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7/30/2019 Fichamento - Bourdieu1.doc http://slidepdf.com/reader/full/fichamento-bourdieu1doc 1/26 BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 152 p. Ao leitor MOTIVOS DA ESCRITA DO TEXTO (...) os perigos contra os quais forma acesos os contrafogos cujos efeitos eles queriam  perpetuar não são nem pontuais nem ocasionais. P.7 (...) poderão fornecer armas úteis a todos aqueles que tentam resistir ao flagelo neoliberal. P. 7 INTELECTUAL COLETIVO – (...) sempre o fiz com a esperança, se não de desencadear uma mobilização ou até um desses debates sem objeto nem sujeito que surgem periodicamente no universo da mídia, pelo menos de romper a aparência de unanimidade que constitui o essencial da força simbólica do discurso dominante. P. 8 CAPITAL SIMBÓLICO – (...) eles (jornalistas, jornais) não gostam de papéis assinados com uma sigla ou com vários nomes – esse é um dos obstáculos, e não dos menores, à constituição de um intelectual coletivo –, preferindo eliminar, seja depois de alguma negociação, seja, como aqui, sem consulta, os nomes que eles conhecem pouco. P. 8 A mão esquerda e a mão direita do Estado (...) O Sr. Pensa que esses depoimentos individuais e episódios podem levar à compreensão de um mal-estar coletivo? P. 9 MÃO ESQUERDA – MÃO DIREITA (...) Eles ( trabalhadores sociais: assistentes sociais, educadores, magistrados e também, cada vez mais, docentes e professores  primários) constituem o que eu chamo de mão esquerda do Estado, o conjunto dos agentes dos ministérios ditos “gastadores”, que são o vestígio, no seio do Estado, das lutas sociais do passado. Eles se opõem ao Estado da mão direita, aos burocratas do ministério das Finanças, dos bancos públicos e privados e dos gabinetes ministeriais. Muitos movimentos sociais a que assistimos (e assistiremos) exprimem a revolta da  pequena nobreza contra a grande nobreza do Estado. P. 10 ESTADO – (...) o Estado se retirou, ou está se retirando, de um certo número de setores da vida social que eram sua incumbência e pelos quais era responsável: a habitação  pública, a televisão e a rádio públicas, a escola pública, os hospitais públicos, etc. (...) já que se trata de um Estado socialista do qual se podia esperar pelo menos a garantia do serviço público, assim como do serviço aberto e oferecido a todos, sem distinção... O que se descreve como uma crise do político, um antiparlamentarismo, é na realidade um desespero a propósito do Estado como responsável pelo interesse público. P 10 – 11 SOCIALISTAS – Que os socialistas não tenham sido tão socialistas quanto apregoavam, isso não chocaria ninguém: os tempos são duros e a margem de manobra

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BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Traduçãode Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 152 p.

Ao leitor

MOTIVOS DA ESCRITA DO TEXTO(...) os perigos contra os quais forma acesos os contrafogos cujos efeitos eles queriam

 perpetuar não são nem pontuais nem ocasionais. P.7(...) poderão fornecer armas úteis a todos aqueles que tentam resistir ao flageloneoliberal. P. 7

INTELECTUAL COLETIVO – (...) sempre o fiz com a esperança, se não dedesencadear uma mobilização ou até um desses debates sem objeto nem sujeito quesurgem periodicamente no universo da mídia, pelo menos de romper a aparência de

unanimidade que constitui o essencial da força simbólica do discurso dominante. P. 8CAPITAL SIMBÓLICO – (...) eles (jornalistas, jornais) não gostam de papéis assinadoscom uma sigla ou com vários nomes – esse é um dos obstáculos, e não dos menores, àconstituição de um intelectual coletivo –, preferindo eliminar, seja depois de algumanegociação, seja, como aqui, sem consulta, os nomes que eles conhecem pouco. P. 8

A mão esquerda e a mão direita do Estado

(...) O Sr. Pensa que esses depoimentos individuais e episódios podem levar à

compreensão de um mal-estar coletivo? P. 9

MÃO ESQUERDA – MÃO DIREITA (...) Eles (trabalhadores sociais: assistentessociais, educadores, magistrados e também, cada vez mais, docentes e professores

 primários) constituem o que eu chamo de mão esquerda do Estado, o conjunto dosagentes dos ministérios ditos “gastadores”, que são o vestígio, no seio do Estado, daslutas sociais do passado. Eles se opõem ao Estado da mão direita, aos burocratas doministério das Finanças, dos bancos públicos e privados e dos gabinetes ministeriais.Muitos movimentos sociais a que assistimos (e assistiremos) exprimem a revolta da

 pequena nobreza contra a grande nobreza do Estado. P. 10

ESTADO – (...) o Estado se retirou, ou está se retirando, de um certo número de setoresda vida social que eram sua incumbência e pelos quais era responsável: a habitação

 pública, a televisão e a rádio públicas, a escola pública, os hospitais públicos, etc. (...) jáque se trata de um Estado socialista do qual se podia esperar pelo menos a garantia doserviço público, assim como do serviço aberto e oferecido a todos, sem distinção... Oque se descreve como uma crise do político, um antiparlamentarismo, é na realidade umdesespero a propósito do Estado como responsável pelo interesse público. P 10 – 11

SOCIALISTAS – Que os socialistas não tenham sido tão socialistas quantoapregoavam, isso não chocaria ninguém: os tempos são duros e a margem de manobra

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não é grande. Mas o que surpreende é que tenham contribuído a tal ponto para adepreciação da coisa pública (...) por todo tipo de medidas ou políticas (citarei apenas amídia) (...) P. 11

(...) resta um campo em que os governantes dispõem de toda a latitude: o campo dosimbólico. P. 12

Sem falar dos lucros simbólicos. A televisão contribui sem dúvida, tanto quanto as propinas, para a degradação da virtude civil. P. 12

(...) Em suma, a grande corrupção, cujo desvelamento provoca escândalo porque revelaa defasagem entre as virtudes professadas e as práticas reais, é apenas o limite de todasas pequenas “fraquezas” comuns, ostentação de luxo, aceitação açodada dos privilégiosmateriais ou simbólicos. P. 13

(...) (Egito Antigo) entre os dominados, a religiosidade pessoal (...) P. 13

(...) Do mesmo modo, tem-se a impressão, hoje, de que o cidadão (...) repele o Estado,tratando-o como uma potência estrangeira que ele utiliza do melhor modo para os seusinteresses. P.13

(...) Campo simbólico (...) não se refere apenas às condutas dadas como exemplo. Trata-se também das palavras, dos ideais mobilizadores (...) Falou-se muito do silêncio dos

intelectuais. O que me impressiona é o silêncio dos políticos. Eles carecemtremendamente de ideais mobilizadores. P. 13

(...) era melhor falar de gestão do que de autogestão e que era preciso, de qualquer forma, assumir a aparência (isto é, a linguagem) da racionalidade econômica. P. 14

Emparedados pelo economismo estreito e de curto alcance da visão-de-mundo-FMI, quetambém faz (e fará) tantos estragos nas relações Norte-Sul (...) Mais uma vez, a mãodireita, obcecada com a questão do equilíbrio financeiro, ignora o que faz a mãoesquerda, confrontada com as consequências sociais frequentemente muito dispendiosasdas “economias orçamentárias”. P. 14

INTELECTUAIS – A opinião de todo mundo é a opinião de quem? Das pessoas queescrevem nos jornais, dos intelectuais que pregam “menos Estado” e que enterramdepressa demais o público e o interesse do público pelo público... PARA ELABORAR A PERGUNTA DA MINHA TESE (...) põe imediatamente fora de discussão teses quedeveriam ser discutidas a valer. Seria preciso analisar o trabalho coletivo dos “novosintelectuais”, que criou um clima favorável ao retraimento do Estado e, maisamplamente, à submissão aos valores da economia. Cf. P. Bourdieu et. AL, L’économie

de La Maison” P. 15

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(...) O retorno ao indivíduo é também o que permite “acusar a vítima”, únicaresponsável por sua infelicidade, e lhe pregar a “auto-ajuda”, tudo isso sob o pretexto danecessidade incansável reiterada de diminuir os encargos da empresa. P. 15

(...) revolução simbólica (crise de 68) que abalou todos os detentores de capital

intelectual (...) P. 15

(...) O mundo intelectual é hoje o terreno de uma luta visando produzir e impor “novosintelectuais”, portanto, uma nova definição do intelectual e do seu papel político, umanova definição da filosofia e do filósofo, doravante empenhado nos vagos debates deuma filosofia política sem tecnicidade, de uma ciência social reduzida a uma politologiade sarau eleitoral e a um comentário descuidado de pesquisas comerciais sem métodos.P. 15

(O sociólogo) (...) questiona as evidências e sobretudo as que se apresentam sob a forma

de questões, tanto as suas quanto as dos outros. P 17

ARISTÓTELES: (...) noções e teses com as quais se argumenta, mas sobre as quais nãose argumenta. P17

O que defendo acima de tudo é a possibilidade e a necessidade do intelectual crítico, e principalmente crítico da doxa intelectual que os doxósofos difundem. (...) O intelectualé um contra-poder, e de primeira grandeza. É por isso que considero o trabalho dedemolição do intelectual crítico, morto ou vivo – Marx, Nietzche, Sartre, Foucault, ealguns outros classificados em bloco sob o rótulo de “pensamento 68” -, tão perigoso

quanto a demolição da coisa pública e inscrevendo-se no mesmo empreendimentoglobal de restauração. P. 17-18

Eu preferiria, evidentemente, que os intelectuais tivessem estado, (...) à altura da imensaresponsabilidade histórica que lhes cabe e que sempre tivessem empregado em suasações não apenas a sua autoridade moral, mas também a competência individual (...) p.18

Se não tenho nenhuma indulgência para com os intelectuais “irresponsáveis”, gostoainda menos desses responsáveis “intelectuais”, polígrafos polimorfos, que expelem sua

 produção anual entre dois conselhos de administração, três coquetéis para a imprensa ealgumas participações na televisão. P.18

PROPOSTAS – Desejo que os escritores, os artistas, os filósofos e os cientistas possamse fazer ouvir diretamente em todos os domínios da vida pública em que sãocompetentes. Creio que todo mundo teria muito a ganhar se a lógica da vida intelectual,da argumentação e da refutação, se estendesse à vida pública. Hoje, é lógica da política,da denúncia e da difamação, da “sloganização” e da falsificação do pensamento doadversário que se estende muitas vezes à vida intelectual. P18

(...) No momento em que as grandes utopias do século XIX revelaram toda a sua perversão, é urgente criar as condições para um trabalho coletivo de reconstrução de um

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universo de idéias realistas, capazes de mobilizar as vontades, sem mistificar asconsciências. P19

 Sollers tel quel 

(...) essas máscaras são montadas para enganar os verdadeiros destinatários do seudiscurso (...) p21

(...) a crítica da sociedade do espetáculo e o vedetismo da mídia (...) p22

(...) foi tragado por todas as ilusões e desilusões políticas e literárias do tempo. (...) p23

O destino dos estrangeiros como schibboleth

DEMAGOGIA ELEITORAL P. 27

FRANÇA – (...) julgar a capacidade que os candidatos têm de tomar partido, em todasas suas escolhas, entre a França mesquinha, regressiva, medrosa, protecionista,conservadora, xenófoba, e a França aberta, progressista, internacionalista, universalista.(...) p 28.

Os abusos de poder que se armam ou se baseiam na razão

(...) O racionalismo científico, o dos modelos matemáticos que inspiram a política doFMI ou do Banco Mundial, o das  Law firms, grandes multinacionais jurídicas queimpõem as tradições do direito americano ao planeta inteiro (...) p. 30

(...) A coerção econômica se disfarça muitas vezes de razões jurídicas. O imperialismose vale da legitimidade das instâncias internacionais. (...) Também faz parte da defesada razão os seus abusos de poder, ou se servem das armas da razão para fundamentar ou

 justificar um império arbitrário. P31

Com a palavra, o ferroviário

Essa declaração singular era a prova de que se pode resistir à violência que se exercecotidianamente, com toda a tranqüilidade, na televisão, no rádio ou nos jornais, atravésdos automatismos verbais, das imagens banalizadas, das falas batidas, e à

insensibilização que a violência produz, elevando pouco a pouco, em toda uma população, o limiar de tolerância ao insulto e ao desprezo racistas, minando as defesascríticas contra o pensamento pré-lógico e a confusão verbal (entre islã e islamismo,entre muçulmano e islamista, ou entre islamista e terrorista, por exemplo), reforçandosub-repticiamente todos os hábitos de pensamento e de comportamento herdados demais de um século de colonização e lutas coloniais. P34

(...) combater resolutamente todos aqueles que, no desejo de simplificar todas as coisas,mutilam uma realidade histórica ambígua para reduzi-la às dicotomias tranqüilizadorasdo pensamento maniqueísta que a televisão, inclinada a confundir um diálogo racional

com uma luta livre, instituiu como modelo. É infinitamente mais fácil tomar posição a

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favor ou contra uma idéia, um valor, uma pessoa uma instituição ou uma situação, doque analisar em que consistem na verdade, em toda a sua complexidade. P35

As realidades históricas são sempre enigmáticas e, sob sua aparente evidência, difíceisde decifrar; e certamente não existe nenhuma que apresente essas características em tão

alto grau quanto a realidade argelina. É por isso que ela representa, para o conhecimentoe para a ação, um extraordinário desafio: prova definitiva para todas as análises, ela étambém, e principalmente, uma pedra de toque para todos os engajamentos. P35

(...) a análise rigorosa das situações e das instituições é sem dúvida o melhor antídotocontra as visões parciais e contra todos os maniqueísmos – (...) p35

Contra a destruição de uma civilização

Estou aqui para oferecer nosso apoio a todos que lutam, há três semanas, contra a

destruição de uma civilização, associada à existência do serviço público, a da igualdaderepublicana dos direitos, direito à educação, à saúde, à cultura, à pesquisa, à arte, e,acima de tudo ao trabalho. P37

Essa oposição entre a visão a longo prazo da “elite” esclarecida e as pulsões a curto prazo do povo ou de seus representantes é típica do pensamento reacionário de todos ostempos e de todos os países; mas ela assume hoje uma forma nova, com a nobreza doEstado, que respalda a convicção da sua legitimidade no título escolar e na autoridadeda ciência, sobretudo da ciência econômica: para esses novos governantes de direitodivino, não só a razão e a modernidade, mas também o movimento e a mudança estão

do lado dos governantes, ministros, patrões ou “especialistas”; a desrazão e o arcaísmo,a inércia e o conservadorismo do lado do povo, dos sindicatos, dos intelectuais críticos.P37-38

 NEOLIBERALISMO – Essa nobreza de Estado, que prega a extinção do Estado e oreinado absoluto do mercado e do consumidor, substituto comercial do cidadão,assaltou o Estado: fez do bem público um bem privado, da coisa pública, da República,uma coisa sua. O que está em jogo hoje é a reconquista da democracia contra atecnocracia: é preciso acabar com a tirania dos “especialistas”, estilo Banco Mundial ouFMI, que impõem sem discussão os vereditos do novo Leviatã, “os mercados

financeiros”, e que não querem negociar, mas “explicar”; é preciso romper com a novafé na inevitabilidade histórica que professam os teóricos do liberalismo; é precisoinventar as novas formas de um trabalho político coletivo capaz de levar em contanecessidades, principalmente econômicas (isso pode ser tarefa dos especialistas), mas

 para combatê-las e, se for o caso, neutralizá-las. P 38-39

(...) problemas absolutamente fundamentais, importantes demais para serem relegados atecnocratas tão presunçosos quanto limitados (...) p39

Como lutar contra a precarização que atinge todo o pessoal dos serviços públicos e que

acarreta formas de dependência e de submissão, particularmente funestas nas empresas

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de difusão cultural, rádio, televisão ou jornalismo, pelo efeito de censura que exercem,ou mesmo no ensino? P40

 No trabalho de reinvenção dos serviços públicos, os intelectuais, escritores, artistas,eruditos etc. têm um papel determinante a desempenhar. Primeiro, podem contribuir 

 para quebrar o monopólio da ortodoxia tecnocrática sobre os meios de comunicação.Mas também podem lutar de maneira organizada e permanente, e não só nos encontrosocasionais de uma conjuntura de crise, ao lado daqueles que podem orientar eficazmente o futuro da sociedade, associações e sindicatos principalmente, e trabalhar 

 para elaborar análises rigorosas e propostas inventivas sobre as grandes questões que aortodoxia midiático-política proíbe apresentar: (...) p40

O que eu quis expressar, de qualquer forma, talvez sem muita habilidade – e pelo perdão aos que possa ter chocado ou entediado –, é uma solidariedade real para com osque hoje lutam para mudar a sociedade: penso efetivamente que só se pode combater eficazmente a tecnocracia, nacional e internacional, enfrentando-a em seu terreno

 privilegiado, o da ciência, principalmente da ciência econômica, e opondo aoconhecimento abstrato e mutilado de que ela se vale um conhecimento que respeite maisos homens e as realidades com as quais eles veem confrontados. P41

O mito da “mundialização” e o Estado social europeu

Ouve-se dizer por toda a parte, o dia inteiro – aí reside a força desse discurso dominante- que não há nada a opor à visão neoliberal, que ela consegue se apresentar comoevidente, como desprovida de qualquer alternativa. Se ela comporta esse espécie de

 banalidade, é porque há todo um trabalho de doutrinação simbólica do qual participam(...) um certo número de intelectuais. (...) parece-me que os pesquisadores têm um papela desempenhar. (...) eles podem analisar a produção e a circulação desse discurso (...)essa visão de mundo é produzida, difundida e inculcada. P42

(...) um trabalho constante foi feito, associando intelectuais, jornalistas, homens denegócios, para impor como óbvia uma visão neoliberal que, no essencial, reveste comracionalizações econômicas os pressupostos mais clássicos do pensamento conservador de todos os tempos e de todos os países. (...) A mesma coisa ocorreu na Inglaterra, e o

thatcherismo não nasceu com a sra. Thatcher. Ele foi longamente preparado por gruposde intelectuais que dispunham, em sua maioria, de espaço nos grandes jornais. Uma primeira contribuição possível dos pesquisadores poderia ser trabalhar na difusão dessasanálises, sob formas acessíveis a todos. P43

Esse trabalho de imposição, começado há muito tempo, continua hoje. P43

GOTA-A-GOTA SIMBÓLICO. P43

(...) É assim que, no fim das contas, o neoliberalismo se apresenta sob aparências dainevitabilidade. P44

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É todo um conjunto de pressupostos que são impostos como óbvios: (...) a produtividade e a competitividade, é o fim último e único das ações humanas; ou quenão se pode resistir às forças econômicas. (...) Outro pressuposto importante é o léxicocomum que nos invade, que absorvemos logo que abrimos um jornal, logo queescutamos o rádio, e que é composto, no essencial, de eufemismos. p44

(...) “cortar gorduras”, utilizando uma analogia esportiva (um corpo vigoroso deve ser esbelto). p44

(...) Há também todo um jogo com as conotações e as associações de palavras comoflexibilidades, maleabilidade, desregulamentação, que tendem a fazer crer que amensagem neoliberal é uma mensagem universalista de libertação. p44

ATENÇÃO – Nos Estados Unidos, assiste um desdobramento do Estado: (...) umEstado que mantém as garantias sociais, mas para os privilegiados, suficientemente

cacificados para que possam dar segurança, garantias; de outro, um Estado repressor, policialesco, para o povo.(...) P45

(...) um Estado (...) reduz cada vez mais à sua função policial. P46

 Nos Estados Unidos (...) é um processo de involução (...) p46

GLOBALIZAÇÃO – MITO: Falei da “globalização”: é um mito no sentido forte dotermo, um discurso moderno, uma “idéia-força”, uma idéia que tem força social, querealiza a crença. É a arma principal das lutas contra as conquistas do welfare state; os

trabalhadores europeus, dizem, devem rivalizar com os trabalhadores menosfavorecidos do resto do mundo. PRECARIZAÇÃO - Para que isso aconteça, propõe-secomo modelo, para os trabalhadores europeus, países em que o salário mínimo nãoexiste, onde operários trabalham 12 horas por dia por um salário entre ¼ e 1/15 dosalário europeu, onde não há sindicatos, onde crianças são postas para trabalhar etc. E éem nome desse modelo que se impõe flexibilidade (...) p49

(...) De modo geral, o neoliberalismo faz voltar, sob as aparências de uma mensagemmuito chique e muito moderna, as idéias mais arcaicas do patronato mais arcaico. (...)

 p49

(...) tenta assim tachar de arcaísmo o pensamento e a ação progressistas. Ela constituicomo normas de todas as práticas, logo como regras ideais, as regularidades reais domundo econômico entregue à sua lógica, a alegada lei do mercado, isto é, a lei do maisforte. Ela ratifica e glorifica o reino daquilo que se chama mercados financeiros (...) cujalei é a do lucro máximo, capitalismo sem freio e sem disfarce, mas racionalizado (...)

 p50

(...) revolução conservadora pode enganar (...) p50

(combater) uma volta ao capitalismo selvagem (...) é preciso revoltar aos fatos. (...) p50

Há também todos os efeitos (...) da política neoliberal. P51

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Observa-se exatamente a mesma coisa nos Estados Unidos, onde se assiste àmultiplicação dos empregos precários e sub-remunerados (que fazem baixar artificialmente as taxas de desemprego) (...) p51

(...) a proporção dos trabalhadores temporários cresce em relação à população dos

trabalhadores permanentes. A precarização e a flexibilização acarretam a perda dasinsignificantes vantagens (muitas vezes descritas como privilégios de “marajás”) (...) A

 privatização, por sua vez, acarreta a perda das conquistas coletivas. p 51-52

A isso se acrescenta, hoje, a destruição das bases econômicas e sociais das conquistasculturais mais preciosas da humanidade. A autonomia dos universos de produçãocultural em relação ao mercado, que não havia cessado de crescer graças às lutas e aossacrifícios dos escritores, artistas e intelectuais, está cada vez mais ameaçada. (...) p52

(...) sem falar das ciências sociais, condenadas a submeter-se às encomendas

diretamente interessadas das burocracias de empresas ou de Estado, ou a morrer pelacensura dos poderes (representados pelos oportunistas) ou do dinheiro. P53

Se a globalização é antes de tudo um mito justificador; há um caso em que ela é bemreal; é o dos mercados financeiros. (...) O mercado financeiro é um campo no qual osdominantes, os Estados Unidos nesse caso particular, ocupam uma posição tal que

 podem definir em grande parte as regras do jogo. (...) p53

RESUMO DO CAPITULO – Em suma, a globalização não é uma homogeneização... p54

(...) A política de um Estado particular é largamente determinada pela sua posição naestrutura da distribuição do capital financeiro (que define a estrutura do campoeconômico mundial). P54-55

Diante desses mecanismos, o que se pode fazer? Seria necessário refletir primeiro sobreos limites implícitos que a teoria econômica aceita. A teoria econômica não leva emconta, na avaliação dos custos de uma política, o que se chama de custos sociais. (...)

 p55

(...) Os crimes são impunes porque são esquecidos. Seria necessário que todas as forçassociais críticas insistissem na incorporação aos cálculos econômicos dos custos sociaisdas decisões econômicas. (...) coisas que custam caro em dinheiro, mas também emsofrimento? (...) é necessário questionar de forma radical a visão econômica queindividualiza tudo, tanto a produção como a justiça ou a saúde, os custos como oslucros, esquecendo que a eficiência – da qual ela dá uma definição estreita e abstrata,identificando-a tacitamente coma rentabilidade financeira para os acionistas einvestidores como hoje, ou satisfação dos clientes e usuários, ou, mais amplamente,satisfação e concordância dos produtores, dos consumidores, e, assim, sucessivamente,da maioria. (...) a violência estrutural exercida pelos mercados financeiros, sob forma de

desemprego, de precarização etc., tem sua contrapartida em maior ou menos prazo, sob

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forma de suicídios, de delinquência, de crimes, de drogas, de alcoolismo, de pequenasou grandes violências cotidianas. P56

 No Estado atual, as lutas críticas dos intelectuais, dos sindicatos e das associaçõesdevem se fazer prioritariamente contra o enfraquecimento do Estado. (...) p56

Historicamente, o Estado foi uma força de racionalização, mas que foi posta a serviçodas forças dominantes. (...) É preciso, portanto, tentar criar as bases organizacionais deum verdadeiro internacionalismo crítico, capaz de se opor verdadeiramente aoneoliberalismo. p57-58

SUPOSTO BÁSICO (...) Por que os intelectuais são ambíguos em tudo isso? P58

(...) a força da ideologia neoliberal se apoia a uma espécie de neodarwinismo social: (...)Por trás da visão mundialista da internacional dos dominantes, há uma filosofia da

competência, segundo a qual são os mais competentes que governam, e que têmtrabalho, o que implica que aqueles que não têm trabalho não são competentes. p58

(...) fazendo com que as desigualdades de inteligência sejam desigualdades sociais. p59

SÍNTESE – (...) A ideologia da competência convém muito bem para justificar umaoposição que se assemelha um pouco à dos senhores e dos escravos: de um lado, oscidadãos de primeira classe, que possuem capacidades e atividades muito raras eregiamente pagas, que podem escolher o seu empregador (enquanto os outros sãoescolhidos por seu empregador, no melhor dos casos), que estão em condições de obter 

altos salários no mercado de trabalho internacional, que são super-ocupados, homens emulheres (li um belo estudo inglês sobre esses casais de executivos loucos que corre omundo, pulam de um avião para outro, têm salários alucinantes que nem conseguemsonhar em gastar durante quatro vidas etc.), e depois, do outro lado, uma massa de

 pessoais destinadas aos precários ou ao desemprego. P 59

Max Weber dizia que os dominantes têm sempre (...) uma justificação teórica para ofato de serem privilegiados. (...) 59

(...) Por que se passou do intelectual engajado ao intelectual “descolado”? Em parte porque os intelectuais são detentores de capital cultural e porque, mesmo que sejamdominados pelos dominantes, fazem parte dos dominantes. É um dos fundamentos desua ambivalência, de seu tímido engajamento nas lutas. Eles participam confusamentedessa ideologia da competência. Quando se revoltam, é ainda, como em 33 naAlemanha, porque julgam que não recebem tudo o que lês é devido, dada a suacompetência, garantida por seus diplomas. P60

O pensamento Tietmeyer

(...) A ruptura dos laços de integração social que se pede à cultura para reatar é aconsequência direta de uma política, de uma política econômica. P62

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Que absurdo! – Eis que diz o “sumo-sacerdote do marco alemão”: “A questão, hoje, écriar as condições favoráveis para um crescimento duradouro e a confiança dosinvestidores. É preciso controlar os orçamentos públicos”. P63

(...) Logo, é esse sistema que é preciso reformar  urgentemente, porque os ganhos

econômicos dos investidores não poderiam esperar. (...) “É preciso portanto controlar osorçamentos públicos, baixar o nível das taxas e impostos até chegarem a um nívelsuportável a longo prazo, reformar o sistema de proteção social, desmatelar a rigidez domercado de trabalho, de modo que uma fase de crescimento só será atingida outra vez senós fizermos um esforço” – o “nós fizermos” é magnífico – “se nós fizermos umesforço de flexibilização do mercado de trabalho”. (...) p64

(...) trabalho noturno, o trabalho nos fins-de-semana, as horários irregulares, pressãoaumentada, estresse etc. (...) p66

(...) “A questão, hoje, é criar condições favoráveis a um crescimento duradouro e àconfiança dos investidores; é preciso portanto...” – observem o “portanto” – “...controlar os orçamentos públicos, baixar o nível das taxas e impostos até chegarem aum nível suportável a longo prazo, reformar os sistemas de proteção social, desmantelar a rigidez dos mercados de trabalho, de modo que uma nova fase de crescimento só seráatingida outra vez se nós fizermos um esforço de flexibilização dos mercados detrabalho”. (...) p67

Esse discurso de aparência econômica só pode circular além do círculo de seus promotores com a colaboração de uma multidão de pessoas, políticos, jornalistas,

simples cidadãos que têm um verniz de economia suficiente para poder participar dacirculação generalizada dos termos canhestros de uma vulgata econômica. (...) seimpondo uma visão dita neoliberal, na verdade conservadora, repousando sobre uma féde outra era na inevitabilidade histórica fundada na primazia das forças produtivas, semoutra regulação a não ser as vontades concorrentes dos produtores individuais. P68

Atenção – (...) a palavra “reforma”, por exemplo – visando apresentar uma restauraçãocomo uma revolução, segundo uma lógica que é a de todas as revoluções conservadoras.P69

(...) palavra-chave do discurso (...) a confiança dos mercados. P 69

(...) fracasso de toda política que não tenha outro fim senão a salvaguarda da “ordem eda estabilidade econômicas”, esse novo Absoluto do qual o Sr. Tietmeyer se fez o

 piedoso servidor, fracasso a que leva a cegueira política de alguns e pelo qual todos nós pagamos. P 70

Os pesquisadores, a ciência econômica e o movimento social

(...) um verdadeiro projeto de sociedade, coletivamente afirmado e capaz de se opor ao

que era imposto pela política dominante, pelos revolucionários conservadores que estão

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atualmente no poder, nas instâncias políticas e nas instâncias de produção de discursos.P71

(...) dimensão propriamente cultural e ideológica dessa revolução conservadora. (...)P71-72

(...) Há razões históricas. (...) O movimento francês pode ser considerado a vanguardade uma luta mundial contra o neoliberalismo e contra a nova revolução conservadora, naqual a dimensão simbólica é extremamente importante. Ora, penso que uma dasfraquezas de todos os movimentos progressistas está no fato de que eles subestimaram aimportância dessa dimensão e nem sempre forjaram armas adaptadas para combatê-la.Os movimentos sociais estão com um atraso de várias revoluções simbólicas em relaçãoa seus adversários, que utilizam assessores de comunicação, assessores de televisão etc.72-73

Atenção - A revolução conservadora revindica o neoliberalismo, assumindo assim umaroupagem científica, e a capacidade de agir como teoria. Um dos erros teóricos e

 práticos de muitas teorias – a começar pela marxista – foi esquecer de considerar aeficácia da teoria. Não devemos mais cometer esse erro. Lidamos com adversários quese armam com teorias, e trata-se, ao que me parece, de enfrentá-los com armasintelectuais e culturais. Para conduzir essa luta, em virtude da divisão do trabalho,alguns estão mais bem armados que outros, pois esse é o seu ofício (...) p73

(...) A força da autoridade científica (...) das consciências dos trabalhadores, é muitogrande. – (...) o consenso é, em geral um indício de verdade. P73

(...) O papel daquilo que se chama ideologia dominante é talvez desempenhado hoje por um certo uso da matemática (é claro que é um exagero, mas é um modo de chamar aatenção para o fato de que o trabalho de racionalização – o fato de dar razões para

 justificar coisas muitas vezes injustificáveis – encontrou hoje um instrumento muito poderoso na economia matemática) Diante dessa ideologia, que reveste de razão puraum pensamento simplesmente conservador, é importante contrapor razões, argumentos,refutações demonstrações, e isso implica fazer um trabalho científico. P 74

(...) vocabulário técnico. Essa cadeia muito poderosa exerce um efeito de autoridade.

(...) p74

(...) Nós sociólogos, sem fazer denúncias, podemos empreender o desmonte dessasredes e mostrar como a circulação das ideias é lastreada por uma circulação de poder.Há pessoas que trocam serviços ideológicos por posições de poder. (...) ligações ocultasentre as pessoas (...) p75

Essas pessoas elaboram coletivamente, sob a forma de consenso, um discurso fatalistaque consiste em transformar tendências econômicas e destino. (...) p75

PROPOSTAS - (...) perguntamos imediatamente aos intelectuais que se associam aomovimento social: “ Mas o que vocês propõem?” (...) O que podemos fazer é criar não

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um contra-programa, mas um dispositivo de pesquisa coletivo, interdisciplinar einternacional, associando pesquisadores, militantes, representantes de militantes etc.,tendo os pesquisadores um papel bem definido; eles podem participar de maneira

 particularmente eficaz, pois é sua profissão, de grupos de trabalho e de reflexão, emassociação com pessoas que estão no movimento. P76

(...) poderes de aparência intelectual (...) p76

É preciso inventar novas formas de comunicação entre os pesquisadores e os militantes,ou seja, uma nova divisão do trabalho entre eles. (...) “aldeia planetária”, demundialização etc. São palavras que parecem inocentes, mas através das quais passatoda uma filosofia, toda uma visão do mundo, que gera fatalismo e a submissão (...)municiarem de armas de resistência específicas, para combater os efeitos de autoridade,o domínio da televisão, que desempenha um papel absolutamente capital. (...) Nessaluta, o combate contra os intelectuais da mídia é importante. (...) é desejável que umafração dos pesquisadores aceite abrir mão de uma parte de seu tempo e de sua energia, àmaneira militante, para contra atacá-las. p77-78

Outro objetivo, inventar novas formas de ação simbólica (...) p78

(...) Aquilo que nós pesquisadores poderíamos sonhar é que uma parte de nossas pesquisas pudesse ser útil ao movimento social, ao invés de perder-se, como acontecefrequentemente hoje (...) p78-79

(...) luta contra o imperialismo neoliberal (...) É preciso reinventar o internacionalismo,

que foi captado e desviado pelo imperialismo soviético. Isto é, inventar formas de situar ao nível em que deve se dar o combate. (...) p79

 Por um novo internacionalismo

Os povos da Europa vivem hoje uma virada de sua história, porque as conquistas devários séculos de lutas sociais, combates intelectuais e políticos pela dignidade dostrabalhadores estão diretamente ameaçadas. (...) são revoltas contra uma política queassume formas diferentes segundos os domínios e segundo os países e que, todavia, seinspira sempre pela mesma intenção, isto é, destruir as conquistas sociais (...) p81.

(...) Condenaríamos como conservadora a defesa das conquistas culturais dahumanidade, Kant ou Hegel, Mozart ou Beethoven? As conquistas sociais de que falo,direito do trabalho, previdência social, pelas quais homens e mulheres sofreram ecombateram, são conquistas igualmente importantes e preciosas e que, além disso, nãosobrevivem apenas nos museus, bibliotecas e academias, mas estão vivas e atuantes navida das pessoas, comandando a sua existência de todos os dias. (...) P82

(...) Em outros termos, defende-se que a integração política da Europa decorreránecessariamente, inevitavelmente, da integração econômica. (...) P82

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(...) segundo a filosofia neoliberal que pretende apagar todos os vestígios do Estado(social) como obstáculos ao funcionamento harmonioso dos mercados. P 84

A coordenação europeia das lutas está muito atrasada. As organizações sindicaisdeixaram passar ocasiões importantes, como a greve alemã pelas 35 horas, que não

repetida em nível europeu, ou as grandes mobilizações levadas a cabo, na França e emvários países europeus, no fim de 95 e no começo de 96, contra a política de austeridadee de desmantelamento dos serviços públicos. Os intelectuais – sobretudo na Alemanha – ficaram silenciosos, ou então agiram como intermediários do discurso dominante. P 87

Como criar as bases de um novo internacionalismo, no nível sindical, intelectual e popular?

PROPOSTAS – contribuição específica dos intelectuais, na medida em que adesmobilização resulta em parte da desmoralização determinada pela ação permanente

de “propaganda” dos ensaístas e dos jornalistas, propaganda que não se reconhece nemé percebida como tal. As bases sociais para o sucesso de tal mobilização existem: citareiapenas os efeitos das transformações das relações no sistema escolar, com, em especial,a elevação do nível de instrução, a desvalorização dos títulos escolares e a consequentedesclassificação estrutural, e também o enfraquecimento da distância entre os estudantese os trabalhadores braçais (subsiste a distância entre os velhos e os moços, entre ostitulares e os precarizados ou proletariados, mas foram se criando laços reais, por exemplo, através do filhos de operários educados atingidos pela crise). (...) P 88

(...) a massa global das remunerações do capital tendo aumentado em 60%, enquanto a

remuneração do trabalho assalariado ficava estável. Essa ação de mobilizaçãointernacional supõe que se dê um lugar importante ao combate pelas idéias (rompendocom a tradição “obreirista” persistente nos movimentos sociais, sobretudo na França, eque impede que se dê o justo lugar às lutas intelectuais nas lutas sociais), e

 particularmente à critica das representações que produzem e propagam continuamenteas instâncias dominantes e seus pensadores de plantão, falsas estatísticas, mitologiasreferentes ao pleno emprego na Inglaterra ou nos Estados Unidos, etc. P88

Segunda forma de intervenção em favor de um internacionalismo capaz de promover 

um Estado social transnacional, a ação sobre e através dos Estados nacionais que, naconjuntura atual, e na falta de visão global do futuro, são incapazes de administrar ointeresse geral comunitário. É preciso atuar sobre os Estados nacionais, por um lado

 para defender e reforçar as conquistas históricas associadas ao Estado nacional (e muitasvezes tanto mais importantes e tanto mais enraizadas nos “habitus” quanto mais forte éo Estado, como na França) (...) p89

MAIS PROPOSTAS, DENTRE OUTRAS – (...) a definição de  salários mínimos

(diferenciados por zonas, para levar em conta as disparidades regionais); a elaboraçãode medidas contra a corrupção e a fraude fiscal , (...) a diminuição dos encargos que

incidem sobre o trabalho, o desenvolvimento de direitos sociais, como a formação, a

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elaboração de um direito ao emprego, à habitação e a invenção de uma política externaem matéria social, visando difundir e generalizar as normas sociais europeias (...) P90

O que se pode parecer um simples catálogo de medidas disparatadas se inspira, de fato,na vontade de romper com o fatalismo do pensamento neoliberal, de “desfatalizar”

 politizando, substituindo a economia naturalizada do neoliberalismo por uma economiada felicidade que, fundada nas iniciativas e na vontade humanas, abre lugar em seuscálculos aos custos em sofrimento e aos lucros em realização pessoal, que o cultoestritamente economicista da produtividade e da rentabilidade ignora. P91

(...) contra todos os profetas da infelicidade que querem convencê-los de que o seudestino está nas mãos de potências transcedentes, independentes e indiferentes, como os“mercados financeiros” ou os mecanismos da “mundialização”, quero afirmar, com aesperança de convencê-los, que o futuro, o seu futuro, que também é o nosso, o de todosos europeus, depende muito dos senhores, como alemães e como sindicalistas. P92.

A televisão, o jornalismo e a política

 Nega os mecanismos invisíveis (...) p94

LUGAR DA POLÍTICA NA TV - Em um universo dominado pelo temor de ser entediante e pela preocupação (quase pânico) de divertir a qualquer preço, a política estácondenada a aparecer como um assunto ingrato, que se exclui tanto quanto possível doshorários de grande audiência, um espetáculo pouco excitante, ou mesmo deprimente, edifícil de tratar, que é preciso tornar interessante a qualquer preço. Daí a tendência que

se observa por toda parte, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, a sacrificar cadavez mais o editorialista e o repórter-investigador em favor do animador-comendiante, ainformação, análise, entrevista aprofundada, discussão de conhecedores ou reportagemem favor do puro divertimento e, em particular, das tagarelices insignificantes do talk shows (...) P95

(...) eles (os jornalistas) tendem, com efeito, a levar tudo para um terreno em que são peritos, interessando-se mais pelo jogo e pelos jogadores do que por aquilo que está em jogo, mais pelas questões de pura tática política do que pelas substâncias dos debates(...) P97

Todos esses mecanismos concorrem para produzir um efeito global de despolitizaçãoou, mais exatamente, de desencanto com a política. Sem que haja necessidade de que talocorra explicitamente, a busca do divertimento acaba por desviar a atenção para umespetáculo (ou um escândalo) (...) um processo sensacionalista), que reduzimos aoabsurdo reduzindo-os ao que se dá a ver no instante, no atual, e separando-os de todosos seus antecedentes ou de suas consequências. P 100

(...) por todos os processos que, à maneira da deriva dos continentes, permanecemdesapercebidos e imperceptíveis no instante, e apenas revelam plenamente seus efeitos

com o tempo, vem redobrar os efeitos da amnésia estrutural favorecida pela lógica do pensamento no dia-a-dia (...) p100

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Essa visão des-historicizada e des-historicizante, atomizada e atomizante, encontra suarealização paradigmática na imagem que dão do mundo as atualidades televisivas,sucessão de histórias aparentemente absurdas que acabam todas por assemelhar-se,desfiles ininterruptos de povos miseráveis, sequencias de acontecimentos que, surgidos,sem explicação, desaparecerão sem solução (...) p101

A concorrência leva a televisão a produzir (...) uma sucessão absurda de desastres sobreos quais não se compreeende nada e nada pode se fazer. Insinua-se assim, pouco a

 pouco, uma filosofia pessimista da histórica que encoraja a desistência e a resignaçãoem lugar de estimular a revolta e a indignação. Ao invés de mobilizar e de politizar,uma tal filosofia acaba contribuindo para avivar os temores xenófobos, assim como ailusão de que o crime e a violência não param de crescer (...) P102

(...) o jogo político é um assunto de profissionais, para encorajar, sobretudo entre osmenos politizados, um desengajamento fatalista evidentemente favorável à manutençãoda ordem estabelecida. P 103

(...) cinismo manipulador dos produtores de televisão (...) p103

 A precaridade está por toda parte

(...) de que servem todas essas discussões intelectuais (realizadas nas reuniões eruditas)?Paradoxalmente, são os pesquisadores que se preocupam mais com essa questão, ouaqueles a quem essa questão mais preocupa (...) (pouco representativos de uma

 profissão (economistas) na qual são muito raros os que se preocupam com a realidade

social ou mesmo com a realidade propriamente dita), e que se fazem diretamente essa pergunta (e sem dúvida é muito bom que seja assim). Ao mesmo tempo brutal eingênua, ela lembra aos pesquisadores suas responsabilidades, que podem ser muitograndes, ao menos quando, por seu silêncio ou cumplicidade ativa, eles contribuem paraa manutenção da ordem simbólica que é a condição do funcionamento da ordemeconômica. P 119-120.

O intelectual negativo

Ação dos intelectuais com os refugiados argelinos – (...) levar o socorro e a proteção

 possíveis, mas também para tentar informar, compreender e fazer compreender umarealidade complexa, e que lutaram incansavelmente por meio de intervenções públicas,entrevistas coletivas, artigos nos jornais, para desvincular a crise argelina das análisesunilaterais, todos esses intelectuais de todos os países que se uniram para combater aindiferença ou a xenofobia, para lembrar o respeito pela complexidade do mundodesfazendo as confusões deliberadamente mantidas por alguns, descobriramsubitamente que todos os seus esforços podiam ser destruídos, aniquilados em doistempos e com três movimentos. P 132-133

INTELECTUAL NEGATIVO – (...) O intelectual negativo cumpriu sua missão: quem

dirá que é solidário dos estripadores, dos estupradores e dos assassinos – principalmentequando se trata de gente que é chamada, sem outra consideração histórica, de “loucos do

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islã”, envolvidos sob o rótulo infame de islamismo, resumo de todos os fanatismosorientais, feito para dar desprezo racista o álibi indiscutível da legitimidade ética eleiga? P133

Para situar o problema em termos tão caricaturais, não é preciso ser um grande

intelectual. Mas é o que faz o responsável por essa operação de baixa polícia simbólica – antítese absoluta de tudo o que define o intelectual, a liberdade em relação aos poderes, a crítica das idéias prontas, a demolição das alternativas simplistas (...) p 133

O neoliberalismo, utopia (em vias de realização) de uma exploração sem limites

(...) através do seu braço armado, o FMI ou a OCDE, e das políticas drásticas que elesimpõem, redução do custo da mão-de-obra, corte das despesas públicas e flexibilizaçãodo trabalho? E se fosse apenas, na realidade, a prática de uma utopia, o neoliberalismo,assim convertida em  programa político, mas uma utopia que, com a ajuda da teoria

econômica a que se filia, consegue se pensar como a descrição científica do real? P135

(...) (e em particular da disposição calculadora aplicada às coisas econômicas, que estána base da visão neoliberal) e das estruturas econômicas e sociais (...) omissão, nosistema de ensino, que nunca é levado em conta enquanto tal, numa época em que eletem um papel determinante tanto na produção dos bens e dos serviços quanto na

 produção dos produtores. (...) a obstinação fatal com a qual ela se apega à oposiçãoarbitrária que faz existir apenas com a sua própria existência, entre a lógica

 propriamente econômica, fundada na concorrência e portadora de eficiência, e a lógicasocial, submetida à regra da equidade. P136

(...) o discurso neoliberal não é um discurso como os outros. (...) sobretudo orientandoas escolhas econômicas daqueles que dominam as relações econômicas e acrescentandoassim a sua força própria, propriamente simbólica, a essas relações de força. Em nomedesse programa cientifico de conhecimento convertido em programa político de ação,cumpre-se um imenso trabalho político (renegado, pois aparentemente puramentenegativo) que visa criar as condições de realização e de funcionamento da “teoria”; um

 programa de destruição metódica dos coletivos (a economia neoclássica querendo lidar apenas com indivíduos, mesmo quando se trata de empresas, sindicatos ou famílias).

P137O movimento, que se tornou possível pela política de desregulamentação financeira, emdireção à utopia neoliberal de um mercado puro e perfeito se realiza através da açãotransformadora e, devemos dizer, destruidora de todas as medidas políticas (das quais amais recente é o AMI, Acordo Multilateral sobre o Investimento, destinado a proteger contra os Estados nacionais as empresas estrangeiras e seus investimentos) colocandoem risco todas as estruturas coletivas capazes de resistirem à lógica do mercado puro:nação, cujo espaço de manobra não pára de diminuir;  grupos de trabalho, com, por exemplo, a individualização dos salários e das carreiras, em função das competências

individuais e a resultante atomização dos trabalhadores; coletivos de defesa dos direitosdos trabalhadores, sindicatos, associações, cooperativas; até a  família que, através da

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constituição de mercados por classes de idade, perde uma parte dos seu controle sobre oconsumo. O programa neoliberal extrai sua força social da força político-econômicadaqueles cujos interesses ele exprime – acionistas, operadores financeiros, industriais,

 políticos conservadores ou social-democratas convertidos às desistências apaziguadoresdo laisser-faire, altos funcionários das finanças, tanto mais obstinados em impor uma

 política pregando sua própria extinção porque, ao contrario dos executivos dasempresas, eles não correm nenhum risco de pagar eventualmente por suasconsequências. O programa neoliberal tende assim a favorecer globalmente a rupturaentre a economia e as realidades sociais, e a construir desse mundo, na realidade, umsistema econômico ajustado à descrição teórica, isto é, uma espécie de máquina lógica,que se apresenta como uma cadeia de constrangimentos enredando os agenteseconômicos. P137-138

(...) mundialização dos mercados financeiros (...) As próprias empresas, defrontando-se

com tal ameaça permanente, devem se ajustar, de modo cada vez mais rápido àsexigências dos mercados (...) P138

(...) reino absoluto da flexibilidade; (...) prática de entrevistas individuais de avaliação;(...) P139

(...) mundo darwiniano (...) 139

CORPO – (...) exército de reserva de mão-de-obra docilizada pela precarização (...) Nem se trata a rigor de um exército, pois o desemprego isola, atomiza, individualiza,desmobiliza e rompe com a solidariedade. P 140

Essa violência estrutural também pesa sobre o que se chama contrato de trabalho (...) a parcelo de empregos temporários não para de crescer, (...) os dominados estão numa posição das criaturas num universo cartesiano; estão paralisados pela decisão arbitráriade um poder responsável pela “criação continuada” de sua existência – como prova elembra a ameaça do fechamento da fábrica, do desinvestimento e do deslocamento. P140-141

(...) A generalização da eletrônica, da informática e das exigências de qualidade, queobriga todos os assalariados a novas aprendizagens (...) Mais talvez do que as

manipulações tecnocráticas das relações de trabalho e as estratégias especialmentearmadas a fim de obter a submissão e a obediência, objeto de uma atenção incessante ede uma reinvenção permanente (...) crença na hierarquia das competências escolarmentegarantidas que funda a ordem e a disciplina na empresa privada e também, cada vezmais, na função pública: obrigados a pensar-se em relação à elite detentora dos títulosescolares mais cobiçados, destinada às tarefas de comando, e à pequena classe dosempregados e dos técnicos restritos às tarefas de execução e sempre em situação derisco (...) outrora objeto de orgulho, enraizado em tradições e em toda uma herançatécnica e política, o grupo operário, se é que existe ainda enquanto tal, está fadado à

desmoralização, à desvalorização e à desilusão política, que se exprime na crise da

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militância ou, pior ainda, na adesão desesperada às teses do extremismo fascitóide. P141-142

(...) utopia neoliberal (...) efeitos destruidores do domínio que eles exercem (...) P142

(...) os altos funcionários e os políticos (...) que exigem a suspensão de barreirasadministrativas ou políticas capazes de incomodar os detentores de capitais na busca puramente individual da maximização do lucro individual instituído como modelo deracionalidade, que querem bancos centrais independentes, que pregam a subordinaçãodos Estados nacionais às exigências da liberdade econômica para os donos da economia,com a supressão de todas as regulamentações sobre todos os mercados, a começar pelomercado de trabalho, a proibição dos déficits e da inflação, a privatização generalizadados serviços públicos, a redução das despesas públicas e sociais. P143

INTELECTUAIS LIBERAIS – (...) formação intelectual, em geral puramente livresca e

teoricista, eles são, como outros em outros tempos no campo da filosofia, particularmente inclinados a confundir as coisas da lógica com a lógica das coisas. (...)eles participam e colaboram para uma formidável mudança econômica e social. P144

Efeitos imediatos da utopia neoliberal (...) o agravamento extraordinário das diferençasentre as rendas, o desaparecimento progressivo dos universos autônomos de produçãocultural, cinema, dos próprios produtos culturais, (...) E a nova ordem moral, fundada nainversão de todas as tábuas de valores, se afirma no espetáculo, prazerosamentedifundido pela mídia, de todos esses importantes representantes do Estado, querebaixam a sua dignidade estatutária ao multiplicar as reverências diante dos patrões de

multinacionais, Daewoo ou Toyota, ou ao competir com sorrisos e acenos coniventesdiante de um Bill Gates. P 144-145

RESISTÊNCIA – Mas essas mesmas forças de “conservação”, frequentemente tratadascomo forças conservadoras, são também, sob outro aspecto, forças de resistência àinstauração da ordem nova, podendo se tornar subversivas nas seguintes condições: soba condição prévia de que se saiba conduzir a luta propriamente simbólica contra otrabalho incessante dos “pensadores” neoliberais, para desacreditar e desqualificar aherança de palavras, tradições e representações associadas às conquistas históricas dos

movimentos sociais (...) toda a página fala sobre o tema RESISTÊNCIA P147

BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2: Por um movimento social europeu. Tradução deAndré Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

 Prefácio

Por razões que provavelmente devem-se a mim, mas sobretudo à situação do mundo,cheguei a pensar que aqueles que têm a oportunidade de dedicar sua vida ao estudo do

mundo social não podem ficar neutros e indiferentes, distanciados das lutas das quais oresultado será o futuro desse mundo. Essas lutas são, em parte essencial, lutas teóricas,

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nas quais os dominantes podem contar com milhares de cumplicidades, espontâneas ouremuneradas (...) P7

ATENÇÃO! A vulgata neoliberal (...) não resulta de uma geração espontânea. É produto do trabalho prolongado e constante de uma imensa força de trabalho intelectual,

concentrado e organizado em verdadeiras empresas de produção, difusão e intervenção(...) P 7-8

É preciso reatar hoje com a tradição consolidada no século XIX no campo científicoque, recusando-se entregar o mundo às forças cegas da economia, queria estender aoconjunto do mundo social os valores de um mundo científico sem dúvida idealizado. P8

CAPES – (...) Mas estou convencido de que é preciso, custe o que custar, introduzir nodebate público, de onde estão tragicamente ausentes, as conquistas da ciência – e de

 passagem chamar à prudência os ensaístas loquazes e incompetentes que ocupam ao

longo do tempo os jornais, rádios e televisões – liberando assim a energia crítica que permanece aprisionada dentro dos muros da cidade erudita, em parte por uma virtudecientífica mal comprometida, que proíbe ao homo academicus misturar-se aos debates

 plebeus do mundo jornalístico e político, em parte pelo efeito dos hábitos de pensamento e de escrita que fazem com que os especialistas achem mais fácil e tambémmais bem remunerado, do ponto de vista dos lucros propriamente acadêmicos, reservar os produtos de seu trabalho para publicações científicas que não são lidas senão por seus

 pares. P9

Mas através de que a ação fazer com que os saberes deixem a cidade erudita ou, mais

difícil, fazer com que os pesquisadores intervenham no universo político? (...)intelectual peticionário e solidário (...) inventar uma nova relação entre pesquisadores eos movimentos sociais, que poderia se fundar na recusa da separação, mas semconcessão à ideia de uma “fusão”, e na recusa da instrumentalização, mas semconcessão aos devaneios antiinstitucionais?P 10

A política não parou de se afastar dos cidadãos. P 11

(...) Não se pode esperar uma verdadeira transformação dessas instituições, cada vezmais submissas às diretrizes de organismos internacionais que visam liberar o mundo de

todos os obstáculos pelo exercício de um poder econômico cada vez mais concentrado(...) P12

(...) incitar todos os pesquisadores competentes a unir seus esforços àqueles dosresponsáveis militantes para discutir e elaborar coletivamente um conjunto de análises e

 propostas de progresso (...) P12-13

(...) projeto de sociedade (...) P13

 Por um movimento social europeu

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CAPES – CORPO - (...) Não existe com efeito precondição mais absoluta para aconstrução de um movimento assim do que o repúdio de todas as maneiras habituais de

 pensar o sindicalismo, os movimentos sociais e as diferenças nacionais nesses domínios;nem uma tarefa mais urgente do que a criação de novas maneiras de pensar e agir impostas pela precarização. P25

 NOVA FORMA DE DISCIPLINA SOCIAL – Precarização. (...) e o novo sindicalismodeverá saber se apoiar sobre as novas solidariedades entre vítimas da política de

 precarização, quase tão numerosas hoje em profissões de forte capital cultural como oensino, as profissões da saúde e os ofícios de comunicação (como os jornalistas) quantonos empregados e operários. (...) P 25

(...) as estratégias ambíguas do novo modo de dominação são elas próprias muitofrequentemente exercidas, em todos os níveis da hierarquia social, por vítimas deestratégias similares, instrutores precários encarregados de acompanhar e assistir 

 populações das quais estão bem próximos por sua condição etc., todos levados aingressar nas ilusões partilhadas e por elas arrebatados. (...) P26

(...) necessidade vital do internacionalismo ou, mais precisamente, dainternacionalização dos modos de pensamento e das formas de ação. (...) P27

 A imposição do modelo americano e seus efeitos

TESE – As políticas econômicas aplicadas em todos os países da Europa, e que asgrandes instâncias internacionais – Banco Mundial, OMC e FMI – impõe por toda a

 parte no mundo, invocam a autoridade da ciência econômica. (...) P 28

(...) Primeiro postulado: a economia seria um domínio autônomo governado por leisnaturais e universais que os governos não devem contrariar; segundo postulado: omercado seria o meio ótimo de organizar a produção e as trocas de maneira eficaz eequânime nas sociedades democráticas; terceiro postulado: a “globalization” exigiria aredução das despesas do Estado, especialmente no domínio dos direitos sociais emmatéria de emprego e de segurança social, tudo ao mesmo tempo por dispendiosos edisfuncionais. P30

(...) o Estado desertou de qualquer função econômica, vendendo as empresas que possuía, convertendo bens públicos como a saúde, a habitação, a segurança, a educaçãoe a cultura – livros, filmes, televisão e rádio –  em bens comerciais e os usuários em

clientes, subcontratando os “serviços públicos” no setor privado, renunciando a seu poder de fazer a desigualdade recuar (a qual tende a crescer de maneira descontrolada) edelegando a níveis inferiores de autoridade (região, cidade etc.) as funções sociais, tudoisso em nome da velha tradição liberal de  self help (herdada da crença calvinista de queDeus ajuda aqueles que ajudam a si próprios) e da exaltação conservadora daresponsabilidade individual (...) P31

Em terceiro lugar, o culto do individuo e do “individualismo”, fundamento de todo o pensamento econômico neoliberal, é um dos pilares da doxa sobre a qual, segundo

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Dorothy Ross, foram construídas as ciências sociais americanas. A ciência econômicarepousa em uma filosofia da ação, o individualismo metodológico, que não quer e não

 pode conhecer senão as ações ciente e conscientemente calculadas de agentes isolados,visando fins individuais e egoístas ciente e conscientemente determinadas. (...) P32

(...) conservadorismo, e isso com a cumplicidade dos próprios europeus, em uma lógicaque não deixa de lembrar a da colonização. P35

 Por um conhecimento engajado

TESE - MUITO BOM - Como não disponho de muito tempo e gostaria que meudiscurso fosse tão eficaz quanto possível, irei diretamente à questão que desejo colocar diante dos senhores: os intelectuais e, mais precisamente, os pesquisadores, e mais

 precisamente ainda, os especialistas em ciências sociais podem e devem intervir nomundo político e sob que condição podem fazê-lo eficientemente? Que papel podem

desempenhar no movimento social, em escala nacional e sobretudo internacional, isto é,no nível mesmo em que atualmente se joga o destino dos indivíduos e das sociedades?Como podem contribuir para a criação de uma nova maneira de fazer política? P36

TESE - (...) os intelectuais (sempre entendendo por isso os artistas, escritores ecientistas que se engajam numa ação política) são indispensáveis à luta social, hojemuito particularmente, considerando as formas absolutamente novas assumidas peladominação. (...) devemos opor as produções de redes críticas, reunindo “intelectuaisespecíficos” (no sentido de Foucault) num verdadeiro intelectual coletivo ele própriocapaz de definir os objetos e os fins de sua reflexão e de sua ação, em suma autônomo.

Esse intelectual coletivo pode e deve cumprir primeiramente funções negativas, críticas,trabalhando para produzir e disseminar instrumentos de defesa contra a dominaçãosimbólica armada atualmente, o mais das vezes, pela autoridade da ciência; forte pelacompetência e autoridade do coletivo reunido, ele pode submeter o discurso dominantea uma crítica lógica que se atenha sobretudo ao léxico (“globalização”, “flexibilidade”etc.) (...) P 39

(...) Todo pensamento crítico está portanto para ser reconstruído, e ele não pode, comoacreditava-se em outros tempos, ser obra de uma pessoa só, mestre-pensador entregue

apenas aos recursos de seu pensamento singular ou porta-voz autorizado por um grupoou instituição a transmitir a suposta palavra das pessoas sem palavras. P40

É aí que o intelectual coletivo pode desempenhar seu papel, insubstituível, contribuindo para criar as condições sociais de uma produção coletiva de utopias realistas. Podeorganizar ou orquestrar a pesquisa coletiva de novas formas de ação política, de novasmaneiras de mobilizar e fazer trabalhar conjuntamente as pessoas mobilizadas, denovas maneiras de elaborar projetos e realizá-los em comum. Pode desempenhar um

 papel de parteiro dando assistência à dinâmica dos grupos de trabalho em seu esforço para exprimir, e ao mesmo tempo descobrir, o que são e o que poderiam ou deveriam

ser e contribuindo na coleta e acumulação do imenso conhecimento social sobre omundo social de que o mundo social está carregado. (...) P 40

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A tarefa (acima) é ao mesmo tempo extremamente urgente e extremamente difícil. (...)P 41

(...) combinação improvável, mas indispensável: o conhecimento engajado,  scholarship

with committment , ou seja, uma política de intervenção no mundo político que obedeça,

na medida do possível, às regras em vigor no campo científico. (...) só é verdadeiro e plenamente possível para e por uma organização capaz de orquestrar o trabalho coletivode um conjunto internacional de pesquisadores, artistas e cientistas. Nesseempreendimento coletivo, é sem dúvida aos cientistas que cabe o papel primordial, emum momento em que as forças dominantes não cessam de invocar a autoridade daciência, sobretudo econômica. P44

Contra a política de despolitização

(...) De fato, muitas forças progressistas, estruturas de resistência, a começar pelos

sindicatos, estão ligadas ao Estado nacional. E tanto as estruturas institucionais quantoas estruturas mentais. As pessoas estão habituadas a lutar no âmbito nacional. A questãoé saber se as novas estruturas de mobilização transnacionais conseguirão absorver asestruturas tradicionais, que são nacionais. O que é certo é que esse movimento socialdeve se apoiar no Estado mas mudando o Estado, se apoiar nos sindicatos mas mudandoos sindicatos, ao preço de um trabalho enorme e, em grande parte, intelectual. Uma dasfunções dos pesquisadores poderia ser (idealmente) desempenhar o papel de consultoresem organização do movimento social ajudando os diferentes grupos a superar suasdiferenças. P 66-67.

(...) A política neoliberal contribui também para o enfraquecimento dos sindicatos. (...)P69

PROPOSTAS - Associar os pesquisadores e os militantes – (...) reunir todas as forçasdisponíveis (...) contra uma outra divisão igualmente funesta, a que separa os

 pesquisadores e os militantes (...) o trabalho dos pesquisadores é indispensável paradescobrir e desmontar as estratégias elaboradas e aplicadas pelas grandes empresasmultinacionais e os organismos internacionais que, como a OMC, produzem e impõemregulamentações à pretensão universal capaz de paulatinamente conferir realidade à

utopia neoliberal de desregulamentação generalizada. (...) diferentes por sua formação esua trajetória social, os pesquisadores engajados num trabalho militante e os militantesligados a um empreendimento de pesquisa devem aprender a trabalhar em conjunto,superando todas as prevenções negativas que podem ter uns a respeito dos outros edesprezando as rotinas e os pressupostos associados ao pertencimento a universossubmetidos a leis e lógicas diferentes, isso graças a instauração de modos decomunicação e de debate de um tipo novo. Essa é uma das condições para que se possacriar coletivamente, no e pelo confronto crítico das experiências e das competências, umconjunto de respostas que deverão sua força política ao fato de que serão ao mesmotempo sistemáticas e enraizadas em aspirações e convicções comuns. P 70-71

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Só um Movimento Social Europeu fortalecido por todas as forças acumuladas nasdiferentes organizações dos diferentes países e instrumentos de informação e críticaelaborados conjuntamente em lugares específicos de informação e de discussão como osestados gerais será capaz de resistir às forças ao mesmo tempo econômicas eintelectuais das grandes empresas internacionais e de seus exércitos de consultores,especialistas e juristas reunidos em suas agências de comunicação, seus gabinetes e suasconsultorias em lobbying . Capaz também de substituir os fins cinicamente impostos por instâncias orientadas pela busca do lucro máximo a curto prazo por objetivos econômicae politicamente democráticos de um Estado social europeu dotado dos instrumentos

 políticos, jurídicos e financeiros necessários para eliminar a força bruta e brutal dosinteresses estritamente econômicos. (...) P71

(A proposta acima) (...) quer contribuir para fazê-lo existir na prática trabalhandoincessantemente por uma conjunção das forças sociais da resistência à altura das forças

econômicas e culturais hoje em dia mobilizadas a serviço da política de “globalização”.P72

(...) atraem a atenção dos cidadãos para alvos fictícios (...) P74

CAPES - (...) umas das questões mais importantes e difíceis é saber para que nívelconvém trazer a ação política: para o nível local, ou nacional, ou europeu, ou mundial?De fato, os imperativos científicos se associam com os imperativos políticos para impor que se remonte na cadeia das causas até a causa mais geral (...) em se tratando daemigração não há dúvida de que, no âmbito nacional, somente é possível apreender 

fatores que, como a política do Estado nacional, além de flutuarem em função dosinteresses dos dominantes, deixam escapar o essencial, ou seja, os efeitos da políticaneoliberal, ou, mais precisamente, das políticas ditas de ajuste estrutural, em especialdas privatizações: estas têm como consequência, em muitos países, a derrocada daeconomia e, com isso, as demissões em massa, o que favorece um vasto movimento deemigração forçada e a constituição de um exército de reserva mundial, que coloca todoseu peso (como os sem-documento clandestinos) sobre a mão-de-obra nacional, elamesma precarizada, e sobre suas reivindicações salariais. P 75

(...) as instâncias dominantes exprimem sem maquiagem (sobretudo nos textos da

OMC) a nostalgia de uma emigração à antiga, isto é, feita de trabalhadores descartáveis,temporários, solteiros, sem família e sem proteção social (como os sem-documento),destinados a oferecer aos quadros estafados da economia dominante os serviços baratos(em boa parte femininos) de que precisam. Poder-se-ia fazer uma demonstração análogaa propósito das mulheres de que são vítimas (...) P76

(...) as ações (...) contra as instâncias do governo mundial invisível, são mais difíceis deorganizar e também mais efêmeras, ainda que, mesmo apoiando-se em redes eorganizações, são antes o fato de uma agregação de forças individuais. (...) 76-77

(...) Essas ações coletivas realizadas graças à coordenação de coletivos devem,apoiando-se num trabalho teórico que vise formular objetivos políticos e sociais para

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uma verdadeira Europa social (...) capaz de dar vida, apenas por sua vigência, a umespaço político europeu que, no momento atual, não existe. 77

 A cultura está em perigo

(...) creio necessário difundir o mais amplamente possível o que me parece ser o pontode vista da pesquisa mais avançada sobre os efeitos que os processos ditos deglobalização podem ter em matéria de cultura. 80

(...) Os microcosmos relativamente autônomos no interior dos quais a cultura produzidadevem garantir, junto com o sistema escolar, a produção dos produtores econsumidores. 86

(...) é tudo isso que se vê ameaçado atualmente através da redução da obra a um produtoe a uma mercadoria. (...) 88

(...) grande público, pouco preparado para apreciar experiências específicas, sobretudoformais. (...) 88

Essa tradição de internacionalismo específico, propriamente cultural, opõe-seradicalmente, apesar das aparências, ao que se chama de “globalization”. Palavra quefunciona como uma senha e uma palavra de ordem, é com efeito a máscara justificadorade uma política que visa universalizar os interesses e a tradição particulares das

 potências econômicas e politicamente dominantes (...) 90

(...) Os campos de produção cultural, instituídos apenas muito progressivamente e ao

 preço de imensos sacrifícios, são profundamente vulneráveis diante das forças datecnologia aliadas às forças da economia (...) 91

(...) eu poderia parecer exagerado – profeta da desgraça – tão enormes são as ameaçasque as medidas neoliberais impõem a cultura. (...) abertura de todos os serviços às leisde livre comercio, tornando assim possível a transformação de todas as atividades deserviço, inclusive aquelas que correspondem a direitos fundamentais como a educação ea cultura, em mercadorias e fontes de lucro (...) 91-92

A extraordinária perversidade dessa política deve-se a dois efeitos que se acumulam:

 primeiro, é protegida contra a crítica e a contestação pelo sigilo de que cercam aquelesque a produzem; depois, é carregada de efeitos, às vezes propositais, que passamdesapercebidos, no momento de sua realização, àqueles que irão sofrê-los, e os quais sósurgirão com um atraso mais ou menos longo, impedindo as vítimas de denunciá-laimediatamente (...) 93

(...) todas as realidades correspondentes, comissões e comitês de tecnocratas não eleitos, pouco conhecidos do grande público, constituem um verdadeiro governos mundialinvisível, em todo caso desapercebido e desconhecido da maioria, cujo poder é exercidosobre os próprios governos nacionais. (...) 95

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(...) os grandes grupos de comunicação contribuem decisivamente para a circulaçãoquase universal da doxa intrusiva e insinuante do neoliberalismo (...) 95

Aqueles que se empenham em combatê-las não contam, no próprio seio dos campos de produção cultural, nem com um jornalismo estruturalmente solidário (o que não exclui

exceções) das produções, ou dos produtores mais diretamente orientados para asatisfação direta do público mais vasto, nem, tampouco, com os “intelectuaismidiáticos”, que preocupados antes de tudo com sucessos imediatos, devem suaexistência à sua submissão às expectativas do mercado (...) Isso significa que a posiçãodos produtores culturais mais autônomos, pouco a pouco desapossados de seus meios de

 produção e sobretudo de distribuição, provavelmente nunca esteve tão ameaçada e tãofrágil, mas nunca tão rara, útil e preciosa. 97

Unificar para melhor dominar 

(...) a unificação beneficia dos dominantes, cuja diferença está constituída como capitalapenas pelo fato de instituírem essa relação. (...) 99

(...) Assim, vê-se favorecida a formação de um capo econômico mundial, sobretudo dodomínio financeiro (em que os meios informáticos de comunicação tendem a acabar com as distancias temporais que separavam os diferentes mercados nacionais). 100

É preciso voltar à palavra “globalization” (...) passando sub-repticiamente do sentidodescritivo do conceito normativo, ou melhor, performativo: a “globalization” designaentão uma política econômica que visa unificar o campo econômico por todo um

conjunto de medidas jurídico-políticas destinadas a suprimir todos os limites a essaunificação, todos os obstáculos, em sua maioria ligados ao Estado-nação, a essaextensão. Isso define, com precisão, a política neoliberal, inseparável da verdadeira

 propaganda econômica que lhe confere uma parte de sua força simbólica através daambiguidade da noção. 101

(...) E essa política, assim como, em sua escala própria, aquela que dera origem aosmercados nacionais, tem por efeito (...) criar as condições de dominação confrontando

 brutalmente agentes e empresas até então encerrados nos limites nacionais com aconcorrência de forças produtivas e modos de produção mais eficientes e poderosos.

101

(...) Sabemos que, de maneira geral, a igualdade formal dentro da desigualdade real éfavorável aos dominantes. 102

A palavra “globalization” é, como veremos, um pseudoconceito ao mesmo tempodescritivo e prescritivo que ocupou o lugar da palavra “modernização”, (...) 102

(...) através dessa palavra, é o processo de unificação do campo mundial da economia edas finanças, quer dizer, a integração de universos econômicos nacionais até então

estanques e doravante organizados com base no modelo de uma economia enraizada nas particularidades históricas de uma tradição social particular (...) 103

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(...) a política de “globalization” é sem dúvida em si mesma a melhor ilustração dessadessimetria, uma vez que visa estender ao conjunto do mundo, mas sem reciprocidade,em mão única (quer dizer, em associação com um isolacionismo e um particularismo), omodelo mais favorável aos dominantes. 106

A unificação do campo econômico mundial pela imposição do reino absoluto do livrecomercio, da livre circulação do capital e do crescimento orientado para a exportaçãoapresenta a mesma ambiguidade que a integração no campo econômico nacional emoutros tempos (...) esse “projeto de sociedade” serve aos dominantes (...) 107

(...) Elas vêm reforçar no plano simbólico a ação quase mecânica da competiçãoeconômica imposta aos Estados nacionais, qual seja, a de jogar o jogo da concorrênciano terreno da fiscalidade (permitindo exonerações) ou das vantagens competitivas(oferecendo infra-estruturas gratuitas). 108

Esses diferentes campos estão hoje estruturalmente submetidos ao campo financeiromundial. (...) 109

(...) as taxas de juros a longo prazo tendem doravante a serem fixadas não mais por instancias nacionais, mas por um pequeno número de operadores internacionais quecomandam as tendências dos mercados financeiros. (...) 110

(...) a integração no campo econômico mundial tende a enfraquecer todos os poderesregionais ou nacionais (...) desacreditando todos os modelos de desenvolvimento (...)deixa os cidadão impotentes diante das potências transnacionais da economia e das

finanças. As políticas ditas de “ajuste estrutural” visam garantir a integração dentro dasubordinação das economias dominadas. (...) 111

Essa unificação, diferentemente daquela outrora operada, na Europa, na escala doEstado nacional, é feita sem Estado – contra o desejo de Keynes de criação de um bancocentral mundial produzido uma moeda de reserva neutra capaz de garantir intercâmbiosiguais entre todos os países – e apenas a serviço dos dominantes (...) É a lógica docampo e a força própria do capital concentrado que impõem relações de forçafavoráveis aos interesses dos dominantes. Estes detêm os meios de transformar essasrelações de força em regras do jogo aparentemente universais através das intervenções

falsamente neutras das grandes instancias internacionais (FMI, OMC) por elesdominadas ou sob o véu das representações da economia e da política que estão emcondições de inspirar e impor e que tinham encontrado sua formulação mais bemacabada no projeto do AMI (...) 114

(...) sem dúvida não é insensato esperar que os efeitos da política de uma pequenaoligarquia atenta apenas a seus interesses econômicos a curto prazo possam favorecer osurgimento progressivo de forças políticas, elas também mundiais, capazes de impor 

 pouco a pouco a criação de instancias transnacionais encarregadas de controlar as forçaseconômicas dominantes e subordiná-las a fins realmente universais. 115