Cruzadas1151
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Bruno Neves
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Uma ambientao e hack de regras para o 3:16 Carnificina Entre As Estrelas
Bruno Neves
115:1 Carnificina na Terra Santa utiliza o sistema Carnage, criado por Gregor Hutton e utilizado originalmente no jogo 3:16 Carnificina entre
as Estrelas. Todas as partes deste material podem ser reproduzidas sem permisso especial, com exceo dos elementos grficos, logo e
diagramao.
AGRADECIMENTOS:
A Amanda Paracampo, minha namorada, que sempre me ajuda com suas opinies sobre o jogo.
Aos meus filhos, Evelyn, Magnus e a pequena Helena.
Ao Rodrigo Ragabash e todos os colaboradores do RPG Par.
A todos aqueles que perdem o seu tempo lendo o que eu escrevo no Blog do Professor Chuva e no Blog do Nephelin.
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DEUS QUER Em Clermont-Ferrand, no corao da Frana, no dia 27 de novembro
de 1095, diante de um Conclio de 13 arcebispos e 225 bispos, o
Bem-aventurado Papa Urbano II pregou a primeira cruzada.
Eis suas palavras que ficaram registradas para a Histria:
Francos, de quantas maneiras Nosso Senhor vos abenoou? Vede
quo frteis so vossas terras. Quo verdadeira vossa f. Quo
indisputvel vossa coragem.
A vs, abenoados homens de Deus, dirijo estas palavras. E que no
sejam levadas levianamente, pois so expressas pela Santa Igreja,
que, pelo sagrado pacto com Nosso Senhor, sua santssima voz na
terra.
Vs que sois justos e bons, vs que brilhais na santa f escutai. Sabei
da justa e grave causa que nos rene hoje aqui, sob o mesmo teto, na
piedade de Nosso Senhor.
Relataremos fatos horrveis que ouvimos sobre uma raa de homens
completamente afastados de Deus e desprovidos de f. Turcos,
Persas, rabes, amaldioados, estranhos ao nosso Deus, que
devastam por fogo ou espada as muralhas de Constantinopla, o
Brao de So Jorge.
At hoje, por misericrdia do Supremo, Constantinopla foi nossa
pedra, nosso bastio da f em territrio infiel. Agora essa sagrada
cidade encontra-se desfigurada, ameaada.
Quantas igrejas esses inimigos de Deus conspurcaram e destruram?
Ouvimos de altares e relquias sendo profanados por sujeira
produzida por corpos Turcos. Ouvimos sobre verdadeiros crentes
sendo circuncidados e o sangue desse ato sendo vertido em pias
batismais.
O que podemos vos dizer? Turcos transformam solo sagrado em
estbulo e chiqueiro, expelem o contedo de seus ftidos e putrefatos
corpos em vestimentas dos emissrios do Evangelho de Nosso
Senhor.
Os descrentes foram Cristos a ajoelhar sobre essas roupas
imundas, curvar as cabeas e esperar o golpe da espada.
Essas vestes, que atravs da imundcie e sangue so testemunhas das
aberraes fruto da falta da verdadeira f, so exibidas junto com
corpos dos mrtires.
O que mais devemos lhes dizer, fieis? Turcos abusam de mulheres
crists. Turcos abusam de crianas crists.
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Pensai nos peregrinos da f que cruzam o mar, obrigados a pagar
passagem em todos os portes e igrejas de todas as cidades. Quo
frequentemente esses irmos no sangue de Cristo passam por
humilhaes e falsas acusaes?
Aqueles que viajam na pobreza, como so recebidos nesses lugares
de nenhuma f? So vasculhados em busca de moedas escondidas.
As calosidades em seus joelhos, causadas pelo ato de f ao Nosso
Senhor, so abertas por lminas. Aos fiis so dadas bebidas
vomitrias para que sejam vasculhadas suas emisses estomacais.
Aps isso so ainda obrigados a sorver excremento liquefeito de
bodes e cabras de forma a esvaziar suas entranhas. Se nada for
encontrado que satisfaa esses filhos do inferno, fieis, escutai.
Turcos abrem com lmina da espada as barrigas dos verdadeiros
seguidores, de Jesus Cristo em busca de peas de ouro ingeridas e
assim escondidas.
Espalham e retalham entranhas mostrando assim o que a natureza
manteria secreto. Tudo a procura de riquezas ou por prazer insano.
Turcos perfuram os umbigos dos fiis, amarram suas tripas a estacas
e afastam os cristos, prendendo-os com cordas a outro poste, de
forma a que vejam suas prprias entranhas endurecendo ao sol,
apodrecendo e sendo consumidas por corvos e vermes.
Os Turcos perfuram irmos na f com setas, fazem dos mais velhos
alvos mveis para seus malditos arcos.
Queimam os braos e pernas dos mrtires at carboniz-los e soltam
ces famintos para devor-los ainda vivos.
Francos, o que dizer? O que mais deve ser dito?
A quem, pois, deve ser dirigida a tarefa de vingana to santa quanto
a espada de So Miguel?
A quem Nosso Senhor poderia confiar tal tarefa seno aos seus mais
abenoados e fiis filhos?
Francos, vs no sedes habilidosos cavaleiros? Poderosos
guerreiros ao servio da palavra de Deus?
Prximos a So Miguel na habilidade de expurgar o mal pela
espada?
Deem um passo a frente!
No mais levantaro as espadas entre si, ceifando vidas e pecando
contra o Evangelho. Aproximem-se guerreiros abenoados.
Os que dentre vocs roubaram tornem-se agora soldados, pois a
causa suprema. Aqueles que cultivam mgoas juntem-se aos seus
causadores, pois a irmandade essencial ao objetivo.
Aproximem-se os que desejam vida eterna, aproximem-se os que
desejam absolvio no sagrado.
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Sabei que Nosso Senhor espera seus filhos em lugar abenoado. Na
palavra do Santssimo seguiro e combatero, no deixem que
obstculos os parem, creiam na palavra de Deus e nada os deter.
Deixai todas as controvrsias para trs! Uni-vos e acreditai! No
permitais que posses ou famlia vos detenham.
Lembrai-vos das palavras de Nosso Salvador, Aquele que
abandonar sua morada, famlia, riqueza, ttulos, pai ou me pelo meu
nome, receber mil vezes mais e herdar a vida eterna.
Se os Macabeus dos tempos de outrora conquistaram glria pela sua
luta de f, da mesma forma a chance ofertada a vs.
Resgatai a Cruz, o Sangue e a Tumba de Nosso Senhor. Resgatai o
Glgota e santificai o local.
No passado vs no lutastes vos pondo em risco de perdio? No
levantastes ao contra iguais? Orgulho, avareza e ganncia no
foram vossas diretivas? Por isso vs merecestes a danao, o fogo e
a morte perptua.
Nosso Senhor em sua infinita sabedoria e bondade oferece aos seus
bravos, porm desvirtuados filhos, a chance de redeno. A
recompensa do sagrado martrio.
Francos, ouvi! Deixai a chama sagrada arder nos vossos coraes!
Sede instrumentos da justia em nome do Supremo!
Francos! A Palestina lugar de leite e mel fluindo, territrio
precioso aos olhos de Deus. Um lugar a ser conquistado e mantido
apenas pela f.
Ns apelamos s vossas espadas!
Lutai contra a amaldioada raa que avilta a terra sagrada,
Jerusalm, frtil acima de todas outras.
Glorificai as peregrinaes para o centro do mundo, consagrai-vos
Paixo de Jesus Cristo!
Tornai-vos dignos da Redeno pela Sua morte! Glorificai seu
tmulo!
O caminho ser longo, a f no Onipotente torn-lo- possvel e
frutfero.
No temais Francos! No temais a tortura, pois nela reside a glria
do martrio!
No temais a morte, pois nela reside a vida eterna!
No temais dor, pois a recebereis com resignao!
Os anjos apresentaro vossas almas a Deus.
O Santssimo ser glorificado pelos atos de seus filhos!
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Vede vossa frente aquele que a voz de Nosso Senhor! Segui Seu
exemplo e palavras eternas!
Marchem certos da expiao de vossos pecados, na certeza da glria
imortal.
Deixai as legies de Cristo Rei se atracar com o inimigo!
Os anjos cantaro vossas vitrias!
Que os servidores do Evangelho entrem em Jerusalm portando o
estandarte de Nosso Senhor e Salvador!
Que o smbolo da f seja mostrado em vermelho sobre o imaculado
branco, pureza e sofrimento expressados!
E que sua palavra seja ouvida como retumbante trovo, trazendo
medo e luz para os infiis!
Que agora o exrcito do Deus nico brade em glria sobre os Seus
inimigos!
URBANO II
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Poucos fenmenos histricos despertaram tantas paixes quanto as
cruzadas. As peregrinaes militares, que tiveram incio no sculo
XI, nos fazem lembrar o quanto so antigos os conflitos entre o
Oriente e o Ocidente.
O que era primeiramente uma luta entre cristos e muulmanos pelo
controle da Terra Santa transformou-se em uma luta sangrenta pelo
domnio de territrios e rotas de comercio, gerando intolerncia,
dio e desavenas que permanecem at os dias de hoje.
Sejam bem vindos ao 115:1 Carnificina na Terra Santa, um jogo de
interpretao de papis que tem como tema as cruzadas, os combates
entre cristos e turcos muulmanos que duraram mais de 200 anos e
que modificaram toda a Idade Mdia.
O QUE UM JOGO DE INTERPRETAO?
O termo Jogo de Interpretao de Papis vem do ingls Role
Playing Game ou simplesmente RPG.
Quando jogamos RPG, cada participante (jogador) interpreta um
personagem dentro de uma histria, uma aventura imaginaria criada
pelo narrador, um tipo especial de jogador. o narrador que
define como a aventura ser narrada e interpreta o papel de todas as
outras pessoas, os coadjuvantes e os antagonistas, que os
personagens, os protagonistas, iro interagir e enfrentar.
Uma partida de RPG assemelha-se bastante a uma pea de teatro. O
narrador cria uma histria e a narra para os jogadores, que atuam
dentro da narrativa, realizando aes plausveis com a personalidade
de cada personagem. Isso tudo acontece no interior de um cenrio
pr-estabelecido e fictcio, que pode variar desde uma tentativa de
demonstrar uma possvel Grcia Clssica ou uma galxia distante,
com drages e cavaleiros cibernticos. necessrio afirmar que as
aes das personagens tambm so fictcias, assim sendo, se uma
delas tiver de saltar, por exemplo, o jogador apenas verbalizar a
ao, apontando como sua personagem age.
Para jogar o 115:1 Carnificina na Terra Santa, voc vai precisar de
uma cpia do livro 3:16 Carnificina Entre As Estrelas, lpis,
borracha e dados de 6 e 10 lados.
3:16 Carnificina Entre As Estrelas um premiado jogo de fico
que narra as aventuras de uma fora militar expedicionria que
singra o cosmo eliminando ameaas aliengenas. O jogo foi escrito
pelo escocs Gregor Hutton e foi agraciado com o prmio High
Ronny de melhor design de RPG. O jogo publicado no Brasil pela
RetroPunk (saiba mais em http://portal.retropunk.net/?q=node/345).
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Introduo
Chama-se de Cruzada a qualquer um dos movimentos militares de
inspirao crist que partiram da Europa Ocidental em direo
Terra Santa (nome pelo qual os cristos denominavam a Palestina) e
cidade de Jerusalm com o intuito de conquist-las, ocup-las e
mant-las sob o domnio cristo. Estes movimentos estenderam-se
entre os sculos XI e XIII, poca em que a Palestina estava sob o
controle dos turcos seljcidas.
O termo cruzada raro e recente: no aparece no latim medieval
antes da metade do sculo XII e seu correspondente rabe, hurub
assalibyya (A Guerra pela Cruz) data somente de 1850. De fato, aos
olhos dos orientais, as cruzadas permaneceram durante muito tempo
como simples guerras iguais a tantas outras iniciadas pelos francos.
J estes, que eram antes de tudo peregrinos, se consideravam como
Soldados de Cristo e marcados pelo sinal da cruz (crucesignati,
em italiano), sendo a partir desta ltima expresso que se formou, a
partir do sculo XIII, o termo cruzada (tambm do italiano,
cruciata).
Os textos medievais em geral designam essas expedies como a
viagem de Jerusalm ou o caminho do Santo Sepulcro (iter
hierosolymitanum, via Sancti Sepulcri) e, j no comeo do sculo
XIII, quando o movimento se tornou mais regular, sob o nome de
passagem. Subjacente a todas essas expresses se encontra a ideia
de peregrinao: Jean de Joinville, cronista e historiador francs fala
sobre a peregrinao da cruz. Ainda no sculo XIV, quando o
Ocidente renuncia de fato, seno de direito, reconquista de
Jerusalm, as cruzadas so referidas pelo nome de viagem a
ultramar.
Entendemos aqui por Cruzada, uma peregrinao de cunho militar
decidida por um Papa que concede a seus participantes privilgios
temporais e espirituais e lhes determina o objetivo de libertar o
Sepulcro de Cristo em Jerusalm.
As poderosas Ordens dos Cavaleiros de So Joo de Jerusalm
(Hospitalrios), dos Cavaleiros Teutnicos e dos Cavaleiros
Templrios foram criadas durante as Cruzadas. O termo tambm
usado, por extenso, para descrever, de forma acrtica, qualquer
guerra religiosa ou mesmo um movimento poltico ou moral.
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As Origens das Cruzadas
O entusiasmo coletivo provocado pela pregao da Primeira
Cruzada, feita pelo Papa Urbano II no concilio de Clermont em
1095, surpreendeu at mesmo seu idealizador, e ainda hoje continua
a causar espanto. Numerosas pesquisas foram dedicadas questo da
origem das cruzadas, buscando desvendar seus elementos essenciais.
Podemos salientar as condies sociais e econmicas do final do
sculo XI: alto crescimento demogrfico, falta de terras cultivveis,
crescimento da economia monetria e das trocas comerciais e o
inicio da expanso italiana pelo Mediterrneo. Em parte, eles
explicam e, por outro lado, tornam possvel o movimento que
impulsiona para o Oriente alguns ocidentais (nobres relativamente
desprovidos de terras e multides de pobres em busca de melhores
condies materiais e espirituais).
Embora no neguemos a existncia dessas condies, no pretendo
tratar delas aqui, Prefiro salientar o valor dos fatores que explicam
tal entusiasmo que assumiu a forma de Cruzada: As constantes
peregrinaes individuais a Jerusalm e, igualmente, a doutrina e a
pratica da justia das guerras contras os sarracenos. A ideia de
Cruzada nasce do encontro destas duas tradies. Mas para de fato
provoc-la, era preciso um tipo de catalisador: um pretexto, e esta foi
a ideia, amparada em uma profunda ignorncia do Oriente, de levar
socorro aos cristos orientais que estavam sendo oprimidos pelos
turcos, segundo se acreditava.
Papa Urbano II pregando a Cruzada
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Antecedentes
Depois da morte de Maom em 632, os exrcitos rabes lanaram-se
com novo fervor conquista dos seus antigos dominadores: os
bizantinos e os persas sassnidas, que vinham de dcadas de guerra.
Estes ltimos, depois de serem derrotados em algumas batalhas,
levaram 30 anos para serem destrudos, devido mais extenso do
seu imprio do que sua resistncia militar: o ltimo X morreu em
Cabul em 655. Os bizantinos resistiram bem menos: cederam uma
parte da Sria, a Palestina, o Egito e o norte de frica, mas ao fim
sobreviveram e mantiveram sua capital Constantinopla.
Em novo impulso, os exrcitos conquistadores muulmanos
lanaram-se ento sobre a ndia, a Pennsula Ibrica, o sul de Itlia, a
Frana, e as ilhas mediterrneas. Tendo se tornado uma civilizao
tolerante e brilhante sob o ponto de vista intelectual e artstico, o
imprio muulmano sofreu de gigantismo e viu enfraquecer-se
militar e politicamente. Aos poucos, as zonas mais longnquas
tornaram-se independentes ou ento foram recuperadas pelos seus
inimigos, bizantinos, francos, reinos neo-godos, os quais guardavam
na memria a poca de conquista.
No sculo X, essa desagregao acentuou-se, em parte devido
influncia de grupos de mercenrios convertidos ao isl que
tentavam criar reinos separados. Os turcos seljcidas (no confundir
com os turcos otomanos antepassados dos criadores do atual pas, a
Turquia), procuraram impedir esse processo e conseguiram unificar
uma parte do territrio. Acentuaram a guerra contra os cristos,
esmagando as foras bizantinas em Manziquerta em 1071 e
conquistando, assim, o leste e o centro da Anatlia e Jerusalm em
1078.
Depois de um perodo de expanso nos sculos X e XI o Imprio
Bizantino viu-se em srias dificuldades com as revoltas de nmades
ao norte da fronteira, e a perda dos territrios da pennsula Itlica,
conquistados pelos normandos. Internamente, a expanso dos
grandes domnios em detrimento do pequeno campesinato resultou
numa diminuio dos recursos financeiros e humanos disponveis ao
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estado. Como soluo, o imperador Alexius I Comneno decidiu
pedir auxlio militar ao Ocidente para fazer frente ameaa
seljcida.
O domnio dos turcos seljcidas sobre a Palestina foi percebido
pelos cristos do Ocidente como uma ameaa e uma forma de
represso sobre os peregrinos e os cristos do Oriente. Em 27 de
janeiro de 1095, no conclio de Clermont, o papa Urbano II exortou
os nobres franceses a libertar a Terra Santa e a colocar Jerusalm de
novo sob a soberania crist, apresentando essa expedio militar
como uma forma de penitncia. A multido presente aceitou
entusiasticamente o desafio e logo partiu em direo ao Oriente,
sobrepondo uma cruz vermelha sobre suas roupas (da terem
recebido o nome de "cruzados").
Assim comeavam as cruzadas:
A Primeira Cruzada
A Primeira Cruzada foi proclamada em 1095 pelo papa Urbano II
com o objetivo duplo de auxiliar os cristos ortodoxos do leste e
libertar Jerusalm e a Terra Santa do jugo muulmano. Na verdade,
no foi um nico movimento, mas um conjunto de aes blicas de
inspirao religiosa, que incluiu a Cruzada Popular, a Cruzada dos
Nobres e a Cruzada de 1101.
Comeou com um apelo do Imperador Bizantino Alexius I Comneno
ao papa para o envio de mercenrios para combater os turcos
seljcidas na Anatlia. Mas a resposta do cristianismo ocidental
rapidamente se tornou em uma verdadeira migrao de conquista
territorial no Levante. Nobreza e povo de vrias naes da Europa
Ocidental fizeram a peregrinao armada at Terra Santa, por terra
e por mar, e tomaram a cidade de Jerusalm em Julho de 1099,
criando o Reino Latino de Jerusalm e outros estados cruzados.
A Primeira Cruzada representou um marco na mentalidade e nas
relaes de cristos ocidentais, cristos orientais e muulmanos.
Apesar das suas conquistas terem eventualmente sido
completamente perdidas, tambm foi o incio da expanso do
ocidente que, juntamente com a Reconquista da Pennsula Ibrica,
resultaria na aventura dos descobrimentos e no imperialismo
ocidental.
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Contexto histrico
No ocidente
As cruzadas em geral, e a Primeira Cruzada em particular, tiveram as
suas origens em eventos anteriores na Idade Mdia. A diviso do
Imprio Carolngio nos sculos anteriores, e a relativa estabilidade
das fronteiras europeias depois da cristianizao dos povos brbaros,
criaram toda uma classe de guerreiros que tinham de lutar entre si
para obter terras e riquezas.
No incio do sculo VIII, o califado omada tinha conquistado o
Norte de frica, o Egito, a Palestina, a Sria, e invadido a Pennsula
Ibrica. A Reconquista ganhou uma carga ideolgica que pode ser
considerado o primeiro exemplo de um esforo concentrado dos
cristos na conquista de territrios aos muulmanos, como parte dos
esforos de expanso dos reinos cristos da Pennsula Ibrica,
apoiados pelas ordens militares e por mercenrios mobilizados por
toda a Europa.
Em 1009 o califa fatmida al-Hakim bi-Amr Allah provocou grande
indignao por todo o mundo cristo quando ordenou a destruio da
igreja do Santo Sepulcro em Jerusalm. Ao mesmo tempo, com o
colapso dos omadas, vrias dinastias muulmanas menos poderosas,
como os aglbidas e os clbidas, instalaram-se na Siclia e no sul da
Pennsula Itlica.
Os normandos conquistaram a Siclia em 1091. O Reino de Arago
no ocidente, as cidades-estados de Pisa e Genova na Itlia, e o
Imprio Bizantino no oriente travaram longas lutas contra os reinos
muulmanos pelo controle do mar Mediterrneo.
A ideia de uma guerra santa contra o Isl parecia aceitvel aos
poderes seculares e religiosos da Europa ocidental, bem como do
povo em geral - para alm do incentivo de conquistar territrios e
riquezas, que ganhou popularidade com os sucessos militares dos
reinos europeus, comeou a emergir uma nova concepo poltica do
cristianismo.
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A cada vez mais influente Ordem de Cluny estabeleceu uma nova
organizao da religio crist, cada vez mais centralizada no papa
em detrimento da independncia dos seus bispos. Esta ideia foi se
expandindo at ao ponto de o papado pretender ser o suserano de
todos os reinos europeus, sancionando guerras santas contra as
naes herticas que no aceitassem o domnio da Igreja.
Abadia de Cluny - Frana
Deste modo no surpreendente a unio dos reinos cristos sob a
orientao papal, e a criao de exrcitos para combater o Isl. As
terras que anteriormente conquista muulmana tinham pertencido
aos cristos, e particularmente as que tinham sido parte do Imprio
Romano ou do seu sucessor Imprio Bizantino - Sria, Egito, Norte
de frica, Hispnia, Chipre - eram vistas como terras invadidas que
deveriam ser libertadas. Acima de tudo, Jerusalm e a Palestina,
onde Jesus Cristo e os seus apstolos tinham vivido, eram lugares
santos que sofriam a heresia do domnio dos infiis.
Em 1074, o papa Gregrio VII apelou aos milites Christi (soldados
de Cristo) para partirem em ajuda do Imprio Bizantino no oriente,
que sofrera graves derrotas contra os turcos seljcidas na batalha de
Manziquerta em 1071. Apesar de este chamado ter sido em geral
ignorado e at ter recebido oposio, juntamente com a popularidade
das peregrinaes Terra Santa no sculo XI, concentrou a ateno
do ocidente no oriente.
Pregadores como Pedro o Eremita e Walter Sem-Terras
popularizaram rumores de agresses de muulmanos aos peregrinos
cristos a Jerusalm e a outros lugares santos do Mdio Oriente. Mas
foi o papa Urbano II quem disseminou a ideia de uma cruzada para
libertar a Terra Santa. Ao ouvir o seu discurso dramtico e
inspirador no Conclio de Clermont, a assistncia aderiu com
entusiasmo ideia da salvao da alma pela penitncia da
peregrinao e da luta contra os infiis.
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No oriente
O Imprio Bizantino tambm professava a f crist, mas devido ao
Grande Cisma do Oriente, seguiam o rito ortodoxo. O imperador
Alexius I Comneno governava um territrio que fazia fronteira com
a Europa Ocidental a norte e a oeste, onde se encontrava em conflito
com os normandos, e com a Anatlia a oriente, recentemente
conquistada pelos turcos seljcidas.
Mais para o oriente, Sria, Palestina e Egito estavam sob o controle
de vrias faces de muulmanos, herdeiros da fragmentao do
imprio do califado omada. A Anatlia e a Sria eram controladas
pelos seljcidas sunitas, antes parte do grande imprio seljcida que
derrotara o Imprio Bizantino em Manziquerta em 1071, mas
tambm fragmentado e em guerra civil desde 1072.
Diferentes governantes, todos de origem seljcida, governavam de
forma independente o Sultanato de Rum na Anatlia e as cidades-
estados de Alepo, Damasco e Mossul. Mas estes estados estavam de
modo geral mais concentrados na consolidao dos seus prprios
territrios e na conquista dos seus vizinhos do que em cooperar para
lutar contra os cruzados.
O nordeste da Sria e o norte da Mesopotmia eram territrios dos
ortoquidas, que mantiveram a posse de Jerusalm at 1098. No leste
da Anatlia e no norte da Sria foi fundado um estado pelos
danismendidas, descendentes de um mercenrio seljcida. E tambm
na Sria, a Ordem dos Assassinos comeava a ganhar poder.
At recentemente, os cristos da Palestina tinham plena liberdade de
culto, desde que realizassem os seus ritos com alguma discrio.
Mas desde o incio do sculo XI, comeou a ocorrer alguma
perseguio religiosa, no s a cristos como a judeus e a diferentes
ramos do Isl. Depois da destruio do Santo Sepulcro em 1109, a
perseguio deu lugar a um imposto pago pelos peregrinos cristos
que pretendessem entrar em Jerusalm.
Em pouco tempo surgira o poder seljcida, brbaros turcos
convertidos ao Isl, agressivos e com uma interpretao estrita da
sua f. As histrias de maus tratos aos peregrinos que chegaram
Europa Ocidental no desencorajavam muitos dos cristos latinos,
que viam assim a sua peregrinao transformarem-se num ato ainda
mais devoto. Mas o Egito e a maioria da Palestina ainda eram
territrios dos fatmidas, rabes do ramo xiita em conflito com os
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seljcidas. Jerusalm tinha-lhes sido conquistada pelos seljcidas em
1076, mas depois os ortoquidas conquistaram a cidade, e em 1098, j
durante a marcha da Cruzada dos Nobres, Jerusalm voltou para as
mos dos fatmidas.
Inicialmente, os fatmidas no consideravam os cruzados como uma
ameaa, assumindo que estes tinham sido enviados pelos bizantinos
e que como tal o seu objetivo seria apenas a reconquista da Anatlia
e da Sria aos seljcidas. E de fato Alexius I Comneno tinha
aconselhado os cruzados a aliarem-se aos fatmidas contra o inimigo
comum, os seljcidas. A poltica prpria e o zelo religioso dos
cristos ocidentais iria impedir esta coexistncia, o seu objetivo
principal era libertar a Terra Santa de quaisquer que fossem os
muulmanos que estivessem cometendo o sacrilgio de estar na
posse dos lugares santos.
Conclio de Clermont
Em Maro de 1095, o imperador bizantino Alexius I Comneno
enviou uma embaixada ao Conclio de Piacenza para pedir ajuda ao
papa Urbano II contra os turcos. Urbano concordou, com a
esperana de, ao ajudar as igrejas orientais neste momento de grande
necessidade, acabar com o Grande Cisma do Oriente de 40 anos
antes e reunir a Igreja crist sob o domnio papal, como bispo e
prelado mximo de todo o mundo.
Com a autoridade papal reafirmada em Piacenza, Urbano II
convocou o Conclio de Clermont em 27 de novembro, anunciando
que no fim da reunio iria fazer uma proclamao de mxima
importncia para o pblico em geral. A afluncia da nobreza, do
clero e do povo a Clermont foi to grande que, ao contrrio das
representaes artsticas do evento, este no se realizou dentro da
catedral, mas sim ao ar livre.
O sermo apaixonado exortou a sua audincia a tirar o controle de
Jerusalm das mos dos muulmanos. Referiu-se violncia dos
nobres europeus que saqueavam terras europeias e lutavam entre si,
e que a soluo para este problema era colocar as suas espadas ao
servio de Deus: Que os salteadores se tornem cavaleiros. Ainda
anunciou as recompensas que esperavam quem tomasse a cruz, tanto
na terra como no cu, uma vez que a cruzada seria uma expedio de
penitncia, e quem morresse na Terra Santa ou a caminho dela,
ganharia o seu lugar no Paraso - isto , a indulgncia plena. Tudo
isto o papa prometia atravs do poder de Deus que lhe fra
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concedido. A multido reunida foi tomada de um entusiasmo
frentico que interrompeu o seu discurso gritando Deus quer!,
frase que seria repetida por toda a Europa.
Considerado um dos mais importantes da histria da Europa, o
sermo de Urbano II deu origem a diversos relatos, mas estas
verses dos acontecimentos foram escritas depois da conquista de
Jerusalm, pelo que difcil saber o que realmente foi afirmado pelo
papa e o que foi acrescentado ou modificado depois do sucesso da
cruzada. No entanto, a resposta do ocidente ao apelo feito a todos
sem distino, pobres ou ricos, foi claramente superior ao esperado.
Ao pregar e prometer a salvao a todos os que morressem em
combate contra os pagos (na verdade muulmanos, na sua maioria),
o papa estava criando um novo ciclo. Com a campanha de salvao
da alma a todos os mortos em combate contra os infiis, Urbano no
estava s garantindo um grande exrcito, mas tambm um novo foco
blico para as foras que se batiam em lutas internas, perturbando a
paz na Europa.
certo que a ideia no era totalmente nova: h algumas dcadas
atrs j havia sido declarado que os guerreiros mortos em combate
contra os muulmanos na Itlia mereciam a salvao. Mas desta vez
a salvao no era prometida numa situao excepcional, seria
concedida a todos os que participassem do empreendimento.
Europeus de todas as camadas sociais costuraram uma cruz vermelha
nas suas roupas. O entusiasmo era tal que muitos venderam ou
hipotecaram todos os seus bens para obter armas e dinheiro
necessrios para a expedio. Nobreza e o povo comum procedente
da Frana, do sul da Itlia e das regies da Lorena, Borgonha e
Flandres, rapidamente formaram expedies separadas.
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Cruzada Popular ou dos Mendigos (1096)
A Cruzada Popular ou Cruzada dos Mendigos foi um movimento
extra-oficial da Primeira Cruzada. Uma peregrinao que refletiu o
misticismo da poca e que teve o seu incio em 1095. Depois do
Conclio de Clermont, o papa Urbano II planejou a partida da
Cruzada dos Nobres, composta de homens de armas, para 15 de
agosto de 1096, no dia santo da Assuno de Maria.
Mas, meses antes desta cruzada "oficial", um vasto nmero de
plebeus e cavaleiros de baixa estirpe organizou-se para partir para a
Terra Santa de forma independente. Liderados pelo monge Pedro o
Eremita e pelo cavaleiro Walter Sem Terras, cerca de 40.000
peregrinos da Europa ocidental tentaram libertar a cidade de
Jerusalm do domnio muulmano, mas seriam mortos ainda na
Anatlia em outubro de 1096.
Pregao da cruzada
Durante o Conclio de Piacenza em 1095, ao receber um pedido de
ajuda do imperador bizantino Alexius I Comneno para a luta contra
os turcos, o papa Urbano II viu uma oportunidade para acabar com o
Grande Cisma do Oriente e reunir a Igreja crist sob o domnio de
Roma. Em 27 de novembro foi reunido o Conclio de Clermont, no
qual o papa exortou a sua audincia a tirar o controle de Jerusalm
das mos dos muulmanos, prometendo que quem morresse na Terra
Santa ou a caminho dela, ganharia o seu lugar no Paraso - isto , a
indulgncia plena. A multido reunida foi tomada de tal entusiasmo
frentico que interrompeu o seu discurso gritando Deus o quer!,
frase que seria repetida por toda a Europa. Durante 1095 e 1096,
Urbano II continuou a pregar a cruzada pela Frana e incentivou os
seus bispos e legados a fazerem o mesmo nas suas dioceses na
Frana, Germnia, e Itlia.
Europeus de todas as camadas sociais costuraram uma cruz vermelha
nas suas roupas, o que lhes deu o seu nome de crucesignati, em
italiano, sendo que a partir desta expresso que se forma, por volta
de metade do sculo XIII, o termo Cruzado. O entusiasmo era tal
que muitos venderam ou hipotecaram todos os seus bens para obter
armas e dinheiro necessrios para a expedio. Nobreza e o povo
comum procedente da Frana, do sul da Itlia e das regies da
Lorena, Borgonha e Flandres, rapidamente formaram expedies
separadas.
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Depois de vrios anos em que foram vtimas de secas, fome e pestes,
parte dos cruzados teria visto a expedio como uma fuga a este
sofrimento. Por coincidncia, desde o incio de 1095 ocorriam
fenmenos naturais que pareciam s pessoas da poca sinais de uma
bno divina: uma chuva de meteoros, auroras boreais, um eclipse
lunar e a passagem de um cometa, entre outros eventos.
Um surto de ergotismo, que geralmente propiciava peregrinaes em
massa, ocorrera pouco antes do Conclio de Clermont. O
milenarismo, a ideia da iminncia do fim do mundo popularizada no
final do sculo X e incio do sculo XI, ganhou popularidade. Deste
modo, a resposta ao apelo do papado ultrapassou as expectativas:
Urbano tencionava reunir alguns milhares de cavaleiros, mas a
empresa tornou-se numa migrao de mais de 40.000 pessoas.
O papa ainda tentou proibir algumas pessoas (como mulheres,
monges e os doentes) de participar da expedio, mas isto se revelou
impossvel. O apelo papal foi to forte que a maioria dos que
tomaram a cruz no foram os nobres, mas sim o povo pobre e mal
preparado para a guerra, numa expedio que inclua mulheres e
crianas, apoiados numa forte f em Deus e na salvao das suas
almas.
O monge Pedro, chamado O Eremita, de Amiens, foi um dos mais
carismticos entusiastas da expedio, pregando a cruzada pelo norte
da Frana e por Flandres. Afirmava ter sido convocado a pregar por
Cristo (teria supostamente uma carta divina para provar) e
provvel que alguns dos seus seguidores pensassem que ele, e no
Urbano, era o verdadeiro criador do ideal da cruzada. Alberto de
Aquisgro tambm relata os casos de populares acreditarem que uma
cabra e um ganso teriam recebido o Esprito Santo, e assim seguiram
sob a liderana destes animais.
Travessia da Europa
Geralmente, o exrcito de Pedro O Eremita tem sido visto como um
grupo de camponeses analfabetos e incompetentes sem ideia de para
onde estava indo, e que acreditavam que cada cidade de um
determinado tamanho que fossem encontradas pelo caminho era
Jerusalm; apesar disto ser verdade para uma parte destes
peregrinos, a j longa tradio de peregrinaes Terra Santa nesta
poca assegurava que muitos deveriam conhecer bem a localizao e
a distncia at Jerusalm.
E enquanto a maioria do grupo no seria composta de guerreiros,
alguns dos lderes da expedio eram cavaleiros de baixa estirpe,
treinados nas artes blicas, tais como o futuro cronista Fulcher de
Chartres. Walter Sem-Terras, tal como indica o seu nome, era um
cavaleiro pobres, sem posses (bens) ou vassalos, mas com
experincia de combate.
Sem disciplina militar, e nas terras estranhas da Europa de Leste, em
pouco tempo estes primeiros cruzados entrariam em conflito com os
nativos das terras, ainda crists, por onde passaram. Juntamente com
as diferenas culturais, o problema principal da Cruzada Popular foi
a falta de planejamento, pois tinham sado da Europa Ocidental antes
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das colheitas da primavera, depois de anos de seca e de ms safras.
Agora era necessrio alimentar uma expedio de milhares de
pessoas. E, uma vez que estas se viam como peregrinos realizando a
vontade de Deus, esperavam que as cidades por onde passavam lhes
fornecessem alimentos e outros suprimentos de que necessitassem,
ou pelo menos que os vendessem a um preo que os cruzados
considerassem justo.
Walter Sem-Terras
Pedro o Eremita juntou o seu exrcito em Colnia no dia 12 de abril
de 1096, planejando parar nessa cidade para pregar aos germnicos e
obter mais cruzados. Mas o contingente franco no estava disposto a
aguardar pela chegada destes. Sob a liderana de Walter Sem-Terras,
alguns milhares partiram antes do Eremita. Chegaram Hungria a 8
de maio, atravessaram este territrio sem incidentes e alcanaram o
rio Sava na fronteira do Imprio Bizantino em Belgrado.
Surpreendido pela chegada desta grande massa humana e sem ordens
de como proceder, o comandante da cidade recusou a entrada aos
cruzados, forando-os a pilhar os terrenos ao redor para obterem
alimentos, o que resultou em escaramuas com os soldados
bizantinos. Em um incidente particularmente marcante, dezesseis
homens de Walter tentaram pilhar um mercado em Semlin, na outra
margem do rio Danbio - os dezesseis cruzados foram despojados
das suas armaduras e roupas, que foram penduradas como aviso nas
muralhas do castelo.
Eventualmente foi-lhes permitida passagem at Ni, onde as foras
imperiais lhes forneceram alimentos, aguardando ordens de
Constantinopla. Seria apenas no final do ms de Julho que
alcanariam esta cidade, e sob a escolta bizantina.
Pedro, o Eremita
Pedro o Eremita manteve-se como o principal lder espiritual do
movimento, caracteristicamente montado em um burro e vestido em
roupas simples. Seguido por 40.000 cruzados, partiu de Colnia a 20
de Abril - o grupo de germnicos do conde Emico de Flonheim
partiu pouco depois. Ao chegarem s margens do rio Danbio, parte
do exrcito decidiu descer o rio por barco, enquanto a maioria
continuou por terra, entrando na Hungria em denburg.
Atravessaram este pas sem incidentes at se reunirem ao
contingente da viagem fluvial em Semlin.
Os cruzados foram recebidos nesta cidade fronteiria do Imprio
Bizantino, pela viso das dezesseis armaduras do grupo de Walter
Sem-Terras penduradas nas muralhas. Eventualmente uma disputa
sobre o preo de um par de sapatos no mercado levou a um motim,
que rapidamente se tornou num ataque cidade pelos cruzados
(provavelmente contra a vontade de Pedro), no qual 4.000 hngaros
perderam a vida. Ao fugirem, atravessando o rio Sava, os ocidentais
chegaram a Belgrado, lutando contra as tropas da cidade. Os
residentes fugiram e os cruzados pilharam e incendiaram a cidade, e
depois marcharam durante sete dias at chegar a Ni, a 3 de Julho. O
comandante desta cidade prometeu fornecer alimentos e uma escolta
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para os peregrinos at Constantinopla, se estes partissem
imediatamente.
Pedro o Eremita partiu na manh seguinte, mas alguns germnicos
entraram em uma nova disputa com os locais na estrada e
incendiaram um moinho. O conflito aumentou ao ponto de Ni
enviar toda a sua guarnio contra os cruzados. O resultado foi a
completa derrota do exrcito peregrino, que perdeu cerca de 10.000
cruzados, um quarto do seu total. Depois de se reagruparem em Bela
Palanka (na Srvia), chegaram a Sfia em 12 de julho. L
encontraram a escolta bizantina que os conduziria em segurana at
Constantinopla, aonde chegaram no dia 1 de agosto.
Perseguio aos judeus
A Primeira Cruzada desencadeou uma longa tradio de violncia
organizada contra os judeus, apesar de h sculos j existir o
antissemitismo na Europa. Primeiro na Frana e depois no Sacro
Imprio Romano-Germnico, alguns lderes interpretaram que a
guerra contra os infiis podia ser aplicvel no s aos muulmanos
no Levante, mas tambm aos judeus, vistos como os assassinos de
Jesus Cristo, e que estavam presentes na maioria das comunidades
europias. Muitos cristos no viam motivo para viajar milhares de
quilmetros para lutar contra os inimigos do cristianismo, quando
estes estavam porta de suas casas.
Tambm possvel que estas perseguies tenham sido motivadas
pela necessidade de dinheiro. As comunidades judaicas da Rennia
eram relativamente abastadas, devido ao seu isolamento e por no
estarem sujeitas lei papal que proibia a agiotagem. Muitos
cruzados tinham sido forados a vender as suas posses e a colocar-se
a eles mesmos e at aos seus familiares em dvida, de modo a
poderem comprar armas e outro equipamento necessrio para a
expedio. Ao terem de entrar em dvida (muitas vezes com os
judeus) para comprar armas e equipamentos para lutar contra os
inimigos da cristandade, muitos cruzados, convenientemente,
pensaram e executaram a matana de judeus como uma extenso da
sua misso de f.
No passado, mesmo durante o ponto alto do milenarismo, vrios
movimentos antissemticos populares, ou comandados por nobres e
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reis (como as converses foradas por Roberto II de Frana, Ricardo
II da Normandia e Henrique II da Germnia no incio do sculo XI),
tinham sido travados pelo papado ou pelos bispos locais. Mas agora
o fervor da Cruzada tornava a situao mais difcil de controlar. Em
1095, comunidades judaicas foram atacadas na Frana e na Rennia,
e alguns judeus fugiram para leste para escapar perseguio.
Apesar de o papado acabar por pregar contra a morte de habitantes
muulmanos e judeus, este cenrio repetir-se-ia inmeras vezes
durante o perodo das cruzadas.
O cronista franco Sigeberto de Gembloux escreveu que:
para se fazer uma guerra em nome de Deus, era essencial que os
judeus se convertessem; os que resistissem seriam privados dos seus
bens, massacrados e expulsos das cidades.
O nobre cruzado Godofredo de Bouillon chegou a jurar partir na
expedio s aps vingar o sangue de Cristo crucificado,
derramando sangue judeu e erradicando a presena deste povo.
Depois de informado disto pelo lder da comunidade judaica de
Mainz, o imperador Henrique IV da Germnia proibiu esta ao.
Godofredo acabou por negar ter a inteno de matar os judeus, mas
as comunidades de Mainz e Colnia tinham-lhe enviado um tributo
de 500 marcos de prata.
Quando os milhares de francos da Cruzada Popular chegaram ao
vale do Reno, estavam sem provises. Nenhum cronista acusa Pedro
o Eremita de pregar contra os judeus, apesar de os seus seguidores,
para se reabastecerem, pilharem propriedades dos judeus,
simultaneamente tentando forar estes a converterem-se ao
cristianismo ou massacrando as populaes locais. Em outros casos
as comunidades sobreviveram atravs do batismo involuntrio, como
em Ratisbona, onde uma multido de cruzados os forou a entrar no
Danbio para batiz-los em massa - depois de os cruzados sarem da
regio, a comunidade voltou ao judasmo. Muitos judeus que se
recusavam a converter-se e ouviam as notcias de massacres perto
das suas casas cometeram suicdios em massa.
Pessoalmente, Pedro o Eremita trazia consigo uma carta dos judeus
da Frana para a comunidade de Trier, solicitando que fornecessem
provises aos seus seguidores. O cronista judeu Solomon bar
Simeon escreveu que estavam to apavorados ao ver Pedro aparecer
aos portes da cidade que rapidamente concordaram a fornecer-lhe o
que precisasse.
Emico de Flonheim
O maior e mais violento grupo no ataque aos judeus da Germnia foi
o liderado pelo conde Emico de Flonheim. No incio do Vero de
1096, cerca de 10 000 cruzados percorreram o vale do Reno na
direo norte (oposta a Jerusalm), e iniciaram uma srie de
pogroms chamados por alguns historiadores de "o primeiro
holocausto". Depois acabariam por seguir em direo aos rios Meno
e Danbio para a Hungria. O contingente inclua oriundos da
Rennia, Frana oriental, Lorena, Flandres e at da Inglaterra.
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No sul da Itlia, quando percebeu as intenes desta cruzada, o
Sacro Imperador Henrique IV da Germnia deu ordens para que os
seus homens protegessem as comunidades judaicas. Depois do
assassinato dos judeus de Metz, o bispo Joo de Speyer ofereceu
asilo aos judeus da cidade, mas mesmo assim 12 foram mortos no
dia 3 de maio. O bispo de Worms tambm tentou proteger os judeus
da sua cidade, mas os cruzados invadiram o seu palcio episcopal e
mataram os refugiados em 18 de maio, e pelo menos 800 judeus
foram massacrados em Worms porque recusaram o batismo.
Tendo sabido das aes de Emico, o bispo Ruthard de Mainz
recusou a entrada do grupo na cidade em 25 de maio, ao mesmo
tempo em que a comunidade judaica local lhes ofereceu um tributo
de ouro para comprar a sua segurana. Mesmo assim, os seguidores
de Emico entraram na cidade e massacraram judeus em 27 de maio.
Muitos dos habitantes do burgo, principalmente os comerciantes e o
bispo, ofereceram abrigo aos seus vizinhos judeus (tal como
aconteceu tambm em Praga), e juntaram-se milcia do bispo para
repelir as incurses dos cruzados, mas deixaram de oferecer
resistncia medida que os nmeros destes aumentavam cada vez
mais.
No entanto, muitos outros habitantes de Mainz e de outras cidades
participaram das perseguies e pilhagens. Foi na cidade de Mainz
que a violncia atingiu o mximo, com pelo menos 1100 judeus
mortos por um s grupo. Um judeu de nome Isaac foi forado a se
converter, mas depois se sentiu culpado por ter cedido, matou a sua
famlia e imolou-se dentro de casa. Outra judia de nome Raquel
matou os seus quatro filhos para que no fossem mortos pelos
cruzados.
No dia 29 de maio Emico chegou a Colnia, onde a maioria da
populao judaica tinha fugido ou se refugiado em casas de cristos.
Aqui, outros pequenos grupos de cruzados juntaram-se ao
contingente levando consigo bastante dinheiro pilhado aos judeus.
Emico continuou na direo da Hungria, recebendo grupos da
Subia. Quando Colomano da Hungria lhes recusou a entrada no seu
pas, os cruzados cercaram Meseberg, junto ao rio Leitha. Desta vez
o rei preparou-se para fugir para a Rssia, mas os cruzados foram
perdendo moral e mais uma vez foram massacrados pelos hngaros
ou afogaram-se no rio. Alguns dos lderes, entre os quais o conde
Emico, fugiram para a Itlia ou para as suas terras nativas. Outros
eventualmente juntaram-se aos contingentes de Pedro o Eremita,
Hugo I de Vermandois e outros lderes cruzados.
Em Constantinopla
A capital bizantina era provavelmente a maior e mais rica cidade da
Europa na sua poca. O contraste entre a civilizao requintada do
oriente e o bando de peregrinos pobres do ocidente poderia ter sido a
receita para um terrvel conflito, principalmente com a relutncia dos
primeiros em fornecer provises aos segundos.
Desejando obter do ocidente um exrcito organizado para auxiliar na
luta contra os turcos seljcidas, o imperador bizantino Alexius I
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Comneno viu a chegada de uma expedio de peregrinos
desordeiros, cujos prprios lderes no conseguiam controlar.
Temendo mais tumultos e com mais cruzados a chegar ou a caminho
de Constantinopla, Alexius apressou-se a transportar os 30.000
cristos latinos pelo Bsforo.
Alexius avisou Pedro o Eremita para no entrar em combate com os
turcos, que o bizantino acreditava serem guerreiros superiores a este
exrcito desorganizado, e para aguardarem as tropas mais bem
equipadas que estavam para chegar na Cruzada dos Nobres. Tem
sido debatido se foi de propsito que o imperador no lhes forneceu
guias bizantinos, que conheciam a Anatlia, sabendo que, sem guias,
os cruzados seriam chacinados pelos turcos; ou se pelo contrrio
teriam sido os cruzados que insistiram em prosseguir a viagem pela
sia Menor apesar dos seus avisos.
Na Anatlia
Pedro reuniu-se aos francos de Walter Sem-Terras e a alguns
italianos que chegaram ao mesmo tempo. Assim que atravessaram o
Bsforo para a sia, os cruzados comearam a saquear cidades. Ao
chegarem a Nicomdia, as tenses entre francos de um lado, e
germnicos e italianos do outro, resultaram em uma diferena de
opinies sobre como continuar. O exrcito separou-se ento em dois
contingentes, o franco liderado por Godofredo Burel e o
germnico/italiano por um italiano chamado Reinaldo.
Pedro o Eremita tinha perdido completamente o controle da cruzada.
Os peregrinos desprezaram os conselhos de Alexius para aguardar
pelo exrcito dos nobres; incentivados uns pelos outros e pela
facilidade com que conseguiam dominar as populaes locais,
avanavam com cada vez mais ousadia contra cidades vizinhas, at
os francos chegarem junto a Niceia, a capital dos seljcidas,
pilhando os subrbios. Os turcos eram guerreiros experientes e
conheciam o terreno, por isso durante cerca de um ms aguardaram e
observaram at ao melhor momento para atacar. Em Agosto de
1096, uma primeira patrulha de soldados do sulto Kilij Arslan I foi
enviada, sem sucesso, para barr-los.
Para provarem o seu valor igual ou superior aos francos, os
germnicos marcharam com 6.000 cruzados sobre a fortaleza de
Xerigordon, que conquistaram a 18 de Setembro, com o objetivo de
a poderem usar como base para atacar o territrio. Em resposta, Kilij
Arslan I enviou um exrcito de 15.000 turcos liderado pelo general
Elcanes, que cercou Xerigordon a 21 de Setembro. Uma vez que a
fortaleza no dispunha de fontes de gua, os turcos aguardaram que
a sede se encarregasse de derrotar os inimigos, o que demorou cerca
de uma semana. Forados a beber o sangue dos seus burros e a sua
prpria urina, os cruzados renderam-se no dia 29 de setembro.
Alguns foram aprisionados, forados a converterem-se ao Isl e
enviados para Corao, onde foram escravizados, enquanto outros se
recusaram a renegar a sua f e foram mortos.
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H vrias verses sobre o destino do lder Reinaldo: algumas
mencionam que foi morto no incio do cerco, enquanto tentava
emboscar o poo de gua usado pelos turcos, frente da fortaleza;
outras relatam a sua morte durante o cerco; e outra afirma que se
converteu ao Isl.
No acampamento franco de Civitot, dois espies turcos espalharam o
rumor de que os germnicos tinham conseguido tomar no s
Xerigordon como tambm Niceia, o que incentivou este contingente
a apressar-se para chegar cidade o mais depressa possvel para
poder participar do saque. S mais tarde os cruzados souberam a
verdade de o que acontecera em Xerigordon. Com os cruzados
tomados de pnico, Pedro o Eremita voltou a Constantinopla para
obter mantimentos.
Os lderes discutiram se aguardavam por Pedro, que deveria demorar
pouco tempo. Na verdade, este no chegou a voltar: Godofredo
Burel, que tinha o apoio popular das massas do exrcito, argumentou
que seria covardia aguardar, e que deveriam avanar imediatamente
contra os muulmanos. Na manh de 21 de outubro, todo o exrcito
de cerca de 20.000 cruzados marchou em direo a Niceia, deixando
mulheres, crianas, velhos e doentes no acampamento.
O exrcito turco aguardava em emboscada a cerca de trs milhas do
acampamento cruzado, em um local onde a estrada entrava em um
vale arborizado e estreito junto aldeia de Dracon. Ao
aproximarem-se do vale, os ocidentais marchavam lenta e
ruidosamente, levantando uma nuvem de poeira. Recebidos por um
ataque de flechas que vitimou um grande nmero de peregrinos, e
sem dispor de qualquer proteo, foram imediatamente tomados de
pnico e em poucos minutos se retiraram para o acampamento. O
exrcito cruzado seria massacrado quase na totalidade, mas as
crianas e os que se renderam foram poupados. Os milhares de
soldados que tentaram resistir foram facilmente derrotados. Para
alm de alguns sobreviventes dispersos, apenas cerca de 3.000
peregrinos, incluindo Godofredo Burel, se conseguiram refugiar num
castelo abandonado. Eventualmente uma fora bizantina chegou de
barco e levantou o cerco turco para levar os ocidentais de volta a
Constantinopla, onde muitos se juntariam Cruzada dos Nobres.
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Cruzada dos Nobres
Em agosto de 1096 partiu a Primeira Cruzada "oficial", chamada de
Cruzada dos Nobres, Cruzada dos Cavaleiros ou Cruzada dos Bares
(1096-1099). No total, esta expedio militar organizada,
radicalmente diferente do movimento de peregrinos pobres da
Cruzada Popular, consistiria em cerca de 30.000-35.000 guerreiros,
incluindo 5.000 cavaleiros.
Liderada espiritualmente por Ademar de Monteil, legado papal e
bispo de Le Puy, a liderana militar era repartida e disputada
principalmente por:
Raimundo IV de Toulouse, talvez o mais carismtico lder no incio
da expedio, j tinha participado da Reconquista e era
acompanhado pelos cavaleiros da Provena e pelo legado Ademar;
Boemundo de Taranto, lder dos normandos do sul da Itlia, velhos
inimigos do Imprio Bizantino, acompanhado pelo seu sobrinho
Tancredo de Hauteville;
Godofredo de Bouillon trazia um exrcito da Lorena, juntamente
com os seus irmos Eustquio III de Bolonha e Balduno de
Bolonha, e foi acompanhado por Roberto II de Flandres e os seus
flamengos;
Hugo I de Vermandois, irmo de Filipe I da Frana, portador do
estandarte papal;
Roberto II da Normandia (irmo do rei Guilherme II da Inglaterra) e
Estvo de Blois (neto de Guilherme I de Inglaterra) trazia o
contingente do norte da Frana.
Travessia da Europa
Hugo I de Vermandois comandou o primeiro contingente a chegar a
Constantinopla. Saiu da Frana em meados de agosto e passou pela
Itlia, recebendo o estandarte de So Pedro em Roma. No caminho,
muitos dos seguidores do conde Emico juntaram-se ao seu comando
aps a derrota que tinham sofrido contra os hngaros. Ao contrrio
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dos outros exrcitos cruzados que viajaram por terra, este atravessou
o mar Adritico, partindo de Bari. Mas uma tempestade ao largo do
porto bizantino de Dyrrhachium destruiu muitos dos seus navios. Os
sobreviventes foram resgatados pelos bizantinos e escoltados para
Constantinopla, aonde chegaram em novembro.
Godofredo de Bouillon e os seus irmos seguiram pela "Estrada de
Carlos Magno" como, segundo o cronista Roberto o Monge, Urbano
II ter chamado a este trajeto (que passava por Ratisbona, Viena,
Belgrado e Sfia). Ao passarem pela Hungria tiveram alguns
conflitos com os locais, que j tinham sido atacados pelas diferentes
vagas da Cruzada Popular. O rei Colomano exigiu um refm para
garantir a conduta correta dos cruzados, e por isso Balduno de
Bolonha ficou em poder dos hngaros at os seus companheiros
sarem do territrio.
Depois de mais algumas escaramuas nos domnios do Imprio
Bizantino, os bolonheses foram o segundo exrcito a chegar a
Constantinopla, em novembro, e mais uma vez no conseguiram
evitar que as suas foras pilhassem os territrios vizinhos. O
imperador Alexius I Comneno foi forado a ceder um refm aos
cruzados para repor a paz, e o escolhido foi o seu filho e futuro
imperador Joo II Comneno, que foi confiado a Balduno.
Boemundo de Taranto tinha motivaes geopolticas especficas aos
seus domnios para se envolver em uma expedio at territrios
bizantinos. Partiu do sul da Itlia assim que as primeiras foras
francesas passaram pelos seus domnios e chegou a Constantinopla
em abril de 1097.
O mais numeroso dos exrcitos, encabeado por Raimundo IV de
Toulouse, era acompanhado pelo legado Ademar de Monteil. Com
alguma dificuldade atravessaram a Dalmcia (atual costa croata)
durante o inverno. Ao chegar a Dyrrhachium, entraram na estrada
romana Via Egnatia, que os levou a Tessalnica e depois a
Constantinopla no dia 21 de abril. O ltimo grande contingente, sob
as ordens de Roberto II da Normandia, saiu de Brindisi e cruzou o
mar Adritico, chegando capital bizantina em Maio de 1097, dois
meses depois da aniquilao da Cruzada Popular.
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Em Constantinopla
Com escassez de alimentos, os cruzados acampados s portas de
Constantinopla esperavam que Alexius I Comneno, que tinha
solicitado a sua ajuda, alimentasse a vasta multido, reforada pelos
miserveis sobreviventes da Cruzada Popular. Outros populares
pobres, sem equipamento, armas e armaduras adequadas para a
campanha militar, tinham acompanhado os vrios nobres. Pedro o
Eremita, que se juntara Cruzada dos Nobres em Constantinopla, foi
responsabilizado pelo bem-estar destes pauperes, que assim se
organizaram em pequenos grupos, geralmente liderados por um
nobre tambm empobrecido.
O imperador bizantino estava apreensivo quanto a esta multido,
frequentemente hostil, que provocara incidentes com os povos dos
locais por onde passava, para alm da sua experincia anterior com
os peregrinos da Cruzada Popular. Alm disso, o seu velho inimigo
Boemundo de Taranto liderava parte da expedio.
Pretendendo exercer algum controlo sobre os cruzados, em troca de
provises e transporte para a sia Menor, Alexius exigiu que os
lderes da cruzada lhe prestassem um juramento de vassalagem e
prometessem entregar ao controlo bizantino todas as terras que
conquistassem aos turcos. O brao de ferro entre orientais e
ocidentais quase levou a um conflito armado em grande escala na
capital do imprio.
Sem alternativa, a maioria dos lderes sujeitou-se ao juramento, que
acabariam por no cumprir. Outros, como Tancredo de Hauteville,
recusaram-se terminantemente, e Alexius acabou por ceder em
fornecer provises e transporte a todos. Raimundo IV de Toulouse
ter sido o mais hbil poltico, evitou fazer o juramento ao prometer
vassalagem ao imperador apenas se este liderasse pessoalmente a
cruzada. O bizantino recusou, mas ambos se tornaram aliados,
partilhando uma apreenso em comum sobre a pessoa de Boemundo.
Na Anatlia
Para acompanhar os cruzados atravs da sia Menor, Alexius
enviou um exrcito bizantino liderado por um general chamado
Tatizius. Conforme o acordado em Constantinopla, o seu primeiro
objetivo era a tomada de Niceia, recentemente conquistada pelos
seljcidas, e agora a capital do Sultanato de Rum. Boemundo de
Taranto torna-se o principal lder da Primeira Cruzada no percurso
de Constantinopla a Antioquia. Comandou um cerco algo ineficaz a
Niceia, uma vez que no foi possvel controlar os movimentos no
lago que cercava a cidade, e por onde esta continuava a poder
receber abastecimentos e fazer comunicaes.
O sulto Kilij Arslan I, fora da cidade, aconselhou os seus soldados a
render-se se a sua situao se tornasse insustentvel. Temendo que
os cruzados saqueassem Niceia e a destrussem, ou que no
cumprissem o seu juramento de lhe entregar as suas conquistas no
Levante, durante a noite Alexius I Comneno negociou em segredo a
rendio da cidade ao Imprio Bizantino. Na manh de 19 de junho
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de 1097 os cristos latinos surpreenderam-se ao ver o estandarte
bizantino nas muralhas da cidade. Proibidos de saquear, s lhes foi
permitida a entrada na cidade de pequenos grupos e sob a escolta
bizantina.
Sentindo-se trados pelos seus aliados, e depois de coagidos a prestar
o juramento de vassalagem, a partir deste momento os cruzados
comearam a se verem sozinhos na sua expedio, sem obrigaes
para com os bizantinos. Para simplificar o problema dos
abastecimentos, o exrcito cristo dividiu-se em dois grupos: na
vanguarda, Boemundo, Tancredo de Hauteville, Roberto II da
Normandia e Roberto II de Flandres, ainda acompanhados de foras
imperiais; na retaguarda, Godofredo de Bulho, Balduno de
Bolonha, Raimundo IV de Toulouse, Estvo de Blois e Hugo I de
Vermandois. Estvo de Blois escreveu para a sua esposa neste
perodo, dizendo acreditar que a marcha at Jerusalm demoraria
cinco semanas. Na verdade, demoraria dois anos, e Estvo
abandonaria a cruzada antes disso.
No dia 1 de julho, o grupo de Boemundo foi cercado nas
proximidades de Dorilia. Godofredo e mais alguns do segundo
grupo vieram em auxlio de Boemundo, mas seriam as foras do
legado Ademar de Monteil, provavelmente comandadas por
Raimundo de Toulouse, que tornariam a batalha numa vitria
decisiva dos cruzados. Kilij Arslan retirou e os cruzados
continuaram quase sem oposio atravs da sia Menor, na direo
de Antioquia. Pelo caminho conquistaram algumas cidades -
Sozopolis, Iconium e Cesareia Mazaca - apesar de a maioria destas
voltar para o domnio turco em 1101.
Em pleno vero a marcha era difcil, e os cruzados tinham pouca
comida e gua, por conta disso os homens e seus cavalos morriam
em grande nmero. Apesar de ofertas de alimentos e dinheiro que
por vezes recebiam de outros cristos na sia e na Europa, os
peregrinos viam a sua sobrevivncia dependente de pilhagens aos
poucos locais com recursos por onde passavam. Ao mesmo tempo,
os diferentes lderes continuavam a disputar a primazia militar da
expedio. Apesar de nenhum se conseguir afirmar decisivamente, a
liderana espiritual era universalmente reconhecida no bispo Ademar
de Monteil.
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Em Heracleia Cibistra, Balduno de Bolonha e Tancredo de
Hauteville separaram-se das restantes foras, entrando em conflito
entre si pela posse de Tarso e outras praas que conquistariam aos
cristos armnios, ambos tentando estabelecer os seus feudos no
Levante. Mas a situao nunca passou de pequenas escaramuas,
tendo Tancredo acabado por continuar a sua marcha para Antioquia.
Depois de se juntar ao exrcito principal em Marach, Balduno
recebeu o convite de um armnio chamado Bagrat e seguiu para
leste, em direo ao rio Eufrates, onde tomou a fortaleza de
Turbessel. Depois recebeu outro convite, desta vez de Teodoro de
Edessa, um ortodoxo grego em conflito com a ortodoxia armnia dos
seus sbditos. Balduno foi-se impondo na poltica deste isolado
domnio, depois ameaou partir para se juntar aos restantes cruzados,
obrigando o governante a adot-lo como filho e herdeiro. Teodoro
foi assassinado no dia 9 de maro de 1098 e Balduno sucedeu-o,
tomando o ttulo de conde e assim criando o primeiro estado
cruzado: o Condado de Edessa.
Conquista de Antioquia
Os cruzados tinham ouvido o rumor que Antioquia tinha sido
abandonada pelos turcos seljcidas, pelo que se apressaram a tom-
la. Mas ao chegar aos arredores da cidade em 20 de outubro,
verificou-se que esta ainda estava ocupada e disposta a oferecer
grande resistncia, protegida por imponentes muralhas. Alm disso,
a cidade era to grande que os invasores no tinham homens
suficientes a cerc-la eficazmente, pelo que foi parcialmente
abastecida pelo exterior.
A Batalha de Antioquia
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Durante os oito meses do cerco, em que tiveram de combater contra
um exrcito de Damasco e outro de Alepo, os cruzados passaram por
grandes dificuldades. Foram forados a comer at os prprios
cavalos ou, conforme as lendas, os corpos dos companheiros cristos
que no sobreviveram. Estvo de Blois e Hugo I de Vermandois
abandonaram esta expedio, acabando depois por aderir Cruzada
de 1101 para cumprir o seu voto. Balduno de Edessa enviou
dinheiro e mantimentos ao exrcito latino, apesar de no participar
pessoalmente na ao militar.
Face s dificuldades do cerco, Boemundo de Taranto viu a ocasio
de tomar um domnio para si. Imediatamente ameaou, com o
pretexto da demora, voltar Itlia para trazer reforos, mas as suas
capacidades estratgicas e a importncia do contingente que o
acompanhava eram absolutamente necessrias cruzada. Por isso
foi-lhe prometido tudo o que quisesse para continuar. Entretanto a
partida de Tatizius, o representante do Imprio Bizantino, deu-lhe
um pretexto para alegar uma traio, o que podia autorizar os
cruzados a considerarem-se livres do seu juramento a Alexius I
Comneno.
Quando chegaram notcias da aproximao de Kerbogha de Mossul,
Boemundo pressionou um sentinela armnio, com quem trocava
comunicaes, para permitir a entrada de um pequeno grupo de
cruzados para abrir as portas da cidade ao exrcito principal. O plano
teve lugar no dia 3 de junho de 1098, seguindo-se o massacre dos
habitantes muulmanos da cidade.
Somente quatro dias depois, Kerbogha chegou para sitiar o exrcito
cruzado. Devido ao longo cerco a que tinham sujeitado Antioquia,
havia pouco alimento e a peste alastrava-se. Alexius I Comneno
vinha a caminho para auxiliar os cruzados, mas voltou para trs ao
ouvir as notcias de que a cidade j tinha sido retomada.
No entanto estes ainda resistiam, moralizados por um monge
chamado Pedro Bartolomeu que afirmou ter descoberto a lana do
destino, que ferira o flanco de Cristo na cruz. Com esta relquia
sagrada frente do exrcito, marcharam ao encontro dos
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muulmanos, a quem derrotaram miraculosamente - milagre
segundo os cruzados, que afirmavam ter surgido um exrcito de
anjos para combater juntamente com eles na batalha.
Boemundo pretendeu tomar Antioquia para seu domnio, mas nem
todos os outros lderes concordaram particularmente Raimundo IV
de Toulouse, e a cruzada atrasou enquanto os nobres criavam
partidos e discutiam. Historicamente pode-se dizer que os francos do
norte da Frana, os provenais do sul da Frana e os normandos do
sul da Itlia se consideravam "naes" separadas no todo do
exrcito, e que cada contingente se unia para ganhar poder sobre os
outros. Este pode ter sido um dos motivos para as disputas, mas a
ambio pessoal dos lderes ter tambm tido um peso muito
importante.
As atrocidades dos cruzados
Entretanto, a fome e a peste (provavelmente tifo) alastravam,
matando inclusivamente o nico lder incontestado e principal
unificador da expedio, Ademar de Monteil. Em Dezembro, a
cidade de Ma'arrat al-Numan foi conquistada depois de um cerco,
seguindo-se o marcante incidente de um novo massacre e do
canibalismo dos cruzados aos habitantes locais. Descontentes, os
nobres menores e os soldados ameaaram seguir para Jerusalm sem
os seus lderes mais notveis. Sob esta presso, no incio de 1099,
Raimundo de Toulouse (o mais carismtico devido sua crena no
poder da santa lana) liderou a marcha para a cidade santa, deixando
Boemundo livre para se estabelecer no seu Principado de Antioquia -
o segundo estado cruzado.
Conquista de Jerusalm
Entre dezembro de 1098 e janeiro de 1099, Roberto II da Normandia
e Tancredo de Hauteville tornaram-se vassalos do poderoso e rico
Raimundo IV de Toulouse. Godofredo de Bouillon, apoiado pelo seu
irmo Balduno de Edessa, recusou-se.
Em 13 de janeiro, Raimundo iniciou a marcha em direo ao sul,
descalo e vestido como um peregrino, percorrendo a costa do mar
Mediterrneo. Os cruzados enfrentaram pouca resistncia, uma vez
que os pouco poderosos governantes muulmanos locais preferiram
comprar uma paz com provises em vez de lutar. Tambm
provvel que estes, pertencentes ao ramo sunita do Isl, preferissem
o controle de estrangeiros ao governo xiita dos fatmidas.
No meio do caminho encontrava-se o emirado de Trpoli. Em 14 de
Fevereiro o conde de Toulouse iniciou o cerco de Arqa, uma cidade
deste domnio. Provavelmente, uma das suas intenes seria fundar
um territrio independente em Trpoli que limitasse a capacidade de
Boemundo expandir o seu principado para sul. Mas o cerco demorou
mais do que o previsto e, apesar de algumas conquistas menores no
local, o atraso da cruzada para Jerusalm fez-lhe perder muito do
apoio que ganhara em Antioquia.
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A cruzada prosseguiu no dia 13 de maio, ao longo da regio costeira,
passando por Beirute no dia 19 e Tiro a 23. Em Jaffa abandonaram a
costa e em 3 de junho alcanaram Ramla, que tinha sido abandonada
pelos seus habitantes. No dia 6 Godofredo enviou Gasto IV de
Barn e Tancredo de Hauteville para a bem sucedida conquista de
Belm, e em 7 de junho de 1099 os cruzados chegaram a Jerusalm,
acampando no exterior da cidade. O exrcito cristo ficara reduzido
a cerca de 1.200/1.500 cavaleiros e 12.000/20.000 soldados de
infantaria, carentes de armas e provises.
Godofredo de Bouillon comandando os Cruzados
Um padre chamado Pedro Desiderius ofereceu uma soluo de f:
afirmou que uma viso divina lhe tinha dado instrues para que os
cristos jejuassem e depois marchassem descalos em procisso ao
redor das muralhas da cidade; estas cairiam em nove dias, da mesma
forma que a Bblia relata ter acontecido com Josu no cerco de
Jeric. A procisso realizou-se no dia 8 de julho.
Entretanto, uma frota da Repblica de Genova liderada por
Guilherme Embriaco desmantelara os seus navios para construir
torres de assalto com a sua madeira, com as quais foi possvel
derrubar seces das muralhas. O ataque principal ocorreu nos dias
14 e 15 de julho (uma sexta-feira santa, sete dias depois da
procisso). Vrios nobres reclamaram a honra de terem sido os
primeiros a penetrar na cidade. Segundo uma das crnicas da poca,
a exata sequncia teria sido: Letoldo e Gilberto de Tournai, depois
Godofredo de Bouillon e o seu irmo Eustquio III de Bolonha,
Tancredo e os seus homens. Outros cruzados entraram pela antiga
entrada dos peregrinos.
Durante a tarde e noite do dia 15 e manh do dia seguinte, os
cruzados massacraram a populao de Jerusalm, muulmanos,
judeus e cristos do oriente. Godofredo de Bouillon no teria
participado deste ato violento, Tancredo de Hauteville e Raimundo
de Toulouse teriam tentado proteger alguns grupos da fria
assassina, mas na generalidade falharam: a maioria dos relatos s
diverge na descrio da quantidade de cadveres amontoados ou de
sangue que escorria pelo cho - segundo um cronista "Nunca
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ningum tinha visto ou ouvido falar de tal mortandade de infiis. A
estimativa do nmero de mortos varia entre 6.000 e 40.000. Segundo
o arcebispo Guilherme de Tiro, os prprios vencedores ficaram
impressionados de horror e descontentamento.
Protetor do Santo Sepulcro
Assim que a tomada da cidade foi concluda, era necessrio
estabelecer um governo. A 22 de julho, realizou-se um conclio na
Igreja do Santo Sepulcro. Raimundo IV de Toulouse foi o primeiro a
recusar o ttulo de rei, talvez tentando provar a sua piedade, mas
provavelmente esperando que os outros nobres insistissem na sua
eleio.
Godofredo de Bouillon, que se tornara o nobre mais popular depois
das aes do conde de Toulouse no cerco de Antioquia, aceitou o
cargo de lder secular, mas recusou-se a ser coroado rei na cidade
onde Cristo usara a coroa de espinhos. O seu ttulo ficou assim mal
definido - teria sido Advocatus Sancti Sepulchri (Protetor do Santo
Sepulcro), princeps (prncipe) ou dux (duque). A eleio de
Godofredo desagradou Raimundo que saiu com o seu exrcito para
cercar Trpoli.
No dia 12 de agosto ocorreu a ltima batalha da Primeira Cruzada,
com a relquia da cruz na qual Jesus teria sido crucificado
(descoberta no dia 5) na vanguarda do exrcito em Ascalon,
Godofredo de Bouillon e Roberto II de Flandres venceram os
fatmidas. Depois disto, a maioria dos cruzados, entre os quais o
prprio Roberto de Flandres e Roberto da Normandia, consideraram
os seus votos cumpridos e voltou para a Europa. Segundo Fulcher de
Chartres, apenas algumas centenas de cavaleiros permaneceram no
reino recm-formado.
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A Cruzada de 1101
O sucesso da Cruzada dos Nobres e a necessidade de reforos para a
defesa dos novos estados cruzados, depois do regresso dos
peregrinos que consideraram o seu voto cumprido, levaram o papa
Pascoal II, sucessor de Urbano II a incentivar uma nova expedio.
A presso para partir para a Terra Santa foi ainda maior para os que
tinham tomado a cruz, mas no tinham chegado a sair da Europa, ou
para os que abandonaram a Primeira Cruzada antes da conquista de
Jerusalm. Alvos de piadas ou desprezo pelas suas famlias e
ameaados de excomunho pelo clero, nobres como Estvo de
Blois e Hugo I de Vermandois lideraram uma nova peregrinao: a
Cruzada de 1101.
Em Nicomdia, a Estvo de Blois se juntaram os lombardos de
Anselmo IV, arcebispo de Milo, o conde Estvo I da Borgonha o
duque Odo I da Borgonha e Conrado, condestvel do imperador
Henrique IV da Germnia. Os bizantinos do general Tatizius
reforaram o contingente, e a liderana da expedio passou para
Raimundo IV de Toulouse.
Depois de conquistarem Ancara, que ficou em poder de Alexius I
Comneno, cercaram Gangra e depois tentaram conquistar
Kastamonu, onde foram acossados pelos seljcidas. Depois se
dirigiram para Mersivan, territrio dos danismendidas, para tentar
resgatar o aprisionado Boemundo I de Antioquia. Na batalha que se
seguiu, foram derrotados pelo sulto Kilij Arslan I, aliado s foras
de Alepo. Os bizantinos e os lderes Raimundo de Toulouse, Estvo
de Blois e Estvo da Borgonha fugiram para Constantinopla. Pouco
depois de o primeiro contingente sair de Nicomdia, chegou o
exrcito do conde Guilherme II de Nevers. Este fracassou no cerco a
Iconium e depois foi emboscado por Kilij Arslan I em Heraclea
Cybistra, onde as suas foras foram aniquiladas, tendo sobrevivido
apenas o conde e alguns dos seus homens.
Depois de Guilherme II de Nevers ter sado de Constantinopla,
chegava um terceiro exrcito, comandado por Guilherme IX da
Aquitnia, Hugo I de Vermandois e Guelfo I da Baviera. Parte destes
seguiu para a Palestina por navio; os restantes repetiram a expedio
de Nevers, dirigindo-se para Heraclea Cybistra, sendo emboscados
pelo sulto danismendida e os poucos sobreviventes, entre os quais
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os trs lderes, fugindo para territrio bizantino. Mais uma vez sob a
liderana de Raimundo de Toulouse, os sobreviventes reorganizados
e reforados por mais peregrinos conquistaram Tartuos, com a ajuda
de uma frota genovesa, chegando a Antioquia no final do ano de
1101, e a Jerusalm na Pscoa de 1102.
As derrotas da Cruzada de 1101 tiveram como consequncia o
estabelecimento do poder danismendida e da sua capital em Konya,
e uma nova atitude dos muulmanos, que agora sabiam que os
cruzados no eram invencveis, como parecera durante a Cruzada
dos Nobres. Cruzados e bizantinos culparam-se mutuamente pelo
fracasso, que deixava como nico trajeto para a Terra Santa o
martimo, que beneficiava as cidades-estados italianas, os
navegadores mais bem sucedidos da poca. O Principado de
Antioquia tambm beneficiou de no haver uma ligao entre os
estados cruzados e o Imprio Bizantino, podendo assim manter a sua
independncia.
Por alguns anos, no houve mais Cruzadas, e os territrios cristos
no oriente tiveram que se manter por conta prpria. Assumiram
como padroeiro So Jorge da Capadcia, exemplo de cavaleiro
cristo, e seu braso de armas, a cruz vermelha em um escudo
branco.
Entretanto ordens de monges cavaleiros foram formadas para lutar
pelas terras sagradas e cuidar dos peregrinos. Os cavaleiros
templrios e hospitalrios eram, em sua maioria, francos ou seus
vassalos. Os cavaleiros teutnicos (Teutonicorum) eram germnicos.
Esses eram os mais organizados, bravios e determinados do que os
cruzados, mas nunca suficientes para fazer a regio ficar segura. Os
reinos cruzados sobreviveram por um tempo, em parte porque
aprenderam a negociar, conciliar e jogar os diferentes grupos rabes
uns contra os outros.
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Anlise da Primeira Cruzada:
Estados Cruzados
A consequncia geopoltica mais marcante da Primeira Cruzada foi o
estabelecimento dos estados cruzados no Levante: condado de
Edessa, Principado de Antioquia, Reino Latino de Jerusalm e
Condado de Trpoli, bem como o fortalecimento de outras unidades
polticas crists na Anatlia: Imprio Bizantino e Reino Armnio da
Cilcia.
Quando Godofredo de Bouillon morreu em 1100, o seu irmo
Balduno I de Edessa foi eleito primeiro rei de Jerusalm. Durante a
sua histria, este estado foi frequentemente o suserano dos restantes,
que apesar disso mantiveram um elevado grau de independncia. O
sistema feudal europeu foi adotado no Oriente, com algumas
alteraes.
O sucesso da expedio encorajou mais peregrinos a tomarem a
cruz, agora em nmeros menores, no mais formando vastos
exrcitos. Os estados cruzados dividiam-se em faces polticas com
base nas suas origens europeias: francos dos domnios diretos da
coroa francesa, normandos do sul da Itlia, Normandia e Inglaterra,
lombardos, provenais, aquitnios, burgndios, flamengos,
germnicos. Os povos anteriormente presentes nestes territrios,
muulmanos, judeus, armnios e outros cristos ortodoxos - no
possuam poder efetivo e foram dominados pelos latinos.
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Desde o incio das cruzadas houve com conflito com o Imprio
Bizantino, os governantes ocidentais agravaram as relaes com
Constantinopla ao renegar os juramentos dos lderes da Cruzada dos
Nobres, substituir os patriarcas da Igreja Ortodoxa Bizantina pelos
oriundos da Igreja Crist Ocidental, e frequentemente atacar
territrios imperiais. Como minoria entre os muulmanos e
ortodoxos da regio, os estados latinos mantinham-se em constante
estado de guerra, construindo castelos e contratando mercenrios,
pilhando ou conquistando mais territrios aos seus vizinhos. Por
aproximadamente um sculo, os trs poderes acabaram por se
manter em um conflito de guerrilha, com vrias alianas pontuais,
por vezes opondo muulmanos ou latinos entre si. Estes ltimos
possuam a cavalaria pesada, mais eficaz num ataque corpo-a-corpo,
mas mais lenta que os cavaleiros muulmanos, que podiam cavalgar
ao redor dos inimigos usando a sua percia de arqueiros.
Uma vez que trs dos quatro estados cruzados localizavam-se no
litoral, as frotas das cidades-estados mercantis italianas,
nomeadamente Genova e Veneza, tornaram-se fundamentais para a
sobrevivncia destes estados: permitiram a chegada de reforos e a
intercepo das esquadras muulmanas, tornando novamente o
Mediterrneo num mar navegvel para os ocidentais.
Peregrinos
Apesar de se dar o nome de Cruzada a este conjunto de expedies,
deve-se salientar que o termo Cruzada foi uma criao do incio do
sculo XIII, que surge documentado em latim apenas um sculo aps
a conquista da Cidade Santa. Estes primeiros cruzados viam-se
assim simplesmente como peregrinos (peregrinatores) em viagem
(iter), e foram assim referidos pelos cronistas seus contemporneos.
Ao tomarem a cruz, juravam alcanar o Santo Sepulcro, e se no
cumprissem este voto arriscavam a excomunho, como aconteceu
com Estvo de Blois. As peregrinaes eram abertas a todos os
cristos, mas mulheres, idosos ou doentes eram desencorajadas,
apesar de no impedidos. E o fato de usarem armas para atacar e se
defenderem dos infiis era apenas mais um componente que
valorizava a peregrinao. Assumiam como padroeiro So Jorge da
Capadcia, exemplo do cavaleiro cristo, e o seu braso de armas, a
cruz vermelha num escudo branco. Era assim criado o guerreiro
peregrino, com direito indulgncia e ao estatuto de mrtir, se
morresse em batalha.
As motivaes dos cruzados variavam entre a ambio de criar
novos feudos, dever de acompanhar o seu senhor feudal, redeno
dos pecados e bno espiritual, ou a busca da glria em batalha. A
ambio de ganhos materiais ter tido tambm alguma influncia,
uma vez que na Reconquista, da qual participou, por exemplo,
Raimundo IV de Toulouse, muitos guerreiros conseguiram obter o
lucro das pilhagens ou parte das terras reconquistadas, poder-se-ia
esperar lucros semelhantes ou superiores nos mais vastos territrios
do ultramar.
Mas as expedies provaram ser extremamente dispendiosas, mais
facilmente suportadas por nobres poderosos de famlias abastadas,
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como Hugo I de Vermandois. E mesmo estes foram frequentemente
forados a vender parte das suas terras para obter verbas, uma vez
que era necessrio que partissem da Europa com dinheiro para toda a
durao da cruzada. Muitas vezes as vendas eram feitas Igreja,
como fez Godofredo de Bouillon, o que aumentava ainda mais a
piedade dos peregrinos.
Este dinheiro acabava sempre por render menos do que o esperado,
uma vez que um grande nmero de recm-chegados a terras
estranhas, tentando comprar provises, aumentava a procura em
relao oferta. Outros endividaram tambm os seus familiares, ou
acabaram por forar estes a tomar a cruz, de forma a os sustentar e
outros foram proibidos de aderir cruzada devido s suas
responsabilidades na Europa.
O povo e os cavaleiros de menos posses (minores), em oposio aos
de alto estatuto (principes), s poderiam contar com as esmolas que
o seu estatuto de peregrinos lhes conferia, para se manterem na
expedio. Em alternativa, podiam colocar-se ao servio de um
prncipe, como fez Tancredo de Hauteville com o seu tio Boemundo
de Taranto. As cruzadas seguintes seriam organizadas por reis e
imperadores, que custeavam as suas despesas por meio de um
imposto de cruzada aos seus sbditos.
Os sobreviventes que voltavam Europa Ocidental depois de terem
chegado a Jerusalm eram tratados como heris. Roberto II de
Flandres recebeu a alcunha de Hierosolymitanus (o de Jerusalm),
Godofredo de Bouillon tornou-se um personagem lendrio que
encarnava o ideal da cavalaria, pouco depois da sua morte. Mas
muitas vezes a situao poltica das terras natais dos nobres cruzados
foi afetada pelas suas ausncias: por exemplo, Roberto II da
Normandia perdeu o trono ingls para o seu irmo Henrique I da
Inglaterra.
Bizantinos e muulmanos
O estabelecimento dos estados cruzados no Levante inverteu por
algumas dcadas o ascendente blico dos turcos seljcidas frente ao
Imprio Bizantino. Estes conseguiram reconquistar parte do seu
territrio na Anatlia e usufruir de um perodo de relativa paz e
prosperidade no sculo XII, at se tornarem vtimas da Quarta
Cruzada.
Tal como na Reconquista, o sucesso da Primeira Cruzada deveu-se
em grande parte rivalidade entre os pequenos estados muulmanos,
que se manteve mesmo face bvia brutalidade dos novos invasores.
Eventualmente foi estabelecido um sistema em que cidades-estados
como Damasco, ou sultanatos como o dos fatmidas do Egito, se
aliaram ou pagavam um tributo aos estados latinos. Mas os excessos
do zelo religioso cristo acabariam por propiciar a ascenso de
carismticos lderes islmicos.
Em 1144, depois de unificar a Sria e o norte do Iraque, Imad ad-Din
Zengi conseguiu poder suficiente para derrotar e expulsar os cristos
do Condado de Edessa, o que originaria a fracassada Segunda
Cruzada. O seu filho Nur ad-Din prosseguiria esta poltica e o
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sucessor deste, Saladino, reconquistaria a cidade de Jerusalm em
1187. Por fim, em 1291 os mamelucos erradicariam a presena latina
no Levante.
O legado das cruzadas
As cruzadas influenciaram a cavalaria europeia e, durante sculos,
sua literatura. Se por um lado aprofundaram a hostilidade entre o
cristianismo e o Isl, por outro estimularam os contatos econmicos
e culturais para benefcio permanente da civilizao europeia. O
comrcio entre a Europa e a sia Menor aumentou
consideravelmente e a Europa conheceu novos produtos, em
especial, o acar e o algodo. Os contatos culturais que se
estabeleceram entre a Europa e o Oriente tiveram um efeito
estimulante no conhecimento ocidental e, at certo ponto,
prepararam o caminho para o Renascimento.
Ordens militares
Pouco depois do estabelecimento dos estados cruzados, foram
criadas ordens militares: os Hospitalrios em 1113 e os Templrios
em 1118, na maioria de origem franca; e os Teutnicos de origem
germnica. De forma a proteger os territrios cristos, os lderes dos
estados cruzados atriburam-lhes o domnio de diversas fortalezas na
Terra Santa.
Estas ordens de monges cavaleiros, disciplinadas e tomadas de zelo
religioso, refletiam a nova atitude do papado, que encarava a guerra
santa como penitncia pelos pecados. Nascia assim o guerreiro
religioso e reinventava-se o ideal da cavalaria.
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Ordens Religiosas de Cavalaria;
Ordem dos Templrios
Subordinao: Papado
Misso: Ordem militar do cristianismo ocidental
Denominao: Ordem do Templo, Ordem dos Pobres Cavaleiros de
Cristo e do Templo de Salomo, Templrios.
Criao: 1119
Extino: 1312
Patrono: So Bernardo de Claraval
Lema: No para ns Senhor, mas para a glria do teu Nome.
Vestimentas: Manto branco com uma cruz vermelha
Guerras e Batalhas: As Cruzadas.
Incluindo:
Cerco de Ascalon (1153),
Batalha de Montgisard (1177),
Batalha de Hattin (1187),
Cerco de Acre (1190-1191),
Batalha de Arsuf (1191),
Cerco de Acre (1291)
Guerra de Reconquista
Logstica: Efetivo: 15.00020.000 membros em seu pice, 10% dos
quais eram cavaleiros.
Comando:
Primeiro Gro-Mestre: Hugo de Payens
ltimo Gro-Mestre: Jacques de Molay
Quartel-general: Monte do Templo, Jerusalm.
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A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e d