Como Vencer Qualquer Discussão

download Como Vencer Qualquer Discussão

of 74

description

Como Vencer Qualquer Discussão

Transcript of Como Vencer Qualquer Discussão

  • MADSEN PIRIE

    COMO VENCER TODAS AS ARGUMENTAES

    USANDO E ABUSANDO DA LGICA

    TRADUO: Luciana Pudenzi

    Loyola Loyola

  • rW

    9

    11 12 14 16 18 19 21 22 24 25 27 29 30 32 34 36

    Ttulo original: How to Win Every Argument

    Madsen Pirie, 2006 Obra publicada em acordo com The Continuum

    International Publishing Group ISBN 0-8264-9006-9

    SUMRIO

    PREPARAO: Maurcio Balthazar Leal DIAGRAMO: Miriam de Melo

    REviso: Renato da Rocha

    Edies Loyola Rua 1822 n 347 Ipiranga 04216-000 So Paulo, SP Caixa Postal 42.335 04218-970 So Paulo, SP

    (11) 2914-1922 e (II) 2063-4275 Home page c vendas: www.loyola.com.br Editorial: [email protected] Vendas: [email protected] Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida par qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da Editora.

    ISBN: 978-85-15-03581-6

    Q EDIES LOYOLA, So Paulo, Brasil, 2008

    INTRODUO ...........................................................................

    Analogia abusiva ..................................................................... nfase ................................................................................. Acidente .............................................................................. Afirmando o conseqente ........................................................ Anfibologia ........................................................................... A falcia analgica ................................................................. Antiquitam, argumentum ad ..................................................... Apriorismo ........................................................................... Baculum, argumentum ad ........................................................ Bifurcao ........................................................................... Cegando com a cincia ........................................................... Falso dilema ........................................................................... Circulus in probando ............................................................... A pergunta complexa [plurium interrogationum) ............................... Composio ........................................................................... Quantificao oculta ..................................................................

  • A concluso que nega as premissas ......37 Premissas contraditrias ......39 Crumenam, argumentum ad ............................................................................... 40 Cum hoc ergo propter hoc ................................................................................... 42 Condenando as alternativas ......44 Refgio na definio ...... 46 Negao do antecedente ........................................................................................ 48 Dicto simpliciter ...................................................................................................... 49 Diviso ......51 Apelos emocionais ......53 Equivocao ......55 "At uma criana sabe" ......57 A exceo que comprova a regra .......................................................................... 59 Premissas excludentes ......61 A falcia existencial ......62 Estatsticas ex-post- facto ......64 Poda extensional ......66 Falsa converso ......67 Falsa preciso ......69 A falcia do jogador ......71 A falcia gentica ...... 74 Restrio semi-oculta ......75 Cercando sua posio ...... 77 Hominem (abusivo), argumentum ad ................................................................ 79 Hominem (circunstancial], argumentum ad ....................................................... 80 Ignorantiam, argumentum ad .............................................................................. 82 Ignoratio elenchi ...... 84 Processo ilcito ......86 Humor irrelevante ......87 Lapidem, argumentum ad .................................................................................. 89 Lazarum, argumentum ad .................................................................................. 91 Palavras tendenciosas ...... 92 Misericordiam, argumentum ad ......................................................................... 94 Nauseam, argumentum ad .................................................................................. 96

    No-antecipao ......98

    Novitam, argumentum ad ................................................................................. Numeram, argumentum ad .................................................................................. Avaliao unilateral .............................................................................................. Petitio principii ....................................................................................................... Envenenando a fonte .......................................................................................... Populum, argumentum ad ................................................................................. Concluso positiva a partir de premissas negativas ................................... Post hoc ergo propter hoc .................................................................................

    Duaternio terminaram .......................................................................................... O arenque defumado .......................................................................................... Refutando o exemplo .......................................................................................... Reificao ............................................................................................................ O trem desgovernado .......................................................................................... Secundum quid ........................................................................................................ Terreno instvel ................................................................................................... Transferindo o nus da prova ............................................................................ A ladeira escorregadia .......................................................................................... Apelo a condio especial ................................................................................. O espantalho ........................................................................................................ Temperantiam, argumentum ad ........................................................................ A culpa de Margaret Thatcher ........................................................................ Objees frvolas ................................................................................................... Tu quoque ................................................................................................................. Entimemas no-consentidos ............................................................................ Termo mdio no-distribudo ............................................................................ Perfeio inalcanvel .......................................................................................... Verecundiam, argumentum ad ............................................................................ Pensamento veleidoso ..........................................................................................

    CLASSIFICAO DAS FALCIAS ............................................... 149

    Falcias formais .................................................................................................... 150 Falcias informais lingsticas ............................................................................ 150 Falcias informais de relevncia omisso ...................................................... 150 Falcias informais de relevncia intruso ...................................................... 150

    151

    100 102 104 106 107 109 11 1 111 113 115 117 118 120 122 123 125 126 128 130 132 134 135 137 138 140 142 144 145

    Falcias informais de relevncia pressuposio

  • INTRODUO

    Um raciocnio slido a base para vencer uma argumentao. As falcias lgicas debilitam os argumentos. Elas so constante fonte de fascnio e tm sido estudadas h pelo menos dois milnios. O conhecimento sobre as falcias til para evitar as que so inadvertidamente usadas por outros e at para fazer uso de algumas a fim de enganar. O fascnio e a utilidade que elas oferecem, porm, no devem ocultar o prazer de identific-las.

    Adoto uma viso muito ampla das falcias. Qualquer artimanha lgica ou de para fazer linguagem que permita que uma afirmao ou assero sejam aceitas como algo que no so tem um carto de acesso ao recinto reservado s falcias. , freqente que aquilo que parea ser um argumento corroborante de uma determinada posio numa discusso no a corrobore em nada. s vezes, ele pode ser apenas uma deduo extrada de evidncias que no o sustentam.

    Muitas das falcias so perpetradas por pessoas que genuinamente ignoram o raciocnio lgico, a natureza de urna evidncia, ou aquilo que realmente pode

  • Como vencer todas as argumentaes

    ser considerado material relevante. Outras, porm, podem ser cometidas por pessoas inclinadas ao embuste. Se h fora suficiente por trs do argumento e das evidncias, as falcias podem fornecer impulso suficiente para imp-los.

    Este livro foi idealizado como um guia prtico para aqueles que desejam vencer as argumentaes. Ele ensina tambm como perpetrar falcias com maldade e

    inteno dolosa escrevi cada uma das falcias, ofereci exemplos dela e mostrei J por que falaciosa. Aps informaes de interesse geral referentes histria ou

    ocorrncia da falcia, forneci ao leitor recomendaes de como e onde a falcia pode ser usada para enganar com eficcia mxima.

    Apresentei as falcias segundo a ordem que me pareceu mais conveniente, mas no final do livro pode-se encontrar uma classificao completa dos cinco tipos principais de falcias. proveitoso que o leitor se d ao trabalho de aprender a denominao latina sempre que possvel. Quando um oponente acusado de cometer algo com um nome latino, soa como se ele sofresse de uma rara doena tropical, e tem ainda o efeito de fazer com que o acusador parea erudito e uma autoridade no assunto.

    Nas mos da pessoa errada, isto mais uma arma que um livro, e foi escrito precisamente para essa pessoa. Ensinarei como argumentar de modo eficaz, s vezes at

    de modo desonesto. Ao aprender como argumentar, e no processo de praticar e aprimorar cada falcia, o usurio aprender como identific-la e criar imunidade a ela. Um conhecimento prtico dessas falcias proporciona um vocabulrio para falar sobre polticos e comentaristas da imprensa. A vaga suspeita de um logro ser substituda pela identificao precisa dos crimes cometidos contra a lgica.

    Logo, o conhecimento das falcias pode conferir uma capacidade defensiva e ofensiva. Sua habilidade de discerni-las lhe permitir defender-se de seu uso por parte de outros, e sua prpria destreza com elas lhe permitir ser bem-sucedido e ofensivo ao empreender a importantssima tarefa de fazer que as argumentaes o favoream.

    MADSEN PIRIE

    Analogia abusiva

    Analogia abusiva

    A FALCIA da analogia abusiva uma verso altamente especializada do argumento ad hominem. Em lugar de insultar diretamente o argumentador, faz-se uma analogia calculada para depreci-lo ou desacredit-lo. O oponente ou o seu comportamento comparado com algo que suscitar uma resposta desfavorvel da audincia em relao a ele.

    Smith props que velejemos no feriado, embora ele entenda de barcos tanto quanto um regente de orquestra armnio.

    (Talvez voc no precise saber tanto para velejar no feriado. Smith pode aprender. A questo aqui que -a comparao pretende deliberadamente faz-lo parecer ridculo. Pode at ser que muitos regentes armnios sejam velejadores altamente competentes.)

    A analogia pode at ser vlida do ponto de vista da comparao feita. Isso a torna mais eficaz, mas no menos falaciosa, uma vez que o propsito introduzir um elemento adicional que no foi objeto de argumentao a fim de influenciar um julgamento.

    Se a cincia no admite certezas, ento um cientista no tem em seu conhecimento do universo mais segurana que um hotentote que corre por entre os arbustos.

    (Isso verdade, mas a inteno abusiva, com o objetivo de que o ouvinte seja mais simptico possibilidade do conhecimento seguro.)

    A falcia sutil, pois se apia nas associaes que a audincia faz com base na imagem apresentada. Seu perpetrador no precisa dizer nada que no seja verdadeiro; ele pode se apoiar nas associaes feitas pelo ouvinte para completar o abuso. A analogia abusiva uma falcia porque se baseia em elementos extrnsecos para influenciar o argumento.

    Ao parabenizar meu colega em seu novo cargo, deixe-me destacar que sua experincia nele no maior que a de um garoto choro em seu primeiro dia de escola.

    (Mais uma vez, verdade. Mas veja quem o choro.)

    Embora os polticos adorem cometer abusos e usar analogias, h, surpreen-dentemente, pouqussimos bons usos da analogia abusiva provenientes desse

    10 11

  • Como vencer todas as argumentaes nfase

    mbito. Um bom uso deve ter um elemento de verdade em sua comparao e induzir o abuso mediante suas outras associaes. Todas as demais condies permanecendo as mesmas, mais fcil ser ofensivo fazendo uma comparao que no seja verdadeira do que sendo esperto ao fazer uso de elementos de verdade. Poucos alcanaram a memorvel excelncia de Daniel O'Connell ao descrever Sir Robert Peel:

    ... um sorriso como a chapa prateada em um esquife.

    ( verdade que a chapa tem um brilho superficial, mas, no caso, leva-nos a pensar em algo bem frio por trs dela.)

    As canetas venenosas dos crticos literrios e teatrais so fontes muito mais promissoras de analogias abusivas.

    Ele perambulava nervosamente pelo palco, como uma virgem esperando o sulto.

    (E morreu aps a primeira noite.)

    As analogias abusivas demandam elaborao. Se voc proceder sem preparao, ver-se- recorrendo a um estoque de comparaes de uso corrente que no tero mais o frescor necessrio para invocar imagens vvidas. Descrever seus oponentes como "professorinhas recatadas" ou "cafetes srdidos" no far que voc sobressaia massa. Uma comparao abusiva bem elaborada, por outro lado, pode ridicularizar o discurso mais bem apresentado que voc possa encontrar: "um discurso como o de um touro texano; contundente aqui e ali, mas com toda uma conversa de boi no meio"

    nfase

    A EFICCIA da falcia da nfase depende do fato de que o sentido das asseres pode mudar dependendo do realce que se ponha nas palavras. A nfase de determinadas palavras pode conferir um sentido inteiramente diferente do pretendido e acrescentar implicaes que no fazem parte do significado literal:

    Acenda seu cigarro.

    (Sem 'nfase especial, parece uma simples instruo ou um convite.)

    12

    Acenda seu cigarro.

    (Em vez da toalha de mesa ou qualquer outra coisa que voc tenha a idia de queimar.)

    Acenda seu cigarro.

    (E no o cigarro de qualquer outra pessoa.)

    Acenda seu cigarro.

    (Em vez de enfi-lo na orelha.)

    Mesmo numa frase to simples, uma nfase modificada pode modificar marcadamente o sentido.

    Ns lemos que os homens nasceram iguais, mas no h razo para conferir a todos igual direito de voto.

    Ira (Realmente, ns provavelmente lemos que os homens nascem iguais. Salientar que eles nascem iguais implica a sugesto de que eles no permanecem iguais por muito tempo.)

    evidente que a nfase principalmente uma falcia verbal. A nfase impressa usualmente atribuda mediante um itlico ou negrito, e aqueles qu os empregam numa citao supostamente fazem uso dela. Na expresso verbal, porm, as nfases no-autorizadas so mais facilmente inseridas, trazendo em sua esteira implicaes no-autorizadas. A falcia reside nas implicaes adicionais introduzidas pela nfase. Elas no fazem parte da declarao aceita, e foram inseridas de forma sub-reptcia, sem qualquer argumentao que as sustentasse.

    A falcia da nfase freqentemente usada para tornar uma proibio mais permissiva. Ao salientar a coisa a ser excluda, sugerimos que as outras coisas so admissveis.

    Mame disse que no devemos jogar pedras nas janelas. Ento est tudo bem se jogarmos esses pedaos de metal.

    (E a me, que decidiu jamais erguer a mo contra eles, poder muito bem dar-lhes um chute.)

    Em muitos contos tradicionais, o intrpido heri conquista sua glria fazendo uso da falcia da nfase para encontrar uma brecha em alguma antiga maldio

    13

  • Como vencer todas as argumentaes

    ou injuno. Perseu sabia que qualquer um que olhasse para Medusa transformar-se-ia em pedra. At mesmo os viles a utilizam: Sanso foi cegado pelo rei dos

    filisteus que haviam prometido no toc-lo. Seu mais difundido uso da falcia da nfase pode visar desacreditar oponentes

    citando-os com uma nfase que nunca pretenderam. ("Ele disse que jamais mentiria para o povo americano. Podem-se ver todas as coisas que ficou livre para fazer.") Richelieu precisou de seis linhas do homem mais honesto para encontrar algo com que pudesse enforc-lo; com o uso habilidoso da falcia da nfase, voc geralmente pode conseguir isso at com meia linha.

    A falcia da nfase particularmente til quando voc est defendendo um curso de ao que normalmente suscita a desaprovao geral. A nfase pode lhe permitir alegar que sua proposta de ao mais admissvel. ("Eu sei que estamos empenhados em no entrar em guerra contra povos de pases distantes, mas os irlandeses no esto distantes.")

    Ao tentar formular regras e regulamentaes, tenha em mente que h habilidosos praticantes da falcia da nfase inteiramente preparados para passar como um trem por sobre as suas intenes.

    Acidente

    A FALCIA do acidente supe que os aspectos extraordinrios de um caso excepcional so suficientes para justificar a rejeio de uma regra geral. Os aspectos em questo podem ser "acidentais", sem nenhuma importncia para o assunto discutido, e podem ser facilmente identificados como uma exceo incomum e admissvel.

    Acidente

    atinja o perpetrador antes que as conseqncias tenham ocorrido. Sustentar isto seria cometer a falcia do acidente.

    uma falcia tratar uma afirmao geral como se fosse um universal incondicionado que no admite excees. Faz-lo atribuir-lhe um significado e um rigor que ela no pretende ter. A maioria de nossas generalizaes possui uma ressalva implcita a ser aplicada, "todas as demais condies permanecendo as mesmas". Se as outras condies no forem as mesmas, como por exemplo a presena de insanidade ou um meteorito, poder haver excees sem que isso implique a refutao da afirmao geral.

    Voc diz que nunca encontrou esse espio. Voc pode afirmar que ele nunca se sentou perto de voc num jogo de futebol, por exemplo? No. Quando isso ocorreu, e que documentos foram passados de uni ao outro?

    (Se eu o encontrei, foi um acidente.)

    O acidente e uma falcia com que se defrontam aqueles que buscam universais. Se voc estiver tentando estabelecer definies translcidas de coisas tais como a "verdade", a "justia" e o "sentido", no dever surpreender-se se outros dedicarem o mesmo empenho em tentar subverter sua formulao aduzindo acidentes excepcionais.

    Plato buscava a justia. John Stuart Mill, tentando justificar a liberdade a no ser onde h dano ou srio risco de dano a outros, viu-se para sempre enfrentando objees que comeam com "Mas e se fosse o caso que..." Esse um risco da profisso. Se voc deseja evitar os acidentes, evite os universais.

    Devemos rejeitar a idia de que justo pagar aquilo que devido. Suponhamos que um homem lhe empreste armas e em seguida fique louco. Certamente no pode ser correto colocar armas nas mos de um homem louco.

    As promessas nem sempre tm de ser mantidas. Suponhamos que voc estivesse encalhado numa ilha deserta com um conde austraco que participasse de um crculo internacional de espionagem. E suponhamos que s houvesse comida suficiente para uma pessoa, e voc lhe houvesse prometido que...

    (O engano desta falcia, mencionada por Plato, est em no reconhecer que a insanidade um "acidente", pois uma circunstncia extraordinria que no tem relao com o tpico central, prontamente reconhecida como um caso especial.)

    Seria possvel fazer objees a quase toda generalizao com base nos casos "acidentais" no contemplados que poderiam ser apresentados. A maior parte das asseres gerais sobre as conseqncias resultantes de certas aes poderiam ser contraditas pelo fato de que no abrangem a eventualidade de que um meteorito

    (O nico aspecto espantoso dessas histrias sensacionais que ningum deveria supor que tais casos extravagantes tornem a regra geral menos aceitvel.)

    Um dos exemplos famosos da falcia um gracejo de crianas:

    O que voc comprou ontem voc come hoje. Voc comprou carne crua ontem, logo comer carne crua hoje.

    (A generalizao refere-se substncia, sem considerar sua condio "acidental",) transformar-se-ia

    -'14 15

  • Como vencer todas as argumentaes

    A falcia do acidente boa para anarquistas porque parece subverter regras gerais. Quando se afirma que voc est violando as regras, desenterre o caso mais estapafrdio que puder imaginar. Se a regra no se aplica nesse caso, por que deveria se aplicar no seu? ("Todos ns concordamos em que seria certo queimar o prdio de uma repartio tributria se esse fosse o nico modo de libertar vivos e rfos presos no poro. Logo, o que eu fiz no inerentemente errado...")

    Afirmando o conseqente

    PARA AQUELES que tm o hbito incorrigvel de pr a carroa na frente dos bois, a falcia da afirmao do conseqente vem naturalmente. Constituindo um risco ocupacional daqueles que se envolvem em argumentos condicionais, o que ocorre nessa falcia que no se reconhece que h mais de uma maneira de matar um gato.

    Quando os gatos so mordidos por ourios raivosos, eles morrem. Eis aqui um gato morto, logo obviamente h um ourio envolvido nisso.

    (Antes de trancafiar seus gatos, reflita que o felino morto pode ter sido eletrocutado, estrangulado, estripado ou atropelado. possvel que um ourio raivoso o tenha pegado, mas no podemos deduzir isso como um fato.)

    O argumentador confundiu o antecedente e o conseqente. Numa construo do tipo "se... ento", a parte com o "se" o antecedente, e a parte do "ento" o conseqente. Est tudo certo em afirmar o antecedente para provar o conseqente, mas no o contrrio.

    Se eu derrubo um ovo, ele se quebra. Eu derrubei o ovo, logo ele se quebrou.

    (Isto e perfeitamente vlido. um argumento chamado modus ponens, que ns provavelmente usamos todos os dias da nossa vida. Compare-o verso abaixo.)

    Se eu derrubo um ovo, ele se quebra. O ovo est quebrado, logo eu tenho de t-lo derrubado.

    (Esta a falcia de afirmao do conseqente. Pode haver muitos outros incidentes que causem a quebra do ovo, incluindo que ele seja derrubado por outra coisa, ou que um pintinho saia de dentro dele.)

    Para uma lgica vlida, temos de afirmar a primeira parte para deduzir a segunda. Na falcia, afirmamos a segunda parte numa tentativa de deduzir a

    Afirmando o conseqente

    primeira. Afirmar o conseqente falacioso porque um evento pode ser produzido por diferentes causas. Ao ver o evento concretizado, no podemos ter certeza de que uma causa especfica esteja envolvida no fito.

    Se os chineses quisessem a paz, favoreceriam intercmbios culturais e esportivos. Uma vez que eles sustentam tais intercmbios, eles querem a paz.

    (Talvez. Esta concluso pode ser a mais plausvel, mas pode haver outras razes mais nefastas pelas quais eles mantenham os intercmbios internacionais. O gato pode ser morto de mais de uma maneira.)

    Esta falcia aparece abundantemente nos tribunais, j que a base da evidncia circunstancial. Quando no temos uma testemunha ocular, retrocedemos daquilo de que temos conhecimento para as aes que poderiam t-lo causado.

    Se ele estivesse planejando um assassinato, teria aumentado o valor do seguro de vida de sua esposa. Ele aumentou o valor do seguro de vida de sua esposa.

    Se ele pretendesse envenenar, teria comprado veneno. Ele comprou herbicida.

    Se ele quisesse retalhar o corpo, precisaria de um grande serrote. Um grande serrote foi encontrado em seu depsito de ferramentas.

    (Poderia haver explicaes alternativas, inocentes, para todas essas aes. Seria falacioso afirmar que qualquer uma delas prove culpa. Mas, medida que elas se somam, torna-se progressivamente mais fcil para doze boas pessoas de um jri eliminar as dvidas razoveis quanto a uma coincidncia. No h dvida de que s vezes se erra, e desta forma muitos foram condenados, entre eles, ocasionalmente, um inocente.)

    Esta falcia extremamente boa quando se quer imputar motivos a algum. Ns no vemos os motivos, mas vemos as aes causadas pelos motivos. Sempre h algum que d ouvidos sua sugesto de que haveria motivos no to nobres mediante o uso de um conseqente habilmente afirmado.

    Ela apenas uma vagabunda. As mulheres desse tipo sempre se exibem diante dos homens, e ela apareceu na confraternizao do escritrio usando um vestido que era praticamente transparente!

    (Todos sabem o que esse argumento est insinuando.)

    16 17

  • Como vencer todas as argumentaes

    Anfibologia

    ANFIBOLOGIA a falcia da construo ambgua. Ela ocorre sempre que o significado total de uma assero possa ser interpretado de mais de uma maneira, e usualmente se deve a uma gramtica descuidada.

    A duquesa tem uma bela embarcao, mas ela cheia de craca embaixo.

    (Essa uma duquesa que requer um cuidado muito especial.)

    A falcia admite infinitas variaes. Muitos exemplos excelentes de anfibologia fazem confuso de pronomes: o "ela" refere-se embarcao ou duquesa? Uma confuso similar pode ocorrer com animais.

    Encontrei o embaixador com seu cavalo. Ele estava resfolegando e bufando, ento lhe dei um torro de acar.

    (Quem dera todos os diplomatas pudessem ser to facilmente satisfeitos...)

    O mau uso da palavra "que", ou sua omisso, produz muitos exemplos clssicos. ("No formulrio descrevi em detalhes o ferimento minha coluna que agora envio em anexo.") H inumerveis verses do seguinte anncio:

    VENDA: Carro de senhora idosa em timo estado de conservao e com estepe.

    O erro geralmente consiste em no considerar que existe a possibilidade de uma 'interpretao diferente. s vezes, a pontuao est mal colocada; s vezes no h o suficiente para eliminar a ambigidade. As manchetes da imprensa, precisando ser ao mesmo tempo impactantes e concisas, so um terreno especialmente frtil para que uma encantadora anfibologia ocasionalmente brote diante de nossos olhos.

    OITO PREFEITOS PEDEM AJUDA PARA O GOVERNADOR

    (Os oito prefeitos recorrem ao governador em busca de auxlio ou recorrem a outros pedindo que ajudem o governador?)

    DIPLOMATA ENTERRADO SEM O PRESIDENTE

    (O presidente deveria ser enterrado junto com o diplomata?)

    A falcia analgica

    O uso da anfibologia com a inteno de enganar um dos recursos favoritos de orculos e cartomantes. Uma anfibologia oportuna permite ao profeta evitar uma afirmao direta e deixar mais de um caminho aberto. Depois dos fatos ocorridos, a pessoa sempre pode se refugiar na interpretao que se concretizou. Creso perguntou ao orculo o que aconteceria se atacasse a Prsia. A resposta "Um poderoso imprio ser derrotado" foi de fato proftica. Mas o imprio derrotado foi o seu prprio.

    Para se tornar um habilidoso praticante de anfibologias, voc deve adquirir um certo desinteresse pela pontuao, especialmente pelas vrgulas. Deve aprender a proferir linhas como "Ouvi os sinos da catedral cambaleando pelos becos", como se no tivesse a mnima importncia se eram os sinos ou se era voc quem estava cambaleando. Procure um vocabulrio de palavras que podem ter mais uma categoria gramatical e adquira um estilo gramatical que admita facilmente pronomes mal colocados e confuses entre sujeito e predicado. As colunas de astrologia dos jornais so uma excelente fonte de material.

    A falcia analgica

    A FALCIA analgica consiste em supor que coisas que so similares em um aspecto so similares em outros. Ela faz uma comparao com base no que conhecido e em seguida assume que aquilo que no e conhecido deve ser tambm similar.

    O corpo poltico, como qualquer outro corpo, funciona melhor quando h um crebro inteligente dirigindo-o. por esta razo que os governos autoritrios so mais eficientes.

    (Essas falsas analogias ligando o Estado a um corpo humano quase nunca dizem algo sobre seu fgado, seu pncreas ou seu mecanismo para expelir materiais indesejados.)

    As analogias so uma maneira til de transmitir informaes. Elas nos permitem falar de um novo conceito em termos j conhecidos pela audincia. A falcia aparece na suposio de futuras similaridades adicionais com base naquelas j identificadas.

    Os bebs so como o tempo: imprevisveis.

    (Eles tambm so molhados e cheios de vento.)

    18 19

  • Como vencer todas as argumentaes

    Isso falacioso porque as analogias so ferramentas de comunicao, e no fontes de conhecimento. Uma analogia pode nos sugerir linhas de investigao, mas no fornece uma base para estabelecer descobertas.

    Ela tem uma pele de um milho de dlares.

    (Verde e amassada?)

    As falcias analgicas so abundantes na interpretao da histria. Na tentativa de atribuir um significado histria surgem todos os tipos de comparaes. Todas as civilizaes passadas tm em comum o fato de que so agora passado, j foram civilizaes um dia e antes disso no eram. Esses trs fatos absolutamente triviais levaram muitos historiadores a analogias com o "ciclo vital". A simples seqncia "no-vivo, vivo, morto" convida de modo irresistvel a uma comparao com os organismos vivos. Antes que nossa defesa esteja pronta, l estamos ns com civilizaes "florescendo", prestes a entrarem no processo de "definhar e morrer".

    medida que nossa cultura amadurece, natural que, como todo organismo, lance sementes para se reproduzir em lugares distantes.

    ( Um argumento em prol do colonialismo que deve ser cortado pela raiz.)

    O fato que as civilizaes no so flores. Ao cair na armadilha analgica, voc logo as ter brotando viosas do solo e talvez at exibindo suas floradas.

    Nos Dilogos sobre a religio natural, de Hume, o fervoroso Cleantes compara o universo a um delicado mecanismo, como o de um relgio. E, assim como podemos deduzir de um relgio a existncia de um artfice, do mesmo modo podemos deduzir do universo... Mas Filo, o ctico, destri o argumento neste ponto, dizendo que o universo lhe parece muito mais um repolho.

    A falcia analgica devastadoramente eficiente quando usada contra a pessoa que introduziu a analogia em primeiro lugar. Todos empregam analogias de todos os tipos; tudo o que voc tem a fazer apoderar-se de uma analogia usada por um oponente e dar-lhe prosseguimento de um modo que conduza mais sua linha de argumentao. Com sorte, seu oponente ser forado a admitir que sua prpria analogia no era muito boa e perder pontos diante do pblico.

    Agora que inauguramos nosso novo comit como um navio que se lana ao mar, manifesto minha aspirao de que possamos nos unir para uma viagem tranqila.

    O presidente est certo. Mas lembremos que os remadores eram geralmente dispostos em linha e chicoteados. E, se o navio afundasse, eles afundavam com ele.

    Antiquitam, argumentam ad

    Voc ir longe em qualquer organizao relacionando-a a uma famlia. A famlia evoca um calor aprazvel, e a analogia lhe permitir na prtica defender praticamente tudo, incluindo dar dinheiro aos membros e mandar os insubordinados para a cama sem jantar.

    Antiquitam, argumentam ad

    OS ESTUDANTES de filosofia poltica reconhecem no argumentum ad antiquitam o cerne dos argumentos de Edmund Burke. Do modo mais simples possvel, a falcia de supor que algo bom ou certo simplesmente porque antigo.

    Esta a maneira corno sempre se fez, e a maneira como continuaremos a fazer.

    (Isto trouxe pobreza e sofrimento antes, e assim far novamente...)

    No h nada na idade de uma crena ou afirmao que as torne certas por si. O ad antiquitam um hbito que economiza a reflexo. Ele mostra o modo como as coisas so feitas, sem necessidade de uma difcil tomada de deciso. Em seu nvel mais elevado, uma filosofia. Geraes anteriores fizeram desse modo e sobreviveram; o mesmo ocorrer conosco. A falcia embelezada pelo discurso da continuidade e da famlia.

    Embora a idade de uma crena corrobore a experincia, no corrobora sua verdade. Igualar o que mais antigo ao que melhor significa aventurar-se no territrio das falcias. Afinal, o progresso humano se d pela substituio do antigo pelo melhor. s vezes os homens fazem coisas de uma maneira particular, ou sustentam crenas especficas, por milhares de anos. Isso no as torna mais certas que erradas.

    Voc no vai ter um carro. Eu nunca tive um carro, meu pas nunca teve um carro, nem o seu pai antes dele.

    (Este provavelmente o motivo pelo qual nenhum deles chegou a lugar algum.)

    Os conservadores so os maiores usurios do argumentum ad antiquitam. Eles o cultivaram e o mantero em nome de Deus. Os valores antigos so os certos. O patriotismo, a grandeza nacional, a disciplina o que quer que se queira: se antigo, bom.

    O mundo comercial sensvel prevalncia da falcia e modifica suas aes de acordo com isso. Um cigarro chamado Woodbine, com uma grande fatia do mercado, temia que sua imagem estivesse ficando datada, mas no queria perturbar a instintiva preferncia pelo tradicional. Uma revista de fico cientfica chamada

    20 21

  • Como vencer todas as argumentaes

    Astounding receava que seu nome refletisse uma era passada e pudesse refrear seu crescimento. Em ambos os casos a deciso tomada foi efetuar uma mudana gradual, modificando imperceptivelmente a caixa dos cigarros e o nome da revista ao longo de semanas. Astounding tornou-se Analog, mas os cigarros Woodbine parecem ter desaparecido sem deixar rastos. Talvez os consumidores de cigarros sejam mais conservadores que os leitores de fico cientfica.

    O uso hbil do argumentum ad antiquitam requer um conhecimento detalhado da China. A razo simples. A civilizao chinesa tem durao to extensa e abrangeu tantas provncias diferentes que quase tudo foi tentado num momento ou noutro. Seu conhecimento lhe permitir ressaltar que aquilo que voc est

    'defendendo tem uma antiguidade respeitvel na provncia Shin Shan e trouxe a ela tranqilidade, paz de esprito e realizao por sculos.

    Fazemos os mveis da melhor maneira do jeito antigo.

    (E eles continuam to desconfortveis quanto sempre foram.)

    Apriorismo

    NORMALMENTE, PERMITIMOS que os fatos ponham prova nossos princpios. Diante dos fatos, podemos manter ou modificar nossos princpios. Partir dos princpios de antemo (a priori) e us-los como base para aceitar ou rejeitar fatos fazer o caminho inverso. cometer a falcia do apriorismo.

    Ns no precisamos do telescpio, senhor Galileu. Ns sabemos que no pode haver mais que sete corpos celestiais.

    (Esta foi uma viso de curto alcance.)

    A relao entre fatos e princpios complicada. Precisamos de algum tipo de princpio, do contrrio nada se apresentaria como um fato. A falcia consiste em dar demasiada primazia aos princpios e no permitir que sejam modificados por aquilo que observamos. A falcia faz uma suposio injustificada em favor de uma teoria que no sustentada por evidncias, e, por conseguinte, rejeita as evidncias relevantes para o caso.

    Todos os mdicos exercem a profisso por razes pessoais. Se os seus mdicos realmente dedicaram todo esse tempo sem receber nenhum pagamento, ento tudo o que posso dizer que tem de haver algum ganho oculto do qual no temos conhecimento.

    (Alm da, falcia menos oculta da qual temos conhecimento.)

    Apriorismo

    O raciocnio apriorstico amplamente usado por aqueles cujas crenas tm pouca relao com a realidade. A falcia a vassoura que varre fatos bagunados para debaixo do tapete das idias preconcebidas. Trata-se de um servio domstico necessrio para aqueles determinados a manter seus cmodos mentais livres da poeira do mundo real. Entalhadas na maaneta e na mente do usurio da falcia esto as palavras: "Minha cabea est feita. No me confunda com fatos".

    Muitos de ns podem no ter se convencido diante de um medicamento de uso comum acerca do qual se afirmava que a recuperao do paciente demonstrava que o medicamento havia sido efetivo e a no-recuperao do paciente provava que era necessria uma dose maior do medicamento em questo. Podemos dizer que os fatos estavam sendo usados para confirmar a eficcia do medicamento, no importando quais fossem eles. Contudo, todos os dias se faz precisamente o mesmo tipos de afirmao pedindo auxlio transocenico em prol do desenvolvimento dos pases mais pobres. Se h desenvolvimento, isso mostra que o auxlio efetivo. Se no h desenvolvimento, isso mostra que temos de fornecer maior auxlio. Se der cara, eles ganham; se der coroa, a lgica perde.

    A falcia do apriorismo tambm pode ser usada para sustentar um julgamento preconcebido contra as evidncias. Se um poltico que apoiamos flagrado trapaceando, ou envolvido numa posio comprometedora, essas so situaes que enaltecem o carter. Elas o fortalecem e o pem prova, tornando-o um candidato mais adequado ao cargo. Se fosse com qualquer outra pessoa, claro, as mesmas situaes a desqualificariam para o cargo.

    Uma vez que no h gatos no Tibete, este animal aqui, com orelhas de gato, rabo de gato, pele de gato e bigodes de gato mostra que os ces tibetanos so excelentes atores.

    (E no apenas isso, eles tambm caam ratos e bebem leite numa tigela.)

    geralmente improdutivo, ao usar o apriorismo, rejeitar os fatos como sendo falsos. Afinal, seu pblico pode t-los testemunhado. Voc ir muito mais longe reinterpretando esses mesmos fatos, mostrando que no so o que parecem. Longe de contradizer sua argumentao, eles na verdade lhe daro sustentao.

    Ainda sustento que os livros que recomendei eram os mais populares. claro que no nego que fossem os menos lidos da biblioteca, mas isso deve ser tomado como um indicativo de sua popularidade. Ora, quando um livro realmente popular; as pessoas o compram ou o tomam emprestado de amigos; elas no esperam que cheguem a uma biblioteca.

    (Ao menos a falcia popular.)

    22 23

  • Como vencer todas as argumentaes

    Baculum , argumentum ad

    QUANDO LHE faltar razo, recorra ao aoite. O argumentum ad baculum introduz a fora como meio de persuaso e com freqncia empregado por aqueles que, sem ele, perderam a argumentao.

    Seria melhor que voc nos contasse o que queremos saber. Afinal, no gostaramos que sua me idosa ou sua irm paraltica sofressem, no ?

    (Provavelmente sim.)

    A ameaa de fora no precisa assumir a forma da violncia fsica. Comete-se o argumentum ad baculum sempre que h a ameaa de conseqncias desagradveis caso no sejam cumpridos os desejos de quem fala. ("Se voc no nos trouxer o projeto do novo mssil, receio que serei forado a enviar essas fotografias aos jornais.")

    A falcia do argumentum ad baculum reside na introduo de elementos irrelevantes para o argumento. Estritamente falando, ela deixa o argumento para trs, passando para a ameaa de uso da fora como meio de persuaso. Embora o uso da fora seja indubitavelmente eficaz em atrair gentilmente a ateno para os desejos de quem fala, seu emprego representa o colapso e a subverso da razo.

    O argumentum ad baculum, infelizmente, tem importante papel no cenrio pblico das relaes internacionais. Pases poderosos no conseguem defender seus interesses com base em discusses argumentativas e no relutam em lanar um argumentum ad baculum para influenciar os discursos. Mesmo quando isso falha, eles lanam algo um pouco mais forte.

    Josef Stalin foi um mestre do argumentum ad baculum. Com efeito, apropriou-se dele em tal medida que seu nome est imortalizado numa linha de Krushchev que condensa seu poder: "Quando Stalin diz `Dance!', um homem sensato dana". O prprio Stalin parece ter adotado a viso de que algum que no tivesse fora para ameaar no tinha de estar envolvido em questes internacionais. Sua famosa pergunta: "Quantas divises militares tem o papa?", foi a resposta a uma sugesto de que o papa deveria participar de uma conferncia internacional. Os inimigos de Stalin repetidas vezes descobriram que a argumentao no constitui uma oposio muito eficiente a um argumentum ad baculum.

    Os partidos polticos fundados numa viso idealizada da natureza humana com freqncia acusam seus rivais de recorrer demasiadamente diplomacia ad baculum. Sir William Browne ofereceu um elaborado epigrama sobre o tema:

    O rei a Oxford enviou uma tropa da cavalaria, Pois no com razes, mas com a fora os tris responderiam.

    Bifurcao

    Com igual sagacidade a Cambridge livros ele envia, Pois os whigs nada alm de argumentos aceitariam.

    (Atualmente, isso equivaleria a decidir se seria mais difcil encontrar um tri em Oxford que um literato em Cambridge.)

    Voc pode usar o argumentum ad baculum quando dispe de fora e tem como evitar as conseqncias de seu uso. A lei existe para impedir que as argumentaes sejam sempre vencidas pelo mais forte, e tambm para prevenir os muitos ossos quebrados antes que se decidisse quem seria ele. Mas suas ameaas no precisam ser fsicas para que sejam efetivas. Muito j se conseguiu ameaando importunar insistentemente algum at que seus pedidos fossem atendidos. Os romanos provavelmente destruram Cartago apenas para calar Cato.

    Bifurcao

    A APRESENTAO de somente duas alternativas quando existem outras s chamada de falcia da bifurcao. Chamada s vezes de falcia do preto e branco, do tudo ou nada, ela apresenta uma situao do tipo "ou/ou" quando na realidade h um leque de opes.

    Se voc no est conosco, est contra ns.

    (Algumas pessoas podem pensar que voc est parcialmente certo. Outras podem concordar com voc em alguns aspectos, mas discordar quanto a outros. A vasta maioria provavelmente indiferente e nem sequer tem uma opinio a respeito.)

    Algumas situaes na vida tm infinitas gradaes; outras apresentam uma escolha direta. H muitas nuances intermedirias entre o preto e o branco, mas nem tantas entre um menino e uma menina. A falcia da bifurcao consiste em adotar a escolha limitada dessa segunda categoria em situaes que pertencem mais propriamente primeira.

    H dois tipos de pessoas neste mundo: os ricos e os trouxas. Voc quer ficar rico ou est satisfeito em continuar sendo um trouxa?

    ( Na realidade, h graus de riqueza, e provavelmente tambm os trouxas tm a sua gradao. Voc pode ser rico em comparao com algum, mas pobre quando comparado com outros. Os trouxas tambm esto dispostos ao longo de um continuum.)

    24 25

  • Como vencer todas as argumentaes

    Comete-se o erro pela negao das demais escolhas. Ao limitar o mbito, o perpetrador est excluindo da discusso elementos que poderiam influenciar o resultado. Desta vez, a falcia no a intruso de elementos irrelevantes, mas a excluso de itens relevantes.

    A bifurcao usada para limitar as escolhas. Grandes partidos polticos empregam-na para eliminar partidos menores negando que sejam opes vlidas. Os fanticos, em prol de algo ou contra algo, usam a bifurcao para atacar a vasta massa intermediria que no conseguem atingir. Os idelogos empregam-na para

    'classificar as pessoas numa categoria ou noutra, em lugar de admitir a grande amplitude de opinies individuais.

    Um dos mais irritantes usos da falcia da bifurcao ocorre na coleta de informaes estatsticas. As pesquisas de mercado, bem como os formulrios oficiais, s funcionam inserindo as pessoas em categorias amplas. freqente que o modo de obter as informaes seja pedir as respostas "sim" ou "no", mesmo quando o indivduo envolvido sabe que nenhuma das duas respostas seria a correta. Os testes de personalidade que propem situaes hipotticas sempre subestimam muito a ingenuidade humana.

    A bifurcao muitas vezes ocorre num dilema, ainda que o dilema em si mesmo seja uma forma slida de argumento.

    Se importamos bens, transferimos nossos empregos para o exterior; se exportamos bens, transferimos nossa propriedade para o exterior. Dado que temos de exportar ou importar, perdemos nossos empregos ou nossa propriedade.

    (Mas essa no uma escolha do tipo "ou oito ou oitenta". Podemos importar algumas coisas e exportar outras.)

    Lord Nelson proferiu o famoso brado:

    A abadia de Westminster ou a vitria!

    (Negligenciando a possibilidade de que pudesse ter ambas; ou a opo de Saint Paul, onde acabou indo parar.)

    O melhor uso que voc pode fazer da bifurcao oferecer uma escolha ;limitada entre algo muito desagradvel e aquilo que voc est defendendo. Ou a audincia faz o que voc est sugerindo ou ser o fim de toda a vida na terra como a conhecemos.

    Cegando com a cincia

    Ou ns pintamos a porta de verde ou seremos ridicularizados e escarnecidos. As pessoas pensaro que temos mau gosto, e nos tornaremos motivo de riso para toda a vizinhana. Deixo a escolha para vocs; no estou tentando influenciar sua deciso.

    Voc ter de aprender a introduzir aquilo que considera ser a nica escolha possvel dizendo: "Bem, senhoras e senhores, aparentemente ns temos duas escolhes possveis...".

    Cegando com a cincia

    A CINCIA desfruta de enorme prestgio por ter alcanado tantas coisas. Na ima-ginao popular, o cientista dedicado, com seu jaleco branco, uma fonte de conhe-cimento seguro em oposio mera opinio. O fato de que esteja usando esse conhecimento para criar monstros como Frankenstein pouco diminui o respeito por aquilo que ele profere. Muitas pessoas, ansiosas por conferir s suas prprias vises a autoridade do cientista, vestem o jaleco branco do jargo cientfico numa tentativa de impor suas prprias asseres como algo que no so.

    A falcia de cegar com a cincia especializa-se no uso do jargo tcnico para enganar a audincia levando-a a supor que as declaraes feitas so de natureza cientfica, e que evidncias experimentais objetivas as sustentam.

    A sndrome de carncia de motivao favorecida pela presso do grupo, a no ser que a orientao da realizao constitua um aspecto dominante do ambiente educacional e social.

    (O que significa, em linhas gerais, que as pessoas no trabalham se seus amigos no trabalham, a menos que queiram progredir. Ora, isso pode ser verdadeiro ou falso, mas muitos sentem-se intimidados em questionar aquilo que formulado de modo que parea uma opinio de especialista.)

    O jaleco branco do jargo tcnico to ofuscantemente alvo (nunca tendo sido maculado por nenhum estudo cientfico concreto) que cega a audincia para os verdadeiros mritos daquilo que est sendo dito. Em vez de avaliar as discusses com base nas evidncias dispostas contra e a favor, a audincia fica sob o impacto da resplandecncia do jargo. A falcia cometida porque esse material irrelevante no tem lugar na argumentao. Assim como palavras apelativas tentam influenciar emocionalmente um caso, tambm o jargo tenta induzir uni respeito indevido por aquilo que dito. A proposio a mesma, qualquer que seja a linguagem; e o uso da linguagem para facilitar sua aceitao falaciosa.

    26 27

  • Como vencer todas as argumentaes

    Embora a estratgia de cegar com a cincia possa ser usada em qualquer argumentao, muitos reconhecero o domnio especial dessa falcia como o daqueles sujeitos que gostam de considerar sua opinio como cincia, embora no seja. A cincia lida com coisas que vo de tomos a estrelas num nvel em que as diferenas individuais no tm importncia. O cientista fala de "todos" os corpos cilndricos ou o que quer que seja, e formula leis gerais para testar por meio de experimentao. O problema com os seres humanos que, diferentemente dos corpos cilndricos, as diferenas individuais importam. Com freqncia, e mais uma vez diferentemente dos corpos cilndricos, ns queremos fazer coisas diferentes. Embora isso possa nos impedir de ser cientficos acerca dos seres humanos, no nos impede de fingir ser. O que fazemos aqui a acrescentar a palavra "cincia" ao estudo, dando-nos a "cincia econmica", a "cincia poltica" e a "cincia social". Ento as vestimos com o jaleco da linguagem cientfica e torcemos para que ningum note a diferena.

    O grfico do fluxo do transporte no perodo subseqente ao pico ps-meridiano revela um padro de decantao das unidades concentradas de passageiros em formaes coletivas em torno da rea central.

    (Voc poderia passar anos formulando leis para predizer isso, e poderia at ser candidato ao prmio Nobel. Lembre-se apenas de nunca mencionar que as pessoas se dirigem ao centro para almoar e depois vo assistir a um filme ou um show...)

    A primeira regra para usar essa falcia e lembrar de usar palavras longas. ("Quando a torta foi aberta, os pssaros principiaram a cantar".) Nunca use uma palavra de quatro letras, especialmente se pode encontrar uma de 24 letras para pr em seu lugar. O jargo em si mais difcil de dominar, mas uma assinatura de revistas especializadas pode ajudar. Lembre-se de que a funo bsica das palavras impedir a comunicao. Sua verdadeira tarefa transformar algo banal, trivial e facilmente refutvel em algo profundo, impressionante e difcil de negar.

    O pequeno carnvoro quadrpede domesticado posicionou-se de modo sedentrio em relao superior ao tecido de superfcie horizontal corri trama de textura rstica.

    (Com seu pratinho de leite ao lado.)

    A falcia de cegar com a cincia vale o tempo e o esforo necessrios para domin-la. Os anos de dedicao sero recompensados no s com um doutorado em cincias sociais, mas com a habilidade de enganar completamente uma audincia fazendo-a acreditar que voc sabe do que est falando.

    Falso dilema

    Falso dilema

    PARTE o uso casual do termo para descrever uma escolha difcil, o dilema tambm o nome de um argumento intricado. Num dilema, somos informados das conseqncias de aes alternativas e somos tambm informados de que, uma vez que teremos de nos decidir por uma de tais conseqncias, teremos de aceitar uma delas. Uma me grega disse a seu filho, que pensava em seguir carreira poltica:

    No faa isso. Se voc disser a verdade os homens o odiaro, e se mentir os deuses o odiaro. Como voc tem de mentir ou dizer a verdade, ser odiado seja pelos deuses, seja pelos homens.

    O dilema uma forma vlida de argumento. Se as conseqncias descritas forem verdadeiras, se' efetivamente houver uma escolha direta a ser feita entre ambas, ento uma delas ter de se concretizar. Contudo, comum que a informao apresentada no seja correta, e que a escolha no seja to limitada quanto se afirmou. Nesse caso, temos um falso dilema. O falso dilema a falcia do "ou" falsificado, apresentando enganosamente um dilema onde ele no existe.

    4,0 No exemplo acima, o filho tem vrias respostas possveis. Ele pode afirmar que

    o dilema falso negando que as conseqncias venham a ocorrer isso se chama "agarrar o dilema pelos chifres". Ele pode simplesmente negar que os homens o odiaro se disser a verdade: ele pode afirmar que, pelo contrrio, eles o respeitaro por isso. Para qualificar o dilema como falso, basta mostrar que uma ou ambas as declaraes alternativas sobre as conseqncias so falsas. Como outra opo, ele poderia mostrar que a escolha falsa. Isso se chama "ficar entre os chifres", e consiste em mostrar que h outras escolhas possveis. Em vez de se limitar a dizer a verdade ou mentir, ele poderia ser sincero em algumas ocasies e dissimulado em outras. Ele poderia fazer declaraes que contivessem elementos de verdade e mentira. Demonstra-se que o dilema falso se a escolha no esgota todas as alternativas. Uma terceira maneira de lidar com um dilema refut-lo. Essa uma tcnica elegante que requer que se fabrique um monstro igualmente feroz com base nos mesmos elementos da afirmao original, mas indo na direo oposta para bater de frente com ele. No exemplo acima, o jovem responderia:

    Eu farei sim, me, pois, se eu mentir, os homens me amaro por isso, e seu eu disser a verdade os deuses me amaro por isso. J que eu terei de mentir ou dizer a verdade, serei amado pelos homens ou pelos deuses.

    (Isso to bonito que, quando aparece num debate, temos o mpeto de jogar dinheiro no palco.)

    28 29

  • Como vencer todas es argumentaes

    Protgoras, que, entre outras coisas, lecionava direito, concordou em abrir mo da remunerao de um aluno pobre at que este ganhasse seu primeiro caso. medida que o tempo passava e no havia nenhum sinal de que o jovem se encarregasse de um caso, Protgoras o processou. A acusao foi simples:

    Se o tribunal decidir em meu favor, significa que ele ter de pagar. Se a deciso for em seu favor, ele ter vencido seu primeiro caso e, portanto, ter de me pagar. Uma vez que a deciso tem de ser em meu favor ou em favor dele, eu certamente receberei meu dinheiro.

    O jovem, contudo, havia sido um bom estudante e apresentou a seguinte defesa:

    Pelo contrrio. Se o tribunal decidir em meu favor, significa que eu no terei de pagar. Se decidir em favor de Protgoras, ento eu ainda no terei vencido meu primeiro caso e no terei de pagar. Dado que o tribunal tem de decidir em favor de um ou de outro, em ambos os casos eu no terei de pagar.

    (O juiz teve um colapso nervoso e protelou o caso indefinidamente. Ele assim provou que as disjunes eram falsas e escapou por entre os chifres dos dois dilemas.)

    A falcia do falso dilema consiste em apresentar conseqncias falsas ou uma escolha falsa, e lhe ser de maior utilidade em situaes nas quais as decises s quais se ope esto sendo contempladas. Voc rapidamente entra e destaca que

    ruma de duas coisas acontecer, e que maus resultados adviro de ambas:

    Se permitirmos que esse alojamento para adolescentes problemticos seja instalado em nossa rea, ele ficar vazio ou cheio. Se ficar vazio, ter sido um desperdcio de dinheiro, e, se ficar cheio, trar mais arruaceiros do que a rea pode suportar. Portanto, eu, relutantemente...

    (E tora para que no haja nenhum estudante de Protgoras no comit.)

    Circulus in probando

    O CIRCULUS in probando uma forma especializada e muito atrativa de petitio principii. Consiste em usar como evidncia um fato que autenticado pela prpria

    concluso por ele sustentada. Trata-se, portanto, de um argumento circular.

    Eu jatnais faria isso, senhor. Smith afianar minha honestidade.

    Circulus in probando

    E por que razo eu confiaria em Smith? Oh! Eu garanto que ele muito honesto, senhor!

    (Qualquer professor que caia nessa merece ser pendurado de cabea para baixo em dois galhos hipotticos.)

    O circulus falacioso pela mesma razo de sua prima maior, a petitio principii. Ele no relaciona aquilo que desconhecido ou que no aceito quilo que conhecido ou aceito. Tudo o que ele nos d so duas coisas desconhecidas to ocupadas em perseguir o rabo uma da outra que nenhuma tem tempo de se vincular realidade.

    Sabemos sobre Deus por meio da Bblia, e sabemos que podemos confiar na Bblia porque ela foi inspirada pela palavra de Deus.

    (Um crculo numa espiral, uma roda dentro de outra roda.)

    Assim como na petitio principii, sua parente prxima, o circulus in probando facilmente encontrado Construindo um aconchegante ninho nos argumentos religiosos ou polticos. S realmente houvesse provas convincentes de religies ou ideologias especficas, seria muito mais difcil que as pessoas inteligentes discordassem delas. Em lugar de demonstraes frreas, com freqncia se recorre petitio e ao circulus.

    O mesmo se pode dizer acerca da cincia. Como ter certeza de que o nosso chamado "conhecimento cientfico" no apenas um circulus gigante? Quando realizamos experimentos cientficos, estamos assumindo que o restante de nosso conhecimento slido. A nica coisa que realmente testamos se a nova teoria examinada consistente com o restante das teorias. Em nenhum ponto temos como testar nenhuma delas em relao a alguma verdade objetiva, pois, afinal, mesmo as teorias sobre aquilo que nossos sentidos nos dizem esto na mesma situao. Tudo se resume a afirmar que a cincia nos oferece uma viso consistente e til do universo atravs de um gigantesco circulus.

    Voc achar difcil, entretanto, usar o prestgio da cincia para apoiar o seu prprio uso do circulus. Ele muito facilmente identificado para que possa ser eficazmente utilizado em argumentos, sendo menos astuto que sua prima, a petitio.

    O diamante meu, ento eu devo ser o lder. E por que o diamante deve ficar com voc? Porque eu sou o lder, idiota!

    30 31

  • Corno vencer todas as argumentaes

    Quanto maior a probabilidade de que sua concluso seja aceitvel por outras razes, maior tambm a probabilidade de aplicar um bem-sucedido circulus para sustent-la. Quando as pessoas j esto um tanto dispostas a acreditar em algo, elas no examinam to cuidadosamente os argumentos a favor disso. Assim, o circulus deve ser reservado para argumentos orais, para os quais a memria curta.

    Estou pedindo que voc faa isso porque tenho respeito por voc. Como eu posso ter certeza de que voc me respeita? Eu lhe pediria isso se no o respeitasse?

    (Se voc quer fazer o que lhe pedido, acreditar no que lhe dizem.)

    O leitor inteligente pode supor que falcias como o circulus so demasiadamente bvias para serem mais que truques de debates. Certamente, elas jamais chegariam a distorcer seriamente decises de Estado, esquivando-se por todos os nveis de funcionrios pblicos, comisses governamentais e ministrios? Nem tanto. Uma grande poltica do governo britnico na dcada de 1960, adotada aps um srio debate pblico, baseava-se num circulus in probando relativamente bvio. Tratava-se do Plano Nacional, uma poltica de planejamento econmico nacional. Pediu-se que as empresas assumissem uma taxa de crescimento nacional de 3,8%, e que baseassem nisso as estimativas de seus prprios planos de expanso. Essas vrias estimativas foram somadas pelo governo, que concluiu que os planos combinados da indstria britnica sugeriam uma taxa de crescimento de 3,8%!

    O Plano Nacional no teve utilidade na poca nem posteriormente, exceto para conhecedores dos absurdos lgicos sortudos o bastante para agarrar cpias remanescentes em lojas de livros usados.

    A pergunta complexa (plurium interrogationum)

    A PLURIUM interrogationum, expresso que pode ser traduzida por "de muitas indagaes", tambm conhecida como a falcia da pergunta complexa. Quando vrias perguntas so combinadas em uma de modo que se requeira como resposta "sim" ou "no", a pessoa a quem a pergunta feita no tem chance de dar respostas separadas para cada uma delas, e comete-se a falcia da pergunta complexa.

    Voc parou de espancar sua esposa?

    (Se voc disser "sim", admitir que a espancava. Se disser "no" estar dizendo que ainda a espanca.)

    ~

    A pergunta complexa {plurium interrogationum)

    Isso pode parecer uma velha piada, mas h verses modernas:

    A poluio que voc causou aumentou ou diminuiu seus lucros? Suas afirmaes enganosas resultaram na sua promoo? Sua estupidez de nascena?

    Todas essas perguntas pressupem que a indagao oculta j foi respondida de modo afirmativo. essa pressuposio injustificada que constitui a falcia. Podem se formular muitas indagaes, mas, se a resposta a alguma delas pressuposta antes de ser dada, a falcia plurium interrogationum foi cometida.

    Uma verso comum da falcia formula perguntas que comeam com "quem" ou "por que" a respeito de fatos que ainda no foram estabelecidos. At mesmo as velhas perguntas `"Quem era a moa com quem voc estava ontem noite?" e "Por que a galinha atravessou a estrada?" so, estritamente falando, exemplos dessa falcia. Elas excluem respostas tais como: "No havia moa nenhuma" ou "A galinha no atravessou a estrada".

    Por que voc induziu sua esposa a alterar o testamento em seu favor? E por que voc foi em seguida ao mercado comprar veneno para ratos? Por que voc depois o colocou no chocolate dela, e como fez isso sem chamar sua ateno?

    (No tente mais de trs perguntas.)

    Os habitantes do mundo da plurium esto sempre confusos. Eles no conseguem entender por que toleramos reprteres de televiso que repetem propagandas antipatriticas, como podemos coibir o uso de drogas nas escolas, ou por que nossas universidades e faculdades produzem tantas pessoas desempregadas. Os anunciantes daquele mundo querem saber se nossas famlias merecem os cuidados especiais oferecidos por seus produtos e se ficamos contentes em escolher a sua marca de xampu.

    No mundo real, nenhuma dessas perguntas seria considerada vlida at que os fatos nos quais se baseiam estivessem comprovados. A pergunta complexa tem de ser decomposta em perguntas mais simples; e, com freqncia, a negao do fato pressuposto invalida inteiramente a pergunta mais ampla.

    Podem-se apresentar variadas explicaes genticas ou evolutivas para explicar por que a fmea humana adulta tem quatro dentes a mais que os machos. Nenhuma delas ser to eficaz quanto contar alguns maxilares e negar o fato.

    A plurium interrogationum muito eficaz como meio de introduzir a aparncia de democracia na cena domstica. Ela lhe permite dar aos seus filhos uma escolha sobre os seus destinos:

    32 33

  • Como vencer todas as argumentaes

    Voc prefere r para a cama agora ou depois de terminar o seu leite? Voc prefere guardar as peas do seu brinquedo na caixa ou na estante?

    (Mas ateno! Depois de dez anos isso ser usado contra voc sob a seguinte forma: "Me, voc prefere me dar um aparelho de som ou uma motocicleta?" O mundo d voltas...)

    Composio

    IA FALCIA da composio ocorre quando se afirma que aquilo que verdade para membros individuais de uma classe tambm verdade para a classe tomada como unidade. Alguns substantivos podem ser interpretados como referindo-se coisa como um todo ou s vrias partes que a constituem. falacioso supor que aquilo que verdadeiro acerca das partes tem de ser tambm verdadeiro acerca da nova entidade que elas compem coletivamente.

    Essa deve ser uma boa orquestra, pois todos os seus membros so msicos talentosos.

    (Cada um dos indivduos pode ser excelente, mas incapaz de tocar em conjunto com seus colegas. Todos esses virtuoses podem estar to ocupados em tentar se destacar pessoalmente que no sejam capazes de tocar como um time efetivo.)

    Similarmente, muitos tcnicos de futebol incluram em seus times jogadores de primeira categoria, para, no fim das contas, se verem eles mesmos excludos. A menos que os jogadores funcionem como um time, mais fcil chutar o tecnico para fora do time que meter a bola na rede.

    Reuni num mesmo regimento os mais fortes homens do exrcito. Esse ser o meu regimento mais forte.

    (Tenho c minhas dvidas. A fora de um regimento depende de fatores tais como o seu moral e o seu esprito de equipe, sem mencionar sua agilidade, sua habilidade em operar com suprimentos escassos e outros atributos similares.)

    A falcia est em deixar de reconhecer que o grupo uma entidade distinta sobre a qual podemos dizer coisas que no se aplicam s pessoas individuais. Portanto, as evidncias que atestam as qualidades dos membros do grupo so irrelevantes para se fazer uma avaliao do grupo.

    So particularmente vulnerveis a esta falcia as gramticas que no fazem distino entre a entidade coletiva e os indivduos nela contidos, e quando se usa o

    Composio

    verbo no singular para os substantivos coletivos, mesmo quando est se referindo aos membros do grupo.

    Assim, ao dizer "a tripulao est completa", referindo-nos a ela como uma entidade separada, e "a tripulao est cansada", ao falar de seus membros, perdemos uma importante distino.

    Se todos os membros da sociedade cuidarem de si mesmos, ento nossa sociedade cuidar de si mesma. (Essa certamente ser uma sociedade de pessoas que cuidam de si mesmas; mas talvez uma sociedade tenha aspectos que necessitem ser tratados por aes conjuntas.)

    Uma variante da falcia da composio abarca casos nos quais as coisas que so verdadeiras acerca dos indivduos tornam-se falsas caso sejam transpostas para o grupo.

    Os fazendeiros se beneficiam com medidas de sustentao do preo da carne; os fabricantes de calados ganham com essas medidas aplicadas produo de calados. Obviamente, toda a economia se beneficiaria se todos os produtos fossem subsidiados.

    (A questo que os fazendeiros e os fabricantes de calados s se beneficiam se esto num grupo reduzido que se beneficia em detrimento de algum outro. Se o princpio generalizado, todos recebem o subsdio, todos pagam os impostos para financi-los, e todos perdem para os burocratas que administram as transferncias.)

    A sociedade, com efeito, fornece o melhor lugar para empregar a falcia com o propsito de enganar. Voc deve atribuir todos os tipos de qualidades favorveis s pessoas de seu pas. Uma audincia de conterrneos no ter dificuldade em atestar a verdade delas. Quando voc passar, disfaradamente, falcia da composio para declarar o mesmo acerca da sociedade como uma unidade, eles ficaro relutantes em repudiar as boas qualidades que acabaram de afirmar.

    Todos ns sabemos que o britnico mdio conhecido por uma calorosa generosidade. por isso que nossa sociedade tem de ampliar os direitos dos idosos, dos doentes, dos desempregados e daqueles que residem em pases menos desenvolvidos.

    (Essas aes podem ser vlidas, mas s so generosas quando desempenhadas por indivduos. Tirar dinheiro das pessoas para dar a outros na verdade reduz sua oportunidade de ser generosas.)

    Voc tambm pode tentar: "Os irlandeses tendem a morrer jovens, como vocs sabem. surpreendente que o pas ainda exista".

    34 35

  • Como vencer todas as argumentaes

    Quantificao oculta

    AS AFIRMAES feitas sobre uma classe s vezes referem-se a todos os seus membros e s vezes a alguns deles; outras vezes, no est claro a quantos membros se referem. A falcia da quantificao oculta ocorre quando a ambigidade de expresso d margem a um mal-entendido acerca da quantidade de que se fala.

    Mecnicos de automveis so trapaceiros.

    (O qu? Todos eles? A frase no diz, mas h urna grande diferena. Caso se refira a todos eles, ento falar com um mecnico de automveis falar com um trapaceiro. Embora muitos motoristas possam estar convencidos, poucos mecnicos esto.)

    Com freqncia a quantificao oculta porque parece insatisfatrio fazer afirmaes categricas sobre apenas alguns membros de uma classe. "Todos" muito melhor, mas provavelmente falso. Em vez de se limitar por um detalhe tcnico como este, um orador muitas vezes omitir a quantidade na esperana de que se subentenda que a afirmao se aplica a "todos". Algum pode se compadecer de um pai atarantado, dizendo-lhe: "Os adolescentes so complicados': Isso pode ser aceito como "alguns so", ou at como "muitos tendem a ser", mas tambm se pode assumir que significa que, para encontrar uma pessoa complicada, basta encontrar um adolescente. Isso pode no ter sido intencional, por mais plausvel que parea. A falcia reside na ambigidade. A declarao pode ser aceita como tendo um certo significado, ainda que o significado tencionado fosse outro. Evidentemente, muitas concluses diferentes podem ser extradas a partir dos dois significados.

    Sabe-se bem que membros da campanha em prol do desarmamento nuclear so comunistas.

    (Isso verdade, mas nem todos eles, como parece ficar subentendido. Mesmo que alguns sejam comunistas, ainda assim h espao para outros, motivados pela sinceridade ou pela estupidez.)

    A falcia amplamente usada para condenar grupos inteiros com base em alguns de seus membros.

    Subversivos lecionam na Universidade Aberta.

    (Isso poderia significar que alguns subversivos lecionam ali, mas improvvel que todos os subversivos estejam l empregados. Poderamos tambm assumir que o

    A concluso que nega as premissas

    enunciado nos diz que apenas subversivos lecionam na universidade. A qualidade do bacharelado teria enorme variao, dependendo de qual interpretao seja verdadeira, assim como de fato poderia variar o contedo do curso.)

    A quantificao oculta tambm pode ser um preldio para atribuir a um indivduo as caractersticas do grupo ao qual pertence, ocultando o fato de que tais caractersticas aplicam-se a apenas alguns membros do grupo.

    Voc j notou que os bispos so gordos? Suponho que Johnson engordar bastante agora que foi promovido ao bispado.

    (Pondere e veja.)

    Voc deve usar a quantificao oculta para fazer que uma argumentao fraca parea mais forte do que . Se voc est tentando suscitar dvidas sobre uma pessoa, pode usar o fato de que ela pertena a algum grupo para fazer algumas afirmaes gerais sobre ele. Faa afirmaes aparentemente razoveis que so verdadeiras a respeito de alguns membros do grupo e deixe que a audincia complete com o "todos" ou o "somente" necessrios para estigmatizar tambm a pessoa em questo.

    Eu acho que no devemos contratar Thomson. Ele um excelente pescador. Os preguiosos gostam de pescar, ento acho que isso um mau sinal.

    (A audincia morde a isca, extrapola a afirmao para "somente preguiosos gostam de pescar", e Thomson j est enredado.)

    A concluso que nega as premissas

    A CONCLUSO que nega suas premissas uma das falcias do tipo: "Oh, esqueci o que eu estava dizendo!" Ela comea sustentando que certas coisas tm de ser verdadeiras eterminacom uma concluso que as contradiz totalmente. Se a concluso no consistente com os argumentos usados para chegar a ela, ento h, em algum lugar, um furo no raciocnio pelo qual a lgica escapuliu silenciosamente.

    Filho, no se pode ter certeza de nada neste mundo. Ns temos de nos prender quilo que a experincia nos diz.

    36 37

  • 'Premissas contraditrias

    No importa quantos estgios se retrocedam, tudo tem de ter um princpio em algum lugar. Deus deu incio a tudo.

    (Ele, presumivelmente, no teve um princpio em algum lugar.)

    Nada eterno. Tem de haver um Deus que deu incio a tudo.

    (Um que seja eterno, claro.)

    Ao usar a concluso que nega as premissas, tenha em mente trs coisas. Em primeiro lugar, quanto maior a distncia entre o seu enunciado inicial e a sua concluso, menor a probabilidade de que sua audincia identifique a contradio. Em segundo lugar, a audincia com freqncia permite que um orador faa afirmaes sobre "todos" sem aplic-las a ele mesmo. Em terceiro lugar, se a sua concluso trata de coisas que so usualmente admitidas como tendo propriedades excepcionais, sua falcia tem maior chance de no ser detectada.

    Nunca acredite no que as pessoas lhe dizem sobre medicamentos registrados; elas esto sempre mentindo. Voc sabe que isso que estou dizendo verdade, ento sabe que tambm estou dizendo a verdade; ao afirmar que meu leo de cobra o mais extraordinrio remdio para...

    (Extraordinrio.)

    Premissas contraditrias

    NO IMPORTA quo boa seja a lgica, voc no pode se apoiar num argumento que tem algum grau de falsidade em sua construo. Um argumento slido requer no s validade lgica, mas tambm premissas verdadeiras. O problema das premissas contraditrias e que elas no podem ser ambas verdadeiras. Se uma verdadeira, a outra tem de ser falsa, e vice-versa. Em outras palavras, podemos ter certeza de que ao menos urna delas tem de ser falsa, e, portanto, no pode gerar um argumento slido.

    Tudo mortal, e Deus no mortal; logo, Deus no tudo.

    (Isto pode parecer um argumento contra o pantesmo, mas , na realidade, um argumento contra o senso comum. Dado que as premissas se contradizem mutuamente, uma delas tem de ser falsa. Isto torna qualquer concluso inaceitvel.)

    39

    Como vencer todas as argumentaes

    Voc tem certeza, pai? Tenho, filho. Eu tenho certeza.

    Identifica-se a falcia pela inconsistncia. Se a concluso contradiz as premissas, pelo menos uma das premissas tem de estar errada. Isso significa ou que nossa concluso e em si mesma falsa, ou que deriva de informaes falsas.

    A concluso que nega suas premissas constantemente imiscui-se furtivamente nos argumentos religiosos. As pessoas esto to habituadas a pensar nos seres divinos como excees a todas as regras, que tendem a usar a palavra "tudo" quando esto querendo dizer "tudo exceto Deus".

    Tudo tem de ter uma causa. Isso, por sua vez, tem de resultar de uma causa prvia. Dado que no podemos retroceder indefinidamente, sabemos que tem de haver um causador no causado que d incio ao processo.

    (Mas, se tudo tem uma causa, como pode haver um causador no-causado?)

    A falcia tem uma histria ilustre. Foi usada (embora sem ter sido identificada domo tal) por Aristteles e Toms de Aquino, entre muitos outros. Ela tem muitas facetas. O "causador no-causado" pode ser uma "causa primeira", ou at um "primeiro motor". Ela pode ser reformulada de diversas maneiras, mas nunca deixa de ser uma falcia.

    As tentativas de fazer do ser divino uma exceo admissvel afirmao original usualmente incorrem numa petio de princpio ou subvertem o argumento cujo enunciado inicial "Tudo o que h no universo tem de ter uma causa externa a si...". A inteno , claramente, estabelecer uma causa que est fora do universo e, por conseguinte, no necessita de uma outra causa por trs de si. Infelizmente, a reformulao comporta vrias falhas.

    1. A nova verso mais complexa e no obviamente verdadeira. 2. O universo no est no universo, ele o universo. 3. "Tudo o que h no universo" o universo.

    Isso nos possibilita traduzir aquele enunciado inicial da seguinte forma: "O universo tem de ter uma causa externa a si". Diante de tal supsio, no de surpreender que se tente prov-la.

    H muitas verses mais simples de uso corrente, nenhuma das quais isenta da inconsistncia bsica de permitir que a resposta preferida seja a nica exceo aceita.

    38

  • Como vencer todas as argumentaes

    Esta falcia interessante, pois nela a lgica pode ser vlida. Normalmente, quem no e especialista em lgica fica espantado ao ouvir que, com premissas inconsistentes, qualquer concluso inferida, no importa quo irrelevante seja, ser vlida. Os estudiosos da lgica, porm, no usam a palavra "vlido" para denotar "slido" Se h falsidade na construo do argumento como necessariamente h, no caso de premissas contraditrias , ento no importa se a lgica boa: o argumento no slido.

    Esta a falcia que nos permite provar que a lua feita de queijo mofado. A prova muito complicada, mas muito divertida:

    Temos duas premissas: o leite branco; o leite no branco. Se a afirmao "o leite branco" verdadeira, ento a afirmao "Ou o leite branco ou a lua feita de queijo mofado" tambm verdadeira. (Isto est certo.) Uma vez que temos tambm que o leite no branco, a segunda alternativa tem de ser verdadeira, a saber, que "a lua feita de queijo mofado"

    No h nada de errado com a lgica. A falsidade manifesta nas premissas contraditrias pode ser usada para provar qualquer coisa, inclusive um satelite fedorento.

    difcil usar a falcia das premissas contraditrias em argumentos rotineiros, pois sua audincia geralmente perceber que voc est se contradizendo. O que voc pode fazer, no entanto, e usar contradies que so normalmente aceitas na linguagem coloquial e ento envolv-las numa lgica estrita.

    Ele mesmo um profissional, mas um pouco amador s vezes.

    (Isto parece bastante aceitvel, mas lembre-se de que com base nisto voc pode provar literalmente que a lua feita de queijo mofado.)

    Crumenam, argumentum ad

    O ARGUMENTUM ad crumenam assume que o dinheiro uma medida da correo, e que aqueles que tm dinheiro tm maior probabilidade de estar corretos. A forma comum : "Se voc est to certo, por que voc no est rico?", mas ela poeticamente traduzida como a crena de que "a verdade um butim".

    Houve ramificaes do cristianismo que sustentavam que o xito mundano podia ser considerado um sinal da proteo divina; e houve constituies que

    Crumenam. argumentum ad

    aumentavam os privilgios em beneficio daqueles que detinham riquezas e propriedades.

    Vejo que essa renda excedente de R$ 300.000,00 por ano tende a concordar comigo.

    (Talvez. Ele poderia ter acrescentado que as pessoas destras discordavam dele, que as pessoas com estatura de 1,80 m concordavam, e que as pessoas com olhos cor de avel estavam divididas meio a meio. Todas essas pessoas tm tanta relao com o fato de estar certo quanto o dinheiro.)

    A falcia no argumentum ad crumenam reside, evidentemente, no fato de que a riqueza no tem nenhuma relao com o caso. muito satisfatrio e conveniente ganhar muito dinheiro. tambm muito satisfatrio e conveniente estar certo. Mas somente uma m aplicao da noo do termo mdio pode relacionar as duas coisas com base nisso.

    Por trs do argumentum ad crumenam est a vaga sensao de que Deus no permitiria que pessoas ms e erradas escavassem o poo dos bens da vida. Sabemos que o dinheiro no tudo, mas suspeitamos, bem l no fundo, que ele representa 90 de 100, que ele comprar 9 das dez restantes, e que at tornar a falta da ltima bastante confortvel.

    Certamente um homem que ganha 180 milhes de reais num ano gravando quatro msicas no pode estar de todo errado.

    (Pode sim.)

    A cerveja mais cara do mundo...

    (Mas no o deixa mais bbado que a mais barata.)

    As situaes em que o dinheiro a medida de quem est certo so limitadas e artificiais.

    O cliente sempre tem razo.

    (Isto porque o cliente quem tem o dinheiro. Isto verdade nos Estados Unidos, mas na Gr-Bretanha a convenincia do lojista muitas vezes est em primeiro lugar, e na Frana e na Alemanha sempre est.)

    No mbito das gorjetas, o dinheiro muitas vezes pode fazer que a pessoa esteja certa.

    41 40

  • 42 43

    Como vencer todas as argumentaes

    Motorista, eu tenho de estar no aeroporto antes das dez horas! Este txi no tem asas, meu senhor! Eu lhe dou R$ 100,00 se conseguir chegar antes das dez.

    Prepare-se para decolar! Meu amigo quer saber onde estava Big M ontem noite. Quem o seu amigo? Aqui est uma foto dele. [Mostra uma cdula alta.] Voc pode dizer ao seu amigo que Big M estava no Molly's ontem noite.

    Uma verso do argumentum ad crumenam favoreceu o sucesso da revoluo Industrial. A crena de que as- virtudes da parcimnia, da perseverana e do trabalho rduo eram recompensadas com a riqueza levou naturalmente ao seu inverso, de que os bens mundanos eram o sinal da virtude. Uma sociedade na qual preciso ganhar dinheiro para ser respeitado por seu valor moral provavelmente conduz a uma economia expansiva.

    Voc deve reservar o uso desta falcia para situaes nas quais pode assegurar pessoalmente que o dinheiro no s fale, mas que monopolize totalmente a conversa.

    Digo que faremos isso dessa forma, e tenho 60% das aes desta empresa. [ Coro:] Voc est certo, J. G.!

    A diferena em relao verso "jnior" apenas de grau:

    Eu digo que foi gol, e a bola minha!

    Cum hoc ergo propter hoc

    A FALCIA cum hoc ergo propter hoc presume que os eventos que ocorrem juntos esto causalmente conectados e no d espao nem para a coincidncia fortuita nem para a interveno de um fator externo que influencie separadamente os eventos em questo.

    Um turista conheceu um campons espanhol e sua esposa num trem. Eles nunca haviam visto bananas antes, ento ele ofereceu uma a cada um deles. Quando o agricultor deu a primeira mordida em sua banana, o trem entrou num tnel. "No coma, Carmem", disse ele, "Elas nos deixam cegos!"

    Assim como a falcia post hoc, que vincula eventos por ocorrerem consecu-tivamente, a falcia cum hoc ergo propter hoc vincula-os por ocorrerem simul-

    Cum hoc ergo propter hoc

    taneamente. uma falcia em virtude de sua suposio infundada de que um dos eventos no ocorreria sem o outro.

    Coisas esto acontecendo o tempo todo. ' difcil que um dia se passe sem chuva, contas a pagar, falhas na transmisso dos programas de tev ou jornais com notcias ruins. convidativo vincular tais desconfortos com eventos simultneos e concluir que esto de algum modo conectados. Nas sociedades primitivas esse tipo de suposio feito rotineiramente, e uma das incumbncias do curandeiro identificar quais aes esto ligadas com diversas conseqncias. Em nossa sociedade, infelizmente, a vida mais complicada.

    O campo das estatsticas fornece um hbitat no qual o cum hoc ergo propter hoc pode espreitar sem ser detectado. Com efeito, todo um ramo da estatstica chamado de analogia de regresso dedica-se a medir a freqncia e a dimenso de eventos simultneos e a calcular a probabilidade de que estejam vinculados. Produzem-se coeficientes de correlao, com percentagens que mostram a probabilidade de que se trate de mero acaso. Os estatsticos rotineiramente nos oferecem relaes com 95% a 99% de probabilidade de que haja "mais do que acaso" envolvido.

    Um estatstico que examinava nmeros referentes ao desempenho de alunos surpreendeu-se ao descobrir no grupo com idade entre 7 e 12 anos que a qualidade da caligrafia apresentava correlao com o tamanho dos sapatos. Ele analisou os ndices de centenas de crianas, mas os nmeros eram muito claros. A qualidade da caligrafia estava correlacionada com os ps maiores com 99% de probabilidade de que isso no se devesse a um mero acaso.

    (Uma professora mais tarde lhe contou que isso se devia ao fato de que as crianas mais velhas tendiam a ter melhor caligrafia e, sendo mais velhas, tendiam a ter ps maiores.)

    A maioria das disciplinas que envolvem medies humanas, incluindo a economia e a sociologia, encontra o cum hoc ergo propter hoc disseminado em se domnio. A razo disso que ns no sabemos realmente o que leva os seres humanos a agir, ento examinamos suas aes depois do fato e tentamos relacion-las a outros eventos. O joio do cum hoc prolifera com o trigo das descobertas genunas.

    As eleies levam as pessoas a gastar. Os ndices so claros. O consumo sempre aumenta em anos de eleio.

    (Pode ser que os governos, visando reeleio, mantenham os impostos e as taxas baixos em anos eleitorais, e que as pessoas, conseqentemente, tenham mais dinheiro para gastar?)

  • Como vencer todas as argumentaes

    O uso deliberado do cum hoc ergo propter hoc mais eficiente com o apoio de pilhas de dados estatsticos. Sua audincia, atordoada com os nmeros, raramente tem estatsticas prprias para confront-lo. Eles podem ficar at mais dispostos a aceitar a conexo que voc est propondo se voc citar a autoridade de figuras destacadas nas cincias sociais. Isso fcil. No h nada demasiadamente absurdo que no tenha sido atestado por essas pessoas. til ser seletivo no uso das informaes.

    A posse de armas de fogo a principal causa dos crimes violentos. A prevalncia de armas de fogo nos Estados Unidos se equipara aos altos ndices de crimes violentos. Quando um ato violento considerado, as armas esto demasiadamente disponveis.

    (Excelente. Mas lembre-se de no mencionar a Sua, onde quase todos os lares tm uma arma de fogo como parte do treinamento militar. A Sua tem baixos ndices de crimes violentos, e as armas de fogo quase nunca so usadas.)

    Um legislador dos Estados Unidos recentemente percebeu que um alto ndice criminal estava correlacionado com uma grande populao carcerria e sugeriu que os presidirios fossem libertados para reduzir os ndices criminais.

    Para o uso impresso desta falcia, simplesmente justaponha artigos. Estude as manchetes para ver como se faz.

    MARK TWAIN CHEGA CIDADE TROFU DE OURO ASCOT ROUBADO

    Condenando as alternativas

    EM CASOS nos quais h um conjunto fixo e conhecido de alternativas, legtimo estabelecer a superioridade de uma delas mostrando que todas as demais so inferiores. Contudo, nos casos em que as alternativas no so fixas ou no conhecidas e em que se procuram absolutos em vez de comparativos, uma falcia supor que argumentamos em favor de uma denegrindo as alternativas. a falcia de condenar as alternativas.

    A teoria de Hawkins tem de ser a resposta certa. Comprovou-se que todas as outras estavam indubitavelmente erradas.

    (E isto ser comprovado corno errado amanh.)

    Condenando as alternativas

    Mesmo quando h somente duas alternativas, no h como mostrar que uma delas boa mediante a demonstrao de que a outra no . Ambas podem ser igualmente ruins. O mesmo se aplica a grupos maiores.

    Chelsea realmente um grande time. Veja o Liverpool e o Manchester United; os dois so muito ruins.

    (Outros times no mencionados poderiam entrar no cmputo. Mesmo assim, se o Liverpool e o Manchester United fossem ruins, isso no provaria que o Chelsea bom. Poderia ser que todos os times de futebol fossem absolutamente pssimos.)

    A falcia ocorre porque, ao excluir as alternativas no mencionadas, exclumos elementos que poderiam ser relevantes para uma deciso. Em segundo lugar, ao introduzir elementos que desabonam outras alternativas em casos que requerem um julgamento simples, introduzimos elementos irrelevantes.

    Condenar as alternativas a falcia do sectrio. Ansiando enaltecer sua prpria cidade, seu pas, seu time, sua Igreja, sua profisso, sua raa ou sua classe, ele pensa que pode faz-lo desacreditando os demais. Rupert Brooke usou a falcia com propsito humorstico em seu famoso poema "The Old Vicarage, Grantchester"'. Na exaltao de Grantchester, ele entremeou comentrios desfavorveis s outras vilas da rea. Ele nos diz:

    Um habitante de Cambridge raramente sorri; urbano, atarracado e cheio de ardis... Vares fugiram por milhas sem fim Ao ver algum de Cherry Hinton sorrir... Homens viris s prprias esposas chegaram a matar Para a Saint Ives no as ter de enviar.

    Nas eleies britnicas, no de bom-tom que um candidato se promova denegrindo seus oponentes; ele deixa que seu cabo eleitoral faa isso por ele. Nos Estados Unidos no existe tal escrpulo:,

    A escolha sua: um estuprador condenado, adltero, pervertido e ladro, ou eu.

    (Os candidatos tendem a ser mais exticos nos Estados Unidos; pode ser que isso explique tudo.)

    * Rupert Brooke, "The Old Vicarage, Grantchester'; em Brooke, Collected Poems (London: Sidgwick & Jackson, 1918).

    44 45

  • Como vencer todas as argumentaes

    A falcia lhe render muitas horas de diverso inocente (e muita diverso culposa) ao destruir as alternativas quilo que voc est propondo. Ns parecemos ter uma espcie de viso dupla que nos deixa cegos para a virtude mas nos d acuidade para enxergar os defeitos. Para voc, isso uma oportunidade. Vendo voc perseguir algumas alternativas e expor suas imperfeies, as pessoas iro 'progressivamente afastando esses olhos defeituosos da sua proposta, presumindo que voc no desabonaria todas as outras alternativas como vis, ridculas, erradas e perniciosas se suas prprias idias no fossem melhores. Elas estaro enganadas.

    Nenhum projeto de um novo edifcio tem aprovao unnime, mas vejam as alternativas: uma caixa de fsforos de vidro, algo com todos os canos do lado de fora, ou uma monstruosidade de concreto pr-moldado.

    (Enquanto o projeto que voc aprova tem buracos no teto, derruba telhas nas cabeas dos transeuntes e requer a fortuna de um rei para ser mantido. Mas ningum perceber isso se voc mantiver o foco nas alternativas que condena.)

    Refgio na definio

    COMETE-SE UM refgio na definio quando se modifica o significado das palavras para evitar uma objeo suscitada contra a formulao original. Modificando o significado, tem-se um argumento diferente.

    Ele nunca esteve no exterior. Na verdade, ele esteve na Argentina. No se pode dizer que visitar a Argentina seja ir para o exterior.

    (Ento o que seria ir para o exterior? Que tal ento dizer "sentar-se numa cadeira de praia na Bahia"?)

    As palavras so usadas com significados convencionais. Se for admissvel que contornemos as objees quilo que dizemos afirmando que as palavras significam algo totalmente inusual, o discurso racional ser inteiramente destrudo.

    A falcia num refgio na definio est em sua substituio sub-reptcia de um conceito por outro, sob o pretexto de explicar o que as palavras realmente significam. O amparo apresentado para uma posio pode no se aplicar sua substituta. ("Quando eu disse que no bebi, policial, eu quis dizer que no bebi mais que o usual' numa