Dissertação Gisele
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
DISSERTAO DE MESTRADO
ARRANJOS PARA PIANO EM GRUPO:
um estudo sobre as decises, escolhas e alternativas pedaggico-musicais
GISELE ANDREA FLACH
Porto Alegre
2013
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GISELE ANDREA FLACH
ARRANJOS PARA PIANO EM GRUPO:
um estudo sobre as decises, escolhas e alternativas pedaggico-musicais
Dissertao submetida ao Programade Ps-Graduao em Msica daUniversidade Federal do Rio Grandedo Sul, como requisito parcial obteno de ttulo de Mestre emMsica, rea de concentrao:Educao Musical.
Orientadora: Prof. Dr. Jusamara Souza
Porto Alegre
2013
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AGRADECIMENTOS
Deus, pela vida e por me dar foras para vencer cada desafio.
minha me, pelo carinho e apoio incondicionais, e ao meu pai pelo exemplo
de perseverana.
Ao meu marido Maurcio, pelo apoio, dedicao e por tolerar as minhas
ausncias.
professora Jusamara Souza, por orientar-me diria e serenamente com a
sua valorosa compreenso de ideias, trazendo luz aos pontos nublados da minha
mente.
s escolas onde trabalho, Associao Pr-Cultura e Arte Ivoti - Ascarte e
Fundao Municipal de Artes de Montenegro - FUNDARTE, por incentivarem a
minha prtica docente com piano em grupo e me apoiarem durante o Mestrado.
A todos os meus alunos de piano, por tolerarem as minhas ausncias e, em
especial queles que tocam nos grupos, por tornarem a minha prtica docente mais
rica e alegre.
s Doutoras Llia Neves Gonalves, Adriana Bozzetto e Any Raquel Carvalho
por aceitarem participar da banca examinadora deste trabalho e por suas preciosas
contribuies.
Aos docentes do Programa de Ps Graduao em Msica, por esforarem-se
em manter o mais alto conceito obtido entre os Programas de Msica do pas e
desejar promover a sua multiplicao atravs dos seus egressos.
Ao grupo Educao Musical e Cotidiano por contriburem com este trabalho.
Aos meus colegas mestrandos que assim como os Jesutas trouxeram a
Educao Musical para o Brasil trouxeram seus conhecimentos, apoio,
descontrao e alegria para a nossa caminhada ao longo deste Mestrado:Allan(suta) Cesar Pftzenreuter, Jean(suta) Presser, Matheus(uta) Leite e
Tamar(suta) Gaulke.
Aos meus amigos e familiares por todo apoio e incentivo.
amiga Monia Kothe, pelas preciosas conversas acadmicas informais.
amiga Fernanda Anders pela troca de ideias em relao docncia.
Aos colegas da Fundarte pelo afeto e apoio: Jlia Hummes; Mrcia Dal Bello;
Dbora Brandt Alencastro; Patriciane Born; Rosimari Oliveira; Cynthia Barcelos;Matheus Kleber; Rodrigo Kochenborger; Sandra Rhoden e Luciano Rhoden.
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Esses que a vo atravancando meu caminho,eles passaro, eu passarinho.
Mrio Quintana
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RESUMO
Esta pesquisa busca refletir sobre o processo de elaborao de arranjos musicaisfeitos para o ensino de piano. O trabalho procura esclarecer e compreender asescolhas, decises e alternativas empregadas diante de possveis problemas dadidtica musical e didtica do instrumento. Os arranjos analisados foram elaboradospara prtica de piano em conjunto, consistindo em peas criadas para seremtocadas por quatro ou cinco alunos no mesmo piano, uma atividade que foidesenvolvida pela pesquisadora nas duas instituies onde trabalhava durante omestrado: Associao Pr-Cultura e Arte de Ivoti-Ascarte/Instituto de Educao Ivoti-
IEI e na Fundao Municipal de Artes de Montenegro FUNDARTE, localizadas noRio Grande do Sul. Como metodologia, foi construdo um tipo de memorial, quecolaborasse para a reflexo sobre o processo de elaborao dos arranjos, a partir deautores como: Bosi (1994); Teixeira, Zamberlan e Rasia (2009); Morisse (2012); eAnastasiou (2002). Foram analisados sete arranjos didticos elaborados em pocasdiferentes, so eles: A Histria de uma Gata, do musicalOs Saltimbancos, de LuisEnrquez Bacalov e Chico Buarque (elaborado em 2011); Three little birds, de BobMarley (elaborado em 2011); Viva la vida (elaboradoem 2009) e Speed of Sound(elaborado em 2010), ambas do grupo Coldplay. As outras trs peas foramelaboradas durante a escrita desta dissertao, no decorrer do ano de 2012, sendoelas: Rock and roll old times, de compositores variados, pois se trata de um medley;Paradise e Violet Hill, ambas do grupo Coldplay. Como aporte terico da pesquisaforam abordados os conceitos de arranjo; transcrio, adaptao, reduo (Pereira,2011; Duarte, 2010; Lima Jnior, 2003; Arago, 2001a e 2001b) e msica original(Carvalho, 2008; Arago, 2001a e 2001b). As reflexes feitas nesta pesquisaesclarecem uma prtica de msica em conjunto voltada para a didtica do piano,evidenciando uma abordagem msico-pedaggica onde o aprendizado dos alunos o alicerce da criao de cada arranjo. Acredito que este trabalho possa vir acontribuir para que outros professores e alunos possam buscar alternativas e ideiaspara criarem seu prprio material, de acordo com suas necessidades e/ou, aobuscarem material alternativo, possam analisar e refletir sobre a forma como um
outro arranjo se apresenta e trabalha questes de didtica musical.
Palavras-chave: arranjos didticos; piano em grupo; pedagogia do piano.
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ABSTRACT
The research seeks to reflect upon the process of arranging musical pieces made forteaching piano. It seeks to explain and recognize the choices, decisions and optionsput before potential didactical musical problems and didactics of musical instruments.Pieces were analyzed and created to be played in class piano, consisting of piecesmade to be played by four or five students on the same piano, an activity that wasdeveloped by the researcher in two institutions where she worked during herMasters: Ascarte (Associao Pr-Culture e Arte Ivoti)/Instituto de Educao Ivoti(IEI) and the Fundarte (Fundao Municipal de Artes de Montenegro), both located in
Rio Grande do Sul State. As methodology, a memorial was developed, to work andexplain the process of making arrangements, from authors such as: Bosi (1994);Teixeira, Zamberlan and Rasia (2009); Morisse (2012); and Anastasiou (2002).Seven pieces were analysed, four were prepared at different times, including: AHistria de uma Gata, the musical Os Saltimbancos, Luis Enrquez Bacalov andChico Buarque (arranged in 2011), Three Little Birds by Bob Marley (arranged in2011), Viva la Vida (arranged in 2009) and Speed of Sound (arranged in 2010), bothby the group Coldplay. The other three pieces were arranged during the writing ofthis dissertation, throughout the year of 2012: Rock and roll old times, from variouscomposers as it is a medley and Paradise and Violet Hill, both by the group Coldplay.As theoretical research, the concepts of arrangement, transcription, adaptation,reduction (Pereira, 2011; Duarte, 2010; Lima Jr, 2003; Arago, 2001a and 2001b)and original music were addressed (Carvalho, 2008; Arago, 2001a and 2001b). Thereflections made from this research describe an exercise focused on pianotechnique, showing a pedagogical music approach where student learning is thefoundation of the creation of each piece. The intent is that this project may potentiallycontribute to other teachers and students who seek alternatives and ideas to createtheir own material, according to their needs and/or to seek alternative materials, and,that they may analyze and ponder on how other pieces show and work musicaldidactics.
Keywords: didactic arrangement; piano group; piano pedagogy.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 01 ao 04. ................. 42
Figura 2- Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 01 ao 04. ................. 43
Figura 3- Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 01 ao 04. ................. 43
Figura 4- Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 04 ao 08. ................. 44
Figura 5- Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 21 ao 24. ................. 45
Figura 6 - Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 33 ao 36. ................. 45
Figura 7- Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 36 ao 39. ................. 46
Figura 8- Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 44 ao 48. ................. 46
Figura 9- Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 52 ao 55. ................. 46
Figura 10 - Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 01 ao 04. ............... 47
Figura 11 - Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 33 ao 37. ............... 48
Figura 12 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 1 ao 4. ............ 50
Figura 13 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 1 ao 4. ............ 50
Figura 14 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 5 ao 8. ............ 51
Figura 15 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 9 ao 12. .......... 52
Figura 16 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 25 ao 28. ........ 52
Figura 17 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 33 ao 37. ........ 53
Figura 18 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 43 ao 47. ........ 53
Figura 19 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 43 ao 47. ........ 54
Figura 20 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 43 ao 47. ........ 54
Figura 21 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 59 ao 63. ........ 55
Figura 22 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 59 ao 63. ........ 55
Figura 23 - Fragmento da partitura de Speed of sound, compassos 67 ao 70. ........ 56
Figura 24 - Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 1 ao 4. ....... 58
Figura 25-Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 1 ao 4. ....... 58
Figura 26-Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 4 ao 7. ....... 58
Figura 27-Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 8 ao 11. ..... 59
Figura 28- Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 8 ao 11. ..... 59
Figura 29 - Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 21 ao 24. ... 60
Figura 30 - Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 21 ao 24. ... 60
Figura 31 - Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 25 ao 28. ... 61
Figura 32 - Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 25 ao 28. ... 62
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Figura 33 - Fragmento da partitura A histria de uma gata, compassos 17 ao 20, em
mi maior. .................................................................................................................. 62
Figura 34- Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 33 ao 36, em
f maior. ................................................................................................................... 63
Figura 35-Fragmento da partituraA histria de uma gata, compassos 37 ao 40. ... 63
Figura 36-Fragmento da partituraA Histria de uma gata, compassos 44 ao 46. .. 64
Figura 37 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 1 ao 3. ............ 66
Figura 38 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 4 ao 7. ............ 66
Figura 39 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 4 ao 7. ............ 67
Figura 40 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 8 ao 11. .......... 68
Figura 41 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 12 ao 15. ........ 68
Figura 42 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 20 ao 22. ........ 70
Figura 43 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 24 ao 26. ........ 70
Figura 44 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 27 ao 30. ........ 71
Figura 45 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 30 ao 33. ........ 72
Figura 46 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 45 ao 47. ........ 72
Figura 47 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 51 ao 54. ........ 73
Figura 48 - Fragmento da partitura de Three little birds, compassos 54 ao 57. ........ 73
Figura 49 - Fragmento da partitura de Viollet hill, compassos 1 ao 3. ...................... 75
Figura 50 - Fragmento da partitura de Viollet hill, compassos 4 ao 7. ...................... 77
Figura 51 - Fragmento da partitura de Viollet hill, compassos 16 ao 19. .................. 78
Figura 52 - Fragmento da partitura de Viollet hill, compassos 4 ao 7. ...................... 78
Figura 53 - Fragmento da partitura de Viollet hill, compassos 28 ao 30. .................. 79
Figura 54 - Fragmento da partitura de Viollet hill, compassos 28 ao 30. .................. 80
Figura 55 - Fragmento da partitura de Viollet hill, compassos 42 ao 45. .................. 81
Figura 56 - Fragmento da partitura de Viollet hill, compassos 42 ao 51. .................. 81
Figura 57 - Fragmento da partitura de Viollet hill, compassos 42 ao 51. .................. 82
Figura 58- Fragmento da partitura Paradise, compassos 1 ao 4. ............................ 84
Figura 59- Fragmento da partitura Paradise, compassos 17 ao 20. ........................ 85
Figura 60- Fragmento da partitura Paradise, compassos 17 ao 20. ........................ 85
Figura 61- Fragmento da partitura Paradise, compassos 21 ao 25. ........................ 86
Figura 62- Fragmento da partitura Paradise, compassos 26 ao 30. ........................ 87
Figura 63- Fragmento da partitura Paradise, compassos 35 ao 38. ........................ 88
Figura 64- Fragmento da partitura Paradise, compassos 35 ao 38. ........................ 88
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Figura 65- Fragmento da partitura Paradise, compassos 39 ao 42. ........................ 89
Figura 66- Fragmento da partitura Paradise, compassos 43 ao 46. ........................ 90
Figura 67- Fragmento da partitura Paradise, compassos 43 ao 46. ........................ 91
Figura 68- Fragmento da partitura Paradise, compassos 55 ao 58. ........................ 92
Figura 69- Fragmento da partitura Paradise, compassos 59 ao 62. ........................ 92
Figura 70- Fragmento da partitura Paradise, compassos 63 ao 66. ........................ 93
Figura 71- Fragmento da partitura Paradise, compassos 67 ao 70. ........................ 94
Figura 72- Fragmento da partitura Paradise, compassos 71 ao 74. ........................ 95
Figura 73- Fragmento da partitura Paradise, compassos 75 ao 78. ........................ 96
Figura 74 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 1 ao 4. .......... 98
Figura 75 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 9 ao 12. ........ 98
Figura 76 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 17 ao 24...... 100
Figura 77 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 25 ao 29...... 100
Figura 78 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 30 ao 33...... 101
Figura 79 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 30 ao 33...... 102
Figura 80 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 30 ao 33...... 103
Figura 81 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 34 e 35. Baixo
como foi escrito. ..................................................................................................... 103
Figura 82 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 34 e 35. Baixo
modificado. ............................................................................................................ 104
Figura 83 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 46 ao 49...... 104
Figura 84 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 46 ao 53...... 105
Figura 85 -Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 61 ao 65...... 107
Figura 86 -Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 61 ao 65...... 107
Figura 87-Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 61 ao 65...... 107
Figura 88-Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 63 ao 72...... 108
Figura 89 -Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 74 ao 77...... 109
Figura 90-Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 78 ao 81...... 109
Figura 91-Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 82 ao 85...... 110
Figura 92- Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 86 ao 89...... 111
Figura 93- Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 98 ao 104. ... 112
Figura 94 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 9 ao 12. ...... 114
Figura 95 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 30 ao 33...... 115
Figura 96 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 63 ao 67...... 115
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Figura 97 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 76 ao 79...... 116
Figura 98 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 76 ao 83...... 116
Figura 99 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 76 ao 83 com 4
compassos adicionais. ........................................................................................... 117
Figura 100 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 68 ao 71. ... 118
Figura 101 - Fragmento da partitura Rock nroll old times, compassos 72 ao 75. ... 118
Figura 102 - Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 01 ao 04. ........... 122
Figura 103 - Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 01 ao 04. ........... 123
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SUMRIO
1 INTRODUO ...................................................................................................... 13
1.1 Sobre o tema .................................................................................................. 13
1.2 Sobre os arranjos musicais............................................................................. 14
1.3 Arranjos para piano em grupo ........................................................................ 16
2 CONCEITOS E DEFINIES ............................................................................... 19
2.1 Msica Original: a partir de que msica foram elaborados os arranjos ........... 21
2.2 Arranjo ............................................................................................................ 23
2.3 Transcrio ..................................................................................................... 25
2.4 Adaptao ...................................................................................................... 26
2.5 Reduo ......................................................................................................... 27
3 METODOLOGIA ................................................................................................... 29
3.1 Sobre o Memorial ........................................................................................... 29
3.1.1 Tipos de Memorial .................................................................................... 29
3.1.2 A construo do Memorial ........................................................................ 32
3.2 Como trabalhei com os dados ........................................................................ 35
3.2.1 Sobre o material emprico ........................................................................ 35
3.2.2 Elaborar arranjos: obra em construo .................................................... 37
3.3 Anlise dos dados .......................................................................................... 37
3.3.1 Organizao ............................................................................................. 37
3.3.2 Sobre a escrita do memorial..................................................................... 40
4 OS ARRANJOS .................................................................................................... 42
4.1 Viva la vida ..................................................................................................... 42
4.2 Speed of sound.............................................................................................. 49
4.3A histria de uma gata .................................................................................... 57
4.4 Three little birds .............................................................................................. 65
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1 INTRODUO
1.1 Sobre o tema
A docncia em msica tornou-se uma realidade na minha vida, antes mesmo
de completar o Curso de Graduao em Msica no incio dos anos 2000, quando
passei a ministrar aulas particulares de piano. Meus primeiros alunos foram pessoas
que me procuravam para aprender a tocar piano to bem quanto eu, porque tinham
assistido algum concerto ou apresentao em que toquei e se interessaram em
aprender o instrumento. Ao ler o estudo de Bozzetto (2004), divulgado no livro
Ensino Particular de Msica, encontrei nos relatos dos professores pesquisados pela
autora algumas semelhanas com a minha realidade, tais como os motivos que
levam os alunos a optarem pelo ensino particular de piano, entre eles: a busca de
um ensino mais especfico, com um repertrio mais amplo, de acordo com suas
vontades e necessidades, sem precisar seguir um programa rgido de uma
academia, podendo ter um convvio mais familiar com o professor, e/ou para
aprender a fazer alguma coisa completamente diferente do seu ofcio dirio
(BOZZETTO, 2004, p. 27).
Os motivos mencionados acima revelam as especificidades do ensino
particular de instrumento musical, que tambm se faziam presentes na minha prtica
como professora de piano. Tais especificidades refletiam em uma maior liberdade
dos alunos com relao escolha de repertrio, aos contedos a serem aprendidos
e ao estudo dirio. Essa liberdade veio a se tornar um problema quanto dedicao
dos alunos, uma vez que, em muitos casos, o estudo dirio passava para estudo
espordico, acontecendo apenas uma vez por semana durante a aula de
instrumento.A minha postura como professora particular de piano permitia uma liberdade
que tornava a aula de instrumento um pouco menos formal. Desse modo, a escolha
do repertrio a ser ensinado se tornava mais livre, levando a uma deciso em
conjunto, entre professora e alunos, considerando suas necessidades e
inquietaes. Assim, passei a buscar o gosto musical dos alunos atravs de longas
conversas sobre o cotidiano deles, para tentar aproximar, ao mximo, a prtica
instrumental da realidade musical vivida por eles todos os dias. Este procedimentocomeou a se mostrar uma boa estratgia para incentivar os alunos a estudarem
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A criao de arranjos musicais no se mostrou uma tarefa fcil, pois na
maioria das vezes consistia em escrever a partitura partindo apenas do registro
sonoro de uma msica. Assim, cabia a mim criar uma partitura que trouxesse
elementos claros da pea em questo, para que, ao ser tocada no piano, soasse
semelhante gravao da qual se originou, contemplando tambm elementos da
linguagem musical que poderiam ser trabalhados no decorrer das aulas de
instrumento. Alguns exemplos de arranjos criados a partir de peas escolhidas tanto
pelos alunos quanto em conjunto comigo so: Por voc (da banda brasileira Baro
Vermelho), Do seu lado (da banda brasileira Jota Quest), Hotel California (da banda
estadunidense Eagles), Numb (da banda estadunidense Linkin Park), Sweet Child
Omine (da banda estadunidense Guns NRoses), Riders on the storm (da banda
estadunidense The Doors), tema do filme Forest Gump (filme estadunidense lanado
em 1994), tema do filme Armagedon (lanado em 1998, tocado pela banda
estadunidense Aerosmith), Hes a Pirate (tema do filme estadunidense Piratas do
Caribe, lanado em 2003), entre muitos outros.
Ao confeccionar os arranjos musicais, levava em conta vrios fatores que se
mostravam determinantes para o aprendizado dos meus alunos de piano. O nvel
tcnico do aluno para quem estava sendo feito o arranjo era o principal, porque
delimitava todas as decises acerca dos outros fatores, tais como: elementos da
linguagem musical a serem apresentados naquela partitura, resultado sonoro e
tcnica pianstica. Em relao aos elementos da linguagem musical, o arranjo era
elaborado observando a tonalidade da obra, o compasso, as figuras rtmicas
(simplificando ou no o ritmo), a harmonia, a melodia, o fraseado e a articulao,
sempre levando em conta o grau de dificuldade que o aluno teria para execut-la,
mesmo contendo elementos novos ao seu conhecimento prvio.
O resultado sonoro era o fator que despertava no aluno a grande vontade deestudar aquela pea, j que o arranjo apresentava alguma semelhana com a obra
original, uma msica que era, em muitos casos, bastante significativa para esses
alunos. A minha busca por um bom resultado sonoro levava preocupao com a
tcnica pianstica, porque muitas vezes eu acabava criando alguns desafios
tcnicos, em relao ao nvel do aluno que executaria a pea, por buscar um
resultado sonoro mais interessante. Mesmo assim, tinha o cuidado para que o
desafio no fosse exagerado e que despertasse uma sensao de eu quero e euvou conseguir tocar essa msica. Esses desafios, ou mesmo acompanhamentos
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que serviriam de base para a melodia, contribuiriam para aprimorar a performance
do aluno, buscando independncia de mos, independncia de dedos, peso do
brao, uso do pedal, entre outros.
1.3 Arranjos para piano em grupo1
A prtica de piano em grupo vem sendo desenvolvida semanalmente como
uma disciplina complementar no Instituto de Educao Ivoti-IEI em parceria com a
Associao Pr-Cultura e Arte Ivoti-ASCARTE desde novembro de 2008, e na
Fundao Municipal de Artes de Montenegro-FUNDARTE desde julho de 2011,
devido ao meu vnculo empregatcio com ambas instituies2. Essa atividade um
reflexo do desejo dos alunos de piano, tanto de Ivoti quanto de Montenegro, em
tocar entre quatro ou cinco pianistas no mesmo instrumento.
A ideia de tocar em grupo surgiu da necessidade de reduzir para duas ou trs
msicas a participao dos pianistas nos concertos de encerramento dos Encontros
de Jovens Instrumentistas sediados anualmente, desde 2004, pelo Instituto de
Educao Ivoti. Assim, o desafio era contemplar doze pianistas em trs msicas.
Para isso foi preciso criar um arranjo que pudesse ser tocado por doze alunos em
trs pianos, uma prtica que se mostrou motivadora para eles, pois quebrava com a
rotina da aula individual de instrumento.
Ao perceber o quanto esta atividade era apreciada pelos alunos de piano,
comecei a reuni-los em horrios alternativos ou nos minutos finais das aulas
individuais para desenvolver repertrio para piano em grupo. No final daquele ano,
2008, os alunos puderam participar de algumas apresentaes com esse repertrio.
A partir do resultado bem sucedido que estava sendo apresentado nas
dependncias da escola, solicitei junto diretoria da Ascarte/IEI um horrioespecfico para trabalhar com este grupo de alunos de piano e tive a solicitao
atendida a partir do ano seguinte, 2009.
O mesmo processo aconteceu na Fundarte, anos depois, em 2011. Reuni
quatro alunos em um horrio alternativo, para trabalhar o repertrio para piano em
grupo e, aps algumas apresentaes bem sucedidas, tive argumentos para solicitar
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No decorrer da dissertao, ao mencionar piano em grupo estarei me referindo a essa prtica detocar entre quatro ou cinco pianistas num mesmo instrumento. Utilizo dessa forma pela semelhanacom a disposio visual do fato: um piano sendo tocado por um grupo de alunos.2As referidas instituies so localizadas no Estado do Rio Grande do Sul.
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junto direo um horrio especfico para trabalhar com o grupo no ano de 2012. A
performance do grupo nos concertos de final de ano foi to apreciada, que minha
solicitao de criar um segundo grupo para o ano de 2013 tambm foi aceita pela
direo da Fundarte.
Os grupos de piano so considerados, pelas instituies a que so
vinculados, como uma prtica de conjunto, pois ocorrem em horrio diferente da aula
individual de piano de cada aluno. Dessa forma, os grupos costumam participar com
frequncia de apresentaes em eventos nas prprias instituies e tambm fora
delas. Algumas dessas apresentaes foram filmadas, possibilitando que eu
adquirisse um pequeno acervo com filmagens dos grupos em anos diferentes, o que
contribuiu para a escrita desta dissertao.
Todas as ideias norteadoras das elaboraes de arranjos feitos para alunos
individuais, descritas anteriormente, incorporaram-se nas elaboraes de arranjos
para o grupo tambm e acrescidas de outras peculiaridades que sero descritas
nesta pesquisa.
Esta dissertao busca refletir sobre a minha prtica pedaggica, de elaborar
arranjos para piano em grupo, com o objetivo de esclarecer as alternativas
empregadas diante de possveis problemas da didtica musical e didtica do
instrumento.
Como mencionado, a elaborao de arranjos foi uma alternativa vivel para
contribuir com a prtica musical e motivao dos meus alunos de piano, em
concordncia com as palavras de Oliveira quando afirma que produzir materiais
didticos uma das estratgias encontradas pelos professores de msica para
sanar suas necessidades referentes aos mesmos (OLIVEIRA, 2005, p. 93).
Mesmo tendo acesso, anos depois (a partir de 2004, aproximadamente), a
partituras de msicas veiculadas pela mdia, escritas para piano, eu acabavaoptando por escrever meus prprios arranjos, muitas vezes por adequao ao nvel
do aluno que tocaria a pea ou pela esttica musical do arranjo. Ao refletir sobre a
minha prtica, encontro conformidade nas palavras de Bozzetto:
preciso que os professores de piano tenham coragem de descobrirum outro repertrio que, alm do que j est consagrado, sejacuidadosamente desvendado e revelado. Ele no estar sempreimpresso, escrito com clareza ou fcil de encontrar, mas certamenteparticipa, implicitamente, das nossas aulas de piano. (BOZZETTO,
2000, p.117)
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Com esta pesquisa, busco desvendar, revelar e refletir sobre um repertrio
que j faz parte da minha trajetria como professora de piano. Da mesma forma,
acredito que este trabalho possa contribuir para que outros professores e alunos
busquem alternativas e ideias para criarem seu prprio material, de acordo com suas
necessidades e/ou, ao buscarem material alternativo, possam analisar e refletir
sobre a forma como um outro arranjo se apresenta e trabalha questes musicais,
estticas e tcnicas.
Acredito, tambm, que este estudo possa contribuir para que os professores
de instrumento reflitam sobre o repertrio de msica popular, que pode no estar,
nas palavras de Bozzetto, impresso, escrito com clareza ou fcil de encontrar
(2000, p. 117), criando diferentes maneiras de executar uma mesma pea:
modificando dificuldades tcnicas, explorando sonoridades variadas e explorando
outras possibilidades de carter musical para uma mesma pea.
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2 CONCEITOS E DEFINIES
Na minha prtica de elaborao de arranjos didticos, sempre estiveram
presentes diversos conceitos, dentre eles destaco: 1) Os conceitos que permeiam a
prtica de reelaborao musical, tais como arranjo, adaptao, transcrio e
reduo; 2) A msica original, como venho a denominar as gravaes sugeridas
pelos alunos para servir de base para a escrita dos arranjos. Nesse captulo
considero necessrio esclarecer essas definies para uma melhor compreenso do
texto.
medida em que iniciei a reflexo sobre os arranjos estudados nesta
pesquisa, cada conceito foi mostrando a sua importncia. O primeiro foi o de msica
original, pois para relembrar a elaborao de cada pea tive que recorrer a essa
msica que serviu de base, de ponto de partida para o arranjo. Assim, tornou-se
evidente o quanto este conceito estava imbricado na minha rotina de escrita de
partituras, pois, sem a msica original, o arranjo no teria por onde comear.
Da mesma forma, a partir das reflexes desta pesquisa, deparei-me com o
conflito de definies acerca dos conceitos de arranjo, transcrio e adaptao. Para
mim, sempre houve uma linha muito tnue que separava tais conceitos, criando uma
mistura de definies ao ponto de transform-los em sinnimos. Ao buscar a
literatura para embasar tais conceitos, identifiquei essa mesma linha tnue com
autores que demonstravam esse mesmo conflito ao tentarem estruturar as
diferenas entre arranjo, transcrio e adaptao. Sobre isso, Pereira (2011)
menciona que:
Essa oposio fidelidade x liberdade, tem sido empregada comoparmetro de distino entre transcrio e arranjo, porm no tosimples, haja vista que seus conceitos se misturam.[...] Qual seria
ento o limite que classificaria as vrias prticas de reelaboraomusical? Esse limite depender da quantidade de diferena entre ooriginal e a reelaborao, ou o grau, ou a quantidade de interferncias,de desvios ou de transformaes. (PEREIRA, 2011, p. 45)
Pereira procura, em sua pesquisa sobre reelaboraes musicais, criar
parmetros que possam diferenciar entre si os conceitos de arranjo, transcrio,
orquestrao, adaptao e reduo. A partir de uma pesquisa histrica sobre esses
conceitos, tanto Pereira quanto Arago encontraram definies que consideravam
os conceitos de arranjo, transcrio e adaptao em sinnimos. Um exemplo disso
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a definio citada por Arago, extrada da edio n 11 da revista Phonoarte, que
esclarece:
Arranjo: Transporte de uma obra musical para outro destino. Reduode uma partitura de coro ou orquestra para o piano ou qualquer outro
instrumento. Transformao de uma composio a fim de torn-laacessvel a outras categorias de executantes, ou torn-la de acordocom as normas modernas da msica.[...] Podem ser consideradascomo sinnimos de arranjo as expresses adaptao e transcrio[grifo no original]. (PHONOARTE, 1929 apud ARAGO, 2001b, p. 105)
Essa tendncia de considerar tais conceitos como sinnimos tambm foi
constatada por Pereira, de forma que, em seu estudo, a autora elenca aspectos que
serviram como parmetro para diferenciar os conceitos entre si, sendo eles:
- aspectos estruturais (estrutura meldica, harmnica, rtmica, formal,)
aqueles que se tirados, acrescentados ou modificados numareelaborao acabam provocando uma transformao mais imediata,apresentando diferenas mais claras, em relao ao original. [...]
- aspectos ferramentais (meio instrumental, altura, Timbre, Textura,Sonoridade[3], articulao, acento, dinmica), aqueles que aopassarem por modificaes, embora estas possam provocarmudanas, as obras reelaboradas podem ainda manter-se prximasao original. (PEREIRA, 2011, p. 45)
Segundo Pereira, tais aspectos so responsveis por um maior ou menor
grau de fidelidade nas reelaboraes musicais, pois quanto mais aspectos foremmodificados mais distante do original a pea ser, assim comenta:
[...] as reelaboraes que possurem um maior grau de fidelidade teroem geral, as estruturas meldica, harmnica, rtmica e formal,preservadas, enquanto as obras que tem os aspectos estruturaismanipulados tero um menor grau de fidelidade em relao aooriginal. [...] Por mais que se manipule um aspecto ferramental a obraainda poder guardar fidelidade em relao ao original se os aspectosestruturais estiverem preservados. (PEREIRA, 2011, p. 45)
Tambm para Arago existe sutis fronteiras entre as funes de arranjador,
adaptador e compositor havendo um certa gradao entre as mesmas (ARAGO,
2001a, p. 12).
Uma vez que encontrei na literatura tantos pontos a serem considerados
acerca dos conceitos de arranjo, transcrio e adaptao, achei importante tratar
cada um separadamente nesta pesquisa. Ao estudar melhor a literatura sobre tais
conceitos, encontrei o conceito de reduo que se mostrou muito prximo aos
3No texto original a autora insere notas de rodap explicativas sobre os conceitos de timbre, textura esonoridade, que aqui foram excludos por no serem pertinentes temtica desta dissertao.
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anteriores, em relao a semelhanas e diferenas, me impelindo a acrescent-lo
neste estudo.
Assim, trato a seguir os conceitos descritos acima de forma separada a fim de
me aproximar de uma definio que possa embasar esta pesquisa.
2.1 Msica Original: a partir de que msica foram elaborados os arranjos
O conceito de msica original mostrou-se necessrio neste estudo por estar
se referindo msica que deu origem a um arranjo. Um dos critrios de seleo das
peas para a pesquisa o de utilizar arranjos que foram escritos a partir somente do
registro sonoro de uma msica, logo, o conceito msica original trata deste registro
sonoro que serviu de base para os arranjos. Porm, ao buscar autores que falassem
sobre reelaborao musical, arranjos, transcries e adaptaes, tanto na msica
erudita quanto popular, encontrei menes importantes sobre msica original que
vinham ao encontro desta pesquisa.
Carvalho (2008), em seu estudo sobre arranjo vocal para msica popular,
analisa a funo do arranjo e do arranjador vocal na msica popular, mencionando
que, diferente da msica erudita, na msica popular difcil termos um registro
original para nos basearmos, uma vez que esse original sempre passa pelo
arranjador, sendo ele o compositor da obra ou no, para registrar, mesmo que
somente em udio, a primeira verso da pea. Assim, em uma pea erudita temos
as instncias: 1) compositor, 2) obra de arte/partitura, 3) intrprete, 4) objeto sonoro
e 5) ouvinte. Enquanto em uma pea popular temos as instncias: 1) compositor, 2)
primeiro objeto sonoro, 3) arranjador, 4) intrprete, 5) segundo objeto sonoro
(gravao) e 6) ouvinte.
Arago (2001a) faz um quadro de etapas de dinmicas de produo nosuniversos da msica erudita e popular muito semelhante ao de Carvalho, e salienta
que: na msica clssica, as duas primeiras fases dessa dinmica (composio e
arranjo) estariam, digamos, acopladas e sob os auspcios da mesma figura, o
compositor, e teriam como resultado a partitura em si. (ARAGO, 2001a, p. 20).
Com isso, o autor deixa claro que na msica popular o compositor e o arranjador
podem ser indivduos diferentes que atuam em uma mesma obra antes de ser
liberada ao pblico, tornando evidente as etapas de elaborao pelas quais amsica que considero original passou.
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Sobre o papel do arranjo e do arranjador na msica popular, Carvalho afirma
que:
[...] o papel do arranjador na msica popular brasileira de sumaimportncia, considerando que esse msico o responsvel pela
criao da verso final, ou seja, do arranjo com o qual a cano setornar pblica atravs do mercado fonogrfico. (CARVALHO, 2008, p.13)
O estudo de Carvalho demonstra a importncia de considerar o fator implcito
na realidade da msica popular: o arranjo sobre a composio original. Esta meno
torna evidente a origem da msica veiculada pela mdia, permitindo esclarecer que
msica esta sobre a qual baseio os arranjos, ou seja, a msica que considero
como original a cano tornada pblica atravs do mercado fonogrfico,
mencionada pelo autor.Arago (2001b) tambm reflete sobre o reconhecimento de uma instncia
original na msica popular, constatando uma grande dificuldade de determinar o
que realmente o original em msica popular. Assim, afirma o autor:
Dada essa dificuldade na delimitao do original, talvez o maiscorreto seja considerar que a msica popular no tem um original, aomenos no sentido em que o tem a msica clssica [como umapartitura, por exemplo]. [...] Deste modo, qualquer execuo de obrapopular prescindiria necessariamente de um arranjo, o que parece
outorgar ao arranjo a condio de processo inerente a essa msica.[...] Poderamos supor, ento, a existncia de um original prtico namsica popular, que seria a primeira configurao de uma obraatravs de um primeiro arranjo, ou esboo de arranjo, que permita atransformao da obra at ento virtual em obra arranjada e passvelde execuo. (ARAGO, 2001b, p. 99)
O arranjo a que Arago se refere, que o mesmo arranjo mencionado por
Carvalho, aquele que levar a msica at o estgio de objeto sonoro, acessvel
aos ouvintes. a partir desse objeto sonoro que os arranjos didticos analisados
nesta pesquisa foram elaborados, pois tal msica chegou a ns (aos alunos e amim) atravs da mdia, configurado como um produto pronto para ser consumido.
Assim, se fazem necessrias consideraes acerca do conceito de arranjo,
uma vez que este to presente no mbito da msica popular e no cerne desta
pesquisa.
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2.2 Arranjo
Durante a elaborao das peas, que foram objeto desta pesquisa, a dvida
de como definir esse material sempre esteve presente: so arranjos, transcries ou
adaptaes? Encontrei na literatura alguns estudos envolvendo o conceito de
arranjo, tais como: Arago (2001a e 2001b), que prope uma reflexo sobre o
conceito de arranjo na msica popular; Duarte (2010); Lima Jnior (2003); e Pereira
(2011). Atravs destas leituras percebique, como menciona Duarte o termo arranjo
abrange diversas prticas e perspectivas diferentes e, portanto, seu conceito no
consensual nem monoltico (DUARTE, 2010, p. 17). Em concordncia com tal
afirmao Pereira menciona:
Na tentativa de contribuir para a definio deste termo [arranjo], muitosoutros aparecem como sinnimos nas obras de referncia, como, porexemplo, transcrio, orquestrao, instrumentao, adaptao,reduo, parfrase, pardia, reescritura, verso, citao, enfim, umadiversidade de termos parecidos que acabam se confundindo. Amesma definio que num dicionrio ou enciclopdia especfica demsica apresentada como sendo de arranjo, em outro aparecedefinindo transcrio. (PEREIRA, 2011, p. 43)
Algumas definies gerais de arranjo, que foram inicialmente abordadas em
grande parte dos trabalhos aqui mencionados, foram trazidas doNew Grove
Dictionarye do New Grove Dictionary of Jazz. Baseado nisso, Arago menciona o
arranjo como a reelaborao de uma composio musical, normalmente para um
meio diferente do original e ainda a transferncia de uma composio de um meio
para outro ou a elaborao (ou simplificao) de uma pea, com ou sem mudana
de meio (ARAGO, 2001b, p. 95).
Ao buscar a definio de arranjo no Dicionrio Grove de Msica Edio
Concisa, da Editora Zahar, deparei-me com a seguinte descrio: A reelaborao
ou adaptao de uma composio, normalmente para uma combinao sonora
diferente da original. (1994, p. 43).
J Lima Jnior separa o conceito de arranjo em tipos diferentes, afirmando
que:
[...] h, basicamente, dois tipos de arranjo, dos quais o primeiro tipo aquele que preserva as caractersticas originais de melodia, harmoniae ritmo e o segundo aquele que transforma elementos do originalatravs de tcnicas de variao. (LIMA JNIOR, 2003, p. 24)
Acredito que tal separao tenha relao direta com o arranjo no mbito da
msica erudita e msica popular, pois, como esclarece Pereira:
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[...] o termo arranjo possui dois procedimentos distintos, um para amsica erudita e outro para a msica popular. Na msica popularpodemos comentar que o arranjo to importante que parece queesse gnero se apropriou deste termo, fazendo do arranjo a prpriacomposio. E na msica erudita, por uma srie de fatores jcomentados anteriormente, essa prtica tornou-se to popular no sec.XIX que acabou transformando-a numa prtica desvalorizada ediscriminada. Ou seja, o arranjo ao mesmo tempo em que exerce umpapel fundamental na msica popular, sofre preconceitos na msicaerudita se revestindo de outros termos (orquestrao, reduo, etc).(PEREIRA, 2011, p. 176)
A prtica de elaborar arranjos a partir de msica erudita, mencionada pela
autora, tornou-se muito popular no sculo XIX por se tratar de uma tentativa de
tornar determinado repertrio acessvel e mais conhecido, pois eram atravs de
arranjos/redues para piano solo, por exemplo, que obras para orquestra poderiamser executadas em lares ou pequenas salas de concerto. A autora menciona a
desvalorizao dos arranjos nesse contexto por se tratar de reelaboraes que, em
muitos casos, facilitavam as obras para que pudessem ser executadas por mais
pessoas.
Outra diferena, abordada por Arago, em relao aos arranjos de msicas
eruditas e populares o ponto de partida da reelaborao, a msica original que
serve de base e que contm muitos ou poucos elementos, exigindo e/ou
possibilitando menor ou maior flexibilidade de criao de novos elementos por parte
do arranjador. Assim, Arago esclarece:
[...] temos no arranjo popular a possibilidade de serem utilizadosapenas alguns elementos do original, enquanto o arranjo clssicolidaria com esse original na ntegra. Essa diferena sem dvida muito importante, pois j demonstra uma perspectiva menos rigorosa,um comprometimento mais flexvel com a composio original noarranjo popular, expresso na possibilidade de recomposio peloarranjador e na liberdade concedida a ele no tratamento doselementos originais segundo seus prprios critrios. (ARAGO, 2001a,p. 15)
Em contrapartida, Pereira (2011), ao fazer um estudo aprofundado sobre as
variadas prticas de reelaborao musical, procura esclarecer a divergncia de
opinies acerca das definies de cada termo e a dificuldade de defini-los. Porm, a
partir de critrios como aspectos estruturais e aspectos ferramentais, a autora
consegue esclarecer com mais objetividade as diferenas entre os conceitos, ao
mencionar que:
[...] alguns autores j abordam a diviso entre transcrio e arranjo, atranscrio aproxima-se o mximo possvel do original e o arranjopromove desvios. Parece que ao trazer no ttulo o termo arranjo,
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explcito em uma obra, torna-se permitido modificar, acrescentar,diminuir, enfim, adquirir maior flexibilidade de manipulao deelementos estruturais, ou seja, procedimentos que em geral, noocorrem nas prticas anteriores [transcrio, orquestrao e reduo],ou pelo menos, no de forma to ntida. (PEREIRA, 2011, p. 175)
Dessa forma, a autora sugere que o termo arranjo reflete a possibilidade de
mudanas nos elementos estruturais, que ela considera como sendo aspectos da
estrutura meldica, rtmica, harmnica e formal.
Considero essa definio bastante esclarecedora em relao ao conceito
arranjo, pois agrega as outras concepes abordadas anteriormente, condensando
em uma definio com vrias possibilidades.
2.3 Transcrio
Na definio do dicionrio Grove de Msica, transcrio o termo que
designa a cpia grafada de uma obra musical, envolvendo alguma modificao.
Essa alterao:
Pode ser uma mudana de meio (significando com isso o mesmo quearranjo); ou pode significar que sua notao foi transformada (p. ex.,de tablatura para pauta), ou ento a sua disposio (de partescavadas para uma partitura). O termo tambm pode incluir o registroescrito de msica executada ao vivo ou gravada, ou sua transfernciade forma audvel para forma grfica, por meios eletrnicos oumecnicos. (GROVE, 1994, p. 957)
J Lima Jnior compreende a expresso transcrio musical como:
[...] o processo de modificao do meio fnico original de umadeterminada composio, significando tambm a passagem de obrasescritas em notaes antigas para a notao moderna ou ainda, oregistro, em notao musical, de obras ouvidas em discos ou emapresentaes ao vivo. (LIMA JNIOR, 2003, p. 21)
Para aquele que transcreveuma obra musical a partir de gravaes ou de
apresentaes ao vivo exigido um ouvido preparado para distinguir todas as
informaes ali contidas e represent-las atravs dos signos adequados. (LIMA
JNIOR, 2003, p. 24).
Pereira se prope a pensar a transcrio como uma das prticas de
reelaborao na qual se busca um equilbrio entre a idia do compositor e as
ilimitadas possibilidades de re-adaptao instrumental. (PEREIRA, 2011, p. 52). A
autora afirma que o termo transcrio juntamente com o termo arranjo, tem sido osmais utilizados pelos msicos em geral. (PEREIRA, 2011, p. 48), e explica:
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Assim, apoiados na questo etimolgica do termo transcrio,percebe-se que alm de ser uma prtica que possui maior grau defidelidade com o original, traz tambm um procedimento no qual hsempre uma mudana de meio instrumental, ou seja, transporta-sede um instrumento a outro, ou de um meio a outro.
A transcrio no to livre, pois o intuito guardar ao mximo aidia original, alm de que o meio para o qual se destina fundamental, pois as variaes que surgem, vm a partir danecessidade de adequao s especificidades de cada instrumento.(PEREIRA, 2011, p. 52)
A autora considera dois aspectos como limites bsicos da transcrio: o
maior grau de fidelidade em relao ao original o que implica em preservar os
aspectos estruturais como aspecto formal, rtmico, meldico e harmnico; e que haja
uma mudana de meio instrumental (PEREIRA, 2011, p. 88). Para Pereira a
mudana de meio instrumental seria um dos pontos principais de uma transcrio,
pois necessrio ter uma coerncia na utilizao do novo contexto instrumental.
(PEREIRA, 2011, p. 88).
2.4 Adaptao
O termo adaptao, segundo Pereira, pode transitar em diferentes contextos
artsticos, sugerindo que esse conceito seja mais genrico do que os anteriores. A
autora menciona que uma adaptao musical pode ser:
[...] uma prtica na qual se busca adequar uma determinada obra aalguma coisa, ou seja, modificar algo para torn-la conforme a (algumacoisa). Nesse caso, a obra adequada, ajustada, manipulada emrelao a algo que pode ser o pblico, o meio instrumental, ou ocontexto, ou seja, a msica que se ajusta a estas novas situaes eno o contrrio, ela direcionada para fins especficos. (PEREIRA,2011, p. 217)
Em resumo, para a autora fazer uma adaptao musical pode significar
adequar uma msica a um novo contexto, seja este contexto, um novo gnero,
formato, ou linguagem, ou mesmo uma nova formao instrumental. (PEREIRA,
2011, p. 217).
Portanto, as adaptaes so feitas em funo de adequar a obra a algo, seja,
um instrumento, um determinado pblico, contexto ou gnero (PEREIRA, 2011, p.
219). A autora cita como exemplo lbuns de peas facilitadas/simplificadas de Mario
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realizadas por vrios ficaro destinadas a um nico instrumento.Dessa forma, observa-se que as redues constituem uma prticacomplexa e que demanda de conhecimentos instrumentais tcnicosespecficos para os quais se est reduzindo. (PEREIRA, 2011, p. 127)
Os conceitos so to variados e se modificam tanto, e pelas interseces e
cruzamentos, de acordo com os autores pesquisados, que seria temerrio querer
encaixar as peas analisadas nesta dissertao em uma destas categorias. Por isso,
optei por trat-las como arranjos, considerando a viso de Pereira de que:
Parece que ao trazer no ttulo o termo arranjo, explcito em uma obra,torna-se permitido modificar, acrescentar, diminuir, enfim, adquirirmaior flexibilidade de manipulao de elementos estruturais, ou seja,procedimentos que em geral, no ocorrem nas prticas anteriores[transcrio, orquestrao e reduo], ou pelo menos, no de formato ntida. (PEREIRA, 2011, p. 175)
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3 METODOLOGIA
Ao realizar um estudo sobre como os arranjos didticos so elaborados para
piano em grupo fez-se necessrio buscar uma metodologia que possibilitasse a
descrio, reflexo e anlise desse processo. A abordagem qualitativa mostrou-se
mais adequada devido natureza da reflexo acerca da minha prtica de elaborar
arranjos para piano em grupo na situao de professora. Dentre as possibilidades, o
formato de memorial se mostrou uma boa alternativa de metodologia uma vez que
me permitiu relembrar e refletir sobre as alternativas e decises tomadas durante o
processo de escrita de cada arranjo.
3.1 Sobre o Memorial
O conceito de memorial discutido por vrias reas e apresenta definies
diferentes que se entrelaam de alguma forma, porm tratam de distintos mtodos
de trabalho. A seguir apresento algumas definies desse conceito encontradas na
literatura e descrevo como so utilizadas em diversas reas do conhecimento.
3.1.1 Tipos de Memorial
a) Memorial de formao
Um tipo comum de memorial, em grande uso na rea de educao, incluindo
instituies de ensino distncia, o memorial de formao. Neste formato os
licenciandos ou professores em formao continuada descrevem e refletem sobre a
sua prpria prtica como docente, com o objetivo de aperfeioar/aprofundarconhecimentos e construir a sua prpria identidade como profissional. Freire e
Linhares fazem uma descrio dessa prtica:
Atravs do memorial, o professor/aluno ao mesmo tempo sujeito eobjeto, um espao/momento, onde se observa, analisa sua prtica ese reencontra como ser, uma prtica que considera a vida comoespao de formao. O professor como sujeito social, enreda-se numateia de expectativas e representaes, que faz parte de um tecidosocial, cultural e histrico e que influencia a sua forma de pensar eagir. Na construo de sua identidade, o memorial torna-se um
registro, uma narrativa pessoal sobre seus prprios atos, dando umnovo significado a sua prtica profissional, retomando a rdea do seudesenvolvimento dando conta de analisar esse tecido social
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estruturante. Na medida em que apresenta suas impresses sobre oaprendido e sua correlao com o cotidiano profissional, oaluno/professor atravs da ao-reflexo-ao retira da experincia desua prpria vida os fundamentos para uma ao constante dereformulao da identidade do professor e dos seus saberes. Comonum exerccio constante e solitrio, de auto-anlise, o memorial lhepermite compreender as circunstncias em que constri suaidentidade e avalia sua participao no processo de aprendizagem eno cotidiano da prtica docente. (FREIRE E LINHARES, 2009, p. 12)
A escrita de memoriais uma prtica que vem a contribuir muito para a
formao de profissionais por possibilitar a reflexo sobre a prtica docente,
conforme afirmam Meireles e Meireles:
[...] o exerccio de produo de memoriais e a reflexo sobre si mesmo uma perspectiva que vem se afirmando progressivamente nosespaos de formao continuada, medida que toma as narrativascomo gneros discursivos privilegiados para os professoresescreverem suas histrias e refletirem sobre seus saberes econhecimentos. (MEIRELES E MEIRELES, 2011, p. 4)
Os autores ainda mencionam a importncia da escrita do memorial para
contribuir com a formao de educadores em geral, dizendo:
[...] a escrita do memorial favorece o pensamento reflexivo crtico e oexerccio da autocrtica, criando um lugar para que os educadorespossam assumir a palavra e socializar as suas tenses, as suasinquietaes, as suas experincias e as suas memrias. (MEIRELES
E MEIRELES, 2011, p. 5)
b) Memorial de composio
Outro tipo de memorial, utilizado como trabalho acadmico na rea da
composio musical5, tem como objetivo geral descrever e esclarecer o processo de
criao de composies musicais. Segundo a descrio de Zanatta, ao mencionar o
seu trabalho acadmico, o objetivo do memorial de composio foi:[...] revelar um processo composicional, entendido como um processode tomada de decises e de combinao de ideias. Realizar areconstituio do momento de criao revelando quais eram, para ocompositor, os significados e as ideias em voga a cada etapa dacomposio, bem como permitindo o acesso a diversas informaes arespeito do caminho percorrido, dos primeiros esboos at a versofinaltem o objetivo de deixar registrada a viso do compositor sobreseu trabalho, fornecendo subsdios para abordagens analticas e/ouinterpretativas, feitas posteriormente na ausncia do compositor.(ZANATTA, 2002, p. 10)
5Este formato adotado, por exemplo, nos cursos de mestrado e doutorado dos Programas de Ps-Graduao em Msica da UFRGS, UFBA e UFPR.
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Ao revisar alguns memoriais de composio (BIRNFELD, 2003; SEIXAS,
2006; BENVENUTI, 2006; PASSOS, 2007) percebi que se trata de uma prtica de
descrio detalhada acerca de uma obra do autor, descrevendo todo o processo de
criao desde os fatores que motivaram a escolha do tema, tcnicas de composio
utilizadas, diferentes intenes do compositor em determinada passagem da
pea/obra, at a interpretao imaginada pelo compositor nos acordes finais da
pea/obra, entre outros.
c) Memorial descritivo para concurso
J outros autores mencionam um tipo de memorial que descreve a histria
acadmica de um indivduo, um tipo de memorial descritivo geralmente exigido em
concursos pblicos para docentes. Tal memorial apresenta-se como um tipo de
currculo que traz comentrios, no qual o autor narra e reflete sobre a sua prpria
trajetria. Severino explica que esse formato de memorial trata-se de:
Uma autobiografia, configurando-se como uma narrativasimultaneamente histrica e reflexiva. Deve ento ser composto sob aforma de um relato histrico, analtico e crtico, que d conta dos fatose acontecimentos que constituram a trajetria acadmico profissionalde seu autor (...) e deve dar conta tambm de uma avaliao de cadaetapa, expressando o que cada momento significou, as contribuiesou perdas que representou (...) a histria particular de cada um de nsse entretece numa histria mais envolvente da nossa coletividade. assim importante ressaltar as fontes e as marcas das influnciassofridas, das trocas realizadas com outras pessoas ou com assituaes culturais (...) deve expressar a evoluo, qualquer que tenhasido ela, que caracteriza a histria particular do autor. (SEVERINO1996 apud ANASTASIOU, 2002, p. 5)
Cmara e Passeggi, citando DOnofrio, mencionam que esse mesmo tipo de
memorial definido como um currculo comentado, a histria de uma vida refletida,
a auto-anlise dos fatos memorveis, visando especialmente pr em luz a evoluo
na rea de conhecimento escolhida (DONOFRIO, 1999, p. 74, grifo do autor)
(CMARA e PASSEGGI 2012, p. 1).
Visto como de grande utilidade no meio acadmico, porTeixeira, Zamberlan
e Rasia (2009), este tipo de memorial tem sido utilizado como exerccio, parmetro,
retomada e avaliao da trajetria pessoal no meio acadmico-profissional(p. 97).
Os trs tipos de memoriais descritos anteriormente, de formao,
composicional e descritivo - mesmo colaborando de alguma forma com o estudo
aqui proposto, no correspondem totalmente s necessidades da presente pesquisa.
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Para descrever a metodologia empregada nesta dissertao foi necessria a
construo/elaborao de um outro tipo de memorial, formado por um cruzamento
de ideias, que ser descrito a seguir.
3.1.2 A construo do Memorial
O memorial elaborado para esta pesquisa consiste em uma combinao de
diferentes aspectos presentes nos tipos de memorial anteriormente apresentados,
colaborando para uma reflexo sobre o meu processo de elaborao de arranjos
para piano em grupo, como uma anlise de decises, escolhas e alternativas
encontradas na minha experincia pedaggico-musical no ensino de piano.
O tipo de memorial utilizado como metodologia na presente pesquisa foi
construdo a partir de vrios autores. Com os recortes da literatura procuro elucidar
essa construo metodolgica e os fatores importantes para a escrita dessa
dissertao. Um primeiro fator a caracterstica do memorial que permite relembrar,
trazer para o presente experincias passadas, como mencionam Teixeira,
Zamberlan e Rasia:
O memorial se constitui em um exerccio de interrogao de nossas
experincias passadas para fazer aflorar no srecordaes/lembranas, mas tambm informaes que confiramnovos sentidos ao nosso presente. (TEIXEIRA, ZAMBERLAN eRASIA, 2009, p. 97)
Outro fator importante a reflexo sobre as experincias passadas, conforme
os autores mencionam:
O memorial o resultado de uma narrativa da prpria experinciaretomada a partir dos fatos significativos que nos vm lembrana.Elaborar um memorial consiste, ento, em fazer um exercciosistemtico de escrever a prpria histria, rever a prpria trajetria
devida e aprofundar a reflexo sobre ela. Esse um exerccio deautoconhecimento. O memorial est intimamente relacionado a umexerccio de reminiscncia, isto , de puxar pela memria.(TEIXEIRA, ZAMBERLAN e RASIA, 2009, p. 98)
Tambm em relao s experincias passadas, os autores afirmam que:
[...] o memorial um relato que reconstri a trajetria pessoal, maspossui uma dimenso reflexiva, pois requer que quem relata secoloque como sujeito que se auto-interroga e deseja compreender-secomo o sujeito de sua prpria histria. Assim, um esforo deorganizao e anlise do que vivemos. (TEIXEIRA, ZAMBERLAN e
RASIA, 2009, p. 98)
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O esforo de organizao e anlise mencionados pelos autores foram tarefas
essenciais nesta pesquisa. A organizao das memrias partiu das lembranas mais
recentes vividas com o grupo de piano ao ensaiarem as peas que fizeram parte
desta pesquisa. Em alguns momentos, a troca de ideias com os alunos sobre as
peas faziam aflorar mais lembranas pertinentes dissertao. A anlise dessas
lembranas ocorreu no momento da escrita da pesquisa, quando precisei revisar a
partitura e relembrar as alternativas e decises pedaggicas feitas a cada
compasso. Neste momento, passei a questionar e refletir sobre tais decises,
analisando o tipo de pedagogia utilizada e suas razes.
Um outro fator mencionado por Morisse, referindo-se a um memorial
descritivo para concurso como sendo um dossi, a escrita do memorial passando
por vrios mbitos como a lembrana que trazida da memria para o presente
para depois ser transmitida a outras pessoas, conforme explica:
O candidato vai escrever o fazer. A escrita ento apreendida comoum processo que permite integrar os dados da ao, reviver a ao nasituao presente, torn-la presente para si, entrar em contato com elae apresent-la aos outros, segundo uma configurao nova impostapelo dossi. Ele estabelece ento, o mais das vezes, pelo menosnuma primeira etapa, uma relao com a situao de refernciadominada pelo registro do afetivo e do sensorial, o que denominamosem outro lugar um postura encarnada, referindo-nos expresso de
Versmech. uma escrita na qual o candidato nem sempre guardadistncia entre o que ele escreve e o que faz. (MORISSE, 2012, p. 228- 229)
medida em que, como professora de piano, elaborava arranjos para um
grupo de alunos que deveriam tocar juntos em um mesmo piano, eu estava inserida
em um fazer pedaggico-musical que no me permitia esquecer dos indivduos que
tocariam tais peas. Essa preocupao com os alunos sempre norteou a elaborao
dos arranjos, logo, seria muito difcil pensar em um memorial sobre tal repertrio
guardando distncia entre o que se escreve e o que se faz, conforme
mencionou Morisse.
Da mesma forma, seria muito difcil manter-me indiferente, para a escrita
desta dissertao, em relao s situaes vividas nos ensaios do grupo, em que os
alunos procuravam alternativas por si prprios para solucionar dificuldades
especficas da atividade em grupo e criavam termos para definir alguma tcnica que
viabilizasse a performance em grupo. Um exemplo o termo viaduto, que os
alunos criaram para sintetizar a prtica de sobrepor duas mos para que pudessem
tocar notas muito prximas.
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medida em que relembro e descrevo uma prtica pedaggica musical,
posso tambm reviver a ao na situao presente, mencionado por Teixeira,
Zamberlan e Rasia como:
[...] olhar a vida por um retrovisor, dando a chance de enxergardeterminadas dimenses de nossa vida e refletir criticamente sobre osignificado delas em nossa trajetria, tendo como vantagem odistanciamento temporal. (TEIXEIRA, ZAMBERLAN e RASIA, 2009, p.99)
O distanciamento temporal, abordado por Teixeira, Zamberlan e Rasia, um
fator importante nesta pesquisa porque alguns arranjos analisados foram elaborados
em 2009, 2010 e 2011, algo que contribui para uma reflexo mais crtica com um
olhar diferenciado. Um exemplo disso a contribuio de um dos alunos para que
eu pudesse esclarecer na pesquisa uma situao ocorrida em aula, um padrortmico que nunca foi registrado na partitura. Isso aconteceu porque um dos alunos
criou um ritmo sincopado batendo com as mos na madeira do piano, no meio de
uma msica tocada pelo grupo, e tal percusso ficou agregada ao arranjo sem
precisar de notao. Para que eu pudesse escrever o ritmo, para exemplificar nesta
dissertao, precisei telefonar para o aluno e solicitar: como era mesmo o ritmo que
tu fazias no Rock? Bate a para eu poder escrever?. O menino, prontamente,
ignorando onde estava ou quem estava ao seu lado, bateu o ritmo no objeto maisprximo: assim, sora!
Seja qual for o tipo de memorial a ser feito, a memria um fator muito
importante na construo desta metodologia uma vez que as experincias passadas
so ativadas e trazidas pela memria6.
Outros autores tambm mencionam o olhar do presente, atual, sobre as
experincias do passado criando uma vantagem temporal que possibilita uma maior
reflexo sobre tais experincias, conforme explica Bosi:
[...] na maior parte das vezes, lembrar no reviver, mas repensar,com imagens e ideias de hoje, as experincias do passado... Alembrana uma imagem construda pelos materiais que esto agora nossa disposio no conjunto de representaes que povoam nossaconscincia atual. (BOSI 1994 apud ABRAHO 2003, p. 87)
6Em relao a esse fator outras metodologias tambm discorrem, como: a pesquisa autobiogrfica Histrias de vida, biografias, autobiografias, memoriais no obstante se utilize de diversas fontes,tais como narrativas, histria oral, fotos, vdeos, filmes, dirios, documentos em geral, reconhece-sedependente da memria [memria individual](ABRAHO, 2003, p. 80).
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Teixeira, Zamberlan e Rasia tambm mencionam Bosi ao afirmarem que o
passado constri o presente, que as experincias do passado definem a identidade
de cada um, citando:
O que esta autora [BOSI, 1979] quer enfatizar que no existepresente sem passado, ou seja, nossas vises e comportamentosesto marcados pela memria, por eventos e situaes vividas.(TEIXEIRA, ZAMBERLAN e RASIA, 2009, p. 98)
Em concordncia com as ideias de Bosi, Anastasiou tambm afirma que
relembrar, neste caso, trazer as lembranas para o memorial, contribui para a
reflexo sobre as experincias do passado e a construo da identidade,
mencionando que:
[...] o Memorial visa ampliar as possibilidades de retomar, de forma
reflexiva, momentos passados que sejam determinantes de nossomodo atual de ser e de se fazer professor, portanto, da constituio deidentidade pessoal e profissional. (ANASTASIOU, 2002, p. 5 e 6)
Em algumas oportunidades pude conversar com os alunos sobre as msicas
tocadas em anos anteriores pelo grupo, sendo que tais conversas contriburam para
que eu lembrasse detalhes que estavam esquecidos, ao mesmo tempo que
lembrava das peas sob o olhar dos alunos, j que eles mencionavam comentrios
prprios sobre o assunto, como: Speed of sound como Viva la vida, sora, no
acaba nunca! A msica Speed of soundera mais recente para o grupo do que Viva
la vida, mas ambas permitiam muitas repeties, o que levava os alunos a
confundirem o momento de terminar a msica e repetirem-na muitas vezes.
3.2 Como trabalhei com os dados
3.2.1 Sobre o material emprico
Os arranjos que foram analisados nessa pesquisa fazem parte de um acervo
com cerca de 480 partituras que fui elaborando ao longo dos anos de docncia no
ensino de piano, como j citado. Para a escolha das peas que fariam parte da
pesquisa foi preciso eleger alguns critrios. O primeiro foi o de selecionar arranjos
que foram feitos exclusivamente para serem tocados por vrios alunos no mesmo
piano. Depois de selecionadas essas peas, achei importante relembrar a maneira
como cada partitura foi elaborada, dando ento fundamento para o segundo critrio:escolher peas que foram escritas somente a partir do registro sonoro, ou seja,
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peas que foram tiradas de ouvido por mim. Esse critrio refletiu diretamente no
gnero das msicas selecionadas para a pesquisa, uma vez que, para elaborar um
arranjo de uma msica erudita para piano em grupo, eu usaria todas as ferramentas
disponveis: registro sonoro e a partitura. Porm, para elaborar um arranjo sobre
uma msica popular, as ferramentas disponveis so mais reduzidas, ao ponto de se
ter acesso somente ao registro sonoro, na maioria dos casos. Esse fato repetiu-se
vrias vezes na minha rotina como professora/arranjadora, por isso considero ser
um critrio importante a ser abordado na pesquisa.
As peas escolhidas foram: A Histria de uma Gata, do musical Os
Saltimbancos, de Luis Enrquez Bacalov e Chico Buarque; Three little birds, de Bob
Marley; Viva la vida e Speed of Sound, ambas do grupo Coldplay7. Tambm
entraram na pesquisa 3 (trs) peas que foram elaboradas no decorrer do ano de
2012: Rock and roll old times, de compositores variados, pois trata-se de um medley;
Paradise e Violet Hill, ambas do grupo Coldplay. Logo, foram analisadas nesta
pesquisa 7 (sete) peas, sendo 3 (trs) elaboradas durante o ano de 2012 e 4
(quatro) em anos anteriores.
A Histria de uma Gata
Three little birds Elaborados entre
Viva la vida 2009 a 2011
Msicas do Speed of Sound
Grupo Coldplay Paradise
Violet Hill Elaborados em 2012
Rock and roll old times
Dentre as 7 (sete) peas escolhidas, quatro so baseadas em msicas do
grupo Coldplay. Isso se deve extrema familiaridade que os alunos do grupo de
piano para o qual destinei esses arranjos tinham com esse repertrio, inclusive
algumas sugestes como Paradise eViolet Hillpartiram dos prprios alunos. Esse
7Coldplay uma banda britnica de rock alternativo fundada em 1996. formada por Chris Martin(vocalista principal), Jonny Buckland (guitarrista), Guy Berryman (baixista) e Will Champion(baterista). A msica Viva la vida faz parte do lbum Viva la Vida or Death and All His Friends,lanado em 2008.
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desejo dos alunos em tocar peas da sua banda preferida me contagiava ao ponto
de comear a escrever essas partituras, mesmo que eu tivesse apenas o registro
sonoro como base.
3.2.2 Elaborar arranjos: obra em construo
A maneira como se dava a elaborao de cada arranjo um tipo de obra em
construo, pois eu costumava criar um incio do arranjo, normalmente delimitado
pelo nmero de pginas, imaginando que uma ou duas pginas, cada pgina com
aproximadamente 16 (dezesseis) compassos, dependendo da msica, poderia gerar
atividade suficiente para uma aula com o grupo de piano. E, da mesma maneira, eu
teria como ponderar, durante o ensaio com os alunos, os pontos positivos e
negativos da partitura, j pensando nas mudanas, se necessrias ou no, e como
continuaria a escrita da pea. Todos esses detalhes refletiam dois objetivos: propor
arranjos considerando o nvel tcnico de acordo com cada aluno; e criar um efeito
sonoro semelhante msica original na qual o arranjo estava sendo baseado. Aps
um primeiro ensaio com o grupo lendo a partitura, eu j tinha uma ideia mais clara
de como o arranjo estava soando e dos cuidados que eu deveria ter na sequncia
da pea.
Da mesma forma, a continuao da pea tambm se dava em etapas pois eu
escrevia mais uma parte do arranjo para levar para a aula com o grupo, analisava as
dificuldades dos alunos e observava o resultado sonoro da pea para na semana
seguinte continuar a escrita do arranjo. Dependendo do tamanho da msica original
eu suprimia algumas repeties, pois tocada ao piano as pessoas no estariam
ouvindo a letra da msica, logo, uma parte no precisaria repetir tantas vezes, como
acontecia em algumas msicas. Assim, alguns arranjos levavam trs ou quatrosemanas para ficarem prontos, j outros poderiam levar mais, por volta de oito
semanas, como foi o caso do Rock nroll old times.
3.3 Anlise dos dados
3.3.1 Organizao
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Para a anlise dos dados optei por descrever de uma forma detalhada como
se deu o arranjo de cada pea. Para isso, iniciei o processo de relembrar a
elaborao dos arranjos mais recentes, ou seja, comecei pela primeira pea que
elaborei em 2012. Em cada arranjo procurei relembrar as alternativas e decises que
precisava tomar nas diferentes partes do arranjo, sendo um grande exerccio para a
minha memria lembrar de como me preocupei em escrever uma parte da msica de
maneira que ficasse fcil para determinadoaluno tocar, ou outra parte que deveria
dar conta de um ritmo especfico sem ficar fcil demais para um outro aluno.
Foi preciso tempo para lembrar o quo especfico era escrever um arranjo,
formado por partes, para alunos de nveis tcnicos diferentes poderem tocar juntos
uma mesma msica. Algo que parecia to trivial dentro da minha rotina como
professora tomou outras propores quando me vi tentando descrever este
processo, pois me dei conta da quantidade de detalhes que eu pensava durante a
elaborao dos arranjos sem perceber a importncia de cada um para a pea e para
o grupo de alunos que a executaria.
Comecei as anlises pelo arranjo Rock and roll old times, que foi escrito entre
maro e abril de 2012, por ser a pea mais recente e eu estar com todo o processo
de escrita mais vivo na memria. Depois, passei para a anlise da msica Paradise,
que foi escrita entre junho e julho de 2012. As outras peas foram escolhidas
conforme a minha facilidade de rememorar, sem relao com a poca em que foram
escritas: Viva la vida (elaborada em 2009), A histria de uma gata (elaborada em
2011); Violet Hill(elaborada em setembro de 2012), Speed of Sound(elaborada em
2010) e Three little birds(elaborada em 2011). Porm, a apresentao das anlises
no corpo desta dissertao segue a ordem cronolgica de elaborao das peas.
Para comear a escrever sobre cada arranjo foi preciso recorrer a alguns
recursos que estavam minha disposio e pudesse auxiliar no processo derelembrar, tais como: reler a partitura a ser analisada; ouvir a msica original na qual
foi baseado o arranjo; e, quando possvel, assistir ao vdeo dos alunos tocando a
pea. Porm, esse processo funcionou de maneira diferente a cada arranjo porque
alguns deles os alunos ainda tocavam durante o meu mestrado, que o caso das
peas Rock nroll old times, Paradisee Violet Hill. E para relembrar o processo de
elaborao dos arranjos de Viva la vida, Speed of sound eA histria de uma gata eu
tambm utilizei gravaes dos alunos tocando peas. Apenas um arranjo, de Threelittle birds,eu no tinha nenhum registro dos alunos tocando, logo, utilizei somente a
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partitura e a gravao da msica original como recursos para a escrita das anlises
desta pesquisa.
Ao escutar uma msica sobre a qual iria basear um arranjo, procurava escutar
todas as vozes apresentadas na gravao, pois essas deveriam aparecer no arranjo
para o grupo. Em alguns, como em Paradise, o baixo se tornou, para mim, o
personagem principal da escrita, pois foi a partir dele que constru a harmonia.
Outro personagem to importante quanto o baixo a melodia principal da
pea, que na maioria das vezes a voz cantada pelo intrprete, que divide com o
baixo essa responsabilidade de dar incio construo da partitura. Assim, a minha
escrita variava: ora comeando pelo baixo, ora pela melodia, dependendo de qual
dos dois estivesse mais claro na minha percepo.
Ao escutar uma msica j me deparei vrias vezes cantando a segunda voz,
feita normalmente pelo backing vocal, ou a melodia secundria feita por algum
instrumento em contraponto com a melodia principal. Essa tendncia leva-me a
valorizar outras melodias existentes na msica, alm da principal feita pela voz
cantada, o que me conduz a escrever tais melodias nos arranjos de forma a torn-
las mais evidentes do que a principal.
Quando falo em escrita de partituras musicais preciso esclarecer as
ferramentas utilizadas nesse processo. Desde o ano de 2000 venho utilizando o
Encore, um programa de edio de partituras que reproduz, mesmo em timbre
especfico de computador, a partitura que foi escrita. No sou grande conhecedora
desse tipo de software, mas sei que existem hoje vrios outros programas com a
mesma funo8, porm este o que eu j conhecia por isso o escolhi.
medida em que escrevia minhas consideraes a partir da escrita de Rock
nroll old times percebi que, alm das figuras de trechos da partitura, seria
necessrio utilizar cores para discriminar cada melodia e cada passagem da peapara que eu pudesse deixar mais claro para o leitor sobre qual parte estaria me
referindo no texto. Para isso usei um recurso disponvel no software Encore que
possibilita salientar diferentes notas musicais com variadas cores. Essa ferramenta
ajudou muito a discriminar cada trecho da msica sobre o qual eu precisava narrar,
possibilitando um esclarecimento mais preciso das minhas consideraes acerca de
cada partitura.
8 Outros software muito utilizados por professores de msica e arranjadores so: Sibelius, Finale eGuitar Pro. H tambm Software livres como: MuseScore, Rosegarden, Free Clef, entre outros.
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3.3.2 Sobre a escrita do memorial
A escrita sobre o processo de elaborao dos arranjos analisados nesta
pesquisa teve como base as partituras de cada pea. Para iniciar a anlise de cada
obra e dos procedimentos pedaggico-musicais recorri primeiro partitura resultante
da elaborao para tentar lembrar como foi a deciso de escolher essa pea, porque
iniciei daquela forma e utilizei determinada quantidade de claves, para depois buscar
outros elementos que me ajudassem a responder tais questes: a gravao original
da msica e a gravao dos alunos tocando aquele arranjo.
medida em que eu iniciava a escrita das anlises lembrava de
preocupaes que tinha durante a elaborao do arranjo, com a didtica do
instrumento e com o nvel tcnico dos alunos que a tocariam. Logo, para conseguir
explicar tais aspectos que eram claros para mim ao visualizar a partitura, precisei
utilizar o recurso de salientar os trechos e vozes da partitura com cores variadas,
facilitando a escrita do texto em concordncia com as figuras, no caso, trechos das
partituras analisadas.
Ao escrever sobre o material, relembrava tambm de algumas situaes
vividas nos ensaios do grupo que me ajudaram aprimorar a minha prtica de
elaborar dos arranjos. Foi preciso lembrar dessas situaes e descrev-las para a
pesquisa, pois tais momentos fizeram parte da construo de cada arranjo. As
palavras de Silva vo ao encontro dessa minha experincia ao afirmar que:
[...] o memorial uma atividade discursiva por meio da (e na) qual sed a conjuno de mltiplos processos a construo da memria, aemergncia da subjetividade e a constituio de posicionamentoidentitrios. No processo de escrita, alimentado pelas aes dolembrar, do recordar, emergem movimentos discursivos que pem em
cena atuao de um sujeito que reflete sobre si, sobre o seu processode subjetividade, sobre seus saberes profissionais. (SILVA, 2012, p.11)
Essa reflexo sobre as minhas memrias esclareceu um ponto importante da
pesquisa: o trabalho em processo, ou seja, a elaborao de partituras que dependia
de uma resposta do grupo de piano, um tipo de teste, para poder ser validada e
concluda. Isso dava-se pela minha dificuldade de conseguir tocar tais peas, pois,
como eram pensadas para quatro ou cinco alunos, eu no teria mos suficientes
para tocar sozinha. Nesse caso, eu sempre precisava ensaiar com os alunos para
verificar a sonoridade e a funcionalidade da partitura.
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No perodo da escrita das anlises msico-pedaggicas eu tinha, durante as
aulas com os grupos, conversas informais com os alunos, nas quais lembrvamos
juntos de alguns fatos e situaes que aconteceram nos ensaios que foram
importantes para a elaborao de alguns arranjos. Inclusive, lembramos juntos de
um termo que foi criado pelos prprios alunos para definir a prtica de tocar com as
mos muito prximas, ao ponto de se fazer necessria a sobreposio das mos,
chamada por eles de viaduto. Esse exemplo mostra que esta pesquisa foi baseada
na memria da autora com ajuda informal de seus alunos para lembrar peas
importantes desse quebra cabeas.
Explicitados os caminhos terico-metodolgicos adotados, o prximo captulo
apresenta as anlises dos 7 (sete) arranjos que compem o corpus emprico desta
pesquisa.
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4 OS ARRANJOS
4.1 Viva la vida
O arranjo sobre a msica Viva la Vida, do grupo Coldplay, foi elaborado em
2010 para o grupo de piano do Instituto de Educao Ivoti. Este grupo era composto
por cinco alunos, sendo que eles eram bastante familiarizados com esta msica
devido divulgao dada pela mdia na poca. Foi o desejo dos alunos em tocar
Coldplay que me levou a fazer um arranjo para piano em grupo. Essa pea foi
utilizada mais tarde, em 2012, nas aulas do grupo de piano da Fundarte, em
Montenegro, conforme ser descrito ao final deste captulo.
A msica original apresenta, no instrumental, um ritmo sincopado que se
mantm durante toda a msica, elemento que torna a pea reconhecvel ao ouvinte
logo no incio, podendo ser caracterizado como ostinato9. Assim, comecei a escrita
deste arranjo a partir do ostinato, no qual a voz do baixo faz a nota fundamental de
cada acorde em semnimas (Figura 1, em azul) e a voz intermediria faz o ritmo
sincopado aliado harmonia (Figura 1, em vermelho).
Figura 1 - Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 01 ao 04.
A deciso de escrever em trs sistemas se deu pela comparao com umabanda de msica popular, como o grupo Coldplay, que possui um baixista para
executar as notas mais graves, um guitarrista que executa a harmonia e algumas
melodias, uma bateria que executa um ritmo mais elaborado e um vocalista que faz
a melodia principal, na maioria das vezes. A partir dessa configurao elaborei o
arranjo de Viva la Vida, com o objetivo de tentar imitar essa formao de banda.
9 Segundo o Dicionrio Grove de msica, ostinato um termo que se refere repetio de umpadro musical por muitas vezes sucessivas. Um ostinato meldico pode ocorrer no baixo, comomelodia numa voz superior ou simplesmente como uma sucesso de alturas repetidas. (GROVE,1994, p. 687).
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Assim, transcrita para o grupo de piano, a disposio a seguinte: voz mais grave
executa uma melodia parecida com a do baixo da banda, podendo permanecer na
nota fundamental do acorde; a voz intermediria toca a harmonia trazida, muitas
vezes, pela guitarra com alguns ritmos marcantes feitos pela bateria; e a voz
superior apresenta a melodia feita pelo vocalista, que em muitos casos
considerada a melodia principal da msica. Logo, a disposio entre os alunos foi a
seguinte: um aluno tocava a voz do baixo; outro aluno a voz intermediria; e trs
alunos a voz mais aguda.
No caso desta pea, eu optei por usar a nota fundamental do acorde no baixo
para facilitar a execuo em grupo, dessa forma, tanto o aluno que tocaria a voz
grave quanto o que tocaria a voz intermediria estariam sabendo quais os acordes
que compem essa msica. Na voz intermediria, optei por usar apenas duas notas
do acorde para facilitar a execuo, de modo que o aluno pudesse permanecer na
posio do pentacorde de l menor para tocar todos os acordes da msica. Assim,
exemplifico na Figura 2 o dedilhado usado pelo aluno, com a mo direita, da voz
intermediria:
Figura 2- Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 01 ao 04.
Essa escrita, que utiliza uma nica posio de mo, facilitou a execuo ao
ponto que eu pudesse instigar esse aluno a tentar tocar a mesma passagem com a
mo esquerda, duplicando assim a voz intermediria, conforme exemplifico na
Figura 3 em vermelho.
Figura 3- Fragmento da partitura de Viva la vida, compassos 01 ao 04.
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Porm, fez-se necessrias modificaes na voz do baixo para no acontecer
cruzamento de vozes, os nossos (meu e dos alunos) esbarres. Essas
modificaes, que foram feitas apenas em forma de combinao com os alunos sem
nenhum registro escrito, deixaram a voz do baixo em uma posio mais confortvel,
pois o aluno utiliza apenas as notas do pentacorde de d maior, permitindo-o manter
uma posio fixa da mo para tocar essa voz. Com isso, a voz do baixo se tornou a
mais fcil, podendo ser tocada, inclusive, por um aluno que no tivesse fluncia de
leitura pelo fato de utilizar uma sequncia de quatro notas que se mantm durante
toda a msica. Porm, durante os ensaios, ficou claro que, apesar de ser a mais
simples, a voz do