Desigualdadede Bessel

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CAPÍTULO 2 Espaços com Produto Interno Espaços com produto interno foram introduzidos em um curso de Álgebra Linear. 1 Algumas propriedades de um espaço com produto interno independem de sua dimensão ser finita. Isso acontece, por exemplo, com a desigualdade de Cauchy- Schwarz e a identidade do paralelogramo. Neste capítulo estudamos as propriedades básicas dos espaços com produto interno. Em seguida, estudamos bases ortonormais (uma generalização do conceito em dimensão finita) e caracterizamos os espaços de Hilbert. 2.1 Produto Interno A primeira seção deste capítulo relembra conceitos e propriedades elementares de um espaço com produto interno. Se você estiver bem familiarizado com esse conteúdo, detenha sua atenção apenas nos exemplos que apresentaremos. (Um tratamento alternativo e mais aprofundado de alguns tópicos desta seção pode ser encontrado no Apêndice ??.) Definição 2.1 Seja E um espaço vetorial sobre o corpo K. Um produto interno em E é uma função , ·i : E × E K satisfazendo as seguintes propriedades: (i ) hu, vi = hv, ui; (ii ) hu + λv, wi = hu, wi + λhv, wi; (iii ) hu, ui≥ 0 e hu, ui = 0 se, e somente se, u = 0. Se E for um espaço vetorial sobre os complexos, o espaço E e o produto interno também são chamados, respectivamente, de espaço hermitiano ou unitário e produto hermitiano. Assim, um produto interno é linear na primeira variável. Decorre da propriedade (i ) que um produto interno é anti-linear na segunda variável: 2 hu, v + λwi = hu, vi + ¯ λhu, wi. 1 Veja, por exemplo, [AL], Capítulo 8. 2 Em geral, autores fortemente ligados à Física preferem colocar a linearidade na segunda variável. 1

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Desigualdades de bessel e aplicações

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CAPÍTULO 2

Espaços com Produto Interno

Espaços com produto interno foram introduzidos em um curso de Álgebra Linear.1

Algumas propriedades de um espaço com produto interno independem de suadimensão ser finita. Isso acontece, por exemplo, com a desigualdade de Cauchy-Schwarz e a identidade do paralelogramo.

Neste capítulo estudamos as propriedades básicas dos espaços com produtointerno. Em seguida, estudamos bases ortonormais (uma generalização do conceitoem dimensão finita) e caracterizamos os espaços de Hilbert.

2.1 Produto Interno

A primeira seção deste capítulo relembra conceitos e propriedades elementares deum espaço com produto interno. Se você estiver bem familiarizado com esse conteúdo,detenha sua atenção apenas nos exemplos que apresentaremos. (Um tratamentoalternativo e mais aprofundado de alguns tópicos desta seção pode ser encontrado noApêndice ??.)

Definição 2.1 Seja E um espaço vetorial sobre o corpo K. Um produto interno em E é umafunção 〈· , ·〉 : E × E → K satisfazendo as seguintes propriedades:

(i) 〈u, v〉 = 〈v, u〉;

(ii) 〈u + λv, w〉 = 〈u, w〉+ λ〈v, w〉;

(iii) 〈u, u〉 ≥ 0 e 〈u, u〉 = 0 se, e somente se, u = 0.

Se E for um espaço vetorial sobre os complexos, o espaço E e o produto interno também sãochamados, respectivamente, de espaço hermitiano ou unitário e produto hermitiano.

Assim, um produto interno é linear na primeira variável. Decorre da propriedade(i) que um produto interno é anti-linear na segunda variável:2

〈u, v + λw〉 = 〈u, v〉+ λ〈u, w〉.1Veja, por exemplo, [AL], Capítulo 8.2Em geral, autores fortemente ligados à Física preferem colocar a linearidade na segunda variável.

1

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2 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

Exemplo 2.2 Os espaços Rn e Cn são espaços com produto interno, definindo-se

〈x, y〉 =n

∑i=1

xi yi = (y1 . . . yn)

x1...

xn

= yt x,

em que y é a matriz obtida ao se tomar o conjugado em cada coordenada de y. Esse é oproduto interno canônico no espaço Kn. ¢

Exemplo 2.3 Consideramos o espaço CL2

([a, b],K

)no Capítulo ??. Em CL2

([a, b],K

),

definimos

〈 f , g〉 =∫ b

af (x)g(x)dx.

É imediato verificar que 〈·, ·〉 é um produto interno. Na verdade, esse é um produtointerno em L2

([a, b],K

). ¢

Exemplo 2.4 Introduzimos no Capítulo ?? o espaço `2, das sequências em K dequadrado somável:

`2 =

{x = (xn)n∈N :

∑n=1

|xn|2 < ∞

}.

Em `2, definimos o produto interno 〈x, y〉 =⟨(xn), (yn)

⟩= ∑∞

n=0 xnyn. (Adesigualdade |xnyn| ≤ (1/2)

[|xn|2 + |yn|2]

garante que a série é absolutamenteconvergente.) A verificação que 〈·, ·〉 é um produto interno é simples. ¢

Exemplo 2.5 O Teorema ?? do Apêndice ?? garante que todo espaço vetorial V 6= {0}possui uma base de Hamel. Se B = {xγ : γ ∈ Γ} for uma base de Hamel de V ,definimos, para α, γ ∈ Γ,

〈xγ, xα〉 ={

1, se γ = α,0, se γ 6= α.

Se x = ∑ki=1 αixδi e y = ∑`

i=1 βixεi , estendendo a definição de 〈·, ·〉 linearmente,obtemos um produto interno no espaço V . (Observe que a extensão ocorre aoconsiderarmos combinações lineares de elementos da base de Hamel.)

Notamos, contudo, que a existência de uma base em X não significa que podemosexplicitar seus elementos. Assim, geralmente, não há como calcular o produto internode quaisquer elementos do espaço e a definição dada acima para o produto internotorna-se meramente teórica. ¢

Definição 2.6 Sejam u, v vetores do espaço com produto interno E. Dizemos que esses vetoressão ortogonais (ou perpendiculares), se 〈u, v〉 = 0. Nesse caso, escrevemos u ⊥ v.

Vamos mostrar que ‖u‖ = 〈u, u〉1/2 ≥ 0 define uma norma. Para isso, notamosinicialmente que, com essa definição, temos

(i) 0 = ‖u‖ = 〈u, u〉1/2 ⇔ u = 0;

(ii) ‖λu‖ = 〈λu, λu〉1/2 =(λλ

)1/2 〈u, u〉1/2 = |λ| ‖u‖;

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2.1. PRODUTO INTERNO 3

Teorema 2.7 (Pitágoras)Seja E um espaço com produto interno e ‖u‖ = 〈u, u〉1/2. Então, se u ⊥ v, temos

‖u + v‖2 = ‖u‖2 + ‖v‖2.

Demonstração: Basta desenvolver ‖u + v‖2:

‖u + v‖2 = 〈u + v, u + v〉 = 〈u, u〉+ 〈u, v〉+ 〈v, u〉+ 〈v, v〉 = ‖u‖2 + ‖v‖2,

pois u e v são ortogonais. 2

Suponhamos agora que E seja um espaço real. Então 〈u + v, u + v〉 = ‖u‖2 +2 〈u, v〉+ ‖v‖2. Se valer o Teorema de Pitágoras, então u ⊥ v. (Veja o Exercício 2.)

Se u, v ∈ E forem dois vetores linearmente independentes (com u 6= λv para todoλ ∈ K), então podemos escrever o vetor v como a soma de dois vetores: v = αu + w,em que w é ortogonal a u. De fato, como devemos ter w = v − αu, basta mostrar queexiste α ∈ K tal que 〈v − αu, u〉 = 0. Essa equação pode ser resolvida facilmente:

〈v − αu, u〉 = 0 ⇔ α =〈v, u〉‖u‖2 .

(Note que ‖u‖ = 0 implica u = 0v e os vetores u e v são linearmente dependentes.)O vetor αu = 〈v,u〉

‖u‖2 u é a projeção ortogonal do vetor v sobre o vetor u.

- -��

���6

projvu

w

v

u

Figura 2.1: O vetor projvu = (〈u, v〉/‖v‖2)v é a projeção ortogonal do vetor u no vetornão nulo v.

Proposição 2.8 (Desigualdade de Cauchy-Schwarz)Seja E um espaço com produto interno. Então, se ‖u‖ = 〈u, u〉1/2, para todos u, v ∈ E

vale:|〈u, v〉| ≤ ‖u‖ ‖v‖.

A igualdade apenas ocorre se u = λv.

Demonstração: A prova que apresentaremos é bem geométrica.3

Se u = λv, então |〈u, v〉| = |λ| 〈v, v〉 = |λ| ‖v‖2 = ‖u‖ ‖v‖. Se u 6= λv, já vimos queexiste α ∈ K tal que |〈v − αu, u〉| = 0 para α = 〈v, u〉/‖u‖2. Pelo Teorema de Pitágoras,temos

‖αu‖2 < ‖v‖2.

Substituindo o valor de α, obtemos

|〈v, u〉|2‖u‖4 ‖u‖2 < ‖v‖2,

e a desigualdade (estrita) de Cauchy-Schwarz segue-se imediatamente daí, pois|〈v, u〉| = |〈u, v〉|. 2

3Outra demonstração é sugerida no Exercício 3.

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4 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

Todo espaço com produto interno é um espaço normado:

Proposição 2.9 Todo espaço com produto interno E tem uma norma definida por ‖u‖ =〈u, u〉1/2. Dizemos que essa norma é gerada pelo produto interno.

Demonstração: Para completar a demonstração de que ‖u‖ = 〈u, u〉1/2 define umanorma, basta provar a desigualdade triangular. Denotando por Re z a parte real dez ∈ C, temos que

‖u + v‖2 = 〈u + v, u + v〉 = ‖u‖2 + 〈u, v〉+ 〈v, u〉+ ‖v‖2

= ‖u‖2 + 2Re |〈u, v〉|+ ‖v‖2 (2.1)≤ ‖u‖2 + 2Re |〈u, v〉|+ ‖v‖2

≤ ‖u‖2 + 2‖u‖ ‖v‖+ ‖v‖2 = (‖u‖+ ‖v‖)2 2

Se um espaço com produto interno (com a topologia gerada por sua norma) forcompleto, dizemos que ele é um espaço de Hilbert. Os espaços Kn e `2 são espaços deHilbert. O espaço CL2

([a, b],K

)não é um espaço de Hilbert, de acordo com o Exercício

?? do Capítulo ??. (Note que a desigualdade de Hölder ??, no caso dos espaços `2 eCL2

([a, b],K

), é a desigualdade de Cauchy-Schwarz.)

Lema 2.10 Seja E um espaço com produto interno. Então são válidas as identidades depolarização:

(i) se E for um espaço real,

〈u, v〉 = 14‖u + v‖2 − 1

4‖u − v‖2.

(ii) se E for um espaço complexo,

〈u, v〉 = 14‖u + v‖2 − 1

4‖u − v‖2 +

i4‖u + iv‖2 − i

4‖u − iv‖2.

Demonstração: Basta desenvolver o lado direito de cada uma das igualdades. 2

A relação entre espaços normados e espaços com produto interno é esclarecida nopróximo resultado.

Proposição 2.11 Seja (X, ‖ · ‖) um espaço normado. Então ‖ · ‖ é uma norma gerada por umproduto interno se, e somente se, ela satisfizer a identidade do paralelogramo:

‖x + y‖2 + ‖x − y‖2 = 2(‖x‖2 + ‖y‖2) , ∀ x, y ∈ X. (2.2)

Demonstração: Se ‖ · ‖ for uma norma gerada por um produto interno, a identidadedo paralelogramo é obtida ao se desenvolver o lado esquerdo de (2.2).

Se X for um espaço complexo, definimos B : X × X → C por

B(x, y) =14(‖x + y‖2 − ‖x − y‖2)+ i

4(‖x + iy‖2 − ‖x − iy‖2) ,

expressão decorrente da identidade de polarização.4 Vamos mostrar que B é umproduto interno em X que gera a norma ‖ · ‖.

4Se X for um espaço real, utilizamos a identidade de polarização correspondente. A demonstração éum caso particular dessa que apresentaremos.

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2.1. PRODUTO INTERNO 5

Uma vez que |α| ‖x‖ = ‖αx‖, temos

i4(‖x + iy‖2 − ‖x − iy‖2) =

i4(‖ − i(x + iy)‖2 − ‖i(x − iy)‖2)

=i4(‖y − ix‖2 − ‖y + ix‖2)

= − i4(‖y + ix‖2 − ‖y − ix‖2) .

Concluímos daí que B(x, y) = B(y, x). Além disso, ‖x + ix‖ = ‖ − i(x + ix)‖ =‖x − ix‖, de onde segue-se facilmente que B(x, x) = ‖x‖2. Mostramos, assim, queB satisfaz as propriedades (i) e (iii) da Definição 2.1.

Para mostrarmos a propriedade (ii), fazemos uso da identidade do paralelogramo:

B(x, y) + B(z, y) =14

(‖x + y‖2+ ‖z + y‖2

)− 1

4

(‖x − y‖2+ ‖z − y‖2

)

+i4

(‖x + iy‖2+ ‖z + iy‖2

)− i

4

(‖x − iy‖2+ ‖z − iy‖2

)

=18

(‖x + z + 2y‖2 + ‖x − z‖2

)− 1

8

(‖x + z − 2y‖2 + ‖x − z‖2

)

+i8

(‖x + z + 2iy‖2+‖x − z‖2

)− i

8

(‖x + z + 2iy‖2+‖x − z‖2

)

=18

(‖x + z + 2y‖2 − ‖x + z − 2y‖2

)

+i8

(‖x + z + 2iy‖2 − ‖x + z − 2iy‖2

)

=12

B(x + z, 2y). (2.3)

Notamos agora que, por definição, B(x, 0) = 0 para todo x ∈ X. Assim, fazendoz = 0 em (2.3), obtemos 2B(x, y) = B(x, 2y). Substituindo essa igualdade em (2.3),verificamos que

B(x, y) + B(z, y) = B(x + z, y) ∀ x, y, z ∈ X. (2.4)

Agora provamos por indução que nB(x, y) = B(nx, y), para todo n ∈ N, aofazermos z = (n − 1)x em (2.4). Por outro lado, tomando z = −x nessa mesmaigualdade, verificamos que B(−x, y) = −B(x, y) e daí segue-se que pB(x, y) = B(px, y)para todo p ∈ Z. Se 0 6= q ∈ Z, então vale

B(

pq

x, y)= pB

(xq

, y)=

pq

qB(

xq

, y)=

pq

B(

qxq

, y)=

pq

B(x, y).

Observamos também que a definição de B e a continuidade da aplicação ‖ · ‖ : X →R garantem que, se xn → x e yn → y em X, então

limn→∞

B(xn, yn) = B(x, y).

Consideremos então α ∈ R arbitrário e provemos que B(αx, y) = αB(x, y). Paraisso, consideremos uma seqüência (αn) de racionais, com αn → α. Então

B(αx, y) = limn→∞

B(αnx, y) = limn→∞

[αnB(x, y)] = αB(x, y).

Page 6: Desigualdadede Bessel

6 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

Decorre da definição de B que B(ix, y) = iB(x, y). Assim, dos casos já verificadosdecorre que

B((α + iβ)x, y

)= B(αx, y) + B(βix, y) = αB(x, y) + βB(ix, y)= (α + iβ)B(x, y),

o que conclui a prova de que B é um produto interno em X. 2

2.2 Sistemas Ortonormais

Nesta seção, estamos assumindo que o leitor tenha familiaridade com as sériestrigonométricas de Fourier, motivação básica dos conceitos aqui introduzidos. Se essenão for o caso, a leitura prévia do Apêndice ??, que trata de séries de Fourier e suaconvergência, é sugerida, mas não indispensável.

Denotaremos por A um conjunto de índices (que não precisa ser enumerável), porE um espaço com produto interno e por H um espaço de Hilbert.

Definição 2.12 Seja E um espaço com produto interno. Dizemos que uma família {eα}α∈A ={eα : α ∈ A} é ortogonal se, para α 6= β ∈ A, tivermos eα ⊥ eβ. Nesse caso, dizemos que{eα}α∈A é um sistema ortogonal.

Se os elementos do conjunto {eα}α∈A forem unitários, isto é, ‖eα‖ = 1 para todo α ∈ A,dizemos que a família é ortonormal e que {eα}α∈A é um sistema ortonormal.

Denotaremos um sistema ortonormal {eα}α∈A por S .

Toda combinação linear de elementos não nulos de um sistema ortogonal élinearmente independente (veja o Exercício 11). Assim, em particular, toda combinaçãolinear de elementos de um sistema ortonormal é linearmente independente.

Exemplo 2.13 No espaço Kn (veja o Exemplo 2.2), a base canônica S = {e1, . . . , en} éum sistema ortonormal, mas também é ortonormal o sistema S = {e1}. ¢

Exemplo 2.14 No espaço `2 (veja o Exemplo 2.4), um sistema ortonormal é o conjuntoS = {e1, . . . , en, . . .}, em que ei denota a seqüência com todos os termos iguais a 0,exceto o i-ésimo, que é igual a 1. Como no exemplo anterior, subconjuntos dessesistema também são sistemas ortonormais. ¢

Definição 2.15 Sejam E um espaço com produto interno e x ∈ E. Fixado um sistemaortonormal S = {eα}α∈A em E, o escalar xα = 〈x, eα〉 ∈ K é a componente ou coeficientede Fourier de x na direção de eα. O vetor xαeα é a projeção de x na direção eα.

Observe que o vetor xα eα é um caso particular da projeção de um vetor u sobre ovetor v 6= 0:

projvu =〈u, v〉‖v‖2 v.

(Veja a Figura 2.1 na p. 3.)

Exemplo 2.16 Com respeito ao Exemplo 2.13, notamos que, dado x = (x1, . . . , xn) ∈Kn, xi = 〈x, ei〉 é a componente de x na direção ei. No Exemplo 2.14, se x = (xn) ∈ `2,o coeficiente de Fourier xi = 〈x, ei〉 é o i-ésimo termo da seqüência (xn). ¢

Page 7: Desigualdadede Bessel

2.2. SISTEMAS ORTONORMAIS 7

Exemplo 2.17 No espaço E = CL2

([−π, π],C

)(veja o Exemplo 2.3), as funções hk(t) =

eikt/√

2π = (cos kt + isen kt)/√

2π, em que k ∈ Z, formam um sistema ortonormal, oque decorre de

〈hj, hk〉 = 〈eijt, eikt〉 = 12π

∫ π

−πei(j−k)tdt = δjk.

(Estamos empregando a notação de Kronecker δjj = 1, δjk = 0, se j 6= k.)A componente de f na direção hk é dada por

〈 f , hk〉 = 〈 f , eikt〉 = 1√2π

∫ π

−πf (t)e−iktdt,

que é justamente o k-ésimo coeficiente de Fourier (complexo) de f . (Este exemplojustifica a denominação de coeficiente de Fourier dada ao escalar 〈x, eα〉.)

Podemos obter de S ′ = {hk : k ∈ Z} um sistema ortonormal para CL2([−π, π],R

),

isto é, um sistema composto por funções reais. De fato, se definirmos

e0 = h0 =1√2π

, fk =cos kt√

π, gk =

sen kt√π

, ∀ k ∈ N,

entãofk =

hk + h−k√2

e gk =hk − h−k

i√

2, ∀ k ∈ N. (2.5)

Como as funções hk formam um sistema ortonormal e CL2

([−π, π],R

)é um

subespaço de CL2

([−π, π],C

), as igualdades em (2.5) nos permitem concluir que

S = {e0, fk, gk : k ∈ N} é um sistema ortonormal em CL2

([−π, π],R

). (Veja o Exercício

13.) ¢

Seja B 6= ∅ um subconjunto arbitrário do espaço com produto interno E.Generalizando a noção de perpendicularidade já introduzida, definimos

B⊥ = {x ∈ E : 〈x, y〉 = 0 para todo y ∈ B} .

Notamos que B⊥ sempre é um subespaço fechado de E e também que E⊥ = {0}. (Vejao Exercício 15.)

Dado um sistema ortonormal S em E, nosso objetivo é estudar < S >, o espaçogerado pelos vetores de S .

Começamos estudando algumas propriedades de sistemas ortonormais finitos S ={e1, . . . , en} de um espaço com produto interno E. (Não estamos assumindo que Etenha dimensão finita!) Considere um elemento x ∈ E. Então vale:

x = 〈x, e1〉 e1 +(x − 〈x, e1〉 e1

) ∈ < e1 > ⊕ < e1 >⊥ .

(É imediata a verificação de que(

x − 〈x, e1〉 e1) ∈ < e1 >⊥, fato ilustrado na Figura 2.1

da p. 3.)Mais geralmente, se denotarmos por F o espaço gerado por S , então

x = xF + (x − xF) =n

∑i=1

〈x, ei〉 ei +

(x −

n

∑i=1

〈x, ei〉 ei

)∈ F ⊕ F⊥,

como podemos verificar facilmente. (Veja a Figura 2.2.)

Page 8: Desigualdadede Bessel

8 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

����������

����������

xF

x

F

�����������

-0

Figura 2.2: O vetor x ∈ E escreve-se como xF + (x − xF) ∈ F ⊕ F⊥, em que F = < S >e xF = ∑n

i=1〈x, ei〉 ei.

Do Teorema de Pitágoras decorre que

‖x‖2 = ‖xF‖2 + ‖x − xF‖2,

igualdade que garante que

‖x − xF‖2 = ‖x‖2 − ‖xF‖2,

isto é, ∥∥∥∥∥x −n

∑i=1

xi ei

∥∥∥∥∥2

= ‖x‖2 −∥∥∥∥∥

n

∑i=1

xi ei

∥∥∥∥∥2

, (2.6)

e também que‖xF‖2 ≤ ‖x‖2,

ou seja,

n

∑i=1

|xi|2 ≤ ‖x‖2, (2.7)

expressão conhecida como (forma finita da) desigualdade de Bessel.

Exemplo 2.18 Em R3 com o produto interno canônico, considere o sistema ortonormalS = {e1, e2}. Se x ∈ < S >, então ‖x‖2 =

∣∣〈x, e1〉∣∣2 + ∣∣〈x, e2〉

∣∣2, como verificamos

ao escrever x = x1e1 + x2e2; por outro lado, se x 6∈ < S >, então ‖x‖2 >∣∣〈x, e1〉

∣∣2 +∣∣〈x, e2〉∣∣2 = |x1|2 + |x2|2. ¢

2.3 Sistemas Ortonormais Enumeráveis

Para tratarmos de sistemas ortonormais com infinitos elementos (o que implica quea dimensão do espaço é infinita), começamos abordando o caso em que o conjuntode índices A do sistema ortonormal {eα : α ∈ A} é um conjunto enumerável. (Épossível uma abordagem direta do caso de um conjunto de índices qualquer; nessecaso, o professor pode seguir o roteiro apresentado na Seção 2.5.)

Page 9: Desigualdadede Bessel

2.3. SISTEMAS ORTONORMAIS ENUMERÁVEIS 9

Seja S = {ei : i ∈ N} um sistema ortonormal no espaço com produto internoE e x ∈ E. Nesse caso, como a seqüência de termos não negativos sn = ∑n

i=1 |xi|2 élimitada por ‖x‖2, passando ao limite com n tendendo a infinito em (2.7), chegamos à(expressão enumerável da) desigualdade de Bessel:

∑i=1

|xi|2 ≤ ‖x‖2. (2.8)

Essa desigualdade garante que, para todo x ∈ E, a seqüência (xi) é um elemento de`2. A série

∑i=1

xi ei

(que pode não convergir5) é chamada série de Fourier generalizada de x ∈ E com respeitoao sistema ortonormal S .

Se a série de Fourier generalizada de x (com respeito ao sistema S) convergir, elapode convergir para um elemento diferente de x. Essa situação já foi apresentada noExemplo 2.18. Vejamos uma variação ligeiramente mais elaborada daquele exemplo:

Exemplo 2.19 Consideremos o sistema ortonormal S = { fk, gk : k ∈ N} emCL2

([−π, π],R

). O sistema S é um subconjunto próprio do sistema ortonormal

{e0, fk, gk : k ∈ N}, apresentado no Exemplo 2.17. Assim, e0 é uma função ortogonala todos os elementos de S . Isso quer dizer que 〈e0, fk〉 = 0 e 〈e0, gk〉 = 0 para todok ∈ N. Logo, a série de Fourier de e0 com respeito ao sistema S é identicamente nula e,portanto, não converge para e0, mas sim para 0. ¢

Passando ao limite quando n → ∞ na igualdade (2.6), obtemos um critério quegarante a convergência da série de Fourier generalizada de x:

Lema 2.20 Sejam S = {ei : i ∈ N} um sistema ortonormal em E e x ∈ E. Então

u =∞

∑i=1

xi ei ⇒∞

∑i=1

|xi|2 = ‖u‖2.

Reciprocamente, temos

∑i=1

|xi|2 = ‖x‖2 ⇒ x =∞

∑i=1

xi ei.

Demonstração: Suponhamos que u = ∑∞i=1 xi ei. De acordo com o Teorema de

Pitágoras, temos ‖u − ∑ni=1 xi ei‖2 = ‖u‖2 − ‖∑n

i=1 xi ei‖2. Passando ao limite comn → ∞, obtemos ∥∥∥∥∥u −

∑i=1

xi ei

∥∥∥∥∥2

= ‖u‖2 −∞

∑i=1

|xi|2. (2.9)

Assim, a convergência da série em E garante a convergência da série numérica∑∞

i=1 |xi|2 para ‖u‖2. Reciprocamente, se ∑∞i=1 |xi|2 = ‖x‖2, então a equação (2.9)

garante que ∑∞i=1 xi ei = x. 2

5Em espaços de Hilbert, essa série sempre converge: veja o Teorema 2.24. Se o espaço E não forcompleto, a série pode divergir. Veja o Exercício XXXX do Capítulo XXXX.

Page 10: Desigualdadede Bessel

10 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

Observação 2.21 Dividimos o enunciado em duas afirmações independentes. Por umlado, sempre ocorre a convergência do desenvolvimento ∑∞

i=1 |xi|2, de acordo coma desigualdade de Bessel. Mas, por outro lado, a convergência de ∑∞

i=1 |xi|2 nãocaracteriza a existência de um elemento u ∈ E para o qual ∑∞

i=1 xi ei converge. Se∑∞

i=1 |xi|2 = ‖x‖2, garantimos que a série de Fourier generalizada de x converge para opróprio x. ¢

Se a série de Fourier de x ∈ E (com respeito ao sistema ortonormal S) convergirpara u, podemos relacionar os coeficientes de Fourier de x e u:

Lema 2.22 Sejam S = {ei : i ∈ N} um sistema ortonormal em E e ξi ∈ K (i ∈ N). Seu = ∑∞

i=1 ξi ei , então

(i) ui = ξi.

Se v = ∑∞i=1 ζi ei, com ζi ∈ K (i ∈ N), então vale a

(ii) identidade de Parseval:

〈u, v〉 =⟨

∑i=1

ξi ei,∞

∑i=1

ζi ei

⟩=

∑i=1

ξi ζi =∞

∑i=1

ui vi.

Demonstração: Se u = ∑∞i=1 ξi ei, dado j ∈ N, tome n ≥ j e considere u − ∑n

i=1 ξi ei.Uma vez que ⟨

u −n

∑i=1

ξi ei, ej

⟩= uj − ξ j,

tomando o limite com n → ∞ no lado esquerdo dessa igualdade, concluímos queuj = ξ j, provando (i).

Uma vez que 〈ei, ej〉 = δij, temos⟨

n

∑i=1

ξi ei,n

∑i=1

ζ j ei

⟩=

n

∑i=1

ξi ζi =n

∑i=1

ui vi,

de acordo com (i).Tomando o limite com n tendendo a infinito nessa igualdade, obtemos (ii). (A

série numérica ∑∞i=1 ξi ζi = ∑∞

i=1 ui vi é (absolutamente) convergente, como resulta daaplicação da desigualdade de Cauchy-Schwarz a (ui), (vi) ∈ `2.) 2

Observação 2.23 Combinando os Lemas 2.20 e 2.22 (i), concluímos que, se ∑∞i=1 ξi ei

convergir para u ∈ E, então ∑∞i=1 ξi ei = ∑∞

i=1 ui ei e ‖u‖2 = ∑∞i=1 |ui|2 = ∑∞

i=1 |ξi|2. ¢

Em espaços de Hilbert, fixado um sistema ortonormal enumerável, a cadaseqüência em `2 está associada uma série de Fourier convergente:

Teorema 2.24 (Teorema de Riesz-Fischer)Seja S = {ei : i ∈ N} um sistema ortonormal no espaço de Hilbert H. Dada uma

seqüência (ξi) em K, a série ∑∞i=1 ξi ei converge se, e somente se,

∑i=1

|ξi|2 < ∞.

Page 11: Desigualdadede Bessel

2.3. SISTEMAS ORTONORMAIS ENUMERÁVEIS 11

Demonstração: Dado m ∈ N, decorre do Teorema de Pitágoras que∥∥∥∥∥

m+p

∑i=m

ξi ei

∥∥∥∥∥2

=m+p

∑i=m

|ξi|2. (2.10)

O somatório no lado esquerdo da igualdade é uma seqüência em H, enquanto olado direito é uma seqüência em R. A convergência de uma dessas seqüências implicaque a outra é uma seqüência de Cauchy em um espaço completo (veja o Exercício ?? doCapítulo ??). Assim, em um espaço de Hilbert,

∑i=1

ξi ei converge ⇔∞

∑i=1

|ξi|2 converge.2

Exemplo 2.25 De acordo com o Exemplo 2.17,

S =

{1√2π

,cos t√

π,

sen t√π

,cos 2t√

π,

sen 2t√π

, . . .}

é um sistema ortonormal no espaço de Hilbert L2([−π, π],R).

De acordo com o Teorema de Riesz-Fischer 2.24, escolhidas constantes a0, a1, . . . eb1, b2, . . . tais que

a20

2+

∑k=1

(a2

k + b2k)< ∞,

então existe f ∈ L2([−π, π],R)

cujos coeficientes de Fourier são ak e bk, isto é,

ak =1√π

∫ π

−πf (t) cos kt dt, k ∈ {0, 1, 2, . . .} (2.11)

ebk =

1√π

∫ π

−πf (t)sen kt dt, k ∈ N. (2.12)

Se retirarmos um elemento de S (por exemplo, 1/√

2π), obtemos uma função gque tem as mesmas constantes como coeficientes de Fourier. As relações entre oscoeficientes de Fourier de g e as constantes ak e bk será diferente de (2.11) e (2.12),já que a0 estará associado ao elemento cos t/

√π e assim por diante.

Mostraremos, na Seção 2.4, que a série de Fourier de f ∈ L2([−π, π],R)

convergirápara f .

Note que as considerações desse exemplo são válidas porque L2([−π, π],R)

éum espaço de Hilbert. No espaço CL2

([−π, π],R

), por exemplo, às constantes ak e

bk não está necessariamente associada uma função f que tem essas constantes comocoeficientes de Fourier. ¢

Corolário 2.26 Se S = {ei : i ∈ N} for um sistema ortonormal no espaço de Hilbert H,então a série de Fourier de x (com respeito a S)

∑i=1

xi ei,

converge para um elemento u ∈ H e

x −∞

∑i=1

xi ei = (x − u) ∈ S⊥.

Page 12: Desigualdadede Bessel

12 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

Demonstração: A desigualdade de Bessel garante que ∑∞i=1 |xi|2 converge. Assim,

segue-se do Teorema 2.24 que∞

∑i=1

xi ei = u ∈ H.

Para verificar que (x − u) ∈ S⊥, basta notar que, de acordo com o Lema 2.22,⟨

x −∞

∑i=1

xi ei, ej

⟩= xj − xj = 0, ∀ j ∈ N.

Isso completa a demonstração. 2

Observação 2.27 Se S = {ej : j ∈ N} for um sistema ortonormal em um espaço comproduto interno arbitrário E, o que podemos dizer sobre a convergência de ∑∞

i=1 xi ei ?Seja H o completamento de E. De acordo com o Exercício 10, temos que H é um

espaço de Hilbert. Pelo Teorema 2.24, ∑∞i=1 xi ei → u ∈ H. Mas pode ocorrer que

u ∈ H \ E, isso é, a série ∑∞i=1 xi ei não converge em E. ¢

Fixado um sistema ortonormal S no espaço de Hilbert H, denotemos por F oconjunto de séries de Fourier (com respeito a S) de elementos de H. O Teorema deRiesz-Fischer estabelece uma bijeção entre F e `2, do seguinte modo: a cada x ∈ H estáassociado a sua série de Fourier (com respeito ao sistema ortonormal S), que convergepara um ponto u ∈ H, de modo que x − u ∈ S⊥. Por outro lado, a cada seqüência(xi) ∈ `2, está associada uma série de Fourier convergente. Se considerarmos umsistema ortonormal S ′ 6= S , estabelecemos uma outra bijeção entre o conjunto dasséries de Fourier (com respeito a S ′) e `2. Gostaríamos de estabelecer uma bijeçãoentre x ∈ H e a série de Fourier de x. De acordo com o Corolário 2.26, isso exige queS⊥ = {0}.

Definição 2.28 Um sistema ortonormal S no espaço com produto interno E é maximal (oucompleto), se S⊥ = {0}.

O resultado fundamental à respeito da convergência de séries de Fourier emsistemas ortonormais maximais é dado pelo

Teorema 2.29 (da Base Ortonormal)Seja S = {ei : i ∈ N} um sistema ortonormal em um espaço com produto interno E.

Denotemos por F = < S > o espaço gerado por S e por xi o coeficiente de Fourier 〈x, ei〉. Asseguintes propriedades são equivalentes:

(i) para todo x ∈ E, temos x =∞

∑i=1

xi ei;

(ii) para quaisquer x, y ∈ E, vale a identidade de Parseval

〈x, y〉 =∞

∑i=1

xi yi;

(iii) para todo x ∈ E temos

‖x‖2 =∞

∑i=1

|xi|2;

Page 13: Desigualdadede Bessel

2.3. SISTEMAS ORTONORMAIS ENUMERÁVEIS 13

(iv) dado ε > 0, para todo x ∈ E existe n ∈ N tal que∥∥∥∥∥x −

n

∑i=1

xi ei

∥∥∥∥∥ < ε.

Em particular, F é denso em E;

(v) Todo funcional linear contínuo f : E → K que se anula em S é identicamente nulo;

Qualquer uma dessas propriedades implica:

(vi) o sistema {ei : i ∈ N} é maximal, isto é, não existe elemento 0 6= e ∈ E tal que e ∈ S⊥.

Se E for um espaço de Hilbert, então as propriedades (i)− (vi) são equivalentes.

Demonstração: A implicação (i) ⇒ (ii) foi mostrada no Lema 2.22. Ao tomarmosy = x, vemos que (ii) ⇒ (iii). Dado ε > 0, (iii) garante a existência de n ∈ N tal que‖x‖2 − ∑n

i=1 |xi|2 < ε. Como o Teorema de Pitágoras garante que∥∥x − ∑n

i=1 xi ei∥∥2

=‖x‖2 − ∑n

i=1 |xi|2, provamos que (iii) ⇒ (iv).Suponhamos (iv). Para todo x ∈ E temos

| f (x)| ≤∣∣∣∣∣ f

(n

∑i=1

xi ei

)∣∣∣∣∣+∣∣∣∣∣ f

(x −

n

∑i=1

xi ei

)∣∣∣∣∣ ≤ ‖ f ‖ε,

pois f se anula em F. Como ε é arbitrário, concluímos que f ≡ 0, provando (v).Para mostrar que (v) ⇒ (i), suponhamos a existência de x ∈ E tal que x 6=

∑∞i=1 xi ei. (Estamos admitindo a possibilidade de ∑∞

i=1 xi ei não ser convergente.)Definimos, então, f : E → K por

f (y) = 〈y, x〉 − ∑i=1

yi xi.

(A desigualdade de Cauchy-Schwarz em `2 garante que ∑∞i=1 yi xi está bem definido.)

O funcional f é contínuo (verifique!) e, de acordo com o Lema 2.22, temos f (ei) =xi − xi = 0 para todo i ∈ N. Por outro lado, o Lema 2.20 e a desigualdade de Besselimplicam que

f (x) = ‖x‖2 −∞

∑i=1

|xi|2 > 0,

o que contradiz (v). Provamos, assim, a equivalência das propriedades (i)− (v).Se existisse e ∈ S⊥, com e 6= 0, então f (y) := 〈y, e〉 se anularia na família S , mas

não seria identicamente nulo, pois f (e) = ‖e‖ 6= 0. Logo, temos que (v) ⇒ (vi).Em espaços de Hilbert, o Corolário 2.26 garante a convergência de ∑∞

i=1 xi ei. Definaentão e = x − ∑∞

i=1 xi ei. Para todo ei ∈ S , temos 〈e, ei〉 = ei − ei = 0, ou seja, e ∈ S⊥. Acondição (vi) implica e = 0, isto é, x = ∑∞

i=1 xi ei. Assim, verificamos que (vi) ⇒ (i). 2

Definição 2.30 Seja E um espaço com produto interno. Uma base ortonormal é um sistemaortonormal S satisfazendo qualquer das propriedades equivalentes listadas no Teorema 2.29.

Page 14: Desigualdadede Bessel

14 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

Observação 2.31 A denominação utilizada causa uma certa dubiedade: ao lidar comuma base ortonormal, estamos nos referindo a uma base no sentido da Definição2.30 ou a uma base no sentido da Definição ??? Para evitar qualquer mal entendido,entenderemos sempre base ortonormal no sentido da Definição 2.30 e vamos nos referira uma base de Hamel no outro caso. Em espaços de Hilbert de dimensão infinita, adubiedade não existe: uma base de Hamel não pode ser um conjunto ortonormal! (Vejao Exercício 27.) Por outro lado, se o espaço com produto interno não for completo, umabase de Hamel pode ser um conjunto ortonormal, de acordo com o Exemplo 2.5. ¢

Existem espaços com produto interno que não são completos, mas possuem baseortonormal. (Veja a Seção 2.4.) Mas uma base ortonormal de um espaço com produtointerno sempre é uma base ortonormal de seu completamento. (Veja o Exercício26.) Como veremos (veja o Teorema 2.48), todo espaço de Hilbert possui uma baseortonormal. Assim, bases ortonormais em espaços que não são completos são obtidas,essencialmente, ao se considerar um subespaço (incompleto) de um espaço de Hilbert.

Existe uma caracterização simples dos espaços com produto interno que possuembase ortonormal contável:6

Teorema 2.32 Seja E um espaço com produto interno. Então E possui uma base ortonormalcontável S se, e somente se, E for separável.

Para mostrarmos esse resultado, recordamos o processo de ortogonalização de Gram-Schmidt:

Lema 2.33 (Gram-Schmidt)Sejam A ⊂ N um conjunto contável e {xn : n ∈ A} um conjunto linearmente

independente. Denotemos por < z1, . . . , zk > o espaço gerado pelos vetores z1, . . . , zk. Entãoexiste um conjunto ortonormal {en : n ∈ A}, com < e1, . . . , ek > = < x1, . . . , xk > paratodo k ∈ A.

Demonstração: Utilizaremos indução em A, o caso em que A possui apenas umelemento sendo trivial. Suponhamos obtidos os vetores e1, . . . , ek−1. Consideramosentão

ek =1c

(xk −

k−1

∑i=1

ciei

),

em que c e c1, . . . , ck−1 são constante que serão determinadas. Para obtermos ekortogonal a todos os ei já escolhidos, basta definir ci = 〈xk, ei〉 para i = 1, . . . , k − 1.Escolhemos então c como a norma do vetor ek −∑k−1

i=1 cixi. (Note que c > 0.) A definiçãode ek garante que < e1, . . . , ek > = < x1, . . . , xk >. 2

Demonstração do teorema: Suponhamos que E seja separável e (zn) uma seqüênciadensa em E. Seja zn0 o primeiro termo não nulo da seqüência (zn). Definimos entãox1 = zn0 e x2 = zj, em que j é o primeiro índice tal que x1 e zj sejam linearmenteindependentes.

Procedemos, então, indutivamente. Chegaremos a um conjunto linearmenteindependente {xi : i ∈ A}, em que A = N (no caso da seqüência (zn) possuir infinitoselementos linearmente independentes), ou então A é um conjunto finito {1, . . . , n}.

6Estamos utilizando a palavra contável para significar um conjunto finito ou enumerável.

Page 15: Desigualdadede Bessel

2.4. SÉRIES TRIGONOMÉTRICAS DE FOURIER 15

Aplicando Gram-Schmidt, desse conjunto {xi : i ∈ A} obtemos um sistemaortonormal S = {ei : i ∈ A}. Afirmamos que S é uma base ortonormal do espaçoE. (Note que, se A for finito, S é uma base de Hamel.)

Dados x ∈ E e ε > 0, existe zn tal que ‖x − zn‖ < ε. Examinando a construção feita,notamos que cada vetor zn é uma combinação linear dos vetores x1, . . . , xn. Como oespaço gerado por e1, . . . , en é o mesmo que o espaço gerado por x1, . . . , xn, vemos quezn é uma combinação linear dos vetores e1, . . . , en. Assim, zn uma combinação linearde vetores de S que está arbitrariamente próxima do ponto x ∈ E. Isso mostra que Ssatisfaz a condição (iv) do Teorema da Base 2.29. Portanto, S é uma base ortonormaldo espaço E.

Reciprocamente, suponhamos que S = {ei : i ∈ N} seja uma base ortonormal doespaço com produto interno E. Considere, no casoK = C, o conjunto enumerável (vejao Exercício 20)

C ={(α1 + iβ1) e1 + . . . + (αn + iβn) en : n ∈ N, αk, βk ∈ Q, 1 ≤ k ≤ n

}.

Uma vez que, para todo x ∈ E∥∥∥∥∥x −

n

∑i=1

xi ei

∥∥∥∥∥ → 0 quando n → ∞,

e ∑ni=1 xi ei pode ser aproximado por um elemento de C, esse conjunto é denso em E. 2

Corolário 2.34 Seja S = {e1, . . . , en} um sistema ortonormal em um espaço separável E comproduto interno. Então existe uma base ortonormal de E que contém S .

Demonstração: Se (zn) for uma seqüência densa em E, considere o conjunto denso{e1, . . . , en, z1, z2, . . .} e aplique o processo desenvolvido na demonstração do Teorema.2

2.4 Séries Trigonométricas de Fourier

Nesta seção, seguindo a abordagem de Rudin [29], mostraremos que

S ′ ={

eikt√

2π: k ∈ Z

}

é uma base ortonormal de L2([−π, π],C). Como consequência do Exemplo 2.17, isso

significa que

S =

{1√2π

,cos t√

π,

sen t√π

,cos 2t√

π,

sen 2t√π

, . . .}

,

é uma base ortonormal de L2([−π, π],R)

(veja também o Exemplo 2.25). Assim, todafunção f ∈ L2([−π, π],R

)pode ser representada por sua série de Fourier:

f (t) =a0

2+

∑n=1

an cos nt + bnsen nt, t ∈ [−π, π], (2.13)

Page 16: Desigualdadede Bessel

16 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

em que os coeficientes de Fourier an e bn foram explicitados no Exemplo 2.25.Notamos que (2.13) é uma igualdade entre funções em L2; assim, existe um

conjunto de pontos t ∈ R, de medida nula, no qual a série de Fourier de f pode diferirda função f . Além disso, como o lado direito da igualdade está definido para todot ∈ R e tem período 2π, é natural considerar a extensão periódica de período 2π def . Pode-se mostrar que, se a (extensão da) função f for contínua para todo t ∈ R,então f e sua série de Fourier serão idênticas em todo ponto t ∈ R. Essa questão nãoserá tratada nesta seção: um tratamento alternativo, que também abordará a questãoda convergência pontual da série de Fourier de f para a função f , pode ser visto noApêndice ??.

Um polinômio trigonométrico pN é uma soma da forma

pN(t) =a0

2+

N

∑k=1

(ak cos kt + bksen kt) ,

em que a0, . . . , aN e b1, . . . , bN são números complexos. É claro que todo polinômiotrigonométrico pN satisfaz pN(t + 2π) = pN(t).

Utilizando a identidade de Euler eiωt = cos ωt + isen ωt, é usual escrever umpolinômio trigonométrico na forma

pN(t) =N

∑k=−N

ckeikt.

De acordo com o Teorema 2.29 (iv), para provarmos que S ′ é uma base ortonormalem L2([−π, π],C

), é suficiente verificar que o conjunto dos polinômios trigonométricos

é denso nesse espaço. Mas faremos mais: denotaremos por C(S1,R) o conjunto dasfunções f : [−π, π] → C cuja extensão periódica de período 2π é contínua em R. Querdizer,

C(S1,C) = { f : R→ C : f é contínua e f (t + 2π) = f (t), ∀ t ∈ R}.

Uma vez que C(S1,C

)é denso em L2

([−π, π],C

), basta então mostrarmos que o

conjunto dos polinômios trigonométricos é denso em C(S1,C

). Em particular, isso

significa que S ′ é uma base ortonormal em CL2

([−π, π],C

); ou, o que é equivalente,

que S é uma base ortonormal no espaço espaço CL2

([−π, π],R

). Lembramos que esses

espaços de funções contínuas não são completos.Assim, dados ε > 0 e f ∈ C

(S1,C

), mostraremos a existência de um polinômio

trigonométrico pN tal que ‖ f − pN‖∞ < ε.

Lema 2.35 Existem polinômios trigonométricos qn, n ∈ N, tais que

(i) qn(t) ≥ 0 para todo t ∈ R;

(ii)1

∫ π

−πqn(t)dt = 1;

(iii) para todo δ > 0, qn(t) → 0 uniformemente em [−π,−δ] ∪ [δ, π].

Page 17: Desigualdadede Bessel

2.4. SÉRIES TRIGONOMÉTRICAS DE FOURIER 17

Demonstração: Definimos os polinômios trigonométricos (veja o Exercício 14)

qn(t) = dn

(1 + cos t

2

)n

, n ∈ N,

em que dn ∈ R é escolhido para satisfazer (ii). Claramente vale (i), de modo que oresultado estará provado se verificarmos (iii).

Começamos estimando a constante dn. Para isso, notamos que qn é uma função pare

1 = 2dn

∫ π

0

(1 + cos t

2

)n

dt >dn

π

∫ π

0

(1 + cos t

2

)n

sen t dt =2dn

π(n + 1),

a última constante sendo obtida ao se resolver a integral que lhe antecede. Isso mostraque

dn <π(n + 1)

2.

Uma vez que qn é decrescente em [0, π], para δ > 0 e |t| ∈ [δ, π] temos

qn(t) ≤ qn(δ) = dn

(1 + cos δ

2

)n

<π(n + 1)

2

(1 + cos δ

2

)n

.

Uma vez que 1 + cos δ < 2 para 0 < δ ≤ π, a convergência uniforme (iii) decorre dadesigualdade anterior. 2

Teorema 2.36 Dados f ∈ C(S1,C

)e ε > 0, existe um polinômio trigonométrico p tal que

| f (t)− p(t)| < ε para todo t ∈ R.

Demonstração: Definimos, para n ∈ N,

pn(t) =1

∫ π

−πf (t − s)qn(s)ds,

em que qn é o polinômio trigonométrico definido na prova do Lema 2.35.Afirmamos que pn é um polinômio trigonométrico para todo n ∈ N. De fato,

∫ π

−πf (t − s)qn(s)ds =

∫ −π

πf (t + v)qn(−v)(−dv) =

∫ t+π

t−πf (s)qn(t − s)dt

=∫ π

−πf (s)qn(t − s)ds,

em que fizemos as mudanças de variável s = −v e −v = t − s. A última igualdadedecorre da periodicidade de f e qn.

Uma vez que qn é um polinômio trigonométrico, podemos escrever qn(t − s) =

∑k=Nnk=−Nn

ckeik(t−s) = ∑k=Nnk=−Nn

ckeikte−iks. É fácil então notar que

∫ π

−πf (s)qn(t − s)ds

é um polinômio trigonométrico. (Note que verificamos que pn é um polinômiotrigonométrico, qualquer que seja o polinômio trigonométrico qn.)

Page 18: Desigualdadede Bessel

18 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

Dado ε > 0, como f é uniformemente contínua no compacto [−π, π], existe δ > 0tal que | f (t)− f (s)| < ε, sempre que |t− s| < δ. Uma vez que qn satisfaz a propriedade(ii) do Lema 2.35, temos que

pn(t)− f (t) =1

∫ π

−π[ f (t − s)− f (t)] qn(s)ds.

Como os polinômios trigonométricos qn são não negativos, temos que

|pn(t)− f (t)| ≤ 12π

∫ π

−π| f (t − s)− f (t)| qn(s)ds.

Para estimarmos essa integral, consideramos inicialmente s ∈ [−δ, δ]. Para essevalores de s, o integrando é menor do que εqn(s), de modo que

12π

∫ δ

−δ| f (t − s)− f (t)| qn(s)ds <

ε

∫ π

−πqn(s)ds = ε.

Agora consideremos s ∈ [−π, π] \ [−δ, δ]. Para esses valores de s temos que

| f (t − s)− f (t)|qn(s) ≤ 2‖ f ‖∞ sup|s|∈[δ,π]

qn(s),

de forma que decorre da propriedade (iii) de qn que

12π

∫ −δ

−π| f (t − s)− f (t)|qn(s)ds +

12π

∫ π

δ| f (t − s)− f (t)|qn(s)ds

é menor do que ε (independentemente de t), desde que tomemos n suficientementegrande.

Provamos assim que‖pn − f ‖∞ < ε,

para n suficientemente grande. 2

Observação 2.37 Uma bela demonstração alternativa do Teorema 2.36 pode serencontrada em Körner (Teorema 2.5). ¢

2.5 Sistemas Ortonormais Não Enumeráveis

(Esta seção é mais avançada e pode ser suprimida, a critério do professor.)Nosso objetivo é mostrar que o Teorema da Base 2.29 também é válido se considerarmos um sistema

ortonormal não enumerável S = {eα : α ∈ A}. (Estamos supondo que o conjunto A seja nãoenumerável. Exemplificaremos, posteriormente, um espaço de Hilbert que possui um sistema ortonormalnão enumerável. Contudo, ressaltamos que espaços de Hilbert que não são separáveis7 são, basicamente,uma construção teórica.)

Para generalizar a desigualdade de Bessel, enfrentamos um obstáculo: dar significado à expressão

∑α∈A

∣∣〈x, eα〉∣∣2 = ∑

α∈A|xα|2.

7Veja o Teorema 2.32.

Page 19: Desigualdadede Bessel

2.5. SISTEMAS ORTONORMAIS NÃO ENUMERÁVEIS 19

Lema 2.38 Seja S = {eα}α∈A um sistema ortonormal no espaço com produto interno E. Então, dado x ∈ E,apenas uma quantidade enumerável de coeficientes de Fourier xα = 〈x, eα〉 pode ser não-nula. Além disso, se{e1, . . . , en, . . .} for um ordenamento arbitrário dos elementos de S tais que 〈x, eα〉 6= 0, está bem definido

∑α∈A

|xα|2 = ∑α∈A

∣∣〈x, eα〉∣∣2 =

∑i=1

∣∣〈x, ei〉∣∣2 =

∑i=1

|xi|2.

Mais ainda, para todo x ∈ E, vale a desigualdade de Bessel

∑α∈A

|xα|2 ≤ ‖x‖2. (2.14)

Demonstração: Dado ε > 0, defina Sε = {eα ∈ S :∣∣〈x, eα〉

∣∣ > ε}. Tome e1, . . . , en ∈ Sε distintos. Deacordo com a (forma finita da) desigualdade de Bessel 2.7, temos

‖x‖2 ≥n

∑i=1

∣∣〈x, eα〉∣∣2 ≥ nε2.

Portanto, n ≤ (‖x‖/ε)2, provando que Sε é finito para todo ε > 0. Uma vez que

{eα ∈ S : 〈x, eα〉 6= 0} =∞⋃

n=1S1/n,

mostramos que apenas uma quantidade enumerável de coeficientes de Fourier pode ser não-nula.8

Escolha arbitrariamente uma enumeração para esses coeficientes não nulos. Passando ao limite comn tendendo a infinito na forma finita da desigualdade de Bessel (2.7), obtemos, para essa enumeração,

∑i=1

∣∣〈x, ei〉∣∣2 =

∑i=1

|xi|2 ≤ ‖x‖2 < ∞.

Como a série ∑∞i=1 |xi|2 é absolutamente convergente,9 ela também é comutativamente convergente,

isto é, sua soma independe do ordenamento escolhido para os coeficientes de Fourier não nulos. (Veja,por exemplo, [25], Teorema 22 do Capítulo IV.) Isso quer dizer que ∑α∈A |xα|2 está bem definido e vale adesigualdade de Bessel. 2

Observação 2.39 Fixado x ∈ E, apenas uma quantidade enumerável de coeficientes de Fourier xα =〈x, eα〉 pode ser não-nula. Mas esses coeficientes não nulos variam com o elemento x ∈ E. Assim, isso nãoimplica que um sistema ortonormal em E possua no máximo uma quantidade enumerável de elementos.

A desigualdade de Bessel (2.14) garante, como antes, que os coeficientes de Fourier não nulos dex ∈ E formam uma seqüência que pertence ao espaço `2. ¢

Agora estamos em condições de refazer o percurso da Seção 2.3. Apresentaremos apenas asmodificações necessárias em cada um dos resultados daquela Seção. Seja S = {eα}α∈A um sistemaortonormal não enumerável no espaço com produto interno E. Dado x ∈ E, precisamos dar sentidopara a expressão

∑α∈A

xα eα.

Aqui, como antes, enfrentamos a questão de ordenar os elementos não nulos do somatório.Para isso, aplicamos o Lema 2.38 e consideramos um ordenamento arbitrário {e1, . . . , en, . . .} dos

elementos de S correspondentes aos coeficientes de Fourier xα = 〈x, eα〉 não nulos. Se ∑ni=1〈x, ei〉 ei

convergir para u ∈ E quando n → ∞, definimos

∑α∈A

xα eα =∞

∑i=1

xi ei = u.

8Lembre-se que uma união enumerável de conjuntos enumeráveis é um conjunto enumerável.9Veja a Definição ??.

Page 20: Desigualdadede Bessel

20 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

Como na prova do Lema 2.20, a convergência da série de Fourier ∑∞i=1 xi ei implica a convergência da

série numérica ∑∞i=1 |xi|2, a qual é comutativamente convergente. Isso mostra que ∑α∈A xα eα independe

do ordenamento dos coeficientes de Fourier xα 6= 0. Obtemos assim a versão não enumerável do Lema2.20.

O Lema 2.22 é obtido do mesmo modo: basta escolher um ordenamento dos coeficientes xα e yα nãonulos. O Corolário 2.26 garante a convergência de ∑α∈A xα eα em um espaço de Hilbert: basta escolherum ordenamento dos coeficientes de Fourier xα 6= 0.

Agora, sempre escolhendo um ordenamento arbitrário dos coeficientes de Fourier xα 6= 0, obtemos oTeorema da Base Ortonormal 2.29, mostrando que ele vale mesmo se o sistema ortonormal S = {eα : α ∈A} for não enumerável.

2.6 Isometrias e Espaços de Hilbert

Definição 2.40 Seja E um espaço com produto interno. Uma isometria é uma bijeçãoM : E → E tal que, para quaisquer x, y ∈ E,

‖x − y‖ = ‖M(x)− M(y)‖.

É claro que uma translação é uma isometria. Dada uma isometria qualquer,podemos compô-la com uma translação e obter uma isometria M tal que M(0) = 0.O próximo resultado mostra que isometrias são aplicações muito bem comportadas:

Proposição 2.41 Seja M : E → E uma isometria, com M(0) = 0. Então

M(x + y) = M(x) + M(y).

Se E for um espaço real, então M é linear.

Demonstração: Denotando M(x) = x′, temos

‖x‖2 = ‖x′‖2, ‖y‖2 = ‖y′‖2 (2.15)

e‖x − y‖2 = ‖x′ − y′‖2. (2.16)

Uma vez que

〈x′ − y′, x′ − y′〉 = 〈x′, x′〉 − 〈x′, y′〉 − 〈y′, x′〉+ 〈y′, y′〉,

e que expressão análoga vale para 〈x − y, x − y〉, ao substituirmos (2.15) em (2.16)obtemos

〈x′, y′〉+ 〈y′, x′〉 = 〈x, y〉+ 〈y, x〉. (2.17)

Do mesmo modo,

‖z − x − y‖2 = ‖z‖2 + ‖y‖2 + ‖x‖2 − 〈z, x〉 − 〈x, z〉 − 〈z, y〉 − 〈y, z〉+ 〈x, y〉+ 〈y, x〉.

Segue-se de (2.15), (2.16) e (2.17) que

‖z′ − x′ − y′‖2 = ‖z − x − y‖2.

Escolhemos então z = x + y. O lado direito dessa igualdade é, então, nulo. Assim,temos z′ − x′ − y′ = 0. Mas isso mostra que M(x + y) = M(x) + M(y).

Page 21: Desigualdadede Bessel

2.6. ISOMETRIAS E ESPAÇOS DE HILBERT 21

Suponhamos agora que E, F sejam espaços reais. Então, (2.17) implica que

〈M(x), M(y)〉 = 〈x, y〉.Agora completamos a prova da linearidade de M:

〈M(λx), My〉 = 〈λx, y〉 = λ〈x, y〉 = λ〈M(x), M(y)〉 = 〈λM(x), M(y)〉.Por conseguinte,

〈M(λx)− λM(x), M(y)〉 = 0.

Escolhendo sucessivamente y = λx e y = x, obtemos

〈M(λx)− λM(x), M(λx)〉 = 0

e〈M(λx)− λM(x), λM(x)〉 = λ〈M(λx)− λM(x), M(x)〉 = 0.

Logo,〈M(λx)− λM(x), M(λx)− λM(x)〉 = 0,

mostrando a linearidade de M no caso real. 2

Um teorema de Mazur e Ulam estabelece que resultado análogo à Proposição 2.41é válido para isometrias M : E → F entre espaços normados. Veja [23].

Proposição 2.42 Sejam E, F espaços com produto interno e M : E → F uma aplicação linear.Então M é uma isometria se, e somente se, preservar o produto interno, isto é,

〈Mx, My〉 = 〈x, y〉.Demonstração: A identidade de polarização (Lema 2.10) adequada ao caso mostra queuma isometria linear preserva produto interno. Se M preservar o produto interno,então claramente é uma isometria. 2

Teorema 2.43 Seja H um espaço de Hilbert separável. Se H tiver dimensão n, então éisométrico a Kn; se tiver dimensão infinita, é isométrico a `2.

Demonstração: Suponhamos que H tenha dimensão finita. Seja {x1, . . . , xn} uma baseortonormal de H. Dado x, y ∈ H, temos x = α1x1 + . . . + αnxn. Defina T : H → Kn porTx = (α1, . . . , αn). Claramente T é um isomorfismo e, se y = β1x1 + . . . + βnxn, então

〈x, y〉 =n

∑i=1

αi βi = 〈Tx, Ty〉.

Se H tiver dimensão infinita, já vimos que H possui uma base ortonormalenumerável S = {ei : i ∈ N}. Assim, podemos aplicar o Teorema da Base 2.29 econcluir que x = ∑∞

i=1 xi ei, em que xi = 〈x, ei〉. Definimos T : H → `2 por Tx = (xi)i∈N.A identidade de Parseval mostra que (xi) é uma seqüência em `2. Claramente T é lineare, ainda pelo Teorema da Base 2.29, temos que

〈x, y〉 =∞

∑i=1

xi yi =⟨(xi), (yi)

⟩.

2

Page 22: Desigualdadede Bessel

22 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

Observação 2.44 Vemos assim que, no caso de um espaço de Hilbert separável dedimensão infinita, o Teorema 2.43 complementa o Teorema de Riesz-Fischer 2.24: esseidentifica as séries de Fourier de elementos x ∈ H com elementos de `2, enquantoaquele identifica os elementos de x diretamente com os elementos de `2. Assim, `2 é oprotótipo de um espaço de Hilbert separável. (Note que `2 é separável, de acordo como Teorema 2.32.)

O que pode ser dito no caso em que E for um espaço com produto interno combase enumerável? A demonstração apresentada nos mostra que E é isométrico a umsubespaço `E (que não pode ser fechado!) do espaço de Hilbert `2. ¢

(O restante desta seção depende de resultados da Seção 2.5 e sua exposição pode ser suprimida, acritério do professor.)

Nosso objetivo nesta Seção é caracterizar os espaços de Hilbert que possuem base ortonormal nãoenumerável. Vamos mostrar que eles são isométricos a uma extensão do espaço `2, denotada por `2(A).A apresentação desse espaço será feita sem a utilização de medida. Para aqueles que dominam esseconceito, uma abordagem mais simples de `2(A) pode ser encontrada em [29].

Introduzimos o espaço `2(A):

Definição 2.45 Seja A um conjunto não vazio e x : A → K uma função tal que

Ix = {t ∈ A : x(t) 6= 0}é um conjunto enumerável. Se (ti) for uma enumeração dos elementos de Ix, suponhamos adicionalmente que∑∞

i=1 |x(ti)|2 < ∞. Definimos `2(A) como o conjunto de funções que satisfazem essas duas hipóteses e definimos

∑t∈A

|x(t)|2 =∞

∑i=1

|x(ti)|2.

Note que, como {t ∈ A : x(t) 6= 0} é enumerável, a coleção {|x(t)|2}t∈A é descrita por meio da série∑∞

i=1 |x(ti)|2. Como essa série converge absolutamente, ela também é comutativamente convergente, oque garante que ∑t∈A |x(t)|2 está bem definido.

A demonstração do próximo resultado é uma simples coleta de argumentações já apresentadas.

Teorema 2.46 O conjunto `2(A) é um espaço vetorial com as definições habituais de soma x + y e multiplicaçãopor escalar λx, com λ ∈ K. Em `2(A) definimos o produto interno

〈x, y〉 = ∑t∈A

x(t) y(t) =n

∑i=1

x(ti)y(ti),

em que {t1, . . . , tn, . . .} é uma enumeração dos pontos em que x(t)y(t) 6= 0. Esse produto interno faz de `2(A) umespaço de Hilbert com base ortonormal S = {et : t ∈ A}, sendo

et(τ) =

{1 se t = τ0 se t 6= τ,

para todo τ ∈ A.

Demonstração: Dados x, y ∈ `2(A), seja tk uma enumeração de todos os elementos t ∈ A tais que x(t) 6= 0ou y(t) 6= 0.

Como10

|x(tk) + y(tk)|2 ≤ 22 max{|x(tk)|2, |y(tk)|2} ≤ 4(|x(tk)|2 + |y(tk)|2),obtemos

∑t∈A

|x(t) + y(t)|2 =∞

∑k=1

|x(tk) + y(tk)|2

≤ 4∞

∑k=1

(|x(tk)|2 + |y(tk)|2

)= 4 ∑

t∈A

(|x(t)|2 + |y(t)|2

)

< ∞.

10Essa é a estimativa (??) no caso p = 2.

Page 23: Desigualdadede Bessel

2.6. ISOMETRIAS E ESPAÇOS DE HILBERT 23

Assim, x + y ∈ `2(A). Do mesmo modo, αx ∈ `2(A), para todo α ∈ K. Isso mostra que `2(A) é um espaçovetorial.

Como na demonstração da Proposição 2.22, temos que 〈x, y〉 está bem definido. É claro que esse é umproduto interno em `2(A).

Seja agora (xn) ⊂ `2(A) uma seqüência de Cauchy. Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, para quaisquerm, n ≥ n0,

‖xm − xn‖ =

(∑t∈A

|xm(t)− xn(t)|2)1/2

< ε. (2.18)

Assim, para cada t ∈ A, temos |xm(t)− xn(t)|2 ≤ ε, o que garante que (xn(t)) é uma seqüência de Cauchyem K para todo t ∈ A fixo. Como K é completo, existe x(t) = limn→∞ xn(t). Está assim definida umafunção x : A → K. Vamos mostrar que x ∈ `2(A).

Como xn ∈ `2(A), o conjunto In = {t ∈ A : xn(t) 6= 0} é enumerável. Assim,

I =∞⋃

n=1In

também é enumerável. Afirmamos que

Ix = {t ∈ A : x(t) 6= 0} ⊂ I,

de onde decorre imediatamente que Ix é enumerável. Para provar a nossa afirmação, basta notar que set 6∈ I, então xn(t) = 0 para todo n e, como consequência, x(t) = 0.

Escrevendo o conjunto I como uma seqüência (tj), a desigualdade (2.18) nos mostra que, para todok ∈ N, vale

k

∑j=1

|xm(tj)− xn(tj)|2 ≤ ε2,

se m, n ≥ n0. Tomando o limite quando m → ∞, obtemos

k

∑j=1

|x(tj)− xn(tj)|2 ≤ ε2

e, quando k → ∞,

∑t∈I

|x(t)− xn(t)|2 ≤ ε2.

Daí segue-se que

∑t∈A

|x(t)− xn(t)|2 ≤ ε2,

pois xn(t) e x(t) são ambas nulas quando t ∈ A \ I. Isso mostra que x − xn ∈ `2(A) e

‖x − xn‖ ≤ ε. (2.19)

Logo, x = xn + (x − xn) ∈ `2(A). Da desigualdade (2.19) segue que xn → x em `2(A), o que mostra que`2(A) é um espaço de Hilbert.

Uma vez que 〈x, eτ〉 = x(τ) e x = ∑τ∈A xeτ (igualdade verificada em todo ponto t ∈ A), vemos queS é uma base ortonormal com cardinalidade A. 2

Na demonstração do Teorema 2.46 não supomos que o conjunto A seja não enumerável. Se esse foro caso, é fácil verificar que `2(A) coincide com o espaço `2, definido no Capítulo ?? (veja o Exercício 29).Assim, o próximo resultado é uma generalização do Teorema 2.43.

Teorema 2.47 (Riesz-Fischer generalizado)Seja S = { fα : α ∈ A} uma base ortonormal do espaço de Hilbert H. Então H é isométrico a `2(A).

Demonstração: Seja S = { fα : α ∈ A} uma base ortonormal para H. (Essa base existe, de acordo como Teorema 2.48.) Para x ∈ H arbitrário, a identidade de Parseval garante que ‖x‖2 = ∑α∈A |xα|2 =

∑α∈A∣∣〈x, fα〉

∣∣2 < ∞.Considere o espaço `2(A) e a base ortonormal S ′ = {eα : α ∈ A} dada pelo Teorema 2.46.

Page 24: Desigualdadede Bessel

24 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

De acordo com o Teorema da Riesz-Fischer 2.24, existe

∑α∈A

〈x, fα〉 eα ∈ `2(A).

Definimosφ : H → `2(A)

x 7→ ∑α∈A

〈x, fα〉 eα.

(A imagem de φ no ponto x é a função g : A → K que assume o valor ∑α∈A〈x, fα〉 eα(t) = 〈x, ft〉 no pontot ∈ A.)

O Teorema da Base 2.29 nos garante que ‖φ(x)‖ = ∑α∈A |xα|2 = ‖x‖2. Isso garante que φ é umaisometria e, portanto, injetora. (Veja o exercício 24.)

Para verificarmos que φ é sobrejetora, tome g ∈ `2(A). A identidade de Parseval garante que‖g‖2 = ∑β∈A |gβ|2 = ∑β∈A

∣∣〈g, eβ〉∣∣2. Considere y = ∑β gβ fβ. Como antes, temos que y ∈ H. É claro que

φ(y) = g. 2

2.7 Sistemas Ortonormais Maximais

(Esta seção depende de resultados da Seção 2.5 e pode ser omitida, a critério do professor.)Seja E um espaço com produto interno. Já vimos que, se E for um espaço separável, então ele sempre

possui uma base ortonormal. Mas e se E não for separável? Podemos garantir que E possui uma baseortonormal não enumerável? Essa é uma questão importante, pois a aplicabilidade do Teorema da Base2.29 depende de sua existência. Em um espaço de Hilbert, essa questão é respondida afirmativamente:

Teorema 2.48 Seja S um sistema ortonormal em um espaço com produto interno. Então existe um sistemaortonormal maximal que contém S .

Em particular, todo espaço de Hilbert H 6= {0} possui uma base ortonormal.

A demonstração desse resultado será apresentada no Apêndice ??.

Observação 2.49 Note que, se E for um espaço com produto interno (ou um espaço de Hilbert) que possuibase ortonormal não enumerável, então conjunto das combinações lineares finitas de elementos da baseortonormal não pode ser enumerável. (Se ele fosse enumerável, E possuiria um conjunto enumeráveldenso e teria, portanto, base ortonormal enumerável.) ¢

Existem espaços com produto interno que possuem um sistema ortonormal maximal que não é umabase ortonormal. Posteriormente exemplificaremos tal situação. (Veja o Exemplo ??, mas também oExercício 28.) Mais geralmente, existem espaços com produto interno que não possuem base ortonormal,isto é, neles qualquer sistema ortonormal maximal não é uma base ortonormal. (Exemplos ilustrando essaúltima situação estão além do escopo deste texto.)

Teorema 2.50 Sejam S1 e S2 duas bases ortonormais de um espaço com produto interno E. Então existe umabijeção entre S1 e S2. Em outras palavras, duas bases ortonormais S1 e S2 do espaço E têm a mesma cardinalidade.

Omitiremos a prova desse resultado, que depende do Teorema de Cantor-Bernstein.11 Contudo,notamos que ele nos permite definir a dimensão de um espaço de Hilbert com respeito ao conceito debase ortonormal: a dimensão de um espaço de Hilbert H é a cardinalidade de sua base ortonormal S .

2.8 Exercícios

1. Sejam E um espaço com produto interno e ‖ · ‖ a norma gerada por seu produtointerno. Mostre que ‖ · ‖2 é uma função convexa.

11Para leitores interessados, nos referimos a [19].

Page 25: Desigualdadede Bessel

2.8. EXERCÍCIOS 25

2. Seja E um espaço euclidiano complexo. Dê um exemplo mostrando que a validadedo Teorema de Pitágoras para x, y ∈ E não implica que x ⊥ y.

3. Seja E um espaço com o produto interno 〈·, ·〉. Demonstre a desigualdade deCauchy-Schwarz da seguinte maneira: para x, y ∈ E, desenvolva a expressão0 ≤ 〈x − αty, x − αty〉. Escolhendo α = 〈x, y〉, obtenha um trinômio do segundograu com coeficientes reais. Analise esse trinômio e obtenha a desigualdade deCauchy-Schwarz.

4. Seja E um espaço com produto interno. Mostre que∣∣〈x, y〉∣∣ = ‖x‖ ‖y‖ se, e

somente se, os vetores x, y forem linearmente dependentes.

5. Considere um espaço com produto interno E e vetores u, v ∈ E, com u 6= 0.Interprete geometricamente a desigualdade de Cauchy-Schwarz em termos dasnormas dos vetores projuv e u.

6. Sejam E1, E2 espaços com produto interno. Considere o produto cartesianoE1 × E2. Verifique que E1 × E2 é um espaço com produto interno, se definirmos

⟨(x1, y1), (x2, y2)

⟩= 〈x1, x2〉+ 〈y1, y2〉.

7. Seja X o espaço das funções f : [a, b] → C de classe C1. Defina, para f , g ∈ X,

〈 f , g〉 :=∫ b

af ′(x)g′(x)dx.

(a) 〈·, ·〉 é um produto interno?

(b) Considere F = { f ∈ X : f (a) = 0}. Em F, 〈·, ·〉 é um produto interno?

8. Demonstre o Lema 2.10 e a Proposição 2.11.

9. Mostre que a norma ‖ · ‖sup em C([a, b],K

)não é gerada por um produto interno.

10. Seja E um espaço com produto interno que não seja completo. O completamentode E foi definido na Seção ??. Mostre que o completamento de E é um espaço deHilbert.

11. Mostre que, se S = {eα}α∈A for uma família ortogonal de vetores não nulos noespaço com produto interno E, então {eα}α∈A é linearmente independente.

12. Seja S uma família ortonormal no espaço com produto interno E.

(a) Mostre que, se u, v ∈ S , então ‖u − v‖ =√

2.

(b) Mostre que, para x ∈ E fixo, o conjunto Mx = {u ∈ S : 〈x, u〉 6= 0} é, nomáximo, enumerável.

13. Com respeito ao Exemplo 2.17, mostre:

(a) 〈hj, hk〉 = δjk;

(b) S ={

e0, fk, gk : k ∈ N} é um sistema ortonormal em CL2

([0, 1],R

).

14. Utilizando as igualdades (2.5), mostre que as funções qn do Lema 2.35 sãopolinômios trigonométricos.

Page 26: Desigualdadede Bessel

26 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

15. Seja B 6= ∅ um subconjunto do espaço E com produto interno. Mostre que B⊥ éum subespaço fechado de E.

16. (Os polinômios de Legendre) Considere o espaço E = CL2([−1, 1]) e o conjuntolinearmente independente B = {1, x, x2, . . . , xn, . . .}.

(a) Aplique o processo de Gram-Schmidt à base B e encontre os três primeirostermos p0, p1 e p2 do sistema ortogonal12 gerada por B. Note que é difícilencontrar uma expressão recorrente para os termos da base ortogonal;

(b) defina

qn(x) =dn

dxn (x2 − 1)n.

Mostre que o conjunto {qn : n = 0, 1, . . .} é um conjunto ortogonal em E.Para isso, utilizando integração por partes, mostre que qn é perpendicular axm para todo 0 ≤ m < n. Conclua daí que qn ⊥ qm para n 6= m;

(c) comparando os coeficientes dos termos de grau n desses polinômios).Conclua que

pn =n!

(2n)!qn =

n!(2n)!

dn

dxn (x2 − 1)n; ( fórmula de Rodrigues )

(d) calcule ‖pn‖. Para isso, considere rn = (x2 − 1)n. Notando que essepolinômio é nulo para x = ±1, efetue várias integrações por partes eobtenha que ∫ 1

−1

dnrn(x)dxn

dnrn(x)dxn dx =

(n!)2

2n + 122n+1.

Calcule então 〈pn, pn〉 e conclua que

‖pn‖ =

√2 2n(n!)2

√2n + 1(2n)!

.

(e) Defina

Pn =(2n)!

2n(n!)2 pn =1

2nn!dn

dxn (x2 − 1)n.

Mostre que

‖Pn‖ =

√2

2n + 1.

Os polinômios Pn são os polinômios de Legendre. Pode-se verificar que taispolinômios formam um sistema ortonormal maximal em CL2([−1, 1]) e,portanto, uma base ortonormal de L2([−1, 1]).13

17. Ache a, b, c ∈ R de forma a minimizar o valor da integral

∫ 1

−1|x3 − ax2 − bx − c|2dx.

12Não transforme os vetores em unitários!13No livro de Helmberg [14], são tratadas diversas bases ortonormais polinomiais para L2.

Page 27: Desigualdadede Bessel

2.8. EXERCÍCIOS 27

18. (Os polinômios de Laguerre) Considere o espaço E = C([0, ∞),C

). Verifique

que

〈 f , g〉 =∫ ∞

0f (x)g(x)e−xdx

é um produto interno em E. Aplique o processo de ortogonalização de Gram-Schmidt à seqüência de funções ( fn), em que fn(x) = xn, n ∈ {0, 1, . . .}. Oresultado desse processo são os polinômios de Laguerre.

19. Mostre que `0 é, de maneira natural, um espaço de Hilbert. Ache uma baseortonormal para esse espaço.

20. Seja S = {ei : i ∈ N} seja uma base ortonormal do espaço complexo com produtointerno E. Mostre que o conjunto

C ={(α1 + iβ1) e1 + . . . + (αn + iβn) en : n ∈ N, αk, βk ∈ Q, 1 ≤ k ≤ n

}

é enumerável. Qual a adaptação desse conjunto para espaços reais com produtointerno?

21. Dê uma demonstração direta, isto é, sem apelar para o Teorema 2.29, de que oespaço `2 é separável.

22. Demonstre, por contradição, que se o espaço com produto interno E forseparável, então qualquer conjunto ortonormal em E é, necessariamente,enumerável. Para isso, utilize o Exercício 12.

23. Seja H um espaço de Hilbert separável e F ⊂ H um subespaço fechado. Mostreque F é um espaço de Hilbert separável.

24. Seja f : E → F é uma bijeção linear entre os espaços com produto interno Ee F. Então f é um isomorfismo se, e somente se, for uma isometria, isto é,‖x‖1 = ‖ f (x)‖2 para todo x ∈ E.

25. Seja T : E → F uma aplicação entre espaços com produto interno. Mostre que seT preservar o produto interno então T é linear.

Os próximos exercícios tratam de bases ortonormais. Se você não estudou as Seções2.5 e 2.7, assuma que as bases ortonormais são enumeráveis.

26. Mostre que, se S for uma base ortonormal do espaço com produto interno E,então S é uma base ortonormal do completamento H de E.

27. Vamos, nesse exercício, estudar a relação entre bases ortonormais e bases deHamel em um espaço de Hilbert. Assim, sejam S uma base ortonormal e B umabase de Hamel no espaço de Hilbert H. Suponha que S não seja um conjuntofinito.

(a) Mostre que S não é uma base de Hamel de H;

(b) Mostre que os vetores de B não podem ser todos ortogonais entre si; emoutras palavras, os vetores de uma base de Hamel não formam um sistemaortonormal.

Page 28: Desigualdadede Bessel

28 CAPÍTULO 2. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO

(c) Mostre que a cardinalidade de uma base de Hamel é sempre maior do queou igual ao de uma base ortonormal de qualquer espaço de Hilbert;

(d) Suponha agora que H seja separável. Mostre que uma base de Hamel de Hnão pode ser enumerável. Em particular, a cardinalidade de uma base deHamel em H é maior do que a de uma base ortonormal de H.

Observação 2.51 Em um espaço E com produto interno, uma base de Hamel pode serum sistema ortonormal, de acordo com o Exemplo 2.5. Isso implica, em particular, queo espaço E daquele exemplo não é completo com o produto interno nele introduzido!Mais do que isso, comparando com o Exemplo 26, vemos que a base de Hamel de Enunca é uma base de Hamel de seu completamento.14 ¢

28. Neste exercício mostraremos a existência de um subespaço F do espaço comproduto interno E tal que E 6= F ⊕ F⊥. Também mostraremos que nem todosistema ortonormal maximal é uma base ortonormal.15 (Uma apresentação maissimples é feita no Exemplo ??.)

(a) Considere um espaço E, com produto interno, que não seja completo. SejaH 6= E seu completamento. (Note que E é um subespaço convexo de H, masnão é completo.) Considere um elemento x0 ∈ H \ E e defina

F ={

y ∈ E : 〈y, x0〉 = 0}

.

Mostre que F é um subespaço fechado de E e F 6= E;

(b) Mostre que F é um subespaço de codimensão 1 em E, isto é, todo elementox ∈ E pode ser escrito de maneira única como

x = y + λv ∈ F ⊕ < v >,

em que v ∈ E \ F foi escolhido arbitrariamente;

(c) Mostre que F⊥ = {0}, isto é, não existe 0 6= w ∈ E tal que 〈w, y〉 = 0 paratodo y ∈ F. Assim, E 6= F ⊕ F⊥.

A parte final do exercício depende das Seções 2.5 e 2.7:

(d) Considere um sistema ortonormal maximal S = {eα : α ∈ A} de F, cujaexistência é garantida pelo Teorema 2.48. Uma vez que F⊥ = {0}, essesistema é maximal no espaço E. Mostre que S não é uma base ortonormalde E.

Os dois próximos exercícios dependem da Seção 2.6.

29. Mostre que `2 = `2(N). Isto é, a definição do espaço `2 coincide com a definiçãodo espaço `2(A) quando A = N.

30. O cubo de Hilbert é o conjunto dos pontos x = (x1, . . . , xn, . . .) ∈ `2 tais quexi ≤ 1/i. Mostre que o cubo de Hilbert é um conjunto compacto.

14E, como se verifica facilmente, não se torna uma base de Hamel do completamento se adicionarmosum número finito de vetores a essa base!

15Conforme [16].

Page 29: Desigualdadede Bessel

2.8. EXERCÍCIOS 29

O objetivo dos próximos exercícios é oferecer uma demonstração do Teorema deAproximação de Weierstraß. (Estamos seguindo a abordagem de Reginaldo J. Santos[32]). Começamos com um resultado técnico:

31. Se 0 ≤ x < b ≤ kn ≤ 1 ou 0 ≤ k

n ≤ b < x ≤ 1, então

xk/n(1 − x)1−(k/n) ≤ e−2(x−b)2bk/n(1 − b)1−(k/n).

Sugestão: separe, no lado direito de desigualdade, o termo e−2(x−b)2; tome o

logaritmo e analise uma expressão da forma H(x) ≤ 0, notando que H(b) = 0.Para isso, obtenha H′(x) e mostre que H′(x) ≥ 0, se 0 < x < b < k

n , e H′(x) ≤ 0,se 0 ≤ k

n ≤ b < x < 1.

32. (Teorema de Aproximação de Weierstraß) Seja f : [a, b] → R uma funçãocontínua. Dado ε > 0, mostre a existência de um polinômio p(t) tal que| f (t)− p(t)| < ε para todo t ∈ [a, b]. Para isso,

(a) Mostre que basta demonstrar o resultado no caso [a, b] = [0, 1].

(b) Defina o polinômio de Bernstein

p(x) =n

∑k=0

f(

kn

)(nk

)xk(1 − x)n−k

e verifique que

∑k∈A

(nk

)xk(1 − x)n−k ≤

n

∑k=0

(nk

)xk(1 − x)n−k = 1

para qualquer subconjunto A ⊂ {0, 1, . . . , n}.

33. Estime | f (x) − p(x)|, utilizando os Exercícios 31 e 32 (b) e a continuidadeuniforme de f .

Observação 2.52 Veja, em Körner (Teorema 4.3), uma demonstração do Teorema deAproximação de Weierstraß utilizando o Teorema 2.36. ¢

Page 30: Desigualdadede Bessel

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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30

Page 31: Desigualdadede Bessel

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[30] W. Rudin: Functional Analysis, 2nd. Edition, McGraw-Hill, New York, 1991.

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[33] I. Stakgold: Green’s Functions and Boundary Value Problems, Wiley, New York,1979.

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[35] J. Weidmann: Linear Operators in Hilbert Spaces, Springer-Verlag, New York,1980.

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[38] R.L. Wheeden e A. Zygmund: Measure and Integral, Marcel Dekker, New York,1977.

Page 32: Desigualdadede Bessel
Page 33: Desigualdadede Bessel

ÍNDICE REMISSIVO

anti-linearidade, 1

base de um espaço com produto internoortonormal, 13

Cauchy-Schwarzdesigualdade de, 3

codimensão, 28coeficiente de Fourier, 6componente de um vetor, 6conjunto

contável, 14cubo de Hilbert, 28

desigualdadede Bessel, 8, 9de Cauchy-Schwarz, 3

dimensãode um espaço de Hilbert, 24

espaço`2 generalizado, 22de Hilbert, 4

espaço vetorialcom produto hermitiano, 1com produto interno, 1hermitiano, 1unitário, 1

espaços com produto internoisometria de, 20

famíliaortogonal, 6ortonormal, 6

fórmula de Rodrigues, 26

Gram-Schmidtprocesso de ortogonalização, 14

identidadede Parseval, 10, 12

de polarização, 4do paralelogramo, 4

isometria, 20, 27

normagerada pelo produto interno, 4

ortogonalidade, 2

Pitágorasteorema de, 3

polinômiode Bernstein, 29

polinômiosde Laguerre, 27de Legendre, 26

fórmula de Rodrigues, 26processo de ortogonalização de Gram-

Schmidt, 14produto

hermitiano, 1interno, 1

identidade de polarização, 4produto interno

canônico do Kn, 2projeção

de um vetor, 3num vetor unitário, 6

sériede Fourier

generalizada, 9sistema

ortogonal, 6ortonormal, 6

sistema ortonormalmaximal, 13

teoremada base ortonormal, 12de aproximação de Weierstraß, 29

33

Page 34: Desigualdadede Bessel

34 ÍNDICE REMISSIVO

de Gram-Schmidt, 14de Pitágoras, 3de Riesz-Fischer, 10de Riesz-Fischer generalizado, 23

vetor projeção, 3vetores

ortogonais, 2perpendiculares, 2