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NORMA GISELE DE MATTOS
FORMAÇÃO CRÍTICO-REFLEXIVA DE UMA PROFESSORA DE INGLÊS: PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE
CUIABÁ-MT 2010
NORMA GISELE DE MATTOS
FORMAÇÃO CRÍTICO-REFLEXIVA DE UMA PROFESSORA DE INGLÊS: PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem, sob a orientação da professora Drª Solange Maria de Barros Papa. Área de concentração: Estudos Linguísticos Linha de Pesquisa: Formação Contínua do Professor: (Re)Construção da Prática Pedagógica
CUIABÁ-MT
DEDICATÓRIA
A meu pai (in memorian), que sempre desejou que eu fosse feliz no caminho que eu escolhi trilhar. Comecei a empreitada por mim e termino por você pai, que me deixou no meio desse
caminho. Você se foi, mas... em mim sempre permanecerá... fiquei sem meu norte... e foi difícil continuar..., mas, por você ...consegui.
A minha mãe, que tanto amo e com a qual compartilho o amor pelas letras, que me deu todo o
apoio sempre, de todas as maneiras possíveis, e no momento em que fraquejei, me disse as palavras certas que me fizeram prosseguir.
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Solange Maria de Barros Papa, minha orientadora, meus
agradecimentos por compartilhar comigo seus conhecimentos acadêmicos e por acreditar que
eu seria capaz de realizar esse trabalho. Obrigada pelo carinho e amizade nos momentos
difíceis que enfrentei durante essa caminhada.
À Professora Doutora Viviane de Melo Resende, pela leitura minuciosa do texto, pelas
valiosas contribuições que muito enriqueceram este estudo e pela disponibilidade em ajudar,
demonstrada ao longo do caminho.
Ao Professor Doutor Danie Marcelo de Jesus, pela atenção e disponibilidade em ouvir
e pelas sugestões que contribuíram tão significativamente na construção deste estudo.
Às Professoras Doutoras Maria Rosa Petroni, Ana Antônia Assis-Peterson e Maria
Inês Pagliarini Cox, pelos conhecimentos compartilhados e o incentivo ao trabalho científico.
À participante desta pesquisa, por sua disponibilidade, por compartilhar comigo seus
saberes e por permitir que construíssemos, juntas, significados valiosos para a melhoria da
educação.
Aos meus queridos colegas da Unemat e amigos, Bárbara Cristina Gallardo, pela
preciosa ajuda sem a qual não teria chegado aqui, Cecília de Campos França, pela sensatez e
incentivo contínuo e Isaías Munis Batista, pela correção minuciosa e detalhada. Obrigada a
todos vocês, pela preciosa ajuda na construção deste estudo.
Às minhas queridas amigas Luciane Leão e Flávia Krauss, por todo o carinho e
amizade, que me deram suporte ao longo do caminho.
Aos meus colegas de mestrado e amigos, Simone Miller da Silva, Larissa Claro e
Epaminondas de Matos, por compartilhar não só um sentimento, mas uma condição, de estar
longe de casa, e dividir um espaço em Cuiabá, que carinhosamente chamávamos de “kit
mara”, tão importante pra nós, por estarmos tantos quilômetros distantes de nossa casa e
nossas famílias.
As colegas de mestrado e vizinhas Soeli Rossi e Bete, que me acolheram e ajudaram
sempre que necessário e possível.
Ao meu querido amigo Flávio Rosa por sua preciosa ajuda na reta final.
À colega de mestrado e amiga fiel Eliana Albergoni, por abrir sua casa e seu coração,
e dar abrigo, carinho, amizade e acolhimento junto a sua família.
A meu marido Wellington, pela compreensão nas minhas ausências e presenças
“ausentes”, pelo incentivo, apoio e amor dispensados a mim e a meu filho Ciro, que mesmo
distante, sei que torce muito por mim e compartilha o mesmo amor pelas letras.
À minha mãe, peça fundamental na minha vida, pelo amor incondicional, pelo suporte
emocional e financeiro e pela força nos momentos em que fraquejei e a meu pai (in
memorian) que tanto vibrou com minhas vitórias e se solidarizou nas minhas derrotas.
A meu irmão Cássio, minha cunhada Adriana e sobrinhas Ana Carolina e Marina que
mesmo de longe torceram por mim e me incentivaram.
A todos os meus amigos e familiares, que torceram e acreditaram na minha
capacidade.
A Deus, que me sustentou nos momentos de dor e alegria que permearam essa
caminhada.
RESUMO
MATTOS , Norma Gisele de. Dissertação de Mestrado em Estudos de Linguagem. Orientadora: Professora Drª. Solange Maria de Barros Papa, Cuiabá, MT Universidade Federal do Mato Grosso, 2010.
A presente pesquisa teve como objetivo geral verificar se a prática discursiva de uma
professora de inglês da escola pública em formação crítico-reflexiva, está em consonância
com sua prática docente, haja vista o seu engajamento no grupo de estudos e projetos sociais..
Para atingir este objetivo geral foram propostas as seguintes perguntas de pesquisa: 1- O dizer
da professora, em formação na perspectiva crítico-reflexiva, participante dessa pesquisa,
encontra-se em consonância com os fundamentos dessa prática? 2-As modalidades presentes
no discurso da professora revelam comprometimento e engajamento em relação a sua prática
pedagógica? 3-As marcas lingüísticas presentes em seu discurso denotam mudanças em sua
prática pedagógica em relação à formação para a prática crítico-reflexiva? A relevância deste
estudo está na contribuição que se almeja obter estudando se o que paira na prática discursiva
transcende e opera mudanças na prática docente em seu cotidiano, justificando assim a
formação inicial e continuada dentro desse paradigma ou não. A pesquisa é de cunho
interpretativista e a geração de dados foi feita através de gravações de entrevistas, conversas
informais e de interação em sala de aula. A análise de dados foi realizada através da Análise
de Discurso Crítica (doravante ADC) de Norman Fairclough (1989; 2003) em consonância
com a Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday (1994) e o estudo sobre o papel político
dos pronomes de Pennycook (1994). Com essa pesquisa, tentamos contribuir nos estudos
realizados acerca da formação continuada dos professores, e verificar se o que tem sido feito e
proposto dentro do paradigma do professor crítico reflexivo está apresentando resultados
práticos na realidade escolar.
Palavras-chave: prática discursiva, prática docente, formação continuada.
ABSTRACT
This research which aimed to determine whether the discursive practice of an English
teacher, of the public school education in critical and reflective perspective, is consistent with
her teaching practice, considering her engagement in groups of social studies and projects. To
achieve this general goal, the following research questions, have been proposed: 1-The
“saying” of the teacher in training within the perspective of critical-reflective, participant in
this research is in line with the fundaments of this practice? 2-The arrangements on the speech
of the teacher show commitment and engagement in relation to her pedagogical practice? 3-
The linguistic marks present in her speech denote changes in her teaching practice in relation
to her training to practice critical and reflective? The relevance of this study is the
contribution, that aspires to achieve by studying what looms on discursive practice and
operates beyond changes in teaching practices in her daily life, thereby justifying the initial
and continuing training in this paradigm or not. The research is an interpretative one and data
generation was performed through recordings of interviews, informal conversations and
interaction in the classroom. Data analysis was performed using Critical Discourse Analysis
(henceforth CDA) of Norman Fairclough (1989, 2003) in line with the Systemic Functional
Grammar (henceforth GSF) of Halliday (1994) and the study on the political role of the
pronouns by Pennycook (1994). With this research, we try to contribute in studies about the
continuing education of teachers, and verify if what has been done and proposed within the
paradigm of critical reflective teacher is presenting practical results.
Key-words: discursive practice, critical-reflective perspective, continuing education
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO - O PONTO DE PARTIDA .............................. 13
CAPÍTULO 1 ................................................................................ 18 1.1 A FORMAÇÃO CRÍTICO-REFLEXIVA DO PROFESSOR DE
LE.................................................................................................... 18 1.2 FUNDAMENTOS DA PEDAGOGIA CRÍTICA NO BRASIL 28 1.3 PESQUISA COLABORATIVA: UMA PERSPECTIVA
CRÍTICO-REFLEXIVA.................................................................. 30 CAPÍTULO 2 ................................................................................ 33 2.1 PERSPECTIVA TEÓRICO-ANALÍTICA: ANÁLISE DE
DISCURSO CRÍTICA DE NORMAN FAIRCLOUGH (1992; 2003)................................................................................................ 33
0.2.1.1 Discurso .......................................................................................... 36 0.2.1.2 Contexto ......................................................................................... 36 0.2.1.3 Sujeito ............................................................................................. 37 0.2.1.4 Intertextualidade e Interdiscursividade ..................................... 37 0.2.1.5 Ideologia ......................................................................................... 38 0.2.1.6 Hegemonia .................................................................................... 38 0.2.1.7 Poder ................................................................. ............................ 39 0.2.1.8 Modalidade: uma categoria da Dimensão Textual
(FAIRCLOUGH, 2001-3) ............................................................. 40 2.2 GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL (GSF) DE
MICHAEL HALLIDAY (1985; 1994) EM CONSONÂNCIA COM A ADC DE FAIRCLOUGH (1989; 2003)......................... 41
0.2.2.1 Metafunção Ideacional ou Experiencial: Transitividade .......... 42 0.2.2.2 Metafunção Interpessoal ................................................... 44 2.3 O PAPEL POLÍTICO DOS PRONOMES NO DISCURSO
SEGUNDO PENNYCOOK (1994)................................................. 46 2.4 O REALISMO CRÍTICO DE BHASKAR (1989; 1998; 2002), A
EMANCIPAÇÃO E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL................. 48 CAPÍTULO 3 ................................................................................ 52 3.1 A PARTICIPANTE DA PESQUISA.............................................. 52 3.2 CENÁRIOS DA PESQUISA........................................................... 53 3.3 A NATUREZA DA PESQUISA..................................................... 53 3.4 A ENTRADA EM CAMPO............................................................ 54 3.5 A CONSTRUÇÃO DO CORPUS................................................... 55 3.6 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE................................................ 56 CAPÍTULO 4 ............................................................. .................. 59 4.1 O INÍCIO: A FORMAÇÃO DA PROFESSORA E A
PROFESSORA EM FORMAÇÃO.................................................. 59 4.2 IMPRESSÕES SOBRE A ANÁLISE: RECONHEÇO-ME NO
ESPELHO?....................................................................................... 95 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................ 103 REFERÊNCIAS............................................................................. 112 APÊNDICE ..................................................................................... 118
LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Concepção tridimensional do discurso (FAIRCLOUGH, 1992,
p. 101) ............................................................................................. 34
FIGURA 2 Modelo Transformacional da Atividade Social .......................... 50
LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Fatores desejáveis para que a reflexão transforme-se em ação 27
QUADRO 2 Processos e suas relações ............................................................... 43
QUADRO 3 Polaridade (HALLIDAY, 1994, p. 88) ......................................... 45
QUADRO 4 Tipos de Modalidade analisadas neste trabalho ......................... 57
QUADRO 5 As modalidades e sua relação com o comprometimento ........... 81
QUADRO 6 Os identificadores e seus papéis ................................................... 83
QUADRO 7 Proposta de Sofia (Excerto 9, linha 10) ....................................... 89
QUADRO 8 Identificadores e suas representações .......................................... 92
INTRODUÇÃO
O PONTO DE PARTIDA
Minha trajetória como professora de inglês desde 1987 em diferentes instituições de
ensino públicas e privadas tem sido permeada por uma inquietação: por que ensinar inglês na
escola pública se o ensino deste idioma é definido por muitas pessoas como “inútil”,
“ineficiente”, “fraco”, “falho”? Tais adjetivos são, comumente, usados para (des)qualificar o
ensino de idiomas na rede pública, dando forma a um discurso que vem sendo disseminado há
muito tempo e tornou-se hegemônico. Em parte talvez isso se deva ao fato de muitos alunos
falarem que durante os ensinos fundamental e médio só aprenderam o verbo “to be” e mais
nada. Alguns professores de língua inglesa, de certa forma, contribuem para a naturalização
desse discurso, ao reproduzi-lo sem saber ao certo a serviço de que interesses o fazem.
O ensino de língua inglesa na escola pública não atinge os resultados esperados devido
a vários fatores. Os motivos do insucesso do ensino público de língua inglesa mais apontados
pela sociedade e pesquisadores como Freire (1986), Perrenoud (2002), Papa (2008), entre
outros, são:
1) Falta ou inadequação do material didático;
2) Carga horária insuficiente;
3) Super lotação das salas de aulas;
4) Falta de laboratórios de língua e/ou equipamento de boa qualidade;
5) Descontinuidade ou fragmentação do conteúdo,
6) Má formação dos professores.
Um dos fatores da ineficiência no ensino de língua inglesa na escola pública, mais
recorrentes nos discursos e nas pesquisas sobre essa temática é a má formação de professores.
Diante dessa questão educacional complexa, a formação inicial e continuada de
professores de língua inglesa me pareceu a mais prioritária. De modo mais específico, a
formação inicial e continuada na perspectiva do professor crítico-reflexivo, é o que me
interessa investigar. Isso posto, apresento a seguinte questão de pesquisa: “O professor com
formação inicial e/ou continuada dentro do paradigma do professor crítico reflexivo estaria
melhor preparado para gerir sua prática e construir um contradiscurso ao discurso hegemônico
que desvaloriza e desacredita o ensino de inglês na escola pública?
Percebi depois de um tempo, não sei precisar quanto, que tentar mudar essa realidade
sozinha seria um trabalho relativamente infrutífero e extremamente solitário. Trabalhar
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trocando idéias e experiências com outros professores, tentando resolver os problemas à
medida que eles aparecem, dividindo as alegrias e angústias do cotidiano escolar, pode ajudar
a desfragmentar o ensino de conteúdos e talvez então os alunos percebam a importância do
aprendizado de uma segunda língua. Geralmente, ninguém se interessa por algo que não
pareça fazer sentido ou que não tenha utilidade prática. Na maior parte do tempo, é preciso
estabelecer um objetivo para o aprendizado de alguma disciplina, para que esse sirva de
motivação.
Tive um insight quando comecei a lecionar no ensino superior em 2006, época em que
me dei conta de que algumas mudanças seriam desejáveis, que de certa forma a questão
estava na formação dos professores, tão massacrados e responsabilizados por infindáveis
questões de ensino, perdidos diante de tantas acusações e sem saber o que fazer diante dos
problemas que se apresentam em suas práticas cotidianas. As mudanças poderiam se dar a
partir dos cursos de licenciatura, de forma que os futuros profissionais teriam a oportunidade
de trocar experiências, de ter contato com o contexto escolar por meio de docentes que já
atuam na área educacional e que poderiam auxiliá-los em um processo de colaboração mútua
a se prepararem melhor para enfrentar a práxis docente com maior segurança através de uma
prática colaborativa.
Em função dessa inquietação, refleti e concluí que meus conhecimentos linguísticos e
minha experiência profissional teriam de ser repensados. Mas foi somente em meados de
2007 que comecei a fazer leituras a respeito da formação continuada de professores, ainda de
forma bastante desordenada e sem saber ao certo aonde tais leituras me levariam. Assim, ao
iniciar o curso de mestrado, influenciada pelas leituras e pelas aulas de formação de
professores, interessei-me em especial pela formação crítico-reflexiva dos professores de
língua inglesa. Notei que as crenças de que o ensino de LI na escola pública não se justifica
por ser “fraco”, “improdutivo”, “sem sentido” eram disseminadas não só pelos alunos, mas
também por profissionais da área educacional e que isso poderia estar ligado ao fato de os
próprios professores e gestores sentirem-se de certa forma despreparados ou inseguros para
gerir suas práticas.
Por acreditar que a formação continuada de professores por meio de sessões reflexivas
e/ou conversas colaborativas pode contribuir para desnaturalizar ideologias e promover a
emancipação dos sujeitos professores que, por sua vez, poderão estar mais atentos ao papel
político de sua ação docente e contribuir na formação crítica de seus alunos, como sugerem
Liberali, Magalhães e Romero (2003, p. 162), sigo esse caminho para a presente pesquisa
investigatória.
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A relevância desta pesquisa está na necessidade de analisar se uma professora em
formação crítico-reflexiva que participa de sessões reflexivas e/ou conversas colaborativas,
demonstra condições de aliar teoria à prática crítico-reflexiva na busca de alternativas e
soluções viáveis para que o ensino de língua estrangeira, em especial a língua inglesa, possa
acontecer de maneira mais eficaz.
Nessa linha do professor crítico-reflexivo, são muitas as pesquisas realizadas com o
intuito de ajudar a solucionar os problemas de ordem docente, através da reflexão crítica. À
primeira vista, parece redundante falar em professor crítico e reflexivo, pelo fato de a reflexão
e a crítica serem vistas comumente como duas qualidades inerentes aos seres humanos, em
especial aos professores. Mas essa linha crítico-reflexiva, de acordo com Zeichner (1993),
está ligada a um “pensar especializado”, a um refletir com objetivos específicos, algo muito
maior do que tais características humanas, que são o refletir e o criticar enquanto adjetivos. O
docente que reflete acerca de sua prática poderá ter maiores condições de transformá-la em
algo melhor, mais promissor. Tal prática não representa, de forma alguma, um caminho certo
e indiscutível para resolução de problemas educacionais, contudo pode representar um
caminho auspicioso para a melhoria da prática docente e, consequentemente, do
aproveitamento discente. Para essa empreitada é preciso que o docente esteja disposto a rever
sua prática e repensar algumas crenças cristalizadas. Nessa direção, Papa (2008) revela sua
visão a respeito da prática pedagógica emancipatória:
A atuação como pesquisadora revelou-me uma certeza: o caminho para se chegar à emancipação e transformação social, deve, primeiramente, passar por mudanças no nível de estrutura interna. Daí a necessidade de se repensar os aspectos relacionados a valores, crenças, atitudes, sentimentos e identidade, que podem contribuir para a construção de um projeto emancipatório. (p. 200)
A perspectiva emancipatória de Papa (2008) também sinaliza que a busca pela
emancipação deveria vir de uma auto-reflexão, da disposição de repensar opiniões, crenças,
sentimentos e identidade. Todavia, vale ressaltar que esse exame, essa reflexão não garante a
solução dos problemas advindos do processo de ensino e aprendizagem, mas pode melhorar
significativamente a relação que os professores têm em relação ao seu interior e ao seu
exterior, abrindo caminho para que a emancipação e uma possível transformação social
aconteçam.
Na perspectiva do professor crítico-reflexivo, o docente convida seus alunos a refletir
criticamente no processo educacional, possibilitando assim a construção de saberes de
maneira cooperativa. Trata-se, portanto, de um caminho de mão dupla, em que ambos,
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docente e discente, aprendem e ensinam. Aproxima-se, portanto, dos princípios da Educação
Libertadora, proposta por Freire, na defesa de que o conhecimento se constrói em sala de aula
em um processo conjunto, professores e alunos colaboram com essa construção mutuamente.
O processo de mudança na prática docente e discente pode acontecer através da
emancipação. Nesse sentido, conforme Bhaskar (1989), “não há como emancipar alguém se
não nos emanciparmos.” Em outras palavras, como alguém pode desejar que outrem seja
feliz, autônomo e livre se “ele mesmo” não consegue se libertar das amarras, muitas vezes
invisíveis que “o” aprisiona.
O professor, como qualquer outro profissional, faz escolhas durante sua prática, e
talvez uma das escolhas mais difíceis seja a de empreender uma auto-reflexão com o objetivo
de rever suas crenças, sentimentos e atitudes. Essa prática é o princípio de uma reflexão, ação
que visa analisar valores, crenças, práticas, caminhos metodológicos e pedagógicos,
juntamente com suas consequências e resultados para os envolvidos no processo educacional.
A emancipação, dentro desse paradigma, aconteceria através do que Bhaskar chamou de ‘ato
de vontade’, que faz com que os professores se engajem em projetos que visam à
transformação social. O ato de vontade, definido como impulso emancipatório por Bhaskar
(2002, p. 39), está ligado a um desejo de mudanças, de libertação.
Nesta perspectiva, o objetivo geral desta pesquisa é analisar o “dizer” de uma
professora de inglês da escola pública em processo de formação crítico-reflexiva em relação a
sua prática docente. A professora participou de grupos de estudos, envolvendo mais duas
professoras da escola pública, em um projeto conjunto, no qual ela mesma atuou como
pesquisadora e participante ativa nesse processo de colaboração. Busca-se por meio deste
estudo, verificar se os cursos de formação inicial e continuada dentro da perspectiva crítico-
reflexiva de fato apresentam resultados significativos em docentes envolvidos nesse
paradigma.
Alguns estudiosos, como Alarcão (1996) e Pimenta (2008), apontam críticas sobre o
pensamento crítico-reflexivo. Para esses pesquisadores, existe uma desarticulação entre a
teoria e a prática reflexiva, o que por sua vez reforça a necessidade e a relevância de mais
estudos sobre tal problemática. A questão da articulação entre teoria e prática crítico-reflexiva
do educador de línguas, por exemplo, ainda é pouco estudada. Surgiu, daí, meu interesse em
investigar se a professora, que participou de grupos de estudos sobre formação crítico-
reflexiva de educadores de língua inglesa, estaria articulando a teoria crítico-reflexiva à sua
prática pedagógica, considerando o seu engajamento em eventos dessa natureza. O meu
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objetivo é desvelar os caminhos possivelmente percorridos por ela no seu processo de suposta
articulação entre o seu dizer e sua prática docente no cotidiano de sala de aula.
A partir desse objetivo, busco responder às seguintes perguntas de pesquisa:
1) O dizer dessa professora em formação dentro do paradigma do professor crítico-
reflexivo demonstra articulação entre a teoria e a prática?
2) As modalidades presentes no discurso da professora revelam comprometimento e
engajamento em relação a sua prática pedagógica?
3) As marcas linguísticas presentes em seu discurso denotam mudanças em sua prática
pedagógica em relação à prática crítico-reflexiva?
A pesquisa será realizada dentro do arcabouço teórico da Análise do Discurso Crítica
de Norman Fairclough (1989; 2003). A Análise do Discurso Crítica (doravante ADC) concebe
a linguagem como “prática social”. Segundo Fairclough (1992), “a abordagem crítica implica
em, por um lado, mostrar conexões e causas que estão ocultas e, por outro lado, intervir
socialmente para produzir mudanças que favoreçam àqueles(as) que eventualmente se
encontrem em situação de desvantagem” (p.22). Trata-se de desvelar as injustiças e
preconceitos que podem estar presentes no discurso, no sentido de ajudar a promover a
transformação social. Para a ADC, o sujeito é consciente, capaz de operar mudanças a partir
da tomada de consciência de eventuais problemas em sua prática. De acordo com Fairclough,
(2003, p.02) “a linguagem é uma parte irredutível da vida social”. Assim sendo, a linguagem e
a prática social estão indissoluvelmente imbricadas.
Busco também utilizar a abordagem da Gramática Funcional de Halliday (1994) para
analisar as marcas linguísticas do discurso, nas escolhas léxico-gramaticais feitas pela
professora. Como base filosófica, utilizarei os princípios da epistemologia do Realismo
Crítico de Bhaskar (1989) bem como a proposta de prática pedagógica emancipatória de Papa
(2008) que visa formar educadores dentro de um modelo de prática de reflexão crítica, que
nasce da autorreflexão, ligada ao repensar valores, crenças e sentimentos para então buscar a
auto-emancipação e promover a emancipação e transformação social através de ações
compartilhadas com outros professores por meio dos saberes construídos, através da essencial
colaboração entre docentes e discentes.
A organização da dissertação:
Este estudo está dividido em quatro capítulos. Na introdução, contextualizei o
problema, apresentei a justificativa, os objetivos e as perguntas de pesquisa.
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No primeiro capítulo, discorro sobre a perspectiva crítico-reflexiva na formação inicial
e continuada de professores em Linguística Aplicada. Teço um breve histórico dos
fundamentos da pedagogia crítica, da importância da reflexão no ofício do professor, nesse
caso em especial no ensino de língua estrangeira e por fim abordo os princípios da pesquisa
colaborativa crítica.
No segundo capítulo, abordo o referencial teórico-metodológico, que está dividido em
quatro partes: na primeira, mostro os fundamentos da Análise de Discurso Crítica de Norman
Fairclough (1989; 2003); na segunda, apresento os princípios da Gramática Sistêmico
Funcional, de Michael Halliday (1994); na terceira, mostro os fundamentos do estudo sobre o
papel político dos pronomes de Alastair Pennycook (1994); e, na quarta e última parte,
contextualizo o Realismo Crítico de Bhaskar (1989; 1998; 2002) e seu papel emancipatório,
que sustentam o processo de transformação social.
O terceiro capítulo é dedicado à metodologia. Descrevo a participante da pesquisa, a
composição do cenário, a natureza da pesquisa, a escolha do corpus para análise, a realização
das entrevistas e os procedimentos de análise com base na Análise de Discurso Crítica de
Fairclough (1992).
No quarto capítulo desfilo a análise de dados. Na primeira seção, apresento os tópicos
que emergem no falar da participante e que desvelam sua trajetória como professora em
formação dentro do paradigma crítico reflexivo; e, na segunda seção, apresento a análise da
negociação e compartilhamento de resultados obtidos pela pesquisa, discutindo a visão da
pesquisadora em relação à auto-percepção da professora participante da pesquisa.
Nas considerações finais, aponto as consonâncias e dissonâncias encontradas no dizer
da professora, que supostamente encontra-se em processo de transformação docente dentro do
paradigma crítico-reflexivo no ensino de língua inglesa na escola pública, fazendo as
necessárias considerações e relatando as possíveis contribuições para o aprimoramento da
práxis docente, dentro do arcabouço teórico pertinente à prática docente crítico-reflexiva.
Nessa introdução, contextualizei o problema, apresentei a justificativa, os objetivos e
as perguntas de pesquisa. Pretendo oferecer minha contribuição a outros pesquisadores que
estudam as questões relacionadas à formação inicial e continuada de professores de inglês e as
implicações derivadas dessas questões como o ensino de língua inglesa na escola pública.
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CAPÍTULO 1
Neste primeiro capítulo, discorro sobre a perspectiva crítico-reflexiva na formação
continuada de professores, teço um histórico desde o seu surgimento e finalizo mostrando os
avanços até o presente. Exponho os fundamentos da pedagogia crítica e a importância da
reflexão no ofício do professor, mais especificamente, no ensino de língua inglesa. Por fim,
apresento os princípios da pesquisa colaborativa crítica que ajudam na composição deste
trabalho.
1.1 - A FORMAÇÃO CRÍTICO-REFLEXIVA DO PROFESSOR DE LE
No que concerne à prática, em especial a prática docente, sobretudo no que se refere
ao conceito de professor reflexivo, ou ainda professor crítico-reflexivo, é comum ouvir de
certas pessoas questionamentos como: “Mas o que é isso? O professor já não é reflexivo e,
consequentemente, crítico por natureza?”. A resposta é não; pelo menos da forma como
propõe a teoria crítico-reflexiva, que se utiliza da reflexão crítica como instrumento de
melhoria da prática, que busca não somente examinar os problemas que aparecem no
cotidiano educacional, valendo-se das teorias reflexivas, mas também usar do senso crítico
para configurar as melhorias na prática.
Faz-se necessário, portanto, abordar o termo ‘reflexão’ antes de empreender um
passeio pela prática reflexiva do professor, que passou a ser o componente central de
mudanças educacionais principalmente a partir da década de 1990. Parto de Dewey (1933,
p.12 e 13), que define reflexão como sendo um processo de investigação que emerge da
dúvida e da hesitação em busca de evidências para solucionar problemas e emancipar o
professor da prática meramente “impulsiva e habitual”, passando por Schön (1983), que
apresenta a prática reflexiva como sendo o exame contínuo que o profissional, neste caso o
professor, faz de sua prática, tomando por base o conhecimento que dela possui. E, ainda
nessa temática de investigação da própria prática, Zeichner (1993) afirma que o professor
reflexivo é aquele que reconhece o valor de sua experiência. Para este autor, reflexão é um
processo de reconhecimento, por parte do docente, de que é necessário seu engajamento na
investigação da própria formação.
Nessa perspectiva, vale salientar que o conceito de reflexão que embasa parte deste
trabalho é a de que refletir abarca os sentidos de investigação da própria prática por parte dos
professores, em um processo contínuo, pensando sempre em possibilidades de se aprimorar a
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prática docente de maneira que ela atinja seus objetivos, que o ensino construa significados e
seja relevante aos que nele estão envolvidos. O professor reflexivo é aquele que pensa “o
quê”, “para quê” e “como” ensinar determinado conteúdo e de que forma agir para resolver as
questões educacionais no cotidiano educacional.
A teoria crítico-reflexiva tem como um de seus precursores o pesquisador Dewey
(1933), que abordava a prática reflexiva como algo essencial ao ofício do professor. Tal
perspectiva implica refletir sobre a prática docente, para só então refletir acerca das respostas
e ações dos alunos. Somente a reflexão contínua acerca da práxis docente pode abrir caminho
para uma desejada articulação entre a teoria e prática.
Na condição de seres humanos, o aprendizado ocorre diariamente. Quando o professor
acha que está pronto, é sinal de que ele deve parar, pois seu senso crítico deixou de funcionar.
Segundo o pedagogo, sociólogo e pesquisador John Dewey (1859-1952), “quando se fala que
um professor tem 10 anos de experiência, vale se perguntar se ele realmente tem 10 anos de
experiência ou um ano de experiência dez vezes repetido”. Com isso, o autor enfatiza que,
depois de um período longo de experiência, não é difícil que alguém se acomode com as
soluções e os caminhos trilhados até então, o que é uma grande armadilha na dicotomia teoria
e prática docente reflexiva.
Um dos estudiosos que se utilizou das pesquisas, princípios e ensinamentos de John
Dewey foi Donald Schön (1983), que se interessa pela formação de profissionais reflexivos,
nesse caso o professor. Conforme Schön (1983), em seu modelo de prática reflexiva, o
professor reflexivo tem três momentos reflexivos: reflexão-na-ação, que implica em refletir e
tomar uma decisão no decorrer da ação sem interrompê-la, levando em conta seu
conhecimento anterior como base para a tomada de decisão, reflexão sobre a ação, que é a
análise retrospectiva acerca da ação, internalizando-a e incorporando-a ao repertório de
experiências adquiridas, e reflexão sobre a reflexão-na-ação, que é a sistematização de sua
ação que leva ao desenvolvimento e conhecimento pessoal.
Esses três momentos podem ser conceituados também em relação ao nível de
compromisso do professor reflexivo: A reflexão na-ação ocorre quase que como um processo
mental automático e, portanto, com baixo nível de comprometimento; a reflexão- sobre- a
ação exige uma certa abertura, uma intenção e pré-disposição com um nível médio de
comprometimento; e por fim a reflexão sobre a reflexão-na-ação é o que determina a
construção do saber, que é uma consequência dos momentos de reflexões intencionais que
ocorreram anteriormente. É a sistematização das reflexões, portanto, com alto nível de
comprometimento.
20
Entretanto, há, com relação a esse modelo reflexivo de Schön (1983), algumas críticas
que afirmam que ele tenha sido proposto como ato individual e não como prática social,
fazendo com que sua eficácia seja limitada ou até mesmo questionável. As contribuições dos
estudos de Schön (1983; 2000) acerca do modelo reflexivo são enormes e servem de
referência para muitos estudiosos da área até os dias de hoje, a despeito das críticas sofridas.
Com relação ao processo de reflexão como prática social, Zeichner e Liston (1996)
pontuam questões, como as abordagens de ensino técnico e reflexivo. Eles consideram o
ensino reflexivo como aquele que propicia uma indagação crítica de experiências, um
repensar de valores, crenças, conhecimentos e identidades que um professor pode fazer no
sentido de melhorar sua prática. Por outro lado, o ensino técnico não pressupõe um exame,
uma auto-reflexão a respeito das proposições feitas pelo professor, tendo uma visão limitada e
descontextualizada para solucionar os problemas enfrentados durante sua prática, geralmente
obedecendo automaticamente o que é determinado por terceiros.
De acordo com Zeichner (1993), a reflexão está circunscrita como “um pensar
especializado”, “pensar com um objetivo específico”, que é o que diferencia ‘reflexiva’ e
‘crítica’ enquanto adjetivos da teoria crítico-reflexiva que está ligada a ações e objetivos.
Ainda segundo Zeichner (1993, p.17), “Refletir sobre o próprio ensino exige espírito aberto,
responsabilidade e sinceridade”. Este espírito aberto a que ele se refere, está relacionado à
capacidade de se enxergar nas opiniões advindas de outros, contribuições que podem ser
valiosas, ao invés de sucumbir à estreiteza de visão que, às vezes, parece nos tomar; a
responsabilidade está no fato de assumir os desdobramentos da ação docente e as
consequências do ensino sob o ponto de vista pessoal, acadêmico, político e social. Quanto à
sinceridade, este pré-requisito à reflexão está ligado à postura do professor em reconhecer as
limitações de suas ações sem deixar de indignar-se, não se conformar frente aos problemas
que surgem durante sua prática docente.
No que tange à natureza do processo reflexivo, Kemmis (1985, p. 148-149) elenca as
seguintes características:
1- Existe relação entre reflexão e ação sobre o contexto em que o professor se encontra;
2- Pressupõe relações sociais, ou seja, tem caráter coletivo;
3- Serve aos interesses humanos, políticos, culturais e sociais;
4- Reproduz ou transforma práticas ideológicas de cunho social,
5- Apresenta-se como forma de expressão de poder que atua na reconstrução social.
21
Partindo das definições de reflexão apresentadas anteriormente, é possível afirmar que
a experiência da reflexão não é simples como se possa imaginar. Dessa forma, de acordo com
Gómez (1995, p. 103), “a reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua
experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos,
correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos”. Essa reflexão, por
demandar tal imersão, tal coragem, acaba não acontecendo muitas vezes por motivos pessoais
ou por impossibilidades decorrentes do contexto no qual o professor está inserido.
Muitas têm sido as críticas a respeito dessa perspectiva de formação de professores,
contudo a mais recorrente tem sido a dificuldade de ultrapassar o nível da teoria reflexiva e
introduzi-la na prática. Vários estudiosos e educadores brasileiros e estrangeiros como
Alarcão (1996), Cox e Assis Peterson (2001-2006), Freire (1996), Libâneo (2002), Nóvoa
(1997), Papa (2008), Perrenoud (1999), Pimenta (2008), Zeichner (1993) entre outros,
admitem as contribuições da reflexão crítica, mas receiam que esse paradigma possa sofrer
um reducionismo, caso essa reflexão não seja sistematizada e coletiva, uma vez que “o cerne
da reflexividade está na relação entre o pensar e o fazer, entre o conhecer e o agir”
(LIBÂNEO, 2002, p.54).
Um exemplo disso é Alarcão (1996), que demonstra sua preocupação de que essa
perspectiva crítico-reflexiva fosse só mais um modismo, um slogan alienador. Essa
preocupação, segundo ela, está relacionada ao grau de dificuldade de refletir, pois colocar a
reflexão em prática não se restringe a descrever o que acontece em sala de aula em diários e
sessões reflexivas; esse processo vai muito além e exige muito trabalho. O fato de registrar e
discutir os problemas que surgem durante a prática pedagógica não basta. Um professor
dentro desse paradigma deve refletir acerca dos conteúdos que dá, se estes servem de alguma
forma dentro do contexto educacional, social e político em que eles trabalham.
Pimenta (2008), por sua vez, aponta a necessidade de se entender o significado de
reflexão crítica para que este processo seja bem sucedido e quanto a isso pontua: “De fato
desde os anos 1990 do século XX, a expressão ‘professor reflexivo’ tomou conta do cenário
educacional, confundindo a reflexão enquanto adjetivo, com o atributo próprio do ser
humano, com um movimento teórico de compreensão do trabalho docente”(p. 18). A reflexão
neste paradigma está circunscrita dentro do que prega a Linguística Aplicada, ou seja, buscar
na teoria subsídios para a melhoria da prática pedagógica. O trabalho docente dá-se em
ambientes educacionais, portanto instáveis e indeterminados, além de extremamente
complexos. O professor precisa estar preparado para enfrentar os desafios de sua prática.
Quando se menciona a necessidade de um melhor preparo do professor, tem-se como foco
22
principal o bem-estar profissional, não a cobrança de mais uma habilidade/capacidade. Trata-
se de oferecer mais instrumentos para que o processo de ensino e aprendizagem ocorra de
maneira mais tranquila e eficiente para professor e alunos.
Para Freire (1996, p.43), “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que
se pode melhorar a próxima prática”, ou seja, a reflexão é um processo sem fim, eternamente
inacabado. A formação continuada de professores busca a melhoria da prática docente,
gradual e incessante e dentro da perspectiva do professor crítico-reflexivo. O professor reflete
criticamente em um processo conjunto com outros professores e também com seus alunos, em
um processo de colaboração, no qual se tem a possibilidade de encontrar soluções para os
desafios e obstáculos que surgem no cotidiano educacional.
Nóvoa (1997, p. 26) pontua: “A troca de experiências e a partilha de saberes
consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar,
simultaneamente, o papel de formador e de formando”. O processo de reflexão crítica começa
no âmbito individual, é compartilhado no coletivo, onde as contribuições aparecem, e são
aplicadas na prática docente. Nesse caso específico, Nóvoa (1997), se refere à prática
colaborativa, na qual o pesquisador tem participação ativa como formador e formando.
E, por sua vez, Perrenoud (1999, p. 7), que acredita que nessa sistematização do
paradigma crítico-reflexivo, defende: que a reflexão durante o calor da ação é o pensar e
tomar uma decisão durante o fluxo de acontecimentos, sem contar com opiniões alheias; a
reflexão distante do calor da ação é a reflexão depois da ação, quando o professor reflete
sobre o que aconteceu, analisa os pontos positivos e/ou negativos da ação executada, para, a
partir dos resultados, transformar esse balanço em saber válido para uma próxima vez. Já
reflexão sobre o sistema de ação - é a reflexão sobre a estrutura e os desdobramentos da
ação, suas adequações e inadequações, sistematizando-a. Este esquema de reflexão é algo
parecido com o que Schön (1992) propôs sobre a prática reflexiva.
Tanto para Perrenoud (1999) quanto para Schön (1992), o refletir dentro desse
arcabouço, exige um esforço sistematizado e contínuo, antes, durante e depois, e deve ser
constante e não ocasional. E ainda mais, a reflexão deve transpor o contexto escolar. Apesar
de iniciar dentro da escola, a reflexão deve atingir o contexto institucional bem como a
comunidade, indo além da sala de aula e dos muros da escola.
A escola como locus de partida fundamental de desenvolvimento contínuo não anula a
necessidade imperiosa de que este desenvolvimento integre o contexto institucional,
dialogando com outras instâncias para a viabilização de projetos e soluções imediatas e, para
tanto, afirma Schön (1997):
23
(...) Nessa perspectiva o desenvolvimento de uma prática reflexiva eficaz tem que integrar o contexto institucional. O professor tem de se tornar um navegador atento à burocracia. E os responsáveis escolares que queiram encorajar os professores a tornarem-se profissionais reflexivos devem criar espaços de liberdade tranquila onde a reflexão seja possível. Estes são os dois lados da questão, aprender a ouvir os alunos e aprender a fazer da escola um lugar no qual seja possível ouvir os alunos devem ser olhados como inseparáveis (p. 87).
Reitero assim, que não basta o professor ser reflexivo sem que o ambiente escolar seja
propício e viabilize essa prática reflexiva. Além disso, há a necessidade de que o professor
tenha conhecimento da burocracia que permeia o contexto institucional e saiba o que é
possível mudar e transformar.
Um professor crítico-reflexivo não se “constitui do dia para a noite”, não é um
processo indolor, e rápido. Demanda paciência e disposição para empreender uma contínua
(des)construção da prática.
Alarcão (1996, p. 180) afirma: “Professor: conhece a tua profissão e conhece-te a ti
mesmo como professor para te assumires como profissional de ensino”. Isso equivale a dizer
que é preciso que se faça uma jornada de auto-conhecimento, aliada a uma auto-reflexão
enquanto educador, para então assumir uma posição como profissional de ensino.
Nessa tônica, evidencia-se o papel do professor como político, consciente de sua
posição, como formador de opiniões. Nesse caso em especial, o professor de língua inglesa
deveria refletir criticamente, pelo fato de ensinar uma língua considerada por muitos, como
símbolo do poderio estadunidense, bem como seu caráter de língua dominante no cenário
mundial. No que concerne este aspecto político, Cox e Assis-Peterson (2001) afirmam:
Quem ensina inglês não pode deixar de se colocar criticamente em relação ao discurso dominante que representa a internacionalização de inglês como um bem, um passaporte para o primeiro mundo. Quem ensina inglês não pode deixar de considerar as relações de seu trabalho com a expansão da língua, avaliando criticamente as implicações de sua prática na produção e reprodução de desigualdades sociais. Quem ensina inglês não pode deixar de perguntar se está colaborando para perpetuar a dominação de uns sobre os outros. (p. 20 e 21)
Com esse posicionamento de Cox e Assis-Peterson, fica clara a importância de os
professores de inglês, categoria à qual também pertenço, questionarem-se e refletirem
constantemente se estão ajudando a promover a transformação social ou se estão contribuindo
para reproduzir preconceitos e desigualdades por meio de seu dizer e fazer pedagógicos.
24
Isso posto, é aconselhável que a constante reflexão a respeito da perspectiva crítico-
reflexiva aconteça em um processo colaborativo, em grupos de estudo. Concordo que o
espaço reflexivo - onde se colocam problemas e, então, surgem diferentes visões sobre eles -
seja a melhor forma de refletir devido à possibilidade de se enxergar melhor as próprias
opiniões quando se olha de fora, que é o que esse tipo de espaço possibilita.
Alinho-me aqui àqueles pesquisadores que acreditam que um professor torna-se
realmente crítico e reflexivo quando compreende melhor sua prática e consegue articular
teoria e prática. De acordo com Celani (2002, p. 20), a desarticulação entre teoria e prática faz
com que o ensino de língua estrangeira, nesse caso em especial a língua inglesa, fique “à
deriva, com professores, pais e alunos muitas vezes se perguntando a mesma coisa: o que
estamos fazendo aqui? Para que servirá essa tentativa frustrada de ensinar/aprender uma outra
língua?”. Sem essa conexão necessária que alia teoria e prática, não se consegue transpor o
abismo que parece existir e impedir que a prática crítico reflexiva configure-se de fato.
A abordagem reflexiva, nos programas de educação continuada de professores de
inglês, tem sido usada desde a década de 1990 para que o professor dê conta de compreender
melhor as dimensões de sua prática e consiga articular teoria e prática. Esses programas
devem acontecer em um esquema de constante evolução, não de maneira processual, acabada.
Os cursos de formação continuada de professores de inglês no Brasil na perspectiva da
prática reflexiva têm demonstrado bons resultados (Celani, 2002; Liberali, 2003, Magalhães
2002, Romero, 2003 e Vieira-Abrahão, 2002), e um dos motivos para os resultados
promissores é que os professores formadores e formandos já entenderam que esses processos
são contínuos, inacabados. E, a respeito deste “inacabamento”, Celani (2002, p. 22) define
educação continuada como “uma forma de educação que, não tendo data fixa para terminar,
permeia todo trabalho do indivíduo, eliminando, consequentemente, a idéia de um produto
acabado [...] por exemplo, dominar uma certa técnica, em um momento ou períodos
determinados.”
Por entender que essa formação e esse caminho reflexivo são constantes, o professor
está sempre procurando respostas e soluções para os problemas decorrentes da prática, a fim
de reduzir sua ansiedade na busca por soluções imediatas, que são limitadas a um determinado
contexto e, talvez já não sirvam em outra ocasião.
O paradigma do professor crítico-reflexivo tem sofrido mudanças significativas nas
últimas décadas e a reflexão tem sido uma das tônicas centrais dos programas de formação
inicial e continuada de professores no Brasil e no exterior. Essa perspectiva de reflexão crítica
surgiu inicialmente pelo fato de os professores iniciarem suas vidas docentes com pouca
25
experiência político-pedagógica. As críticas que vêm sendo feitas desde sua implantação no
Brasil e no mundo são, na maioria das vezes, em relação ao risco de não haver uma concreta
efetivação dessa prática nas escolas, considerando-se que os contextos escolares não são
homogêneos e os professores não são agentes passivos nesse processo. É preciso, portanto,
avançar; ir além do discurso.
No ensino de língua inglesa, essa perspectiva é ainda mais importante, visto que o
professor de língua inglesa é ainda visto - por muitos professores de outras disciplinas, pais,
alunos e a sociedade como um todo - como um ser “apolítico”, “alienado”, “imperialista”,
pelo fato de ensinar uma língua falada por muitas nações poderosas, ser considerada a língua
da “globalização”. Sabe-se que é inegável o poder de discursos oriundos de países com
economia dominante, mas é justamente por saber disso que se faz essencial “a promoção de
professor reflexivo à intelectual crítico”. (PIMENTA, 2008).
O professor que reflete, critica, poderá mais usualmente reconhecer marcas discursivas
que produzem e reproduzem preconceitos e desigualdades, poderá ser capaz de gerir sua
prática de maneira mais satisfatória. Todavia, cabe dizer aqui, são raras as pesquisas e
trabalhos acadêmicos, no que tange à educação, que não mencionam a reflexão na prática
docente como parte fundamental na formação inicial e continuada de professores.
Alinho-me, assim, a Alarcão (2002) e Pimenta (2002), que se preocupam com o
esvaziamento do termo “crítico-reflexivo” dentro dos meios acadêmicos que pesquisam e
fomentam reformas e programas de formação de professores. Essa preocupação parece
fundamentar-se principalmente no que concerne a refletir a respeito do contexto mais
imediato. Os professores estão condicionados a seus contextos imediatos e, portanto, mais
suscetíveis a não perceberem as sutilezas presentes neles. Assim sendo, a prática reflexiva
deve acontecer nos níveis individual e coletivo em movimento dialético.
Desconsiderar o contexto em que a prática reflexiva acontece pode representar um erro
fatal, abrindo precedente para um “praticismo” ou “mecanicismo” contrário às bases dessa
prática.
A reflexão apresentada no presente capítulo coloca explicitamente a preocupação dos
pesquisadores e educadores que empreendem seu trabalho dentro da perspectiva crítico-
reflexiva, além de mostrar as conquistas já observadas e os desafios ainda não enfrentados.
Desse modo, acredito ser possível aliar o modelo reflexivo e a teoria crítica para dar
sustentação à formação inicial e continuada de professores. O modelo reflexivo dá suporte ao
processo de mudança ou transformação da prática pedagógica enquanto a teoria crítica
embasa a formação política do professor para que ele seja capaz de reconhecer as forças
26
hegemônicas presentes nos discursos e que procuram apagar ou naturalizar desigualdades e
preconceitos.
Segundo Nóvoa (1995, p. 15): “[...] Os professores vivem tempos difíceis e
paradoxais. Apesar das críticas e das desconfianças em relação às suas competências
profissionais exige-se-lhes quase tudo”. O autor chama a atenção sobre as condições
oferecidas aos professores e o nível de exigência que se faz desses profissionais, que são
completamente incompatíveis. De um lado, a necessidade imperiosa de aprimorar a prática;
de outro, a negligência por parte dos órgãos governamentais em garantir melhores condições
para o professorado no exercício docente, bem como melhores condições salariais.
A reflexão pode levar ao desejo de mudanças, às transformações que tanto se almejam
e que parecem necessárias, mas a reflexão sem a articulação com a ação de nada adianta.
Afinal, não é interesse de nenhum governo que os oprimidos pensem e perguntem o “porquê”
das coisas. Isso é o pesadelo não somente das ditaduras, mas também dos chamados governos
“democráticos” e “liberais”, pois, com o exercício da reflexão, pode-se ganhar força para
pensar em transformações que nascem no interior de cada um e ganham corpo no exterior.
[...] a mudança da percepção da realidade pode dar-se ‘antes’ da transformação desta, se não se empresta ao termo ‘antes’ a significação de dimensão estagnada do tempo, com que lhe pode conotar a consciência ingênua. A significação de ‘antes’ aqui não é do sentido comum. O ‘antes’ aqui não significa um momento anterior que estivesse separado do outro por uma fronteira rígida. O ‘antes’, pelo contrário, faz parte do processo de transformação estrutural. Dessa forma, a percepção da realidade distorcida pela ideologia dominante, pode ser mudada, na medida em que no ‘hoje’ em que se está verificando o antagonismo começa a se fazer um desafio. Esta mudança de percepção que se dá na problematização de uma realidade conflitiva, implica num novo enfrentamento dos indivíduos com sua realidade. Implica numa ‘aprovação’ do contexto, numa inserção nele, num já não ficar ‘aderido’ a ele, num já não estar quase sob o tempo, mas nele. [...] O que opta pela mudança se empenha em desvelar a realidade com, jamais sobre os indivíduos, a quem considera sujeitos e não objetos, incidências de sua atuação (FREIRE, 1976, p. 76).
Se se querem mudanças, o professor tem de assumir as rédeas da práxis docente.
Freire (1996) é bastante incisivo ao afirmar que a percepção de conflitos, na realidade, oferece
dois caminhos: o da aceitação ou o do enfrentamento. A escolha é individual, embora isso não
represente mudança ou transformação no todo.
Ainda nessa direção, Moita Lopes (2002) defende que o professor de inglês tem duas
escolhas em relação à sua posição como educador:
[...] Alienar-se e consequentemente marginalizar-se em relação à sua prática ou perceber que por utilizar a linguagem como ferramenta de seu trabalho, está centralmente envolvido com a vida política e social. A educação linguística está no
27
centro da vida contemporânea porque o discurso ocupa um papel preponderante na vida social hoje em dia. (p. 18)
Alienar-se parece não ser a melhor opção, pois não resolverá nenhum dos problemas,
além do mais, a profissão de professor tem como requisito fundamental um posicionamento
sócio-político.
Como Pennycook (1997, p. 301) afirma, “Nenhum conhecimento, nenhuma língua e
nenhuma pedagogia é neutra ou apolítica”, ou seja, pressupor neutralidade no contexto
educacional é incorrer em um terrível erro. Lopes (2002) e Pennycook (1998) concordam que
o professor precisa de posicionar-se enquanto educador, por ter o “conhecimento” como
objeto vital de seu trabalho, ou ainda, ignorar o caráter ideológico e político do conhecimento
que poderá impedir o seu crescimento profissional. Urge, dessa forma, a necessidade de o
professor conhecer as teorias que podem facilitar sua prática, posicionando-se como cidadão e
profissional da área educacional.
Para concluir, não basta transformar nem implantar programas de formação de
professores, mas sim melhorar significativamente as condições do exercício docente, com
salários dignos e jornadas de trabalho compatíveis com a possibilidade de pesquisa e reflexão
crítica.
Depois de toda a reflexão empreendida nesta seção, baseada na literatura acerca dessa
perspectiva, evidencia-se a existência de fatores desejáveis para que a reflexão crítica
ultrapasse o nível do discurso e efetive-se na prática. Exponho, no quadro a seguir, um
resumo desses fatores:
QUADRO 1 - Fatores desejáveis para que a reflexão transforme-se em ação
1) A reflexão deve ocorrer no âmbito coletivo e individual simultaneamente;
2) A reflexão e a ação precisam caminhar juntas;
3) O professor reflexivo e crítico deve produzir “saber”, a partir da prática, e refletir
intencionalmente, sistematizando os resultados a partir da teoria;
4) A reflexão crítica precisa transpor os muros da instituição escolar;
5) A reflexão crítica não deve ter caráter “tecnicista” ou “mecanicista”;
6) A reflexão crítica deve nascer de um desejo do professor e não ser imposta;
7) O contexto profissional e pessoal do professor deve ser considerado;
8) Os programas de formação inicial e continuada de professores tem de estar bem
amarrados às políticas públicas para que a reflexão crítica encontre terreno para
acontecer;
28
9) Devem ser oferecidas condições dignas de trabalho ao professorado para que haja
mais que um desejo, uma esperança de transformação real para professores e alunos,
10) E, talvez o principal, as condições de trabalho devem permitir a realização dos
projetos de vida dos professores, para que se tenha sucesso na busca de qualidade
educacional.
Em suma, em virtude da complexa articulação entre teoria e prática crítico-reflexiva,
não tenho a pretensão de fechar a discussão a respeito dessa perspectiva, pontuando tais
fatores no quadro acima, mas tão-somente contribuir para uma discussão mais ampliada,
afinal, “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática,
sem a qual a teoria pode ir virando blablablá e a prática, ativismo. (FREIRE, 2009, p. 22). A
articulação entre teoria e prática crítico-reflexiva depende fundamentalmente de uma relação
harmoniosa dentro dessa dicotomia.
1.2- FUNDAMENTOS DA PEDAGOGIA CRÍTICA NO BRASIL
O aspecto que difere a Pedagogia Crítica das demais propostas pedagógicas é a crítica
à sociedade injusta e desigual e o papel da educação como meio de transformação social. No
entanto, não se pode ser ingênuo a ponto de acreditar que a educação sozinha tenha esse
poder. A pedra fundamental desta pedagogia é a teoria marxista. Neste paradigma crítico,
estão inseridas as propostas que norteiam as ações educativas que podem contribuir para a
formação crítica dos sujeitos através de processos reflexivos.
Quanto à pedagogia crítica no Brasil, é notável que Paulo Freire (1921-1997) foi
indubitavelmente um dos seus maiores expoentes e defensores, seguido de Demerval Saviani
(1944).
Do pensamento de Paulo Freire para a educação, emerge a proposta de “educação
libertadora” e a de Saviani de “pedagogia histórico-crítica”.
A educação libertadora preocupa-se essencialmente com a reflexão crítica acerca da
condição social do sujeito, no que diz respeito à organização capitalista, como uma alternativa
política à educação formal, que Freire chamou de “educação bancária”. A pedagogia crítica,
pelo viés da “educação libertadora” tem como principal meta a transformação social. Para
Freire, um dos principais problemas da educação tradicional, que ele denominou de
“Educação Bancária”, é a transferência de conhecimento do professor para o aluno. Nesse
sistema, o professor é quem passa seus conhecimentos para um aluno, não há criação de
29
nenhum conhecimento em sala de aula, nem professor nem alunos produzem conhecimento.
O aluno é como um recipiente vazio que recebe esses conhecimentos e o professor mero
reprodutor de conteúdos. Não existe nenhum processo reflexivo e a suposta neutralidade da
escola funciona a serviço do capitalismo, que produz indivíduos não pensantes bem ao gosto
de governos que desejam atuar sem que sejam importunados por alunos questionadores e
livres para buscar sua própria forma de conhecimento.
Partindo deste pressuposto, enquanto a Educação Tradicional preocupa-se em
descrever a realidade que teria sido observada e interpretada por algum pesquisador
habilitado, a Educação Libertadora propõe-se a fazer com que os alunos tenham sua própria
leitura do mundo, não como uma experiência de segunda mão. O autor convida a imaginar a
educação formal como uma visão do mundo através dos olhos de outros, sem que o sujeito
perceba que, por trás da máscara de neutralidade, reproduz-se a ideologia dominante, que tem
interesse em que o mundo seja enxergado pelas lentes do consenso oficial, sem nenhum
questionamento, como se o mundo a nossa volta fosse perfeito. Destarte, a relação entre o que
postula a ADC e a Educação Libertadora é bastante significativa. Ambas objetivam tornar a
ideologia dos discursos mais visível através da reflexão e da análise crítica, criando assim
condições para que a emancipação e a transformação social possam acontecer em um
processo colaborativo entre professores, alunos e sociedade.
O ensino pesquisa é um dos conceitos basilares da Educação Libertadora, porque é
através dele que se pode perceber que o conhecimento também é produzido na sala de aula. A
reflexão crítica e a criatividade são duas das molas propulsoras desse sistema educacional.
A “Pedagogia Histórico-Crítica” de Saviani, por sua vez, distingue-se da proposta de
Freire em relação à especificidade da educação. A este respeito, Saviani (2005) pontua:
O objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo ( p.13).
Através da reflexão crítica da relação da educação com a sociedade, a pedagogia
histórico-crítica define como papel da educação sua contribuição em um movimento maior de
transformação da sociedade capitalista, considerando que a educação tem funções específicas,
e conforme Saviani (1997):
A pedagogia revolucionária é crítica. E, por ser crítica, sabe-se condicionada. Longe de entender a educação como determinante principal das transformações sociais, reconhece ser ela elemento secundário e determinado. Entretanto, longe de pensar,
30
como faz a concepção crítico-reprodutivista, que a educação é determinada unidirecionalmente pela estrutura social dissolvendo-se a sua especificidade, entende que a educação se relaciona dialeticamente com a sociedade. Nesse sentido, ainda que elemento determinado, não deixa de influenciar o elemento determinante. Ainda que secundário, nem por isso deixa de ser instrumento importante e por vezes decisivo no processo de transformação da sociedade. (p.68-69).
Freire e Saviani têm diferentes concepções sobre a função primordial da educação.
Para Freire, a educação é meio essencial para a transformação social. Já para Saviani, esta está
longe de ser fator determinante para a transformação social. Entretanto, os dois pesquisadores
não discutem a presença fundamental da educação como elemento propulsor da transformação
social, como fator determinante ou não.
Alinho-me à Freire e sua proposta de “educação libertadora” por acreditar que, de fato,
sem ensino de qualidade, acesso à educação como ferramenta de reflexão crítica corremos o
risco de ficar alienados, impotentes e paralisados ante nossa própria vida. Compactuo,
principalmente, com a ideia de Freire sobre a educação ter como meta principal a
transformação social. É somente depois de se tomar consciência do poder da ideologia
dominante que o indivíduo se torna capaz de se indignar com as desigualdades, preconceitos e
mazelas do mundo e, a partir disso, construir um contra discurso ao hegemônico.
Segundo McLaren (1997, p. 02), “a pedagogia crítica é uma pedagogia engajada, uma
pedagogia que faz uma opção política. Ela não vê a escola apenas como espaço de reprodução
das desigualdades sociais, mas como esferas públicas abertas à luta política”. Em outras
palavras, é através dela que as transformações podem ocorrer. É dessa forma que se coloca o
fundamental teor da reflexão crítica, que demanda que os professores se posicionem enquanto
profissionais da educação, e a escola se defina como arena onde começam e se desenvolvem
as lutas sociopolíticas.
Desse modo, a importância da pedagogia crítica na formação de professores é enorme,
visto que alia a reflexão no plano da prática docente em sala de aula à teoria crítica, que se
preocupa com o posicionamento político do professor, como agente capaz de reconhecer
preconceitos e desigualdades presentes na prática discursiva, procurando dessa forma
neutralizá-los.
1.3 - PESQUISA COLABORATIVA: UMA PERSPECTIVA CRÍTICO-REFLEXIVA
A pesquisa colaborativa, na perspectiva crítico-reflexiva, pode parecer redundante, à
primeira vista, mas não é, pois este tipo de pesquisa deve gerar um processo de reflexão
crítica coletiva. Os métodos devem ser dialógicos e interativos. Entretanto, não é o que
31
acontece com algumas pesquisas que se intitulam como tal. São pesquisas que têm uma
proposta prévia de mudança de implementação, ou que advêm de um nível hierárquico
superior, que nega e contradiz o princípio básico de coletividade. Os métodos devem ser
discutidos com o(s) participante(s) antes da pesquisas, os interesses do estudo devem
interessar ao contexto pesquisado no micro e/ou macro e depois de realizada a pesquisa os
resultados devem ser compartilhados e negociados.
O termo ‘pesquisa colaborativa’ por si só já dá pistas do que se trata, mas, na verdade,
ao se pensar na questão da palavra colaboração, que dá origem a essa prática, nota-se que ela
pode estar relacionada a um papel ativo ou passivo. A colaboração ativa é aquela em que o
sujeito pesquisador e o(s) participante(s) e colaborador(es) estão inseridos em um contexto
onde não há protagonistas e coadjuvantes, todos exercem um papel fundamental para que tal
engrenagem funcione a contento, e é esse papel ativo que todos os envolvidos devem
desempenhar, ninguém deve ficar à margem (papel passivo) sob pena de comprometer todo o
processo e levar ao fracasso da ação.
Segundo Vieira e Medeiros (2006, p. 10),
As Sessões Reflexivas apresentam-se como espaço possibilitador do exercício da reflexividade, tendo na linguagem instrumento mediador desse processo. Esta estratégia metodológica é a que mais se aproxima do processo de formação contínua e processual, visto que, parte da análise das práticas e teorias dos professores e supervisores escolares.
Como qualquer outra prática, as Conversas Colaborativas bem como as Sessões
Reflexivas, precisam ser sistematizadas e operacionalizadas. Com esse objetivo, vários
pesquisadores consideram como base a proposta apresentada por Contreras (2002), que
sistematiza o processo reflexivo em quatro etapas: a descrição, a informação, o confronto e a
reconstrução. A descrição é um nível de reflexão que leva o indivíduo a um distanciamento de
suas ações e a se perguntar sobre as razões de suas escolhas (o que estou fazendo?). A
informação é o momento em que o pesquisador/formador cria as condições para que o
professor/formando descubra qual o significado de sua prática, permitindo o acesso às teorias,
ao conhecimento de modo a complementar o conhecimento do professor (que significado tem
o que faço?). O confronto é o momento de contrastar as diferenças entre os distintos pontos de
vista e o conhecimento científico (como cheguei a ser ou agir dessa maneira?). E, por fim, a
reconstrução é o momento da intervenção consciente do professor na sua prática docente, no
contexto em que está inserido, seja no âmbito institucional ou na sociedade mais ampla (como
poderia fazer as coisas de uma maneira diferente?).
32
A pesquisa e as conversas colaborativas servem como espaço não apenas de
investigação, mas também como instrumento de transformação social, visto que o
pesquisador/professor e os professores envolvidos nesse processo têm como objetivo comum
aprimorar suas práticas pedagógicas, construir significados no âmbito coletivo e promover
melhorias para seus alunos, bem como à escola enquanto instituição, partindo de um contexto
micro para macro. Contudo, como qualquer outra empreitada dessa dimensão, ela exige de
todas as pessoas envolvidas, em especial do pesquisador, uma abertura de espírito, uma
entrega e uma determinação enorme.
O elo entre a Reflexão-Crítica, a Prática Colaborativa e a Formação Continuada me
parece perfeito, pois se ajusta à perspectiva da Linguística Aplicada, na qual o papel do
linguista/professor de línguas, neste caso em particular, está em desvelar os sentidos presentes
no(s) discurso(s) e dessa forma contribuir para a transformação social.
Nas Conversas ou Pesquisas Colaborativas, as múltiplas vozes são essenciais à
construção de novos significados dentro da prática docente e, para além dela, na percepção do
professor como cidadão responsável pelo contexto micro e macro em que está envolvido.
Segundo Papa (2005), o professor deve estar ciente do seu papel transformador; transcender a
reflexão de suas ações; entender a serviço de que interesse está; desvelar os sentidos presentes
por trás das estruturas internas, colaborando para transformar o contexto social no qual está
inserido e não colaborar com a manutenção de preconceitos e desigualdades.
Em suma, as contribuições advindas de pesquisadores de diferentes áreas e filiações
teóricas convergem para um mesmo núcleo, que é o do aprimoramento da prática docente
através de ações coletivas que pressupõem interação, reflexão e colaboração só vem a
confirmar que nada, nenhuma ação configurar-se-á efetivamente no nível individual e sim no
coletivo. Seja pela Reflexão Crítica nas Sessões Reflexivas, nas Conversas Colaborativas, seja
pela busca de soluções informais com seus pares, é por meio da união que se compartilham e
negociam sentidos e caminhos, independentemente dos procedimentos. São muitos os
entendimentos no que concerne às Práticas Colaborativas e muitos os pesquisadores e
estudiosos que acreditam nessa modalidade de trabalho contínuo e conjunto, como: Libâneo
(1990), Zeichner (1993), Pérez Gómez (1992), Pimenta (2008), Perrenoud (2001), Nóvoa
(2001), Magalhães (2002), dentre outros.
A perspectiva de pesquisa colaborativa à qual me afilio é a defendida por Resende
(2009), com três princípios essenciais: a utilização de métodos dialógicos e interativos; a
adequação do tema da pesquisa aos participantes, contexto e disponibilidade de tempo; e,
talvez a mais importante, o compartilhamento dos resultados e negociação de significados.
33
CAPÍTULO 2
Neste capítulo, abordo o referencial teórico analítico que está dividido em quatro
partes. Na primeira parte, discorro sobre a Análise de Discurso Crítica (ADC) de Norman
Fairclough (1989; 2003); Na segunda, descrevo os fundamentos da Gramática Sistêmico
Funcional de Halliday (1994); na terceira, apresento o estudo sobre o papel político dos
pronomes segundo Pennycook (1994); e, na quarta e última parte, abordo a epistemologia
filosófica de Roy Bhaskar (1989), o Realismo Crítico e seu princípio emancipatório que
ancoram este trabalho.
2.1- PERSPECTIVA TEÓRICO-ANALÍTICA: ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA DE NORMAN FAIRCLOUGH (1992; 2003)
A escolha pela Análise de Discurso Crítica de Norman Fairclough (1989; 2003),
doravante ADC, como instrumento de análise deve-se, principalmente, por ela focar-se em
dois conceitos centrais para a promoção da transformação social, que são o discurso e a
prática social, além de considerar que é depois de o sujeito perceber/ter consciência do seu
dizer e de outros, do peso ideológico do discurso, ideologia essa capaz de (re)produzir e
naturalizar desigualdades e preconceitos, que ele pode ser capaz de atuar com agente dessa
transformação social de forma mais efetiva.
Reitero que a concepção de discurso presente neste trabalho é a de discurso como
prática social, que estabelece, mantém ou transforma as relações de poder na sociedade, como
postula Fairclough (1989). Essa concepção de discurso é a que melhor se adequou à pesquisa
por reconhecer que é através do discurso que os indivíduos agem, (re)constroem significados,
que podem formar ou transformar crenças, valores, visões de mundo e identidades.
Todavia, de acordo com Fairclough (2003), existe uma ambiguidade em relação ao
termo ‘discurso’, pois esse também pode ser usado em um sentido mais concreto, como
substantivo contável em referência a discursos particulares, como por exemplo o “discurso
religioso”, o “discurso neoliberal”, o “discurso da globalização” entre outros, também citados
neste trabalho.
O Modelo Tridimensional proposto por Fairclough (1992) para análise do discurso
tem três dimensões: Texto, Prática Discursiva e Prática Social. Faz-se fundamental esclarecer
a definição de discurso usada por Fairclough (1992) para fundamentar seu modelo de análise.
Em um sentido mais amplo, ele propõe considerar o uso da linguagem como forma de prática
34
social, não como atividade meramente individual ou reflexo de variáveis situacionais. Em
outras palavras, de acordo com Fairclough (1992), o discurso é definido como “prática social
historicamente situada”, ou seja, é preciso analisar o contexto histórico no qual o discurso é
construído e os elementos que permeiam essa construção.
FIGURA 1: Concepção tridimensional do discurso (FAIRCLOUGH, 1992, p. 101)
Na análise tridimensional, consideram-se as três categorias em uma só, indissociáveis:
TEXTO (análise de textos falados ou escritos), PRÁTICA DISCURSIVA (análise da prática
discursiva -processos de produção, distribuição e consumo dos textos) e PRÁTICA SOCIAL
(análise dos eventos discursivos como instâncias da prática sociocultural (Fairclough, 1995, p.
2).
Observe, a seguir, as três dimensões de análise do Modelo Tridimensional (1989;
1992a) de Norman Fairclough:
Textual – denominada descrição, diz respeito as estruturas formais do texto:
vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual;
Prática discursiva – denominada interpretação, envolve a relação entre texto e
interação. Nesta dimensão, o texto é visto como produto do processo de produção, bem como
recurso no processo de interpretação;
Prática social – também denominada explanação, envolve a relação entre interação e
contexto social, bem como os processos de produção e interpretação, e seus efeitos sociais.
PRÁTICA SOCIAL
TEXTO
PRÁTICA DISCURSIVA
35
Nesta dimensão, são considerados os contextos sociais mais amplos, tais como econômico,
político, cultural e ideológico.
Texto, segundo Fairclough (2003, p. 03), é “qualquer amostra de linguagem em uso”,
o que pressupõe textos orais e escritos. A definição de texto por Fairclough (2003) é bem
semelhante ao entendimento de Halliday (1994, p. 13), para o qual texto é “tudo que é dito ou
escrito”. Dessa forma, tanto Halliday (1994) quanto Fairclough (2003) veem texto como uso
da linguagem. Portanto, artigos, reportagens, diários, palestras, citações, entrevistas entre
outros são considerados textos.
Na dimensão textual, efetiva-se a análise textual e linguística. Essa análise é
denominada “descrição”. A análise textual deve ser feita em conjunto com as outras
dimensões.
No modelo tridimensional da ADC de Norman Fairclough (1989), o texto tem
tratamento central, pois é por meio dele que são exploradas as estruturas de dominação, as
operações de ideologia e as relações sociais.
Segundo Fairclough (2003), qualquer análise de texto é análise do discurso, desde que
ultrapasse o nível da análise linguística, considerando as práticas sociais que envolvem
questões de gênero (modos de agir), discurso (modos de representar) e estilo (modo de ser).
Na segunda dimensão, denominada prática discursiva, focalizam-se os processos tanto
de produção e de distribuição como de consumo textual. Esses processos são sociais, e por
essa razão exigem referência aos contextos econômicos, políticos e institucionais particulares,
nos quais o discurso é gerado.
Por prática discursiva, entendem-se os processos de produção, distribuição e consumo
do texto - que são processos sociais relacionados a ambientes econômicos, políticos e
institucionais particulares. A natureza da prática discursiva é variável entre os diferentes tipos
de discurso, de acordo com fatores sociais envolvidos. A prática discursiva, segundo
Fairclough (2001, p. 35-36), é mediadora entre o texto e a prática social:
A conexão entre o texto e a prática social é vista como mediada pela prática discursiva: de um lado, os processos de produção e interpretação são formados pela natureza da prática social, ajudando também a formá-la e, por outro lado, o processo de produção forma (e deixa vestígios) no texto, e o processo interpretativo opera sobre ‘pistas’ no texto.
Com relação à análise da prática discursiva e à análise da prática social, denominadas
respectivamente de interpretação e explanação, a análise está centrada nos processos de
36
produção, distribuição e consumo textual. A natureza desses processos depende de fatores
sociais ligados aos conceitos de hegemonia e ideologia
Por prática social entendem-se os processos de produção e interpretação e seus efeitos
sociais, essa dimensão também denominada explanação.
O objetivo central da análise é especificar “a natureza da prática social da qual a
prática discursiva é uma parte, constituindo a base para explicar por que a prática discursiva é
como é; e os efeitos da prática discursiva sobre a prática social” (FAIRCLOUGH, 2001, p.
289), porque “a prática social (política, ideológica, etc.) é uma dimensão do evento
comunicativo. As circunstâncias institucionais e organizacionais do contexto discursivo
delineiam a natureza da prática discursiva”.
É através do discurso como prática social que os significados são criados e recriados,
molda-se e transforma-se a visão de mundo e a identidade, que nessa perspectiva não é fixa,
nem imutável. Na pós-modernidade, há a concepção de sujeito múltiplo, com vários eus, ou
seja, o sujeito se constrói e se molda no outro e pelo outro, em constante mutação, inacabada.
Qualquer análise feita na perspectiva da ADC de Fairclough (1989; 2003) deve
considerar as três dimensões propostas pelo autor como interdependentes e indissociáveis, sob
pena de incorrer em erro fatal para conclusão da análise. Para que a análise apresente
resultados satisfatórios, é necessário que o analista do discurso leve em consideração os
conceitos basilares dessa perspectiva crítica, os quais apresento de maneira sucinta:
2.1.1 Discurso
Segundo Fairclough (2001, p. 91), “discurso é uma prática, não apenas de
representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo
em significado”.
O autor postula, dessa forma, o discurso como prática política e ideológica. Como
prática política, o discurso estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as
entidades coletivas em que existem tais relações. Como prática ideológica, o discurso
constitui, naturaliza, mantém e também transforma os significados de mundo, nas mais
diversas posições das relações de poder.
2.1.2 Contexto
É um conceito de relevância crucial para ADC, “já que explicitamente inclui elementos
sociopsicológicos, políticos e ideológicos e, portanto, defende um procedimento
37
interdisciplinar” (MEYER, 2003, p. 37). Os discursos são construídos historicamente e,
destarte, só podem ser entendidos se relacionados a seus contextos (FAIRCLOUGH, 2003).
Nessa tônica, lembramos da teoria social de Vygotsky (1987), que afirma não existirem
formas de dizer que se conhece um indivíduo, sem que se conheça o contexto socio-histórico
em que ele está inserido. Sendo assim, todos os estudos que pretendem ser críticos em relação
à linguagem, não podem desconsiderar esse caráter social, iminente e essencial para a análise.
2.1.3 Sujeito
O sujeito, para a ADC, é capaz de reconhecer a ideologia presente nos discursos e
ajudar a construir um contradiscurso ao discurso hegemônico, contribuindo dessa forma, para
a desconstrução de discursos discriminatórios e preconceituosos. Para Fairclough (2001), os
sujeitos têm condições de se contraporem e contribuírem, mediante as práticas discursivas,
para as mudanças e transformações sociais. Na ADC, a noção de sujeito “assujeitado”,
proveniente da AD de linhagem francesa, é firmemente rejeitada.
2.1.4 Intertextualidade e Interdiscursividade
A interdiscursividade/interdiscursividade é representada pela heterogeneidade de um
texto em termos de articulação de diferentes discursos. Através dessas articulações
construídas em diferentes discursos é que se pode perceber as visões de mundo que se
desvelam, identidades que se (re)constroem através dos traços linguísticos utilizados. A esse
respeito, Resende e Ramalho (2006) destacam que, para Fairclough (2003), o mais perceptível
desses traços é o vocabulário, pois diferentes discursos, “lexicalizam” o mundo de formas
diferentes. Vale lembrar, aqui, o que postula Bakhtin (2000) de os textos “responderem” a
textos anteriores e, também, anteciparem textos posteriores.
No que se refere à intertextualidade, Fairclough (2001, p.153-154) postula três modos
de relação intertextual: a intertextualidade ‘sequencial’, na qual diferentes textos ou tipos de
discurso se alternam parcialmente em um texto, ‘a intertextualidade ‘encaixada’, na qual
um texto ou um tipo de discurso está claramente contido dentro da matriz de um outro.Essa é
a relação entre os ‘estilos’, distinguidos por Labov e Fanshel, para o discurso terapêutico, e a
intertextualidade mista, na qual textos ou tipos de discurso estão fundidos de forma mais
complexa e menos facilmente separável. Cabe também ressaltar aqui, a relação postulada por
Fairclough (2001, p. 152) entre a intertextualidade constitutiva (interdiscursividade) e
intertextualidade manifesta. A intertextualidade manifesta é o caso em que se recorre
38
explicitamente a outros textos específicos em um texto, enquanto interdiscursividade
(intertextualidade constitutiva) é uma questão de como um tipo de discurso é constituído por
meio de uma combinação de elementos de ordens de discurso.
2.1.5 Ideologia
A ideologia, no arcabouço teórico da ADC, é vista como “representações de aspectos
do mundo que contribuem para estabelecer e manter relações de poder, dominação e
exploração” (FAIRCLOUGH, 2003 p. 218 ). Assim sendo, cabe a cada sujeito estar alerta
para as relações de poder que permeiam os discursos, a fim de ajudar na transformação das
relações de dominação, desigualdade e preconceito em relações mais igualitárias, e lutar
contra a cristalização de desigualdades e preconceitos.
O conceito de ideologia usado pela ADC provém dos estudos críticos de Thompson
(1995) e segundo Resende e Ramalho (2006, p. 49), “esse conceito é inerentemente negativo”
por considerar as implicações e desdobramentos advindos da concepção de ideologia como
necessariamente e fundamentalmente hegemônica e que, portanto, serve como instrumento de
dominação de um grupo de indivíduos sobre os demais grupos que compõem uma sociedade.
O conceito de Thompson (1995), portanto, não admite uma concepção neutra de ideologia e,
por essa razão principal, serve à teoria crítica melhor que as demais.
Os modos de operação da ideologia estão divididos em cinco categorias, de acordo
com Thompson (1995, p. 81-89): legitimação (relações de dominação são representadas como
justas e dignas de apoio), dissimulação (estabelece e sustenta relações de dominação através
da ofuscação ou negação por meio de construções simbólicas como deslocamento,
eufemização e tropo), unificação (estabelece e sustenta relações de dominação pela
construção simbólica da unidade), fragmentação (sustenta relações de dominação por meio da
segmentação de indivíduos ou grupos com o objetivo de enfraquecê-los) e reificação
(apresenta uma situação transitória como permanente, ocultando seu caráter sócio-histórico).
Na categoria ideologia observam-se os aspectos do texto que podem ser investidos
ideologicamente, como os sentidos das palavras, as pressuposições, as metáforas, o estilo.
2.1.6 Hegemonia
O conceito de hegemonia, segundo Fairclough (1997, p. 80),:
39
[...] implica o desenvolvimento - em vários níveis da sociedade civil (como o trabalho, a educação, as atividades de lazer) - das práticas que naturalizam relações e ideologias específicas e que são, na sua maioria, práticas discursivas. A um conjunto específico de convenções discursivas [...] estão implicitamente, associadas determinadas ideologias - crenças e conhecimentos específicos, posições específicas pra cada tipo de sujeito social que participa nessa prática e relações específicas entre categorias de participantes.
Assim, para o autor, o domínio exercido pelo poder de um grupo sobre os demais,
muito mais pelo consenso do que pelo uso efetivo da força, revela que, na sociedade, ainda
que paradoxalmente, “a dominação” está em equilíbrio instável, ou seja, sempre há luta sobre
os pontos de instabilidade em relações hegemônicas. É através desses pontos de instabilidade
que a ADC opera. Por isso, segundo Resende e Ramalho (2006, p. 43), a ADC “enquanto
teoria crítica trabalha nas brechas ou aberturas existentes em toda relação de dominação”.
Portanto, é identificando tais brechas e aberturas que se pode construir um contradiscurso ao
discurso hegemônico presente nas práticas sociais que (re)produzem desigualdades,
preconceitos e se processam naturalizações. Dessa forma, é nesse espaço de luta hegemônica
que se pode abrir caminho para uma possível transformação social.
O significado dicionarizado de hegemonia é definido centralmente pela palavra
“preponderância”, o que pode sinalizar para a necessidade de se estar alerta para a forte
ideologia presente nesses discursos hegemônicos e do perigo de que essa “preponderância” se
estenda e se cristalize na sociedade.
Para a ADC, interessa o que está além das estruturas gramaticais, incluindo os
contextos político e econômico, arena comum das lutas de poder. Os padrões de acesso ao
discurso e aos eventos comunicativos constituem elementos essenciais para a ADC. Essa
abordagem está fundamentada também com base na teoria social e ecoa através da produção
intelectual de autores marxistas como Gramsci (1954; 1988; 1995), Althusser (1992),
Habermas (1990), Foucault (1985) entre outros.
Na categoria hegemonia, observam-se as orientações da prática social, que podem ser
orientações econômicas, políticas, ideológicas e culturais.
2.1.7 Poder
As relações de poder são muito importantes para a ADC, que como abordagem
transdisciplinar, bebeu da fonte de vários estudiosos de diferentes filiações. Os conceitos de
discurso e poder, presentes em Fairclough (2001a), têm forte influência de Bakhtin (1992;
2004) e Foucault (1997). De Foucault (1997; 2003), interessa à ADC o aspecto constitutivo
do discurso, a interdependência das práticas discursivas, a natureza discursiva do poder, a
40
natureza política do discurso e a natureza discursiva de mudança social. De Bakhtin (1992),
interessa particularmente os conceitos de dialogismo e polifonia, já que a linguagem, o
discurso é espaço de luta hegemônica, onde é possível analisar as contradições sociais e lutas
de poder tão importantes para que uma possível transformação social aconteça.
O poder dentro das instâncias discursivas está ligado ao uso da linguagem como
instrumento para produzir ou reproduzir discursos que interessem a um grupo determinado.
Foucault, em sua obra ‘Vigiar e Punir’, discute as técnicas discursivas disciplinadoras - como
as usadas em escolas, prisões e hospitais - que dispensam o uso da força, fazendo uso de
técnicas discursivas que “treinam”, “adestram” e “produzem” indivíduos que se adequam às
necessidades e interesses daqueles que detém o poder.
Todos os conceitos apresentados são essenciais à proposta de Fairclough (1989; 2003)
para a análise de discurso crítica, segundo seu modelo Tridimensional. Esses conceitos se
entrelaçam nos discursos orais e escritos e ecoam vozes que podem construir um
contradiscurso ou (re)produzir o discurso hegemônico.
2.1.8 Modalidade: uma categoria da Dimensão Textual (FAIRCLOUGH, 2001-3)
A transdisciplinaridade nos estudos da ADC tem como um bom exemplo de
apropriação e operacionalização de conceitos a categoria da modalidade. Fairclough retomou
a teoria de Halliday (1985; 1994) acerca da modalidade, modificando-a. Para Halliday (1985,
p.75), a modalidade “é o julgamento do falante sobre as probabilidades e obrigatoriedades
envolvidas no que diz”. Para ele, a modalidade está ligada a “um traço semântico essencial”, a
polaridade, que representa a escolha entre os polos positivo e negativo, como no
constraste/oposição entre “é/ não é”, ou seja, as variações situadas entre esses dois polos.
Exibo, na seção referente à Gramática Sistêmico Funcional de Halliday (1985; 1994), mais
detalhes acerca da modalidade para Halliday.
Já para Fairclough (2003), a modalidade é um ponto de interseção no discurso entre a
significação da realidade e a representação das relações. Ela pode ser definida como o modo
pelo qual as pessoas mostram seu comprometimento, afinidade e solidariedade, ao fazerem
afirmações, perguntas, ofertas e demandas.
Afirmações e perguntas referem-se à troca de conhecimento (modalidade epistêmica)
que revela o comprometimento com a verdade. Quanto às demandas e ofertas, aludem à troca
de atividade (modalidade deôntica) que revela o comprometimento com a
obrigatoriedade/necessidade.
41
O autor ainda acrescenta a distinção entre a modalidade objetiva e subjetiva. Na
modalidade objetiva, o julgamento do falante está implícito, pode não estar claro/evidente
qual ponto de vista está representado, se “o falante projeta seu ponto de vista como universal
ou se age como veículo para o ponto de vista de outro indivíduo ou um grupo”.
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 200). Já na modalidade subjetiva, o julgamento está explícito, o
grau de afinidade do próprio falante com a proposição está expresso e claro.
Vale ressaltar que as modalidades acima não se dividem em categorias mutuamente
exclusivas, salvo os casos em que são opostas entre si, ou seja, devem ser objetiva ou
subjetiva; epistêmica ou deôntica; mas podem ser subjetiva e deôntica, objetiva e epistêmica,
como em: “Eu acho que isso deveria ser assim” (modalidade subjetiva e deôntica).
Fairclough (2003) também mostra o conceito de modalidade categórica, para incluir os
polos positivo e negativo, acrescentando uma reflexão a respeito dos tempos verbais, como as
diferenças entre pode/poderia e deve/deveria que coincidem com as distinções entre hipotético
e não hipotético.
A análise da modalidade nas entrevistas possibilitará que se desvele o grau de
comprometimento (afinidade e solidariedade) da professora participante dessa pesquisa, a
partir de suas afirmações, demandas, perguntas e ofertas, a fim de revelar a forma com que se
compromete com sua (trans)formação dentro do paradigma crítico reflexivo de sua prática
docente na escola pública.
A importância do estudo da modalidade está ligada ao processo identificacional, pela
sua relação entre o/a autor/a com o seu texto e sua representação. A modalidade é
fundamental para que as identidades se desvelem através da construção discursiva. Segundo
Fairclough (2003, p.166), o nível de comprometimento com a sua proposição “é uma parte
significativa do que você é, então escolhas de modalidade em textos, podem ser vistas como
parte do processo de texturização de auto-identidades”.
Mas, como destacam Resende e Ramalho (2006, p 75), o processo identificacional é
sempre afetado pela relação social, o que implica em dizer que as escolhas de modalidade são
significativas na identificação bem como na representação e ação em “um exemplo claro da
dialética entre os três aspectos do significado”.
42
2.2- GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL (GSF) DE MICHAEL HALLIDAY (1985; 1994) EM CONSONÂNCIA COM A ADC DE FAIRCLOUGH (1989; 2003)
A Gramática Sistêmico-Funcional é o nome dado ao modelo de descrição e análise
linguística desenvolvido desde a década de 50, do século XX, por Halliday. Tal sistema
recebeu esse nome, por ver a gramática como um sistema de escolhas potenciais não
arbitrariamente motivadas, e por se ocupar das funções comunicativas dentro do sistema.
Além de desempenhar o papel de um modelo de descrição e análise linguística funcional,
identifica categorias linguísticas e procura determinar suas funções.
A Gramática Sistêmico Funcional (doravante GSF) de Halliday (1994) é usada para
verificar de que forma as escolhas léxico-gramaticais feitas pelo falante, constroem
significados através da interação.
De acordo com a GSF, os componentes essenciais do significado na língua são
componentes funcionais. Todas as línguas organizam-se em tipos fundamentais de significado
ou componentes: o ideacional ou reflexivo, manifestando o propósito de compreender o
ambiente; o interpessoal ou ativo, manifestando o propósito de agir com outros no ambiente; e
o textual, combinado a outros componentes, que é de grande relevância aos outros dois. Outro
componente imprescindível para os demais é o contexto.
A GSF apresenta-se como um sistema de significados associado a três metafunções:
IDEACIONAL (ou experiencial), INTERPESSOAL E TEXTUAL. Estas funções ocorrem
simultaneamente nos textos e nas orações e é através delas que se pode analisar como o
discurso está organizado. As três metafunções, portanto, fornecem explicações do uso da
língua a partir das necessidades, dos propósitos dos falantes em determinado contexto de
situação. Assim sendo, apresento de modo sistematizado apenas as duas primeiras, das quais
me utilizo, (a) Ideacional ou experiencial e (b) Interpessoal , em detrimento à (c) Textual1,
tendo em vista a análise .
1 A metafunção textual é realizada principalmente pela estrutura temática, se relaciona com a variável de registro (Modo) e se expressa por meio da ordem dos elementos da oração, que dão significado à mensagem. Halliday (1994) afirma ser possível assumir que, em todas as línguas, a oração tem o caráter de mensagem: alguma forma de organização que dá a ela o status de um evento comunicativo no qual um elemento é enunciado como tema e combinado com o restante da oração para formar a mensagem. Segundo Halliday (1994), o Tema é o elemento que serve como ponto de partida da mensagem e o que é tratado por ela. O restante da mensagem, a parte em que o Tema é desenvolvido, é denominada de Rema, conforme a terminologia da escola de Praga.
43
2.2.1 Metafunção Ideacional ou Experiencial: Transitividade
A metafunção ideacional está relacionada ao uso da linguagem como representação.
As representações são os acontecimentos no mundo interno e externo que cercam o falante em
sua experiência de vida. O mundo interno está ligado aos pensamentos, crenças, sentimentos e
outras manifestações e o mundo externo está ligado aos acontecimentos, eventos etc..
Segundo Halliday (1994), a percepção mais forte que se tem é de que a experiência é formada
por eventos - acontecer, fazer, sentir, significar, ser e tomar-se - que ocorrem nos mundos
interno e externo.
O sistema gramatical pelo qual a ordem é imposta aos processos de acontecimentos é
denominado por Halliday (1994) de Transitividade. Ao se analisar o sistema de transitividade,
é possível constatar a manifestação do sistema ideacional, ou seja, a construção de um mundo
de experiências e sua classificação dentro de certo número de processos administrados pela
consciência humana. Os elementos que constituem o sistema de transitividade são: o Processo
em si (grupo verbal - a ação em si); os Participantes do processo (grupo nominal - aqueles que
participam ou são afetados pela ação) e as Circunstâncias ligadas ao processo (grupos
adverbiais ou orações preposicionadas - informações acrescentadas ao processo). Halliday
(1994) explica que os conceitos de processo, participante e circunstâncias são categorias
semânticas que explicam de maneira geral como os fenômenos do mundo real são
representados como estruturas da língua. De acordo com o autor, existem seis tipos de
processos, dos quais três são principais (Material, Mental e Relacional), e três são
intermediários (Comportamental, Verbal e Existencial).
QUADRO 2 - Processos e suas relações
PROCESSOS SUA RELAÇÃO EXEMPLOS Processos Materiais
São processos relacionados ao “fazer”, ligados a eventos físicos concretos, acontecimentos e fatos abstratos. Expressam sempre ações praticadas por alguém. Estão ligados à experiência e à vivência de mundo exterior. São dois seus participantes principais: o Ator e a Meta. O Ator é quem age, quem faz, quem realiza a ação propriamente dita; sua presença é obrigatória, portanto. Já a Meta, é o participante, modificado pela ação, isto é o objeto direto da gramática tradicional.
Exemplos: A gente faz o melhor, o possível.
44
Processos Mentais
São processos relacionados ao “sentir” e “pensar”, arrolados em três subcategorias: cognição, afeição e percepção. A classe cognição envolve verbos que expressam pensamento, conhecimento e entendimento (pensar); a classe afeição engloba verbos relacionados a gostos e medos (gostar, amar) e a classe percepção compreende verbos que expressam sentidos (sentir, ver, ouvir, etc.). Os participantes dos processos mentais são o Experienciador, o ser consciente que está sentindo, pensando ou vendo, e o Fenômeno, que é o elemento sentido, pensado ou visto.
Exemplos: Ela adora ensinar (subcategoria afeição) Eu penso que a reflexão tem que vir junto da ação. (subcategoria cognição) Você sente que aos poucos as coisas estão mudando.
Processos Relacionais
São processos relacionados à ordem do “ser”. Tais processos podem ser classificados como atribuição ou identificação. No primeiro, os papéis são os de Portador, para designar o elemento classificado, e Atributo, para o classificador. No segundo, os papéis são os de Identificador, para o elemento definidor, e Identificado, para o elemento identificado
Exemplos: O mundo é muito injusto. Eu sou socialmente engajada.
Processos comportamentais
Estão ligados a comportamentos físicos e psicológicos. Gramaticalmente falando, estão entre os processos materiais e mentais.
Exemplo: A gente sonha com um mundo melhor.
Processos verbais
São processos de “dizer” e também estão em uma posição intermediária entre os processos mentais e relacionais. Não necessitam da participação de um humano.
Exemplo: Nós falamos da importância de ser reflexivo.
Processos existenciais
São processos que se encontram entre os processos relacionais e materiais. São realizados pelos processos haver, existir. Há apenas um participante, o existente.
Exemplo: Há muita miséria no mundo, mas, existe também muita gente solidária.
2.2.2 - Metafunção Interpessoal
Conforme Halliday (1994,p. 68), a metafunção interpessoal realiza-se gramaticalmente
pelos sistemas de Modo e Modalidade. No sistema de Modo, são estabelecidas as relações
entre os participantes. O sistema de Modalidade está ligado à avaliação do falante acerca da
45
veracidade de sua mensagem e de seu grau de responsabilidade sobre ela. O sistema de
Modalidade abarca dois subsistemas: modulação e modalização. Ambos realizam-se
gramaticalmente nas orações e podem ser classificados em escalas com grau de obrigação ou
comprometimento e inclinação alta, média e baixa. Na modulação, os significados podem ser
usualmente expressos por meio de adjetivos e de operadores verbais modulados, mas há
outras possibilidades linguísticas.
Aliás, ainda de acordo com Halliday (1994), a linguagem permite ao falante uma série
de possibilidades de expressão que se situam numa posição intermediária entre o sim e o não
absolutos, o que ele denomina de Polaridade.
Todas as opções intermediárias entre o sim e o não absolutos constituem, genericamente, o
sistema de Modalidade. Assim, pode-se dizer que a modalidade está entre os pólos da
polaridade. Observe o sistema de polaridade apresentado por Halliday (1994):
QUADRO 3 - Polaridade (HALLIDAY, 1994, p. 88)
Positiva Negativa
é, era, tem, pode Não é, não era, não tem, não pode
Através da modalidade ocorre o julgamento do falante em relação às probabilidades ou
obrigações, envolvidas naquilo que ele diz. Halliday (1994 p.75) enfatiza que os dois papéis
da fala mais importantes, nos quais podem ser incluídos todos os outros papéis mais
específicos, são oferecer e pedir. Tais categorias elementares abarcam noções complexas
como: oferecer significa “convidar a receber” e pedir significa “convidar a oferecer”.
O autor também mostra que as línguas desenvolveram recursos gramaticais para
afirmações e perguntas, não constituindo finalidades em si mesmas, na verdade servem
também de ingresso a uma variedade de funções retóricas. Assim sendo, quando se interpreta
a estrutura de afirmações e perguntas, pode-se atingir uma compreensão da oração na sua
função de troca.
No sistema de modalidade, o uso da Polaridade tem como meta expressar os graus
positivo e negativo. De acordo com Halliday (1994, p. 75), há dois tipos de modalidade:
Modulação (obrigação) e Modalização (probabilidade e usualidade /frequência). Na
modalização, o grau de probabilidade, possibilidade, certeza é expresso (ex: “Ele poderia
ajudar”.). Já o grau de usualidade/frequência é expresso através dos advérbios de frequência
(sempre, usualmente, nunca, frquentemente etc...) (ex: “Ela sempre faz as tarefas”.)
46
Em suma, o sistema de Modalidade também tem importância inquestionável em
relação aos comportamentos, demonstrando diversos graus de solidariedade, que se desvelam
através dos verbos modais apresentados em níveis de obrigação, tais como “deve ou deveria”,
de alta obrigação, e “pode e poderia”, de baixa obrigação. Os níveis de obrigação,
demonstrados através dos modais, colocam o falante em uma posição de maior ou menor
poder. É, ainda, através do sistema de Modalidade que se faz possível mapear as intenções
dos participantes da interação, pela forma como expressam seus julgamentos e atitudes via
discurso.
Afilio-me portanto, principalmente ao que postula Fairclough (1989; 2003) em
relação à modalidade, considerando que ele retoma os estudos de Halliday (1994) e os
complementa.
As três metafunções, portanto, relacionam-se e entrelaçam-se simultaneamente,
formando o contexto.
2.3 - O PAPEL POLÍTICO DOS PRONOMES NO DISCURSO SEGUNDO PENNYCOOK
(1994)
Pennycook (1994) apresenta um estudo sobre a representação política dos pronomes
no discurso e suas relações com o poder.
Como as relações de poder são importantes para a ADC, o estudo sobre o papel
político dos pronomes apresentado por Pennycook em 1994 é útil para desvelar o que há em
sua representação e consequentemente a ideologia presente neles. Não é possível pensarmos
nos pronomes como meros substitutos do(s) nome(s), pois, esses exercem um papel ativo e
não passivo. Conforme Pennycook (1994, p. 175) “os pronomes estão diretamente envolvidos
na nomeação de eu, eus e outros, e são sempre políticos, implicando relações de poder”. O
significado interpessoal está expresso nas escolhas feitas pelo falante para nomear/identificar.
Além do estudo de Pennycook (1994), para o qual os pronomes podem ter papel
inclusivo ou excludente, utilizo também os estudos de Maitland e Wilson (1987), mais
especificamente em relação ao pronome (you) você, por se adequar melhor à análise proposta.
Para esses autores, os pronomes estão inseridos em um continuum de poder e solidariedade
que denotam uma relação de distanciamento entre os participantes e o sistema pronominal. Se
considerados numa escala numérica de distanciamento ou solidariedade, estariam colocados
assim: 0-eu, 1-nós, 2-você, 3-alguém, 4-vocês, 5-ela, 6-ele e 7-eles.
47
Nessa perspectiva, o pronome I (eu) pode ter função autorreferencial e nesse caso seu
emprego é bem “inocente”, mas, muitas vezes tem função diferente em diferentes discursos, o
I (eu) que tem função enfática e excludente, por fazer dizer que “os outros” they ou you (eles
ou vocês) não fazem o mesmo. O I (eu) que profere uma palestra na academia não é o mesmo
I (eu) que dá conselho a um membro da família. As relações entre falante e ouvinte delineiam
e desvelam posições ideológicas e, portanto, envolvem relações de poder.
Exemplos: Eu acho que eu luto pelos meus direitos. (auto-referencial)
Eu não concordo com as suas ações, nunca faria o mesmo. (em oposição a você/vocês
ou eles)
Eu, como professora de inglês, sinto-me realizada. (eu-profissional)
Se a intenção for inclusiva a tendência é empregar o pronome nós ou a forma
pronominal a gente por geralmente retratarem solidariedade. Entretanto, o pronome nós, de
acordo com Pennycook (1994, p. 175-76), é o mais complexo porque apesar de ter um caráter
mais frequentemente inclusivo, pode ser usado às vezes para determinar a exclusão. Quando
empregado de forma inclusiva, sinaliza solidariedade ou afiliação. Ele autoriza a falar em
nome de um mesmo grupo social. No entanto, quando usado de forma exclusiva, indica
rejeição.
Exemplos:
Nós somos professores engajados. (nós-inclusivo-solidariedade ou afiliação).
Da mesma forma que o pronome nós é inclusivo em relação aos professores
engajados, é exclusivo no que diz respeito aos professores que não são politicamente ou
socialmente engajados.
Nós, da língua inglesa, ficamos à margem da Pedagogia Crítica por preconceito da
sociedade. (nós-exclusivo- rejeição)
Nesse caso fala da exclusão dos professores de língua inglesa e da inclusão dos
professores das demais disciplinas.
Quanto ao pronome he (ele), podemos dizer que devido ao posicionamento da
sociedade, muitas vezes sexista e que os autoriza a usar he (ele) para falar de seres humanos,
pessoas.
Exemplo: O professor fica perdido porque ele não sabe o que fazer. (falando de
professores ou professoras)
Os pronomes “you and they” (você/eles/elas) indicam “normalmente” exclusão.
Exemplo: Você só faz bobagem. (diferente de mim/ Oposto ao pronome eu)
48
O pronome they (eles/elas) é uma máscara, esconde a opinião ou autoridade de
alguém.
Exemplo: Eles acham que a língua inglesa é a expressão do capitalismo e que nós
vendemos a alma ao diabo.
Não se sabe ao certo quem o pronome Eles representa, não há comprometimento e
clareza por parte de quem enuncia/fala.
E finalmente quando it (ele ou ela) ou the other (o outro/a outra) com caráter de
esconder, mascarar e excluir.
Exemplo: O outro é bem diferente. Ou Ele é bem diferente.
Aqui também não fica claro quem é Ele ou O outro.
Os pronomes na visão de Pennycook (1994, p.175):
[...] são pequenas porções de linguagem, muito complexas e que raramente estão numa relação simples com qualquer outra coisa. Eles estão envolvidos em nomear pessoas, grupos e são sempre políticos, porque indicam relações de poder. Nesse sentido, eles não podem ser separados do processo político de nomear um ‘si mesmo’ (self), ‘si mesmos’ (selves) e ‘outros’. Os pronomes, portanto, implicam em pressupostos de comunidade, autoridade, ‘outros’ e si mesmos (selves).
Segundo Papa (2008, p. 57), os pronomes são “reflexos das relações sociais”, que para
os estudos da ADC em relação à identificação/nomeação de atores sociais é essencial, pois,
quase sempre, envolve relações de disputa de poder. Nesta pesquisa em especial, esse estudo é
essencial para revelar traços da construção identitária da professora participante.
2.4 - O REALISMO CRÍTICO DE BHASKAR (1989; 1998; 2002), A EMANCIPAÇÃO E A
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
A escolha pelo Realismo Crítico de Bhaskar (1989; 1998; 2002) deve-se
principalmente por postular uma estreita ligação entre a sociedade/pessoa e a realidade. De
acordo com Bhaskar (1989), a realidade é estratificada2 e a atividade científica deve estar
comprometida em revelar esses níveis mais profundos, suas entidades, estruturas e
mecanismos (visíveis ou invisíveis) que existem e operam no mundo. Desconsiderar algum
desses níveis propostos, poderia levar a erros fatais dentro de uma visão crítica das práticas
sociais.
2 Para Bhaskar (1989), os estratos são 3: o Potencial (o que pode acontecer), o Realizado (o que acontece de fato) e o Empírico (o domínio da experiência) (cf. RESENDE, 2009).
49
Nesse sentido, segundo Resende (2009, p.20), “ao contrário de uma abordagem
realista ingênua, que consideraria o que existe como equivalente ao que poderia existir, e o
objeto empírico como separado de nosso conhecimento sobre ele, Bhaskar (1989) propõe uma
ontologia estratificada do mundo social”. Portanto, para desvelar as desigualdades, os
preconceitos, entre outras formas de opressão, é preciso estar desperto para a força ideológica
da prática discursiva e social e buscar a transformação social. Se há a possibilidade de
operação no estrato potencial, o que é uma potencialidade pode transformar-se em realização,
desde que os mecanismos de bloqueio sejam identificados e superados.
A mobilidade das estruturas sociais é uma característica considerada pelo Realismo
Crítico com vistas a uma possível Transformação Social. Não por menos, a possibilidade de
intervenção é a principal característica de adequação do Realismo Crítico em relação à ADC.
Bhaskar (1998) postula um modelo transformacional da relação entre estruturas e
atividades sociais:
O modelo de conexão sociedade/pessoa que estou propondo poderia ser sumarizado assim: pessoas não criam a sociedade, que é sempre pré-existente a elas e é a condição necessária para sua atividade. Em vez disso, a sociedade pode ser entendida como um conjunto de estruturas, práticas e convenções que os indivíduos reproduzem ou transformam, e que não existiriam se eles não fizessem isso. A sociedade não existe independentemente da atividade humana (o erro da reificação). Mas não é produto imediato da atividade humana (o erro do voluntarismo) (BHASKAR 1998, p. 216, apud RESENDE 2009, p.26 e 27)
A sociedade, na ótica de Bhaskar (1998), pode sofrer transformação ou re(produção)
de suas estruturas e práticas (sociais e discursivas), através da ação das pessoas. Isso posto, o
Realismo Crítico e o modelo transformacional proposto por Bhaskar (1998), em consonância
com a ADC (e seus estudos discursivos), que tem como centralidade as práticas sociais,
podem ajudar a mapear conexões entre discurso e sociedade. Esses estudos objetivam
desvelar mecanismos discursivos e seus desdobramentos ideológicos para então buscar modos
de superar as relações assimétricas de poder que são parcialmente sustentadas pelo discurso.
Conforme Bhaskar (1993, p 02), “os realistas defendem uma compreensão da relação
entre as estruturas sociais e o agir humano, baseada em uma concepção transformacional da
atividade social e que evita tanto o voluntarismo quanto a reificação”.
De modo sintético, a figura a seguir representa a forma como entendo o Modelo
Transformacional postulado por Bhaskar (1998):
50
FIGURA 2 - Modelo Transformacional da Atividade Social
Assim sendo, os agentes sociais (indivíduos) atuam na estrutura social (onde estão
presentes seus recursos e constrangimentos) e então acontece a reprodução ou transformação
dessas estruturas.
Pensando então na prática docente em relação às representações discursivas de
professores socialmente e politicamente engajados poderíamos sumarizar da seguinte forma a
possibilidade de transformação social no contexto escolar (micro) e na sociedade como um
todo (macro). O docente crítico reflexivo atua nas estruturas sociais existentes, utilizando-se
de seus recursos disponíveis e lutando contra os constrangimentos existentes, que contribuem
para a reprodução e manutenção de desigualdades e preconceitos, buscando uma
transformação social a partir do contexto micro (sala de aula-escola) para um contexto macro
(sociedade).
A ADC considera o discurso um momento irredutível de práticas sociais. Esse
momento articula-se, dialeticamente, em relações mutáveis, relativamente instáveis, com
outros momentos de (redes de) práticas sociais. (FAIRCLOUGH, 2003).
Interessa-me em especial, em relação ao Modelo Transformacional de Bhaskar, a
possibilidade de intervenção nas práticas sociais e discursivas, tanto que a possibilidade de
operação nessas estruturas é o foco desta pesquisa. Entretanto, não há como explicar todos os
fatores importantes para que essa transformação possa acontecer, por conta do tempo e do
espaço. Destarte, esbocei brevemente o que postula esse modelo para, em seguida, falar sobre
o papel emancipatório no quadro do Realismo Crítico de Bhaskar (1989), também de forma
sucinta.
Possível Transformação
Estrutura Social
Sociedade
Atividade Social
Agir Humano
51
Bhaskar (1989), em sua visão a respeito de educação e emancipação, é bem
controverso, já que ousa misturar temas como espiritualidade, educação e ciências sociais.
Para o autor, a emancipação passa obrigatoriamente pela auto-emancipação, pois “quanto
mais livre eu me tornar, mais minha ação tomará o rumo certo” (BHASKAR, 2002, p.316 -
tradução minha). Ele aborda os princípios de Marx e sua preocupação sobre quem iria educar
os educadores, capacitá-los e transformá-los. Para que a transformação social se dê
efetivamente, ela precisa acontecer de dentro para fora. Nenhum professor será capaz de
transformar a realidade ao seu redor se ele mesmo não passar por esse processo.
Segundo Bhaskar (1989), tem de haver um propósito em tudo que é ensinado, caso
contrário não há aprendizado, nem transformação. É preciso que o professor reflita sobre a
utilidade do que está ensinando dentro do contexto em que está inserido. O autor ainda
menciona que nada pode ser transformado, a não ser que haja comprometimento, inclusive
espiritual.
A partir disso, minha compreensão é que a Emancipação e a Transformação Social
nascem de um desejo de viver em um mundo com menos miséria, desigualdade, preconceito e
opressão. Esse desejo deve nascer das pessoas que se propõem a trilhar esse caminho.
Segundo Bhaskar (2002, p.301 apud PAPA, 2008, p. 201),
Se você ama as outras pessoas, então você deve estar engajado em atividades de transformação prática no mundo. (...) Isso é muito parecido com o ponto de vista de Marx - quando ele disse que, em uma sociedade comunista, a liberdade de cada um seria a condição de liberdade de todos. Em outras palavras, seu bem-estar, seu sucesso, seria a condição para o meu sucesso. Isso foi tão importante para mim. Quer dizer, não adianta eu ser livre, não adianta eu ser uma pessoa perfeita, se você ainda é uma pessoa miserável e infeliz.
Alinho-me à proposta de Bhaskar (1998) de Transformação Social aliada ao seu papel
emancipatório, principalmente pelo seu caráter de inconformismo com as desigualdades,
preconceitos, miséria e opressão que existem no mundo e pela possibilidade de mudança.
Depois de expor os pressupostos teóricos que embasaram a pesquisa, apresento, no
próximo capítulo, os procedimentos metodológicos e as demais condições para a realização
do trabalho.
52
CAPÍTULO 3
O objetivo deste capítulo é discorrer sobre a metodologia utilizada no
desenvolvimento deste estudo. Na primeira parte, discorro sobre a participante da pesquisa; na
segunda, apresento os cenários de pesquisa; na terceira, abordo a natureza da pesquisa; na
quarta parte, mostro o caminho percorrido para a construção do corpus para análise; e, na
quinta e última parte, mostro como as entrevistas foram realizadas e os procedimentos
utilizados para análise.
3.1- A PARTICIPANTE DA PESQUISA
A escolha da participante da pesquisa aconteceu em função de seu perfil como
professora de língua estrangeira. Sofia3 é professora de língua inglesa da rede pública de
ensino desde 1986, tendo atuado em diversas escolas públicas assim como escolas
particulares, cursos livres de idiomas e no ensino superior. Atualmente, trabalha somente com
ensino médio técnico por estar em processo de qualificação de doutorado. Sofia é participante
de grupos de reflexão acerca de formação continuada de professores e participa também de
grupos de pesquisa de pedagogia emancipatória com vistas à inclusão/transformação social.
Desde muito jovem, interessa-se em trabalhar com grupos socialmente excluídos e,
atualmente, trabalha na perspectiva do professor crítico-reflexivo. Terminou o mestrado
recentemente nessa linha de pesquisa, que busca a transformação social através da educação.
Essa foi a principal razão de meu interesse em pesquisar a representação discursiva de Sofia
sobre sua prática docente, com base em entrevistas. Isso porque há muitas críticas feitas a essa
perspectiva no sentido de que há uma desarticulação entre o discurso e a práxis pedagógica
dos professores que com ela trabalham. Sofia afirma que sempre preferiu trabalhar na escola
pública, por acreditar ser possível desenvolver seu trabalho com maior liberdade para escolher
a abordagem de ensino e o conteúdo. Afirma sentir falta de um projeto político sério que
preze o ensino de língua estrangeira na rede pública.
3 O nome da participante é fictício.
53
3.2- CENÁRIOS DA PESQUISA
Essa pesquisa foi realizada em três locais diferentes, duas escolas pertencentes à
mesma rede de Ensino Público, uma escola de Ensino Médio Técnico, onde a professora
Sofia, sujeito desta pesquisa, trabalha com língua estrangeira, mais especificamente, com a
língua inglesa. Assim, parte da pesquisa foi realizada em Cuiabá e parte em uma outra região
considerada “rural”, ou seja, dois contextos completamente distintos. Apesar de as duas
escolas serem públicas e fazerem parte da mesma rede de ensino, os alunos de ambas são
diferentes em vários aspectos e, portanto, a representação discursiva de Sofia em relação a sua
prática docente pode realizar-se de forma diferente nesses dois cenários. O terceiro cenário
onde foi realizada a última entrevista é a casa de Sofia, já na fase final da pesquisa.
A escola localizada na região rural é bastante ampla e bem estruturada, com boas salas
de aula, biblioteca, alojamento, horta, criação de animais, laboratórios, restaurante entre
outras facilidades. Parte dos alunos mora no alojamento da escola e parte mora nas cidades
circunvizinhas. Quanto à escola localizada em um bairro de Cuiabá, a estrutura é bastante
ampla e bem equipada também, mas não há alojamento, pois nenhum aluno mora na escola
por tratar-se de uma escola de zona urbana.
3.3 - A NATUREZA DA PESQUISA
Esta pesquisa constitui-se em um estudo de caso etnográfico que analisa as entrevistas
realizadas com uma professora de língua inglesa da rede pública, em processo de formação,
inserida no paradigma crítico-reflexivo. Meu interesse é verificar quais as consonâncias e
dissonâncias presentes entre “aquilo que Sofia diz” e sua “prática docente”, no intuito de
contribuir para uma melhor articulação entre a teoria e a prática crítico-reflexiva.
A etnografia é útil para uma construção holística de pesquisa, pelo caráter dialético do
contexto sócio-histórico cultural estudado e por ser um sistema aberto, no qual o pesquisador
vai construindo e descontruindo crenças e percepções durante o processo. A palavra
etnografia vem do grego graf(o) ou grafia que significa escrever ou escrita e etno, que se
refere a uma cultura/um povo ou sociedade em particular. Sendo assim, a etnografia é a
pesquisa que procura descrever um determinado grupo da sociedade, com seus valores
sociais, históricos e culturais. Antes de investigadores iniciarem estudos mais sistemáticos
sobre uma determinada sociedade, eles escreviam todos os tipos de informações sobre os
outros povos por eles desconhecidos. Etnografia é a especialidade da antropologia, que tem
por fim o estudo e a descrição dos povos, sua língua, raça, religião e manifestações materiais
54
de suas atividades no cotidiano. Essa concepção de “cotidiano” de Heller (1989), é importante
para pesquisas críticas. Esse autor afirma que o ser humano nasce no cotidiano, aprende a
viver no cotidiano em sociedade e com isso a vida cotidiana está pautada na espontaneidade.
Dessa forma, o cotidiano escolar é importante para a construção deste trabalho com base na
etnografia.
A idéia de “contexto”, segundo Papa (2008), é muito importante para pesquisas
relativas ao discurso e também por essa razão a etnografia mostrou-se relevante à pesquisa.
Nessa perspectiva, o pesquisador deve desempenhar um papel ativo, atento, sensível e
comunicativo; é fundamental um relacionamento de confiança e empatia entre o pesquisador e
o(s) (demais) participante(s), visto que, quanto maior a “comunicação”, melhor será a
compreensão dos dados obtidos. Segundo Merrian (1998), a comunicação e a empatia devem
andar junto à percepção de ambiguidades para um melhor resultado na análise.
De acordo com Resende (2009, p. 62) “Em etnografia, não se objetiva uma
generalização por meio dos dados, mas a focalização de práticas particulares e eventos
particulares - daí a adequação desse tipo de pesquisas a projetos que focalizam perspectivas
localizadas”, que é o que propõe a presente pesquisa.
Para Bogdan e Biklen (1994, p. 134), em uma pesquisa qualitativa as entrevistas, um
dos instrumentos mais utilizados, podem se dar de duas maneiras: como estratégia dominante
para coletar4 dados, ou ao lado de observação participativa análise de documento e outras
técnicas. Assim, para estudar o contexto e as experiências de Sofia, escolhi trabalhar com o
estudo de caso etnográfico, pela natureza “holística” desse tipo de pesquisa, ampliando o
escopo da investigação, bem como por se tratar de uma pesquisa de cunho qualitativo,
utilizei-me de entrevistas e conversas informais gravadas como instrumentos de geração de
dados.
3.4 A ENTRADA EM CAMPO
Ao optar pela pesquisa com uma educadora que trabalhasse na perspectiva do
professor crítico-reflexivo e depois de conversas com minha orientadora, chegamos a Sofia
por enquadrar-se no perfil desejado, além de ter concluido seu mestrado nessa linha há pouco
tempo. O passo seguinte foi tentar agendar um encontro com ela para uma primeira conversa,
4 Nessa acepção, o termo dados é concebido como já existentes de antemão, cabendo ao pesquisador apenas coletá-los, contrariando a perspectiva que adotei na pesquisa, na qual os dados foram construídos mediante análise/interpretação dos registros produzidos a partir das observações que realizei e/ou dos documentos que coletei no (e/ou sobre o) contexto de pesquisa.
55
mas devido a alguns problemas de saúde enfrentados por ela naquela época, esse primeiro
encontro teve de ser adiado.
Foi então, em julho de 2008, que nos conhecemos por acaso. Eu havia me inscrito para
apresentar um trabalho no III Encontro de Professores de Língua e Literatura (III EPROLL) e
XI Encontro de Professores de Inglês ( XI EPI) promovido pela Associação dos Professores
de Língua Inglesa do Estado de Mato Grosso (APLIEMT). O evento aconteceu na
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) - Campus Cuiabá. No segundo dia do evento,
fui assistir a uma das mesas-redondas e lá estava Sofia com mais dois debatedores. Quando os
trabalhos da mesa foram encerrados, me aproximei e me apresentei. Conversamos durante
alguns minutos, Sofia mostrou-se disposta a colaborar com a pesquisa e disse que estava se
recuperando de um problema de voz, que a obrigara a se afastar das aulas por um tempo.
Falamos um pouco sobre nossas vidas, o suficiente para perceber que ela tinha uma trajetória
como professora de inglês relativamente parecida com a minha. Isso, de certa forma, nos
aproximou. Fiquei de entrar em contato por e-mail ou telefone para marcarmos um primeiro
encontro.
No dia 25 de agosto de 2008, finalmente nos encontramos em uma instituição onde
Sofia trabalhava como coordenadora. Nessa oportunidade, expliquei melhor o meu objetivo a
Sofia, que mais uma vez mostrou-se solícita e aberta à cooperação. Liguei o gravador e
conversamos durante aproximadamente 1 hora. Nesse primeiro contato falei pouco, preferi
deixar com que ela falasse.
Novamente ficamos de manter contato por e-mail ou telefone para agendarmos o
próximo encontro, que deveria ser na escola pública em que Sofia trabalhava durante o dia
para observações das aulas.
3.5 - A CONSTRUÇÃO DO CORPUS
Ao todo, foram realizadas três entrevistas e vinte e três aulas foram gravadas. Das três
entrevistas, a primeira foi realizada em agosto de 2008 na escola “rural” onde Sofia trabalhava
na ocasião. A .segunda entrevista aconteceu em março de 2009 na escola pública, pertencente
a mesma rede, na área urbana de Cuiabá, em que Sofia atua como professora de língua inglesa
no Ensino Médio Técnico; por fim, em fevereiro de 2010, aconteceu a terceira entrevista,
dessa vez na casa de Sofia, já em fase final de pesquisa. Optei por realizar entrevistas não
estruturadas (unstructured interviews)(DURKIN, 1994) e (SEVERINO, 2002), pela liberdade
de adequação que essas oferecem, já que não é preciso obedecer uma ordem de perguntas pré-
56
estabelecidas. Pensava nos tópicos que gostaria de abordar, fazia um roteiro que servia como
guia e, depois que as entrevistas começavam, sempre surgiam outras questões relevantes. A
duração de cada entrevista foi de aproximadamente 40 minutos a 1 hora.
As aulas foram gravadas em dois cenários diferentes, porque Sofia foi transferida da
primeira escola localizada na área rural para a outra escola, pertencente à mesma rede e
localizada em Cuiabá. Gravei as primeiras aulas na escola “rural” no final de outubro de 2008
e meados de novembro de 2009. Da primeira vez combinamos de irmos juntas até a escola já
que eu não sabia exatamente a localização e, segundo Sofia, o acesso de ônibus era
complicado por causa dos poucos horários oferecidos. Isso me deu a oportunidade de
conversar informalmente com Sofia sobre a sua atuação profissional e pessoal também. Ao
chegarmos à escola, Sofia fez questão de me mostrar as instalações e me apresentou a alguns
de seus colegas. Quando chegamos à sala de aula, Sofia me apresentou aos alunos e explicou
o motivo de minha presença lá. Fiz algumas notas de campo durante as aulas para contar com
mais elementos para a futura análise. Alguns trechos das aulas e das entrevistas tiveram de ser
descartados pela impossibilidade de entendimento pois ficaram inaudíveis.
Optei por analisar duas aulas, uma da escola localizada em Cuiabá e a outra da zona
“rural”. Entretanto, em função do tempo e de uma sugestão da banca durante a qualificação,
não utilizei as aulas como corpus de análise. No lugar das aulas, analisei mais uma entrevista,
aquela realizada em fevereiro de 2010, para mostrar os resultados da pesquisa à participante e
para a negociação de significados. O compartilhamento de resultados e a negociação de
sentidos representam duas características essenciais à pesquisa colaborativa segundo Resende
(2009). Em relação às entrevistas, transcrevi e analisei as três, descartando apenas os trechos
impossíveis de utilização.
3.6 - PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
A ADC de Fairclough (1989; 2003), une uma teoria social com uma teoria linguística.
A teoria social embasa-se na análise política, ideológica, econômica e cultural em que o
discurso foi produzido bem como nas relações de poder envolvidas. Para a análise linguística,
Fairclough utiliza a Gramática Sistêmica Funcional de Halliday (1994), por concordar que as
escolhas lexicais e gramaticais dos participantes do discurso são determinadas por sua posição
social e pelas circunstâncias em que estão envolvidos. Nesta pesquisa, analisei discursos
envoltos nas entrevistas e conversas informais com a professora em processo de formação de
sua prática docente, a fim de buscar pistas que indicassem sua posição nesse processo.
57
A ADC propõe um modelo de análise que leva em consideração os aspectos sociais
amplos que influenciam as diversas práticas sociais. Dessa forma, Resende e Ramalho (2006)
postulam que o objetivo da ADC é promover uma reflexão a respeito da mudança social
contemporânea, sobre as mudanças globais em grande escala e sobre a possibilidade de
prática emancipatória em estruturas cristalizadas na vida social.
Nessa perspectiva, esta pesquisa procurou propor uma análise que abranja as três
dimensões do Modelo Tridimensional de Fairclough (1992), que são o texto, a prática
discursiva e a prática social
A transdisciplinaridade nos estudos da ADC tem como um bom exemplo de
apropriação e operacionalização de conceitos a categoria da modalidade. Por isso, do texto,
foco minha análise na modalidade.
A análise da modalidade nas entrevistas possibilitou que se desvelasse o grau de
comprometimento da professora participante dessa pesquisa com suas afirmações, demandas,
perguntas e ofertas, revelando dessa forma o seu compromisso com sua formação dentro do
paradigma crítico reflexivo.
A seguir, apresento um quadro com o resumo das principais modalidades analisadas:
QUADRO 4 - Tipos de Modalidade analisadas neste trabalho
Modalidade Categórica
Expressa comprometimento com a proposição
Exemplo: O “impulso emancipatório” é essencial ao processo de transformação social.
Modalidade Subjetiva
Expressa o grau de afinidade do
falante com a proposição
Eu acredito realmente na possibilidade de emancipação social.
Modalidade Objetiva
Não expressa grau de afinidade do
falante com a proposição.
Eles não vêem motivo para mobilização dos professores.
Modalidade Deôntica
Expressa o comprometimento com
a obrigatoriedade/necessidade
Nós temos que buscar alternativas para melhorar o ensino público de língua inglesa.
Modalidade Epistêmica
Expressa o comprometimento com
a verdade
A manutenção e reprodução de desigualdades e preconceitos não podem acontecer.
Da dimensão da prática discursiva, na qual há o processo de produção, distribuição e
consumo de textos, foco na intertextualidade. A categoria da intertextualidade é bastante cara
58
à ADC, pois se refere às relações de um texto, considerando outro(s) que lhe é/são
recorrentes.
De acordo com Bakhtin (2000), é preciso que se observe de que forma os textos
dialogam com textos anteriores e antecipam textos posteriores. Nesse sentido, o autor afirma
que “cada enunciado é um elo na cadeia da comunicação”. Nosso dizer é permeado de vozes,
que se aproximam e repelem, em diferentes níveis de consciência e de afastamento.
A interdiscursividade pode ser considerada como intertextualidade manifesta, quando
o texto recorre explicitamente a outros textos específicos e intertextualidade constitutiva ou
interdiscursividade, através de elementos das ordens do discurso. Destarte, a intertextualidade
é uma categoria fundamental de análise para esse trabalho, dada a natureza social ligada ao
contexto educacional, onde vozes circulam em harmonia ou desarmonia, (re)construindo
significados.
E, por fim, da dimensão da prática social, que compreende as condições sociais de
produção e interpretação dos textos, influenciadas pela ideologia - sentidos, pressuposições,
metáforas - e pela hegemonia- orientações econômicas, políticas, econômicas, culturais,
ideológicas, considero tanto a ideologia quanto a hegemonia como focos analíticos.
Utilizo-me também do estudo de Pennycook (1994) sobre a representação política dos
pronomes, que não têm um papel neutro ou apolítico e implicam relação de poder. Através
desse estudo, é possível verificar o processo de inclusão e exclusão de atores sociais.
59
CAPÍTULO 4
O objetivo deste capítulo é apresentar e discutir os resultados obtidos pela análise das
entrevistas com a professora Sofia, participante desta pesquisa. Como expus no capítulo
anterior, foram realizadas três entrevistas para compor o corpus de análise: a primeira, ao
iniciar a pesquisa de campo (agosto de 2008); a segunda, durante o processo (março de 2009)
e a terceira, na fase final do trabalho (fevereiro de 2010).
Na primeira seção do capítulo, analiso as duas primeiras entrevistas, dividindo-as em
tópicos que procuram demonstrar como a articulação entre a teoria e a prática se desvelam.
Na segunda, valho-me dos mesmos procedimentos para demonstrar as impressões de Sofia
acerca das análises das entrevistas com ela. As análises da entrevista final têm o objetivo de
verificar os modos como a professora incorporou os princípios da teoria crítico-reflexiva em
sua prática. As conversas informais realizadas antes e depois das entrevistas serviram para
sugerir possíveis confirmações ou descartes de algumas hipóteses.
4.1 - O INÍCIO: A FORMAÇÃO DA PROFESSORA E A PROFESSORA EM FORMAÇÃO
Em um primeiro contato formal, me apresentei a Sofia, expus minhas intenções ao
realizar essa pesquisa, falei da minha vontade de realizar um trabalho colaborativo, visto que
somos professoras de inglês com carreiras relativamente parecidas: trabalhamos em cursos
livres de idiomas, escolas públicas e particulares e instituições de nível superior. Isso
contribuiu para “quebrar o gelo” e conversarmos de maneira mais descontraída. Comecei a
entrevista perguntando a professora Sofia se ela achava que havia mudado algo acerca de sua
práxis docente depois de sua pesquisa de mestrado na perspectiva paradigmática do professor
crítico-reflexivo e de sua participação em grupos de estudo sobre formação continuada de
professores. Ela respondeu:
Trabalhando na perspectiva crítico-reflexiva Excerto 1 (linhas 1 a 5)
(1) Bem o que mudou... eu acho assim... a parte reflexiva fica mais aflorada... fica mais (2) evidente no teu trabalho....você fica mais consciente do teu trabalho...você fica mais (3) crítico em relação ao teu trabalho...você procura levar textos e questões que tenham mais a (4) ver com o contexto dos teus alunos...você fica mais crítica em relação ao que você dá pro teu (5) aluno e o que você espera dele (...)
(entrevista realizada em 25/08/2008)
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Nesse primeiro excerto, analiso as modalidades, os identificadores e os processos
presentes no texto de Sofia, de acordo com os pressupostos da Gramática Sistêmico-
Funcional (GSF).
O sistema da transitividade faz parte da categoria de análise da metafunção ideacional
e apresenta quatro tipos principais de processos: o do fazer, do dizer, do sentir (perceber,
pensar) e o do ser/estar (também chamado de processo relacional), responsável pela
identificação ou qualificação de no mínimo cinco circunstâncias (tais como tempo, lugar,
assunto, papel e companhia) e as formas de agir dos participantes (também denominadas de
formas de participação).
Sofia, ao dizer “eu acho assim...” (linha 1), faz uso do pronome “eu”
(autorreferencial) para demonstrar o caráter opinativo pessoal com a metáfora de modalidade
subjetiva “acho” para refletir sobre as mudanças ocorridas em sua práxis docente. Ainda no
excerto 1, ao se colocar como “Sensora” do processo mental “acho”, Sofia coloca os
sentimentos em primeiro plano em vez de expor as ações tomadas.
O processo relacional ficar usado quatro vezes consecutivas (linhas 1, 2 e novamente
em 5) está relacionado a um estado do professor. Sofia parece amenizar a responsabilidade
desse estado através do uso do identificador você em vez de eu, passando a impressão de que
não só ela, mas todos os que passam por esse processo “ficam” do mesmo jeito e na mesma
situação identificada. Ficar, nesse caso, tem o mesmo sentido de tornar-se, o que indica uma
mudança de estado. O pronome você (linhas 2, 3, 4, 5), que no caso é inclusivo, refere-se a
todos os professores que trabalham nessa perspectiva, incluindo ela mesma, só que de modo
mais distante, o que pode indicar uma mudança, como se ela visse a si própria como uma
nova pessoa.
Apesar de o próximo processo, levar, ser material (linha 3), este é suavizado pelo
processo procurar (=tentar) que o precede. Nesse caso, pode ser classificado como
comportamental, pois o uso do procura deixa a declaração menos assertiva; além disso, o
procurar=tentar caracteriza modalidade epistêmica baixa. Em seguida, Sofia usa o processo
relacional ficar novamente com o mesmo sentido das vezes anteriores e com o mesmo
identificador você, amenizando novamente sua responsabilidade.
Ao fazer uso do processo relacional ficar no presente do indicativo, percebe-se que há
uma aparente ideia de transformação com jeito de “permanente” considerando-se que no
português falado no Brasil o processo “ficar” tem o sentido de permanecer ou de “tornar”
temporariamente como, por exemplo, quando se diz “fico com raiva quando os motoristas não
61
obedecem às placas de trânsito”, pois nesse caso a ideia não é a de permanência, já que nem
sempre os motoristas desobedecem as placas de trânsito.
Na mesma entrevista, ela continua dizendo:
Os problemas enfrentados na prática docente Excerto 1-(linhas 6 a 12)
(6) ... mas este ano está sendo um ano funcional muito conturbado né (...) (7)... aí tive problema de voz...tive que me afastar da escola (8) e fiquei um tanto quanto frustrada... (9) porque quando você sai do mestrado... (10) você está ansiosa por fazer um belo trabalho na escola... (11) aí voltei, mas ficou bem truncado... (12) enfim... mas o que eu acho que muda mesmo é a maturidade.....
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Sofia usa os processos relacionais ter (linha 7) e ficar (linha 8) para, primeiro, relatar
um problema de voz (linha 7) e, depois, a implicação disso - a impossibilidade de ministrar
aula por algum tempo - expressa por “ter que” (linha 7), que indica obrigatoriedade com alto
grau de modulação, seguido do processo material afastar. Após essa explicação, Sofia
expressa seu sentimento em relação a essa situação usando o processo relacional ficar (linha
8), seguido da escolha lexical ‘frustrada’. Já o uso de “um tanto quanto” caracteriza
modalidade epistêmica baixa.
Na linha 10, ela usa o usa o pronome você inclusivo, o que parece sugerir a sua
percepção de mudança após a ação indicada pelo processo ‘sair’ do mestrado (linha 9). O
processo relacional estar (linha 10), seguido da escolha lexical ‘ansiosa’, reforça a sua
insatisfação, além de sugerir que ela acredita que tanto esse fato quanto as interrupções
comuns que acontecem nas escolas são prejudiciais à prática do professor. Essa ponderação,
no entanto, pode significar tanto que ela esteja apenas reproduzindo um discurso comum na
área, como também que tenha se tornado mais consciente das implicações dos problemas
internos no processo.
De qualquer modo, na linha 12, ela indica sua percepção em relação à incorporação da
teoria do professor crítico-reflexivo através da modalidade subjetiva acho (linha 12). Além do
caráter opinativo de achar nessa linha, os modais achar e pensar são recursos bastante
utilizados em discursos com alto teor de “personalização” e, de acordo com Halliday (1994, p.
354), embora sejam constituintes da oração, aparecem como uma oração separada, mantendo
a função de adjunto modal.
62
Em relação ao seu estado, primeiro Sofia nominaliza sua condição (maturidade, linha
12) indicando sua mudança (“o que muda é a maturidade”), só que de forma distanciada, para,
em seguida (linha 13), ponderar:
Excerto 1 (linhas 13 a 17)
(13) enfim..mas o que eu acho que muda mesmo é a maturidade..... (14)....eu acho que profissionalmente eu amadureci bastante ... (15) quando você vai dar um determinado conteúdo pro aluno... você espero que seja útil (16) (...) eu penso assim... pra que isso vai servir isso? (17) (...) eu acho que fiquei um pouco mais focada...
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Em 13, Sofia usa um processo mental amadureci ao fazer uma auto-análise,
aproximando-se de seu discurso e de sua condição. No trecho acima, o pronome predominante
muda para ‘eu’ indicando também uma proximidade com os fatos observados por ela.
Na linha 15, entretanto, ela novamente se afasta da ação direta, usando o ator você
para o processo material dar que é seguido do beneficiário “aluno”. Essa ação declarada tem
como objetivo que uma ação seja tomada pelo aluno, uma vez que ela continua a sentença
dizendo que “espera” (processo mental, neste caso) que o fenômeno (o aluno) mostre
resultados a partir da ação do ator.
Na linha 16, ao dizer “Eu penso assim... pra que vai servir isso?” explicita-se,
através do processo mental “penso”, o momento de reflexão da docente frente aos desafios da
profissão. A escolha lexical “focada” usada com o processo relacional “ficar” (linha 17)
parece sintetizar sua percepção quanto à mudança que acha (processo mental) que sofreu.
O excerto 2, a seguir, faz parte do discurso da professora Sofia e analiso
primeiramente os processos relacionais usados por ela nas linhas 1, 4 e 7. Neles, Sofia
constrói significados quando aborda a formação de professores bem como sua vontade de
fazer do mundo um lugar melhor para se viver, onde haja menos desigualdade, miséria e
preconceito.
O gosto por trabalhar com pessoas em condições de vulnerabilidade social Excerto 2 (linhas 1 a 8):
(1) Acho que nada é por acaso.. .eu sou apaixonada por grupos que trabalham com a exclusão social (2) desde [que eu era] criança praticamente... ou melhor desde os meus 14 anos.. (3) acho que eu estava na oitava série.. (4) eu estava sempre envolvida em projetos de solidariedade (5) trabalhava com catecismo com as crianças de periferia... (6) nossa como eu gosto de fazer alguma coisa pelos outros... (7) os que estão em situação de desigualdade... (8) São coisas que a gente faz de coração...
63
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Nesse excerto, emergem vários significados, entre eles os sugeridos pelo uso dos
processos relacionais ‘ser’ e ‘estar’ para identificar Sofia como alguém que, desde muito
jovem, já demonstrava a vontade de ajudar outras pessoas que viviam à margem da sociedade,
com poucas oportunidades e, muitas vezes, sem acesso às condições básicas para uma vida
digna.
Sofia, ao dizer “acho que nada é por acaso” (linha 1), utiliza-se da modalidade
subjetiva acho junto do processo relacional é e, dessa forma, demonstra que sua escolha foi
feita bem antes de pensar em inclusão ou transformação social no contexto educacional.
Continua desvelando seu gosto, sua identidade, ao expressar como se vê frente aos grupos
excluídos na sociedade: “eu sou apaixonada por grupos que trabalham com a exclusão
social” (linha 1). Na linha 2, lembra de que sua posição em relação à estrutura social vigente
permanece a mesma desde que começou a compreender a dinâmica social à sua volta (...desde
[que eu era] criança praticamente... ou melhor desde os meus 14 anos). Nessa mesma
direção, o processo relacional estar, nas linhas 3 e 4, é usado por Sofia no passado para
revelar sua vontade de mudar a realidade à sua volta, o que reforça a ideia de seu
comprometimento desde cedo com a questão social.
Na linha 6, ao utilizar a forma nominal “os outros” e, logo em seguida, explicar
dizendo “os que estão em situação de desigualdade” (na linha 7), exclui-se desse processo,
para explicar que apesar de não fazer parte do grupo dos “socialmente excluídos”, acredita
que isso não deveria ser assim, desvelando seu desejo de viver em uma sociedade mais
igualitária, menos injusta.
Em “eu gosto de fazer alguma coisa pelos outros” (na linha 6), Sofia utiliza o
processo mental para mostrar sua preocupação com o próximo/o outro, sem que isso
represente um caráter religioso ou caridoso. Está configurado dentro do que Bhaskar (1989)
postula em relação à emancipação, ao defender que não há como o ser humano ser livre e feliz
se quem está ao seu lado é aprisionado e miserável.
Na linha 5, Sofia usa o processo material “trabalhar”, também utilizado no tempo
passado, mostrando como suas ações concretas se configuravam nesse sentido. Na linha 8, em
‘a gente faz de coração’, ela usa outro processo material com um ator includente, em vez do
pronome pessoal ‘eu’. Isso possibilita a inferência de que Sofia acredita que pessoas que agem
como ela são movidas pelos sentimentos e por uma possível crença na mudança.
O uso do pronome pessoal eu, num tom enfático e autorreferencial (linhas 1, 3, 4 e 6),
demarca a importância dessa perspectiva não somente em sua vida profissional bem como
64
pessoal; até mesmo nas omissões desse pronome, a ênfase é bastante clara como, por
exemplo, em “trabalhava com catecismo” (linha 5). Ao utilizar a forma pronominal “a
gente” (inclusiva) (linhas 5 e 7), fala das pessoas que, como ela, procuram ser solidárias, ter
consciência das desigualdades existentes e tentam fazer algo pra mudar essa realidade. Esse
“algo”, na perspectiva do Realismo Crítico, pode ser associado ao que Bhaskar (2002, p. 239)
chama de “impulso emancipatório” ou ao que Papa (2008) define como um “ato de vontade”,
representando um desejo de nasce no interior do indivíduo, para só então configurar-se no
coletivo. O “impulso emancipatório”, a que se refere Bhaskar (2002), é espontâneo e, segundo
o autor, nunca pode ser imposto. Esse “impulso emancipatório” é revelado no discurso de
Sofia pela vontade de ser solidária, por acreditar que somente a luta contra a desigualdade e a
opressão pode representar uma possível transformação social.
A responsabilidade social enquanto educadora Excerto 2 (linhas 9 a 14)
(9) Quanto à formação de professores... isso é muito importante (10) você tem que estar consciente que muita gente passa pelas tuas mãos (11)você tem responsabilidade...o mundo tem que ser mais justo (12) a gente pode fazer alguma coisa.. isso me deixa muito inquieta.. (13)eu sempre me pergunto o que a gente pode fazer. pra melhorar.. (14)pra fazer diferença neste mundo tão desigual...
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Nessa parte do excerto 2, focalizo minha atenção nos pronomes (identificadores) e na
modalidade. Na linha 9, “muito importante”, caracteriza modalidade epistêmica alta na
avaliação, revelando sua crença na necessidade da formação de professores. A modalidade
deôntica tem que (linha 10 e 11) expressa a convicção de Sofia de que algo tem que ser feito
(revelando seu comprometimento com a obrigatoriedade/necessidade) para modificar a
situação de desigualdade, principalmente na condição de educadora reflexiva, consciente de
seu papel sociopolítico e de sua responsabilidade com os alunos. Sofia também faz uso do
operador modal pode (modalidade hipotética) (linha 12 e 13) para afirmar a possibilidade de
mudança/transformação social que, como sugere sua fala, passaria pela educação. Sofia revela
sua atitude como professora ciente da necessidade de mudanças por meio dos modais e dos
identificadores. Nas linhas 10 e 11, destaco o identificador você usado como inserção
situacional. Já nas linhas 12 e 13, ao usar a forma nominal a gente (inclusiva), equivalente à
forma pronominal nós, o que é enfatizado é a inserção de Sofia na perspectiva crítico-
reflexiva, como ocorre em outras partes de excertos analisadas anteriormente.
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Como o professor de inglês se vê e é visto e seu “papel político” Excerto 3 (linhas 1 a 5):
(1) Eu acho que são várias coisas... (2) Você dentro da escola já é vista com outros olhos... (3) (...) já é vista como “chique” por falar inglês.... (4) Quando na verdade isso é um direito de todo cidadão, faz parte da formação... (5) Criou-se o estigma de que falar inglês é chique...
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Nesta primeira parte do excerto 3, analiso primeiramente a modalidade, a construção
em voz passiva e os pronomes identificadores utilizados, pois revelam traços marcantes do
olhar de Sofia, tanto de como ela se vê e de como acredita ser vista pelos colegas e pela
sociedade em geral. Ela inicia sua fala utilizando-se da modalidade subjetiva acho junto do
identificador eu autorreferencial (linha 1) para expressar seu grau de afinidade com a
proposição: “Eu acho que são várias coisas” (linha 1). Ao dizer isso, atribui a vários fatores a
questão de como é visto o professor, dando a impressão de querer expandir o escopo dessa
discussão ou sinalizar que é uma questão muito complexa. Assim, Sofia revela não concordar
com essa visão, esse rótulo que a sociedade lhe impõe. É como se o status quo imposto
colocasse todos os professores de inglês na mesma situação, enquanto sua auto-percepção
agora, faz com que ela se veja de forma diferente e lute contra o rótulo que lhe deram. Essa
luta de Sofia parece estar ligada ao conceito de forças centrípetas e centrífugas de Bakhtin
(1992). Este autor postula a existência de jogos de poder entre as vozes que circulam na
sociedade, de modo que não existe neutralidade na circulação dessas vozes, pois o espaço em
que elas se encontram é dialógico e representa um território de tensão, onde vozes travam
uma batalha pelo poder. O que é imposto é encarado como uma força centrípeta, enquanto o
que pode ser negociado na construção de sentidos representa a força centrífuga. A “utopia
bakhtiniana” é a resistência às forças centrípetas, centralizadoras e ditatoriais. Sofia revela sua
luta contra a força centrípeta que naturaliza esse discurso de que falar inglês é “chique”. Para
ela, o importante é perceber que o ensino de língua inglesa é um direito do cidadão e deveria
ser assegurado pelo Estado através da escola pública.
Nas linhas 2 e 3, a construção na voz passiva junto do processo mental ver revela a
imagem que Sofia acredita que os professores de inglês têm no contexto escolar. Ela revela
como entende que os professores de outras disciplinas, funcionários, alunos da escola (os
identificadores ou definidores) e a sociedade em geral (não explícitos por meio da voz passiva
é vista), enxergam os professores de língua inglesa (os identificados/alvos da identificação):
como “chiques”. Na linha 2, Sofia, ao dizer “é um direito de todo cidadão...”, emprega a
66
modalidade categórica é, afirmando sua crença na necessidade do reconhecimento dos direitos
dos cidadãos.. Na linha 4, temos a afirmação “Criou-se o estigma de que falar inglês é
chique”, na qual o processo de “falar inglês” tem caráter de “alvo da definição” ou “elemento
identificado” enquanto que o “identificador” não aparece pelo uso novamente da voz passiva
sintética.
A princípio, o uso da voz passiva pode indicar uma tentativa de distanciar-se da
afirmação, de não tomar a responsabilidade somente para si e de isentar-se de possíveis
comprometimentos com os envolvidos. No excerto acima, o apagamento do agente da passiva
aparece nas três vezes em que a voz passiva é empregada aqui (linhas 2, 3 e 5). Segundo
Fairclough (2001), “Verificar se tipos de processo [ação, evento...] e participantes estão
favorecidos no texto, que escolhas de voz são feitas, (ativa ou passiva) e quão significante é a
nominalização dos processos, é parte da construção discursiva na transitividade” (p. 287).
Uma outra possibilidade de uso da voz passiva é o fato de a ação ser mais importante do que
quem a realiza; talvez esse seja o motivo do seu emprego aqui, bem como o da omissão do
agente da passiva. Há sempre uma motivação para a escolha da voz passiva e a omissão do
agente da passiva; nesta última, aliás, as razões podem ser políticas ou ideológicas. No
exemplo analisado, Sofia pode ter usado esse recurso por crer que há motivos de ordem
econômica e cultural que perpassam por questões delicadas de interesse pessoal e aprendizado
de uma LE, como pode ser sugerido a partir das escolhas lexicais ‘chique’, ‘direito de todo
cidadão’, faz parte da ‘ formação’. Primeiro, porque na realidade brasileira, diferentemente
de outras disciplinas, é improvável que se aprenda uma LE na escola formal por vários
motivos, que vão desde a grande quantidade de alunos por sala até a falta de incentivo do seu
uso. Aliado a esses fatos, há uma forte tendência à perpetuação desse status quo, que faz com
que cada vez menos essa disciplina seja vista com seriedade, forçando os que realmente
querem ‘aprender’ uma LE a matricularem-se em cursos de idiomas, exigindo assim, um
determinado poder aquisitivo dos provedores. Segundo, porque o interesse em aprender uma
outra língua passa por questões culturais que não são incentivadas pela escola, mas que são
atrativas para alguns. Em conversas informais com alunos de ensino fundamental e médio, por
exemplo, a maioria geralmente diz que gostaria de aprender inglês para conseguir um bom
emprego. A parte cultural é raramente mencionada.
Outra questão que aparece aqui no dizer de Sofia é a
interdiscursividade/intertextualidade, essa visão que os falantes de língua inglesa são
“chiques” e que ecoa em muitos discursos de pessoas da área e da sociedade em geral.
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Segundo Ortiz (1994, p. 193), esse discurso está ligado ao que ele denominou de
“apelo esnobe”. Em outras palavras, de acordo com esse autor, essa idéia está bem centrada
no discurso capitalista, que permeia vários setores da sociedade. Pais, professores e alunos
acreditam que falar inglês é “chique”, que confere “status social”, “valoriza” o falante.
O papel do Estado em relação ao ensino de língua inglesa na escola pública Excerto 3 (linhas 6 a 12)
(06) Mas que responsabilidade tem o Estado frente à formação dos alunos da rede pública como um todo?... (07) Você não vê nada acontecendo em relação ao ensino da língua... (08) não é só uma questão educacional, cultural... (09) eu trabalho na rede estadual há 22 anos... (10) e bato na mesma tecla... (11) Qual é o papel do Estado frente ao ensino de língua estrangeira na rede pública?... (12) Por que o Estado se omite em relação a isso?
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Nesse excerto, analiso a visão de mundo de Sofia sobre os problemas relacionados ao
processo de ensino e aprendizagem de LE na escola. Os recursos utilizados por ela para
apontar os responsáveis pela situação atual são perguntas retóricas direcionadas a todos os
leitores/ouvintes de sua entrevista. Como estratégia para isentar-se da culpa do insucesso no
ensino, a participante usa processos materiais que enfatizam o seu interesse e empenho na
questão. Sofia declara toda a sua indignação com a omissão do “Estado”. Já na linha 6, a
participante começa com uma pergunta endereçada não só a mim como
professora/pesquisadora, nem a todas as pessoas que virão a ler essa dissertação, mas a si
mesma, como instrumento de reflexão. Na linha 7, Sofia usa o pronome você (inserção
situacional) para falar dela e da sociedade como um todo, acrescido do processo mental ver
na forma negativa para expressar a falta de ações efetivas promovidas pelo “Estado”, que
Sofia nomeia explicitamente como a instância responsável pela administração da “Escola”,
enquanto aparelho ideológico do “Estado”. Na linha 9, o uso do processo material trabalhar
no presente representa uma ação que começou no passado e continua até o presente
(equivalente ao presente perfeito do inglês) e é enfatizada pela expressão de tempo “há 22
anos”, o que parece ser um recurso utilizado para garantir credibilidade a sua declaração. Na
linha 10, Sofia continua dizendo “e bato na mesma tecla” , expressão do português utilizada
metaforicamente para expressar que algo é repetido insistentemente, seguida de duas
perguntas (linhas 11 e 12) que retomam a questão da responsabilidade do Estado no ensino de
LE, dessa vez em um tom mais crítico do que verificado em declarações anteriores (linhas 7 a
10).
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A situação dos professores da escola pública
Excerto 3 (linhas 13 a 16) (13) Os professores ficam à mercê disso... perdidos... (14) Isso é uma angústia minha... (15) Eu estando na rede pública... (16) não tem nenhum incentivo..
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Nesse excerto, analiso de que forma os identificadores, empregados de maneira
inclusiva ou exclusiva, revelam o seu envolvimento com a situação educacional no Brasil,
principalmente em relação ao ensino de LE, mais especificamente a língua inglesa. Foco
também na interdiscursividade/intertextualidade e suas implicações ideológicas.
O identificador “eu” (autorreferencial) empregado por Sofia na linha 14 relaciona-se
com o pronome possessivo minha (linha 14) para revelar o sentimento de desamparo. É isso
que ela relata ao perceber o sentimento de impotência de professores como ela, em relação à
falta de respeito e à paralisia que o Estado demonstra frente à questão educacional. Ainda na
linha 14, o uso da modalidade categórica é seguido da escolha lexical angústia, antecedido
pelo pronome possessivo minha bem como o processo existencial tem, que nesse caso
significa existe, expõem sua indignação. As escolhas lexicais angústia, perdidos e à mercê
constroem significados e reforçam a posição de Sofia como educadora crítico-reflexiva.
Segundo Resende e Ramalho (2006, p. 75), “os significados das palavras e a lexicalização de
significados não são construções individuais, são variáveis socialmente construídas e
socialmente contestadas (...) são facetas de processos sociais e culturais mais amplos”
(RESENDE e RAMALHO 2006, p. 75).
Assim sendo, pela escolha das palavras angústia, em vez de preocupação; perdidos,
no lugar de inseguros; e à mercê, em vez de dependentes; pode-se inferir que Sofia sente
que a falta de políticas públicas que deem suporte aos professores é um assunto urgente,
essencialmente prioritário.
A relação interdiscursiva e suas implicações ideológicas Excerto 3 ( linhas 17 a 22)
(17) eles vêem como luxo... como reprodução do sistema capitalista... que só a elite tem direito a isso... (18) eles não vêem que a língua inglesa não é dos Estados Unidos.não só... (19) se fala inglês na África do Sul, na Jamaica..., na Guiana Inglesa. ... aqui pertinho.. (20) quer dizer não é só dos USA... apesar de a gente saber do imperialismo linguístico... (21) ah... mas, tem a questão do capitalismo, do mercado de trabalho...tudo.... (22) mas não é só isso... .língua estrangeira... nada...poderia ser qualquer língua estrangeira
(entrevista realizada em 25/08/2008)
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Sofia inicia fazendo uso do identificador eles, que se refere a “as pessoas que
representam o Estado” e que, segundo ela, têm uma visão “equivocada” da importância do
ensino de uma língua estrangeira na escola pública. Ao empregar a forma nominal a elite
(exclusivo), na linha 17, fala dos que possuem uma situação financeira privilegiada, mas se
exclui dessa camada social. Chamo a atenção, portanto, para os identificadores utilizados das
linhas 17 e 18, eles (exclusivo) e a forma nominal a gente (inclusivo) na linha 20, que nesse
caso tem um sentido que inclui todos os que têm consciência da característica dominante da
língua inglesa em relação às outras línguas. Pode-se inferir que, no caso de Sofia, o
pronome/identificador eles é empregado para falar de pessoas de um de determinado grupo,
com o qual Sofia não tem identificação, de forma a distanciar-se da ação representada. A
locução conjuntiva apesar de talvez denuncie sua percepção em relação à reprodução de um
discurso bastante comum entre professores de inglês. Aqui a intertextualidade acontece de
forma clara no discurso de Sofia, que defende o ensino de língua inglesa, de certo modo,
dissociado do fato de ser a língua dos Estados Unidos, por causa de seu caráter ideológico.
Segundo Magalhães (1996; 1997), quando as relações entre os textos são explícitas, cabe falar
em intertextualidade. É o que ocorre nesse caso. Segundo Cox e Assis Peterson (2008, p.26),
os professores de inglês reproduzem dois tipos de discurso em especial: “o discurso
integrativo, ligado a uma formação ideológica neoliberal e o discurso emancipador, ligado a
uma formação ideológica que privilegia as questões sociais, éticas e políticas”.
Aqueles que se filiam ao discurso integrativo procuram fundamentá-lo na suposta
neutralidade da língua inglesa que, de acordo com Pennycook (1994), não existe. O discurso
integrativo defende a língua inglesa como instrumento de acesso ao mundo “globalizado”,
nesse caso, como definem Cox e Assis Peterson (ibid.), com o status de “língua inocente”.
Por outro lado, o discurso emancipador vê a língua inglesa como “língua franca”,
“internacional”, como se fosse a língua de todos. Nesse caso, a língua é imposta e mascarada
pela suposta “neutralidade”, apagando-se o fato de que é a língua da nação mais poderosa do
mundo, não só a deles, mas também e, talvez, principalmente deles. Segundo essas duas
pesquisadoras, a maioria dos professores investigados em seu estudo assumiram a postura do
“bom sujeito”5, “refletindo o sujeito universal da ideologia e discurso neoliberal dominante,
garantindo a hegemonia dessa língua no concerto de línguas no mundo capitalista”. (COX e
ASSIS PETERSON, 2008, p.330). 5 Nos termos de Pêcheux (1988 apud COX e ASSIS PETTERSON, 2008, p.330), os indivíduos que se relacionam a uma formação discursiva ideológica dominante, podem ser bons sujeitos, cujos discursos são caracterizados pela sobreposição do sujeito da enunciação e o sujeito da ideologia dominante (o sujeito universal) na forma de aquiescência, ou maus sujeitos, cujos discursos são caracterizados pela separação entre o sujeito da enunciação e o sujeito da ideologia dominante (o sujeito universal) na forma de insurreição.
70
Nessa perspectiva, Sofia reproduz o discurso emancipador, embora, ao utilizar a
locução conjuntiva apesar de (linha 20), quando diz “apesar de a gente saber do imperialismo
linguístico” demonstrar estar ciente do poder exercido pelo discurso dominante.
O papel do Estado Excerto 3 (linhas 23 a 25):
(23) mas o Estado precisa fazer alguma coisa a respeito... (24) mas o Estado negar o direito de aprendizado de uma língua estrangeira.? (25).acho isso o fim....
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Na linha 23, Sofia começa empregando a modalidade deôntica “precisa” junto do
processo material “fazer”, expressando dessa forma seu comprometimento com a
obrigatoriedade/necessidade dessa ação. Em seguida, na linha 24, demonstra mais uma vez
sua indignação e seu inconformismo em relação à falta de políticas públicas efetivas que
garantam o aprendizado de uma língua estrangeira na escola pública, fazendo uso da forma
interrogativa com o identificador “o Estado” junto do processo verbal “negar” com o
complemento “o direito de aprendizado de uma língua estrangeira”. Na linha 25, finaliza
fazendo uso da modalidade subjetiva “acho”, que indica alto grau de afinidade do falante com
a sua proposição de maneira bastante incisiva.
A ideologia e seus modos de operação Excerto 3 (linhas 26 a 31):
(26) não defendo só a língua inglesa...poderia ser o espanhol, o francês, o alemão, o mandarim.....qualquer língua ...
(27) desde que fosse levada a sério.....que dessem condições de trabalho... (28) ah ...coloca o espanhol...ah ...está tirando o inglês.... colocando o espanhol... (29) mas não vai aprender nada mesmo.... (30) como se a questão fosse essa... (31) a questão são as condições de trabalho...o descaso mesmo...
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Nas linhas 27 (“fosse” e “dessem”) e 30 (“fosse”) os processos estão na forma
condicional. Com isso, Sofia defende o ensino de qualquer língua estrangeira, desde que as
condições necessárias para o processo de ensino/aprendizagem sejam observadas. Ela
novamente demonstra sua insatisfação com o discurso hegemônico do Estado em relação a
essa questão. Na linha 31, dessa vez de maneira assertiva (empregando a modalidade
categórica “são”), afirma “a questão são as condições de trabalho... o descaso mesmo”.
71
Nesse excerto, percebemos a interdiscursividade e o jogo do poder entre o Estado e a
Escola (aqui representada pelos professores), que no texto de Sofia são os professores de
língua estrangeira, em especial os de língua inglesa. A relação entre professores (Escola) e
Estado é assimétrica e normalmente tensa. Sofia constrói sua identidade como professora de
língua inglesa ao posicionar-se como agente crítica e ao desvelar suas percepções, favorável
aos professores de língua estrangeira, elabora um discurso contra-hegemônico.
Sofia critica o discurso usado pelo Estado, que é hegemônico, e se utiliza de um dos
modos de operação da ideologia definidos por Thompson (1995) como Reificação, por meio
da estratégia denominada pelo autor como Nominalização/Passivação. Esta consiste em
concentrar a atenção em certos temas em detrimento de outros, com apagamento de atores e
ações. De acordo com Sofia, o Estado desvia a atenção do foco principal, que seriam as
condições para o ensino de língua estrangeira na escola pública, para falar da escolha da
língua estrangeira (inglês ou espanhol). Para ela, é clara a intenção de confundir os ouvintes e
mascarar o verdadeiro problema.
Como mencionei anteriormente, Resende e Ramalho (2006, p. 43) caracterizam
hegemonia como “domínio exercido pelo poder de um grupo sobre os demais, baseado mais
no consenso do que no uso da força”. Para as autoras, a dominação, entretanto, sempre está
em equilíbrio instável, daí a noção de luta hegemônica “como foco de luta sobre pontos de
instabilidade em relações hegemônicas” (ibid., p. 43). Sofia revela sua vontade de operar
nesse equilíbrio instável e construir um contradiscurso capaz de tornar visível a ideologia
dominante do discurso.
Segundo Resende e Ramalho (2006), a construção de um contradiscurso acontece ao
percebemos a ideologia dominante e atuamos nas brechas deixadas pelo equilíbrio instável do
discurso hegemônico. Essa é apenas uma das razões pelas quais a reflexão crítica permanente
é tão importante. Entretanto é necessário que a reflexão seja transformada em ação.
Contradições nos discursos Excerto 3 (linhas 32 a 35)
(32) eu vejo assim... quando dizem.. que chique aquele aluno que se sobressai.. (33) aí ressalto a importância da língua inglesa no mercado de trabalho...e tento minimizar o impacto
dessas falas.. (34) falando do lado cultural... (35) para deixar de lado essa coisa de achar que a língua inglesa é expressão do capitalismo, do
imperialismo (entrevista realizada em 25/08/2008)
72
Nessas últimas linhas do excerto 3 (linhas 32 a 35), Sofia mostra-se dividida entre o
discurso hegemônico, interessado na manutenção do domínio capitalista, e o discurso da
professora de inglês da escola pública que percebe ecos do capitalimo no contra-discurso,
uma vez que o imperialismo linguístico também engessa e impede que as pessoas percebam
ser a língua inglesa a língua da nação mais poderosa do mundo. Mas, como ela mesma
textualiza, “não só”. As contradições emergem em discursos sejam eles de cunho
emancipatório ou não. Com Sofia, isso não é diferente. De acordo com Resende (2009, p. 40),
“a contradição entre discursos ultrapassa a representação, resultando também em conflitos na
constituição de identidades, e de acordo com a dialética, entre os resultados denominados
representacional e identificacional”. Esses conflitos, segundo Resende (2009), estão ligados
ao fato de as ordens do discurso, em um contexto específico, não serem homogêneas. O texto
de Sofia mostra conflitos entre os discursos articulados. Esses conflitos são decorrentes da sua
construção identitária como professora filiada ao paradigma crítico-reflexivo, ao afirmar que
o discurso dominante é proveniente dos EUA ainda que “não só”.
Ainda na linha 32, Sofia retoma o discurso ‘inglês é chique’. Essa
interdiscursividade/intertextualidade é tema do estudo de Justina (2006), em que investigava a
presença de anglicismos no cotidiano brasileiro e verifica as ideologias presentes no discursos
daqueles que se identificam com a língua/cultura estadunidense por acreditarem que essa
confere status social e econômico. Veja alguns excertos da referida pesquisa que desvelam
essa identificação:
Fica chique, você vê um restaurante que tem nome em inglês, banco em inglês dá um ar de chique (Vera Lúcia formada em publicidade). (Justina, 2006, p. 55)
Primeiro, se torna mais chique. A pessoa tá preocupada com a valorização do produto. Então colocando uma coisa em inglês, a sensação é de glamour (Kátia empresária e comerciante). (Justina, 2006, p. 55)
Tudo que é importado tem aquela impressão de ótima qualidade. Hoje, tudo o que a gente monta, até o sistema de musculação é computadorizado e vem tudo em inglês. Já vem pronto pra nós. Eu penso que é devido a isso, o que vem de fora simplesmente tem mais credibilidade do que o que nós temos aqui. (Clóvis proprietário/instrutor de academia de ginástica) (JUSTINA, 2006, p. 62)
Contrariamente a essa identificação está o discurso que repele a língua inglesa, o
discurso anti-hegemônico Nesse caso, rejeita-se a língua/cultura estadunidense, bem como
tudo que se relaciona a ela. Segundo Cox e Assis Peterson (2001), durante a década de 1970,
a rejeição à língua inglesa no meio universitário por parte dos intelectuais era tão grande, que
muitos deixavam de aproveitar oportunidades profissionais por acreditarem que, “curvando-
73
se” à necessidade de aprender a língua inglesa, estavam se “vendendo” ou “compactuando”
com os interesses do imperialismo. Tal rejeição estendia-se até mesmo a seus colegas,
professores de língua inglesa, que eram ignorados, vistos com desconfiança ou até mesmo
rechaçados com termos pejorativos como “pelegos” e “imperialistas”. Talvez, por esse
motivo, os professores de língua inglesa tenham ficado tanto tempo, à margem do exercício
da pedagogia crítica.
Em seu discurso, Sofia demonstra sua divisão entre dois discursos antagônicos o da
“identificação” com a língua/cultura estadunidense e o da “repulsa”. Na construção de
identidades e identificação, as contradições aparecem como parte do processo. Ao estabelecer
sua parte nessa divisão, usa o processo material “falar” (linha 34) e meta “do lado cultural” na
tentativa de demarcar seu estado de atenção e não identificação com o discurso imperialista,
embora tenha consciência de que é pré-julgada pela sociedade em geral devido a sua
profissão.
A língua inglesa e a ideologia dominante Excerto 3 (linhas 36 a 40)
(36).deixando de lado essa questão de dominante e dominado... (37) porque países como Venezuela, e Chile já vivem uma situação de bilingüismo. (38) com a abertura de Mercosul... vai ser uma questão de sobrevivência e entrada no mercado de trabalho.. (39) nós precisamos falar línguas e deixar de lado os preconceitos.... (40) não adianta a gente querer se enganar...no mercado vence quem está melhor preparado
(entrevista realizada em 25/08/2008)
Nessa última parte do excerto 3, há uma afirmação de Sofia que sinaliza uma crença
de que o contradiscurso pode representar um impedimento à melhoria do ensino de língua
inglesa. É a constatação de um discurso conflituoso com sua posição de professora em
formação no paradigma crítico-reflexivo. Mas, ao empregar a metáfora deixando de lado, na
linha 36, e deixar de lado, na linha 39, Sofia parece fazer uma tentativa de focar, no que, em
sua opinião, é essencial: a formação do aluno em língua inglesa como exigência imperiosa no
mercado de trabalho atual. Destarte, Sofia demonstra ter consciência da ideologia que subjaz
ao discurso dominante ao fazer escolhas de palavras como “dominante e dominado”. Sofia
sabe dessas implicações ideológicas, mas sinaliza sua preocupação de que o discurso anti-
hegemônico acabe por reforçar preconceitos e desigualdades, ao invés de ajudar a promover a
transformação social e diminuir as desigualdades entre as classes.
No excerto analisado acima, o que me parece falar mais alto do que todas as muitas
vozes que nele ecoam, são aquelas que representam a tensão entre o Estado e os professores.
74
Essa luta de poder é vivenciada e percebida por Sofia, que não nega seus conflitos em meio a
tantas vozes. Entretanto, a vontade de Sofia de permanecer na perspectiva crítico-reflexiva
parece prevalecer a despeito de todas as dificuldades apresentadas.
Sofia opera nas brechas deixadas pelo discurso hegemônico, tentando desnaturalizar o
discurso de que na escola pública não se aprende inglês, através de um contradiscurso à
reificação do discurso produzido pelo Estado.
O posicionamento político do professor de língua inglesa e a reflexão crítica Excerto 4
(1)Eu acho que o professor tenta se posicionar..... (2) mas esse posicionamento crítico em relação às questões que surgem em sala de aula é pequeno ainda.... (3) tem a questão da leitura em sala de aula que faz o aluno refletir junto com o professor... (4) poxa...eu moro na favela... por que do meu lado tem uma mansão?..o que eu quero da vida?... (5) mas está tudo muito no começo... mesmo com as orientações e tudo mais...o professor ainda tem muita
dificuldade.. (6) tem que ser uma vontade que brota...é um começo...
(entrevista realizada em 25/08/2008)
No excerto 4, analiso os identificadores, as modalidades e a interdiscursividade
presentes no texto de Sofia para revelar o comprometimento, consonâncias e dissonâncias em
relação a sua formação crítico-reflexiva.
Nas linhas de 1 a 5, foco a análise nas modalidades. Na linha 1, Sofia emprega a
modalidade subjetiva “acho” junto do identificador eu (autorreferencial), o que expressa sua
afinidade com a proposição, sua opinião de que o professor tenta se posicionar. Mas, como ela
reconhece usando a modalidade categórica “é”, isso é um processo que está bem no início,
“pequeno ainda”. A escolha do advérbio de tempo/circunstância “ainda” empregado por Sofia
parece demonstrar sua crença de que isso vai mudar, considerando que tal circunstância
imprime um caráter transitório.
Quanto ao uso dos identificadores, destaco o uso do pronome eu (autorreferencial)
somente na linha 1, onde a subjetividade é explícita e mostra sua afinidade com a proposição.
Na linha 4, o identificador “eu” não é autorreferencial por estar no discurso direto,
reproduzindo dessa forma as reflexões que surgem em sala de aula por parte dos alunos. O
pronome pessoal “eu”, nesse caso em especial, revela o aluno como indivíduo. Na linha 5,
apesar do uso do identificador “o professor” (exclusivo) ser empregado de forma exclusiva,
parece demonstrar um teor de solidariedade, mais uma vez, pelo uso da circunstância “ainda”
ao dizer que o professor “ainda tem muita dificuldade”. Na linha 6, ela usa a modalidade
deôntica “tem que”, que expressa seu comprometimento com a necessidade/obrigatoriedade
75
ao dizer “tem que ser uma vontade que brota”, revelando dessa forma a sua crença na reflexão
crítica como algo espontâneo e não imposto, como acontece em algumas abordagens da
formação inicial e continuada dentro desse paradigma.
A esse respeito, segundo Alarcão (1996), o professor que não se sentir atraído pelo
desejo de mudar e de inovar não será autônomo; continuará dependente, tendo-se concedido a
si mesmo tornar-se uma coisa. Essa atração e esse desejo de que Alarcão fala estão ligados a
uma racionalidade pós-positivismo que, por sua vez, está relacionada à imposição/necessidade
de buscar soluções “mágicas” para os problemas, sobretudo os de cunho educacional. Ainda
de acordo com Alarcão (ibid.), ninguém deve ser obrigado a ser reflexivo, embora todos
devam ser estimulados a sê-lo. Sofia parece fundamentar sua fala nos princípios da
perspectiva crítico-reflexiva de formação de professores, ligada à reflexão como resultado de
uma vontade que o professor pode demonstrar e a provável busca por soluções.
Sofia conclui sua fala afirmando que esse posicionamento crítico-reflexivo em sala de
aula “é um começo” ao empregar a modalidade categórica “é”, demonstra seu desejo e sua
expectativa de que haja futuro para esse paradigma na educação.
Fundamentando sua fala em outros discursos - Interdiscursividade Excerto 4 (linhas 7 a 11)
(7) é como diz a Celani com os grupos de estudo da PUC de SP... “é pensar na prática”... (8) mas lá é outro contexto...aqui as coisas são mais difíceis ainda (9) com o grupo de estudos lá de Várzea Grande é complicado... com as condições que os professores tem... (10) parece que muitos preferem ficar com os olhos vendados... (11) como diz o Mário Sérgio Portela.. “nós somos professores de carreira correndo de um lado pro
outro”.... (entrevista realizada em 25/08/2008)
Sofia fundamenta sua fala nesse trecho, no discurso de outros professores e
pesquisadores da área educacional, pois o uso do discurso direto ou indireto pode servir
para depreciar ou valorizar o que foi dito e aqueles (as) que disseram, como defendem
Resende e Ramalho (2006). O uso do discurso direto aparece nas linhas 7 e 11: primeiro, para
retratar um contexto diferente (a PUC de SP), comparando-o com o contexto regional (o
grupo de estudos de Várzea Grande do qual participava) dentro do perspectiva crítico-
reflexiva; depois, por empregar os advérbios de lugar aqui e lá para diferenciar a prática
crítico reflexiva nesses dois contextos, uma vez que, segundo ela, em SP as coisas já estariam
mais avançadas. Sofia também emprega a metáfora ficar de olhos vendados que tem o
significado de não querer ver, revelando que a opção pela “cegueira voluntária” talvez se
deva às dificuldades em empreender a prática crítico-reflexiva em alguns contextos, como o
76
exemplificado e explicitado por ela. Em relação ao caráter impessoal ao empregar “muitos
preferem ficar de olhos vendados” exclui-se desse grupo, reafirmando assim que, apesar das
dificuldades dessa prática crítico-reflexiva, a “cegueira voluntária” de “muitos” não é uma
opção considerada por ela. Sofia finaliza apoiando-se, mais uma vez, no texto de outro
professor que afirma “nós somos professores de carreira correndo de um lado pro outro”, o
que sugere que a escolha pela não reflexão crítica talvez ocorra pela falta de tempo e
condições financeiras do professorado, incompatíveis com essa perspectiva. Embora seja
consciente disso, sua declaração assertiva “é um começo” (linha 6, excerto 4) indica que a
participante acredita que a consciência do professor em relação ao seu trabalho pode sinalizar
mudanças, mesmo que de forma mais lenta devido aos agentes e condições externas que
fogem do domínio do professor.
Caminhos possíveis Excerto 4 (linhas 12 a 14)
(12) e tem a questão financeira... mas eu acredito que só o professor se posicionando... ele vai ter mais
chances... (13) o ideal seria que o CEFAPRO encampasse essa idéia e fizesse as coisas acontecerem... (14) mas eu acredito que só a gente querendo...a gente consegue mudar as coisas... (entrevista realizada em 25/08/2008)
Aqui focalizo minha atenção na modalidade subjetiva eu acredito (linhas 12 e 14),
que expressa o alto grau de afinidade de Sofia com a proposição. Isso sinaliza sua certeza de
que o posicionamento do professor é fundamental. Sofia emprega os identificadores eu
(autorreferencial) nas linhas 12 e 14, o professor (exclusivo) e ele na linha 12 em contraponto
com a forma nominal a gente (inclusivo). Ao usar os identificadores a gente na linha 14,
Sofia revela sua solidariedade, afiliação e adesão à necessidade de posicionamento do
professor. Segundo Papa (2008, p. 114), “a opção pelos identificadores nós e a gente deixa
transparecer a idéia de uma pessoa que está comprometida com determinado grupo, com
propósitos e interesses coletivos”. Segundo a autora, nesse caso, os identificadores nós e a
gente têm caráter inclusivo e coletivo. Foram identificados também os identificadores ele e o
professor para nomear outros professores que não ela, excluindo-se do processo o que
sinaliza já ter ultrapassado esse nível e alcançado a condição de professora crítico-reflexiva.
Na linha 13, ao empregar as formas condicionais seria, encampasse e fizesse, revela a
necessidade dos órgãos governamentais fazerem sua parte, afirmando assim estar ciente de
que o posicionamento do professor depende de vários fatores, além de sua própria vontade,
para que efetivamente a educação seja tratada como prioridade pelo Estado.
77
Planos de ensino pré estabelecidos Excerto 5 (linhas 1 a 5)
(1) Vamos pensar num contexto de sala de aula... (2) Hoje eu estou em sala de aula no Ensino Médio Técnico, que eu comecei agora em agosto... (3) então o que acontece...você chega na escola e já tem um esquema pronto... (4) um plano de ensino já pronto, pré-estabelecido e por aquele plano você só tem acesso ao conteúdo
gramatical... (5) e mais nada..
(entrevista realizada em 25/08/2008)
No excerto 5, foco nos processos e os identificadores. Os identificadores são
analisados para desvelar de identificação: quando Sofia fala de si mesma, quando inclui os
professores, alunos, um grupo determinado ou a sociedade como um todo, quando se exclui.
Os processos também têm papel de identificação e atribuição entre outros.
Nesse trecho, Sofia utiliza os identificadores eu (autorreferencial), na linha 2, junto do
processo relacional estou para narrar sua condição atual como professora de LI ao dizer “Hoje
eu estou em sala de aula no Ensino Médio Técnico”, contrapondo-se ao que acontecia antes, e
desenvolve seu raciocínio. Nas linhas 1 e 2, o identificador eu (autorreferencial) e os
processos relacional estou e material comecei parecem ser empregados para fazer um
contraponto e explicar sua situação em uma nova escola. Nas linhas 3 e 4, Sofia troca de
identificador e emprega você (inclusivo) nomeando todos aqueles que passam por uma
situação semelhante.
O Inglês Instrumental e seus desdobramentos Excerto 6 (linhas 1 a 9):
(1) Pois é... eu penso assim... que essa questão do inglês instrumental ou ESP (2) como eles chamam hoje... (3) eu acho assim...se a carga horária fosse maior... (4) daria pra trabalhar a abordagem comunicativa... entendeu? (5) ...dentro da necessidade do ESP... como fazer uma palestra.... (6) como apresentar um trabalho em inglês... (7) daria pra puxar isso pra realidade também... (8) só que não dá por causa do tempo... com a carga horária aí e com 40 alunos não dá.... (9) entendeu?...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse excerto, focalizo a análise principalmente nos identificadores e nas
modalidades. Em segundo plano, analiso os processos.
As modalidades subjetivas penso e acho aparecem nas linhas 1 e 3 expressando o grau
de afinidade de Sofia com suas proposições ao abordar a inserção do inglês instrumental
como opção no Ensino Médio Técnico . Além disso, é recorrente no texto de Sofia o uso da
78
forma condicional nas linhas 3 (fosse), 4 e 7 (daria), falando da impossibilidade face à falta
de condições que se apresenta, como por exemplo a carga horária incompatível e o número de
alunos excessivo em cada classe. Nas linhas 8 e 9, Sofia explicita as razões pelas quais o
ensino comunicativo, na proposta de inglês instrumental, é impossível .
Em relação aos identificadores, o eu (autorreferencial) aparece nas linhas 1 e 3; eles,
na linha 2, tem teor indefinido, afinal, seriam eles, os pesquisadores, os alunos, as pessoas
ligadas à escola ou ao governo?
A forma condicional, muito utilizada no texto de Sofia, revela sua insatisfação e sua
percepção de que se as condições de trabalho no cenário educacional público fossem
diferentes, os resultados poderiam ser melhores. Pode representar também uma forma de
responsabilizar o Estado pelas condições inadequadas e seus desdobramentos.
O uso do inglês instrumental no Ensino Médio: Refletindo acerca das possibilidades do material didático
Excerto 6 (linhas 10 a 13)
(10) porque às vezes a gente fala em ESP...em instrumental...aí pensam só vai ler, ler, ler o tempo todo...
(11) e hoje em dia não é assim... não é mais só leitura...não consegue... (12) eu acho assim quando eu trabalho com o Ensino Médio... (13) quando você puxa pra entrevista (14) você pega e pensa...puxa trabalho com alunos de EM...com a faixa etária de 14, 15, 16 anos... (15) e com esses alunos não dá pra ficar naquele esquema antigo de leitura...leitura... (16) eles querem uma coisa mais dinâmica...um vídeo ...uma coisa assim...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse trecho, aparece o identificador eu (autorreferencial) duas vezes na linha 12,
primeiro junto à modalidade subjetiva acho, depois, junto do processo material trabalho. Já o
identificador “você”, aparece nas linhas 13 e 14, empregado de forma inclusiva, falando de
todos os professores que trabalham dentro dessa perspectiva. Já o pronome pessoal eles, na
linha 16, nomeia os alunos do Ensino Médio, com faixa etária entre 14 e 16 anos, público alvo
de Sofia.
O mesmo material didático em diferentes contextos
Excerto 6 (linhas 17 e 18)
(17) agora... não dá pra pegar um livro de cursinho de inglês ...e usar com eles.... (18) aí não dá...não, não dá mesmo....
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse excerto, nas linhas 17 e 18, o emprego da expressão “não dá”, que tem o
sentido de não é possível, é impossível, reforçada pelo conectivo enfático “mesmo”, afirma a
79
impossibilidade, a incompatibilidade e, até mesmo, a incoerência frente ao uso do mesmo
material didático de língua inglesa, em dois contextos tão diferentes (escolas públicas e cursos
de idiomas). Ao utilizar a modalidade categórica na forma negativa “não dá”, imprime alto
teor de subjetividade e caráter opinativo, demonstrando saber do que está falando por
experiência, embora não fundamente as razões para tal impossibilidade.
Os erros e acertos dentro da abordagem comunicativa
Excerto 6 (linhas 19 a 25)
(19) Inclusive um livro que já foi adotado aqui...e vai voltar... (20) eu já te falei sobre isso outro dia... lembra?...eu estive dando uma olhada... (21) ele começa assim de como escrever um e-mail (22) ...aí depois uma parte de recepção, apresentações... (23) ele não fica só na leitura... só em uma habilidade... (24) aí é possível dinamizar, trabalhar na abordagem comunicativa....interação em sala...joguinhos... (25) é nesse sentido que eu penso em trabalhar com ele no primeiro ano, né...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Aqui, novamente, o identificador eu (autorreferencial), nas linhas 20 e 25, demonstra a
preocupação de Sofia em estar sempre reexaminando, refletindo a respeito da possibilidade e
eficácia da aplicação de um material. Ela mostra sua preocupação em fazer o trabalho docente
da melhor maneira possível, mesmo com todos os percalços, de cuja existência ela demonstra
ter conhecimento. Nas linhas 21, 23 e 25, o identificador ele refere-se ao livro didático que
Sofia sabe ter sido utilizado anteriormente, sem nenhuma outro objetivo aparente que não a
identificação.. Ela revela sua pretensão de continuar o trabalho com esse livro no primeiro ano
do EM, ao afirmar “eu penso em trabalhar com ele no primeiro ano, né”.
Usando material contextualizado: Tentativas Excerto 6 (linhas 26 a 31)
(26) segundo e terceiro ano vai ficar com o material que eu estou preparando à parte... (27) eles estão me cobrando sabe...porque a Mônica não adotou material... (28) porque ela preparava material e usava tudo igual pros 3 anos, 1º, 2º e 3º... (29) eles estão me cobrando como eu vou trabalhar...mas eu acho que vai ficar assim... (30) o livro só para o primeiro... segundo e terceiro... (31) pelo menos por enquanto... vai ficar com o meu material...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Os processos materiais “estou preparando” e “vou trabalhar” aparecem aqui junto
aos identificadores “eu” (autorreferencial) para relatar suas ações em relação ao material
didático. O pronome pessoal “eles” nomeia os alunos, como já mostrado em trechos
anteriores, e aparece nas linhas 27 e 29 junto com o mesmo processo material “cobrar”, no
gerúndio, para revelar uma situação que continua, mas, que nessa tônica pode ser vista como
80
temporária, porque Sofia está em processo de adaptação nessa escola e os problemas e os
benefícios herdados da “gestão” do professor anterior. Podemos dizer que há um significado
implícito no uso do processo relacional ficar (linhas 26, 29 e 31), pois, ao dizer vai ficar,
lança o significado implícito de “eu vou deixar” ou “eu resolvi ficar com” para explicar quais
medidas vai adotar em relação ao material didático. O emprego do identificador ela, que
nomeia a ex-professora de seus alunos, é usado junto dos processos materiais adotar,
preparar e usar no passado para narrar acontecimentos no passado com um ator que não está
mais em cena. O processo material adotou em “não adotou material didático”, tem um apelo
descritivo seguido da justificativa porque ela preparava o material, até aí com efeito neutro
ou até qualificativo, mas, denuncia seu caráter crítico ao complementar seu dizer, na linha 28,
“e usava tudo igual para o 1º, 2º e 3º ano”, parecendo revelar uma crítica por parte de Sofia.
O uso do identificador eu em conjunto com os processos materiais (preparar, usar,
trabalhar e adotar) demonstram as ações concretas de Sofia no sentido da configuração da
dicotomia teoria e prática crítico reflexiva. As modalidades subjetivas penso e acho revelam a
afinidade de Sofia com as suas proposições em relação as questões que permeiam o contexto
educacional, como o material didático por exemplo. O emprego do condicional demonstra as
possibilidades da situação de ensino ser diferente se as condições fossem mais favoráveis e
implicitamente mais uma vez atribui a “culpa” da impossibilidade às condições insatisfatórias
propiciadas pelo Estado, como gestor da educação.
A transformação social e seus desdobramentos Excerto 7 (linhas 1 a 4)
(1) Deixa eu te falar...eu acho assim... (2) você respinga as sementinhas...umas vão germinar...dar frutos...outras não...vai dar vida a planta... (3) o que eu percebo é que... eu gosto de ficar cutucando eles com a questão da responsabilidade social... (4) do papel como cidadão...daí que vem a consciência do papel...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
O processo mental percebo (linha 3), ligado à percepção, e, logo em seguida, o
processo mental de afeição gosto (linha 3), estão ligados à ideia de que a reflexão sobre sua
prática docente é uma das questões fundamentais na perspectiva crítico-reflexiva. É, portanto,
a constante reflexão sobre a ação docente que permite que essa seja aprimorada. Segundo o
que pontua Freire (1996, p. 39), “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que
se pode melhorar a próxima prática”. Sofia revela, nesse excerto, não somente seu processo
reflexivo como docente, mas, principalmente, seu desejo e gosto por incentivar, provocar
81
mesmo a reflexão de seus alunos em relação a seus papéis sociais. Nas linhas 1 e 2, Sofia
empreende uma autorreflexão acerca das possibilidades de transformação social pela reflexão
crítica. Já nas linhas 3 e 4, ela pontua a importância de promover a reflexão crítica em sala de
aula.
Brechas para a reflexão
Excerto 7 (linhas 5 a 10)
(5) eu acredito que se a gente conseguir tocar neles... (6) hum.... mostrar que cada ser humano tem que ter responsabilidade dentro da área que atua... (7) eu acho de verdade que pelo menos aí pode acontecer alguma mudança...transformação.... (8) eu acho realmente que pode florescer...mas se cai num terreno seco...aí não acontece nada... (9) mas é como eu tô te falando...é um trabalho de paciência...mas eu gosto assim... (10)parece que eles tem uma certa receptividade...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse trecho, das linhas 5 a 10, analiso as modalidades, que segundo Fairclough
(2003) define o modo como as pessoas mostram seu comprometimento ao fazer afirmações,
perguntas, ofertas e demandas. Sofia revela-se através das modalidades como resume o
quadro abaixo:
QUADRO 5 – As modalidades e sua relação com o comprometimento
Tipo de Modalidade O que revela Exemplo e linha Modalidade subjetiva/epistêmica
Médio grau de afinidade do falante com a proposição
Linha 5- eu acredito que se a gente conseguir tocar neles...
Modalidade deôntica/objetiva
O comprometimento com a obrigatoriedade/necessidade
Linha 6- mostrar que cada ser humano tem que ter responsabilidade dentro da área que atua...
Modalidade subjetiva Alto grau de afinidade do falante com a proposição
Linha 7- eu acho de verdade .
Modalidade subjetiva/epistêmica
Alto grau de afinidade do falante com a proposição
Linha 8- eu acho realmente
Modalidade categórica/epistêmica/objetiva
Alto grau de comprometimento com a sua proposição
Linha 9- é um trabalho de paciência
As modalidades exibidas acima, revelam o alto grau de comprometimento de Sofia com
as suas proposições e demonstram sua posição, em relação à formação dos alunos como
cidadãos, conscientes de seu papel social. Sofia demonstra sua esperança apesar das
limitações impostas em um contexto mais amplo.
82
O papel dos alunos enquanto cidadãos e futuros profissionais Excerto 7- Linhas 11 a 18
(11) quando você toca no papel deles enquanto químico, enquanto técnico em alimentos... (12) enquanto aluno do ensino médio da escola pública, enquanto aluno de agricultura.. (13) não dá pra conceber um técnico agrícola que não se importa com a natureza... (14) com a degradação ambiental... (15) com um técnico de meio ambiente que não liga pra questão do lixo... (16) um dia desses eu estava na aula e um dos alunos jogou um papel no chão... (17) aí eu falei...“Puxa... Você sabe quantas árvores você matou agora por causa dessa folha”... (18) um cara estudando sabe... ainda mais da área ligada à terra, à natureza...e ele começou a rir meio sem
jeito... (entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse excerto 7, focalizo a análise nos identificadores. O identificador você
(inclusivo), na linha 11, nomeia todos os professores que trabalham na perspectiva crítico-
reflexiva e, como Sofia, tentam estimular a reflexão crítica em sala de aula. Ainda na linha 11,
o pronome possessivo deles identifica os alunos em relação a seu papel enquanto cidadãos.
Na linha 16 e 17, o identificador eu (autorreferencial), tem caráter diferente. Na linha 16, é
empregado para relatar um acontecimento seguido do pronome relacional estava, já na linha
17, ainda com teor de relato, mas dentro do discurso direto, e seguido do processo verbal
falei, usado para tornar o relato pretensamente mais fiel. Em seguida, na mesma linha, o
identificador você (exclusivo) é empregado duas vezes consecutivas na mesma pergunta para
demarcar, enfatizar o “ator” como alguém que não ela “praticou” essa ação. E, por fim, volta
à forma de relato na linha 18, usando o identificador ele (exclusivo) o aluno sobre o qual
Sofia faz o relato.
Provocando a reflexão crítica Excerto 7- Linhas 19 a 23
(19) quando eu estou na aula e há oportunidade... eu gosto de provocar reflexão... (20) de cutucar mesmo...mas é algo que já esta em mim... (21) quando eu estava no estado, por exemplo, eu ficava perguntando para meus alunos do EM.. (22) O que você vai fazer da vida?... Pra que você vai prestar vestibular?... (23) Ah! pra Direito...Ah! Odonto...Ah! Jornalismo... E hoje você está fazendo o quê?...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
A alternância entre os identificadores eu (autorreferencial) e você, usado para nomear
cada aluno individualmente, revela o processo de interação entre Sofia e seus alunos em dois
contextos diferentes: a escola estadual em que ela trabalhava antes e a escola onde atualmente
ela trabalha com o Ensino Médio Técnico. Nesses dois contextos, através do uso do discurso
direto, Sofia relata sua experiência em instigar a reflexão crítica dos alunos. Na linha 19,
emprega o processo relacional “estou” e o processo mental de afeição “gosto” junto do
83
identificador “eu” (autorreferencial) e o processo existencial “há” para deixar claro que
sempre que existe uma oportunidade em sala de aula, ela provoca situações de reflexão
coletiva. Na linha 20, ao usar o processo relacional é, fala do desejo de instigar a reflexão
como algo nato: “é algo que já está em mim”. Na linha 21, o processo relacional “estava” e o
processo material “perguntando”, que fazem parte do mundo narrado, são utilizados por
Sofia para revelar as experiências vividas por ela em outros contextos anteriores.
Chamando a atenção dos alunos para os socialmente excluídos
Excerto 7- Linhas 24 a 29 (24) aí eu geralmente puxo pra minha pesquisa...e é sempre assim, não é?... (25) você puxa pro teu lado... (26) aí eu começava a discutir questões ambientais... Quem de vocês aqui já foi num lixão? (27) Aí eles falavam...”Ai professora... Você acha que eu vou em lixão”?... (28) e eu continuava...”Quem de vocês aqui já viu os catadores de rua”?... (29)”Vocês já prestaram atenção neles”?...Será que eles são importantes pra nós?
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Aqui novamente o discurso direto é utilizado por Sofia. Entretanto, dessa vez, os
identificadores nomeiam alternadamente diferentes “atores”, como organizo no quadro a
seguir:
QUADRO 6 – Os identificadores e seus papéis
Identificador Quem nomeia Inclusivo/Exclusivo Autorreferencial
Linha - Porque é usado
Eu
Sofia
Autorreferencial
Linha 24- eu geralmente puxo pra minha pesquisa - para falar dela mesma e de sua reflexão-crítica
Você
Todos que
fazem o mesmo
Inclusivo
Linha 25- você puxa pro teu lado... Para justificar que ela não é a única a fazer isso.
Vocês
Os alunos
Exclusivo
Linha 26- Quem de vocês aqui já foi num lixão? Para instigar uma reflexão a respeito da exclusão social.
Eles
Os alunos
Exclusivo
Linha 27- Aí eles falavam.. Para reportar via discurso direto sua interação como os alunos.
Eles
Os catadores de
papel
Exclusivo
Linha 29- Será que eles são importantes pra nós? Para instigar a reflexão
Eu
Um aluno
Exclusivo
Linha 27- Você acha que eu vou em lixão”?... Para reportar com exatidão o que foi dito.
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Quando o discurso direto é utilizado, o emprego de identificadores para nomear
diferentes atores é um recurso comum e serve para dar pistas de quão inclusivos ou exclusivos
os pronomes pessoais (identificadores) podem ser.
O gosto pela reflexão coletiva Excerto 7- Linhas 30 a 32
(30) Faço isso até pra ver as percepções da comunidade acerca do papel das pessoas... (31)como um todo...engajadas socialmente ou não né?... (32) então eu gosto muito dessas coisas... e eu adoro conversar com os alunos.... eu amo o que eu faço...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse pequeno trecho, nas linhas de 30 a 32, o processo mental de afeição aparece três
vezes consecutivamente na linha 32, através dos verbos gostar, adorar e amar [...] “eu gosto
muito dessas coisas...” e “eu adoro conversar com os alunos.... eu amo o que eu faço” [...].
Neles, Sofia reforça seu gosto, preferência pelo trabalho refexivo interacional. O fato de Sofia
repetir o identificador eu (autorreferencial) três vezes na mesma linha demonstra sua
necessidade em enfatizar seu papel como “ator” social nesse processo.
Relatando momentos de reflexão sobre a cidadania Excerto 7- Linhas 33 a 40
(33) antes de eu vir pra cá, na escola do estado, que passou por reforma... tava tudo bonitinho... (34) aí eu falei pra eles:...Vocês lembram do ano passado e do começo do ano?... (35) Lembram como a escola estava?...e eles disseram:...ih professora nem lembra disso... (36) aí eu disse pra eles que é importante lembrar que melhorou ...pra valorizar... (37) Falei:: Dêem uma olhada nas paredes...foram pintadas e já estão meio sujas... (38) Vocês tem que cuidar! ...é nosso... é patrimônio público... (39) e eles disseram:...: é mesmo né professora... e eles normalmente concordam... (40) mesmo que depois eles sujem, risquem...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
No excerto 7, das linhas 33 a 40, focalizo minha análise no identificador Vocês, que
nomeia os alunos de Sofia, por meio do relato feito em discurso direto. Na linha 34, o uso do
identificador Vocês, na forma interrogativa, revela um movimento dialógico entre Sofia e
seus alunos, uma interação próxima na qual Sofia busca a reflexão coletiva. Essa reflexão
promovida por Sofia está relacionada a um fato relativamente comum no cenário brasileiro,
“o esquecimento”. Esquece-se de coisas que melhoraram em detrimento de outras que
pioraram, muitas vezes para justificar ações contraditórias. Ao perguntar a seus alunos: (34)
[...] Vocês lembram do ano passado e do começo do ano? ...(35) Lembram como a escola
estava?..., Sofia propõe uma reflexão sobre o papel dos alunos dentro do processo
educacional, lembrando que não somente o Estado tem seus deveres, mas professores e alunos
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também. Pede que eles lembrem como era e como ficou, e enfatiza a importância do
reconhecimento e valorização das melhorias. Na linha 38, o pronome Vocês nomeia os alunos
também, só que dessa vez, de forma afirmativa “Vocês têm que cuidar! ... é nosso... é
patrimônio público...”. A ênfase de Sofia não está somente no uso do pronome Vocês, mas
também no emprego da modalidade deôntica tem que e da modalidade categórica é, ao
afirmar [...] é nosso [...] é patrimônio público. Finaliza afirmando que, mesmo que eles não
mudem de comportamento, eles concordam com ela geralmente, parecendo sinalizar um
sentimento de Sofia de que esse é um processo contínuo.
O papel como educadores Excerto 7- Linhas 41 a 44
(41) mas é nosso papel pelo menos tentar conscientizar... (42) mas eu acho assim quando eu paro e vou preparar o material... (43) fico pensando como é que eu vou puxar isso pra realidade... (44) é uma eterna preocupação minha....
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse excerto, nas linhas de 41 a 44, analiso as modalidades presentes nesse trecho.
Na linha 41, Sofia emprega a modalidade categórica é seguida do pronome possessivo nosso e
o substantivo papel, revelando sua crença sobre o que faz parte do papel dos professores na
formação dos alunos. Já na linha 42, a modalidade empregada é a subjetiva, pois revela seu
comprometimento com a proposição; é a reflexão no preparo do material usado por ela nas
aulas. Termina utilizando a modalidade categórica é, dizendo, na linha 44, é uma eterna
preocupação minha, para referir-se à sua contínua preocupação de contextualizar o ensino.
Essa contextualização é intrínseca ao “inacabamento” do trabalho crítico-reflexivo do
professor, como postula Freire (1996). Sofia revela estar consciente de que essa reflexão
crítica é um processo “eterno” e, por isso, “inacabado”.
A prática colaborativa Excerto 8 (linhas 1 a 7)
(1) Não aqui não existe ninguém não... only me...estou sozinha...aqui não tem ninguém... (2) ...é assim como a escola está se tornando independente agora... (3) então agora que parece que está se formando o corpo docente daqui... (4) tem o Paulo que está com literatura e língua portuguesa... (5) tem a Claudia que está com espanhol e língua portuguesa... (6) e tem eu com língua inglesa e portuguesa... (7) e aqui quase todos os cursos tem inglês...então eu acabo ficando com mais aulas...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
86
Nesse excerto, analiso as modalidades, os identificadores e os processos que juntos
demonstram o grau de comprometimento de Sofia com suas proposições, a quem inclui e
exclui em seu texto e as construções no mundo da experiência. Nas linhas de 1 a 7, foco nos
processos existenciais haver e ter. Aqui, tais processos desempenham o papel de reforçar a
inexistência de colegas da área de língua inglesa, bem como das demais áreas. Essa falta de
interlocutores da mesma área ocorre porque o corpo docente da escola encontra-se em
construção. Nas sete linhas do excerto 8, os processos existenciais ter e haver aparecem 5
vezes, o que parece revelar a vontade imperiosa de Sofia de ter um interlocutor com quem
“trocar ideias” em um processo de colaboração/ajuda mútua. O processo ter, aqui
representado por haver, é uma forma de se expressar bastante comum na língua portuguesa
falada no Brasil.
A imposição do trabalho solitário
Excerto 8 (linhas 8 a 14)
(8) porque eu sou a única de língua inglesa...então eu estou sozinha...é tão ruim né? (9)...sem alguém pra trocar figurinha... preparar aulas juntos...seria tão bom que tivesse.. (10) não sei se num futuro próximo teria... (11) mas tem o Paulo de química que leva problemas escritos em inglês, ele gosta de inglês e fala bem..... (12) então ele faz isso... às vezes eu sento com ele e a gente discute alguma coisa...mas, é pouco... (13) a gente tenta... mas, é difícil porque sem a ajuda dele... eu não entendo nada... (14) essas conversas ajudam... abrem a cabeça... gostaria muito de alguém mais da área....mesmo...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Das linhas 8 a 14, analiso os identificadores e os processos relacionais ser e estar.
Sofia revela, nesse trecho, sua insatisfação de não ter ninguém da língua inglesa para fazer um
trabalho colaborativo. Entretanto, a impossibilidade - pelo menos temporária - de contar com
alguém da área não a impede de buscar ajuda com um colega da área de química, que gosta de
língua inglesa, para desenvolverem um trabalho conjunto interdisciplinar. Diante dessa
realidade, Sofia e seu colega tentam fazer o melhor, mesmo com as dificuldades impostas
pelas diferentes áreas.
O identificador eu (autorreferencial) aparece nas linhas 8, 12 e 13 para relatar o desejo
de Sofia de ter alguém da área para fazer um trabalho colaborativo e mostrar a sua busca por
alternativas para superar esse “problema”. O identificador ele retoma “Paulo6”, seu colega de
escola, mas, da área de química (linhas 11 e 12), bem como o pronome “dele” na linha 13. A
forma nominal a gente, usada de forma inclusiva (linhas 12 e 13), faz referência a Paulo e
Sofia, que tentam desenvolver uma prática colaborativa interdisciplinar. Na linha 8, os
processos relacionais sou e estou relatam sua condição solitária na área para, logo em
6 Nome fictício
87
seguida, empregar a modalidade categórica é ao dizer é tão ruim, demonstrando sua
insatisfação em estar sozinha. Na linha 9, ao empregar o processo relacional seria (forma
condicional), explicita seu desejo de ter um colega da área. E, finalmente, na linha 13, utiliza
novamente a modalidade categórica é junto do adjetivo difícil a fim de revelar que é a
situação possível no momento, embora não seja a ideal.
É a impossibilidade da prática colaborativa na área específica que leva à prática colaborativa interdisciplinar
Excerto 8 (linhas 15 a 20)
(15) antes de eu montar o esquema das aulas... (16) eu tive que conhecer um pouco das outras disciplinas... acaba sendo interdisciplinar... (17) os alunos adoram... eles gostam de me ensinar... (18) eu rio e falo pra eles que da química eu só conheço o H2O que parece que é água né [risos] (19) eles riem comigo... (20) ah eu disse pra eles: tem o CO2 também né? [risos]....
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Os identificadores eu (autorreferencial) e eles (que nomeia os alunos de Sofia) são
empregados alternadamente para mostrar o processo de interação em sala de aula. Nas linhas
15 e 16, o pronome pessoal eu é utilizado para contar de que forma o trabalho de Sofia é
interdisciplinar. Na linha 15, Sofia emprega o identificador “eu”, seguido do processo
material montar, e na linha 16, o identificador eu vem acompanhado da modalidade deôntica
tive que, demonstrando a necessidade de conhecer um pouco das outras disciplinas para a
realização de um trabalho interdisciplinar. Ainda na linha 16, o identificador eles vem seguido
dos processos mentais ligados à afeição adoram e gostam, revelando que seus alunos a
ensinam e aprendem, retomando aqui a noção de Freire sobre a “educação libertadora”, ou
seja, a construção de conhecimento conjunto em sala de aula. Nas linhas 18, 19 e 20, os
identificadores eu e eles, acompanhados dos processos comportamental rir e verbais falar e
dizer, revelam um processo interativo rico e prazeroso.
A modalidade deôntica tive que empregada por Sofia nesse excerto revela sua
capacidade de buscar alternativas, dentro do que Schon (1992) postula como reflexão na ação,
nesse caso, em relação à impossibilidade da prática colaborativa,
A formação crítico-reflexiva e sua relação com a transformação social Excerto 9- Linhas 1 a 8
(1) Bom. A perspectiva crítico-reflexiva na minha prática... deixa eu ver....uma coisa é que eu fiquei mais pensativa, mais focada...
(2) pra preparar as aulas...analisando essa questão do Student’s needs analysis... (3) Eu me preocupo mais agora...mas o que frustra... quando a gente volta a sala de aula...
88
(4) é a comunidade mesmo...a sociedade (5) me pergunto: Qual é a importância que eles atribuem a língua estrangeira dentro do currículo escolar?.... (6) que não são só os alunos não (7) ...é uma cadeiazinha de coisas....os alunos..a instituição....as políticas educacionais..o Estado... (8) Na minha visão existe um conjunto complexo de fatores...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Sofia resume sua visão acerca da relação prática crítico-reflexiva e transformação
social na linha 8, ao dizer: “Na minha visão, existe um conjunto complexo de fatores [...]”. Os
fatores apontados por Sofia são os alunos, a instituição, as políticas educacionais, o Estado e a
sociedade, os quais estão inseridos na estrutura social que transforma ou cristaliza a ideologia
do pensamento hegemônico. Sofia revela assim, sua crença de que não basta o professor
querer empreender a prática crítico-reflexiva se as condições mínimas não forem possíveis.
As identidades de resistência Excerto 9 -Linhas 9 a 18
(9) eu e Claudia7 já escrevemos um projetinho pra cá... (10) eu retiraria todo o inglês/espanhol das grades e ofereceria cursos de quatro anos de duração com
200/300 h ... (11) um aluno de ensino médio integrado passa quatro anos aqui... (12) se ele freqüentar um curso de inglês quatro anos...ou espanhol...ou francês...ele aprenderá o
idioma (13) seja que língua for... (14) sem essa questão da hegemonia linguística do inglês...qualquer língua... (15) de verdade que eu acho isso (16) ...se ele fizer quatro anos de curso... suprirá todas as necessidades... (17) de proficiência mesmo...para os técnicos por exemplo...nada disso de 40 horas... (18) fica aqui dois anos...oferece curso complementar de 300, 200 horas.... (19) alguma coisa que de fato atenda as necessidades dos alunos... (20) e satisfaça o ego do professor...de ver que o trabalho dá resultado...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse excerto, das linhas 9 à 18, analiso a relação do tempo verbal condicional e a
“identidade de resistência” que Sofia demonstra ter. Assim, concordo com Resende (2009, p.
42) ao definir que a “identidade de resistência” é resultado da “formação de comunidades
ligadas à resistência coletiva a modos específicos de opressão, experimentados pelos
membros da comunidade”. Sofia revela essa identidade de resistência ao falar de seu projeto
conjunto com uma colega de escola. Tal projeto visa a retirar o inglês ou o espanhol da grade
curricular e oferecê-lo(s) no formato de “curso de idiomas”, independente das outras
disciplinas. Isso, na visão de Sofia, é uma forma eficaz de aprendizado. A opressão, nesse
caso, está configurada no âmbito da escola pública, que privilegia o ensino de língua
estrangeira nos cursos livres de idiomas, ao negar a possibilidade de aprendizado no modelo
7 Nome fictício.
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de ensino público atual, com carga horária escassa e pouquíssimas políticas eficazes. Sofia
posiciona-se claramente favorável ao ensino de língua estrangeira em um novo formato, no
intuito de amenizar minorar a exclusão social dos indivíduos que não dominam uma língua
estrangeira. Segundo Castells (1999, p.25 apud RESENDE, 2009, p.42) um desses modos de
opressão refere-se a um “ressentimento contrário à exclusão injusta” que é contra o qual Sofia
luta através de seu projeto, expressão de seu inconformismo frente à exclusão. Ao empregar a
forma condicional, nas linhas 10, 12 e 16, a participante revela os possíveis resultados
favoráveis da implantação de seu projeto. Na linha 14, ao afirmar de verdade que eu acho
isso, através das modalidades subjetiva (eu acho) e epistêmica (de verdade), revela seu alto
grau de comprometimento com sua proposição.
No abaixo, sintetizo a representação do projeto descrito por Sofia na forma
condicional e seus possíveis resultados.
QUADRO 7 - Proposta de Sofia (Excerto 9, linha 10)
Condições Resultados possíveis
[...] se ele8 frequentar um curso de inglês quatro
anos...ou espanhol...ou francês...
[...] ele aprenderá o idioma
[...] se ele fizer quatro anos de curso...
[...] suprirá todas as necessidades...
As identidades de projeto Excerto 9-Linhas 21 a 28
(21) então o que falta...e o que me frustra...... (22) é ver que a gente estuda, volta e não consegue fazer o que acha possível... (23) você veja... eu voltei.. eu implantei um grupo de estudos lá em Várzea Grande ... (24) aí o Cefapro não aprovou meu grupo...não foi certificado.... (25) os professores não foram certificados...perderam cinco pontos... (26) quer dizer...você vê...investiram em mim dois anos...é um contra senso... (27) pego tudo que eu aprendi no mestrado pra aplicar na formação de professores... (28) que é necessidade e não é segredo pra ninguém...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nas linhas de 21 a 28 desse excerto, focalizo os identificadores empregados por Sofia
e seus processos correspondentes. O identificador você, empregado nas linhas 23 e 26, é
endereçado a “mim”, pesquisadora, em um movimento interacional, dialógico, de forma a
relatar o que aconteceu com ela depois do mestrado. O identificador eu (autorreferencial)
usado nas linhas 23 e 27, junto dos processos materiais estuda e volta e não consegue, parece
8 O identificador ele, aqui representado, nomeia os alunos de forma geral. O pronome he (ele) é usado muitas vezes para representar as pessoas em geral, a humanidade segundo Pennycook (1994).
90
revelar a impossibilidade de mudanças, apesar do desejo. Na linha 23, o emprego do
identificador eu (autorreferencial) seguidos dos processos materiais voltei e implantei
demonstra suas ações efetivas no sentido de aplicar seus conhecimentos recentemente
adquiridos no mestrado e também transformar sua “identidade de resistência” em “identidade
de projeto”, a qual “está ligada à construção de processos coletivos de mudança social”
(RESENDE, 2009 p. 43).
O grupo de estudos implantado por Sofia em Várzea Grande para promoção de
reflexão crítica em um processo colaborativo parece encaixar-se na perspectiva de “identidade
de projeto” por seu teor de “ação” que vai além da “resistência”. Além disso, a implantação
desse projeto visa ao benefício da coletividade, que é o que pode levar à transformação social.
Nas linhas 24, Sofia nomeia o CEFAPRO (Centro de Formação de Professores), de forma
explícita, como o culpado pela “não certificação”, “não reconhecimento” do projeto
implantado por ela. A nomeação (culpabilização) do CEFAPRO está circunscrita no
“significado representacional do discurso” (VAN LEEUWEN, 1997) que aborda a
representação dos atores sociais. Aqui, Sofia nomeia o CEFAPRO, em forma de referência
explícita, semelhante ao que faz ao representar o ESTADO em excertos anteriores, só que não
de maneira generalizada. O CEFAPRO representa uma instância do ESTADO, responsável
pela formação de professores, o que representa de forma significativa o desejo de Sofia em
apontar os responsáveis pela burocracia, que impede a implementação de alguns projetos
sociais. Na linha 25, ao empregar a forma nominal de identificação “os professores” mais a
voz passiva “não foram certificados.”, revela a consequência da ação do CEFAPRO, porque,
apesar de ter usado a voz passiva, a nomeação do CEFAPRO nas linhas anteriores deixa claro
sua responsabilização (representação de responsabilidade) pela “não certificação”.
Logo em seguida, ainda na mesma linha, ao afirmar perderam cinco pontos, apesar
da omissão do identificador, Sofia refere-se aos professores e a consequência dessa ação para
eles. Os cinco pontos aos quais ela se refere remetem à comprovação a que professores das
redes Estadual e Municipal são submetidos para fins de progressão funcional/atribuição de
aulas, ou seja, caso o projeto fosse certificado, os professores contariam os cinco pontos sua
progressão funcional/salarial. Nas linhas 27 e 28, demonstra seu desamparo em saber que ela
tem os instrumentos necessários para promover projetos que visem à transformação social,
mas que a estrutura social, por meio de alguns órgãos governamentais, constrange sua ação.
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Os constrangimentos da ação social Excerto 9-Linhas 29 a 33
(29) Pra ouvir da diretora técnica do Cefapro que o inglês não é prioridade... (30) que o problema da escola é outro... (31) aí eu falei pra ela: A senhora está certinha.... (32) ...todos os professores são fluentes bem como os alunos... (33) ...é rir pra não chorar...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nessa parte do excerto 9, Sofia nomeia o CEFAPRO como o “agente constrangedor da
ação social” a serviço do Estado, de acordo com o Modelo Transformacional da Atividade
Social de Bhaskar (1989). Esse modelo, segundo Resende (2009 p.78),
visa identificar necessidades não satisfeitas de atores envolvidos nas práticas estudadas, mecanismos que possivelmente bloqueiam a satisfação dessas necessidades, em termos das estruturas sociais, e modos potenciais para a superação desses mecanismos e, então, de transformação dos aspectos estruturais considerados problemáticos.
Neste caso específico, a necessidade não satisfeita é a certificação de um grupo de
estudos de formação continuada de professores; os atores são os professores que não têm suas
necessidades satisfeitas; os mecanismos que bloqueiam a satisfação dessas necessidades são
as ações do CEFAPRO (como órgão responsável) e a diretora técnica do CEFAPRO (como
ator social através de quem o bloqueio é realizado). Nas linhas 31, 32 e 33, Sofia revela ironia
frente ao sentimento de revolta que esse constrangimento gera. Na linha 33, diz é rir pra não
chorar para revelar sua indignação diante da proposição do CEFAPRO, por meio de sua
diretora técnica.
Nesse excerto, Sofia revela suas ações efetivas na busca por emancipação e
transformação social. O relato é feito por meio do discurso direto, o que pode representar
uma tentativa de dar maior credibilidade ao que está sendo narrado por ela.
Formação inicial e continuada no paradigma crítico-reflexivo: possibilidades Excerto 10- Linhas 1 a 4
(1) Acho realmente que a formação inicial e continuada dentro do paradigma crítico-reflexivo é um
princípio ... (2) acho assim que tudo que se propõe pra que melhore é válido... (3) não sei muito da questão do currículo hoje...porque eu me graduei há muito tempo... (4) o que está sendo proposto, ofertado...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
No excerto 10, analiso as modalidades e os identificadores que revelam a
representação dos atores sociais e o comprometimento de Sofia com suas proposições. Nas
92
linhas 1 e 2, destaco o emprego das modalidades subjetivas acho realmente e acho assim, as
quais expressam o alto grau de afinidade de Sofia com o paradigma crítico-reflexivo. Nas
linhas 1 e 2, o emprego das modalidades categóricas é um princípio e é válido expressa o
alto grau de comprometimento com suas proposições. Assim, nesse início do excerto 10,
Sofia demonstra sua crença no paradigma crítico-reflexivo como um caminho viável e
promissor para a melhoria da prática docente.
Formação inicial e no paradigma crítico-reflexivo na graduação
Excerto 10- Linhas 5 a 8
(5) mas uma coisa que eu falo e que é assim... que dentro dessa linha crítico-reflexiva... (6) há a necessidade da graduação como você mesma colocou... (7) de informar os professores da existência dessa perspectiva... formar mesmo...porque eles vão ser
professores... (8) e multiplicadores dessa idéia...dessas reflexões...
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Com base nesse excerto, proponho a seguinte esquematização dos identificadores e suas representações nas crenças de Sofia:
QUADRO 8 – Identificadores e suas representações
Identificador Quem nomeia O que representa Eu (autorreferencial)
Sofia Sua crença na efetivação da prática crítico-reflexiva
Você A pesquisadora (Gisele) Sua afinidade com as idéias da pesquisadora
Os professores/eles Os acadêmicos dos cursos de Letras e Pedagogia
A necessidade que Sofia acredita ter da formação inicial dentro dessa perspectiva
A importância da resistência Excerto 10-Linhas 9 a 11
(9) mas se ele não for uma pessoa persistente...quando ele chega na sala de aula ele se acomoda... (10) porque o olhar sobre o ensino de língua inglesa não é legal... (11) às vezes até quem é engajado mesmo... desanima....mas não deve...temos que resistir
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse último trecho do excerto 10, linhas 9 à 11, Sofia revela a necessidade de o
professor persistir, bem como saber que, embora não represente um caminho fácil de prática
docente, a perspectiva crítico-reflexiva é totalmente viável. Retoma o discurso de que o
ensino de língua inglesa não tem uma visão favorável, como já explorado em excertos
anteriores, e finaliza afirmando que às vezes até quem é engajado mesmo... desanima (linha
11), mas que a resistência e a persistência são qualidades essenciais ao professor socialmente
engajado.
93
O emprego do identificador ele (exclusivo), na linha 9, nomeia os professores que
trabalham nesse paradigma, exclui Sofia, o que pode representar uma tentativa de ela dizer
que já passou por esse processo e ultrapassou essa fase. Nas linhas 10 e 11, justifica, de certa
forma, esse desânimo, acomodação que os professores vivenciam, falando da visão que se tem
do ensino público de língua inglesa. Na linha 11, ao dizer não deve e temos que resistir,
apesar da omissão dos identificadores, a modalidade deôntica utilizada por Sofia revela seu
comprometimento com a necessidade/obrigatoriedade da resistência por parte dos professores.
Por fim, ao empregar não deve, exclui-se do processo, mas, logo em seguida, ao empregar
temos que resistir, inclui-se e se solidariza com seus colegas professores no sentido de
buscar sempre a melhoria da prática docente.
A transformação social através da educação
Excerto 11 (1) Acho que somos pequenos soldadinhos... (2) que estamos nos preparando para uma batalha... (3) É algo em dose de conta gotas, mas é possível sim... (4) Se todos os profissionais da educação, trabalhassem com a política em sala de aula (5) é como dizia Paulo Freire... (6) nós teríamos pessoas mais engajadas (7) e não exploraríamos e deixaríamos de ser tão explorados. (entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse trecho, analiso as escolhas lexicais de Sofia, para descrever como vê os
professores na perspectiva crítico-reflexivo, sua crença na mudança e os caminhos para isso.
A escolha pela palavra soldadinhos, que já é uma forma diminutiva, empregada junto do
adjetivo pequenos, caracterizando assim um teor super-enfático, denota duas faces da questão
transformacional: por um lado, a magnitude do processo de transformação social, por abarcar
diversos fatores sociais, políticos e ideológicos e por outro lado, a aparente fragilidade dos
professores críticos-reflexivos frente à empreitada complexa que estão dispostos a enfrentar.
Explicita a sua visão de lentidão do processo ao fazer a escolha pelo substantivo metafórico
conta-gotas. O substantivo batalha expressa a crença de Sofia de que essa não é uma ação
fácil, ainda mais se observada a questão de que uma batalha é parte de uma guerra,
ampliando dessa forma o escopo de como ela vê essa questão social. Através das escolhas,
“pequenos soldadinhos, “batalha” e “conta gotas” Sofia constrói a metáfora da
transformação social. E, segundo Fairclough (2001, p.241),:
As metáforas penetram em todos os tipos de linguagem e em todos os tipos de discurso, mesmo nos casos menos promissores, como o discurso científico e técnico. Além disso, as metáforas não são apenas adornos estilísticos superficiais do
94
discurso. Quando nós significamos coisas por meio de uma metáfora e não de outra, estamos construindo nossa realidade de uma maneira e não de outra. As metáforas estruturam o modo como pensamos e o modo como agimos, e nossos sistemas de conhecimento e crença, de uma forma penetrante e fundamental.
As outras escolhas lexicais que pontuei anteriormente confirmam a complexidade e a
lentidão que promover a transformação social representam para ela. A escolha por
determinado vocabulário em detrimento de outro, demonstra de modo particular a
representação que Sofia faz do processo de transformação social. O conectivo adversativo
mas, reafirma sua crença na possibilidade de transformação. Das linhas 4 à 7, empregando a
forma condicional junto a partícula se, e que nesse caso parece colocar que o professor
crítico-reflexivo (através da formação continuada, do mestrado ou de outras formas) tem mais
condições de perceber o que está oculto nos discursos, e aí quem sabe a realidade pode mudar.
Das linhas 4 à 6, coloca-se como agente fora do processo, o que nos leva a inferir que Sofia se
considera uma professora que exerce seu papel político em sala de aula, através de seu
engajamento na reflexão crítica com vistas à transformação social. Na linha 6, fundamenta sua
fala em Freire para, logo depois, solidarizar-se e incluir-se no processo demonstrando que
essa é uma “batalha” de todos.
A emancipação no contexto educacional Excerto 12
(1) Eu acho assim.... (2) Para mim emancipação é você se livrar de todas as forças ideológicas... (3) que te escravizam em seu contexto social, político, econômico e cultural... (4) E como você se livra?... se tornando consciente... (5) sabendo que nada acontece por acaso... (6) Acho que quando você faz o aluno refletir ... (7) você começa a deixá-lo com o pé atrás... (8) e assim, ele começa a perceber o que está por trás de cada discurso.
(entrevista realizada dia 09/03/2009)
Nesse excerto 12, ao explicar o que entende por emancipação, Sofia retoma à questão da
força da ideologia nos discursos que permeiam o contexto escolar, a importância em
promover a reflexão crítica em sala de aula e também da auto-emancipação. Sofia demonstra
sua percepção de emancipação, construindo uma metáfora através de suas escolhas léxico-
gramaticais. Sofia emprega as palavras, se livrar, forças ideológicas, escravizam, refletir, e
por trás construindo significados de modo subjetivo.. As escolhas por livrar em vez de
libertar, forças ideológicas em vez de ideologia, escravizam no lugar de aprisionam,
refletir em vez de pensar. Sofia parece querer construir sua visão acerca de emancipação de
95
forma clara e explícita. O uso da modalidade subjetiva reforça esse teor personalizado em sua
fala. Ao usar a expressão deixar com o pé atrás, no lugar de insuflar a desconfiança, por
exemplo, e ainda o que está por trás, em vez de oculto. As escolhas feitas por Sofia
demonstram seu desejo de se fazer entender, por seu caráter enfático e simplificado, usando
metáforas já bastante naturalizadas no português brasileiro.
4.2 - IMPRESSÕES SOBRE A ANÁLISE: RECONHEÇO-ME NO ESPELHO?
Uma das mais frequentes críticas às pesquisas colaborativas é a de que os resultados
não são compartilhados com o(s) participante(s) da pesquisa, e que com isso acaba não
havendo nenhum desdobramento, nenhuma melhoria no contexto pesquisado.
Em relação a essa característica crucial da pesquisa colaborativa, muito
frequentemente não observada, Resende (2009, p. 61) pontua que:
Para uma pesquisa configurar-se como dialógica é necessário, portanto, que as análises e seus resultados sejam compartilhados com o(s) participante(s), que haja espaço para negociação das interpretações, que as pessoas envolvidas no processo sejam ouvidas também em relação às conclusões do(a) pesquisador(a). A democratização do conhecimento gerado pela pesquisa e a negociação das interpretações só podem ser efetivas se os métodos para tanto forem definidos de acordo com o grupo e com seus interesses específicos na pesquisa.
Nessa perspectiva, no intuito de respeitar o aspecto dialógico e ético que tal tipo de
pesquisa postula e requer, respeitei e segui a recomendação de propiciar um espaço para a
negociação das interpretações advindas da análise do dizer de Sofia.
No dia 28/02/2010, mais uma entrevista não estruturada foi realizada - que até poderia
ser chamada de conversa informal - para que a pesquisa a que me propus pudesse de fato
propiciar resultados éticos, negociados e que a (re)construção de significados fosse feita
através de um processo dialógico. A análise havia sido enviada a Sofia para que ela pudesse
ler com calma, refletisse. Apenas depois disso foi que marcamos de nos encontrarmos para
conversar a respeito de suas percepções sobre a análise.
Sofia começou dizendo que achava que eu havia conseguido perceber, através de seu
texto, suas angústias, alegrias, esperança, incertezas e certezas. Pontuou que, talvez, em
alguns aspectos, a análise do que ela quis dizer não tenha sido tão precisa, porque ela mesma,
possivelmente, não tivesse conseguido se fazer entender.
Abaixo, mostro os trechos mais relevantes de nossa conversa. Vale ressaltar que esses
trechos selecionados foram os que, de certa forma, Sofia discordou.
96
Excerto 1 1ª parte
Eu acho assim Gisele, eu concordo com quase tudo da tua análise... Eu acho que
tem coisas da nossa formação... quando você coloca aqui que o “você” se refere nessa parte
a todos que tem essa formação nesse paradigma crítico-reflexivo, está certo... e que eu me
excluo do processo... que eu não estou no meio dessa “gente gananciosa”... é quase
isso...mas eu quis dizer que eu acho que isso faz parte do papel do professor, mostrar para
os alunos que a gente pode buscar um mundo melhor...
Nessa primeira parte de negociação de significados, a modalidade subjetiva (acho
junto do identificador eu) modela grande parte do diálogo, revelando sua afinidade com as
proposições. O emprego do identificador a gente demonstra solidariedade, fala em nome dos
professores de língua inglesa que trabalham na perspectiva crítico-reflexiva e me inclui, bem
como ao usar o pronome nossa referindo-se à formação de professores, ao explicar o que quis
dizer em relação a como entende o papel do professor. O emprego dos processos mental quis
e verbal dizer revelam o desejo de Sofia de me fazer entender, de explicar melhor o que
talvez não tenha ficado claro quando comentou o papel do professor na primeira entrevista
que tivemos. O uso do processo comportamental “concordo” seguido das expressões com
quase tudo da tua análise me leva a inferir um desejo de tranquilizar-me no começo de
nossa conversa, apesar da presença da palavra quase que carrega uma negação implícita.
Nesse comentário, Sofia expõe o que ela acredita ser o papel do professor, ou seja, o
de ir além do ensino da matéria, situação que parece ter se consolidado a partir do estudo da
teoria do professor crítico reflexivo. Para ela, a mudança na educação e no mundo é
intrínseca à formação tanto do professor quanto dos alunos que ele forma, e “faz parte”, é
atributo do formador. É interessante notar que mesmo criticando o Estado, a escola, etc., em
outros trechos das entrevistas anteriores, Sofia não isenta sua responsabilidade de formadora
nesse processo.
Excerto 1 2ª parte
... e de que forma? ...mostrar o que pode estar oculto nos discursos principalmente
em língua inglesa... então está no papel do professor... não como salvador da pátria ...mas
97
aquele que vai tentar mostrar pro aluno que diante de certos contextos ele pare e
pense...”Puxa, é isso mesmo”....
Nessa segunda parte, Sofia continua explicando o que de fato quis dizer, emprega a
forma interrogativa e de que forma? (pergunta retórica) como recurso para começar seu
relato. Usa o processo material mostrar seguido da expressão o que e do modalizador de
possibilidade pode, junto do processo relacional estar e do adjetivo oculto para reafirmar sua
preocupação em conscientizar o aluno da ideologia dominante presente nos discursos nas
aulas de língua inglesa. Sofia refere-se ao papel hegemônico dos discursos que vêm de fora e
são interiorizados (FREIRE, 1996) pelas pessoas sem nenhuma reflexão. E assim, a
justificativa de se usar uma metodologia inovadora para se aprender uma língua estrangeira e
se tornar um cidadão bem sucedido acaba mascarando uma ideologia opressora que domina e
enfraquece potenciais de ideais de um mundo melhor em lugares específicos, para pessoas
que vivem em regiões específicas e não um mundo melhor que não se sente e não se vive, mas
que existe em algum lugar pois, é visto pela internet e pela televisão a cabo. Sugerimos que
Sofia esteja se referindo à percepção do professor na hora em que esses textos estão sendo
consumidos na sala de aula e na maneira como estão sendo/serão distribuídos, já que o
formador não tem o controle de sua produção, e muito menos pode deixar de apresentar aos
aprendizes. Na sentença seguinte, ,não como salvador da pátria, Sofia emprega a
modalidade categórica “não” para negar a condição de “salvador da pátria”, uma espécie
de metáfora para referir-se ao papel do professor, que não é de milagreiro ou mártir, e sim de
posicionamento político, de perceber o caráter dominante da língua inglesa e querer que seus
alunos o percebam também. Sofia, então, emprega o identificador ele (que nomeia seu aluno,
no sentido geral como se estivesse no plural) junto dos processos material “pare” e mental
“pense”. Demonstra, assim, o desejo de que seus alunos parem e reflitam, reforçado pelo
discurso direto, “Puxa, é isso mesmo”, recurso bastante comum quando o objetivo é dar
credibilidade ao que se está dizendo. Isso tudo me parece ser resultado da reflexão que ela
pretende provocar em seus alunos para que eles se despertem para os efeitos ideológicos do
discurso dominante em questão. Sofia está certa de que a simples exposição de um texto e a
realização de exercícios de preenchimento de espaços e de tradução, assim como o uso de
abordagens mais famosas, como a comunicativa, não são suficientes para contemplar a
formação de um cidadão crítico, capaz de se engajar em processos de mudança no status quo
atual - pelo menos na escola formal, lugar a que pessoas de todas as classes sociais deveriam
ter acesso.
98
Quando usa a metáfora “salvador da pátria”, ela entende que representa apenas uma
pequena parcela de um todo, mas que tem grande potencial. Entende, ainda, que se esse
potencial não for usado, ignorado ou ainda, não percebido, traz grandes prejuízos ao processo.
Excerto 1 3ª parte
...quando eu trabalho com Meio Ambiente... sabe aquela charge né, aquela que a
gente comentou outro dia? ... Por que um país emergente tem que ser massacrado por um
desenvolvido com relação ao desmatamento? ... Quem são eles pra falar da gente? Qual
é o contexto deles hoje pra falar da gente? Será que o que está por trás disso é de fato a
preocupação com a conservação do planeta? Ou será que são outros interesses? Ou será
que são os interesses econômicos? Se todo mundo for rico, como fica a pirâmide do
capitalismo? Quem vai ser explorado? Para que ele possa tomar consciência do contexto
onde ele vive ... que interesses tem nesses textos hegemônicos ...Eu acho que o nosso papel é
tentar mostrar isso pros alunos ...
Nesse último trecho da explanação, Sofia começa empregando o identificador eu junto
ao processo material trabalho seguido de com Meio Ambiente, aparentemente no sentido de
me localizar em relação ao seu papel no sentido mais prático, o que realmente ela faz, como
desempenha seu papel de professora crítico-reflexiva. Com esse exemplo, Sofia pretende
mostrar como desenvolve o seu trabalho na prática, o que sugere seu entendimento de que o
discurso (teoria) muitas vezes não se traduz na prática e que, talvez, por esse motivo, os
resultados na educação (e em outros setores em geral) não alcancem os níveis esperados, por
mais articulados que se mostrem no discurso.
Na continuação do exemplo dado, Sofia prossegue me fazendo uma pergunta para se
certificar se eu sabia do que ela está falando. Utiliza o identificador a gente, nomeando nós
duas (como fizera em uma conversa informal que tivemos anteriormente), e continua com
muitas perguntas, mas não endereçadas a mim. As perguntas de Sofia relatam, através do
discurso direto, a forma com que ela provoca nos alunos a reflexão sobre os textos estudados
em sala de aula. Prossegue explicando seu objetivo com isso ao empregar a locução Para
que, o identificador ele, que nomeia o aluno, o modal possa (com sentido de seja capaz, tenha
a possibilidade) junto ao processo mental tomar consciência e do complemento do contexto
onde ele vive. E termina usando o identificador eu (auto-referencial), a modalidade subjetiva
acho e, mais à frente, o pronome possessivo nosso (inclusivo), de forma a me incluir na
99
mesma perspectiva trabalhada por ela, junto do complemento papel é tentar mostrar isso
pros alunos... como fechamento de sua explicação. Nesse exemplo, Sofia traz à tona o regime
capitalista e a relação explorador e explorado, que o sustenta a partir de um tema de interesse
dos alunos (meio ambiente), com o objetivo de mostrar que a reflexão a qual se refere quer
desmascarar ideologias imersas nos discursos por mais despretensiosos que possam parecer.
Por exemplo, em um texto sobre o meio ambiente, as relações sociais, econômicas e
socioculturais dominantes se fortalecem, embora estejam naturalizadas nos discursos que as
permeiam. Sofia tenta mostrar que nessa perspectiva, o professor consciente do seu papel, tem
responsabilidade no processo de tomada de consciência do aluno. Se não tiver, por outro lado,
a sua responsabilidade social e profissional fica comprometida.
No trecho apresentado acima, Sofia refere-se ao excerto 2 das análises, em especial em
relação as linhas 15 a 17, em que fala sobre a desigualdade, a maldade e a ganância que
existem no mundo. Posso dizer que eu já havia entendido o que ela entende como sendo parte
do papel do professor, de “provocador” de reflexão, de tentar fazer com que os alunos
percebam a ideologia dominante dos textos em língua inglesa. Em suma, o papel de professor
crítico-reflexivo mesmo. O interessante foi ela trazer um exemplo para ilustração.
Excerto 2
Ah...outra coisa também....a inclusão dentro da perspectiva crítico-reflexiva...ainda é um
processo muito longo...eu não me vejo ainda como professora completamente crítica e
reflexiva....Por quê?...porque....porque eu acho que a gente assim...por mais que a gente
tenha formação acadêmica, por mais que a gente tenha consciência...por mais que a gente
se importe com os alunos... por mais que a gente queira fazer pelo outro...em determinados
momentos parece que a ideologia que perpassa aquele contexto é tão cega, tão forte que
a gente acaba agindo e reproduzindo determinadas ideologias de desigualdades... há
uma coisa muito forte mesmo que...mesmo porque... mesmo a gente refletindo...a gente é
levada a isso... mesmo que a gente tente... Na hora de preparar as aulas....que a gente tá
preparando um texto pra um certo contexto...e depois tem debate entre os alunos...de
formações ideológicas diferentes...aí é hora de a gente parar e dizer...”Peraí
colega”...”vamos pensar juntos”...”eu acho que não é bem por aí”...vai além de se
preocupar com conteúdo contextualizado...é estimular a reflexão crítica entre os alunos pra
buscar mesmo a transformação social, que eles se sintam estimulados a pensar...a se
libertar..mas pra isso eu tenho que lutar...sempre...
100
Nesse excerto 2, Sofia explica melhor o que entende por trabalhar na perspectiva
crítico-reflexiva, que vai além de preparar material contextualizado, que é um caminho árduo
e que o risco de reproduzir o discurso dominante é muito grande. Há a alternância dos
identificadores eu (auto-referencial), a gente (inclusivo) e eles (que nomeia os alunos). O
emprego do identificador eu revela seu comprometimento com a perspectiva crítico reflexiva,
a forma nominal a gente, revela sua intenção de incluir não só a mim, mas a todos os que
trabalham nessa perspectiva, e eles (exclusivo) para demarcar a sua ação em relação a seus
alunos. A utilização dos identificadores demonstra como Sofia se relaciona e interage com os
que estão inseridos no contexto escolar.
Ao dizer “eu não me vejo ainda como professora completamente crítica e
reflexiva...,” emprega o processo mental de percepção vejo para revelar qual é a percepção
que tem sobre si mesma como professora crítico-reflexiva, revelando acreditar que o caminho
é longo e que sabe disso. Utiliza a locução conjuntiva por mais que (oração subordinada
adverbial proporcional) diversas vezes, demonstrando a tentativa repetida de enquadramento
na perspectiva crítico-reflexiva. Utiliza também a locução conjuntiva mesmo que e mesmo +
gerúndio (a oração subordinada adverbial concessiva) para sinalizar sua constante luta para
trabalhar nessa perspectiva, apesar de todas as dificuldades e percalços já enfrentados, e dos
que ainda virão. O processo relacional tenha é empregado em relação à formação acadêmica
e à consciência; os processos mental queira e comportamental se importe, junto de por mais
que, revelam que, apesar do esforço, nem sempre se consegue ficar livre dos efeitos
ideológicos do discurso dominante. Sofia demonstra seu conhecimento das implicações de ser
um professor crítico-reflexivo e das contradições presentes no cotidiano escolar.
Entretanto, sua disposição para continuar trabalhando nessa perspectiva é reforçada
quando diz: “mas pra isso eu tenho que lutar... sempre...”. Aqui, mais uma vez, Sofia
constrói uma metáfora, ao escolher o processo material lutar e a modalidade deôntica tenho
que com o identificador eu (autorreferencial) e ainda reforçado pelo advérbio de frequência
sempre como modalizador. É interessante destacar como a construção metafórica que Sofia
faz na última parte do excerto revela várias facetas do professor crítico-reflexivo. A escolha
pelo verbo lutar retoma uma metáfora usada por ela anteriormente (batalha), quando falou
sobre a transformação social, o que reitera a ideia de que a inserção na perspectiva crítico-
reflexiva é um processo que exige engajamento e disposição. Ao usar o identificador eu e a
modalidade deôntica tenho que que expressa seu comprometimento com
obrigatoriedade/necessidade de trabalhar dentro da perspectiva que escolheu seguir e,
101
finalmente, ao empregar o modalizador (advérbio de frequência) sempre, revela sua
consciência acerca da prática crítico-reflexiva, que é processo constante e eterno.
Além disso, nesse trecho Sofia esclarece o que afirmou em excerto/proposição
anterior, quando usou a metáfora do conta gotas para explicar como se dará a mudança que
ela acredita ser possível. É humilde o bastante para admitir que não está totalmente isenta da
ideologia dominante – situação comum, mas que às vezes é imperceptível para algumas
pessoas – e que não basta a formação sem o contínuo trabalho reflexivo.
Na afirmação, “há uma coisa muito forte mesmo”, a utilização do advérbio mesmo
(com o sentido de: de fato; realmente; fora de dúvida) enfatiza ainda mais a ação do advérbio
de intensidade muito no adjetivo forte. A coisa à qual se refere é a ideologia que está a sua
volta desde o nascimento e que, nos termos de Bahktin (1988), representa as forças
centrípetas que estão em constante luta contra as forças centrífugas.
Excerto 3
Uma coisa que você colocou na análise sobre a imagem do professor de inglês... de como a
gente se vê e como é visto...é bem isso mesmo... é incrível mesmo...é um estigma...difícil
de mudar...você entendeu direitinho o que eu acho...parece que está enraizado...outro dia
aconteceu mais uma vez... é o preconceito mesmo... vou te contar...um professor que
trabalha comigo me perguntou: Qual que é teu objeto de estudo do Doutorado? O que você
está pesquisando?...aí eu falei...”Trabalho com a questão do material reciclável...com o
discurso dos catadores de material reciclável...e ele...”Material reciclável? Como assim? Você
é tão burguesinha... vai trabalhar com catador?...[risos] aí eu disse “Eu??? burguesinha?”,
“De onde você tirou isso?, Você é professora de inglês, todo professor de inglês é
burguês...vem trabalhar com o teu carrinho preto, toda...toda...e vai trabalhar com catador????
Por que você vai trabalhar com catador?...aí eu tive que sentar...explicar pra ele todo o meu
projeto...aí no final ele falou...Pois é...nunca imaginei você se importando com o lado
social...nunca mesmo...Gente, como é que se cria isso dentro da escola? Como pode? A gente
tem o mesmo salário...trabalha no mesmo lugar...por que é visto de forma tão diferente? Eu
não entendo...
Nesse terceiro excerto, a análise está focada nas modalidades. Sofia emprega a
modalidade subjetiva acho para revelar sua opinião sobre a análise feita por mim, bem como
a modalidade categórica é ao afirmar: “é bem isso mesmo”... “é incrível mesmo”... “é um
102
estigma”.... “é o preconceito mesmo...” concordando assim com minha análise. No meio da
narrativa, resolve contar um caso pessoal para ilustrar o preconceito contra o professor de
inglês, aí emprega o discurso direto. Nesse trecho, você (nomeia a própria Sofia) e o pronome
pessoal ele (nomeia o professor, colega de Sofia, interlocutor da história narrada por ela). No
final da narrativa, emprega a modalidade deôntica tive que, para revelar o seu
comprometimento com a necessidade de aos poucos tentar afastar a imagem preconceituosa
que se tem do professor de língua inglesa.
Vale ressaltar que eu já havia entendido o desconforto e a indignação de Sofia em
relação à imagem que se tem de nós, professores de língua inglesa. No entanto, dessa vez,
Sofia falou disso sem rodeios, sem usar a voz passiva, revelando suas ações e percepções
acerca desse tema.
Em suma, acredito ter atingido boa parte do objetivo ao emprender a análise do dizer de
Sofia. A imagem refletida no espelho, que representa a minha análise do dizer dela, coincide
em grande parte com a imagem que ela mesma tem do seu dizer. Sendo assim, Sofia se
reconhece no espelho, salvo algumas distorções as quais considero dentro da normalidade. De
acordo com essa análise, e com a própria participante, a visão que adquiri ao longo deste
estudo do dizer de Sofia é compatível com a forma como ela se vê.
103
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discussão e implicações
Como exposto na introdução, este trabalho foi motivado pela inquietação de perceber
que o discurso falacioso do ensino de língua inglesa na escola pública só contribui para
cristalizar desigualdades e preconceitos, além de estar primordialmente centrado na questão
da formação inicial e continuada dos professores. Assim sendo, esta pesquisa foi alicerçada na
hipótese de que o professor em formação crítico-reflexiva teria maiores condições para
enfrentar os desafios impostos pela prática docente.
Pergunta de pesquisa 1- O dizer da professora, em formação dentro da perspectiva
crítico-reflexiva, participante dessa pesquisa, encontra-se em consonância com os
fundamentos dessa prática?
De acordo com Libâneo (2002 p. 63), as características do professor crítico-reflexivo
são: fazer e pensar, a relação teoria e prática; agente numa realidade social construída;
preocupação com a apreensão das contradições; atitude e ação críticas frente ao mundo
capitalista e sua atuação; apreensão teórico-prática do real e reflexidade de cunho sociocrítico
e emancipatório. Abaixo, discuto os tópicos que emergem no dizer de Sofia e sua relação com
os fundamentos da prática crítico-reflexiva.
O dizer de Sofia demonstra nuances diferentes de acordo com o assunto discutido.
Quando aborda a questão do ensino de inglês na escola pública, fala de forma mais assertiva e
“inflamada”, demonstrando sua indignação frente à falta de ações públicas efetivas. Ao relatar
sua afinidade com a prática crítico-reflexiva, demonstra suas tentativas de provocar a reflexão
entre seus alunos, revela seu conhecimento acerca das teorias que permeiam essa prática e
mostra-se sabedora das limitações do contexto da escola pública.
Em relação à visão do professor de inglês da escola pública, rejeita a imagem, o rótulo
que a sociedade parece querer impor a todos que têm essa profissão indistintamente.
Entretanto, o seu dizer mostra-se conflituoso, divide-se entre o discurso integrativo e o
emancipador. Segundo Cox e Assis Peterson (2008), o “discurso integrativo” reproduzido por
professores de inglês está ligado à ideologia neoliberal, eles procuram fundamentá-lo em uma
suposta neutralidade, como instrumento de acesso ao mundo “globalizado”. Os que se filiam
ao “discurso emancipador” reproduzem a ideologia conectada às questões sociais, éticas e
104
políticas e que vê a língua inglesa como língua “franca”, “internacional”. Sofia mostra sua
filiação ao discurso emancipador ao defender o aprendizado de língua inglesa como essencial,
parecendo, a princípio, ignorar o caráter iminentemente ideológico da língua falada pela
nação mais poderosa do mundo, mas, ao revelar-se ciente do peso do imperialismo
linguístico, sua indecisão fica implícita na preocupação de que esse discurso de fricções entre
o dominante e o dominado sobreponha à urgência do ensino de língua estrangeira na escola
pública. Ao longo das três entrevistas realizadas com Sofia, todos os temas relevantes à
prática crítico-reflexiva emergem e são desvelados no dizer de Sofia.
No que concerne à emancipação, Sofia demonstra ter o que Bhaskar (2002, p. 239)
chama de “impulso emancipatório”, que está ligado a um desejo de compartilhar objetivos
coletivamente, um sentimento de solidariedade. A solidariedade e um forte senso de
coletividade são percebidos em Sofia, por suas ações não somente no contexto educacional,
mas também fora dele. Ela reporta que, desde criança, sempre esteve envolvida com trabalhos
sociais, e depois de terminar seu mestrado, demonstra duas características muito importantes
na construção identitária como professora crítico-reflexiva. Mostrou sua “identidade de
resistência” (RESENDE, 2009), ao se rebelar contra a insuficiência de carga horária e a falta
de vontade política de empreender mudanças, ao escrever um projeto que coloca a língua
inglesa (ou espanhola ou outra língua qualquer) fora da grade curricular, oferecendo-a como
um curso regular de idioma, no modelo de um curso livre, mesmo sabendo que se aprovado
isso seria uma ação local, na escola onde trabalha. Sofia demonstra conhecimento a respeito
das políticas públicas, das limitações e das amarras do sistema que impedem ações maiores.
Quanto à “identidade de projeto” (RESENDE, 2009), Sofia também demonstra tê-la, quando
implanta um projeto de formação continuada crítico-reflexiva de professores, com um grupo
de estudos em Várzea Grande. Embora o grupo não tenha sido certificado pelo CEFAPRO, a
atitude de Sofia demonstra “a reflexão ligada a ação” postula por Freire (1996) e Perrenoud
(2002) como essenciais dentro desse paradigma.
Segundo Papa (2005; 2008), a prática do professor no paradigma crítico reflexivo deve
estar pautada em uma preocupação com a transformação social e a emancipação. Essa
possibilidade de transformação deveria ter início no contexto (micro) onde o professor está
inserido, sempre com vistas ao contexto macro. A transformação social que Papa defende é
aquela que acontece, primeiramente, pela percepção do discurso hegemônico que permeia a
sala de aula e a escola, e que naturaliza desigualdades e preconceitos. O papel do professor
seria construir junto com seus alunos um contradiscurso capaz de impulsionar ações conjuntas
que possam melhorar as condições sociais. Quanto à emancipação, é preciso que,
105
primeiramente, o professor emancipe-se, o que implica em uma obrigatória reflexão da
estrutura interna de crenças, valores, sentimentos e identidades. Sofia demonstra ter
ultrapassado esse nível, não somente através do seu “dizer” (teoria), mas também, e
principalmente, pelo seu “fazer” (prática). Mesmo não sendo completamente bem sucedida,
Sofia demonstra coragem de empreender ações que visam à emancipação e a transformação
social, essenciais na perspectiva da prática crítico reflexiva.
As atitudes características de um professor crítico-reflexivo elencadas por Libâneo
(2002), que pontuei no primeiro parágrafo, Sofia revela ter ou estar desenvolvendo de alguma
forma. O fazer e pensar se revelam à medida que a representação discursiva da ação caminha
junto à reflexão na prática docente de Sofia. Ela mostra sua preocupação em que os alunos
percebam que o papel de fazer está no conjunto, em ações coletivas e que não interessa muito
se as idéias surgem por parte dos alunos ou por parte do docente. Ainda em relação à prática
crítico-reflexiva, Sofia procura refletir criticamente antes, durante e depois da ação, de acordo
com o modelo proposto por esse paradigma: a relação teoria e prática. Sofia revela ter
conhecimento da teoria e das possíveis limitações de aplicá-las na prática, como agente numa
realidade social construída. Essa característica é marcante em Sofia, que não dissocia a
questão social de sua prática docente. Mesmo sabendo das limitações que a realidade social
do contexto em que atua lhe impõe, ela não desiste de implantar e propor projetos de melhoria
para a comunidade. A preocupação com a apreensão das contradições permeia toda a
prática de Sofia. A professora participante é constante e até “vigilante”, mais especificamente
em relação à forte ideologia nos discursos em língua inglesa. Reconhece a necessidade de
chamar a atenção dos alunos para as questões ideológicas, além de assumir o fato de “lutar”
contra a força da ideologia dominante que, às vezes, mesmo sem querer reproduz. Atitude e
ação críticas frente ao mundo capitalista e sua atuação são características visíveis no dizer
e no fazer de Sofia; mesmo quando se divide entre o “discurso integrativo” e “emancipador”,
revela ter consciência dos perigos da naturalização e reprodução das desigualdades e
preconceitos. E, finalmente, a apreensão teórico-prática do real e reflexidade de cunho
sociocrítico e emancipatório que Sofia demonstra ter quando luta pela emancipação e
transformação apesar de todas as dificuldades sociais, políticas e econômicas presentes na sala
de aula (contexto micro) e na sociedade como um todo (contexto macro). Sofia revela sua
inserção nessa perspectiva ao falar das teorias crítico-reflexivas e em suas ações de cunho
social de natureza transformacional e emancipatória.
Na última entrevista, Sofia disse: “Eu não acho que eu possa dizer que sou uma
professora crítico-reflexiva ainda, tenho um longo caminho pela frente, tenho que vencer
106
muitas contradições, nem sei se algum dia poderei dizer que o sou”. Essa “fala” de Sofia me
fez acreditar que realmente trata-se de uma professora em formação crítico-reflexiva,
consciente das contradições e armadilhas que esse caminho reserva; sempre disposta a encarar
os desafios impostos por essa prática.
Pergunta de Pesquisa 2- As modalidades presentes no discurso da professora revelam
comprometimento e engajamento em relação a sua prática pedagógica?
Para responder essa pergunta, no decorrer do estudo, tomei por modalidade o conceito
retomado por Fairclough (2003) do conceito de Halliday (1994). As modalidades serviram de
base para delinear a construção identitária de Sofia como professora crítico-reflexiva em
processo de formação.
O texto de Sofia apresentou alto grau de subjetividade, revelado pela presença da
modalidade subjetiva (acho, acredito, penso) junto dos identificadores “eu” (autorreferencial)
que demonstram o comprometimento e engajamento em relação a sua prática docente crítico-
reflexiva, embora isso se deva, em parte, às condições impostas pelo gênero discursivo
utilizado (entrevista). O uso dos identificadores, nós/a gente (inclusivo) revelam sua
solidariedade com os professores que vivem as mesmas angústias, sentem o mesmo
desamparo, abandono e lutam pelas mesmas causas.
A modalidade deôntica, que expressa o comprometimento com a
obrigação/necessidade, aparece quando Sofia aborda as questões sociais que permeiam o
contexto educacional, especialmente nos excertos 3 e 4 em que defende o ensino crítico-
reflexivo e enfatiza o papel do Estado em relação à Educação.
Já a modalidade epistêmica, que revela o comprometimento com a “verdade”, aparece
para discutir questões como a responsabilidade social como educadora.
Quanto à modalidade objetiva, que não expressa o grau de afinidade do falante com a
proposição, e que por essa razão, pode estar agindo como um veículo para o ponto de vista de
um outro indivíduo ou um grupo, aparece com pouca frequência, seja para abordar a questão
de como o professor de inglês é visto, seja para explicitar a visão que o Estado tem em relação
ao ensino de língua inglesa na escola pública.
A modalidade subjetiva foi a mais recorrente no dizer de Sofia e revelou o alto grau de
comprometimento de Sofia com todas as questões que permeiam a dicotomia teoria/prática
crítico-reflexiva, sua prática pedagógica nessa perspectiva, bem como seus eventuais
desdobramentos.
107
Além das modalidades elencadas acima, que foram retomadas por Fairclough (2003) e
reconfiguradas a partir de Halliday (1994), outras “categorias” devem ser consideradas como
os verbos modais “poder”, “ter permissão” e “dever”, os advérbios modais “possivelmente”,
“certamente”, “provavelmente”, particípios com função de adjetivos “requerido”, “exigido”,
“obrigado”, adjetivos modais “possível”, “provável”, “certo”, advérbios de freqüência
“sempre”, “nunca”, “às vezes”, “frequentemente”, discurso indireto, expressões mitigadoras
que denotam imprecisões no discurso “um tanto”, “meio”, “eu não sei se”, “como você sabe”
e os processos “cativar”, “atrair”, “mover” para fazer comentários.
A maior parte dessas formas modalizadoras aparece no dizer de Sofia, desvelando
assim, pouco a pouco, sua construção identitária na perspectiva crítico-reflexiva.
A identidade de Sofia, que está em processo de construção nesse paradigma, apóia-se
nos conceitos basilares da teoria/prática crítico-reflexiva. Sofia demonstra sua afinidade com
as questões sociais que moldam sua prática pedagógica. As dúvidas e certezas de Sofia
emergem em seu “dizer” de professora de inglês de escola pública. Sua indignação e
inconformismo estão presentes nas escolhas por modalidades categóricas; suas dúvidas, no
emprego da modalidade objetiva; suas afinidades com a perspectiva em que trabalha, na
modalidade subjetiva; seu comprometimento com a “verdade”, por meio da modalidade
epistêmica e por meio da modalidade deôntica, a necessidade/obrigatoriedade de ações
individuais (suas) e do “Estado”, que Sofia nomeia como o principal responsável pela garantia
de educação pública de qualidade.
Pergunta de Pesquisa 3-As marcas linguísticas presentes em seu discurso denotam
mudanças em sua prática pedagógica em relação à formação para a prática crítico-
reflexiva?
Para responder essa pergunta, no decorrer da pesquisa, utilizei os pressupostos de
Halliday (1994) em consonância com a ADC de Fairclough (1989; 2003), no sentido de
revelar “se e de que forma” as escolhas léxico-gramaticais feitas pela professora denotam
mudança em sua prática pedagógica.
Começo a responder através da metafunção ideacional e seus processos. A alta
densidade de processos materiais no dizer de Sofia me permite afirmar que há um constante
movimento de “fazer”, de tentar adequar-se à prática crítico-reflexiva, acertando e errando,
mas continuando.
108
Os processos mentais de cognição, percepção e afeição, também são bastante
frequentes, revelando os sentimentos e percepções de Sofia em relação à sua prática. Algumas
vezes, os sentimentos misturam-se às percepções, ficando difícil dizer se de alguma forma a
reflexão cede lugar à emoção. Independente de o processo reflexivo ser constante ou não, a
afiliação e afinidade de Sofia em relação à perspectiva crítico-reflexiva são visíveis em suas
construções discursivas.
Os processos relacionais, que são os processos de ser, revelam-se como papel de
identificação para revelar sua solidariedade e afiliação àqueles que estão em situação de
desigualdade, desde muito cedo (adolescência).
Os processos comportamentais e existenciais apareceram com menor frequência.
Os processos comportamentais (comportamentos físicos ou psicológicos), quando
empregados no dizer de Sofia, foram representados pelos processos ver, olhar, preocupar-se e
importar-se, os quais são iniciados mentalmente e podem realizar-se como processo material.
Esses processos revelam não somente as percepções, preocupações, visões de mundo de
Sofia, mas também a sua vontade e seu empenho em ações que, de alguma forma,
modifiquem para melhor o contexto em que ela trabalha, em um primeiro momento, para,
mais tarde, empreender mudanças de vulto no contexto macro.
Já os processos existenciais, “há” e “existe”, são empregados por Sofia para revelar
sua preocupação em relação à existência de opressão, desigualdade e preconceitos (em sua
forma afirmativa). Por outro lado, a forma negativa desses mesmos processos “não há”, “não
existe”, “não tem” (que no português brasileiro é igual a haver/existir) demonstra sua
indignação com a falta de políticas públicas efetivas para a melhoria da educação e a omissão
do Estado em relação a isso. Os processos existenciais revelam o empenho de Sofia na
mudança, transformação. Sua posição não é a de conformismo, acomodação. Ela revela
através dos processos existenciais o que há/existe ou não há/não existe, mas que deveria ou
não haver/existir. Suas ações partem de suas constatações.
Os processos verbais, que são os processos de dizer, revelam sua necessidade de
relatar o que é dito por ela e outros, utilizando-se mais do discurso direto do que do discurso
indireto. Os processos verbais demonstram as ações de Sofia na (re)construção de sua prática
docente no paradigma crítico-reflexivo.
A metafunção interpessoal, que se relaciona aos sistemas de modo e modalidade,
ajudaram a revelar as intenções de Sofia na interação, exprimindo atitudes e julgamentos em
maior ou menor nível de comprometimento com suas proposições.
109
Como o foco deste estudo foram as práticas discursivas de Sofia, seus valores, crenças,
sentimentos e identidades foram revelados através das Metafunções Interpessoal e Ideacional,
o que descartou o detalhamento sobre a Metafunção Textual.
O estudo de Pennycook (1994) em relação ao papel político dos pronomes possibilitou
revelar como Sofia constrói suas relações sociais, incluindo ou excluindo “atores”, fazendo-se
protagonista, coadjuvante ou espectadora de sua construção como professora de inglês da
escola pública, em formação no paradigma crítico-reflexivo.
O uso do pronome pessoal eu é, na maior parte das vezes, auto-referencial,
principalmente quando Sofia relata suas ações e reflexões frente às mais diversas questões. É
usado com menos frequência para demonstrar oposição a “você” ou “ele(a)/eles(as)”,
indicando assim rejeição ou um pensar/fazer diferentes de “outro(a)/outros(as) e também no
uso do discurso direto, nomeando outra(s) pessoa(s).
Já o emprego de eles/elas é exclusivo e demarca normalmente uma não
afinidade/filiação ou concordância, diferentes crenças, ideias e ações, frequentemente
contrárias às de Sofia.
No que concerne ao uso do pronome nós ou do identificador a gente, que em
português têm o mesmo significado, são usualmente empregados para mostrar afiliações,
afinidades e solidariedade de Sofia de forma inclusiva. Aparecem bastante para falar de
pessoas que, como Sofia, trabalham na perspectiva crítico-reflexiva, ou têm preocupações
sociais e políticas, ou seja, ligadas à militância social e visem à melhoria/transformação
social.
O pronome ele nomeia geralmente o professor (geral como classe/categoria) ou o
aluno. Quando nomeia o professor, parece revelar uma tentativa de distancia-se, colocar-se de
fora do processo para ter uma melhor percepção dele. Quando nomeia o aluno, tem caráter de
individualidade, talvez para demarcar diferenças subjetivas entre os alunos.
E, por fim, o pronome você, que, para Pennycook (1994), é exclusivo e nomeia outro
contrário/oposto a “eu”. Entretanto, vale ressaltar que esse aspecto do estudo de Pennycook
parece incompatível com o emprego que Sofia faz desse identificador. Maitland e Wilson
(1997) retomam a formulação de Laberge e Sankoff (1980) e denominam você (you) como
inserção situacional ou como formulação de truísmos morais. Como forma de inserção
situacional, “surge quando o falante converte sua experiência pessoal em algo que pode ser
partilhado com o destinatário” ou como formulação de truísmos morais (MAITLAND e
WILSON, 1997 apud PAPA, 2008 p.55) que “aparecem como reflexões baseadas na
sabedoria convencional em oposição às experiências atuais”. No dizer de Sofia, o emprego do
110
identificador representa, na maioria das vezes, “inserção situacional”, partilhando suas
formulações comigo (na condição de destinatária) e outros (que venham a ler suas
proposições).
Destarte, cabe afirmar que o uso de processos, pronomes, auxiliares verbais e
modalizadores, contribuíram para a caracterização identitária de Sofia, como professora
afiliada à prática crítico-reflexiva. Os resultados obtidos pela análise evidenciam um forte
sentimento de afinidade e afiliação com seu exercício de professora de língua inglesa da
escola pública, no paradigma crítico reflexivo. Isso não significa dizer que o caminho
escolhido por Sofia esteja livre de contradições, enfrentamentos e lutas com ela mesma e com
a sociedade.
Limitações e contribuições do estudo
A ineficácia do ensino de língua inglesa na escola pública é decorrente de vários
fatores, como carga horária insuficiente, falta de laboratórios de línguas e material didático
apropriado, turmas numerosas e formação inadequada de professores.
Nesta pesquisa, minha escolha foi investigar o dizer (texto) de uma professora de
inglês da escola pública, em formação crítico-reflexiva. Foram gravadas entrevistas e, por
meio do dizer da professora, busquei verificar se um professor em formação nesse paradigma
estaria melhor preparado para gerir sua prática e enfrentar os desafios do cotidiano escolar. A
pesquisa foi realizada dentro da perspectiva crítico-reflexiva, com as análises realizadas
através dos princípios da ADC de Fairclough (1989; 2003) em consonância com a GSF de
Halliday (1994) e o estudo sobre o papel político dos pronomes de Pennycook (1994).
Os resultados do estudo evidenciaram a luta de uma professora de língua inglesa na
escola pública por melhores condições de trabalho, pela prática crítico-reflexiva na sala de
aula, por emancipação e transformação social através da educação. Existem muitas vozes
conflitantes com o paradigma crítico-reflexivo de formação de professores. A luta de Sofia
por um espaço onde seja possível refletir e também promover a reflexão crítica é diária. Ela
revela ter conhecimento dos entraves burocráticos dessa prática, da força da ideologia
dominante presente nos discursos de língua inglesa e das dificuldades de transpor a barreira
entre a teoria e a prática reflexiva. Sofia demonstra ter transposto essa barreira. Entretanto, ela
não se considera, segundo suas próprias palavras, “uma professora completamente crítico-
reflexiva”, pelo fato de, às vezes, o contexto em que está inserida não permitir essa prática, ou
até porque é atravessada pela força da ideologia dominante.
111
Os resultados deste estudo me permitem apontar algumas limitações e contribuições
da perspectiva crítico-reflexiva na formação inicial e continuada de professores bem como do
presente estudo.
Em relação às limitações do estudo, percebi que deveria ter acompanhado e interagido
mais com Sofia em diferentes contextos, que não o escolar. Como interlocutora, também
poderia ter me envolvido mais e colocado minha voz. O fato de ter restringido meu papel
como interlocutora nas entrevistas e conversas informais, talvez tenha se dado ao fato de ser
uma pesquisadora também em formação. Todavia, a não observação de Sofia em outros
contextos, deu-se em função de dois motivos principais: em primeiro lugar, Sofia encontra-se
em processo de qualificação no doutorado, com uma agenda bastante atribulada desde o início
de 2009 e, em segundo lugar, eu enfrentei momentos difíceis de cunho pessoal que me
impediram de ampliar o escopo da pesquisa.
Quanto às contribuições do estudo, destaco três aspectos. Primeiro, os resultados da
prática crítico-reflexiva no ensino de língua inglesa mostra-se possível, apesar de todas as
barreiras impostas no contexto educacional. Segundo, é imperiosa a necessidade do Estado,
através do CEFAPRO (Centro de Formação e Apoio aos Profissionais da Educação) e da
SEDUC oferecerem cursos de formação para os professores de língua inglesa a fim de que
adquiram/ampliem a proficiência linguística. Depois disso, mais seguros, possam exercer seu
papel político, como professores crítico-reflexivos. E terceiro, que os professores percebam
que esse é um caminho longo e sua formação nunca estará completa, é um processo constante
e sem data para acabar.
Para concluir, depois de acompanhar a luta de Sofia para estabelecer-se como
professora de inglês da escola pública na perspectiva crítico-reflexiva, mais do que nunca,
acredito que, enquanto o Estado não cumprir seu papel em relação à Educação Pública no
Brasil, todo o esforço feito pelos professores e pela sociedade não será suficiente. Investir na
educação significa, necessariamente, investir na formação inicial e continuada de professores,
garantindo-lhes condições dignas de trabalho. Os professores precisam ganhar um salário que
lhes permita estudar, pesquisar para aplicar seus conhecimentos em sala de aula. Entretanto,
não se pode negar que é apenas a partir da mobilização de professores e sociedade,
principalmente através da reflexão crítica, que as mudanças de grande vulto podem acontecer.
112
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Transcrição das perguntas e respostas utilizadas na análise
1)Mudou alguma coisa trabalhar na perspectiva crítico-reflexiva Sim... Bem o que mudou... eu acho assim... a parte reflexiva fica mais aflorada...fica mais
evidente no teu trabalho....você fica mais consciente do teu trabalho...você fica mais crítico
em relação ao teu trabalho...você procura levar textos e questões que tenham mais a ver com o
contexto dos teus alunos...você fica mais crítica em relação ao que você dá pro teu aluno e o
que você espera dele...mas este ano está sendo um ano funcional muito conturbado né..
porque....saí da sala da aula de ensino superior e no estado a escola que eu trabalho tava em
reforma... então... comecei bem...legal....num esquema que a gente chama de “muvuca”,
ficamos num galpão...divididos por tablados...aí tive problema de voz...tive que me afastar da
escola..e fiquei um tanto quanto frustrada...porque quando você sai do mestrado...você ta
ansiosa por fazer um belo trabalho na escola...aí voltei mas ficou bem truncado...enfim..mas o
que eu acho que muda mesmo é a maturidade....eu acho que profissionalmente eu amadureci
bastante...assim quando você vai dar um determinado conteúdo pro aluno....eu penso
assim...pra que isso vai servir isso...eu acho que fiquei um pouco mais focada...
2) Por que escolheu trabalhar nessa perspectiva?
Acho que nada é por acaso... eu sou apaixonada por grupos que trabalham com a exclusão
social...desde criança praticamente...ou melhor desde os meus 14 anos..acho que eu estava na
oitava série...eu estava sempre envolvida em projetos de solidariedade...trabalhava com
catecismo com as crianças de periferia...nossa como eu gosto de fazer alguma coisa pelos
outros...os que estão em situação de desigualdade...São coisas que a gente faz de
coração...Quanto à formação de professores...isso é muito importante...você tem que estar
consciente que muita gente passa pelas tuas mãos...você tem responsabilidade...o mundo tem
que ser mais justo... a gente pode fazer alguma coisa..isso me deixa muito inquieta...eu
sempre me pergunto o que a gente pode fazer...pra melhorar...pra fazer diferença neste mundo
tão desigual...as pessoas cada vez mais não se importando...a maldade..a ganância...gente
querendo tirar vantagem, proveito em tudo...isso me incomoda ...muito.....é impossível
alguém não ser reflexivo...mas e daí o que fazer com isso..é aí que entra a teoria...
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3) Como você acha que o professor de inglês se vê e é visto?
Eu acho que são várias coisas... Você dentro da escola já é vista com outros olhos.. já é vista
como “chique” por falar inglês, quando na verdade isso é um direito de todo cidadão, faz
parte da formação...Criou-se o estigma de que falar inglês é chique, que não é uma questão
educacional, cultural...eu trabalho na rede estadual há 22 anos...e bato na mesma tecla...qual é
o papel do estado frente a formação dos alunos da rede pública como um todo... você não vê
nada acontecendo em relação ao ensino da língua estrangeira na rede pública...por que o
estado se omite em relação a isso.. os professores ficam a mercê disso..perdidos... isso é uma
angústia...minha...eu estando na rede...não tem nenhum incentivo...eles vêem como luxo,
como reprodução do sistema capitalista, como um luxo, que só a elite tem direito a isso eles
não vêem que a língua inglesa não é dos Estados Unidos...não só...se fala na África do Sul, na
Jamaica..., na Guiana Inglesa. aqui pertinho.. quer dizer não é só dos EUA...apesar da gente
saber do imperialismo linguístico...ah mas tem a questão do capitalismo, do mercado de
trabalho...tudo... ...mas não é só isso..língua estrangeira nada...poderia ser qualquer língua
estrangeira mas o estado precisa fazer alguma coisa a respeito...mas o estado negar o direito
de aprendizado de uma língua estrangeira...acho isso o fim...não defendo só a língua
inglesa...poderia ser o espanhol, o francês, o alemão, o mandarim...o inglês...qualquer língua
desde que fosse levada a sério.....que dessem condições de trabalho...ah ...coloca o
espanhol...ah tá tirando o inglês.... colocando o espanhol...mas não vai aprender nada mesmo
como se a questão fosse essa...a questão são as condições de trabalho...o descaso mesmo...eu
vejo assim quando dizem..que chique..aquele aluno que se sobressai..ressalto a importância da
língua inglesa no mercado de trabalho...e tento minimizar o impacto dessas falas...falando do
lado cultural...deixar de lado essa coisa de achar que a língua inglesa é expressão do
capitalismo, do imperialismo...deixando de lado essa questão de dominante e
dominado...porque em países como Venezuela e Chile já vivem uma situação de
bilinguismo...com abertura de Mercosul...vai ser uma questão de sobrevivência e entrada no
mercado de trabalho...precisamos falar línguas e deixar de lado os preconceitos....não adianta
a gente querer se enganar...no mercado vencer quem tá melhor preparado..
4) Você acha importante o professor posicionar-se politicamente?
Eu acho que sim...mas esse posicionamento crítico em relação as questões que surgem em
sala da aula e pequeno ainda....mas ..a questão da leitura em sala de aula faz o aluno refletir
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junto com o professor...poxa eu moro na favela..por que do meu lado tem uma mansão..o que
eu quero da vida...mas ta tudo muito no começo...mas mesmo com as orientações e tudo
mais...o professor ainda tem muita dificuldade..tem que ser uma vontade que brotar...é um
começo...é como diz a Celani com os grupos de estudo da PUC de SP, é pensar na
prática...mas lá é outro contexto..aqui as coisas são mais difíceis ainda...com o grupo de
estudos lá de Várzea Grande...é complicado com as condições que os professores tem...parece
que muitos preferem ficar com os olhos vendados...como diz o Mário Sérgio Portela..nós
somos professores de carreira..correndo de um lado pro outro... tem a questão financeira...mas
eu acredito que só professor se posicionando...ele vai ter mais chances...o ideal seria que o
CEFAPRO encampasse essa idéia e fizesse as coisas acontecerem...mas eu acredito que só a
gente querendo..a gente consegue mudar as coisas...
5) O que você entende por emancipação e de que forma ela pode configurar-se no
contexto educacional?
Para mim emancipação é você se livrar de todas as forças ideológicas que te escravizam em
seu contexto social, político, econômico e cultural. E como você se livra, se tornando
consciente, sabendo que nada acontece por acaso. Acho que quando você faz o aluno refletir,
você começa a deixá-lo com o pé atrás, e assim, ele começa perceber o que está por trás de
cada discurso.
6) A transformação social é possível através da educação? Se é possível, como?
Acho que somo pequenos soldadinhos que estamos nos preparando para uma batalha. É algo
em dose de conta gotas, mas é possível sim. Se todos os profissionais da educação,
trabalhassem com a política em sala, como dizia Paulo Freire, nós teríamos pessoas mais
engajadas e não exploraríamos e deixaríamos ser tão explorados.
7) E o Inglês chamado Instrumental no Ensino Médio Técnico?
Pois é...mas eu penso assim que ....essa questão do inglês instrumental... ou ESP como eles
chamam hoje...eu acho assim...se a carga horária fosse maior...daria pra trabalhar a
abordagem comunicativa... entendeu?...dentro da necessidade do ESP...como fazer uma
palestra....como apresentar um trabalho em inglês... daria pra você puxar isso pra realidade
também... só que não dá por causa do tempo... com a carga horária aí e com 40 alunos..não
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dá.... entendeu?... porque às vezes a gente fala em ESP...em instrumental...aí pensam..só vai
ler, ler, ler o tempo todo...e hoje em dia não é assim...não é mais só leitura...não consegue...eu
acho assim quando eu trabalho com o Ensino Médio... quando você puxa pra entrevista....você
pega...puxa trabalho com alunos de EM com a faixa etária de 14, 15, 16 anos...com esses
alunos não dá pra ficar naquele esquema antigo de leitura...leitura...eles querem uma coisa
mais dinâmica...um vídeo ...uma coisa assim...agora não dá pra pegar um livro de cursinho de
inglês ...e usar com eles....aí não dá...Não, não dá....Inclusive um livro que já foi adotado
aqui...e vai voltar...eu já te falei sobre isso...eu estive dando uma olhada... ele começa assim
de como escrever um e-mail ...aí depois uma parte de recepção, apresentações...ele não fica só
na leitura...só numa habilidade...aí você dinamiza, trabalha na abordagem
comunicativa....interação em sala...joguinhos...é nesse sentido que eu penso em trabalhar com
o primeiro ano né...segundo e terceiro ano vai ficar com o material que eu tô preparando a
parte...eles estão me cobrando sabe...porque a FULANA não adotou material...porque ela
preparava material e usava tudo igual pros 3 anos, 1º, 2º e 3º...eles estão me cobrando como
eu vou trabalhar...mas eu acho que vai ficar assim...o livro só para o primeiro... segundo e
terceiro....pelo menos por enquanto..vai ficar com o meu material...
8) Dentro dos três contextos que você já trabalhou, de que forma você acha que o
paradigma crítico reflexivo de transformação social se efetiva?
Deixa eu te falar...eu acho assim... você respinga s sementinhas...umas vão germinar...dar
frutos...outras não...vai dar vida a planta...o que eu percebo... e gosto de ficar cutucando eles
com a questão da responsabilidade social...do papel como cidadão...daí que vem a consciência
do papel...se a gente conseguir tocar neles que cada ser tem responsabilidade...dentro da área
que atua pelo menos...aí pode acontecer alguma mudança...transformação....eu acho que pode
florescer...mas se caí num terreno seco...aí não acontece nada...mas é como eu tô te falando...é
um trabalho de paciência...mas eu gosto assim... parece que eles tem uma certa
receptividade...quando você toca no papel deles enquanto químico, enquanto técnico em
alimentos, enquanto aluno do ensino médio, da escola pública, enquanto aluno de
agricultura..não dá pra conceber um técnico agrícola que não se importa com a natureza, com
a degradação ambiental...com um técnico de meio ambiente que não liga pra questão do
lixo...um dia desses eu estava na aula...e um dos alunos..jogou um papel no chão...aí eu
falei...puxa...quantas árvores você matou agora por causa dessa folha...um cara estudando
sabe...e ele começou a rir...quando eu estou na aula e há oportunidade eu gosto de provocar
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reflexão...de cutucar mesmo...mas é algo que já ta em mim...quando eu estava no estado por
exemplo eu ficava perguntando pros meus alunos do EM..o que você fazer da vida... pra que
você vai prestar vestibular...ah pra direito...ah odonto...ah jornalismo...e hoje ta fazendo o
que...aí eu geralmente puxo pra minha pesquisa...e é sempre assim não é?...você puxa pro teu
lado...aí começava a discutir questões ambientais...quem de vocês aqui já foi num lixão? Aí
eles falaram, ai professora..você acha que eu vou em lixão?...Quem aqui já viu os catadores de
rua?...Vocês já prestaram atenção neles?...Será que eles são importantes pra nós? .. até pra ver
as percepções da comunidade acerca do papel das pessoas como um todo...engajadas
socialmente ou não né...então eu gosto muito dessas coisas...e eu adoro conversar com os
alunos....antes de eu vir pra cá, na escola do estado, que passou por reforma...tudo
bonitinho...aí eu falei pra eles... Vocês lembram do ano passado e do começo do
ano?...Lembram como a escola estava?...e eles disseram...ih professora nem lembra disso...aí
eu disse pra eles que é importante lembrar que melhorou pra valorizar...dêem uma olhada nas
paredes...foram pintadas e já estão meio sujas...vocês tem que cuidar ...é nosso...é patrimônio
público... e eles disseram é mesmo né professora...e eles normalmente concordam...mesmo
que depois sujem, risquem...mas é papel nosso pelo menos tentar conscientizar...mas eu acho
assim quando eu paro e vou preparar o material...paro...fico pensando como é que eu vou
puxar isso pra realidade...
9) Em relação as conversas colaborativas que você usou pra fundamentar tua
dissertação..eu gostaria de saber se você tem uma parceria aqui...alguém para
dividir,colaborar....?
Não aqui não existe ninguém não...only me...estou sozinha...aqui não tem ninguém...é assim
como a escola ta se tornando independente agora...então agora que parece que tá se formando
o corpo docente daqui...nós temos o Paulo que está com literatura e língua portuguesa, a
Cleide que está com espanhol e língua portuguesa e eu com língua inglesa e portuguesa e aqui
quase todos os cursos tem inglês...então eu acabo ficando com mais aulas porque eu sou a
única de língua inglesa...então eu to sozinha...é tão ruim né...sem alguém pra trocar
figurinha... preparar aulas juntos...e seria tão bom que tivesse...não sei se num futuro próximo
teria...mas tem o Paulo de química que leva problemas escritos em inglês, ele gosta e
fala...então ele faz isso...as vezes eu sento com ele e a gente discute alguma coisa...mas é
pouco...a gente tenta mas é difícil porque sem a ajuda dele eu não entende nada...essas
conversas ajudam porque antes de eu montar o esquema das aulas...eu tive que conhecer um
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pouco das outras disciplinas...acaba sendo interdisciplinar...os alunos adoram...eles gostam de
me ensinar...eu falo pra eles que da química eu só conheço o H2O que parece que é água né
(risos) eles riem comigo e o CO2 né [risos]
10) Você acha que ficou melhor depois do mestrado pra você conduzir sua prática?
Bom...deixa eu ver....uma coisa é que eu fiquei mais pensativa, mais focada pra preparar as
aulas, analisando essa questão do student’s needs analysis, me preocupo mais agora...mas o
que frustra...quando você volta a sala de aula...é a comunidade mesmo...qual é a importância
que eles atribuem a língua estrangeira dentro do currículo escolar....que não são só os alunos
...é uma cadeiazinha de coisas....os alunos..a instituição....as políticas educacionais..o
Estado...na minha visão...eu e FULANAjá até escrevemos um projetinho pra cá...eu retiraria
todo o inglês das grades e ofereceria cursos...um aluno de ensino médio integrado passa
quatro anos aqui...se ele freqüentar um curso de inglês quatro anos...ou espanhol...ou
francês...seja que língua for sem essa questão da hegemonia linguística do inglês...qualquer
língua...se ele fizer quatro anos de curso...supre todas as necessidades...de proficiência
mesmo...pros técnicos por exemplo...nada disso de 40 horas...fica aqui dois anos...oferece
curso complementar de 300, 200 horas....alguma coisa que de fato atenda as necessidades dos
alunos...e satisfaça o ego do professor...de ver que o trabalho dá resultado...então o que
falta...e o que me frustra...é ver que a gente estuda, volta...você veja eu voltei..implantei um
grupo de estudos lá em Várzea Grande ...Cefapro não aprovou meu grupo...não foi
certificado....os professores não foram certificados...perderam cinco pontos...quer dizer...você
vê...investiram em mim dois anos...é um contra senso... pego tudo que eu aprendi no mestrado
pra aplicar na formação de professores...que é necessidade e ouvi da diretora técnica do
Cefapro que o inglês não é prioridade...que o problema da escola é outro...aí eu falei pra
ela...a senhora ta certinha...todos os professores são fluentes bem como os alunos...é rir pra
não chorar...
11) O que você acha da formação inicial e continuada dentro dessa perspectiva?
Acho que isso é um princípio ...acho assim que tudo se propõe pra que melhore é válido...eu
não sei muito da questão do currículo hoje...porque eu me graduei há muito tempo... o que
está sendo proposto, ofertado...mas uma coisa que eu falo é assim que dentro dessa linha
crítico-reflexiva, há a necessidade da graduação como você colocou de informar os
professores, formar...porque eles vão ser professores e multiplicadores dessa idéia...dessas
reflexões...mas se não for uma pessoa persistente...quando ele chega na sala de aula ele se
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acomoda...porque o olhar sobre o ensino de língua inglesa não é legal... ás vezes até quem é
engajado e persistente mesmo...desanima....
12) E a questão do material contextualizado?
Vamos pensar num contexto de sala de aula... Hoje eu estou em sala de aula no Ensino Médio
Técnico, que eu comecei agora em agosto...então o que acontece...você chega na escola e já
tem um esquema pronto...um plano de ensino já pronto, pré-estabelecido e por aquele plano
você só tem acesso ao conteúdo gramatical... e mais nada..