Os Portugueses e as Cruzadas (Séculos XII-XIV)

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    FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

    - Mestrado em Histria Medieval e do Renascimento -

    Os Portugueses e as Cruzadas(Sculos XII-XIV)

    Pedro Nuno Medeiros de Henriques

    Porto2011

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    FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

    Os Portugueses e as Cruzadas

    (Sculos XII-XIV)

    Pedro Nuno Medeiros de Henriques

    Dissertao de Mestrado em Histria Medieval e do Renascimento

    Orientadora: Paula Maria de Carvalho Pinto Costa

    Porto2011

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    A imagem presente na capa foi retirada de:http://maisencanto.blogspot.com/2008/12/cruzada-na-pennsula-ibrica.html, (16-06-2011).

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    Sumrio

    Agradecimentos ................................................................................................................. 4

    Introduo Questes Metodolgicas ...................................................................................................... 5O Tema .............................................................................................................................. 10

    Captulo I O Fenmeno Cruzadstico como expresso da Sociedade Medieval .............. 15

    1. O impacto da religio na vida social medieval ........................................................... 162. A Cruzada um elemento reformador ao servio da Santa S ................................. 20

    3. A aceitao da violncia por parte da Igreja .............................................................. 25

    Captulo II Os Cruzados em Portugal .............................................................................. 29

    1. A conquista de Lisboa e Almada (1147) ..................................................................... 29

    2. A captura de Alvor e Silves (1189) .............................................................................. 463. A tomada de Alccer do Sal (1217) ............................................................................. 60

    Captulo III A participao portuguesa no Oriente, principal foco do conflito .................... 73

    1. A actuao portuguesa no Oriente Latino (1095-1291) .............................................. 74

    2. A interveno portuguesa no Mediterrneo Oriental (1291-1400) .......................... 106

    Concluso ....................................................................................................................... 122

    Fontes e Bibliografia Fontes impressas ............................................................................................................. 125Bibliografia citada ............................................................................................................. 127Endereos electrnicos utilizados .................................................................................... 131Anexos (documentos, galeria de imagens e mapas) ................................................... 134

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    Agradecimentos

    A realizao desta dissertao de mestrado s foi possvel graas adeterminadas pessoas que prestaram um contributo indispensvel para que amesma chegasse a bom porto.Em primeiro lugar, sinto-me eternamente grato Prof. Dra. Paula Pinto Costaque demonstrou uma total disponibilidade, assegurando uma orientao, atodos os nveis, perfeita. Tambm devo agradecer ao Prof. Dr. Mrio Barrocaque, embora no tendo a honra de privar com ele, facultou-me um ou outrolivro de extrema importncia para a minha investigao.Numa vertente mais sentimental, dedico esta investigao a todos os meusfamiliares (avs, pais e irm), realando sobretudo o papel da minha avmaterna, Gracinda, que sempre me incentivou, acreditando nas minhascapacidades.

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    Introduo

    Questes Metodolgicas

    O tema seleccionado para esta dissertao visa o estudo da participaoportuguesa no mbito das Cruzadas no Oriente entre os sculos XII e XIV, nodeixando de equacionar a colaborao que os cruzados deram em territrioportugus. A nossa determinao em realizar semelhante abordagem deve-se aointeresse especial que nutrimos por este fenmeno que deixou uma influnciamarcante na histria poltica e militar da Idade Mdia.

    A investigao em curso compreende limitaes temporais e espaciais quemerecem ser discriminadas. A baliza cronolgica estende-se desde 1095, ano do lanamento da PrimeiraCruzada, at 1400, de forma a evitar a entrada no sculo XV que assinalaria apresena volumosa de portugueses em outros espaos habitadosmaioritariamente por infiis, como eram os casos de Marrocos e ndia. Duranteeste longo perodo, que alberga praticamente trs sculos de vivncias,

    testemunharemos o impacto das iniciativas cruzadsticas na ReconquistaPortuguesa, bem como a participao de aventureiros lusitanos no Levante.Relativamente aos espaos geogrficos privilegiados nesta abordagem,destacamos o reino de Portugal, espao no-alheio ao fenmeno da Cruzada,mas tambm os diversos territrios localizados a Oriente que acolheramindivduos do ocidente peninsular: os estados latinos do Levante (Jerusalm, Antioquia, Tripoli e Edessa), o Imprio Bizantino, as ilhas do Mediterrneo

    Oriental (Rodes e Chipre), o Egipto, a Sria, o Imprio Mongol e os domniosturcos.Estruturalmente, a nossa dissertao constituda por: uma introduotemtica, onde recordaremos o lanamento da Primeira Cruzada a partir doclebre conclio de Clermont, trs captulos que incorporam a seco dedesenvolvimento do tema. No primeiro, analisaremos o contexto e osantecedentes deste movimento militar cristo; no segundo, teremos em conta,

    o contributo dos cruzados em trs campanhas inseridas na reconquistaportuguesa; no derradeiro, observaremos a actuao de portugueses que

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    contriburam para a causa do Ultramar. Por fim, elaboramos ainda umaconcluso, na qual iremos ressalvar as principais ideias retiradas deste estudo.Por motivos bvios, disponibilizamos tambm a listagem das fontes, dabibliografia e dos endereos electrnicos utilizados e ainda os anexos que

    sero preenchidos com mapas, passagens de textos cronsticos e imagens.No que diz respeito investigao efectuada por outros autores sobre estatemtica, podemos afirmar que perduram estudos de extrema importncia,embora separados e, cujo objecto de anlise radica apenas em algumasvertentes da nossa investigao.Num primeiro lote de referncias bibliogrficas, encontramos obras queabordam, de forma pormenorizada ou sucinta, os sucessos das tropas luso-

    cruzadas diante dos sarracenos do Gharb al-ndalus.Neste campo, deparamo-nos com livros que visam a captura de Lisboa, em1147. De imediato, comeamos por destacar a obra Conquista de Lisboa -1147. A cidade reconquistada aos Mouros 1 da autoria de Pedro GomesBarbosa. Trata-se de um estudo completo, actualizado e totalmentedireccionado para as incidncias que rodearam o cerco daquela praa. Assimsendo, o referido historiador no ignora o contexto referente chegada doscruzados, a caracterizao da frota e exrcito cristo, o armamento utilizado(de carcter defensivo ou ofensivo) e as estratgias militares concebidas nodecurso do assdio. A sua credibilidade sai ainda mais reforada, pois possuium pleno conhecimento sobre as informaes contidas nas diversas fontescrists que descrevem a campanha diante de Lisboa. Por seu turno, JosMattoso, na biografia de D. Afonso Henriques2 , dedica cerca de 12 ou 13pginas tomada de Lisboa. Estamos perante uma anlise sucinta mas bemelaborada. A obra deste erudito adquire protagonismo por solidificar a teoria deque a chegada das foras estrangeiras no foi fruto do acaso, mas sim deprvias negociaes que envolveram a figura clebre de So Bernardo deClaraval. A aco sbia e determinante do primeiro rei portugus durante amencionada campanha tambm devidamente assinalada. Decerto, existirooutros estudos sobre a conquista de Lisboa mas estas duas abordagens, maisrecentes, mereceram da nossa parte, uma considerao especial, a par das

    1 BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros. Lisboa:Tribuna da Histria, 2004.

    2 MATTOSO, Jos - D. Afonso Henriques. Mem Martins: Crculo de Leitores, 2006, p. 167-179.

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    fontes sobre este conflito como veremos de seguida.Infelizmente, a propsito dos sucessos verificados em Silves (1189) e em Alccer do Sal (1217), a bibliografia existente, com rigor cientfico, muito maisreduzida at ao ponto de ser praticamente nula. Mesmo assim, conseguimos

    aceder s biografias de D. Sancho I 3

    , de Maria Joo Violante Branco, e de D. Afonso II 4, de Hermnia Vilar. Ambos os contributos so determinantes, poisprocedem contextualizao da campanha, exposio das suas incidnciase discriminao das ocorrncias vislumbradas no ps-conquista.Em relao actuao de portugueses no Oriente, temos quatro artigos,redigidos por especialistas estrangeiros, que se encontram em As OrdensMilitares e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e o Oriente , Actas do V

    Encontro sobre Ordens Militares5

    . Estes pequenos estudos cobrem perodoscronolgicos distintos e normalmente limitados, considerando apenas osindivduos que, conectados com determinadas ordens militares, estiveram na sia Menor. Em concreto, num plano superior, observamos o Contrasoldanum de Coine ou la contribution des Templiers portugais la dfense dela Syrie franque6 de Pierre-Vincent Claverie e The Hospitallers of Rhodes andPortugal: 1306-1415 7 de Anthony Luttrell. O primeiro aborda, de forma concisa,a participao de templrios portugueses no Oriente. Para alm disso, Pierre-Vincent Claverie baseia-se em fontes levantinas que raramente assinalam aorigem exacta dos guerreiros ibricos presentes na Terra Santa 8. O artigo de Anthony Luttrell assinala a existncia de alguns hospitalrios portugueses noMediterrneo Oriental, aquando das cruzadas tardias. Este investigadorprivilegia muito as contextualizaes em detrimento da visibilidade dosparticipantes lusitanos. Todavia, fornece dados de maior importncia relativoss contribuies monetrias (responsiones) enviadas para o Oriente, de forma

    3 BRANCO, Maria Joo Violante - D. Sancho I . Mem Martins: Crculo de Leitores, 2006, p. 118-141.4 VILAR, Hermnia Vasconcelos - D. Afonso II . Mem Martins: Crculo de Leitores, 2005, p. 125-149.5 As Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e o Oriente - Actas do V encontro sobre

    Ordens Militares. Coord. Isabel Cristina F. Fernandes. Palmela: Cmara Municipal de Palmela/GESOS,2009.

    6 CLAVERIE, Pierre-Vincent -Contra soldanum de Coine ou la contribution des Templiers portugais la dfense de la Syrie franquein As Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e oOriente - Actas do V encontro sobre Ordens Militares, p. 399-412.

    7 LUTTRELL, Anthony -The Hospitallers of Rhodes and Portugal: 1306-1415 in As Ordens Militares eas Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e o Oriente - Actas do V encontro sobre Ordens Militares, p.

    463-477.8 CLAVERIE, Pierre-Vincent -Contra soldanum de Coine ou la contribution des Templiers portugais la dfense de la Syrie franquein As Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e oOriente - Actas do V encontro sobre Ordens Militares, p. 399-412.

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    a promover a defesa dos interesses cristos naquele espao longnquo 9. Numsegundo plano, encontramos os artigos de Carlos de Ayala Martnez - La presencia de las rdenes Militares castellano-leonesas en Oriente: valoracinhistoriogrfica10 - e de Philippe Josserand - Et succurere Terre sancte pro

    posse: les Templiers castillans et la dfense de l'Orient latin au tournant des XIII et XIV sicles11. O historiador espanhol dedica uma ateno especial figura de Paio Peres Correia, enquanto que o segundo chega a demonstraralgumas dvidas quanto s razes de alguns templrios que podero remontara Castela, a Portugal ou a outro reino hispnico. A consulta destes pequenosestudos torna-se indispensvel, pois os seus autores usufruram da pesquisaem bibliotecas e arquivos estrangeiros.

    Para alm da bibliografia mencionada, recorremos ainda a fontes que nospossibilitem a obteno de mais informaes. Na temtica em questo,proliferam os relatos cronsticos12 que conhecem nveis variados depormenorizao. A caracterstica mais comum destes textos , sem dvida, aparcialidade demonstrada. Dentro deste contexto, os testemunhos cristoslouvam sempre as aces dos defensores da Cruz, procedendo ainda a umadescrio mais detalhada das incidncias que envolveram as suas tropas. Porsua vez, os cronistas do Islo tm uma posio semelhante, emborafavorecendo o desempenho dos seguidores de Maom. Apesar destacontrariedade, estas fontes revelam-se essenciais, pois fornecem a viso dehomens que testemunharam tais acontecimentos ou elaboraram o seu prpriorelato nos sculos posteriores, embora no tenham presenciado as ocorrncias

    9 LUTTRELL, Anthony -The Hospitallers of Rhodes and Portugal: 1306-1415 in As Ordens Militarese as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e o Oriente - Actas do V encontro sobre Ordens Militares, p. 463-477.

    10 AYALA MARTNEZ, Carlos de - La presencia de las rdenes Militares castellano-leonesas enOriente: valoracin historiogrfica in As Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidentee o Oriente - Actas do V encontro sobre Ordens Militares, p. 49-72.

    11 JOSSERAND, Philippe - Et succurere Terre sancte pro posse: les Templiers castillans et la dfense del'Orient latin au tournant des XIII et XIV siclesin As Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria entreo Ocidente e o Oriente - Actas do V encontro sobre Ordens Militares, p. 413-434.

    12 As crnicas que ocuparam um lugar de destaque na nossa investigao foram as seguintes:BRANDO, Antnio - Monarquia Lusitana. 8 vols. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda,1974;Crnica de Portugal de 1419. Ed. Adelino de Almeida Calado. Aveiro: Universidade de Aveiro,1998; DAVID, Charles Wendell - Narratio De Itinere Navali Peregrinorum Hierosolymam Tendentium Et Silviam Capientium, A. D. 1189 in Proceedings of the American Philosophical Society. Vol. 81.Filadlfia: [The American Philosophical Society held at Philadelphia ou Lancaster Press], 1939;GABRIELI, Francesco -Chroniques arabes des Croisades. Trad. de Viviana Pques. 2 ed. Arles:

    Sindbad, 1996; NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado.Lisboa: Vega, 2001; OLIVEIRA, Augusto de -Conquista de Lisboa aos mouros (1147). Narraes pelos cruzados Osberno e Arnulfo, testemunhas presenciais do cerco. 2 ed. Lisboa: S. Industriais daC.M.L., 1936.

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    referidas. Ao longo da dissertao, faremos sempre meno aos textosmedievais utilizados e, sempre que possvel, efectuaremos a sua devidacaracterizao, tendo em conta a pertinncia de cada testemunho. As inscries epigrficas, publicadas na dissertao de doutoramento de Mrio

    Barroca - Epigrafia Medieval Portuguesa (862-1422)13

    , fornecem tambmdados cruciais que no podem ser ignorados. Mesmo assim, alertamos para apossibilidade destas conterem factos improvveis destinados a engrandecerdeterminadas personalidades.Exposto isto, procederemos recolha de todas estas informaes que seencontram dispersas em documentos, inscries, livros e artigos, procurandosimultaneamente estabelecer as relaes necessrias entre os diversos

    elementos. A realizao desta dissertao respeita ainda determinadas opesmetodolgicas. Assim sendo, optamos por privilegiar os contextos que, por umlado, propiciaram a chegada dos contingentes cruzados a Portugal, enquantoque, por outro, atraram ou desencorajaram a presena portuguesa no Oriente. A elaborao do cenrio, no qual ocorrem os acontecimentos, uma tarefaimprescindvel que no ousamos olvidar.Os dicionrios so tambm ferramentas essenciais, pois viabilizam acompreenso de inmeros textos. Com o intuito de garantir uma anliserigorosa das fontes medievais portuguesas, recorremos ao Elucidrio das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram 14 deJoaquim de Santa Rosa de Viterbo.Na parte correspondente s campanhas realizadas em Portugal, decidimosdefinir meticulosamente as mquinas de guerra utilizadas, clarificando assimas funes das mais diversas estruturas documentadas na guerra de cerco,cuja predominncia foi visvel na Idade Mdia15. Para alm do armamentousufrudo, tambm os estratagemas militares sero tidos em conta.No que se refere participao portuguesa nas Cruzadas a Oriente, alertamospara as suas diversas modalidades levadas a efeito. Obviamente que no

    13 BARROCA, Mrio Jorge - Epigrafia Medieval Portuguesa (862-1422).4 vols. Porto: FundaoCalouste Gulbenkian, 2000.

    14 VITERBO, Joaquim de Santa Rosa de - Elucidrio das palavras, termos e frases que em Portugalantigamente se usaram.ed. crtica de Mrio Fiza. 2 vols. Porto/Lisboa: Livraria Civilizao, 1966.

    (Este dicionrio expe apenas vocbulos que, embora em desuso na actualidade, predominaram nasescrituras mais remotas).15 MONTEIRO, Joo Gouveia - Entre Romanos, Cruzados e Ordens Militares. Ensaios de Histria

    Militar Antiga e Medieval.Coimbra: Salamandra, 2010, p. 203.

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    centraremos a nossa investigao apenas nos indivduos que estiveram acombater ou desempenhar funes no Ultramar. De facto, curioso assinalarque qualquer pessoa podia efectuar a sua contribuio sem ter a necessidadede rumar Terra Santa. Neste campo de actuao, entram, como exemplos, as

    doaes e as recolhas de fundos que a partir de Portugal eram canalizadaspara a causa do Levante. Por isso, no podemos ignorar esta questo dendole financeira, mesmo que a nossa ateno recaia especialmente noselementos que vivenciaram as ocorrncias do Oriente.Nesta investigao, procuraremos reunir indivduos de naturalidadeportuguesa, cuja actuao foi relevante. Contudo, a ausncia de informaoem tempos to recuados um obstculo que dificulta a misso de qualquer

    medievalista. Assim sendo, decidimos incluir determinados indivduos que,embora as fontes no esclaream as suas razes geogrficas, podem serportugueses. Por outro lado, incorporamos, nesta abordagem, homens denascimento estrangeiro que estabeleceram uma ligao marcante com o reinoportugus, onde se evidenciaram. Estas duas situaes correspondem a umaminoria que ser devidamente assinalada no decurso do nosso estudo. As biografias dos participantes portugueses encontram-se inseridas em nota derodap, evitando uma extenso exagerada da nossa dissertao, e obedecema algumas normas. Em primeiro lugar, os factos privilegiados dizem respeito svivncias que foram anteriores e posteriores contribuio de cada um delesno fenmeno cruzadstico. A sua aco em prol da causa do Oriente pode ser j observada em texto corrente, na medida que constitui o domnio central.Estas notas biogrficas so ainda acompanhadas pelas fontes e bibliografiaque nos facultaram a juno dos mais diversos dados relativos a cadaparticipante.

    O Tema

    Se tivermos em considerao o contexto histrico em que foi proclamada aPrimeira Cruzada, melhor compreenderemos a actuao portuguesa no mbitodeste fenmeno de cariz religioso-poltico.O Conclio de Clermont, cujas sesses foram realizadas entre 18 e 28 de

    Novembro de 1095, assinalou o surgimento dum novo fenmeno - a Cruzada.Segundo a tradio, nessas reunies estiveram presentes cerca de 300

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    clrigos, para alm do prprio pontfice - Urbano II. Reafirmou-se a o combatecontra a investidura laica, a simonia e o casamento clerical. Entretanto, o Papaconvocou uma sesso pblica, marcada para 27 de Novembro, com o intuitode fazer um anncio importante. De imediato, as multides clericais e laicas

    procuraram comparecer diante do Sumo Pontfice de forma a ouvir adeclarao que este prometera realizar.De acordo com Steven Runciman, o trono papal tinha sido colocado sobre uma plataforma em campo aberto do lado de fora da porta oriental da cidade 16 ; e foia que, quando os inmeros fiis se reuniram, Urbano se ergueu e se lhesdirigiu. Este comeou o seu discurso com um apelo aos ouvintes - eranecessrio auxiliar a Cristandade Oriental que atravessava um perodo muito

    conturbado17

    . Com efeito, a entrada dos Turcos Sejlcidas no Prximo Oriente,por meados do sculo XI, quebrou o equilbrio at ento existente naquelaregio. Os seus grandes xitos militares so inegveis. Suplantaram os califasabssidas, impuseram uma estrondosa derrota ao exrcito bizantino na batalhade Manzikert (1071) e conquistaram ainda Jerusalm e a Sria aos fatmidas doEgipto18. Aleixo I Comneno era, desde 1081, o imperador bizantino. Tratava-se dumadas figuras mais prestigiosas do Oriente. No entanto, tem conscincia dosperigos que o seu Imprio enfrenta19. Para alm dos problemas suscitados peloavano turco20, tambm o prprio exrcito bizantino encontra-se dilaceradodesde h anos por crises internas. Todavia, Aleixo tem ainda um trunfo quepode aplicar quando quiser - o recurso a mercenrios estrangeiros. A escassezde soldados experimentados nas hostes imperiais era, de facto, uma realidadee, por isso, qualquer contingente constitudo por auxiliares estrangeiros seriabem recebido em Constantinopla21.

    16 RUNCIMAN, Steven - Histria das Cruzadas. Trad. de Maria Margarida Morgado. 2ed. Vol. I.Lisboa: Livros Horizonte, 1992, p.92.

    17 RUNCIMAN, Steven - Histria das Cruzadas. Vol. I, p.92.18 HERRERA, Mercedes e outros -Grande Histria Universal. Trad. Joo Reis Ribeiro. Vol. XI - A

    Idade Mdia (II). Alfragide: EDICLUBE, [2006], p. 60.19 MAALOUF, Amin - As Cruzadas vistas pelos rabes. Trad. de G. Cascais Franco. 15 ed. Lisboa:

    DIFEL, 2008, p.18-19, 24-25. (Observe-se tambm: GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado,Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII. Madrid: Ctedra, 1995, p. 57-58).

    20 Segundo Riley-Smith, o avano turco originou no s a queda da maioria das provncias orientais doImprio Bizantino como as distncias em relao capital, Constantinopla, foram encurtadas. (ver:

    RILEY-SMITH, Jonathan -The atlas of the crusades. Londres: Times Books, 1991, p.21). Maaloufassinala mesmo que Niceia (agora nas mos dos turcos) ficava a menos de 3 dias de distncia emrelao a Constantinopla. (ver: MAALOUF, Amin - As Cruzadas vistas pelos rabes, p.18).

    21 MAALOUF, Amin - As Cruzadas vistas pelos rabes, p.18-19.

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    Dentro deste contexto, os bizantinos pediro auxlio militar ao Ocidente,enviando assim uma embaixada ao Papa Urbano II 22. No ms de Maro de1095, realiza-se com este objectivo, o clebre conclio de Piacenza 23.Regressando de novo ao discurso proferido por Urbano II em Clermont,

    observamos de imediato que o Pontfice se mostra ento solidrio com os seusirmos do Oriente. Com o intuito de convencer as massas a seguirem amesma linha de ideias, argumentava que os turcos maltratavam os habitantes,desrespeitavam os santurios cristos e ameaavam a estabilidade dequalquer territrio onde a f de Cristo predominasse. Tambm a sacralidadeespecial de Jerusalm, bem como os ataques de que eram alvo os peregrinosque se deslocavam sem segurana Terra Santa foram outros propsitos

    utilizados para persuadir os fiis a pegar em armas contra os inimigos daCristandade.Depois de ter pintado um cenrio terrivelmente sombrio, fez o seu grande apelo- a Cristandade Ocidental tinha que marchar sobre o Oriente para o salvar.Urbano possua, sem dvida, o dom de grande orador e no seria de estranharque os ouvintes tivessem aderido desde logo ao chamamento papal. Reza atradio que, por vrias ocasies, o discurso do Pontfice foi interrompido comgritos de "Deus le volt" (" a vontade de Deus")24. E aps ter finalizado o seuacto discursivo, muitos bispos tomaram imediatamente a cruz, seguidosposteriormente por um nmero considervel de prncipes laicos25.De facto, a mensagem de Urbano II, tambm difundida pelos legados papais 26,atrair homens e mulheres com provenincias geogrficas diversas.Escoceses, Dinamarqueses, Castelhanos, Franceses, Bolonheses, Flamengos, Alemes, Genoveses e Ingleses iro, por exemplo, participar nesta guerrasagrada de forma a recuperar os lugares santos, ocupados pelos infiis27 . Avaliar a participao dos portugueses no movimento cruzado, bem como oscontornos de que se revestiu a sua aco no Oriente constituem as questes

    22 RILEY-SMITH, Jonathan -The atlas of the crusades, p.21.23 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p.52-

    53.24 RUNCIMAN, Steven - Histria das Cruzadas. Vol. I, p.92-95.25 NICHOLAS, David - A Evoluo do Mundo Medieval. Sociedade, Governo e Pensamento na

    Europa:312-1500.Trad. de Ana Margarida Gomes Soares. Mem Martins: Publicaes Europa-

    Amrica, 1999, p. 293.26 HERRERA, Mercedes e outros -Grande Histria Universal.Vol. XI - A Idade Mdia (II), p. 60.27 RUNCIMAN, Steven - Histria das Cruzadas. Vol. I, p.92-95. (Veja-se tambm: MATTOSO, Jos -

    D. Afonso Henriques, p. 60).

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    para as quais esperamos encontrar, ao longo da nossa investigao, asrespostas mais adequadas, embora a documentao seja muito parcimoniosa.Uma outra linha fundamental do nosso estudo est relacionada com aapresentao da definio do conceito de Cruzada. Segundo James Powell,

    este fenmeno toca em variadssimos aspectos da histria, desde a guerra poltica e economia, passando pela diversidade religiosa e cultural. Sabemosque desde o sculo XI at ao XVII, a ideia de Cruzada esteve bem presente nahistria do pensamento europeu. Na era moderna, o termo Cruzada jcarregava uma considervel bagagem histrica, tornando assim difcil qualquertarefa de definio28. Inclusivamente, o termo continua a revestir-se de enormeutilidade, sendo usado com frequncia mesmo actualmente.

    Assim sendo, recorremos ao especialista Jonathan Riley-Smith, de forma aencontrarmos as principais caractersticas identificadoras deste fenmeno. Deacordo com aquele historiador, as Cruzadas foram guerras santas que sedirigiam contra os inimigos externos ou internos da Cristandade com o intuitode recuperar os to desejados lugares sagrados. Os inimigos a abater seriammuulmanos, eslavos pagos, cristos ortodoxos (gregos e russos), hereges(ctaros, bogomilos e hussitas) e adversrios polticos do Papado.Naqueles tempos, as pessoas acreditavam que as Cruzadas eram autorizadaspelo prprio Jesus Cristo, visto que tinham sido lanadas pelo seu porta-vozterreno, ou seja, o Papa 29.Estes conflitos sagrados foram ento travados no Prximo Oriente, naPennsula Ibrica, no Norte de frica, na regio Bltica, na Europa de Leste ena Europa Ocidental. De entre todas estas Cruzadas, devemos salientar queas que visavam libertar ou defender Jerusalm seriam tidas em especialconsiderao. Por seu turno, o al-Andalus foi encarado, por diversos papas,como o contraponto ocidental da Palestina , sendo assim a Hispnia vista como

    28 POWEL, James M. - The crusades: an introduction in The Crusades: an encyclopedia. Ed. AlanMurray. Vol. I. Santa Barbara: ABC-CLIO, 2006, p. xliii.

    29 RILEY-SMITH, Jonathan -The atlas of the crusades, p. 23. Num outro trabalho seu, intituladoWhatwere the crusades?,Riley-Smith salienta que os elementos mais activos da Guerra Santa associavamconstantemente Deus com o curso de alguns acontecimentos polticos no mundo. As aces blicas podiam ser encaradas como um procedimento positivo em conformidade com os desejos divinos.Como exemplo, temos o Papa Inocncio III que via a Cruzada como uma empresa que estaria em

    concordncia com a vontade de Cristo. Este Pontifex considerava que aqueles que auxiliassem osmuulmanos, estavam a desrespeitar os interesses do povo cristo e do prprio Messias. (RILEY-SMITH, Jonathan -What were the crusades? 2ed. Londres:The MACMILLAN Press LTD, 1992, p.8, 24).

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    um segundo Ultramar 30 . Apesar de no se encontrarem a os lugares santos (oque justifica um simbolismo menor deste palco de guerra em comparao como do Levante), a verdade que nunca deixou de merecer uma ateno sria evigilante por parte de variados pontfices31.

    A atribuio de indulgncias por parte da Santa S aos participantes umoutro marco identificador deste movimento cuja importncia no pode serignorada. Alis, o sinal de que muitas vezes estava a ser pregada umaCruzada estava relacionado com a concesso de indulgncias que seriamiguais quelas que eram garantidas aos cruzados que se destinassem aJerusalm 32.Tambm ser no mbito do fenmeno cruzadstico que nascero as ordens

    militares, nicas pela combinao de funes at ento opostas: aespiritualidade monstica e as actividades guerreiras. Estes institutos queprestam obedincia S de Pedro 33, no sero de modo algum ignorados nanossa abordagem. Com este minucioso estudo, pretendemos, por um lado,demonstrar que o territrio portugus, tal como outros espaos do LesteEuropeu e da sia Menor, no foi alheio ao fenmenos das cruzadas 34,enquanto que, por outro lado, desejamos contrariar a noo duma participaopraticamente nula e insignificante por parte de portugueses no principal foco doConflito - o Oriente.

    30 FERNANDES, Hermenegildo - D. Sancho II . Mem Martins: Crculo de Leitores, 2006, p. 48, 135;RILEY-SMITH, Jonathan -The atlas of the crusades, p. 23, 32; MATTOSO, Jos - D. Afonso Henriques, p. 62; VELOSO, Maria Teresa Nobre - D. Maurcio, monge de Cluny, bispo de Coimbra, peregrino na Terra Santa. Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Jos Marques. vol. 4. Porto:Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, p. 131.

    31 FERNANDES, Hermenegildo - D. Sancho II , p. 48, 135; RILEY-SMITH, Jonathan -The atlas of thecrusades, p. 23, 32; MATTOSO, Jos - D. Afonso Henriques, p. 62; VELOSO, Maria Teresa Nobre - D. Maurcio, monge de Cluny, bispo de Coimbra, peregrino na Terra Santa. Estudos de Homenagemao Professor Doutor Jos Marques. vol. 4, p. 131. Esta questo encontra-se directamente relacionadacom as diversas perspectivas existentes sobre o movimento cruzado. Dentro deste contexto, JonathanRiley-Smith aponta para a existncia de historiadores pluralistas que possuem uma viso mais larga dofenmeno, e como tal, no tm s em conta os movimentos que se dirigem Terra Santa. A esta perspectiva, opem-se os tradicionalistas que optam por uma abordagem mais restrita, encarandoapenas como cruzadas, as movimentaes destinadas ao Oriente. (RILEY-SMITH, Jonathan -TheCrusading Movement and Historians in The Oxford History of the Crusades. Dir. Jonathan Riley-Smith. Oxford: Oxford University, 2002, p. 9-14).

    32 RILEY-SMITH, Jonathan -The atlas of the crusades, p.23.

    33 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p.16.34 Como observaremos, Portugal tambm atraiu a participao dum nmero nada subestimvel decruzados de diversas nacionalidades. No entanto, cremos que a sia Menor e o Leste Europeu tenhamfavorecido uma presena mais frequente por parte dos guerreiros de Cristo.

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    Captulo I - O Fenmeno Cruzadstico como expresso daSociedade Medieval

    Antes de abordarmos a participao portuguesa nas Cruzadas, tentaremoscompreender a ocorrncia deste movimento, recorrendo sistematizao dediversos factores que podero ter justificado a sua existncia.Em primeiro lugar, insistimos que o fenmeno cruzadstico tem sido encaradocomo uma expresso da civilizao medieval 35 e que as vivncias e oscomportamentos do homem medieval eram, em muito, resultado da influnciaprofunda da religio crist no quotidiano.De seguida, no podemos olvidar o papel da Reforma da Igreja (apelidadarestritivamente de Gregoriana36) que teria diversos objectivos a concretizar,entre os quais, a supremacia do romano pontfice sobre toda e qualquerautoridade terrena 37. O papado desejava afirmar a sua primazia no mbitoespiritual e tambm em mltiplas esferas do temporal. A decidida acoapostlica conduziria a uma aceitao da guerra santa como um meio paraalcanar tais finalidades, eliminando assim aqueles que no aceitassem osdesgnios da S de Pedro. A Cruzada, como veremos maispormenorizadamente, foi mais um elemento reformador ao servio da SantaS38.Por fim, decidimos incluir no nosso estudo, os mecanismos utilizados pelaIgreja para a justificao, legitimao e apoio dos movimentos cruzadsticos,que comeariam por surgir com Urbano II nos finais do sculo XI, prolongando-se at ao tardio sculo XVIII39.

    35 COSTA, Paula Pinto; ROSAS, Lcia - Lea do Balio no tempo dos cavaleiros do Hospital . Lisboa:Edies INAPA, 2001, p. 13.

    36 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p. 20-36. Este historiador espanhol assinala que o trmino Reforma Gregoriana, frequentemente utilizado pela historiografia actual, no o mais correcto para designar o movimento em questo, pois emborareconhecendo o impulso prestado por Gregrio VII (ou Hildebrando), recorda que este processotransformador tem razes mais antigas e conhece ainda um prolongamento at ao sculo XII (nesteltimo caso, no podemos ignorar o papel dos pontfices posteriores a Gregrio VII que contriburam para o amadurecimento de uma nova eclesiologia). Por isso, consideramos mais adequadas asterminologias de Reforma eclesistica ou de Reforma da Igreja Romana.

    37 MARQUES, Jos - A realidade da Igreja no tempo de S. Teotnio. Revista da FLUP: Histria. 2srie, vol. VII. Porto: Universidade do Porto, 1990, p.12-24. Veja-se tambm: FONSECA, Lus Ado

    da - La Cristiandad Medieval . Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1984, p. 338.38 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p.15-16.

    39 RILEY-SMITH, Jonathan -The atlas of the crusades, p.21.

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    1. O impacto da religio na vida social medieval

    Uma grande parte dos europeus que viveu na Idade Mdia era crist. Nostempos que precederam o sculo XIV, seria difcil depararmo-nos com casosde cepticismo generalizado em relao doutrina crist, embora sejamconhecidas heresias 40 . O ensino no Ocidente era tutelado maioritariamentepela Igreja Crist. Nas escolas medievais, as Sagradas Escrituras, a par dosclssicos latinos da Antiguidade, seriam alvo de aprendizagem. As pessoasletradas, embora constituindo excepo numa populao maioritariamente

    analfabeta, adquiriam assim alguns princpios bsicos da sua religio41

    .Outro fenmeno marcante do perodo em anlise foi sem dvida aperegrinao religiosa, que constitua j uma tradio antiga. A vida espiritualdo crente atingia o seu auge quando visitava os santurios sagrados cristosna Palestina. Sabemos que no sculo XI, as peregrinaes rumo a Jerusalmtinham aumentado significativamente. Estas mesmas peregrinaes nocostumavam ser armadas, embora tivessem ocorrido episdios rarssimosonde grupos de peregrinos chegavam a derrotar exrcitos muulmanos. Como j pudemos observar, a insegurana era um ingrediente presente nestasviagens duradouras, mas mesmo assim no parece ter sido impeditiva paraque muitos cristos, motivados pela sua f, continuassem a visitar os lugaressantos. As Cruzadas iro ser lanadas tambm com o intuito de resoluodestes problemas que acompanhavam as peregrinaes 42. A religio estava ento presente em muitos dos campos da vida medieval.Inclusive na Filosofia que possua uma orientao teolgica e religiosa. As ideias de Santo Agostinho (354-430) e Bocio (480-524/5) marcaramfortemente o pensamento medieval. O primeiro defendia, entre muitas outras

    40 NICHOLAS, David - A Evoluo do Mundo Medieval. Sociedade, Governo e Pensamento na Europa:312-1500, p. 14, 414-415. Devemos ainda ressalvar que existia alguma hostilidade para comos homens, considerados pecaminosos, que controlavam a Igreja. De facto, a luxria, a intromissoem questes polticas, a m conduta sexual, a embriaguez e o absentismo eram uma realidade visvelno clero medieval.

    41 NICHOLAS, David - A Evoluo do Mundo Medieval. Sociedade, Governo e Pensamento na Europa:312-1500, p. 13-14.42 NICHOLAS, David - A Evoluo do Mundo Medieval. Sociedade, Governo e Pensamento na

    Europa:312-1500, p. 290-292.

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    proposies, a teoria da "iluminao divina da mente humana 43", enquanto queo segundo, no seu terceiro tratado, intitulado Hebdomadrios, dos OpusculaSacra , afirmava que Deus era a fonte de toda a bondade, sendo estatransmitida s suas criaturas 44.

    Restringindo agora ao espao geogrfico definido como campo de trabalhodesta dissertao, registaremos com mais detalhe a profunda religiosidade quetambm existia em Portugal, sobretudo por via da peregrinao e da cruzada. As peregrinaes tiveram um claro impacto na vida do Portugal em formao.O homem medieval procurava satisfazer, por um lado, as suas devoes decristo, cumprindo promessas e remindo pecados enquanto que, por outrolado, teria a oportunidade de alargar os horizontes limitados em que

    normalmente vivia, encontrando assim a aventura na viagem e conhecendonovas terras e populaes 45.Humberto Baquero Moreno ao debruar-se sobre os romeiros que sedeslocavam pelas vias portuguesas at Santiago de Compostela, assinala aocorrncia de assaltos e de outros infortnios (como, por exemplo, osperegrinos poderiam ser enganados por falsos clrigos que a troco de pseudo-penitncias, lhes extorquiam o dinheiro) que desgraavam os crentes. Noentanto, estes nunca desistiriam dos seus intentos, procurando fervorosamentea salvao das suas almas junto ao tmulo do apstolo So Tiago 46. Apesar debeneficiarem do apoio assistencial dos hospitalrios 47, muitos redigiam os seustestamentos, antes de iniciarem a sua peregrinao com destino a Santiago,pois temiam enfrentar perigos fatais durante a sua viagem 48.Para alm da adorao que se destinava quele importante centro deperegrinao, tnhamos tambm no Portugal Medieval igrejas, capelas,ermidas e santurios de imagens milagreiras que eram alvo de devoofervorosa. Eram inmeros, os indivduos (independentemente do seu estatuto

    43 Isto , o conhecimento da realidade nascia a partir da alma que era iluminada por Deus. A f procura,a compreenso encontra. (LUSCOMBE, David - O pensamento medieval.Trad. de Luclia Rodrigues. Mem Martins: Publicaes Europa-Amrica, 2000, p.15-36).

    44 LUSCOMBE, David -O pensamento medieval , p.15-36.45 MARQUES, Oliveira - A sociedade medieval portuguesa: aspectos de vida quotidiana. 3 ed. Lisboa:

    S da Costa, 1974, p.151-157.46 MORENO, Humberto Baquero - Vias portuguesas de peregrinao a Santiago de Compostela, Revista

    da FLUP: Histria. 2 srie, vol. III. Porto: Universidade do Porto, 1986, p. 85.

    47 COSTA, Paulo Pinto - A presena dos Hospitalrios em Portugal. Gavio: Ramiro Leo, 2010, p.19-20,39.48 MARQUES, Jos - A assistncia aos peregrinos no Norte de Portugal, na Idade Mdia. Revista de

    Histria. vol. XI, Porto: Centro de Histria da Universidade do Porto, 1991, p.13.

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    social49) que a procuravam alvio para seus males, a agradeciam vitrias,negcios prsperos, boas colheitas, a se penitenciavam dos pecados da carnee do esprito50 . Nos sculos XII e XIII, os centros de peregrinao do PortugalMedieval, localizavam-se maioritariamente nas regies de Entre-Douro-e-

    Minho e Beira51

    . No caso do Minho e do Douro, eram procurados os santuriosde S. Geraldo de Braga, de Santa Maria do Pombeiro, de Santa Maria doBouro, da Senhora da Peneda, de Nossa Senhora da Oliveira, de S. Salvadorde Valongo, de Santo Eleutrio, de S. Mamede, de Santa Maria do Lago, de S.Servando, de S. Clemeno do Mar, entre outros.Os portugueses mais ousados, devotos e/ou ricos peregrinavam rumo aosgrandes santurios internacionais, mormente, a Santiago de Compostela, a

    Roma e Palestina52

    .Junto aos principais caminhos de peregrinao podamos encontraralbergarias, em nmero considervel, pois chegaram a totalizar cerca de 2centenas dentro das fronteiras medievais lusas. Estas ofereciam ao viajanteesgotado, a troco de esmolas, os confortos que ele poderia desejar tais como:alimentao (gua e uma refeio frugal) e repouso (uma cama ou um simplesfardo de palha era garantido)53. Esta assistncia aos peregrinos medievaisencontra-se directamente relacionada com a habitual prtica da caridade,estimulada pelo Novo Testamento, na qual o doador esperava a remisso dosseus pecados, atravs da entrega de esmolas aos mais carenciados ounecessitados. 54 Assim sendo, o peso da religio crist ter sido decisivo para que muitosindivduos tomassem a cruz. verdade que, por um lado, temos a Reconquistana Pennsula Ibrica, a qual decorre neste mesmo perodo 55, que no se

    49 D. Sancho I era, por exemplo, peregrino e devoto de Santa Senhorinha de Basto. (ver DIAS, GeraldoJ. A. Coelho - D. Sancho I, peregrino e devoto de Santa Senhorinha de Basto. Revista da FLUP: Histria. 2 srie, vol. XIII. Porto: Universidade do Porto, 1996, p. 63-70).

    50 MARQUES, Oliveira - A sociedade medieval portuguesa: aspectos de vida quotidiana, p. 157.51 O Sul era aindainfielou fora tomado recentemente. Todavia, nos sculos posteriores teremos tambm

    a centros de peregrinao de entre os quais destacamos, como exemplo, o da Nossa Senhora da Nazar. (Observe-se: MARQUES, Oliveira - A sociedade medieval portuguesa: aspectos de vidaquotidiana, p.157-158).

    52 MARQUES, Oliveira - A sociedade medieval portuguesa: aspectos de vida quotidiana, p.157-158.53 MARQUES, Oliveira - A sociedade medieval portuguesa: aspectos de vida quotidiana, p.159.54 MARQUES, Jos - A assistncia aos peregrinos no Norte de Portugal, na Idade Mdia. Revista de

    Histria. vol. XI, p.10-11.55 Enquanto as Cruzadas so lanadas no Oriente, a Reconquista uma realidade na Hispnia. Ter essacampanha peninsular limitado a participao portuguesa no Prximo Oriente? Intentaremos descobrira resposta mais adequada a tal questo ao longo da nossa investigao.

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    manifestou exclusivamente numa profisso de f56, mas que, por outro lado,como veremos, no ser impeditiva para que alguns portugueses arrisquem asua vida seguindo em direco ao Oriente.

    56 NICHOLAS, David - A Evoluo do Mundo Medieval. Sociedade, Governo e Pensamento na Europa:312-1500, p. 291. Provavelmente teramos, no contexto peninsular, uma maior tolerncia e

    respeito mtuo entre cristos e muulmanos. Em meados do sculo X, sabemos que os letradoscristos frequentavam habitualmente as escolas muulmanas de Toledo. Tambm existiam alturas emque eram mais frequentes as lutas entre prncipes cristos do que os conflitos travados frente aosseguidores de Maom.

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    2. A Cruzada - um elemento reformador ao servio da Santa S

    O fenmeno que estudamos - a participao na Cruzada - acaba por serresultante da Reforma da Igreja da Idade Mdia 57. Tal raciocnio obriga-nos deimediato a contextualizar e a compreender o desenrolar de todo este processoreformista at atingirmos os finais do sculo XI, altura em que se assistir aolanamento da Primeira Cruzada. Aps a queda da dinastia carolngia e o consequente desmembramento doImprio, a Igreja viveria tempos muito difceis58. Desde as sistemticasingerncias do poder civil na vida da Igreja59, onde a nomeao dos Papasestava dependente do poder de deciso de algumas famlias romanas eposteriormente, do Imperador germnico60, passando pelas frequentes prticassimonacas 61 e indo at aos comportamentos nicolaticos 62, era ento visvelum cenrio onde se evidenciava a ausncia de disciplina clerical e de liberdadeeclesistica. Como tal, impunha-se a necessidade duma mudana radical queculminar com a Reforma da Igreja, cujas principais etapas foram percorridasna segunda metade do sculo XI e em grande parte do sculo XII 63.Entretanto, a moralizao do clero comeou por merecer a prioridade dum

    papado ainda tutelado pelo Imprio e pelas famlias romanas. Por isso mesmo,a Santa S teve que recorrer, nos primeiros tempos, ao bom senso dosimperadores germnicos para se corrigirem os costumes clericaiscondenveis 64. Inicialmente, no estava includa no lote de preocupaes da

    57 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p. 15-16. Esta Reforma, embora tendo razes mais antigas, acabou por ser reconduzida pelo Papado noltimo tero do sculo XI.

    58 GALLI, A. - Histria da Igreja. 5 ed. Trad. Manuel Aires da Silva. Lisboa: Edies Paulistas, 1964, p. 118-119.

    59 MARQUES, Jos - A realidade da Igreja no tempo de S. Teotnio. Revista da FLUP: Histria. 2srie, vol. VII, p.12-13. Veja-se tambm: GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas yrdenes Militares, siglos XI-XIII, p. 22-25.

    60 GALLI, A. - Histria da Igreja, p. 118-119.61 A simonia consistiana aquisio de funes e benefcios eclesisticos a troco de compensaes

    materiais. (MARQUES, Jos - A realidade da Igreja no tempo de S. Teotnio. Revista da FLUP: Histria. 2 srie, vol. VII, p.12-13).

    62 As teorias do Nicolasmo residiam na negao do celibato eclesistico, autorizando o casamento de bispos e padres. Contudo tais ideias basearam-se em interpretaes errneas de passagens da SagradaEscritura, desinseridas do seu real contexto. (MARQUES, Jos - A realidade da Igreja no tempo de S.Teotnio. Revista da FLUP: Histria. 2 srie, vol. VII, p.12-13).

    63 MARQUES, Jos - A realidade da Igreja no tempo de S. Teotnio. Revista da FLUP: Histria. 2srie, vol. VII, p.12-13.64 O imperador Henrique III (1039-1056) acentuou a preocupao imperial de salvaguardar a integridade

    do clero. (Observe-se: GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares,

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    Igreja, a interferncia do poder real nas nomeaes para os altos cargoseclesisticos dos estados (imperiais e do Norte de Itlia), nem do prpriopontfice65.Dentro deste contexto, Henrique III, imperador germnico cujo reinado se

    balizou entre 1039-1056, ser responsvel pelas nomeaes de Clemente II(1046-1047), Dmaso II (1048), Leo IX (1049-1054) e Vtor II (1055-1057).Repare-se que o penltimo desempenhou um papel essencial na Reforma daIgreja Romana, vencendo a oposio das famlias mais importantes de Roma ecombatendo a imoralidade existente no seio do clero.Com o falecimento de Henrique III (em 1056), e dada a menoridade deHenrique IV, o poder imperial entra numa fase de debilitao e a Igreja

    encontra finalmente a oportunidade ideal para iniciar o seu processo deenfrentamento face s ingerncias laicas nas estruturas eclesisticas. NicolauII (1059-1061), nomeado j sem interferncia imperial, convoca o snodo deLatro, em 1059, onde ser determinado que a eleio do Papa deveria serrealizada pelo nascente Colgio Cardinalcio66. Tambm ficaria estabelecidoque ningum poderia receber uma igreja de um leigo sem o consentimento dobispo da diocese. Na prtica, as resolues firmadas nestas reunies, noforam imediatamente cumpridas. Por um lado, o processo de eleio cannicaainda teve que ser progressivamente aperfeioado enquanto que, por outro, asdisputas volta das investiduras, entre Imprio e Santa S, seriam tambmuma realidade vindoura67. O prximo pontfice foi Alexandre II (1061-1073) queobteve a rejeio de Henrique IV, pois este nomeou Honrio II como anti-papa.Todavia foi mais um grande reformador que aumentou o prestgio do papado68.Finalmente, chegaramos ao pontificado decisivo de Gregrio VII (1073-1085),que fora baptizado com o nome de Hildebrando. Era um homem culto quepossua elevados conhecimentos sobre a Bblia 69. Desde 1048, encontrava-se

    siglos XI-XIII , p. 22).65 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p. 22.66 HOLMES, J. Derek; BICKERS, Bernard W. - Histria da Igreja Catlica. Trad. Victor Silva. Lisboa:

    Edies 70, 2006, p.84-85. O clero cardinalcio iniciaria um conjunto de discusses e debates sobre os possveis candidatos at chegarem a um consenso. Em seguida, o resto do clero romano e do povo deRoma eram convidados a aceitar a escolha j efectuada. Apenas nesta altura, o imperador seriainformado da eleio, perdendo assim (embora ainda teoricamente) o seu papel decisivo nasnomeaes dos papas.

    67 MARQUES, Jos - A realidade da Igreja no tempo de S. Teotnio. Revista da FLUP: Histria. 2srie, vol. VII, p.13-14.68 HOLMES, J. Derek; BICKERS, Bernard W. - Histria da Igreja Catlica, p.85-86.69 COWDREY, H. E. J.- Pope Gregory VII . Oxford: Clarendon Press, 1998, p. 495. Para um melhor

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    a viver na Cria Pontifcia, sendo j o grande estratega das medidasreformistas anteriores sua eleio como Papa 70. A influncia leiga nosprocessos de eleio ou nomeao para os cargos da Igreja, a simonia e oconcubinato foram impiedosamente combatidos por Gregrio entre 1073 e

    108571

    . A ele se atribuiu o famoso Dictatus Papae (1075) onde serproclamada a supremacia do romano pontfice sobre toda e qualquerautoridade terrena. As 27 proposies que compem aquele documento, visaminclusive limitar as tendncias hegemnicas dos imperadores germnicos 72.Para alm da ambicionada primazia da S Romana, tambm a centralizaoeclesistica era uma meta a atingir, afastando assim as igrejas locais, as sedesepiscopais ou arcebispais da dependncia laica de forma a lig-las mais

    estreitamente a Roma73

    . No seria de estranhar que as relaes entreGregrio VII e Henrique IV fossem muito tensas, tendo o primeiro vivido osseus derradeiros dias no exlio 74, mais concretamente em Salerno. Aos olhosdo mundo da sua poca, parecia ter sido mais um vencido do que umvencedor, mas os seus planos reformadores iro impor-se de tal modo aoshomens da Igreja, que a vitria seria apenas uma questo de tempo 75.De seguida seriam eleitos Vtor III (1086-1087) e posteriormente, Urbano II(1088-1099), pontificados que corresponderam a uma recuperao dacredibilidade por parte do Papado. Em relao a Urbano, podemos afirmar quepartilhava do mesmo desejo de reforma de Gregrio VII, insistindo na proibioda investidura dos leigos. No entanto, o seu momento mais marcante foi apregao da Primeira Cruzada, em 1095 76. Alcanamos enfim o ano decisivo e a questo mais importante a ser colocada a seguinte - Que relao pode ento ser estabelecida entre a Reforma e a

    estudo desta personalidade, observe-se tambm: FONSECA, Lus Ado da - La Cristiandad Medieval , p.337-345.

    70 MARQUES, Jos - A realidade da Igreja no tempo de S. Teotnio. Revista da FLUP: Histria. 2srie, vol. VII, p.14.

    71 COWDREY, H. E. J.- Pope Gregory VII , p. 543-553.72 Os imperadores podiam ser depostos pelo Papa, o nico senhor universal. Todos os prncipes deviam

    beijar os ps do sumo pontfice. (GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p. 31).

    73 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p. 27-34.

    74 HOLMES, J. Derek; BICKERS, Bernard W. - Histria da Igreja Catlica, p. 86-87.75 GALLI, A. - Histria da Igreja, p. 123-125.76 HOLMES, J. Derek; BICKERS, Bernard W. - Histria da Igreja Catlica, p. 87-88. verdade que o

    processo de Reforma ainda se prolongar no sculo XII, com a Concordata de Worms (1122) quemesmo assim no resolver de vez os conflitos entre Imprio e Papado. (Ver GARCA-GUIJARRORAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p. 36; GALLI, A. - Histriada Igreja, p. 127).

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    Cruzada?Como j referimos anteriormente, a Santa S desejava, atravs deste processoreformador, obter a primazia no mbito espiritual, mas tambm em mltiploscampos do temporal. Neste sentido, a guerra santa surge como um

    instrumento para alcanar tal finalidade, castigando assim aqueles que noprestassem respeito ou obedincia S de Pedro. Logo, a Cruzada s maisum elemento reformador ao servio do Papado 77, como abona Lus Garca-Guijarro Ramos. Demonstraremos esta realidade atravs doutrosacontecimentos decorridos que acabaram, ento, por aproximar aqueles doisfenmenos.Gregrio VII, ao excomungar e destituir pela segunda vez Henrique IV, em

    1080, decretou indulgncias para os partidrios do novo monarca alemoRodolfo da Subia. Constatamos desde logo que por um lado, a rebeldia face Santa S podia ser severamente punida com a destituio, enquanto que, poroutro, a obedincia seria recompensada exemplarmente (neste caso, a S dePedro concedera a realeza a Rodolfo e a absolvio dos pecados aos seusseguidores). Tambm alguns anos antes, Alexandre II oferecera indulgnciasaos participantes da campanha de Barbastro. Se repararmos com ateno, emambos os casos, a absolvio dos pecados era um benefcio destinadoqueles que engradecessem a Santa S com a sua fidelidade, combatendo osque se atreviam a atentar contra a primazia romana, quer fossem sarracenosou imperadores ocidentais78. Por isso, luz destas ocorrncias, tambm noser nada invulgar a atribuio de indulgncias aos cruzados que enfrentariaminfiis de todo o tipo79.De facto, a Cruzada expressa ideologicamente o poder supremo dos sumospontfices80 como responsveis nicos pela criao de uma ordem divina na

    77 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p. 15-16.

    78 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII, p. 32-33.

    79 Possumos ainda outro exemplo embora posterior: Inocncio II (1130-1143) estimulou a guerra contrao antipapa Anacleto e seu protector, Rogrio da Siclia, no conclio de Pisa (1135), concedendo aos participantes indulgncias que seriam semelhantes quelas que eram outorgadas aos cruzados querumavam ao Levante. (GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII, p. 48-74)

    80 O Papa atrairia para a sua causa diversos cavaleiros, ignorando as suas vinculaes com outras

    instncias e convertendo-se assim, no principal senhor da Cristandade. Dentro deste contexto,assistimos afirmao do Papado como monarquia universal atravs dum ambicioso projecto de lutacontra os muulmanos. (GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII, p. 48-74)

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    Terra que antes era apenas competncia dos imperadores e reis sacralizados.O Papado prope ento um caminho universal que alternativo tradioimperial e que pode atrair todas as pessoas, incluindo prncipes, sob a direcodo pontfice. Assim sendo, a guerra santa foi mais um instrumento de presso

    papal, redutor do papel e das atribuies do Imprio81

    . Assim, reconhecemos a pertinncia da seguinte afirmao de Luis Garca-Guijarro Ramos:

    " A ajuda aos cristos orientais, a meta mtica de Jerusalm, a popularidade das peregrinaes, em especial aquelas que se dirigiam Terra Santa (...) foramtodos eles elementos que acompanharam e inclusive moldaram os incios do

    movimento, mas no explicam o passo dado pelo Papado que s adquiresentido atravs do processo de reforma eclesistica 82"

    Como ltimo apontamento, assinalamos que ao longo do decurso desteprocesso reformador, a Cria Romana pretendeu difundir e consolidar a suainfluncia nos espaos perifricos, entre os quais se destacava a PennsulaIbrica. Consequentemente, a influncia beneditina cluniacense, bem como aliturgia romana (que substituir a morabe ou visigtica) sero introduzidas noPortugal em formao83.

    81 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII, p. 48-74.

    82 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII, p. 49.83 MARQUES, Jos - A realidade da Igreja no tempo de S. Teotnio. Revista da FLUP: Histria. 2

    srie, vol. VII, p.16-24. A maior parte dos mosteiros dispersos entre o Minho e o Mondego aderiu Regra de So Bento na sua verso cluniacense. No podemos ignorar que a imposio do rito romano(como poderoso elo de coeso) e a influncia cluniacense foram meios utilizados por este movimentoreformador de tendncia centralizadora.

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    3. A aceitao da violncia por parte da Igreja

    Nesta epgrafe, procuraremos responder seguinte questo, tambm ela

    formulada por diversos historiadores, incluindo Jos Marques - Como pde aIgreja intervir ou participar em guerras, ela que, por natureza, deve ser amensageira da paz ?84 A resposta seguramente complexa e obriga-nos a remontar aos primeirosanos de existncia da Igreja. Com o dito de Milo (em Fevereiro de 313), oculto cristo seria tolerado, encerrando praticamente a poca de perseguies.No decurso dos primeiros trs sculos da Igreja, no ter existido qualquer

    acto do magistrio que proibisse o servio militar. Sendo assim, encontraremosmuitos oficiais ou soldados nas legies romanas, conciliando as suas tarefasreligiosas crists e militares. A Igreja inclusive chegar em determinadasalturas, a condenar o pacifismo. Como exemplo, temos o III cnone do Concliode Arles (Agosto de 313) que estabelece a excomunho para aqueles quedesprezem as armas 85. As razes da aceitao do militarismo por parte daIgreja remontam ento aos primrdios da sua existncia oficial.

    A ideia da legitimidade de determinados conflitos blicos e da glorificao docombatente cristo comea a fazer o seu percurso nos sculos das invasesbrbaras, carregados de extrema violncia. Segundo Roberto de Mattei, aIgreja no ensinar o pacifismo aos brbaros invasores, mas sim o ideal deguerreiro cristo. Mais tarde, ser com a personalidade de Carlos Magno (747-814), que surgir o modelo mais engrandecido do soldado cristo que tem amisso de proteger a Christianitas das agresses dos seus inimigos e de

    assegurar, caso seja necessrio, com o recurso s armas, a vitria da f criste da Igreja Catlica86.O reinado de Carlos Magno87 insere-se num perodo de conflitos blicos face

    84 MARQUES, Jos - A presena da Igreja na histria militar portuguesa das origens ao final do sculoXIV. Revista da FLUP: Histria. 2 srie, vol. VIII. Porto: Universidade do Porto, 1991, p. 10. Neste ponto 3, pertencente ao primeiro captulo da dissertao, procuraremos demonstrar as motivaes, bem como os acontecimentos que estiveram por detrs da aceitao dos actos blicos por parte daIgreja

    85 MATTEI, Roberto de -Guerra Justa Guerra Santa. Ensaio sobre as Cruzadas, a Jihad islmica e a

    tolerncia moderna. Trad. Antnio Carlos de Azeredo. Porto: Civilizao, 2002, p.15-16.86 MATTEI, Roberto de -Guerra Justa Guerra Santa. Ensaio sobre as Cruzadas, a Jihad islmica e atolerncia moderna, p.13-17.

    87 A nvel militar, alargou as fronteiras do seu reino, tomando, por exemplo, a Baviera (em 778). Ainda

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    aos povos pagos. Durante o sculo IX, comeam a surgir os primeirosdocumentos litrgicos que apelam ao imperador para que este reprima osrebeldes pagos. Tambm nestes tempos, realiza-se a Missa pro rege contra paganos 88 que parece ser a primeira de inmeras missas dirigidas contra os

    pagos. No perodo carolngio, desvendamos j facilmente elementos daguerra justa crist e outros que originariam consequentemente a guerra santa(apelidada de Cruzada). A aceitao da violncia e da guerra por parte da Igreja encontra ento as suasorigens em perodos bem anteriores Cruzada, mas interessa agora conhecera sua fundamentao terica. A primeira grande doutrina crist sobre os conflitos blicos da autoria de

    Santo Agostinho (354-430) e encontra-se inserida no XIX livro de A Cidade deDeus. Esta mesma doutrina estar bem viva durante toda a era medieval. Asconcluses retiradas por Agostinho de Hipona, podem resumir-se a quatro:1- Todos os seres desejam a paz, incluindo aqueles que querem a guerra, poisintencionam apenas servir-se desta como um meio para atingir a paz.2- A guerra um mal, ao qual por vezes, necessrio recorrer com o objectivode restabelecer uma paz justa e evitar males maiores.3- O conflito armado pode ser justo, se for justa a paz para qual ele tende. Asguerras justas so aquelas que se destinam a punir as injustias ou ainiquidade da parte contrria ou adversria.4- A vontade deve tender sempre para o bem da paz: a guerra trava-se pornecessidade, a fim de que Deus possa libertar os homens do estado deinjustia, conservando-os na paz. No se procura a paz para fazer a guerra,mas faz-se a guerra para alcanar a desejada paz 89. A guerra santa crist ir diferenciar-se da guerra justa apenas num aspectoessencial: a primeira concebida como um acto religioso, sendo proclamada

    antes, no ano de 774, tinha obtido uma vitria decisiva sobre os lombardos que lhe valeu o ttulo deProtector do Papado. No dia de Natal em 800, coroado imperador pelo papa Leo III. A nvelcultural, apostar na educao do clero. Deixou a Igreja em melhor situao em termos de nmero defiis e de organizao, tendo esta melhores condies para resistir s dificuldades que se avizinhavam.(Observe-se tambm: HOLMES, J. Derek; BICKERS, Bernard W. - Histria da Igreja Catlica, p.72-77).

    88 Instaurou-se a referida missa por ocasio das campanhas de Carlos Magno contra os varos.(MATTEI, Roberto de -Guerra Justa Guerra Santa. Ensaio sobre as Cruzadas, a Jihad islmica e atolerncia moderna, p.11-17).

    89 AGOSTINHO, Santo - A Cidade de Deus. Trad. de J. Dias Pereira. Vol. III. Livro XIX. Lisboa:Fundao Calouste Gulbenkian, 1995, p. 1863-1968. (Veja-se tambm: MATTEI, Roberto de -Guerra Justa Guerra Santa. Ensaio sobre as Cruzadas, a Jihad islmica e a tolerncia moderna, p. 17-22,80).

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    por uma autoridade espiritual ou por interesses predominantementereligiosos90; enquanto que a segunda conduzida por um soberano temporalinteressado em defender o seu prprio Estado dum ataque inimigo.No entanto, se nem todas as guerras justas so santas, a guerra santa para o

    pensamento medieval cristo a guerra justa por excelncia. Este ponto devista foi adoptado e reafirmado durante o perodo das Cruzadas.Jerusalm era a herana de Cristo que a Igreja considera que tem o direito dereivindicar. A Terra Santa deveria ser recuperada, expulsando os infiis que lhecausavam ofensa, e deveria ter sempre as portas abertas aos peregrinos. Estaobsesso pela cidade sagrada estar sempre presente na preparao daCruzada91. Por outro lado, os rabes eram vistos como injustos agressores,

    que urgia afastar atravs do recurso fora, no para derramar sangue, maspara expandir a f crist, de forma a obter a paz 92. Os cruzados partiam entocomo peregrinos armados, procurando purificar a sua alma pecadora. Por isso,constituem um exrcito de penitentes que procura, atravs da luta, merecer arecompensa eterna do cu 93.Mesmo assim, surgiram crticas e dvidas aquando da fundao da Ordem doTemplo (cujas primeiras origens se situam em 1120 94), primeiro institutoreligioso com vocao militar 95. Os mais cpticos argumentavam que aactividade militar dos freires templrios poderia ser preenchida pelo dio e pelacobia, anulando assim a bondade do fim. Por outro lado, outros sustentavamque uma maior contemplao espiritual requeria um afastamento do mundo.

    90 Imediatamente constatamos priori, que a autoridade competente para proclamar a guerra santa ou aCruzada a Igreja, atravs do seu principal representante: o Papa. (MATTEI, Roberto de -Guerra Justa Guerra Santa. Ensaio sobre as Cruzadas, a Jihad islmica e a tolerncia moderna, p. 80-84).

    91 A conquista da cidade de Jerusalm ou a manuteno do reino latino de Jerusalm integram-se noncleo das principais preocupaes inerentes ao fenmeno cruzadstico. Os cruzados que para l partiam, obteriam a remisso de todas as culpas e a indulgncia plenria concedidas por Urbano II e pontfices sucessores. (MATTEI, Roberto de -Guerra Justa Guerra Santa. Ensaio sobre as Cruzadas,a Jihad islmica e a tolerncia moderna, p. 80-84).

    92 Tal perspectiva foi defendida por Frei lvaro Pais, sendo ento este citado por: MARQUES, Jos - A presena da Igreja na histria militar portuguesa das origens ao final do sculo XIV. Revista da FLUP: Histria. 2 srie, vol. VIII, p. 10.

    93 MATTEI, Roberto de -Guerra Justa Guerra Santa. Ensaio sobre as Cruzadas, a Jihad islmica e atolerncia moderna, p.84.

    94 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p.74-89, 116-122.

    95 A Ordem do Hospital conhece uma existncia anterior da Ordem do Templo, tendo iniciado os seus primeiros passos em meados do sculo XI (com a criao de um hospcio por parte dos comerciantes

    de Amalfi). Em 1099, com a conquista de Jerusalm, torna-se uma entidade progressivamenteautnoma. Finalmente, em 1113, obtm a bula confirmatria. Todavia, comportava inicialmentefunes de apenas carcter assistencial. (Ver: GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado,Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p.116-124).

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    Hugo de Payens (defensor do projecto templrio e primeiro gro-mestre dareferida ordem) no se deixou abater, contra-argumentando da seguinte forma:1- A averso era contra a iniquidade e no contra os homens.2- Os bens obtidos na sequncia dos conflitos blicos, no se deviam a um

    desejo mundano de riqueza mas deviam ser encarados como umarecompensa de Deus. Enquanto que os infiis perdiam justamente as suasriquezas materiais pelos seus pecados.3- Nem o lugar nem o hbito poderiam condicionar, de algum modo, aintensidade duma vivncia crist. O nico requisito exigvel radicava numadedicao espiritual slida.Bernardo de Claraval destaca-se neste cenrio, apoiando a validade da

    fundao templria. Este doutor da Igreja recordava que a queda em combatepermitia ao cristo o acesso vida eterna e no a condenao por actuaratravs de meios drsticos 96.

    96 GARCA-GUIJARRO RAMOS, Lus - Papado, Cruzadas y rdenes Militares, siglos XI-XIII , p.116-122, 298.

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    Captulo II - Os Cruzados em Portugal

    Exposta a conjuntura que propiciou o surgimento das Cruzadas destinadas ao

    Oriente, altura de abordarmos o impacto destas na formao do reino dePortugal.Dentro deste contexto, as conquistas de Lisboa e Almada (1147), Silves e Alvor(1189), e Alccer do Sal (1217) foram alcanadas com o auxlio decontingentes estrangeiros que se destinavam Terra Santa. Tratam-se deexrcitos heterogneos que agregavam vrias nacionalidades e lnguas e, cujocontrolo estava longe de ser uma tarefa fcil para os seus comandantes 97.

    Outra caracterstica inerente a uma grande parte destes cruzados, que sertambm observada mais adiante, a sua obsesso pelo saque que poderiaenvolver dinheiro, gneros e resgates. Por vezes, as suas necessidadesmateriais eram ainda compensadas com a obteno de terras e isenescomerciais perptuas, em caso de permanncia no ps-conquista 98. Mesmoassim, estes reforos extra-peninsulares desempenharo um papel relevanteno avano da Reconquista Portuguesa para sul.

    Se o captulo II desta dissertao no inovador e pretende to somenteoferecer uma sistematizao de elementos j conhecidos, a sua elaborao justifica-se dada a necessidade de complementarmos a leitura do envolvimentodos portugueses nas campanhas da Cruzada a Oriente. De resto, estacooperao em terras portuguesas pode tambm ter estado na origem daparticipao de portugueses nas campanhas levantinas.

    1. A conquista de Lisboa e Almada (1147)

    A tomada de Lisboa, em 1147, insere-se num contexto circunstanciado poracontecimentos internos e externos que merecem ser enunciados. A dcada de 40 do sculo XII foi frutuosa no que diz respeito ReconquistaPortuguesa. Em 1142, D. Afonso Henriques reocupa Leiria e, em 15 de Maro

    97 MONTEIRO, Joo Gouveia - Entre Romanos, Cruzados e Ordens Militares. Ensaios de Histria Militar Antiga e Medieval , p. 235, veja-se com ateno a nota de rodap nr. 27.98 MONTEIRO, Joo Gouveia - Entre Romanos, Cruzados e Ordens Militares. Ensaios de Histria

    Militar Antiga e Medieval , p. 237.

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    de 1147, apodera-se de Santarm. Na perspectiva de Pedro Gomes Barbosa,tratam-se de dois sucessos militares com consequncias estratgicas deextrema importncia. Por um lado, Leiria seguraria o flanco sul do condado ,enquanto que por outro, Santarm tornar-se-ia num ponto de apoio decisivo

    para uma possvel campanha destinada a Lisboa99

    .Por seu turno, tambm as ocorrncias exteriores que preocupavam aCristandade favoreceram, em geral, uma expedio a Lisboa. As notciasprovenientes do Prximo Oriente no eram nada animadoras. Em 1144, acidade de Edessa cairia em mos muulmanas. Como se no bastasse, o reinode Jerusalm era acossado por divises internas, constituindo outro factoalarmante. A reaco necessria a esta difcil conjuntura que recaa sobre os

    estados cruzados, ser promovida pela Santa S. O Papa Eugnio III pregaraa Segunda Cruzada, em 1146. Tambm So Bernardo de Claraval decideperegrinar pela Frana e pelo Imprio Germnico com o intuito de reunir osapoios requeridos para a referida cruzada. Assim sendo, em 1147, Lus VII, reida Frana, e Conrado III, imperador do Sacro Imprio Romano-Germnico,tomam a cruz. Estava assim lanada uma empresa, dimensionalmentegrandiosa, destinada ao Oriente. verdade que a Segunda Cruzada noobter qualquer xito militar relevante no Oriente100. Todavia, num certo dia, umnmero nada subestimvel de cruzados estrangeiros que rumavam aoLevante, aportariam em territrio portugus, prestando um auxlio decisivo queviabilizar a conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques101.Constatamos ento que o avano da Reconquista Portuguesa e os insucessosrecentes no Prximo Oriente acabaram por se traduzir numa conjugaoperfeita que permitir o assdio a Lisboa, em 1147.O estudo deste acontecimento marcante da Histria de Portugal no pode serefectuado sem ter em considerao, pelo menos, algumas das fontesnarrativas que o descreveram. Por isso, torna-se indispensvel proceder leitura da carta do presbtero anglo-normando Raul que era endereada ao

    99 BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros, p. 11.(Veja-se tambm: MATTOSO, Jos - D. Afonso Henriques, p. 171 e 278).

    100 Os dois soberanos cometeram um erro estratgico, pois preferiram tentar capturar Damasco (o queredundou em total fracasso) em vez de atacarem Alepo, cujoatabeg tinha sido o responsvel pela

    perda de Edessa. O panorama continuava a ser negro para os estados latinos do Oriente. (BARBOSA,Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros, p. 24-25).101 BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros, p. 24-

    25.

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    clrigo Osberto de Bawdsey, publicada por Aires de Nascimento102. Estetestemunho muito pormenorizado e enriquecedor do ponto de vista histricoe, como tal, ser privilegiado na nossa investigao. Em segundo plano, temosas cartas de trs cruzados germnicos (Arnulfo, Duodequino e Vinando) que,

    entre si, diferem pouco quanto ao contedo. Dentro do lote destas ltimas,decidimos seleccionar a narrao de Arnulfo que se destinava ao bispo Milode Terouenne. Esta ltima missiva possibilita-nos tambm a obteno de novosdados que no ousamos ignorar 103. A concentrao dos navios, que transportavam as foras cruzadas com destinoao reino portugus, ocorrera no porto ingls de Dartmouth104. Obviamente quea expedio apenas se rene a, sendo errneo assinalar aquele espao como

    primeiro ou nico ponto de partida das tropas crists estrangeiras105

    .Feito este apontamento, interessa avaliar as dimenses que envolviam estafora expedicionria. Em relao ao nmero dos navios, existem algumascontradies entre os cronistas. Raul menciona a existncia de 164embarcaes 106 (s quais podem ser adicionadas outras 5 que tinham partidoantecipadamente 107) enquanto que Arnulfo, aponta para a presena de quase200 navios108. Reunidos estes dados, deduzimos que a frota crist deveriapossuir entre centena e meia a duas centenas de barcos. No que diz respeitoao nmero de cruzados transportados, Pedro Gomes Barbosa estima umacomparncia a rondar os 13 000 109. Estes soldados tinham, entre si,provenincias geogrficas distintas, e por isso, destacamos a presena deingleses, normandos (vassalos do rei ingls), flamengos, colonienses, bretes,escoceses, bolonheses 110. Os seus lderes eram o conde Arnaldo de Aerschot(responsvel pelas foras do Sacro Imprio Romano-Germnico), Cristiano de

    102 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 55-147.103 Pedro Gomes Barbosa apresenta uma sntese sobre estas verses secundrias, sendo mais completa, a

    anlise que efectua sobre o testemunho de Duodequino que era destinado a Cuono, quarto abade deLogenstein. (Veja-se: BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidadereconquistada aos mouros, p. 82-87; MATTOSO, Jos - D. Afonso Henriques, p. 173-174). A carta deArnulfo pode ser consultada em: OLIVEIRA, Augusto de -Conquista de Lisboa aos mouros (1147). Narraes pelos cruzados Osberno e Arnulfo, testemunhas presenciais do cerco, p. 113-118.

    104 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 55.105 BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros, p. 82.106 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 55.107 BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros, p. 27.108 OLIVEIRA, Augusto de -Conquista de Lisboa aos mouros (1147). Narraes pelos cruzados

    Osberno e Arnulfo, testemunhas presenciais do cerco, p. 113.

    109 BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros, p. 27.110 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 55. (Veja-setambm: BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aosmouros, p. 27).

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    Gistelles (comandante das foras flamengas e bolonhesas), Hervey deGlanville (com autoridade sobre os homens de Norfolk), Simo de Dover (cujaateno dedicava aos efectivos de Suffolk), Andr de Londres (que chefiava osnavios de Kent) e Sario de Archelles (que olhava pelas restantes

    embarcaes da frota)111

    . A expedio abandona Dartmouth a 23 de Maio de 1147 (numa sexta-feira) e,por via martima, alcana o Porto, a 16 de Junho (numa segunda-feira) 112. Assim sendo, as tropas estrangeiras, que tentariam mais tarde a sua sorte emLisboa, encontravam-se j em territrio portugus. Todavia, importantequestionar se a sua chegada ocorreu por acaso ou na sequncia denegociaes prvias.

    Todos os indicadores existentes solidificam a segunda hiptese. No relato deRaul, observamos que o bispo do Porto tinha j conhecimento da chegadaiminente dos cruzados, tendo recebido, na vspera, uma carta de D. AfonsoHenriques (este j tinha partido, h 10 dias, rumo a Lisboa) que o incumbia dereceber bem os francos e de os convencer a seguir para o assdio daquelaurbe113.Por sua vez, Jos Mattoso aponta outros argumentos de maior interesse que

    111 Sintetizando, Arnaldo de Aerschot estava frente dos soldados germnicos, Cristiano de Gistellesliderava as hostes flamengas enquanto que os outros quatro comandantes assumiam uma chefiarepartida sobre os contingentes ingleses e normandos. (NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboaaos mouros. Relato de um cruzado, p. 55).

    112 Espaos percorridos durante este trajecto, segundo Raul: Dartmouth - Bretanha - Picos nos Montes Pirinus- porto deSo Salvador (perto de Oviedo) - Ribadeo (prximo de Lugo) -Ortgia - Torre do Farol - porto de Tambre (no longe de Iria Flavia e Santiago de Compostela) - Ilha de Flamba -Porto. Aires de Nascimento equivoca-se (provavelmente sem qualquer inteno) ao afirmar que achegada dos cruzados ao Porto ocorreu em 16 de Julho (em vez de Junho). Por sua vez, Jos Mattosodata acertadamente este episdio no dia 16 do ms de Junho (1147). (NASCIMENTO, Aires - Aconquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 57-61, 157 veja-se nesta ltima pgina anota nr. 21; MATTOSO, Jos - D. Afonso Henriques, p. 175).

    113 A propsito desta discusso, Pedro Gomes Barbosa concentra a sua investigao, no dia 6 de Junho,data que, de acordo com D. Pedro Pites, ter marcado a partida de D. Afonso Henriques em direcoa sul. Nesse mesmo dia, a frota dos cruzados no tinha sequer alcanado o Pas Basco e muito menos,a regio da Galiza. verdade que aqui podem constituir excepo, os cinco navios que partiram frente mas estes mesmos chegaram ao Porto apenas dois dias depois de D. Afonso Henriques terefectuado a sua partida. Por outro lado, importante relembrar que o monarca e as suas tropasdevero ter sado de Coimbra e no do Porto. Por isso, no cremos que o soberano tivesse entrado,nesse momento, em conversaes com os homens destas embarcaes que se anteciparam. Alis, nanossa perspectiva, o soberano ter aproveitado a oportunidade de estabelecer contactos ainda antes dachegada de qualquer embarcao (pertencente mencionada frota) s costas da Pennsula Ibrica.Corroboramos ento a ideia de Pedro Gomes Barbosa que salienta queno de um dia para o outroque se podero reunir foras suficientes para atacar uma praa to bem defendida como era Lisboa.

    Assim sendo, estes dados reforam a ideia de que o soberano portugus j teria conhecimento, commaior antecedncia, da chegada iminente dos cruzados. (NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 61-73; BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros, p. 32-33).

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    atestam a ocorrncia de negociaes prvias que foram decisivas para aparticipao desta frota estrangeira no empreendimento estudado. Em primeirolugar, encontramos uma carta enviada por Bernardo de Claraval a D. AfonsoHenriques, onde o primeiro garante vagamente ao rei que receberia a resposta

    que desejava , na sequncia de um pedido j feito114

    . A nossa suspeio ainda alimentada pelo facto de Bernardo de Claraval ter tambm pregado nosactuais Pases Baixos, entre Julho de 1146 e Janeiro de 1147. Como sabemos,um nmero considervel dos cruzados que participara no cerco de Lisboa eraproveniente daquele espao. Como se no bastasse, aquele homem conheciaainda pessoalmente Cristiano de Gistelles, comandante das tropas de Flandrese Bolonha. Exposto isto, acreditamos que, pelo menos, a chegada dos

    flamengos no ter sido fruto do acaso.O bigrafo de D. Afonso Henriques discrimina ainda outros dois indcios quereforam esta teoria at ento desenvolvida. Dentro deste contexto, aquelehistoriador estranha a partida precoce da expedio concentrada emDartmouth (a 23 de Maio) que antecedeu a sada dos contingentes de Lus VIIe Conrado III (verificada em Junho). Neste ponto, no podemos olvidar o factodestes ltimos terem decidido efectuar o seu percurso por terra o quepressupunha uma viagem mais morosa. Adquire ento consistncia a ideia deque estava j prevista, desde o incio do percurso da frota de Dartmouth, umaparagem algo prolongada. A outra pista est relacionada com as verses doscavaleiros teutnicos Vinando, Arnulfo e Duodequino que no parecem estarsurpreendidos com o trajecto seguido, ao longo da sua aventura, reforandoainda mais a opinio anterior 115. Analisada esta problemtica, regressamos ao Porto que, recebera ento asforas exteriores, a 16 de Junho de 1147. Como observramos, o bispo doPorto recebe uma carta do rei D. Afonso Henriques que o incumbia deassegurar uma recepo digna e pacfica aos cruzados e de tentar obter umacordo com estes. O diocesano deveria ainda disponibilizar-se como garantedesse acordo juntamente com outros que pudessem ser requeridos para esseefeito. O clrigo cumpriria estas ordens enquanto que, por seu turno, omonarca portugus, como j referimos, teria partido com o exrcito portugus

    114 A referida carta foi publicada por Jean Mabillon, no sculo XVII. A sua autenticidade no pareceestar em causa. (MATTOSO, Jos - D. Afonso Henriques, p. 168-170).

    115 MATTOSO, Jos - D. Afonso Henriques, p. 168-170.

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    h 10 dias, rumo a Lisboa, esperando assim a chegada dos reforos previstos.Durante esta estadia no Porto, no podemos ignorar o clebre (e tambmdecisivo) sermo116 do bispo D. Pedro Pites que fora efectuado no terreiro dacasa episcopal. O seu discurso tem em conta quatro aspectos essenciais:

    1- As exortaes de mbito religioso imperam e assim sendo, o mencionadoclrigo apela aos cruzados para que privilegiem os servios a Deus emdetrimento dos interesses materiais 117.2- Tal como Urbano II, que descrevera um cenrio terrvel no Oriente, aquandodo lanamento da Primeira Cruzada 118, tambm aquele homem da Igrejaportuguesa faria o mesmo, embora em relao ao ocidente peninsular. Ele

    alertara para as desgraas que tinham ocorrido na Espanha , desde a invasomuulmana. Os saques acompanhados pelo derramamento de sanguecausavam muito dano aos cristos daquele territrio. Dentro deste contexto, D.Pedro Pites tenta sensibiliz-los para a causa hispnica 119.3 - No mbito da temtica da guerra santa, o bispo do Porto legitima acampanha contra o infiel , recordando que o lema quem com ferro mata, comferro morre no se aplica aos mpios que devem ser neutralizados 120. Naperspectiva do discursante, no crueldade quando se pune em nome deDeus, piedade e quem elimina os maus, e tem razes para os matar, ministro do Senhor 121.4 - Os cruzados so ainda informados da partida precoce de D. AfonsoHenriques e suas tropas (ocorrida 10 dias antes) com destino a Lisboa. OConquistador j previra a chegada dos contingentes estrangeiros e, por isso,encarrega o bispo de os receber bem e tentar o acordo (onde mencionadauma proposta de dinheiro caso os cruzados decidam assediar Lisboa). Odiocesano partilha todas estas directivas com os cruzados, entregando-secomo penhor da promessa 122 .

    116 O seu discurso est cheio de citaes de figuras clebres da histria da Igreja. O mesmo encontra-se publicado em: NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p.61-73.

    117 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 61-73.118 RUNCIMAN, Steven - Histria das Cruzadas. Vol. I, p. 92-95.119 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 67-69.120 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 69.

    121 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 69-71.122 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 73. (Como jreferimos, este discurso extenso proferido pelo bispo do Porto pode ser analisado entre as pginas 61 e73).

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    Finalizado o sermo, os cruzados decidem rumar a Lisboa para conversar como rei portugus, transportando consigo D. Pedro Pites e ainda D. JooPeculiar, arcebispo de Braga. A frota abandona o Porto, a 27 de Junho e

    alcana muito pouco tempo depois, o esturio do Tejo123

    . As hostes estrangeiras deparavam-se agora com Lisboa que seria descritapelos cronistas cristos. O anglo-normando Raul testemunha o potencialeconmico124 e humano 125 da cidade. A nvel militar, aponta para a existnciade 15 000 soldados muulmanos que, armados com lanas e escudos,estavam dispostos a vender cara a vitria s tropas crists 126. Contudo, umexrcito destas dimenses era insuficiente para proteger devidamente o

    permetro da urbe lisboeta. Como se no bastasse, muitos dos seus efectivosnem sequer tinham recebido o indispensvel treino militar 127. Por seu turno, ogermnico Arnulfo no poupa elogios s estruturas defensivas de Lisboa,destacando as suas muralhas e torres e classificando-a como inexpugnvel porforas humanas 128 . Aps observarem distanciadamente Lisboa, os cruzados procuram odesembarque na praia junto quela cidade. Todavia o primeiro contingente decruzados que logra desembarcar imediatamente atacado por algunsmuulmanos que acorreram ao areal. Estes ltimos vm os seus intentosfracassados e retiram-se prontamente 129. A propsito desta primeira

    123 Jos Mattoso assinala que a chegada ao Tejo ter ocorrido no dia 28 de Junho o que parece sercredvel. O mesmo j no podemos aferir relativamente data que ele prope para a sada da frota doPorto - 17 de Junho (tal pressupunha 11 largos dias de viagem!). Por sua vez, o presbtero Raul claro:Uns dez dias depois [27 de Junho], porm, carregadas as nossas bagagens em companhia dosbispos fizemo-nos vela e fizemos prspera viagem.(NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboaaos mouros. Relato de um cruzado, p. 73-75; MATTOSO, Jos - D. Afonso Henriques, p. 175).

    124 Raul menciona a existncia de variados produtos de solo (alguns derivados de rvores, como aoliveira ou a figueira, e das vinhas), pastos, gneros de caa, coelhos, aves de inmeras espcies, ouro, prata, artigos de luxo, ferro.(NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de umcruzado, p. 77).

    125 Esta testemunha presencial do cerco estima a presena de 60 000 famlias que pagavam tributo(excluindo os homens livres de impostos). O referido presbtero consegue ainda recolher asinformaes fornecidas pelo alcaide que, aps a tomada de Lisboa, confessou que, em temposrecentes, tinham chegado a existir 154 000 homens. Nesta contagem mais precisa, aquele oficial rabeexclui as mulheres e as crianas, mas j incorpora os refugiados de Santarm, os nobres recm-chegados de Sintra, Almada e Palmela, e ainda, os mercadores de outros territrios da Espanha ou provenientes de frica. (NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de umcruzado, p. 79).

    126 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 75-79.

    127 BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros, p. 35.128 OLIVEIRA, Augusto de -Conquista de Lisboa aos mouros (1147). Narraes pelos cruzadosOsberno e Arnulfo, testemunhas presenciais do cerco, p. 114.

    129 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 79-81.

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    escaramua, Pedro Gomes Barbosa acredita que aquele contingente cristo depequenas propores fora alvo de um ataque efectuado, no por soldadosprofissionais da urbe, mas sim pelos habitantes do arrabalde 130. Estainterpretao pode justificar perfeitamente o desfecho daquele primeiro

    episdio blico que ocorrera a 28 de Junho.Com o restante desembarque a decorrer provavelmente dentro danormalidade, os cruzados procuram agora comparecer diante de D. AfonsoHenriques para ouvir a sua proposta. O monarca portugus estava j nasproximidades de Lisboa, tendo aguardado durante mais de 8 dias pelachegada dos reforos desejados. Em 29 de Junho, ocorre o encontro previsto,tendo o discurso de D. Afonso Henriques assumido protagonismo total. O

    Conquistador apela piedade e no ganncia dos cruzados para aconcretizao do empreendimento, reconhecendo simultaneamente asdebilidades que afectavam o tesouro real, as quais se deviam s constantesguerras com os mouros. O soberano portugus incita os cruzados aseleccionarem os seus representantes para que o acordo seja negociado commaior facilidade e tranquilidade131.Os cruzados tinham ento que conceder uma resposta decisiva. Todavia oconsenso entre as foras estrangeiras no foi total. Por um lado, os flamengos,colonienses, bolonheses, bretes e escoceses aceitaram auxiliar as tropasportuguesas na tomada de Lisboa, enquanto que, por outro lado, GuilhermeVtulo (obcecado por actos de pirataria), Radulfo (irmo deste ltimo), oshomens de Northampton e de Hastings no perdoam a traio do rei queocorrera cinco anos antes 132. Tambm alguns normandos de Southampton e de

    130 BARBOSA, Pedro Gomes -Conquista de Lisboa - 1147. A cidade reconquistada aos mouros, p. 42-43.

    131 NASCIMENTO, Aires - A conquista de Lisboa aos mouros. Relato de um cruzado, p. 81-83.132 De facto, teria ocorrido