamento.

    Objeto Massa Dimensao tcr Agentes dinamicos(M) (kpc) (anos)

    Aglomerado aberto 101 0,01 105 estrelas, Galaxia

    Aglomerado globular 1068 0,1 1067 estrelas, Galaxia

    Galaxias 10912 110 1089 estrelas, gas, materiaescura, outras galaxias

    Grupo de galaxias 101213 10100 10810 galaxias, gas, materiaescura

    Aglomerado de galaxias 101315 1000 10910 galaxias, gas, materiaescura

    1.2 Escalas de Tempo e Livre Caminho Medio

    1.2.1 Tempo dinamico

    Para que possamos comparar a evolucao temporal de sistemas dinamicos distintos, enecessario utilizarmos uma escala de tempo comparavel entre estes sistemas. Isto ca

    Versao 29/11/2006 Gastao B. Lima Neto

  • 2 Captulo 1. Introducao

    claro se compararmos, por exemplo, as escalas de tempo envolvidas na evolucao dosistema solar e da nossa galaxia: enquanto que os planetas levam, no maximo, algumascentenas de anos para orbitar o centro do sistema solar, as estrelas na nossa galaxialevam tipicamente1 centenas de milhoes de anos para darem uma volta em torno docentro galactico.

    A partir do exemplo dado acima, podemos denir uma escala de tempo comparavelpara estes dois sistemas a partir do perodo de translacao tpico. Descrever os fenomenosdinamicos em termos da quantidade de vezes que um corpo efetuou uma rotacao e maisrazoavel do que em anos ou segundos.

    Assim, o que queremos e denir uma escala de tempo a partir de algum fenomenoque seja caracterstico da evolucao dinamica em questao. Para corpos onde a rotacaonao seja importante (p.ex. galaxias elpticas, aglomerados globulares) podemos deniruma escala relacionada com o perodo que uma partcula do sistema leva, em media,para atravessa-lo. Chamamos este tempo caracterstico do sistema de tempo dinamico,td.

    Para um objeto de raio R e onde as partculas tem uma velocidade tpica v, o tempodinamico sera:

    td = R/v . (1.1)

    Denido desta forma, o tempo dinamico tambem pode ser chamado de tempo de cruza-mento.

    Apesar da simplicidade desta expressao, sua aplicacao nao e trivial pois, em umcaso concreto, como podemos denir R e v? Para os sistemas que nos interessam, havarias maneiras de se denir um raio: o raio que contem uma certa fracao da massa (ouluminosidade) total, o raio onde o razao de densidade no interior de r e central tem umcerto valor, o raio onde a densidade supercial (brilho supercial) tem um certo valor,etc... Da mesma forma, podemos denir v de diversas maneiras.

    Ocorre que, para diferentes sistemas, existem convencoes diferentes para se denir otd:

    Galaxias elpticas e aglomerados globulares: R e o raio que contem metade daluminosidade total observada da galaxia, chamado de raio efetivo, Re . O valor dev e a velocidade media quadratica, v2;

    Galaxias espirais: v e a velocidade maxima de rotacao e R o raio onde a velocidadecircular atinge o maximo;

    Aglomerados de galaxias: R e o raio do virial (que deniremos mais adiante) ouo raio onde a razao da densidade media do aglomerado dividido pela densidadecrtica do Universo e 200 (o que sera justicado mais adiante). A velocidade seraa media quadratica, v2.

    1.2.2 Livre caminho medio

    Em um dado sistema estelar, o movimento das partculas sao determinados somentepelas forcas gravitacionais, com a condicao de que nao haja colisoes. Em outras palavras,

    1Muitas vezes utilizaremos a expressao tpico ou caracterstico para descrever uma certa quanti-dade.

  • 1.2 Escalas de Tempo e Livre Caminho Medio 3

    podemos tratar a dinamica de um sistema gravitacional como um simples problema deN -corpos se, pelo menos em primeira aproximacao, as partculas forem puntiformes.

    Podemos estimar o quao boa e esta aproximacao puntiforme comparando o livre ca-minho medio, , com o raio do sistema, R, e o raio das partculas, Rp. O livre caminhomedio para um sistema de partculas que se movem aleatoriamente e dado aproximada-mente por:

    1/(n) , (1.2)onde n = N/V e a densidade numerica media e e a secao de choque de uma partcula.A secao de choque pode ser dada aproximadamente por = 4R2p, isto e, a superfciede um crculo de raio Rp. Portanto, o livre caminho medio sera dado por:

    R3

    3NR2p, (1.3)

    Na tabela 1.2 temos os valores tpicos para diversos objetos astrofsicos.

    Tabela 1.2: Livre caminho medio e relacao com as dimensoes do sistema e das partculas.Objeto N corpos Rp /Rp /RAglomerados de galaxias 103 10 kpc 104 30Aglomerados globulares 105 3 108pc 1020 3 1011Regiao central de galaxias 106 3 108pc 1013 106

    As razoes /Rp e /R nos da uma medida da quantidade de colisoes durante aevolucao do sistema. Quanto maior forem estas razoes, menor o numero de colisoes queuma partcula sofre. Podemos ver que nos sistemas dinamicos da Tabela 1.2, as colisoessao, em geral, desprezveis.

    Isto nao signica dizer que o efeito das colisoes possam ser desprezados! No caso deaglomerados e grupos de galaxias as colisoes podem ter consequencias muito importantespara a dinamica e morfologia do sistema.

    Devemos notar que a formula 1.3 trata das partculas como se fossem esferas rgidas.Alem disto nao ser preciso (principalmente quando as partculas sao galaxias) aindadeveramos levar em conta os efeitos gravitacionais de uma partcula sobre a outra.Intuitivamente podemos imaginar que o efeito da gravitacao tenda a aumentar a secaode choque de uma partcula.

    1.2.3 Tempo de Relaxacao

    Quando colocamos em contato dois corpos com temperaturas diferentes em contato, aposum certo intervalo de tempo estes corpos terao a mesma temperatura. Em geral, parasistemas estaveis, se ocorre uma perturbacao o sistema volta a` situacao de equilbrioapos um certo lapso de tempo. O tempo que um sistema leva para atingir um estado deequilbrio e chamado tempo de relaxacao.

    Em um gas ordinario, por exemplo, a relaxacao ocorre devido a`s colisoes entre aspartculas do gas: nestas colisoes ha troca de energia, a partcula mais energetica perdeenergia e a menos energetica ganha. Ao m de muitas colisoes o sistema tende a umasituacao de equiparticao de energia.

  • 4 Captulo 1. Introducao

    Para um sistema isolado, ligado gravitacionalmente, poderamos denir o tempo derelaxacao da mesma maneira, como o tempo necessario para que o sistema atinja oequilbrio e haja uma equiparticao de energia. Como veremos mais adiante, que rigoro-samente falando, esta situacao nunca ocorre em um sistema gravitacional real.

    Contudo, mesmo sem atingir exatamente um estado de equilbrio estacionario, ossistemas gravitacionais podem se aproximar deste estado. O tempo necessario para istoesta ligado a` variacao das velocidades (ou energia) das partculas. Podemos denir otempo de relaxacao para sistemas gravitacionais como o tempo necessario para que avariacao da velocidade de uma partcula seja da ordem de grandeza da propria velocidadedesta.

    Relaxacao a` 2 corpos

    Como vimos, as colisoes entre estrelas em uma galaxia sao muito raras contudo, quandouma estrela percorre a galaxia, ela se aproximara aleatoriamente de alguma outra estrela.Estes encontros provocarao uma aceleracao na estrela que tera seu vetor velocidadealterado. Em geral, esta variacao sera pequena mas ou efeitos de muitos destes encontrose cumulativo. Ao longo de um certo intervalo de tempo, o efeito cumulativo destesencontros entre duas estrelas tende a levar a uma equiparticao de energia. Este processoe chamado relaxacao a` dois corpos.

    Se a cada cruzamento de uma estrela pela galaxia sua velocidade se altera de v2,o numero de vezes que a estrela deve atravessar a galaxias para que v2 v2 seranrelax v2/v2 e o tempo de relaxacao vai ser dado por:

    trelax = nrelax tcr . (1.4)

    Para estimarmos a quantidade nrelax, vamos supor uma galaxia de raio R compostapor N partculas de massa m. Durante o movimento atraves da galaxia, uma dadaestrela vai interagir gravitacionalmente com as outras estrelas e ao passar proxima deuma outra estrela sua trajetoria se modicara como na Figura 1.1.

    br

    xv

    F

    m

    m

    Figura 1.1: Geometria de um encontro dedois corpos. b e o parametro de impacto.

    Quando houver um encontro deste tipo, a velocidade da estrela sofrera uma variacaov devido a` forca F. Esta forca e dada aproximadamente por:

    F =Gm2

    b2 + x2cos =

    Gm2 b

    (b2 + x2)3/2 Gm

    2

    b2

    [1 +

    (vt

    b

    )2]3/2, (1.5)

    onde x v t. Como mv = F, nos temos:

    v =Gm

    b2

    [1 +

    (vt

    b

    )2]3/2 |v| =

    v dt =

    Gm

    b2

    [1 +

    (vt

    b

    )2]3/2dt .

  • 1.2 Escalas de Tempo e Livre Caminho Medio 5

    Fazendo a substituicao de variaveis s = (vt)/b obtemos

    |v| = Gmb v

    (1 + s2)3/2 ds =2Gmb v

    . (1.6)

    Vemos que a variacao da velocidade devido a um encontro e aproximadamente o produtoda aceleracao na regiao de encontro mais proxima (Gm/b2) e a duracao do encontro(2b/v). Notemos que a expressao (1.6) e valida para encontros onde o movimento dapartcula se altera pouco, |v| v, isto e, o movimento e praticamente retilnio euniforme. Chamamos este limite de aproximacao impulsiva.

    A cada encontro a velocidade da partcula sofre uma alteracao v. Como os encon-tros sao aleatorios, o valor medio sera v = 0, contudo o valor de v2 aumentara a cadaencontro (como no caso do movimento browniano).

    Ao atravessar a galaxia, uma estrela sofrera n colisoes com parametro de impactoentre b e b + db, que pode ser estimado pelo produto da densidade supercial com asecao de choque correspondente ao parametro de impacto:

    n NR2

    2 b db =2NR2

    b db .

    Assim, a variacao quadratica da velocidade sera:

    v2 v21colisaon =(2Gmb v

    )2 2NR2

    b db . (1.7)

    Para obtermos a variacao total da velocidade, v2 apos uma travessia completa dagalaxia, devemos integrar a expressao (1.7). Contudo esta integral diverge tanto parab 0 como para b ; devemos, portanto limitar b. Para o valor maximo de b,podemos adotar o proprio raio caracterstico da galaxia, bmax = R. Para o raio mnimo,tomamos o valor de b que corresponde a uma mudanca de velocidade v v, isto e,bmin = Gm/v2, cf. Eq. (1.6). Portanto,

    v2 = Rbmin

    v2 db = 8N(Gm

    Rv

    )2ln , (1.8)

    onde ln ln(R/bmin). Este logaritmo e chamado logaritmo de Coulomb, uma vez queeste mesmo fator aparece em problemas de espalhamento em plasmas.

    Mais adiante (secao 2.1, nos veremos que, para objetos em equilbrio, vale a relacaov2 GM/R onde, no caso presente, M = Nm). Desta forma obtemos o resultado:

    v2v2

    =8 lnN

    . (1.9)

    Como vimos, o numero de vezes que a estrela deve cruzar a galaxia para que suavelocidade quadratica se altere signicativamente, nrelax e dado por v2/v2 e o tempode relaxacao e dado pela Eq. (1.4). Portanto,

    trelax =N

    8 lntcr . (1.10)

    Utilizando novamente a relacao v2 GM/R, temos = R/bmin Rv2/(Gm) N , ouseja,

    trelax =N

    8 lnNtcr . (1.11)

  • 6 Captulo 1. Introducao

    1.3 Aproximacao Contnua

    Os sistemas gravitacionais, galaxias, aglomerados, etc..., sao obviamente discretos, com-postos por N corpos distintos de massa nao necessariamente iguais. O potencial total ea soma das contribuicoes individuais de cada partcula. A gura 1.2 ilustra esta situacaopara um sistema unidimensional de N corpos.

    Figura 1.2: Potencial gerado pela soma dopotencial individual de N partculas. Nesteexemplo, a densidade de partculas aumentaem direcao ao centro.

    Vemos nesta gura que onde a concentracao de partculas e maior, o potencial e maisprofundo. A primeira vista, o potencial total de um sistema deste tipo parece ser muitoirregular, dependendo da distribuicao exata das partculas. Contudo, como vimos, asinteracoes de dois corpos entre as estrelas tem um efeito muito reduzido na relaxacao desistemas estelares reais. Alem disto, como o potencial gravitacional tem alcance innito,uma dada estrela esta a todo instante sob inuencia de todas as estrelas do sistema.

    Em um caso extremo, onde a densidade numerica de estrelas e constante, o numerode estrelas em conchas esfericas de espessura dr em torno de uma dada estrela e N =4r2 dr. Como a forca gravitacional de cada estrela na concha diminui como r2, istofaz com que qualquer concha atue com a mesma forca total sobre a estrela central.

    Isto signica que uma dada estrela reage principalmente ao potencial coletivo dosistema e nao a`s estrelas mais proximas. Este fato nos permite uma importante simpli-cacao: podemos aproximar o potencial do sistema por um potencial continuo ao invesde discreto (Fig. 1.3).

    Figura 1.3: Aproximacao contnua do po-tencial total do sistema da gura 1.2 (tracocontnuo).

    Esta aproximacao contnua e valida para sistemas com numero de partculas, N ,sucientemente grande. No limite N esta aproximacao tende a ser exata. O Nsucientemente grande e tal que o trelax td, cf. Eq. (1.11).

    Dito de outra forma, a aproximacao contnua e valida para sistemas onde as co-lisoes entre as partculas sao desprezveis durante sua existencia, ou seja, trata-se de umsistema sem colisoes (em ingles, collisionless system).

  • Captulo 2

    Sistemas em Equilbrio

    2.1 Teorema do Virial

    O chamado Teorema do Virial e um dos teoremas mais importantes e utilizados emastrofsica. Sua origem data da metade do seculo XIX, do estudo da teoria cinetica degases. Claussius, em 1870, dene a grandeza

    Vc =12

    i

    Fi ri , (2.1)

    como sendo o virial do sistema de partculas de coordenadas ri, massa mi, e cada umasujeita a uma forca total Fi, isto e, Fi =

    j =i fij , onde fij e a forca entre as partculas

    i e j.A derivacao classica do teorema do virial pode ser feita da seguinte maneira. Consi-

    deremos um sistema de N -corpos de massa mi e denimos

    Gc =i

    pi ri , (2.2)

    onde pi e a quantidade de movimento da partcula i. A equacao (2.2) pode ser reescritacomo

    Gc =12

    ddt

    (i

    mir2i ) =

    12dIdt

    , (2.3)

    utilizando a relacao ( dr/ dt) r = 12 d(r r)/ dt, e I =

    i mir2i e o momento de inercia

    do sistema. Derivando em relacao ao tempo a Eq. (2.2) e utilizando a denicao (2.1)obtemos

    dGcdt

    =i

    ri pi +i

    ri pi

    =i

    miv2i +

    i

    ri pi= 2T + 2Vc , (2.4)

    lembrando que 2Vc =

    iFi ri =

    i pi ri.

    Retornando ao virial de Claussius, Vc, supomos que as forcas que agem sobre aspartculas sao derivaveis de um potencial (Hipotese I),

    fij = i(rij) . (2.5)e que o potencial e em lei de potencia, (r) rk (Hipotese II). Assim obtemos:

    fij = cijrkij = kcijrk2ij (ri rj) , (2.6)

    Versao 29/11/2006 Gastao B. Lima Neto

  • 8 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    onde cij e a constante de proporcionalidade do potencial para as partculas i e j. Utili-zando a denicao do virial de Claussius, Eq. (2.1), obtemos:

    2Vc = ki

    j>i

    cijrk2ij [(ri rj) ri + (rj ri) rj]

    = ki

    j>i

    cijrkij

    = ki

    j>i

    (rij) , (2.7)

    onde utilizamos Fi =

    jfij e

    iFi ri =ij>i fij ri + fji rj. Finalmente podemos

    escrever,dGcdt

    =12

    d2Idt2

    = 2T kU , (2.8)onde T e U sao as energias cinetica e potencial totais do sistema. Para o caso especcodo campo gravitacional, k = 1 e obtemos a chamada identidade de Lagrange:

    12d2Idt2

    = 2T + U . (2.9)

    O teorema do virial e obtido tomando-se a media da Eq. (2.9) durante um intervalode tempo to,

    1to[Gc(to)Gc(0)] = 2T + U ; x(to) 1

    to

    to0

    x(t) dt . (2.10)

    Se a media for tomada por um intervalo de tempo sucientemente longo e se o sistemaestiver proximo de um estado de equilbrio quase-estacionario, obtemos o teorema dovirial na sua forma usual:

    2T + U = 0 . (2.11)

    A equacao acima traduz o fato de que, para um sistema em equilbrio, o momento deinercia nao se altera com o tempo e, portanto, d2I/ dt2 = 0.

    Se, alem disto o sistema for ergodico (voltaremos a falar disto mais adiante, nasecao 3.2), podemos escrever simplesmente

    2T + U = 0 , (2.12)

    isto e, uma medida instantanea das energias cinetica e potencial bastam para satisfazero teorema do virial.

    2.1.1 Aplicacao do teorema do virial

    Estimacao da massa

    Uma das aplicacoes do teorema do virial esta na determinacao da massa de um sistemagravitacional isolado. Para um sistema esferico podemos escrever o Teorema do virial,Eq. (2.12) como

    2T + U =1M

    i

    miv2i

    GM

    rg= 0 , (2.13)

  • 2.1 Teorema do Virial 9

    onde tomamos as energias cinetica e potencial por unidade de massa, o raio gravitacionale denido como rg GM/|U | e M =

    i mi e a massa total do sistema.

    Posto desta forma, vemos que a energia cinetica (por unidade de massa) total dosistema corresponde a` media dos quadrados das velocidades das partculas, T/M = v2.Portanto, podemos escrever:

    M =rg v2

    G. (2.14)

    Infelizmente, nao podemos utilizar a equacao (2.14) diretamente para determinarmosM : tanto rg como v2 nao podem ser medidos observacionalmente. Contudo, podemosestimar estas grandezas a partir das observacoes.

    Como veremos mais tarde, o raio gravitacional e aproximadamente proporcional aoraio que contem metade da luminosidade total do objeto, o chamado raio efetivo, Re .Pode-se mostrar que rg 3Re. Mais precisamente podemos escrever rg k1Re , ondek1 e determinado pela distribuicao de massa do objeto (como veremos na secao 2.2).

    Por outro lado, supondo que a distribuicao de velocidades seja isotropica, isto e, adirecao do vetores velocidade e aleatoria, entao v2x = v2y = v2z e, portanto, a dispersaoobservada em uma dada direcao sera dada por 3v2x = v2. Na pratica, nao e v2x que emedido, mas sim a dispersao de velocidades central, 20, onde e medido na direcao dalinha de visada. A relacao entre 20 e v2 depende da geometria e da forma da distribuicaodas velocidades.

    Podemos, nalmente, escrever a Eq. (2.14) em termos de grandezas observaveis:

    M = kgeoRe

    20

    G, (2.15)

    onde a constante kgeo depende da geometria e da distribuicao de velocidades.

    Tempo dinamico

    O tempo dinamico de um sistema gravitacional e denido como td = R/v [cf. Eq. (1.1)].Podemos reescrever esta denicao utilizando o raio gravitacional e a velocidade mediaquadratica:

    td =rg

    vrms, (2.16)

    onde vrms

    v2 (rms signica root mean square). Pelo teorema do virial, temos2T +U = 0 e, por denicao, a energia total do sistema e a soma das energias cinetica epotencial: E = T + U . Deduzimos imediatamente que, para um sistema em equilbrio,T = E e U = 2E. Podemos entao escrever:

    vrms =(2T

    M

    )1/2=(12|E|M

    )1/2

    rg =GM2

    |U | =GM2

    2|E|Substituindo este resultado na equacao (2.16) obtemos

    td =GM5/2

    (2|E|)3/2 . (2.17)

  • 10 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    2.2 Pers de Luminosidade e Massa

    Para podermos estudar a dinamica de um sistema gravitacional astrofsico, e necessarioantes de tudo conhecermos a distribuicao de massa deste objeto. Contudo, esta grandezanao acessvel diretamente pelas observacoes. O que pode ser observado e a distribuicaoprojetada da luminosidade.

    Se um objeto tem uma distribuicao de massa dada por uma densidade (r) onde,por simplicidade, assumimos uma simetria esferica podemos denir uma densidade deluminosidade, j(r), como:

    (r) = (r)j(r) , (2.18)

    onde (r) e a razao massa-luminosidade. A funcao (r) e dada em geral em unidadessolares, M/L. A massa no interior do raio r e obtida simplesmente integrando adensidade:

    M(r) = r0

    (r) 4 r2 dr . (2.19)

    R

    rz

    Figura 2.1: Geometria daprojecao da densidade de lumi-nosidade para uma distribuicaoesferica.

    O brilho supercial, (R), observado1 e a projecao da densidade de luminosidade,como mostra a gura 2.1, e e dado por:

    (R) = +

    j(r) dz . (2.20)

    Como z2 = r2 R2, podemos reescrever a equacao acima como:

    (R) = 2 R

    j(r)r drr2 R2 = 2

    R

    (r)(r)

    r drr2 R2 . (2.21)

    A equacao acima e uma integral de Abel e podemos inverte-la, e assim, obtermos adensidade (r) a partir do brilho supercial:

    (r)(r)

    = 1

    r

    d(R)dR

    dRR2 r2 . (2.22)

    1Para as coordenadas em tres dimensoes utilizamos r, enquanto que para as coordenadas em duasdimensoes (projetadas) utilizamos R

  • 2.2 Pers de Luminosidade e Massa 11

    2.2.1 Galaxias elpticas

    Um dos aspectos mais importantes e remarcaveis e a regularidade na distribuicao deluz nas galaxias elpticas. Em 1948, G. de Vaucouleurs propos uma formula empricapara descrever o perl de luminosidade das galaxias elpticas que ate hoje e amplamenteutilizado. A lei de de Vaucouleurs pode ser escrita como:

    ln((R)/e) = 7.66925[1 (R/Re)1/4] , (2.23)onde Re e o raio efetivo, isto e, o raio no interior do qual e emitida metade da lumino-sidade total e e e o brilho de superfcie em Re. O raio efetivo e denido a partir daluminosidade total extrapolada a` R . A luminosidade no interior de um raio R ecalculada como:

    L(R) 2 R0

    (R)RdR =8

    7.669258eR2e[8, 7.66925(

    R

    Re)1/4] , (2.24)

    onde (a, x) e a funcao gama incompleta.Ja no m dos anos 80, foi notado que havia um desvio sistematico do perl observado

    em relacao ao perl de de Vaucouleurs. Varios autores mostraram que uma generalizacaoda lei de de Vaucouleurs seria mais apropriada. Esta generalizacao ja havia sido propostaem 1968 por Sersic, mas foi apenas a partir do meio dos anos 90 que ela comecou a serfrequentemente utilizada. A generalizacao e feita com a introducao de um parametro deforma:

    (R) = 0 exp((R/a)) . (2.25)Outros pers de brilho foram introduzidos ao longo do tempo. Um perl bastante

    utilizado e o chamado perl de Hubble modicado (o perl de Hubble foi introduzidooriginalmente em 1936):

    (R) = 0/[1 + (R/rc)2] , (2.26)

    onde rc e uma escala caracterstica (raio de core). Para R < rc, este perl e aproxi-madamente constante e para R > rc o brilho supercial cai como R2. Este perl podeainda ser generalizado com a introducao de um parametro de forma:

    (R) = 0/[1 + (R/rc)2] ; 1 . (2.27)Neste caso, o comportamento assimptotico do perl para R > rc e (R) R2.

    A luminosidade no interior do raio R e dada por:

    L(R) = 0 r2c

    ln(1 + [R/rc]

    2)

    ; = 1

    (1+[R/rc]2)11(1) ; > 1

    (2.28)

    Para = 1, este modelo tem uma luminosidade total que diverge logaritmicamente como raio, enquanto que, para > 1 a luminosidade total e:

    Ltot =0 r2c 1 . (2.29)

    Uma das maiores vantagens deste modelo e o fato de podermos deprojeta-lo e ob-termos a densidade em tres dimensoes. Utilizando a equacao (2.22) obtemos:

    (r)(r)

    =0rc

    ( + 1/2) (1 + )

    1(1 + [r/rc]2)1/2+

    . (2.30)

  • 12 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    O expoente 1/2 + na expressao (2.30) e escrita em geral como 3/2 e este perl echamado modelo-. Podemos ainda integrar a Eq. (2.30) e obtermos a massa no interiordo raio r:

    M(r) = 403 rc

    ( + 1/2)(1 + )

    r3 2F1

    (32, +

    12,52,

    [r

    rc

    ]2), (2.31)

    onde 2F1 e a funcao hipergeometrica2. Para certos valores de , a massa dada por (2.31)e analtica. Para = 1, o que corresponde ao perl de Hubble modicado, Eq. (2.26),temos:

    M(r) = 2r2c0

    (arcsenh(r/rc) r

    r2 + r2c

    ); ( = 1) . (2.32)

    Isto signica que para = 1, a massa diverge logaritmicamente, ou seja, a massa totale innita. Apenas para > 1 (o que equivale a > 1) a massa e nita.

    2.2.2 Galaxias espirais

    A descricao da distribuicao de massa (ou luminosidade) das galaxias espirais e maisdifcil do que no caso das elpticas. As galaxias espirais sao compostas de pelo menosduas componentes distintas: o bojo central e o disco.

    Em 1970, o estudo de um conjunto de 36 galaxias feito por Freeman mostrou que operl radial de brilho do disco das galaxias espirais segue uma lei exponencial:

    (R) = 0 exp[(R/Rd)] . (2.33)

    Este perl ajusta-se bem a` maioria das galaxias mas existem inumeras diculdades.Em primeiro lugar, os bracos espirais alteram este perl e e tanto mais importante a me-dida que observamos as galaxias de tipo tardio (espirais late-type). As barras observadasem quase metade das galaxias espirais tambem alteram este perl.

    Se quisermos deprojetar o perl (2.33) para obtermos a estrutura em tres dimensoesdo disco, nao podemos aplicar a formula de Abel, Eq. (2.22) pois a simetria do disco e ob-viamente nao esferica. Contudo esta informacao pode ser obtida observacionalmente aoobservarmos galaxias espirais vistas de perl. Assim, observamos que a estrutura verticaldos discos tambem tem um perl aproximadamente exponencial, (z) exp[(z/Rh)].Veremos mais adiante que esta estrutura vertical corresponde a um disco gravitacionalde estrelas em equilbrio.

    Ja o bojo das espirais e descrito da mesma forma que as galaxias elpticas, seja pelalei de de Vaucouleurs (ou mais geralmente o perl de Sersic) ou um modelo-.

    2.3 Pares de DensidadePotencial

    Quando conhecemos a densidade de um sistema podemos obter o potencial gravitacionalresolvendo a equacao de Poisson:

    2(r) = 4G(r) . (2.34)22F1(a, b, c; z) = ((c)/[(b)(c b)])

    10

    tb1(1 t)cb1(1 t z)a dt

  • 2.3 Pares de DensidadePotencial 13

    Na ausencia de materia, = 0 e a equacao de Poisson se reduz a` equacao de Laplace:

    2(r) = 0 . (2.35)A forca sobre uma partcula teste3 sera dada pelo gradiente do potencial:

    F (r) = (r) . (2.36)Tambem e interessante denirmos a velocidade circular, vc, que corresponde ao po-

    tencial :

    v2c = rd(r)dr

    = r| F | . (2.37)Esta velocidade corresponde a uma orbita exatamente circular de uma partcula testesujeita ao potencial (supondo simetria axial).

    Na grande maioria dos casos de interesse (e praticos), vamos considerar sistemascom simetria axial (discos) ou simetria esferica. Nestes casos, e conveniente utilizarmosa equacao de Poisson em coordenadas cilndricas e esfericas polares, respectivamente:

    1r2

    ddr

    (r2

    d(r)dr

    )= 4G(r) ; esferica

    1R

    R

    (R

    (R, z)R

    )+

    2(R, z)z2

    = 4G(R, z) ; cilndrica(2.38)

    Para sistemas esfericos, integrando a equacao de Poisson uma vez obtemos ainda arelacao:

    d(r)dr

    =GM(r)

    r2. (2.39)

    Chamamos de par de densidadepotencial a densidade e o potencial que simulta-neamente obedecem a equacao de Poisson. A princpio, quaisquer funcoes e quesatisfazem a equacao de Poisson poderiam ser um par densidadepotencial. Contudo,nos so nos interessaremos por funcoes que sejam sicamente aceitaveis; por exemplo, adensidade deve ser sempre maior ou igual a zero.

    Antes de vermos alguns pares de densidadepotencial uteis para dinamica estelar,vamos recapitular alguns resultados basicos e ver alguns pers que foram descobertos,entre outras coisas, motivados pela facilidade em se resolver a equacao de Poisson.

    2.3.1 Massa pontual

    Neste caso temos uma massa M de dimensao nula na origem. O potencial e a velocidadecircular correspondentes sao:

    (r) = GMr

    ; vc(r) =

    GM

    r. (2.40)

    Quando um sistema tem uma velocidade circular proporcional a 1/r dizemos ve-

    locidade kepleriana, pois e o caso do sistema solar. Isto ocorre porque a massa do Solsendo muito superior a` soma das massas dos planetas, podemos aproximar os planetaso partculas testes circulando uma massa pontual.

    3Partcula teste denota um corpo de massa unitaria que interage apenas com o potencial global dosistema

  • 14 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    2.3.2 Esfera homogenea

    Consideremos uma esfera de raio ra e densidade homogenea . A massa no interior doraio r (r a) e simplesmente:

    M(r) =43

    r3 . (2.41)

    O potencial desta esfera e:

    (r) = 2G

    a2 r2

    3, r < a

    2 a3

    3 r, r > a .

    (2.42)

    Uma propriedade interessante da esfera homogenea vem do seguinte fato. Suponhaque uma partcula teste seja solta de um raio r; a equacao de movimento desta partculasera:

    d2rdt

    = d(r)dr

    = GM(r)r2

    = 4G3

    r . (2.43)

    Esta e a equacao de um oscilador harmonico simples de perodo T igual a:

    T = 2

    3

    4G=

    3G

    . (2.44)

    Como o perodo nao depende do raio em que soltamos a partcula teste, independente-mente do raio r em que a soltamos, a partcula atingira r = 0 no intervalo de tempoT/4. Como T e o mesmo para todas as partculas, conclumos que se soltarmos umesfera homogenea livre de pressao, esta colapsara, isto e, todas as partculas atingiraor = 0 simultaneamente. O tempo de queda livre ou tempo de colapso, tcol, de uma esferahomogenea nao e T/4 pois a medida que a esfera se contrai a densidade aumenta.

    Podemos calcular o tempo de colapso de uma esfera homogenea inicialmente comdensidade = 3M/(4r3) retomando a Eq. (2.43). Agora esta mesma equacao pode serinterpretada como o movimento radial de cascas esfericas caindo sob acao da gravidade.Podemos multiplicar a Eq. (2.43) por 2( dr/ dt) e obtemos:

    2drdt

    d2rdt2

    = 2GM(r)r2

    drdt

    , (2.45)

    mas temos as identidades:

    ddt

    (drdt

    )2= 2

    drdt

    d2rdt2

    eddt

    (1dr

    )= 1

    r2drdt

    . (2.46)

    Portanto, substituindo as identidades acima na equacao de movimento (2.45) obtemos:

    ddt

    (drdt

    )2= 2GM

    ddt

    (1dr

    ), (2.47)

    que pode ser integrada em t trivialmente resultando em:

    12

    (drdt

    )2 GM

    r= E , (2.48)

  • 2.3 Pares de DensidadePotencial 15

    onde E e a constante de integracao e pode ser interpretada como a energia por unidade demassa total de uma partcula (ou mesmo uma casca esferica) em queda. A equacao (2.48)expressa simplesmente a conservacao de energia durante o movimento em questao. Aconstante E e dada pelas condicoes iniciais:

    E =12v2to

    GM

    rto(2.49)

    onde vto e rto sao as velocidade e raio iniciais. Como supomos que inicialmente aspartculas da esfera nao tenha m movimento, vto = 0. A energia por unidade de massae entao E = GM/rto. Integrando a equacao (2.48) entre r = rto e r = 0 obtemos otempo que leva para a esfera colapsar:

    tcol =14

    32G

    =12

    T

    4, (2.50)

    onde T/4 e o tempo que uma partcula levaria para chegar a r = 0 se a densidadepermanecesse constante.

    E interessante compararmos esta escala de tempo, tcol, com o tempo dinamico, tdin.Substituindo M e E da expressao (2.17 e lembrando que naquele caso E nao e dado porunidade de massa) obtemos:

    tdin =

    3

    32G= tcol . (2.51)

    2.3.3 Pares de densidadepotencial de elpticas

    Em 1916, J.H. Jeans estudava a dinamica interna de aglomerados globulares e nebu-losas esfericas (galaxias elpticas E0) e concluiu que o potencial gravitacional destesobjetos poderiam ser escritos como uma serie:

    (r) = GMr

    [1 c1

    r c2

    r2 c3

    r3 . . .

    ], (2.52)

    onde c1, c2, . . . sao constantes positivas. Se o sistema for esfericamente simetrico, a den-sidade correspondente a este potencial pode ser facilmente calculado como:

    (r) =M

    4 1r4

    i=1

    i(i+ 1) ciri1

    . (2.53)

    Assim, Jeans conclui que a distribuicao de massa deveria ter um perl assimptotico parar proporcional a` r4.

    Os pers em r4 voltaram a ser utilizados com a introducao do perl de Jae (1983),de Hernquist (1990) e de Dehnem (1993). Estes tres pers fazem parte, na realidade, deuma mesma famlia dada por:

    (r) =(3 i)4

    M rcri(r + rc)4i

    ; 0 i < 3 , (2.54)

  • 16 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    onde i = 2 corresponde ao modelo de Jae, i = 1 ao modelo de Hernquist e i = 0 aomodelo de Dehnem. Aqui, M denota a massa total do sistema e a massa no interior doraio r e dada por:

    M(r) = M(

    r

    r + rc

    )3i. (2.55)

    Note que a massa converge para 0 i < 3. Para i = 2 o raio rc tambem e o raioque contem a metade da massa (chamado em ingles half-mass radius), que nao deve serconfundido com o raio efetivo (metade da luminosidade total projetada). O potencial eobtido pela equacao de Poisson:

    (r) = GMrc

    12 i

    (1

    (r

    r + rc

    )2i), i < 2

    ln(r + rc

    r

    ), i = 2 .

    (2.56)

    O interesse desta famlia de modelos nao esta apenas nas propriedades analticas,mas tambem ao fato de sua projecao em duas dimensoes ajustarem-se bem ao perl dasgalaxias elpticas e bojos de espirais.

    2.3.4 Estrutura vertical de um disco gravitacional

    Por simplicidade vamos considerar um disco axissimetrico innito de estrelas com densi-dade (R, z). Na direcao z (altura do disco) as estrelas tem uma dispersao de velocidadesz e, consequentemente, existe uma pressao na direcao z dada por P (R, z) = (R, z)2z.Supomos que o disco esteja em equilbrio hidrostatico, obedecendo a equacao:

    P (R, z) = (R, z)z(R, z) 2z

    (R, z)(R, z)

    z= (R, z)

    z, (2.57)

    onde zemos a hipotese de que 2z nao depende de z. Derivando mais uma vez a equacaoacima em relacao a z obtemos:

    z

    (2z

    (R, z)(R, z)

    z

    )=

    2(R, z)z2

    = 4G(R, z) , (2.58)

    onde utilizamos a equacao de Poisson em coordenadas cilndricas. Esta equacao se integrafacilmente e sua solucao e:

    (z) = 0 sech2(z/RH) . (2.59)

    onde o fator de escala RH e a espessura ou altura do disco e 0 e a densidade emz = 0, isto e, (R, 0). O fator de escala do disco e dado por:

    R2H =2z

    2G0 RH =

    2z

    2GR, (2.60)

    onde (R) representa a densidade supercial do disco, (R) RH (R, 0).Para z > RH , a secante hiperbolica na formula (2.59) se comporta aproximadamente

    como uma exponencial, sech2(x) exp(2x) para x 1.Observacionalmente, constata-se que a altura caracterstica do disco, RH , e pratica-

    mente independente de R tanto nas espirais como nas lenticulares. Como RH dependediretamente da densidade supercial que diminui exponencialmente em direcao a` bordada galaxia, isto implica de a dispersao de velocidades z diminui com o raio R da mesmamaneira.

  • 2.3 Pares de DensidadePotencial 17

    Modelo de Kuzmin

    Para descrever o potencial axissimetrico de um disco, Kuzmin propos em 1956 o seguintemodelo (tambem conhecido como disco de Toomre):

    (R, z) = GMR2 + (a+ |z|)2 . (2.61)

    Curiosamente, se calcularmos o laplaciano desta funcao obteremos 2(R, z) = 0 ! Oproblema e que o potencial (2.61) nao corresponde a uma distribuicao de densidade emtres dimensoes mas em duas. Em outras palavras, o potencial de Kuzmin corresponde aum disco innitamente no.

    Para calcular a densidade supercial, (R), que corresponde a este potencial podemosutilizar o teorema de Gauss4:

    4GS(R)2RdR = 2

    S

    z(R, z)2RdR , (2.62)

    onde a superfcie S esta ilustrada na Fig. 2.2 e a massa M e dada por M(R) = R0 (R)2RdR. O fator 2 vem da integral em S ser do lado positivo e negativo de

    z.

    z

    R

    (z)

    (z)

    S

    z {

    Figura 2.2: Geometria para aplicacao do teorema de Gauss para o potencial (2.61). Fazendoz 0 e integrando sobre a superfcie S dos dois lados do plano (z) obtemos a densidadesupercial.

    Tomando o limite z 0 no gradiente de , obtemos:

    2G R0

    (R)RdR = R0

    ((R, z)

    z

    )z0

    R dR = R0

    GMa

    (R2 + a2)3/2R dR , (2.63)

    o que implica:

    (R) =M a

    2(R2 + a2)3/2. (2.64)

    A formula acima descreve a densidade supercial do chamado disco de Kuzmin. Notemosque este disco nao tem um comportamento assimptotico exponencial, mas em lei depotencia, (R) R3.

    4O teorema de Gauss diz que a integral da componente normal do gradiente do potencial, , emuma superfcie fechada e igual a massa contida nesta superfcie vezes 4G.

  • 18 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    Modelo de Miyamoto e Nagai

    O disco innitesimal de Kuzmin pode ser generalizado para uma distribuicao tridimen-sional da massa. Isto foi feito por Miyamoto e Nagai em 1975, que reescreveram opotencial (2.61) da seguinte maneira:

    (R, z) = GMR2 + (a +

    b2 + z2)2

    . (2.65)

    Calculando o laplaciano do potencial acima obtemos, apos muita algebra,

    (R, z) =M b2

    4aR2 + [a + 3

    b2 + z2][a+

    b2 + z2]2[

    R2 + (a +b2 + z2)2

    ]5/2(b2 + z2)3/2

    . (2.66)

    Neste par densidadepotencial, a razao b/a nos da o quanto a distribuicao e achatada.No limite a 0 o modelo torna-se esferico.

    2.4 Funcao de Distribuicao

    Qualquer sistema dinamico pode ser completamente descrito por uma funcao que dea densidade, em funcao ou nao do tempo, no espaco de fase. Esta densidade pode serdenida de dois modos distintos, segundo Boltzmann ou Gibbs.

    Vamos supor um sistema composto por N partculas, cada uma com posicao r e ve-locidade v. Boltzmann considera o espaco de fase com 2s dimensoes, onde s e a dimensaodos vetores r ou v, 3 no caso do espaco a que estamos habituado, 2 no caso de umasuperfcie, etc; este espaco e chamado espaco-. Neste caso, denimos uma densidadedo espaco de fase ou funcao de distribuicao como f(r, v, t) que representa no numero deestrelas (ou a massa) no volume d3r d3v centrado em (r, v) no instante t.

    Ja Gibbs, para o mesmo sistema de partculas citado acima, considera um espacocom 2sN dimensoes. A conguracao total do sistema corresponde a um ponto nesteespaco, chamado espaco-. Gibbs considera um ensemble (conjunto) de sistemas quepreenchem o espaco-. Assim a funcao de distribuicao no espaco de fase de Gibbs e adensidade do ensemble.

    Nos exemplos acima denimos f em termos do numero de partculas, mas podemosfaze-lo tambem em termos da massa. De qualquer forma, a funcao de distribuicao deveser sempre maior ou igual a zero, f 0.

    2.4.1 Teorema e equacao de Liouville

    No espaco-, um ponto representa o estado completo de um sistema de N partculasem algum instante t0. A evolucao deste sistema ao longo do tempo sera uma linha (umacurva) neste espaco de 6N dimensoes a partir do ponto em t0. Vamos considerar umsistema dinamico em um ensemble de Gibbs no espaco-: a qualquer momento, a pro-babilidade de se encontrar este sistema no ensemble dentro de um volume innitesimalde 6N dimensoes sera dada pela funcao de distribuicao:

    f (N)(r(1), . . . , r(N), v(1), . . . , v(N), t) d3r(1), . . . , d3v(N) , (2.67)

  • 2.4 Funcao de Distribuicao 19

    e a condicao de normalizacao nos impoe: +

    f (N)(r(1), . . . , r(N), v(1), . . . , v(N), t) d3r(1), . . . , d3v(N) = 1 , (2.68)

    isto e, a probabilidade de se encontrar um dado sistema em todo o espaco e, obviamente,1. A funcao f (N) e conhecida como funcao de distribuicao de N -partculas. Utilizamosagora f (N) para calcular a probabilidade de encontrar-mos um sistema de coordenadas(r(1)0 , . . . , r

    (N)0 , v

    (1)0 , . . . , v

    (N)0 ) no instante t0 em um pequeno volume S0 do espaco-. Esta

    probabilidade, P (t0) sera:

    P (t0) =S0

    f(N)0 (r

    (1)0 , . . . , r

    (N)0 , v

    (1)0 , . . . , v

    (N)0 , t) d

    3r(1)0 , . . . , d

    3v(N)0 , (2.69)

    onde a integral e efetuada em todo o volume S0. Apos um certo intervalo de tempo, noinstante t, as coordenadas do sistema serao (r(1), . . . , v(N)), devido a evolucao dinamicado sistema. A funcao de distribuicao sera, agora, f (N)(r(1), . . . , v(N)) e o volume S0 setornara St. A probabilidade, entao, de se encontrar o sistema no volume St e dada por:

    P (t) =St

    f (N)(r(1), . . . , r(N), v(1), . . . , v(N), t) d3r(1), . . . , d3v(N) . (2.70)

    A evolucao dinamica de um sistema e contnua (pelo menos na mecanica classica),ou seja, o sistema nao pode saltar repentinamente (com uma descontinuidade) para umnovo estado. Assim, a probabilidade que o sistema esteja na regiao transformada e amesma que a probabilidade de estar na regiao original, isto e,

    P (t) = P (t0) = constante . (2.71)

    Podemos abordar este problema por outro angulo. Como a evolucao de um sistemadinamico e contnua, os pontos do ensemble escoam pelo espaco- sem descontinuidadese, portanto, a funcao f (N) deve satisfazer uma equacao de continuidade, semelhante aum uido normal. Esta equacao de continuidade se escreve:

    f (N)

    t+

    Ni

    {

    ri

    (f (N)

    dridt

    )+

    vi

    (f (N)

    dvidt

    )}= 0 . (2.72)

    Mas, dri/ dt = vi e vi/ri = 0, pois trata-se de variaveis independentes. Alem disto,para forcas conservativas (o que e o caso em sistemas estelares), dvi/ dt = i/ri.Podemos entao simplicar a equacao de continuidade (2.72) em:

    f (N)

    t+

    Ni

    {vi f

    (N)

    ri i

    ri f

    (N)

    vi

    }= 0 . (2.73)

    A equacao acima nos diz que a derivada total de f (N) se anula no espaco-, emoutras palavras o uido de partculas neste espaco e incompressvel; a densidade depontos no espaco-, dado por f (N) proximo a um ponto qualquer, e seguindo suaevolucao dinamica, e constante. Esta armacao e conhecida como teorema de Liouvillee a formula 2.73 e a equacao de Liouville.

  • 20 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    2.4.2 Equacao de BoltzmannVlasov

    Vamos supor agora um sistema dinamico de N partculas no espaco- de 6 dimensoes.Ao contrario do espaco-, cada partcula representa um ponto neste espaco. Em qual-quer momento t o estado do sistema e descrito pela funcao de distribuicao f(r, v, t).Novamente, se conhecemos as posicoes e velocidades, ri(t0) e vi(t0) no instante t0, po-demos, a princpio, determinar as posicoes e velocidades em qualquer instante t atravesdas equacoes de movimento das partculas.

    Se considerarmos o uxo de partculas no espaco-, teremos as coordenadas (r, v)e a velocidade do uxo, (r, v) = (v,), onde assumimos que as forcas que regemos movimentos das partculas (o uxo no espaco-) seja dada pelo gradiente de umpotencial. Esta armacao e importante pois implica que estamos supondo que o sistemae nao-colisional (suposicao que nao fazemos no espaco-).

    Da mesma forma que o uxo no espaco-, o uxo aqui tambem e continuo, gracasa` continuidade das equacoes de movimento. Assim, a funcao de distribuicao f tambemdeve obedecer a uma equacao de continuidade que pode ser escrita como:

    f

    t+ (fv) + v (fv) = 0 , (2.74)

    ou ainda,f

    t+

    3i

    fvixi

    3i

    f vi

    = 0 , (2.75)

    onde xi e vi sao as componentes dos vetores r e v, respectivamente e a soma se faz nastres componentes das coordenadas.

    Utilizando a identidade vetorial (f w) = f w + w f e lembrando que r e vsao variaveis independentes, obtemos:

    f

    t+ v f + v vf = f

    t+ v f vf = 0 , (2.76)

    ou aindaf

    t+

    3i

    (vi

    f

    xi

    xi

    f

    vi

    )= 0 . (2.77)

    Tanto na forma (2.76) como (2.77), estas formulas sao conhecidas como equacao deBoltzmann nao-colisional ou equacao de Vlasov. A equacao de Boltzmann nao-colisionale, na verdade, um caso especial da equacao de Liouville. Para um sistema nao colisional,o uido no espaco- (ou simplesmente espaco de fase) e incompressvel.

    O efeito de colisoes (quando, por exemplo a relaxacao de dois corpos e importante)pode ser interpretado como um termo adicional a` equacao de Boltzmann; ao inves determos df/ dt = 0, teramos no caso colisional algo do tipo df/ dt = Fcolisao.

    Tambem podemos expressar a equacao de Boltzmann utilizando a formulacao Ha-miltoniana. Vamos considerar a funcao de distribuicao f(q, p, t) que depende das co-ordenadas conjugadas qi e pi que, por sua vez, satisfazem as equacoes canonicas demovimento:

    dqidt

    =H

    pi;

    dpidt

    = Hqi

    , (2.78)

    onde H(qi, pi) e a Hamiltoniana do sistema. Para partculas de massa m que se mo-vem livremente, H = (p21 + p

    22 + p

    23)/2m; em um campo gravitacional, a Hamiltoniana

  • 2.4 Funcao de Distribuicao 21

    da partcula conta com mais um termo (a energia potencial) que depende apenas dascoordenadas qi. Podemos entao reescrever a equacao (2.77) como:

    f

    t=

    3i

    (H

    qi

    f

    pi H

    pi

    f

    qi

    ) {H, f} , (2.79)

    onde o ultimo termo a direita sao os colchetes de Poisson.

    2.4.3 Equacao de Boltzmann em alguns sistemas de coordenadas

    Em geral, e mais conveniente expressarmos a equacao de Boltzmann em sistemas decoordenadas mais apropriados a` simetria do problema que queremos estudar. A mu-danca de coordenadas se faz aplicando-se a regra da cadeia a`s derivadas parciais daequacao (2.77).

    Contudo, se notarmos que a equacao de Boltzmann e simplesmente

    dfdt

    = 0 , (2.80)

    isto e, a derivada total e nula e portanto f e constante ao longo das trajetorias noespaco de fase, vemos que esta equacao deve ser valida para qualquer sistema de coor-denadas. Em outras palavras, podemos simplesmente trocar as coordenadas cartesianas(x, y, z) por, por exemplo, (R, , z) das coordenadas cilndricas. Assim, continuando como exemplo das coordenadas cilndricas, temos:

    dfdt

    =f

    t+ R

    f

    R+

    f

    + z

    f

    z+ vR

    f

    vR+ v

    f

    v+ vz

    f

    vz= 0 . (2.81)

    Feito isto, notamos ainda que R = vR, = v/R e z = vz. Alem disto, podemosutilizar as equacoes de movimento em coordenadas esfericas:

    dvdt

    = (R, , z) = R

    eR +

    e +

    zez , (2.82)

    onde o vetor velocidade e v = ReR + Re + zez, e sua derivada e:

    dvdt

    = (RR2)eR + (2R + R)e + zez . (2.83)

    Obtemos, entao, as seguintes relacoes:

    vR = R

    v2R

    ; v = 1R

    vRv

    R; vz =

    z, (2.84)

    que nos permitem simplicar a equacao de Boltzmann e, nalmente, obtemos:

    f

    t+ vR

    f

    R+

    vR

    f

    + vz

    f

    z+(

    v2R

    R

    )f

    vR 1

    R

    (vRv +

    )f

    v

    z

    f

    vz= 0

    (2.85)

  • 22 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    O mesmo procedimento pode ser aplicado em coordenadas esfericas (r, , ) resul-tando na seguinte forma para a equacao de Boltzmann:

    f

    t+ vr

    f

    r+

    vr

    f

    +

    vr sen

    f

    +

    (v2 + v

    2

    r

    r

    )f

    vr+

    1r

    (v2

    tan vrv

    )f

    v 1

    r

    [v

    (vr +

    vtan

    )+

    1sen

    ]f

    v= 0 .

    (2.86)

    E claro, estas equacoes podem ainda serem simplicadas no caso de sistemas es-tacionarios (i.e. f/t = 0) ou com alguma simetria; no caso da simetria esferica, asderivadas em relacao a e se anulam.

    2.5 Momentos da equacao de Boltzmann

    Como vimos, podemos denir a funcao de distribuicao f como o numero de partculasou massa no volume d3r d3v do espaco de fase. Assim, a densidade espacial pode serimediatamente obtida por:

    (r) =vf(r, v) d3r d3v , (2.87)

    onde a integral deve ser feita sobre todas as velocidades. Colocando a Eq. (2.87) naequacao de Poisson,

    2 = 4Gvf(r, v) d3r d3v , (2.88)

    obtemos uma equacao que descreve a dinamica do sistema. Esta equacao, junto com aequacao de Boltzmann, descreve completamente a evolucao do sistema auto-gravitacional.

    Na pratica, contudo, este problema e muito complexo; uma solucao mais simples e consequentemente menos completa e obtida atraves dos momentos da equacao deBoltzmann.5

    O momento de ordem zero da equacao de Boltzmann e calculado integrando aEq. (2.77) sobre todas as velocidades:

    f

    td3v +

    3i

    (vi

    f

    xid3v

    xi

    f

    vid3v

    )= 0 , (2.89)

    lembrando que /xi e independente da velocidade. Como o intervalo de velocidadesnao depende do tempo, podemos tirar a derivada parcial do primeiro termo fora daintegral:

    f

    td3v =

    t

    f d3v =

    t, (2.90)

    onde utilizamos a Eq. (2.87). Podemos fazer a mesma coisa com o segundo termo daEq. (2.89), pois v e r sao independentes:

    vi

    f

    xid3v =

    xi

    vif d3v =

    (vi)xi

    , (2.91)

    5Dada uma funcao de distribuicao g, os momentos de ordem j se calculam como xj =

    xjg dx/

    g dx,onde a integracao se faz sobre todo o domnio da funcao g.

  • 2.5 Momentos da equacao de Boltzmann 23

    onde vi e o valor medio da componente vi da velocidade. Para o ultimo termo, podemosaplicar o teorema do divergente:

    f

    vid3v =

    f d2S , (2.92)

    onde S e a superfcie no espaco de velocidades que engloba toda a funcao f . Em outraspalavras, para S cada vez maior isto corresponde a` velocidades cada vez maiores. Fisi-camente o numero de partculas com velocidades cada vez maiores deve diminuir e nolimite S a funcao de distribuicao deve se anular. Portanto, f d2S = 0 e o terceirotermo de (2.89) se anula.

    Obtemos nalmente, a equacao de momento zero:

    t+

    3i

    (vi)xi

    =

    t+ (v) = 0 . (2.93)

    Esta e a equacao de continuidade da massa (ou das partculas) do sistema.Genericamente, podemos obter os momentos de ordem superior multiplicando a

    equacao de Boltzmann (2.77) por vl1vm2 v

    n3 , onde l, m e n sao inteiros e os ndices re-

    presentam as componentes das velocidades; a ordem do momento sera o produto ijk. Sel = 1 e m = n = 0, obteremos o momento de primeira ordem:

    vj

    f

    td3v +

    3i

    (vivj

    f

    xid3v

    xi

    vj

    f

    vid3v

    )= 0 . (2.94)

    Integrando por partes o ultimo termo de (2.94) e utilizamos o fato de f 0 quandov , obtemos:

    vjf

    vid3v = lim

    |v|vjf

    vjvi

    f d3v =

    ijf d3v = ij , (2.95)

    onde ij e a funcao delta, ij = 0 se i = j, ij = 1 se i = j. O primeiro termo de (2.94)resulta em:

    vjf

    td3v =

    t

    vjf d3v =

    (vj)t

    , (2.96)

    e o segundo termo nos da: vivj

    f

    xid3v =

    (vivj)xi

    . (2.97)

    Combinando as equacoes (2.95), (2.96) e (2.97) obtemos tres equacoes, uma paracada j:

    (vj)t

    +3i

    ((vivj)

    xi

    )+

    xj= 0 . (2.98)

    Podemos ainda reescrever a Eq. (2.98) utilizando a equacao de continuidade, Eq. (2.93),multiplicada por vj:

    (vj)t

    +3i

    ((vivj)

    xi

    )+

    xj= vj

    t+ vj

    3i

    (vi)xi

    = 0

    vjt

    +3i

    (vivjxi

    vj vixi

    )=

    xj.

    (2.99)

  • 24 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    Introduzimos agora o tensor dispersao de velocidade, ij, denido como:

    2ij vivj vi vj . (2.100)

    Podemos ver que as componentes da diagonal principal deste tensor, ii, sao as dispersoesde velocidade associadas a cada uma das coordenadas do sistema (no caso cartesiano,sao as dispersoes nas direcoes paralelas a cada eixo). Tambem notamos que este ten-sor e simetrico. Utilizando o tensor dispersao de velocidades na Eq. (2.99), obtemosnalmente:

    vjt

    +3i

    (vi

    vjxi

    +(2ij)xi

    )=

    xj. (2.101)

    As equacoes dos momentos da equacao de Boltzmann foram deduzidas e utilizadasem astrofsica pela primeira vez por Jeans entre 1915 e 1922 e, por isto, sao chamadasequacoes de Jeans.

    A equacao do primeiro momento da equacao de Boltzmann, Eq. (2.101) descreve oequilbrio hidrodinamico do sistema. O termo que envolve 2ij, chamado tensor de tensao(stress tensor) representa a pressao. Esta e uma pressao dinamica, isto e, ela nao ocorredevido a` colisoes entre as partculas. Alem disto, ao contrario de um gas normal, ondea pressao e isotropica, o tensor de tensao poder ter componentes na diagonal principaldiferentes, ou seja, o sistema pode ter uma anisotropia na dispersao de velocidades.

    Para um sistema em equilbrio estacionario, onde nao ha movimento sistematico, aEq. (2.101) se reduz a:

    3i

    2ijxi

    = xj

    , (2.102)

    analoga a` equacao de equilbrio hidrostatico habitual, P = .Devemos observar que as equacoes dos momentos da equacao de Boltzmann nao

    sao fechadas, isto e, ha mais incognitas do que equacoes. Isto ocorre mesmo indo paraordens superiores dos momentos, a cada ordem surgem mais incognitas do que equacoes:as equacoes de Jeans (2.101) sao apenas 3 com as variaveis , , vj e ij. Portanto,para resolvermos estas equacoes e necessario fazer hipoteses sobre o comportamento dosistema e impor vnculos a`s equacoes.

    2.5.1 Equacoes de Jeans em alguns sistemas de coordenadas

    Como para a equacao de Boltzmann, podemos deduzir as equacoes de Jeans para siste-mas de coordenados mais apropriados a` simetria dos sistemas que queremos estudar.

    A equacao de continuidade em coordenadas cilndricas pode ser deduzida integrandoa equacao (2.85) em todo o espaco de velocidades. Por simplicidade, vamos consideraros sistemas com simetria axial, de modo que as derivadas em relacao a se anulam, oque resulta em:

    t+

    1R

    R vRR

    + vzz

    = 0 . (2.103)

    As equacoes do primeiro momento da equacao de Boltzmann sao obtidas multipli-cando a Eq. (2.85) por vR, v ou vz e integrando cada uma das equacoes sobre todas as

  • 2.5 Momentos da equacao de Boltzmann 25

    velocidades. Obtemos assim as tres equacoes:

    (vR)t

    +(v2R)R

    +(vRvz)

    z+

    (v2R v2

    R+

    R

    )= 0 ;

    (v)t

    +(vRv)

    R+

    (vvz)z

    +2R

    vvR = 0 ;

    (vz)t

    +(vRvz)

    R+

    (v2z)z

    + vRvzR

    +

    z= 0 . (2.104)

    Para as coordenadas esfericas, podemos proceder da mesma forma e integramos aequacao (2.86) sobre todas as velocidades. Obtemos assim:

    t+

    (vr)r

    +1r

    v

    +1

    r sen (v)

    +2r

    vr +

    r tan v = 0 . (2.105)

    Por simplicidade, vamos supor agora um sistema com simetria esferica as derivadasem relacao a e sao nulas. Alem disto, vamos considerar um sistema estacionario;isto implica que a derivada em relacao ao tempo e nula e nao movimento sistematicoem nenhuma direcao (vr = v = v = 0) Neste caso, apenas uma das equacoes doprimeiro momento da equacao de Boltzmann e nao trivial e ela e obtida multiplicandoa Eq. (2.86) por vr e integrando em todo o espaco de velocidades:

    d(v2r)dr

    +

    r

    (2v2r v2 v2

    )+

    ddr

    = 0 . (2.106)

    2.5.2 Aplicacao das equacoes de Jeans

    Dispersao de velocidades radial e na linha de visada

    Antes de aplicarmos as equacoes de Jeans, convem abordarmos o seguinte problema:nas equacoes dos momentos, as grandezas envolvidas sao relacionadas a` distribuicaotridimensional das velocidades, enquanto que nos so podemos observar uma componentedo vetor velocidade, aquela na linha de visada (exceto no caso dos objetos proximos,onde podemos obter atraves da observacao direta as tres componentes da velocidade).

    Da mesma forma que o brilho supercial e obtido a partir da projecao em duasdimensoes da densidade de luminosidade, tambem podemos obter a dispersao de velo-cidades na linha de visada, 2p, pela projecao da dispersao radial de velocidades,

    2r .

    R

    r

    z

    vrv

    Figura 2.3: Geometria da projecao dadispersao de velocidades para uma dis-tribuicao esferica.

    Na gura 2.3, vemos que a geometria envolvida na projecao da dispersao de velo-cidades e semelhante a` projecao da densidade de luminosidade para uma distribuicao

  • 26 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    esferica. De fato, se distribuicao de velocidades e isotropica, obtemos:

    (R)2p(R) = 2 R

    (r)(r)

    2r r drr2 R2 . (2.107)

    Esta tambem e uma equacao integral do tipo de Abel e, portanto, pode ser invertidaresultando em:

    (r)(r)

    2r (r) = 1

    r

    d[(R) 2p(R)]R

    dRR2 r2 . (2.108)

    Em um caso mais geral, a distribuicao de velocidades nao e necessariamente isotropica.Supondo que as dispersoes de velocidades nas componentes angulares sejam iguais, istoe, 2 =

    2, podemos entao denir um parametro de anisotropia, da seguinte forma:

    = 1 2

    2r. (2.109)

    Este parametro mede o quanto as orbitas das partculas sao mais ou menos radiaisou circulares. Pela geometria descrita na Fig. 2.107, quando a dispersao de velocidadesnao e isotropica temos:

    (R)2p = 2 R

    (vr cos v sen)2 (r)(r)r drr2 R2 . (2.110)

    A equacao acima pode ser simplicada da seguinte forma:

    (vr cos v sen)2 = v2r cos2 + v2 sen2 , (2.111)pois vrv = 0. Nao havendo movimento sistematico, a velocidade media quadratica eigual a` dispersao e, utilizando a denicao de obtemos:

    (R)2p = 2 R

    (1 (r)R

    2

    r2

    )(r)(r)

    2r r drr2 R2 . (2.112)

    Distribuicao de massa de um sistema esferico

    Podemos aproximar uma galaxia elptica, um aglomerado globular ou o halo de umagalaxia espiral como um sistema esferico em equilbrio estacionario. Como nao devehaver nenhum movimento sistematico, temos 2j = v

    2j , onde j = r, ou . Com as

    hipotese acima, podemos reescrever a equacao de Jeans (2.106) como:

    1(r)

    d[(r)2r(r)]dr

    + 2(r)2(r)

    r= d(r)

    dr, (2.113)

    onde colocamos explicitamente a dependencia em r de todas as funcoes. Lembrando quepara um sistema esferico d/ dr = GM(r)/r2, obtemos:

    M(r) = r 2r

    G

    (d lnd ln r

    +d ln2rd ln r

    + 2

    ). (2.114)

    E interessante lembrar que a equacao de Boltzmann nao colisional e seus momentossao validas em qualquer potencial gravitacional, isto e, nao e necessario que todo o

  • 2.5 Momentos da equacao de Boltzmann 27

    potencial gravitacional (dado por GM(r)/r) seja gerado pelo perl de densidade (r).A equacao (2.114) pode ser utilizada, por exemplo, onde e obtido a partir da do brilhosupercial de uma galaxia e 2r e estimado a partir da dispersao de velocidades na linhade visada. Obtemos entao a massa total, que gera o potencial gravitacional, podendo sercomposta pelas estrelas (obviamente) e qualquer outro componente invisvel (a chamadamateria escura).

    No entanto, para se utilizar a Eq. (2.114) na pratica, e necessario de alguma formaxarmos o parametro de anisotropia. Infelizmente, este parametro nao e acessvel direta-mente pela observacao, a nao ser na vizinhanca solar (onde podemos medir o movimentoproprio das estrelas mais proximas). Em geral, supomos que o parametro de anisotropia(1) nao varie com a distancia radial e (2) utilizamos os casos limites = 0 para sistemasisotropicos ou = 1 para sistemas com apenas velocidades radiais.

    Por outro lado, se conhecemos a razao massaluminosidade e, assim, podendo deduzir(r) e M(r) a partir das observacoes, nos obtemos atraves de (2.114) uma relacao entrea dispersao de velocidades radial e (r) (que pode variar em funcao do raio).

    Achatamento de galaxias elpticas

    Historicamente, a interpretacao dada para a elipticidade observada das galaxias elpticasera de que estes objetos eram achatados devido a` rotacao ao longo do eixo menor. Umatal galaxia teria um tensor de dispersao de velocidades isotropico e o achatamento seriao estado de equilbrio que resulta da rotacao. No caso contrario, o achatamento de umaelptica nao e devido a` rotacao mas sim a uma anisotropia no tensor de dispersao develocidades.

    Assim, podemos dizer que, se a galaxia tem uma velocidade de rotacao v(R, z) daordem de grandeza da dispersao de velocidades, esta galaxia deve ter um achatamentodevido a` rotacao. Se uma galaxia achatada tem uma velocidade de rotacao muito inferiora` dispersao, entao o achatamento sera devido a` anisotropia.

    Podemos analisar esta situacao com a ajuda das equacoes de Jeans em coordena-das cilndricas. Para um sistema em equilbrio estacionario onde o unico movimentosistematico e azimutal e o tensor de dispersao de velocidades e isotropico, 2ij = ij

    2,as equacoes (2.104) se simplicam:

    2

    R

    (v

    2

    R

    R

    )= 0 ;

    2

    z+

    z= 0 , (2.115)

    onde utilizamos v2 = v2.Dado um par densidadepotencial, a dispersao de velocidades, , pode ser obtida

    integrando-se a segunda equacao em (2.115):

    2(R, z) =1

    z

    zdz . (2.116)

    Utilizando esta equacao acima na primeira equacao de (2.115), obtemos uma expressaoque relaciona a velocidade de rotacao com o par densidadepotencial:

    v2(R, z) = R

    R+

    R

    R

    z

    zdz . (2.117)

  • 28 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    Como exemplo podemos utilizar um par densidadepotencial baseado no modeloHernquist, dado pela Eq. (2.56) quando i = 1. Para levarmos em conta o achatamento,fazemos a seguinte mudanca de variaveis: r2 R2 + (z/qz)2, onde qz e a razao entre ossemi-eixos menor e maior (qz = 1 esfera, qz = 0 disco). Isto resulta no potencial:

    (R, z) = GMrc

    (1 r

    rc + r

    ); r =

    R2 +

    (z

    qz

    )2, (2.118)

    e densidade:

    (R, z) =M

    4q2z

    1(r + rc)3

    ([1 + q2z ]

    rcr

    +[1 q2z ][q2zr3 {3r + rc}z2]

    q2zr3

    ); r =

    R2 +

    (z

    qz

    )2.

    (2.119)Notemos que o achatamento na densidade e diferente do achatamento do potencial; emgeral o achatamento do potencial e menor do que o da densidade que o gera. Uma analisecuidadosa desta densidade revelara que ela nao corresponde a` densidade das galaxiaselpticas. Contudo ela sera utilizada como uma aproximacao grosseira.

    Tendo um par densidadepotencial, podemos resolver a equacao (2.117) e obtemosv e a equacao (2.116) para obtermos a dispersao de velocidades, .

    Com muita algebra podemos chegar uma relacao entre a razao da velocidade derotacao e da dispersao de velocidades com o achatamento do sistema. No plano desimetria do sistema, isto e, z = 0 obtemos:

    v2

    2=

    1 q2zq2z

    612 (1 + x)4 ln(1 + 1x) 25 2 x (26 + 3 x (7 + 2 x))

    ; x =R

    rc. (2.120)

    Tambem podemos comparar v com a velocidade circular, vc = R(R, z)/R; emz = 0 temos:

    v2

    v2c=

    (1 qz2) (1 + x)(1 qz2) x + 1 + q2z

    ; x =R

    rc. (2.121)

    A elipticidade e denida como z = 1 qz e, para z proximo de zero, a razaov

    2/v2c aumenta aproximadamente linearmente com a elipticidade. Em outras palavras,e necessario de uma rotacao consequente para que o sistema se achate. Por exemplo, paraum achatamento com z = 0, 1 como em uma elptica E1, v/vc 0, 25 ou v/v 0.35para que este achatamento seja devido a` rotacao em R = rc.

    As observacoes de galaxias elpticas normais e gigantes apontam para valores de v/vce v/v menores do que estes, indicando que o achatamento nao pode ser explicado porrotacao mas sim por uma anisotropia da dispersao de velocidades.

    2.5.3 Teorema do virial tensorial

    As equacoes de Jeans sao obtidas multiplicando a equacao de Boltzmann por vj e in-tegrando em todas as velocidades. Obtemos assim tres equacoes diferenciais para cadacoordenada relacionando a densidade o gradiente do potencial gravitacional e os primei-ros momentos das velocidades. Podemos agora multiplicar estas equacoes pela coorde-nada xk e integrar em todo o espaco (de coordenadas espaciais). Obteremos desta forma

  • 2.5 Momentos da equacao de Boltzmann 29

    uma unica equacao tensorial que relaciona as propriedades globais do sistema. Tomamosentao a Eq. (2.98) e, fazendo como descrito obtemos:

    xk

    (vj)t

    d3x +3i

    xk

    ((vivj)

    xi

    )d3x +

    xk

    xjd3x = 0 . (2.122)

    O ultimo termo da Eq. (2.122) e o tensor energia potencial, Ujk. Substituindo opotencial,

    (x) = G

    (x)|x x| d

    3x , (2.123)

    no tensor energia potencial, podemos reescreve-lo como:

    Ujk = G

    (x) xj

    xk

    (x)|x x| d

    3x d3x . (2.124)

    A derivada pode ser levada para o interior da integral, pois a variavel de integracao e x

    e a derivada e em x:

    Ujk = G

    (x)(x)xj(xk xk)|x x|3 d

    3x d3x . (2.125)

    As variaveis de integracao x e x sao mudas e, portanto, podemos troca-las, x xsem alterar o resultado:

    Ujk = G

    (x)(x)xj(xk xk)|x x|3 d

    3x d3x . (2.126)

    Finalmente, somando as equacoes (2.125) e (2.126) obtemos:

    Ujk = G2

    (x)(x)(xj xj)(xk xk)

    |x x|3 d3x d3x . (2.127)

    Este tensor potencial e simetrico, e o seu traco, traco(U) 3j=1 Ujj resulta em:traco(U) = G

    2

    (x)

    (x)

    1

    |x x| d3x d3x =

    12

    (x)(x) d3x , (2.128)

    que e a energia potencial total do sistema.O segundo termo de (2.122) pode ser integrado por partes e assumindo que para

    densidades sicamente aceitaveis 0 para |xk| , obtemos:3i

    xk

    ((vivj)

    xi

    )d3x =

    ki vivj d3x = 2Tkj , (2.129)

    onde Tkj e o tensor de energia cinetica. Este tensor pode ser dividido em duas partes,uma referente ao movimento aleatorio das partculas e outra ao movimento ordenado(rotacao, expansao, etc...). Isto e feito da seguinte forma:

    Kjk 12

    vj vk d3x ; jk

    2jk d3x Tkj = Kjk + 12jk , (2.130)

  • 30 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    onde utilizamos a denicao do tensor de dispersao de velocidades, Eq. (2.100).Como a derivada em relacao ao tempo pode ser retirada do primeiro termo da

    equacao (2.122), pois xk nao depende do tempo, obtemos:

    12

    ddt

    (xkvj + xjvk) d3x = 2Tjk +jk + Ujk , (2.131)

    lembrando que os tensores sao simetricos, isto e, podemos trocar os ndices.Denimos agora o tensor de momento de inercia:

    Ijk

    xjxk d3x . (2.132)

    Derivando este tensor em relacao ao tempo, resulta em:

    dIjkdt

    =

    txjxk d3x . (2.133)

    Utilizando a equacao de continuidade, Eq. (2.93), /t +3

    i (vi)/xi = 0, eintegrando a formula acima por partes obtemos:

    vixi

    xjxk d3x =

    vi(xkji + xjki) d3x , (2.134)

    e, nalmente, obtemos o resultado:

    12dIjkdt

    =12

    (xkvj + xjvk) d3x . (2.135)

    Combinado os resultados e denicoes acima, resulta no teorema do virial tensorial,demonstrado por Chandrasekhar em 1964:

    12dIjkdt

    = 2Kjk + jk + Ujk . (2.136)

    O teorema do virial tensorial faz a ligacao entre as propriedades cinematicas (movi-mentos aleatorios e ordenados) com a morfologia (energia potencial) do sistema.

    2.6 Teorema de Jeans

    2.6.1 Integrais de movimento

    Uma constante de movimento em um campo potencial e uma funcao que nao varia aolongo da trajetoria de uma partcula. Esta funcao, que pode depender das coordenadasno espaco de fase e do tempo pode ser denida da seguinte maneira:

    C(x0, v0, t0) = C(x, v, t) , t . (2.137)

    Por outro lado, uma integral de movimento ou invariante integral e uma funcao quedepende apenas das coordenadas do espaco de fase e e constante ao longo da trajetoriade uma partcula. Podemos deni-la como:

    I(x0, v0) = I(x, v) . (2.138)

  • 2.6 Teorema de Jeans 31

    E claro, toda integral de movimento e uma constante de movimento mas a recprocanem sempre e verdade. Considere, por exemplo, uma partcula em orbita circular em umpotencial axissimetrico. O angulo azimutal e dado por = 0+ vt, onde 0 e o anguloquando t = 0 e v e a velocidade angular. A quantidade C 0/v = /v t e umaconstante de movimento. Contudo, C nao e uma integral de movimento pois dependedo tempo alem das coordenadas no espaco de fase (v e ).

    Pelo exemplo dado acima, podemos ver que qualquer orbita em qualquer potencialtem sempre seis constantes de movimentos dadas pelas condicoes iniciais no espaco defase, (x0, y0, z0) e (vx0, vy0, vz0), uma vez que estas constantes sao funcoes das equacoesde movimento que, por sua vez, dependem das coordenadas no espaco de fase e dotempo.

    Somente em alguns casos particulares, as integrais de movimento podem ser en-contradas facilmente. Em um potencial estatico, onde os encontros sao desprezveis, aenergia de uma partcula se conserva durante sua trajetoria. Assim, em um potencialestatico, a grandeza E(x, v) = |v|2/2+(x) se conserva e, como nao depende do tempo,apenas das coordenadas, e uma integral de movimento. Em um potencial estatico ecom simetria axial ao longo da coordenada z, a componente do momento angular nestadirecao, Lz, se conserva e e, portanto, uma integral de movimento. Em um potencialesferico, as tres componentes do momento angular, L = x v, se conservam durante atrajetoria e, portanto, sao integrais de movimento.

    Algumas integrais de movimento tem uma interpretacao geometrico no espaco defase e na propria trajetoria da partcula. Para ver isto, vamos considerar uma partculaque se move em um potencial esferico e estatico. Vamos supor que este potencial e daforma:

    (r) = GM(1/r + 1/r2

    )(2.139)

    Uma trajetoria tpica e mostrada na gura 2.4.

    L

    rmaxrmin

    Figura 2.4: Orbita tpica deuma partcula em um poten-cial esferico. Note que a tra-jetoria da partcula esta con-nada em um anel, entre umraio mnimo e maximo, emum plano no espaco.

    Observando esta gura, podemos notar que a orbita da partcula esta connada entreum raio superior e um raio inferior. O raio externo e uma consequencia direta da energiada partcula, quando ela atinge este ponto sua velocidade e nula e toda a energia esta sobforma de energia potencial. O raio interno de pende do momento angular perpendiculara` trajetoria da partcula, ela nao pode se aproximar indenidamente do centro devidoa` chamada barreira centrfuga. Estes raios, inferior e superior sao solucoes da equacao:

  • 32 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    2[E (r)] L2/r2 = 0, onde L e o modulo do momento angular e E e a energia(negativa) da partcula).

    Como a partcula esta sujeita a um campo central, sua trajetoria esta contida emum plano no espaco usual. A orientacao deste plano e dada pelas duas componentes dovetor momento angular, denindo assim o plano orbital.

    A interpretacao destas integrais de movimento e clara: cada uma delas restringe oespaco (de fase) acessvel a` partcula. Integrais de movimento que connam a orbita deuma partcula sao chamadas integrais isolantes.

    No exemplo acima, nos determinamos quatro integrais de movimento, a energia e astres componentes do momento angular. A trajetoria de um corpo no potencial (2.139)pode ser determinado analiticamente resolvendo-se a equacao de movimento. A solucaogeral e dada por:

    1r

    = C cos( 0

    K

    )+ D , (2.140)

    onde C, D e K sao constantes. Estas constantes dependem da energia, modulo domomento angular e da massa M que aparece em (2.139). Observando a solucao (2.140),vemos que a constante 0 pode tambem ser expressa em termos de E, |L| e M alem dascoordenadas r e . Portanto, conclumos que 0 tambem e uma integral de movimento.

    Contudo, exceto em casos muito particulares, 0 nao restringe a orbita da partculae, portanto, nao e uma integral isolante. Na realidade, sempre que tivermos uma orbitaque e funcao das condicoes iniciais (e do tempo) dada pelas seguintes equacoes:

    x(t) = x(x0, v0, t) ; v(t) = v(x0, v0, t) , (2.141)

    podemos eliminar a variavel t e resolver as equacoes (2.141) e obter cinco funcoes inde-pendentes do tempo que sao, obviamente, constantes ao longo da trajetoria (logo, saointegrais de movimento).

    Somente serao integrais isolantes, as integrais de movimento que reduzem a dimensaodo espaco de fase acessvel a` partcula. As integrais nao isolantes, e claro, nao tem esteefeito de reducao.

    2.6.2 Teorema de Jeans

    Podemos expressar uma integral de movimento, I(x, v) da seguinte forma:

    ddt

    I [x(t), v(t)] = 0 , (2.142)

    onde a igualdade acima deve ser valida ao longo da orbita de qualquer partcula. Mas acondicao acima e a mesma que a condicao para que f seja uma solucao da equacao deBoltzmann nao colisional, Eq. (2.80), para um sistema estacionario (esta ultima condicaoe fundamental, pois somente assim f/t = 0).

    Vamos supor agora que a funcao de distribuicao f seja alguma funcao de n dasintegrais de movimento do sistema, f = f [I1(x, v), . . . , In(x, v)]. Entao temos:

    ddt

    f [I1(x, v), . . . , In(x, v)] =n

    j=1

    f

    Ij

    dIjdt

    = 0 , (2.143)

    onde derivamos por partes e a ultima igualdade vem da Eq. (2.142). Podemos entaoenunciar o Teorema de Jeans:

  • 2.7 Aplicacao do Teorema de Jeans 33

    Qualquer solucao da equacao de Boltzmann nao colisional e estacionariadepende apenas das integrais de movimento do sistema e qualquer funcaodas integrais de movimento e solucao estacionaria da equacao de Boltzmannnao colisional.

    A segunda assercao do Teorema de Jeans e a mais interessante para nos, pois nosgarante que qualquer funcao das integrais de movimento (como energia e momentoangular, por exemplo) e uma solucao valida da equacao de Boltzmann nao colisional paraum sistema em equilbrio estacionario. Podemos, entao, construir facilmente diversasfuncoes de distribuicao para estudar algum sistema gravitacional em equilbrio.

    Como vimos, um sistema gravitacional tem ate cinco integrais de movimento inde-pendentes [veja Eq. (2.141)]. Contudo existe uma versao mais restritiva do Teorema deJeans que diz o seguinte:

    Apenas integrais isolantes devem ser utilizadas para se construir uma solucaoda equacao de Boltzmann nao colisional e estacionaria. Para um sistema ondea maioria das orbitas sejam regulares (e nao caoticas), com frequencias inco-mensuraveis, a funcao de distribuicao de um sistema estacionario dependeraapenas de tres integrais isolantes.

    (para uma discussao mais aprofundada, veja D. Lynden-Bell, 1962, MNRAS 124, 1).Em outras palavras, as solucoes da equacao de Boltzmann nao colisional serao dadas

    por f(I1), f(I1, I2) ou f(I1, I2, I3), onde I1, I2 e I3 sao integrais isolantes do sistema.

    2.7 Aplicacao do Teorema de Jeans

    2.7.1 Sistemas esfericos

    Como ja vimos, um sistema esferico tem quatro integrais isolantes. Contudo, duas de-las (dois dos componentes do momento angular) servem apenas para denir o planoorbital da trajetoria no espaco. Se, alem disto, o sistema for isotropico em suas proprie-dades, entao nao deve haver uma direcao privilegiada. Isto signica que as funcoes dedistribuicao que descrevem tais sistemas podem ser expressas como f(E, |L|).

    Por simplicidade, vamos denir uma energia e um potencial relativos da seguinteforma:

    + 0 ; E + 0 = 12v2 , (2.144)

    Onde 0 e uma constante arbitraria e, em geral, escolhida de forma a que limr = 0.Para a maioria (mas nao todos) dos sistemas de interesse astrofsico, isto implica em0 = 0. Para os casos em que a massa do sistema diverge, pode ser mais convenienteutilizarmos a normalizacao de forma a obtermos limr = . Notemos ainda que opotencial psi e a energia sao denidas por unidade de massa. Utilizando e evitamosa utilizacao de numeros negativos. Com estas novas variaveis, a equacao de Poisson setorna:

    2(x) = 4G(x) . (2.145)Os modelos mais simples que podemos criar sao aqueles em que a funcao de dis-

    tribuicao depende apenas da energia, f = f() = f( v2/2). Em tais sistemas, a

  • 34 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    velocidade radial quadratica media, v2r e dada por:

    v2r =1

    fv2r d

    3v =1

    (r)

    f [ (v2r + v2 + v2)/2]v2r dvr dv dv , (2.146)

    integrando sobre todas as velocidades. Podemos, da mesma forma, calcular v2 , obtendo:

    v2 =1

    fv2 d

    3v =1

    (r)

    f [ (v2r + v2 + v2)/2]v2 dvr dv dv . (2.147)

    Comparando as equacoes (2.146) e (2.147), vemos que elas sao praticamente identicas,apenas o ndice que indica a componente da velocidade se altera. Isto signica quev2r = v2 e, pela mesma logica, v

    2 = v2.

    Em outras palavras as dispersoes de velocidades sao identicas e, portanto, parafuncoes de distribuicao que dependem apenas da energia, o tensor dispersao de velo-cidades e isotropico.

    Os casos mais interessantes correspondem aos sistemas auto-gravitantes, onde a den-sidade (r) =

    f() d3v gera o potencial, isto e, 2(r) = 4G f() d3v.

    2.7.2 Inversao da funcao de distribuicao

    Como ja vimos, a densidade e obtida pela integral sobre todas as velocidades dafuncao de distribuicao (ou densidade no espaco de fase). Para o caso de simetria esfericae isotropia do tensor de dispersao de velocidades isto signica:

    (r) =

    f() d3v = 4 20

    f()v2 dv , (2.148)

    onde o limite superior de integracao vem do fato que uma partcula nao pode ter energiacinetica maior do que sua energia total e que a partcula so esta ligada gravitacionalmenteao sistema se 0. Mas, por denicao, v2 = 2(). Fazendo uma mudanca de variaveisem (2.148), v , obtemos:

    (r) = 4 0

    f()

    2( ) d . (2.149)

    Para sistemas sicamente aceitaveis, (r) e uma funcao monotonica, d(r)/ dr 0.Portanto podemos sem ambiguidades escrever formalmente (r) = () e reescrever aequacao (2.149) como:

    () = 42 0

    f()

    d . (2.150)Derivando a equacao acima em relacao a vem:

    18

    d()d

    = 0

    f() d . (2.151)

    A equacao (2.151) e uma integral de Abel pode ser invertida, como ja zemos coma densidade de luminosidade e o brilho supercial na deprojecao deste. A solucao dainversao de Abel e:

    f() =182

    dd

    0

    d()d

    d , (2.152)

  • 2.7 Aplicacao do Teorema de Jeans 35

    ou, calculando a derivada em relacao a :

    f() =182

    [ 0

    d2()d2

    d +

    1

    (d()d

    )=0

    ]. (2.153)

    As duas formulas acima nos permitem obter a funcao de distribuicao de um sistemaesferico e isotropico cuja densidade e conhecida. Estas equacoes foram obtidas e aplica-das em astrofsica pela primeira vez por Eddington em 1916 e, por isto, sao chamadasformulas de Eddington.

    Devemos notar que, na formula de Eddington, nada nos garante que f 0 paraum par densidadepotencial dado. Apos determinarmos f desta maneira e necessariocerticar-mos que a funcao de distribuicao e realmente sempre positiva.

    2.7.3 Modelos esfericos e isotropicos

    Discutiremos agora alguns modelos esfericos e isotropicos aplicados a sistemas auto-gravitantes.

    Politropos

    Os politropos foram introduzidos por Emden, no nal do seculo xix, originalmente paradescrever a estrutura radial das estrelas. Este modelo e baseado em uma forma daequacao de estado que depende da densidade e da pressao:

    P (r) = K (r)1+1/n (2.154)

    onde K e n sao constantes e esta ultima e chamada ndice de politropo.Para compreender a necessidade de uma equacao de estado, tomamos como ponto

    de partida a equacao de equilbrio hidrostatico,

    1

    dPdr

    =ddr

    . (2.155)

    Substitumos agora a equacao de equilbrio hidrostatico na equacao de Poisson, elimi-nando o potencial :

    1r2

    ddr

    (r2

    dPdr

    )= 4G . (2.156)

    Finalmente, basta substituir a pressao na equacao acima pela equacao de estado dopolitropo para obtermos uma equacao diferencial de segundo grau para :

    1r2

    ddr

    (r2

    d[K (r)1+1/n]dr

    )= 4G . (2.157)

    Este equacao se simplica com a seguinte mudanca de variaveis:

    = n , (2.158)

    onde o signicado da constante e da variavel serao identicados logo abaixo. Assim,obtemos:

    1r2

    ddr

    (r2

    ddr

    )= 4G

    11/n

    (n+ 1)Kn . (2.159)

  • 36 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    A equacao diferencial acima e chamada equacao de LaneEmden.Voltando a`s equacoes de estado (2.154) e de equilbrio hidrostatico (2.155), temos:

    K

    d1+1/n

    dr=

    ddr

    1/n1

    = n(1 + n)K

    , (2.160)

    que pode ser resolvida imediatamente resultando em:

    () =1

    [(n+ 1)K]nn . (2.161)

    Comparando as equacoes (2.158) e (2.161) podemos identicar [(n+ 1)K]n e . Podemos dizer entao que um politropo obedece a relacao n.

    Uma vez que temos em funcao do potencial, podemos utilizar a formula de Ed-dington, Eq. (2.153), para obtermos a funcao de distribuicao, resultando em:

    f() =1

    (2)3/2(n+ 1)

    [(n+ 1)K]n(n 12 )n3/2 . (2.162)

    Para que esta funcao de distribuicao seja aceitavel sicamente, n > 1/2.Resta-nos agora resolver a equacao de Emden (2.159) para obtermos o potencial e a

    densidade em funcao do raio. Para n > 3 os politropos tem uma solucao singular (istoe, que divergem na origem) da forma:

    (r) = r ; (n > 3) (2.163)

    onde as constantes e sao obtidas substituindo (2.163) em (2.161) e, em seguida,substituindo o potencial na equacao de Emden. Obtemos assim:

    =(

    K

    2G(n+ 1)(3 n)

    1 n)2) n

    n1; =

    2n1 n . (2.164)

    As solucoes nao singulares analticas so existem para tres casos particulares: n = 1,n = 5 e n . O primeiro caso nao e de grande interesse para descrever sistemasestelares gravitacionais; o caso n = 5 e mais interessante pois descreve aproximadamenteo perl de densidade de aglomerados globulares. Neste caso a solucao e dada por:

    (r) =0[

    1 +(

    rrc

    )2]5/2 . (2.165)

    Este perl de densidade recebe o nome de modelo de Plummer (quem primeiro aplicou-o para problemas astrofsicos) ou modelo de Schuster (quem primeiro deduziu estasolucao).

    O potencial gerado pelo modelo de Plummer e da forma:

    (r) =0

    1 +(

    rrc

    )2 . (2.166)

  • 2.7 Aplicacao do Teorema de Jeans 37

    Esfera isotermica

    Quando tomamos o limite n, a equacao de estado do politropo se torna:P (r) = K (r) . (2.167)

    Esta e conhecida como a equacao de estado de um gas isotermico, onde podemos iden-ticar K = kT/m (k e a constante de Boltzmann e m a massa de uma partcula). Aequacao de equilbrio hidrostatico para tal gas e dada por:

    dP (r)dr

    =kT

    m

    d(r)dr

    = (r)GM(r)r2

    . (2.168)

    Multiplicando ambos os lados da equacao acima por r2m/(kT ) e derivando emrelacao a r, obtemos uma equacao diferencial de segundo grau:

    ddr

    (r2

    d ln(r)dr

    )= Gm

    kT4 r2 (r) . (2.169)

    Vamos supor agora um sistema descrito pela seguinte funcao de distribuicao:

    f() =

    (22)3/2e/

    2 , (2.170)

    onde e sao constantes arbitrarias. A densidade que corresponde a esta funcaode distribuicao e orbita integrando-a sobre todas as velocidades. Utilizando a simetriaesferica, temos:

    =4

    (22)3/2

    vmax0

    exp(/2) v2 dv (2.171)

    Realizando uma mudanca de variaveis, = + v2/2, podemos integrar a expressaoacima, obtendo a densidade em funcao do potencial:

    () =2

    e/2

    (32,v2max22

    ). (2.172)

    Voltando a` funcao de distribuicao, notamos que ela e valida para qualquer energiae, portanto, nao ha limite para o espaco de velocidades. Em outras palavras, devemostomar o limite v para obtermos a densidade. Pelas propriedades da funcao gamatemos:

    limv

    (32,v2max22

    )=

    (32

    )=

    2. (2.173)

    Portanto a densidade em funcao do potencial se resume a:

    () = e/2 . (2.174)

    A equacao de Poisson para este perl de densidade e:

    1r2

    ddr

    (r2

    ddr

    )= 4G d

    dr

    (r2

    d lndr

    )= 4G

    2r2 . (2.175)

    Comparando a Eq. (2.169) com a Eq. (2.175) vemos que elas sao formalmenteidenticas se 2 = kT/m. Conclumos que a estrutura de uma esfera isotermica e identica

  • 38 Captulo 2. Sistemas em Equilbrio

    a um sistema gravitacional nao colisional isotropico (onde a funcao de distribuicao de-pende apenas da energia).

    Uma solucao possvel da equacao (2.175) e dada por:

    (r) =2

    2G1r2

    (2.176)

    Este perl e conhecido como esfera isotermica singular. Solucoes nao singulares, ondea densidade central e nita, existem mas nao sao analticas e devem ser calculadasnumericamente. O comportamento assimptotico da esfera isotermica (singular ou nao)para r e sempre (r) r2; isto signica que a massa total deste modelo e innita.

    A velocidade media quadratica (igual a` dispersao de velocidades) e calculada por:

    v2 =1

    0

    f(r, v)v2 d3v = 32 , (2.177)

    isto e, a dispersao de velocidades e constante (logo, isotermica).

    Modelo de MichieKing

    Ja no comeco dos anos 60 foi notado que a funcao de distribuicao da esfera isotermicapoderia ser truncada em energia, de modo a ter um comportamento similar a` esferaisotermica na regiao de energias elevadas (isto e, no centro) e, ao mesmo tempo, ter umamassa nita. Michie em 1963 e King em 1966 propuseram a seg