Brasil 500 Anos jornal

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CMYK CMYK A FALA DE CAMINHA Em entrevista, Caminha conta suas impressões sobre a terra nova PÁGINA 7 Maximiliano, o germânico, herda mais uma terra 3 O castelhano Yáñez Pinzón já esteve por essas terras 6 Como as economias apelam aos tributos 8 Editorial: por um mundo novo. Artigo: que venham em paz 9 No Oriente, persiste a supremacia das lutas 10 Os guerreiros Kayapó,que vivem nessa região central 11 Cabral chega a uma terra nova Os nativos andam nus e com os corpos pintados Cabral aponta o morro a que deu o nome de Monte Pascoal: enfim, terras à vista PRESO DUQUE DE MILÃO Numa batalha sem san- gue, o duque de Milão, Lu- dovico o Mouro, foi captu- rado pelas tropas francesas de Luís XII. Ludovico aca- bou traído por seus solda- dos que depuseram as ar- mas em vez de lutar. O du- que deve ser levado para uma prisão na França. Até agora, Luís XII é mais co- nhecido por seu rumoroso divórcio do que pelas vitó- rias militares. PÁGINA 2 FLORENTINOS VÃO ÀS RUAS No último dia 19, várias cidades da península itáli- ca voltaram a celebrar o Domingo de Páscoa fazen- do as corridas pascoais, que têm levado um grande público às ruas. O espetá- culo mais concorrido ocor- reu na cidade-estado de Florença. Na Europa, as práticas esportivas têm passado por grandes mu- danças. Já não são inspira- das em exercícios militares. PÁGINA 10 RAINHA I SABEL FAZ 49 ANOS No auge de seu reinado, Isabel I comemorou ontem seu 49º aniversário. Desde o seu casamento com Fer- nando II, e a conseqüente união dos reinos de Aragão e Castela, essa rainha, que age com mão de ferro con- tra os hereges, tem sido bem sucedida. Há oito anos, Isa- bel financiou a viagem de Cristovão Colombo, que os portugueses dizem ter che- gado a uma nova terra. PÁGINA 3 Moeda Começa a circular em Portugal uma nova moeda, cunhada em ouro. Batizada de Português, a moeda traz, de um lado, uma cruz, e de outro a inscrição que identifica o soberano: Dom Manuel I, Senhor da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. Será a moeda de mais alto valor da Europa. PÁGINA 8 No bolso Os editores de algumas cidades européias estão aproveitando de maneira inovadora a criação da imprensa, há 50 anos. Preparam-se para lançar livros tão pequenos que, prometem, podem ser carregados no bolso. Se for verdade, será o fim dos pergaminhos e incunábulos, aqueles livros enormes. DOIS, PÁGINA 12 Acidente Ahuízotl, imperador asteca, piorou de saúde. No ano passado, 40 dias depois de inaugurar um novo aqueduto em Tecnochtitlan, capital do império, ele se feriu ao tentar fugir da violência das águas que jorravam sem cessar. Bateu no umbral da porta do seu palácio. PÁGINA 5 Como seria o Correio se o jornal existisse em 1500 ‘‘Andam mais seguros entre nós, do que nós andamos entre eles’’ Pero Vaz de Caminha português Pedro Álvares Cabral, 32 anos, chegou a uma nova terra. Ontem, os tripu- lantes de sua frota avistaram um monte, ao qual Cabral bati- zou de Monte Pascoal. Hoje, o capitão mandou seus barcos se aproximarem da terra para fa- zer contato com os homens que, nus e com os corpos pinta- dos, acorreram à praia. Como nem os nativos nem os portu- gueses conhecem a língua um do outro, não houve fala, mas uma troca amistosa de presen- tes. A chegada de Cabral encer- ra uma viagem que começou no dia 8 de março, em Portugal. PÁGINA 6

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A FALA DE CAMINHAEm entrevista, Caminha

conta suas impressõessobre a terra nova

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Maximiliano,o germânico,herda maisuma terra3 O castelhano

Yáñez Pinzónjá esteve poressas terras6 Como as

economiasapelam aostributos8 Editorial: por um

mundo novo.Artigo: que venham em paz9 No Oriente,

persiste asupremaciadas lutas10 Os guerreiros

Kayapó,quevivem nessaregião central11

Cabral chega auma terra novaOs nativos andam nus e com os corpos pintados

Cabral aponta o morro a que deu o nome de Monte Pascoal: enfim, terras à vista

PRESO DUQUEDE MILÃO

Numa batalha sem san-gue, o duque de Milão, Lu-dovico o Mouro, foi captu-rado pelas tropas francesasde Luís XII. Ludovico aca-bou traído por seus solda-dos que depuseram as ar-mas em vez de lutar. O du-que deve ser levado parauma prisão na França. Atéagora, Luís XII é mais co-nhecido por seu rumorosodivórcio do que pelas vitó-rias militares.

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FLORENTINOSVÃO ÀS RUAS

No último dia 19, váriascidades da península itáli-ca voltaram a celebrar oDomingo de Páscoa fazen-do as corridas pascoais,que têm levado um grandepúblico às ruas. O espetá-culo mais concorrido ocor-reu na cidade-estado deFlorença. Na Europa, aspráticas esportivas têmpassado por grandes mu-danças. Já não são inspira-das em exercícios militares.

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RAINHA ISABELFAZ 49 ANOS

No auge de seu reinado,Isabel I comemorou ontemseu 49º aniversário. Desde oseu casamento com Fer-nando II, e a conseqüenteunião dos reinos de Aragãoe Castela, essa rainha, queage com mão de ferro con-tra os hereges, tem sido bemsucedida. Há oito anos, Isa-bel financiou a viagem deCristovão Colombo, que osportugueses dizem ter che-gado a uma nova terra.

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MoedaComeça a circularem Portugal uma

nova moeda,cunhada em ouro.

Batizada dePortuguês, a moeda

traz, de um lado,uma cruz, e de outro

a inscrição queidentifica o

soberano: DomManuel I, Senhor da

Conquista,Navegação eComércio da

Etiópia, Arábia,Pérsia e Índia. Será amoeda de mais alto

valor da Europa.PÁGINA 8

No bolsoOs editores de

algumas cidadeseuropéias estãoaproveitando de

maneira inovadoraa criação da

imprensa, há 50anos. Preparam-separa lançar livrostão pequenos que,prometem, podemser carregados no

bolso. Se for verdade,será o fim dos

pergaminhos eincunábulos,aqueles livros

enormes.DOIS, PÁGINA 12

AcidenteAhuízotl, imperador

asteca, piorou desaúde. No ano

passado, 40 diasdepois de inaugurarum novo aquedutoem Tecnochtitlan,

capital do império,ele se feriu ao tentar

fugir da violênciadas águas que

jorravam sem cessar.Bateu no umbral daporta do seu palácio.

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Como seria o Correio se o jornal existisse em 1500

‘‘Andam mais segurosentre nós, do que nósandamos entre eles’’Pero Vaz de Caminha

português PedroÁlvares Cabral, 32anos, chegou auma nova terra.Ontem, os tripu-

lantes de sua frota avistaramum monte, ao qual Cabral bati-

zou de Monte Pascoal. Hoje, ocapitão mandou seus barcos seaproximarem da terra para fa-zer contato com os homensque, nus e com os corpos pinta-dos, acorreram à praia. Comonem os nativos nem os portu-

gueses conhecem a língua umdo outro, não houve fala, masuma troca amistosa de presen-tes. A chegada de Cabral encer-ra uma viagem que começouno dia 8 de março, em Portugal.

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O monarca que expulsou de Milão oduque Ludovico Sforza tem apenas doisanos de reinado. A trajetória de Luís XIIé curta e, por enquanto, igualmente tu-multuada. Considerado teimoso nacorte, a impressão que se tem é de quetambém falta ao rei uma certa argúciapara conduzir os destinos da França.Desde que assumiu, por exemplo, apósa morte de Carlos VIII, Luís XII aindanão conseguiu apoio do povo para suasinvestidas Europa afora, apesar de osfranceses andarem ávidos por cresci-mento e atividades empreendedoras.

Não conseguiu e, do jeito que vai, po-de não conseguir nunca. Apesar da vi-tória do último dia 8, numa batalha semsangue, seu exército vem caindo pelastabelas. Lá Trémoille, um dos gruposmais poderosos do continente, já nãoforma mais jovens soldados talentososnem grandes estrategistas.

Casado há um ano e três meses com

Ana de Bretanha, viúva de Carlos VIII,Luís XII é mais famoso nas cortes euro-péias pelo processo de divórcio queabriu contra sua ex-esposa, Joana deValois, do que por suas vitórias milita-res. Em 13 de setembro de 1498, o reipediu a anulação do casamento, ale-gando não ser possível ter relações se-xuais com a princesa. Joana é corcunda,tem um ombro maior que o outro, oquadril próximo ao fêmur e ainda sofrecom uma deformidade no órgão sexual,obstruído por um osso.

O médico Jean de Bourges, disse àépoca, no processo, que o rei era ‘‘obri-gado a fazer grandes esforços paramanter relações com a esposa’’ e que,

mesmo assim, ‘‘não conseguiaverter sêmen no íntimo naturaldela’’. Durante o interrogatóriodo rei no tribunal, Luís XII dis-se ter recebido a bênção nup-cial chorando, ‘‘sendo a isso

forçado por violência’’, e que nunca foiencontrá-la para passar a noite: ‘‘Creiosó ter passado a noite com ela forçado.De outra maneira, só se estivesselouco’’. Desde que deixou de ser rai-nha, em dezembro de 1498, e ganhou— como prêmio de consolação — oducado de Berry, Joana parece dedi-car-se à vida religiosa. (AB)

■ Luís XII será rei da França até morrer, em1515, e terá duas filhas (Claude e Renée)com sua segunda mulher, Ana de Bretanha.Ficará viúvo em 1514 e irá casar-se pela ter-ceira vez, com Maria da Inglaterra. Joana,de fato, se tornará freira e fundará a Ordemda Anunciada. Em 1951 será canonizadapelo Vaticano.

Duque de Milão é preso

Comando fracoe sexo insólito

Soldados traem e entregam seu comandante ao exército de Luís XII

Cena da batalha sem sangue entre as tropas de Ludovico, o Mouro, e Luís XII: um rei está escapando de passar por bobo

HERANÇA

Maximiliano I,imperador da região daGermânia, herda ocondado de Gorizia

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ARTE

Em Roma, Michelangeloestá esculpindo duasimagens juntas emtamanho natural

DOIS, PÁGINA 12

GUERRA

Camponeses deDithmarschen derrotamdinamarqueses egarantem independência

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Luís XII e Anade Bretanha:casamento depoisde um rumorosodivórcio nos tribunais

Alexandre BotãoDa equipe do Correio

ilão — Pode terchegado ao finalo toma-lá-dá-cádo ducado deMilão, que hádois anos vemsendo invadido eretomado numa

disputa entre o duque Ludovico Sfor-za, conhecido como o Mouro, e o reiLuís XII, da França. No último dia 8 deabril, soldados milaneses que teorica-mente deveriam lutar ao lado de Ludo-vico fizeram um acordo com o exércitofrancês e traíram o Mouro. Mal come-çara a batalha nos alpes da cidade deNavarro, os integrantes dos dois gru-pos decidiram fazer um acerto e pou-par sangue na luta pela ducado. Ludo-vico, atônito com a paralisia de seuexército, tentou fugir, mas foi em vão.Capturado, deve ser levado para a pri-são de Loches, na França.

Como todas as traições, essa tam-

bém parece uma aberração mas tevesua razão de ser. Ludovico, em sua ges-tão, aumentou os impostos até o gar-galo apenas para levantar construçõesbelíssimas, mandou estrangular cida-dãos de respeito só porque bradaramcontra as novas taxas e, no auge de suasoberba, chegou a vangloriar-se que opapa Alexandre VI era seu ‘‘capelão’’ e oimperador germânico Maximiliano I, oseu ‘‘mensageiro’’.

Com a retomada de Milão, o rei LuísXII vai, por enquanto, escapando depassar por bobo da corte nessa trunca-da batalha. Em setembro do ano pas-sado, o rei chegou a ocupar o ducado,mas apesar da vitória em terra, faltou-lhe habilidade política para costurarentendimentos com os suíços e mila-neses. Suas táticas de terror sangrentoacabaram tornando o monarca impo-pular, facilitando a volta de Ludovico.

A captura do Mouro deve deixar ór-fãos diversos pintores, poetas e músi-cos, como aconteceu no ano passadocom o promissor Leonardo da Vinci,na primeira ocupação francesa. Outro

que sai perdendo é o cardeal Domeni-co Grimani, homem de confiança deLudovico. Grimani certamente terá dedeixar o comando do castelo, emboramuitos comentem que ele é um dostraidores do Mouro e está interceptan-do despachos do duque para enviá-losao seu próprio pai, em Veneza, inimigodeclarado de Ludovico.

Apesar do estilo não muito amigáveldo rei Luís XII, ninguém acredita que, aexemplo do que ocorreu em setembrodo ano passado, Ludovico tenha con-dições de retornar a Milão. Se realmen-te for mandado para Loches, na Fran-ça, dificilmente conseguirá deixar aprisão, uma das mais fortificadas daEuropa.

■ Ludovico ficará preso em Loches, tentarávárias fugas, todas sem sucesso, e acabarámorrendo na prisão, em 27 de maio de 1508.Luís XII manteve Milão e Nápoles sob seudomínio até 1513 quando a Santa Liga deJúlio II expulsou os franceses da Itália. Porfim: Grimani, o homem de confiança de Lu-dovico, era sim um traidor. Morreu em 1511.

Bibliografia consultada: A Cultura do Renascimento na Itália, de Jacob Burck-hardt, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1991; The New Cambridge Mo-dern History — The Renaissance, editado pela Cambridge University Press,Cam-

bridge, 1964;El Renacimento en Italia, de John Addington Symonds, Fondo deCultura Mexico,Ciudad de Mexico, 1957;Renaissance et Réforme, de ClaudeSemnoz, Librarie Larousse, Paris, 1986; História da Renascença Italiana, de Jean

Lucas-Dubreton,Editorial Aster,Lisboa,s/d;O Estado Monárquico, de EmmanuelLe Roy Ladurie,Companhia das Letras, São Paulo,1994;Dois Mil Anos de Segre-dos de Alcova, de Claude Pasteur,Editora Rosa dos Tempos,Rio de Janeiro,1997.

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Há dois anos, a fatalida-de histórica uniu o destinode dois homens opostosem tudo. Em maio de 1498,morreu Girolamo Savona-rola, enforcado com cor-rentes e queimado em ple-na Piazza della Signoria,em Florença. Quatro mesesdepois, em setembro, na lo-calidade de Ávila, na penín-sula ibérica, morreu Tomásde Torquemada. O que di-vidiu esses dois homens,que nunca se conheceram,é que Savonarola morreu na foguei-ra da Inquisição. E Torquemada foio inquisidor-geral da península ibé-rica por quinze anos e mandou duasmil pessoas vivas à fogueira.

Eram ambos sangüíneos e comares de profetas, mas tinham metasinteiramente diferentes. Em Floren-ça, Savonarola pregou contra o pa-ganismo humanista que corrompeos costumes. Era contra a arte, apoesia, contra o clero corrupto.Com a deposição dos Medici há seisanos, a quem combateu pesada-mente, Savonarola tornou-se um lí-der de Florença, fundou uma repú-

blica democrática, mas despertourivalidades. O papa Alexandre VI,incomodado com suas pregações,sentindo-se pessoalmente atingidopelas acusações de corrupção, proi-biu-o de pregar. Savonarola deso-dedeceu, foi julgado, torturado econdenado à fogueira.

Torquemada, ao contrário, eraum homem do clero, respeitado porseus pares, mas fanático, intoleran-te e cruel com os suspeitos de des-vio de fé. Em 1484, um ano depoisde assumir o posto de inquisidor-geral, promulgou 28 artigos orien-tando os inquisidores no julgamen-to de uma penca de crimes: heresia,

apostasia, feitiçaria, biga-mia, usura, blasfêmia. Au-torizou, ainda, o uso da tor-tura nos interrogastórios.Foi tão implacável que, em1496, o papa Alexandre VIsentiu-se na obrigação demandar dois inquisidores àpenínsula ibérica com amissão de refrear seus ex-cessos.

O ponto mais contradi-tório da biografia do Tor-quemada é com relaçãoaos judeus. Ele ajudou a

convencer os Reis Católicos a aban-donarem sua política de tolerânciareligiosa e expulsar os judeus deAragão e Castela. O curioso é queTorquemada era, ele próprio, deorigem judaica.

■ O nome de Savonarola passará aser sinônimo de moralismo extre-mado. O de Torquemada virará le-genda de intolerância. Em 1579, osrestos mortais de Torquemada serãolevados para um magnífico túmulode alabastro. Ali, ficarão até 1836,quando serão profanados e, ironica-mente, levados à fogueira.

Arapucas e subtextos

A inquisição tem capítulos controvertidos. Está circu-lando no reino de Castela um manual orientando os in-quisidores sobre como interrogar os acusados — e seuconteúdo serve de argumento para quem contesta osmétodos inquisitoriais. É curioso observar como o ma-nual ensina a extrair confissões do interrogado, quan-

do, na verdade, não o leva a se confessar, masapenas a se confundir. Confira exem-

plos de diálogos hipotéticos do ma-nual castelhano:

O inquisidor deve declarar:Você é acusado de heresia, deacreditar e ensinar outrascrenças que não as da Igreja

Sagrada.O acusado responderá

mais ou menos assim: Deus,ninguém melhor que o se-

nhor para saber que sou ino-cente disso e que nunca abracei

outra fé além da cristã.

O inqusidor deve rebater:Você chama sua fé de cristãporque considera a nossa como falsa e herética. Mas euperguntei se você alguma vez acreditou na verdade deoutra fé que não a da Igreja Romana.

Em outra passagem, o inquisidor força o suspeito afazer alguma pergunta para, em seguida, aplicar-lheuma rasteira:

O acusado indaga: E o senhor acredita nisso?O inquisidor responderá: Eu acredito piamente.O acusado replica: Eu também.O inquisidor atacará: Você acredita que eu acredito,

mas eu não perguntei isso e sim se você acredita.

Mais adiante, aparece outro exemplo de como o in-quisidor deve transformar em armadilhas eventuaisperguntas do suspeito:

O inquisidor começa: Você acredita que o vinho e opão usados pelos padres foram transformados em corpoe fé de Cristo por virtude divina?

O acusado dirá: Acredito.O inquisidor então pergunta:Você acredita que Cris-

to nasceu da Virgem, sofreu, morreu e ascendeu aoscéus?

O acusado dirá: Acredito. Não deveria acreditar?O inquisidor aproveita a deixa: Eu não perguntei se

você deveria acreditar, mas apenas se acredita.Diálogos assim, cheios de arapucas e subtextos, têm

servido de base para levar pessoas à fogueira.

Festa da rainha de açoevilha — Ma-drigal de lasAltas Torresesteve em fes-ta ontem. Fes-ta que se es-palhou pelosreinos de Cas-

tela e Aragão. Isabel I, a rainha deCastela, uma mulher de nervos deaço e fé vulcânica e também a filhamais ilustre de Madrigal de las AltasTorres, comemorou ontem seu 49ºaniversário — e o fez no auge. Há oi-to anos que Isabel I e seu marido,Fernando II, o rei de Aragão, estãofazendo dos limites dos seus reinosunidos uma potência na Europa.Quando casaram, em 1479, uniramCastela e Aragão. Mas foi em 1492que reconquistaram Granada, ex-pulsando os mouros, e moldandouma geografia definitiva para osseus reinos.

O casal, que ganhou o apelido deReis Católicos, forma um par perfei-to para os objetivos políticos e di-plomáticos dos casamentos régios.Isabel, filha de uma princesa louca emãe de uma outra princesa, tam-bém louca, é uma mulher de fibra,severa e consciente de seu papel:tornar seu reino uma potência e ex-pandir a fé cristã. Seu marido, maisdado à manha política que à forçamilitar, compartilha o mesmo dever— e não mede ardis para chegar on-de quer. Recentemente, quando lhedisseram que o rei da França alegaraque fora por ele enganado duas ve-zes, Fernando corrigiu: ‘‘Mente o reida França. Eu o enganei dez vezes.’’

O casamento dos dois (na ima-gem à direita) rendeu um feitomemorável. O navegadorCristovam Colombo,que dizem ter nascidona cidade de Gêno-va, cruzou o Atlânti-co e encontrouuma nova terra.Ainda não se sabeexatamente se che-gou às Índias, comoele próprio imagina,pois cartógrafos portu-gueses, mais bem versadosno ramo, apostam que Colom-bo chegou a um novo continente. Aviagem contou com o apoio decisivoda rainha Isabel, que até a financiou,apesar de ser um investimento altís-simo sustentar uma aventura nosconfins do Mar Oceano.

Mas o interesse maior da rainhaIsabel nesses dias que correm é ga-rantir a pureza da fé católica e a uni-ficação religiosa, tendo em vista queos mouros já foram derrotados e osjudeus estão sendo expulsos do rei-no. Criado em 1478, o tribunal daInquisição está cada vez mais forte,pois os Reis Católicos sempre ouvi-ram com muita atenção os conse-lhos de seu confessor e conselheiro:o inquisidor-geral Tomás de Torque-mada, que faleceu há dois anos. Foipor sugestão de Torquemada que osReis Católicos baixaram um editoreal, há oito anos, expulsando os ju-deus de Castela e Aragão. Todos de-viam partir em quatro meses, semlevar dinheiro, ouro ou prata. Calcu-la-se que 170 mil foram embora,muitos se refugiaram em Portugal,onde a tolerância ainda é maior.

■ A união de Castela e Aragão, emais tarde a anexação de Granada,formou o território do que mais tar-de se chamará Espanha. Isabel Imorrerá aos 53 anos, em 26 de no-vembro 1504. A viagem que finan-ciou de Colombo resultou na desco-berta da América. A inquisição per-derá força com o tempo mas só serádefinitivamente abolida na Espa-nha no século XIX.

Bibliografia consultada: Histor ical Tables , de S.H. Steinbger, Mac Millan & Co. Ltd., London, 1966;La Ba j a Edad Med ia , co leção d i r i g ida por JoanEvans, Editorial Labor SA, Barcelona, 1968: History

of Ideas, da Macquarie Library, Australia, 1983; TheMedieval and Renaissance World, edição de EsmondWright, The Hamlyn Publishing, London, 1979; Pe-dro Á l va re s Cabra l : 500 anos , de João de Matos

Proença e outros, edição da Faculdade de Filosofiada UFRGS, Porto Alegre, 1969; Savonarola, de LuisMaría Lojendio, Editorial Aster, Lisboa, s/d.; Ascen-são e Queda da Casa dos Medici - O Renascimento em

Florença, de Christopher Hibbert, Companhia dasLetras, São Paulo, 1993; Encic lopedia Universal Ilus-trada - Europea Amer icana, editora Espasa-Calpe,Madrid, 1928.

Morte de dois opostos

O inquisidor-geralTomás de Torquemada

O dominicanoGirolamo Savonarola

Uma sala de interrogatório da Inquisição: perguntas capciosas de um manual castelhano

Isabel I,de Castela,faz 49 anos num momento em que seu reino está virando potência européia

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Armando MendesDa equipe do Correio

lorença —Leonardo daVinci, pintor,a r q u i t e t o ,músico, geô-metra, enge-nheiro e cien-tista, está de

volta a Florença, sua cidade natal.Chegou neste mês de abril, depoisde passar por Mântua e Veneza. Aos48 anos de idade, famoso e reco-nhecido, é um refugiado de guerra.No final de 1499, foi obrigado a fu-gir de Milão, onde vivia há 18 anos,para não cair prisioneiro dos inva-sores franceses que ocuparam a ci-dade no ano passado — e acabamde capturar Ludovico, o Mouro.

Na mesma época em que Leonar-do fugia de Milão, chegou a Romaoutro grande arquiteto do Renasci-mento: Donato Bramante. E poucodepois da partida da frota de Cabralde Lisboa, em março de 1500, o reidom Manuel I de Portugal deu iní-cio à construção do Mosteiro dosJerônimos, à margem do Tejo, umponto alto da exuberante arquitetu-ra manuelina.

Esta constelação de eventos se-parados por poucos meses pareceindicar algumas coisas que estãoacontecendo na arquitetura e nasartes européias neste momento.Leonardo, o homem de mil ta-lentos que sintetiza o ideal doRenascimento, está em plenaatividade. Já pintou uma obra-prima, a Última Ceia, no re-feitório do mosteiro domini-cano de Santa Maria delleGrazie, em Milão. Acredita-seque fará outras obras geniais.

Já a chegada de Bramante aRoma coincide com o momen-to em que a iniciativa artística earquitetônica da Europa passade Florença para a cidade dospapas. Este ano de 1500 poderáentrar para a história como a di-visa entre dois momentos doRenascimento: o começo tosca-no e florentino, nos anos 1400, eo Alto Renascimento romano,dos anos 1500.

Florença foi o centro artísticoda Europa no Quattrocento. Ro-ma poderá fazer o mesmo pa-pel no Cinquecento. Floren-ça apresentou ao mun-do Giotto, Brunelles-chi, Leonardo da Vinci.Roma poderá consa-

grar Michelangelo, Bramante e umtalentoso discípulo de Pieruginoque se chama Rafael e já anda crian-do melhor que seu mestre. A van-guarda artística do Ocidente mudade lugar, mas permanecerá na pe-nínsula itálica.

Outra península européia, a ibé-rica, é o lugar de uma vanguar-da diferente: a que faz avançar atécnica das navegações, impul-siona a conquista de novas ter-ras e alimenta o impulso impe-rialista da Europa. Mas, comopara demonstrar que as mu-danças políticas, artísticas etecnológicas se dão por sal-tos desencontrados, Portu-gal e os reinos de Aragão eCastela estão na retaguardada pintura e da arqui-tetura européiasneste momento.O Mosteirodos Jerôni-mos, em

Belém, é o exemplo.Hoje em dia, Florençajá acolhe grandes pal-lazzos, igrejas e capelasrenascentistas.

Roma e Florença jáestão longe da Idade Média e deseu misticismo exacerbado. Até

suas novas igrejas sugeremoutra mentalidade, outra reli-

giosidade, mediada pela ra-zão e pelo humanismo resga-

tado dos textos clássicos. Mas acidade de Lisboa, hoje em dia,ainda está coberta por umavelha capa medieval. O estilomanuelino do Mosteiro dosJerônimos que ora está sendoerguido é a última manifes-tação significativa da arqui-

tetura gótica na Europa.E o gótico é a mais

refinada lingua-gem arquitetô-

nica da IdadeMédia.

Nas cidades-estadoitalianas onde o idealrenascentista já se fir-mou, está mudandotambém a posição so-cial dos pintores, es-

cultores e arquitetos. Os mestresconstrutores da Idade Média eramhumildes artesãos que se contenta-vam em transmitir de pai para filho,de aprendiz para mestre, o conheci-mento prático das técnicas cons-trutivas. Os artistas do Renasci-mento querem mais. Querem serreconhecidos como eruditos e estu-diosos no mesmo nível intelectualdos poetas e filósofos.

Arquitetos como Leone BattistaAlberti, de ampla educação huma-nista, não se contentam em apren-der técnicas empíricas de constru-ção. Aplicam a matemática aos pro-blemas construtivos, estudam sis-tematicamente as proporções geo-métricas dos monumentos do Im-pério Romano e da Grécia Antiga,

teorizam sobre as leis que re-gem a beleza arquitetônica. Os pintores encaram sua arte co-

mo instrumento para especular so-bre as leis da natureza e os misté-rios do universo. Leonardo da Vincié um dos artistas mais preocupadoscom isso. Quer demonstrar que apintura também deve ser conside-rada uma arte liberal equiparada àsartes liberais codificadas por Aristó-teles, como a Gramática, a Dialética,a Retórica e a Geometria (e contra-

postas às atividades manuais eartesanais indignas de um ho-mem do pensamento). Tem ra-

zão, pelo menos no caso dele ede alguns de seus contempo-râneos geniais, como Miche-

langelo e Alberti. Juntos, elesdefinem para os séculos vindou-

ros, o que é o gênio artístico.

■ Nos cinco anos seguintes à suachegada a Florença, Da Vinci pin-tará a Mona Lisa. Donato Bra-mante apresentará o projeto revo-lucionário do tempietto de S. Pe-dro em Montorio, em Roma — umacapela (templo pequeno, daí o ape-lido que os romanos lhe deram) deplanta circular que obedece a seve-ras regras geométricas e emulaconscientemente os templos gregosda Antigüidade (veja imagem à

esquerda). Bramante será tam-bém o autor do projeto da

nova Basílica de São Pe-dro, o templo maisimportante da IgrejaCatólica Romana.

CurtasAs embaixadasHá uma novidade na relação entre os reinos ecidades da Europa. O rei de Aragão, Fernando II,mandou instalar uma espécie de embaixada emalgumas cidades da península itálica. O rei copiouessa nova arma para os negócios internacionaisdos próprios italianos. Por lá, todo o estado, dequalquer tamanho, tem um agente permanentenas capitais de seus principais rivais.

Da Vinci em Florença

Luto de abrilO abastado clã dos Médici, financistas de Florença, atravessa mais umluto em abril. No último dia 9, os Médici lembraram os oito anos damorte de Lourenço, o Magnífico (imagem à direita), que ajudou artistascomo Leonardo da Vinci e Sandro Brotticelli. Agora, dentro de três dias, a 26 de abril, lembrarão o 22º aniversário do assassinato de Giuliano,irmão de Lourenço. Giuliano foi morto em 1478 num atentado nacatedral metropolitana de Florença. O arcebispo, cúmplice do complô,foi capturado e dependurado de uma das janelas do Palazzo Vecchio.

‘‘Aquele que despreza a pintura, que é a única imitação dos todas as obras visíveis da natureza, certamente desprezará a sutil invenção que aporta a filosofia e a fina especulaçãoà natureza de todas as formas — mar e terra, plantas e animais, grama e flores — envolvidasem sombra e luz. A pintura é verdadeiramente uma ciência, a ciência nascida da natureza.’’

Leonardo da Vinci

Albrecht Dürer, auto-retrato, 1500. O alemãoDürer é o mais‘‘italiano’’ dos pintoresdo norte da Europa. É oprimeiro pintor a fazerdiversos auto-retratos

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Sandra LefcovichDa equipe do Correio

ecnochtitlan— Piorou o es-tado de saúdedo imperadorAhuízotl, deTecnochtitlan,capital do im-pério asteca.

No ano passado, quando estava nosaposentos baixos dos jardins do pa-lácio, ele tentou fugir da violênciadas águas do aqueduto da cidade,bateu no umbral da porta e feriu-se.

A água jorrou aos borbotões dafonte, crescendo incessantemente,inundou o local e causou pânico noimperador que correu para escapar.

Ainda não é possível saber a gravi-dade da enfermidade do imperador,mas comenta-se que este pode ser oinício de um fim melancólico paraum governante que, em 14 anos,transformou a capital numa dasmais belas e imponentes cidades domundo.

Tecnochtitlan encontra-se noapogeu. A capital asteca reúne maishabitantes do que qualquer metró-pole da Europa: entre 250 mil e 500mil mexicas vivem nesta Venezad’além mar. Erguida em 1325 sobuma ilha ovalada, no centro do ex-tenso lago, a cidade de mil hectares

está unida à terra firme por meio detrês calçadas que convergem nocentro religioso e servem como prin-cipais artérias do tráfico.

A visão é deslumbrante: o conjun-to de 78 templos piramidais e palá-cios em torno da praça ocupa umretângulo gigantesco, cercado porum muro no qual se distinguem ascabeças de enormes serpentes. Tec-nochtitlan tem verdes jardins ebrancos edifícios localizados nocentro de lagos azuis circundadospor altas montanhas.

Entronizado desde 1486, Ahuí-zotl, inclinado à guerra e à ostenta-ção, vem tornando realidade o queele acredita ser o destino grandiosodo povo do Sol, que começou a sedestacar há menos de cem anos,quando, aliados aos monarcas deTexcoco e Tlacopan, venceram ostepanecas, que dominavam todo oplanalto central do continente.

Ahuízotl consolida melhor queninguém o poderio do império, aosubmeter 45 novos povos — sãoagora 327 as etnias subjugadas aosmexicas. O imperador estende osseus domínios de oceano a oceano,ao conquistar pela primeira vez o li-toral Pacífico.

Além das campanhas militares,duas obras marcam, até agora, o rei-nado de Ahuízotl. Antes do aquedu-to, ele concluiu a edificação do tem-

plo maior, uma monu-mental pirâmide de 30metros dedicada aHuitzilopochtli, deussupremo do Sol e daguerra, e a Tláloc,deus da água eda fertilidade.Para cele-brar a proe-za, o impe-rador haviae m p re e n -dido umacampanhamilitar du-rante doisanos, reu-nindo 20 milvítimas. Os ca-tivos, colocados emduas fileiras, foram dis-postos para que Ahuízotl ini-ciasse a espantosa tarefa de ar-rancar o coração das vítimas, segui-do por outros guerreiros.

■ Em 1503, Ahuízotl morrerá em con-seqüência do acidente sofrido trêsanos antes, na inundação de Tec-nochtitlan. Em 1519, a mando de 400espanhóis, Hernán Cortés desembar-cará pela primeira vez na capital as-teca. Começará o crepúsculo do impé-rio, destruído pelos invasores no anoseguinte.

Bibliografia consultada: Culturas de la Amér icaIndígena, de Wolfgang Haberland, Fondo de CulturaEconómica, México, 1974; De Tehotihuacán a los azte-

cas , de Miguel León-Portilla, Universidad NacionalAutónoma de México, 1972; La vida cotidiana de losaztecas , de Jacques Soustel le , Fondo de Cultura

Económica, México, 1956; Los aztecas , de EduardoMatos Moctezuma, Lunwerg Editores, Barcelona,1989; Historia de los Inkas, de Roberto Ojeda Esca-

lante, Lexus Editores, Espanha, 1999; Historia del Ta-huantinsuyu, de Maria Rostworowski de Diez Canse-co, editora do IEP, Lima, 1999.

Imperador enfermo

Poder nas mãosde um só homem

Cuzco — Huayna Capac, o 11º In-ca, sempre levanta-se cedo paratrabalhar nos assuntos do Estado efaz a refeição principal do dia entreoito e nove da manhã. É o retratodos tempos atuais, de muita inquie-tação, na capital Cuzco. Tambémpudera: o Tahuantinsuyu (Estadoinca) cresceu demasiado em ape-nas setenta anos.

O poder está concentrado nasmãos de um único homem, o impe-rador, em uma única cidade, Cuzco,localizada no coração dos Andes.

Tido como descendente do Sol,Huayna Capac governa por direitodivino cerca de dez milhões de habi-

tantes, lutandopara manter e au-mentar o reinado,apesar da escas-sez de meios detransporte e deproblemas de co-municação.

Isso porque oimpério ocupaum território apa-rentemente semlimites de norte asul e domina asflorestas virgensamazônicas àsmargens do Pací-fico.

Não há para Huayna Capac, jo-vem chefe, rico em virtudes, muitoo que conquistar: ao Sul encon-

tram-se os indomáveis mapuche, aLeste, as tribos das selvas. Todoseles em regiões desconhecidas epouco atrativas para os incas.

O norte era habitado, até recente-mente, por povos de uma cultura pa-recida aos incas, que poderiam serassimilados. E é nesta direção queHuayna Capac fez a sua primeira ex-pedição, anos depois de 1493, quan-do tornou-se imperador. Lá domi-nou os rebeldes chachapoyas, incor-porando as selvas tropicais do altoAmazonas. (SL)

■ O 11º Inca completará a obra deseus antecessores ao incorporar novosterritórios e pacificar com rigor ecrueldade as regiões que não haviamsido subjugadas por completo. Elemorrerá em 1525. Poucos anos de-pois, a guerra entre os seus filhos pelasucessão do trono e a chegada dos es-panhóis darão o golpe de misericór-dia na civilização inca.

Tecnochtitlan,vista pelos

castelhanos.Huitzilopochtli

é o deusmáximo dos

astecas

Correio no mundo

INDEPENDÊNCIA - Os camponeses de Dithmarschen, uma região germânica, acabam de garantir suaindependência. No dia 17 de fevereiro passado, resistiram à ocupação do rei João, da Dinamarca, que chegou

com 20 mil homens. Os camponeses recuaram para Hemmingstedt, atraíram o exército dinamarquês eabriram as comportas, deixando as tropas submersas. O rei João fugiu e renunciou aos planos de conquista.

■ O rei João, morto em 1513, jamais conquistou Dithmarschen, território que hoje pertence à Alemanha.

TERRA - Maximiliano I,imperador germânico, pareceque quer tudo ao mesmotempo. Ele, que adora as festaspopulares e é um apaixonadopor caça, também é um homemculto. Fala seis línguas (latim,alemão, francês, italiano, inglês eboêmio), é versado emmatemática e história, e aindapratica pintura, música, poesia earquitetura.Agora, no último dia12 de abril, herdou mais umnaco de terra para seu império:a região de Gorizia.

■ Maxilimiliano I viveu até 1519.Gorizia hoje é uma região quepertence à Itália.

PALÁCIO - Comenta-seque a dinastia Ming está er-guendo uma obra que ficarápara a história. É o palácioimperial da Cidade Proibida,em Pequim, cuja construção,demoradíssima, começouem 1368 e ainda prossegue.

■ O palácio foi concluído em1644 e é uma das principaisatrações de Pequim.

REGIÕES GELADAS —Gaspar da Corte Real, capitão

português está no meio doAtlântico. Quer chegar às

regiões geladas que ficam nonorte, em paralelo à Europa.

■ Ao fim da viagem, Corte Realterá passado pela Groenlândia e

vai aportar em Labrador, terra quemais tarde se chamará Canadá.

EM BUSCA DAS ILHAS —Diogo de Lepe, navegador

castelhano, está no Atlântico, jápassou pelas terras ao sul do

Equador e agora navega nadireção norte. Está próximo à

foz do rio Orinoco. Quer chegaràs ilhas encontradas por

Cristovam Colombo em 1492.No começo deste ano, Lepeesteve ao sul do Equador, na

Terra de Vera Cruz.

■ Na foz do rio Orinoco, Lepeencontrará um país que, parecido

com Veneza, se chamará ‘‘pequenaVeneza’’, ou Venezuela.

Huayna Capac foi o 11º imperador inca. Ponchos de24 desenhos e jóias de ouro só para os privilegiados

O bem-sucedido governo de Ahuízotl na capital asteca pode estar chegando ao fim

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Ana Beatriz Magno Da equipe do Correio

ntem Pedro Ál-vares Cabralavistou a terra,hoje NicolauCoelho pisouno Novo Mun-do. Encontrouhomens de co-

res e modos diferentes. São pardos,de pele avermelhada, e jeito afável.Não se envergonham de suas vergo-nhas, andam nus, mas, vaidosos,pintam o corpo e o rosto. Sua pele élisa, sem pelos, barba ou bigode. Nacabeça, usam chapéus de penas; nopescoço, colares de contas. Desco-nhecem artilharia, carregam arcos esetas, parecem flechas.

Só hoje os portugueses percebe-ram que há gente nestas paragens.Ontem, os marinheiros apenas viramum monte, alto e redondo, que bati-zaram de Pascoal. Os navios estavama seis léguas da costa, mas já era tardepara uma aproximação. Cabral achoupor bem passar a noite no mar.

O sol mal despontara quando ocomandante ordenou o levantar dasâncoras. Os 12 barcos zarparam nadireção da praia. As embarcaçõesmenores foram na frente. Com oprumo nas mãos, os marujos iammedindo a profundidade. A novebraças, o comandante mandou an-corar. Estavam em frente à foz de umrio de águas escuras, o Cahy. Eramdez horas da manhã, e apenas meialégua separava os portugueses deseu achado.

Pendurados sobre a amurada dosbarcos, os marinheiros viram sete ouoito homens andando pela praia, se-gundo informaram os tripulantes dosbarcos mais próximos da costa. Ca-bral convocou todos os capitães parauma reunião. Precisavam decidir amelhor maneira de desembarcar e aestratégia para possíveis confrontos.

Decidiram mandar um único ho-mem: Nicolau Coelho. É o mais expe-riente piloto entre os quase 1500 tri-pulantes da frota — em 1498, Nicolaucomandou um dos quatro barcoscom que Vasco Gama descobriu o ca-

Bibliografia consultada: Os 14 primeiros Documentos Re-lativos à Armada de Pedro Álvares Cabral, coletânea, O Desco-brimento do Brasil, de Max Justo Guedes, e A NavegaçãoAtlântica dos Portugueses em 1500, de Jorge Semedo de Ma-

tos, publicações da Comissão Nacional para as Comemo-rações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1999; Lis-boa Ultramarina, 1415-1580, organização de Michel Chan-deigne, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1990; História da

Colonização Portuguesa, organização de Carlos MalheiroDias, Litografia Nacional, Porto, 1922; História Geral do Bra-sil, volume I, de Francisco Adolfo Vanhargen, Melhoramen-tos, Rio de Janeiro, 1948; História Concisa de Portugal, de Jo-

sé Hermano Saraiva, Publicações Europa-América, Lisboa,1998; A Fundação do Brasil, de Darcy Ribeiro e Carlos deAraújo Moreira Neto, Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Ja-neiro, 1992.

Curtas

Primeiro encontro

O obediente fidalgo

Cabral é umsujeito de sorte.Fidalgo, nascidoem Belmonte, nãodominava as artesnaúticas, jamaisnavegara em maraberto até que, emfevereiro deste ano,dom Manoel oescolheu paracomandar a maiorfrota da históriadas navegaçõeseuropéias. A missãooficial é chegar às Índias e láconvencer os rajás hindus de quevale a pena negociar com osportugueses.

Segundo filho de umatradicional família de guerreiros,

Cabral, é um homem ponderado.Antes de embarcar, consultouvárias vezes o bem sucedido Vascoda Gama. Dele recebeu uma cartacom instruções de como procederem alto-mar. Obedeceu a todos os

conselhos.

■ Cabral e seushomenspermancerão nasterras brasileiras por10 dias. No dia 1º demaio, içarão velaspara as Índias. NoCabo dasTormentas,enfrentarão umaterrível tempestadeque engolirá quatrobarcos, entre eles o

de Bartolomeu Dias, primeirohomem a dobrar o Cabo, em 1488.Depois de passar pelas Índias,Cabral voltará a Lisboa, em 1501, ecairá no ostracismo até morrer,entre 1520 e 1521.

Antes, chegouYáñez PinzónEm janeiro de1500, três mesesantes de Cabral,o castelhanoVicente YáñezPinzón atracouna Terra de VeraCruz, perto deum cabo rochoso. ‘‘É o lugar demais luz da terra’’, disse. Batizoua região de Santa Maria de LaConsolación. Seguindo viagem,cruzou com a gigantesca foz deum rio. Agora, está explorandoas ilhas que ajudou Colombo aencontrar em 1492.

■ A terra que Pinzón batizou deSanta Maria de Consolación seráchamada de Cabo de SantoAgostinho, em Pernambuco. Afoz do rio é o Amazonas.

Corvo de ColomboCristovão Colombo sofre. Háseis meses, o almirante passa osdias na ilha de São Domingostentando contornar motins doscolonizadores. Nos últimos diasfoi traído também pela sorte: asífilis devorou 25% dapopulação e desmoralizouAdriano de Muxica, o líderregional apoiado pelo almirante.

■ A situação em São Domingosvai piorar durante o primeirosemestre de 1500. Em 23 deagosto de 1500, chegará à ilha ointerventor espanhol Franciscode Bobadilha, comendador deCalatrava. Em outubro, ocomendador prenderá Colomboe o despachará para a Espanha.

Cordialidade: português pede que os nativos baixem os arcos e flechas. Eles obedecem e baixam

Personagem da Notícia

minho das Índias. Para chegar à praia,Nicolau passou para um pequeno ba-tel, barco especial para águas rasas.

Enquanto Nicolau se aproximavasolitário da foz do Cahy, aumentava onúmero de nativos que o aguardavamnas areias. Primeiro eram dois, poucodepois viraram dezoito ou vinte. Car-regando arcos e flechas, aqueles ho-mens correram decididos para o ba-tel. Nicolau fez sinal com as mãos pa-ra que pousassem os arcos. Eles en-tenderam, pousaram.

Nicolau não faz idéia da língua fala-da por seus anfitriões. Comunicaram-se por gestos. O português fez as vezesde embaixador. Entregou três presen-tes para as cabeças dos vinte nativos.Deu-lhes um barrete vermelho, umatouca; uma carapuça, espécie de gor-

ro de linho; e um sombreiro preto, umchapéu de copa cônica e alta. Elesadoraram, desconhecem a maciez doalgodão. Retribuíram a gentileza.

Nicolau ganhou um colar grande,feito de pequenas continhas brancas,ao que indica tiradas do fundo do mar.Os nativos também lhe deram um es-quisito sombreiro redondo e vazado.Mais se assemelha a uma coroa. É feitode longas penas vermelhas e marrons.

A troca de presentes acabou quan-do o mar encrespou. Nicolau retor-nou, embarcou na nau capitânia econtou o que se passou a seus cole-gas. O escrivão Pero Vaz de Caminhaanotou os detalhes deste que foi o pri-meiro encontro entre um português eos pardos homens do Novo Mundo, aTerra de Vera Cruz.

Nicolau Coelho pisa na terra nova e troca presentes com nativos que o aguardavam na praia

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orreio — Quandovocês viram terrapela primeira vez?Pero Vaz de Cami-nha — Na quarta-feira, pela manhãtopamos aves aque chamam fura-

buxos. Neste dia, a horas de véspera,houvemos vista de terra!Correio — Qual foi a primeira paisagem que vocês viram?Caminha — Primeiramente dum grandemonte, mui alto e redondo; e doutras ser-ras mais baixas ao sul dele; e de terra chã,com grandes arvoredos; ao monte alto oCapitão pôs nome — o Monte Pascoal e àterra — a Terra de Vera Cruz.Correio — Cabral mandou a frota se aproximar da terra?Caminha — Mandou lançar o prumo.Acharam vinte e cinco braças; e, ao solposto, obra de seis léguas da terra, surgi-mos âncoras, em dezanove braças. Alipermanecemos toda aquela noite.Correio — O que aconteceu hoje,quinta-feira,23 de abril?Caminha — Fizemos vela e seguimos di-reitos à terra, indo os navios pequenosdiante, até meia légua da terra, ondetodos lançamos âncoras em frente àboca de um rio.Correio — O que se avistava a meia légua da terra?Caminha — Homens que anda-vam pela praia, obra de sete ouoito.Correio — O senhor desembar-cou?Caminha — O capitão-mormandou em terra no batel a Ni-colau Coelho para ver aquele rio.Correio — E como reagiram os homens à aproximação de Nicolau Coelho?Caminha — Acudiram pela praiahomens, quando aos dois, quandoaos três, de maneira que, ao chegar obatel à boca do rio, já ali havia dezoitoou vinte.Correio — Como eram?Caminha — Eram pardos, todos nus,sem coisa alguma que lhes cobrisse suasvergonhas. Nas mãos traziam arcos comsuas setas.Correio — O que Nicolau Coelho fez?Caminha — Nicolau Coelho lhes fez sinalque pousassem os arcos. Eles os pousa-ram. Os arcos são pretos e compridos, assetas também compridas e os ferros de-las de canas aparadas.Correio — Foi possível conversarcom eles na praia?Caminha — Ali não pôde deles haver fa-la, nem entendimento de proveito, por omar quebrar na costa.Correio — Mas houve algum tipo de contato,de comunicação?Caminha — Nicolau Coelho deu-lhes so-mente um barrete vermelho e uma cara-puça de linho que levava na cabeça e umsombreiro preto.Correio — E os homens retribuíram?Caminha — Um deles deu-lhe um som-breiro de penas de ave, compridas, comuma copazinha pequena de penas ver-melhas e pardas como de papagaio; e ou-tro deu-lhe um ramal grande de conti-nhas brancas, miúdas que querem pare-cer de aljaveira. E com isto se volveu àsnaus por ser tarde e não poder haver de-les mais fala, por causa do mar.Correio — Eles usam chapéusou sombreiros?Caminha — Uns trazem por baixo da so-lapa, de fonte a fonte para detrás, uma es-pécie de cabeleira de penas de ave ama-relas, que seria do comprimento de umcoto, mui basta e mui cerrada, que lhescobre o toutiço e as orelhas. E pega aoscabelos, pena a pena, com uma confei-

ção branda como cera, de maneira que acabeleira fica mui redonda e mui basta, emui igual, e não faz míngua mais lava-gem para a levantar.Correio — Os homens desta terraparecem saudáveis?Caminha — A feição deles é serem par-dos, maneira de avermelhados, de bonsrostos e bons narizes, bem feitos. Eles an-dam muito bem curados e muito limpos.Os corpos seus são tão limpos, tão gordose formosos, que não pode mais ser.Correio — E as mulheres são bonitas?Caminha — Bem moças e bem gentis,com cabelos muito preto e compridospelas espáduas, e suas vergonhas tão al-tas, tão cerradinhas e tão limpas das ca-beleiras. Vi moça tão bem feita e tão re-donda, e sua vergonha tão graciosa, que amuitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por nãoterem a sua como ela.

Correio — Elas também andam nuas?Caminha — Todos andam nus, sem co-bertura alguma. Não fazem o menos casode encobrir ou de mostrar suas vergo-nhas; e nisso têm tanta inocência comoem mostrar o rosto. Correio — O senhor avistou crianças?Caminha — Vi uma mulher moça, comum menino ou menina ao colo, atadocom um pano (não sei de quê) aos peitos,de modo que apenas as perninhas lheapareciam. Mas as pernas da mãe nãotraziam pano algum.Correio — Eles andam nus,só com essas cabeleiras de penascoloridas e sem nenhuma outracobertura ou enfeite?Caminha — Uns andam quartejados decores, a saber, metade deles da sua pró-pria cor, e metade de tintura preta, a mo-dos de azulada; e outros quartejados deescaques. Vi um que andava tinto de tin-tura vermelha pelos peitos, espáduas,quadris, coxas e pernas até baixo, mas osvazios com a barriga e o estômago eramde sua própria cor.Correio — Essa tintura não saido corpo quando eles se banhamno rio ou no mar?Caminha — A água a não come nemdesfaz a tintura. Antes, quando sai daágua, parece mais vermelha. Vi umamoça que trazia ambos os joelhos, com

as curvas assim tintas e também os co-los dos pés; e suas vergonhas tão nuas ecom tanta inocência descobertas, quenisso não havia vergonha alguma.Correio — O que mais chamou sua atenção além da nudeze dos corpos pintados?Caminha — Eles trazem os beiços debaixo furados e metidos neles seus os-sos brancos e verdadeiros, de compri-mento duma mão travessa, da grossuradum fuso de algodão, agudos na pontacomo furador.Correio — Os ossos não incomodampara falar ou comer?Caminha — São encaixados de tal sorteque não os molesta, nem os estorva nofalar, no comer ou no beber.Correio — O que eles comem,como sobrevivem no meio do arvoredo?Caminha — Não comem senão desseinhame, que aqui há muito, e dessa se-mente e fruitos, que a terra e as árvoresde si lançam.Correio — Eles não plantam?Caminha — Eles não lavram, nem criam.

Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra,nem ovelha, nem galinha, nem qual-

quer outra alimária, que costumadaseja ao viver dos homens.Correio — E mesmo assim

parecem saudáveis?Caminha — Andam tais e tão ri-jos e tão nédios que o não somosnós tanto, com quanto trigo e le-gumes comemos.Correio — Eles bebem vinho?Caminha — Mal põem a boca.Não gostam nada. Mas, parece-me, que se lho avezarem, o bebe-rão de boa vontade.

Correio — Eles não lavram,mas a terra é fértil,boa para plantar,tem água?

Caminha — Águas são muitas: infin-das. E em tal maneira é graciosa que,

querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tu-do, por bem das águas que tem.Correio — Tem ouro e prata?Caminha — Não pudemos saber que ha-ja ouro, nem prata, nem coisa alguma demetal ou ferro; nem lho vimos. Porém aterra em si é de muito bons ares, assimfrios e temperados. Tem, ao longo domar, nalgumas partes, grandes barreiras,delas vermelhas, delas brancas; e a terrapor cima toda chã e muito cheia de gran-des arvoredos. De ponta a ponta, é tudopraia-palma, muito chã e muito formosa.Correio — Como são as matas,o arvoredo?Caminha — O arvoredo é tanto, tama-nho, tão basto e de tantas prumagens,que homem as não pode contar. Há entreele muitas palmas, de que se colhemmuitos e bons palmitos.Correio — Os homens desta terra têm casas? Como são elas?Caminha — São tão compridas, cadauma, como esta nau capitânia. São demadeira, e das ilhargas de tábuas, e co-bertas de palha, de razoada altura; todasduma só peça, sem nenhum repartimen-to, têm dentro muitos esteios; e, de esteioa esteio, uma rede atada pelos cabos, alta,em que dormem. E tem cada casa duasportas pequenas, uma num cabo, outrano outro. Dizem que em cada casa se re-colhem trinta ou quarenta pessoas.Correio — Eles são alegres?Caminha — Dançam e folgam, uns dian-te dos outros, sem se tomarem pelasmãos. E fazem-no bem. Correio — Parecem pessoas dóceis,afáveis com estranhos.Caminha — São muito mais nossos ami-gos que nós seus. Andam mais mansos eseguros entre nós, do que nós andamosentre eles.

A entrevista foi produzida a partir da carta de Pero Vaz de Caminha na versão adaptada pelo historiador português Jaime Cortesão

Na noite de hoje, 23 de abril, o tesoureiro Pero Vazde Caminha, 50 anos, português do Porto,recebeu areportagem do Correio Braziliense a bordo da naucapitânia chefiada pelo capitão-mor Pedro ÁlvaresCabral. Na entrevista, Caminha falou de suasprimeiras impressões sobre a terra nova encontradapela frota e mostrou-se bastante impressionado

com a inocência e a naturalidade com que a gentedesta terra expõe suas vergonhas. Caminha tambémencantou-se com os corpos limpos, bonitos e sadios,embora essa gente, segundo ele, não plante nemcrie. Também falou sobre a paisagem da nova terra,muito farta de arvoredos e águas. A seguir, osprincipais trechos da entrevista:

Caminha lê seu relato da terra nova nanau capitânia: nem ouro, nem prata

a André PetryDa equipe do Correio

São gordos e formosos, que não pode mais ser

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Lisandra Paraguassú Da equipe do Correio

isboa — Deum lado, acruz. De ou-tro, a inscriçãoDom ManuelI, Senhor daC o n q u i s t a ,Navegação e

Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia eÍndia. É assim o Português, a novamoeda que começa a circular emPortugal para comemorar a con-quista do caminho das Índias pelonavegador Vasco da Gama.Cunhado em ouro, o Por-tuguês será a moeda demais alto valor no paíse na Europa.

É mais um dos tan-tos dinheiros que cir-culam hoje em Portu-gal. Irá dividir espaçocom os cruzados de ou-ro e prata, os reais, e osreais brancos. No entanto,em vez de atrapalhar, acre-ditam seus defensores,o Português deverá aju-dar a Coroa, princi-palmente no comér-cio exterior.

Desde o cruzado,cunhado em 1481 pordom Afonso V, não setem no país uma moedade tão alto valor. Dom Afon-so mandou fazer os cruzadoscom a intenção de que não houves-se em lugar algum comerciante queos recusasse, justamente porqueseriam uma moeda bastante valio-sa. Os cruzados, assim batizadosem homenagem às expedições pa-ra livrar a Terra Santa dos infiéis,deveriam sustentar os guerreirosna luta para livrar a cidade de Cons-tantinopla dos mouros. No entan-

to, a expedição nunca foi concreti-zada. Mas ficaram as moedas.

Desta vez, o Português tem tam-bém uma função fora das fronteirasde Portugal. Dom Manuel pretendeusá-lo para negociar as especiariascom os soberanos das Índias. PedroÁlvares Cabral, que lançou-se aomar para seguir o caminho abertopor Vasco da Gama, levou Portugue-ses para comprar a boa vontade dopríncipe de Calicute, o samorimGlafer, e fundar uma feitoria noprincipado.

Na viagem de Vasco da Gama,apesar da boa quantidade de espe-

ciarias trazidas e do incrívellucro de 6.000%, os negó-

cios não foram tão bonscomo deveria se espe-rar, justamente pelafalta de bens valio-sos. Acostumados areceber presentes

magníficos, cercadospor pedras, tecidos e

materiais preciosos, ossamorins desprezaram as

poucas prendas levadaspara as Índias. Os por-

tugueses tiveram queusar alguns de seuspertences para ten-tar encantar o samo-rim. Foi em vão.

A Coroa apostaagora na nova moeda,

feita com o ouro que vemdas minas da fortaleza de

São Jorge da Mina, no golfo daGuiné, na África. A principal razãodos novos Portugueses é impressio-nar aqueles que o rei dom Manuelpretende que passem a ser os maisimportantes parceiros comerciaisdo país. Se aceitarem as moedas, oscomerciantes das Índias poderãoconcordar em abastecer os naviosportugueses com especiaria vari-adas e, quem sabe, o tesouro real

volte a ver tempos de prosperidade. Desde os anos de 1400, quando a

Coroa investiu nas expedições deconquista na costa norte da África, oscofres do reino andam em más con-dições. Tudo começou com a cidadede Ceuta que, se até a conquista foraum ativo centro comercial, depois

passou a ser, como bem disse em1425 o rei dom Pedro, ‘‘mui bom su-midoiro de gente, de armas e de di-nheiro’’. A tentativa da conquista deTânger serviu para aumentar aindamais o déficit nas contas do país, e asdívidas do reino fizeram os preçosaumentarem pelo menos seis vezes.

Nestes tempos bicudos, quasetodas as cortes do continente vi-vem da mão para a boca, tentandoequilibrar gastos sempre crescen-tes com rendas incertas. O Estadovem ganhando funções e responsa-bilidades cada vez mais amplas. Aprimeira solução é sempre impormais tributos a nobres, comercian-tes e ao povo em geral. Mas a tole-rência dos súditos a novos impos-tos tem limite, e logo os reis euro-peus se vêem obrigados a pedir di-nheiro emprestado para fechar ascontas. A dívida pública faz parteda vida da maior parte das corteseuropéias.

Os banqueiros da península itáli-ca, os mais sofisticados do mundo,fazem grandes negócios aprovei-tando a penúria dos estados euro-peus. Florentinos, genoveses e ve-nezianos emprestam dinheiro àscortes de Lisboa, Valladolid (Caste-la), Londres e outras grandes capi-tais européias. Como costumaacontecer com banqueiros, um ou

outro vai perder a cautela e o sensode medida diante do dinheiro fácil,e terminará falindo. Mas, de formageral, e desde que não embarque

em especulações muito arriscadas,este é um negócio seguro e lucrati-vo para o banqueiro.

A Coroa portuguesa tem um mo-

tivo a mais para se endividar comos banqueiros florentinos e geno-veses (os venezianos são rivais nocomércio oriental das especiarias):pratica um verdadeiro capitalismode Estado para financiar as expedi-ções de descobrimento. Investeparte dos capitais necessários, pegade volta parte dos lucros e adminis-tra um monopólio.

Seu instrumento para isso são ascasas, agências estatais que contro-lam com mão de ferro todo o co-mércio entre Lisboa e as terras hápouco alcançadas na África e noOriente. Há a Casa da Guiné e Mi-na, a Casa da Índia. E o principalmonopólio português é o da pi-menta, o ouro negro de Malabar.Outros estados europeus tambémdominam, cada um, o comércio deum produto: o reino de Castelacontrola a prata; a França, o sal; aSuécia, o cobre. Mas só Portugal,até agora, criou estruturas adminis-trativas tão rígidas para manter seumonopólio.

Bibliografia consultada: História Econômica Geral e doBrasil, de Hilário Franco Jr. e Paulo Chacon,Atlas, SãoPaulo, 1980; História Geral da Economia, de Max Weber,

Editora Mestre Jou, São Paulo, 1968; História de PortugalPopular e Ilustrada, de Manuel Pinheiro Chagas, volumesIV e V, F. Correa Lima e Cia., Rio de Janeiro, s/d; A Concise

History of Portugal, de David Birmingham, CambridgeUniversity Press, Cambridge, 1993; Civilização Material,Economia e Capitalismo, de Fernand Braudel, volume I,

Martins Fontes, São Paulo, 1998; História Concisa de Por-tugal, de José Hermano Saraiva, Publicações Europa-América, Lisboa, 1998.

Coroa cria novamoeda de ouroCom alto valor,o novo dinheiro de Portugal servirá para atrair a atenção dos soberanos indianos

O recurso aos impostos

As armas e o retrato de dom Manuel na capa dos documentos de administração do reino

A manipulação do dinheiro: estados que vivem da mão paraa boca que recorrem com freqüência aos banqueiros

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Por um mundo novochegada dafrota de Ca-bral ao rioCahy não éum aconte-c i m e n t oímpar peladescoberta

de novas terras. Navegadorescastelhanos já haviam aporta-do por essas bandas, ainda quebem mais ao norte, de modoque os reis da Europa já sa-biam que, depois do Mar Ocea-no, muito depois dele, terrahavia. O que chama a atençãono episódio ocorrido ontemno litoral de Pindorama é a ex-trema cordialidade com que osportugueses receberam os ho-mens desta terra — e os ho-mens desta terra receberam osportugueses.

No primeiro contato, elestrocaram sinais, trocaram ges-tos, trocaram olhares curiosose trocaram presentes. E volta-ram, cada um para seu lugar,os portugueses às suas naus,os homens desta terra às suascasas, cada um a seu destino,

carregando um inevitável es-tranhamento, já que somostodos tão diferentes uns dosoutros, mas com os coraçõesem paz.

Nas terras mais ao norte, achegada dos navegadores cas-telhanos não se deu sob umclima tão pacífico. Parece queesses navegadores não simpa-tizaram com os astecas, nemos astecas com eles.

Será que a boa surpresa deportugueses, a boa acolhidados homens nus e corpos pin-tados, será que o desejo de co-municação mesmo sem umaúnica palavra comum é pre-núncio de uma era de cordia-bilidade, de pacifismo e de tro-ca de conhecimentos e expe-riências? Será que essa simpa-tiza, essa cordialidade de am-bos os lados, selará o início deuma relação equilibrada e depaz? Aconteça o que aconte-cer, deseja-se, desde já, que oencontro à praia desses ho-mens, deles brancos, deles ver-melhos, seja o início de ummundo novo de verdade.

De que lugar chegam esses ho-mens estranhos, de vestes pesadasque desconhecem a inclemência dosol por essas bandas, de pêlos norosto como em nenhum de nós seapresenta, e que a tudo observamcomo se jamais em suas vidas tives-sem visto gente assim como nós,parda e desavergonhadamente nua,gente a quem mais tarde chamarãode nativos, ou de nativos selvagens,e mais adiante de brasis por habitar-mos terras a que darão o nome deBrasil?

Parecem mansos e receptivos co-mo aos olhos deles igualmente de-veremos parecer, tão diferentes deoutros, como nós, que por vezes ati-ram flechas em nossas casas, violame roubam nossas mulheres, captu-ram e matam nossos filhos e sobreos quais desaba em revide toda aforça e toda a fúria dos tupinambás,pois outra maneira não há de reagirquando a guerra interrompe a placi-dez da vida em contato direto com anatureza.

Estávamos na margem esquerdado rio Cahy quando os vimos pelaprimeira vez, para muito além daencosta onde a terra se torna verme-lha como a nossa pele e desce em li-nha quase vertical na direção domar, desse mar onde vez por outrabanhamos nossos corpos e curamosnossas feridas, sem jamais, contudo,ousar singrá-lo em canoas toscasfeitas sob medida para cursos deáguas mais tranqüilas, assim comoesse a que chamamos de Cahy.

O mar engole os rios e nos devolveo que sobra deles em forma de tem-pestade, e assim foi desde temposimemoriais até a esse sol, quandodele emergiram os seres estranhosque nos contemplam primeiramen-

te à distância, que em seguida gesti-culam como se pedissem para dei-tarmos ao chão arcos e flechas quecarregamos nos ombros e, que umavez satisfeitos em seu desejo, seaproximam em silêncio respeitoso,oferecem o que têm e recebem o quelhes damos.

O que poderá advir desse encon-tro na praia entre gentes de costu-mes tão diferentes, incapazes deemitir um único som compreensívelao ouvido alheio, e que no entanto,por mais distintas que possam pare-cer, acabam de uma forma ou de ou-tra se assemelhando porque perten-cem, sem dúvida, a uma mesma es-pécie espalhada por terras que co-meçam onde o mar acaba, e por ou-tras, assim como a nossa, que aca-bam na beira do mar?

Aqui não há um único guerreiro,por certo, moço ou velho não im-porta quanto, cujo pai, ou o pai doseu pai, ou o pai do pai do pai dele,tenha um dia se despedido da famí-lia, dado as costas para o mar e ca-minhado terra a dentro por muitossóis e muitas luas, a perder a memó-ria do quanto andou, e retornadoafinal com a certeza de que há, sim,um limite para o que imaginamossimplesmente não ter mais fim.

Em terra tão vasta e onde há detudo que mata a fome de muitas bo-cas, cabem aqueles como nós quenão precisam do muito que a pró-pria terra pode oferecer sem tantoesforço, e ainda sobra espaço paratodos os que aqui cheguem em paz equeiram se instalar com bons pro-pósitos, partilhar conosco as nossasmulheres, misturar o seu sangue aonosso sangue, até o dia em que elessejamos nós e em que nós sejamoseles. Pois que seja assim.

RICARDO NOBLAT

Que venham em paz

Edição: Ana Beatriz Magno e André Petry. Pesquisa e texto: Alethea Muniz,Alexandre Botão,Armando Mendes, Carlos Alexandre, Leonardo Meireles, Lisandra Paraguassú, Mércia Santana eequipe do Cedoc, Ricardo Noblat e Sandra Lefcovich; Projeto gráfico: Chico Amaral; Ediçãode arte: André Rodrigues, Marcelo Ramos e Toni Lucena; Diagramação: Marcelo Ramos;Ilustração: Junior; Agradecimento: aos funcionários da Biblioteca Central da Universidadede Brasília, UnB.

CARTAS DOS LEITORES

Aos interessadosA família Simas comunica

que foi agraciada, por sorteio,com a primeira semana de Pe-tencostes deste ano de 1500com visita do Divino EspíritoSanto da nossa freguesia deBiscoitos (Terceira-Açores) re-presentada pela bandeira, co-roa e cetro. Todas as noites es-taremos recebendo na nossacasa os amigos para a reza doterço diante do altar armado nanossa sala de visitas. Na noitede quinta-feira distribuiremosas roscas para aqueles que nosacompanharem. No domingopela manhã distribuiremos asesmolas de pão e carne aos po-bres que baterem à nossa por-ta. Em seguida, iremos em pro-cissão, com o menino Impera-dor, até a Igreja assistir à missae receber a bênção. Serviremosdepois um almoço de carne(“alcatra açoriana’’), pão e vi-nho a todos que participaremda procissão, o qual será segui-do de desafios cantados por co-nhecidos cantadores, desta-cando-se o Machadinho.Roldão Simas Filho,leitor do Correio há cinco anos

Um bom lugarNo ano de 1500, o português

Pedro Álvares Cabral , comapoio de dom Manuel, rei dePortugal, se lançou na aventu-ra de descobrir novas terras.Saindo de Portugal com suafrota de treze navios e muitosauxiliares no dia 9 de março domesmo ano. Em seu périplo,observava tudo que pudesseservir de orientação na buscade novos caminhos. Observou,inclusive, a direção de vôos depássaros. Na sua rota, teve di-versas visões; no dia 21, encon-trou ervas marinhas, sinal deterra próxima; dia 22, avistou omonte Pascoal, nome que deupor estar em plena semana dapáscoa; hoje, dia 23, os naviosse aproximaram da terra e lan-çaram âncoras. Está previstopara amanhã, dia 24, que osnavios fiquem fundeados naenseada da praia de Coroa Ver-melha; dia 25, deverão estarreunidos todos os navios queparticiparam da exploração; eno próximo domingo, dia 26,deverá ser celebrada a primei-ra missa. Esperamos que estaterra descoberta por Cabral se-ja um lugar cada vez melhor dese viver.Natal Martins,leitor do Correio há seis anos

O paraísoQuanta beleza, meu Deus!

Que maravilha! Pedro ÁlvaresCabral mostrava-se surpreso edeslumbrado. Pura simulação,pois o desvio de rota não fora sópor cálculo e estudo, como poruma viagem anterior de queguardara sigilo bem o que que-ria, aonde desejava aportar. Na-da de partir para a Índia, masencontrar os índios. Uma sema-na depois da partida de Portu-gal as Canárias ficaram ao lon-ge. As ilhas do Cabo Verde, ondemarinheiros, tripulantes e de-gredados desejavam água e re-pouso também ficaram paratrás. Muitos estranharam masnão ousavam nada perguntarao contramestre. E assim a ar-mada seguia viagem pela voltado mar, e as 13 naus dançavamcomo sardinhas sobre as águasrevoltas, ora poisavam, dias edias, como pétalas num lagotranqüilo, no mar das calma-rias, quando o gajeiro deu a no-tícia inesperada para muitos deterra à vista. E que terra! De lon-ge se podia ver um verde inten-so, de uma cor que só as pintu-ras do Paraíso retratavam iguais.Riachos que presumiam fontespuras já podiam ser vistos à me-dida em que as caravelas seaproximavam. E havia gente.Descobriu-se que o lugar abun-dava de árvores e que haviamuita gente caminhando pelapraia. As âncoras foram lança-das na foz de um pequeno rio. Ocapitão mandou baixar um ba-tel ao mar e ordenou que se ve-rificasse que tipo de gente eraaquela. Os homens da armadanotaram que era gente de corparda — entre o branco e o ne-gro —, de boa compleição e decabelos compridos. Notaramainda que andavam nus comotinham nascido, sem vergonhanenhuma.

A terra tem donos, portanto.Há necessidade de conquistá-la. Por bem ou por mal. Comosomos europeus, brancos, ci-vilizados e cultos tudo deverácorrer maravilhosamente paraeles e para nós. Evangelizare-mos esse povo, propondo-lheou impondo-lhe a fé católica.Não devastaremos suas matase f lorestas nem poluiremosseus rios e nascentes. Tudo,enfim, será cuidadosamentepreservado, principalmente oíndio e suas tradições. Afinal,somos brancos, europeus, ci-vilizados e cultos. O futuro di-rá como essas previsões seconcretizaram.Lúcio Flávio,leitor do Correio há oito anos

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Leonardo MeirelesDa equipe do Correio

á quatro dias,no último dia19 de abril,muitos luga-res da Itáliarepetiram umbelíssimo es-petáculo pú-blico ao pra-

ticar o esporte que comemora a res-sureição de Cristo. São as corridaspascoais, que a cada ano têm rece-bido um número maior de partici-pantes, que saem de suas casas paracorrer, observar a maratona ou sócelebrar o Domingo de Páscoa. Cor-redores e espectadores encheram asruelas de várias localidades, mas afesta mais numerosa de que se temnotícia aconteceu na cidade-estadode Florença, epicentro cultural daregião — e contou com a bênçãodas autoridades da Igreja Católica.

Em tempos passados, a Igrejaquase acabou com o esporte de cor-rer pelas ruas, mas atualmente oclero tem visto essas manifestaçõespopulares com bons olhos, poisconseguiu incorporá-las aos seuscultos. As corridas pascoais, assim

como as cruzadas e as viagens peloMar Oceano, estão ajudando a fazercom que os habitantes dos reinos daEuropa voltem a dar importância àpreparação física, como aconteciana civilização grega. E até os padrestêm aderido a práticas esportivas.

Sabe-se que muitos têm partici-pado do gioco del calcio, ou jogo dopontapé, em que duas equipes de 27pessoas procuram a posse de umabola e tentam passá-la por cima dedois postes. Não há regras exataspara a prática do jogo, mas acredita-se que seja um esporte de futuro,pois tem sido acompanhado pormuita gente.

Os bretões também praticam umesporte parecido com o gioco delcalcio, chamado soule, ou sol. O es-porte faz parte do treinamento mili-tar dos bretões e é praticado da se-guinte maneira: a bola é confeccio-nada com bexiga de boi ou porco, eos jogadores usam mãos e pés. Asmetas ficam em cidades diferentes,de modo que os times atravessamcampos, florestas e rios para chegarao seu objetivo. Mas são muitos oscasos de morte, em especial por afo-gamento, quando a bola cai em riosde águas profundas e traiçoeiras.

É curioso ver corridas pascoais e

gioco del calcio atraindo interesseporque, até hoje, os esportes quemais fazem sucesso na Europa têmorigem em práticas militares, comoa esgrima, além, é claro, das antigase populares Justas e Torneios, quedivertem de nobres a plebeus. NasJustas, dois cavaleiros, vestidos comarmaduras pesadas e empunhandoum escudo e uma lança, corremcom seus cavalos um em direção aooutro e tentam se acertar. Nos Tor-neios, que começaram no reino daFrança, dois grupos, formados porinúmeros cavaleiros, um chefe e umporta-estandarte, simulam umaguerra. Mas as mortes e os ferimen-tos são reais, tanto nos Torneiosquanto nas Justas.

Parece que os impérios, reinos educados e mesmo as cidades-esta-dos da Europa estão passando poruma transformação. O que antes erameio de sobrevivência está virandoesporte com regras definidas. É ocaso do arco e flecha e das caças. Osnobres têm praticado a caça comfalcão e a caça de feras, os tipos maiscomuns hoje na Europa. A caça comfalcão é feita em descampados paracapturar coelhos e animais peque-nos, e a caça de feras é nas florestas,para pegar javalis, porcos-do-mato,

veados, grandes animais.E as transformações não se esgo-

tam nisso. Há notícias de que estãose popularizando jogos pacíficos esem contato físico. La Giocosa deMantova, a academia que o senhorVittorino Rambaldoni (1378-1446)criou, tem ajudado até a populari-zar um esporte aquático, que elechamou de natação. Outro esportemuito calmo que está se tornandoconhecido é o xadrez. Há três anos,o castelhano Juan Ramirez Lucenapublicou o livro Repetición de Amo-res e Arte de Ajedrez em 501 Juegos dePartido e, a partir desse manual, aspeças que antes se chamavam car-ros, cavalos, elefantes, soldados, reie vizir, como no distante Oriente,agora começam a ser chamadas depeões, torres, bispos, cavalos, rei erainha. E o português Damiano Pe-dro, um boticário da cidade de Ode-nira, tem dito que, nos próximosanos, lançará um livro que revolu-cionará ainda mais o xadrez. É espe-rar para conferir.

■ Quem, em abril de 1500, apostasse nofuturo do gioco del calcio recolheria umavitória estrondosa: o gioco del calcio é aorigem do que, cinco séculos depois, seráo esporte mais popular do planeta sob onome de futebol.

Bibliografia consultada: III Encontro Nacional de Históriado Esporte, Lazer e Educação Física, coletânea de vários auto-res, CNPQ, Curitiba, 1995; História Geral da Educação Física,de Aluizio Ramos Accioly e Inezil Pena Marinho, Cia Brasil,

Rio de Janeiro, 1956; Os exercícios físicos na história e na arte- Do homem primitivo aos nossos dias, de Jayr Jordão Ramos,Ibrasa, São Paulo, 1982; Pictorial History of American Sports,de John Durant e Otto Bettmann,A.S Barnes and Company,

Toronto, 1952; Apontamentos para uma história do xadrez &125 partidas brilhantes, de Fernando de Almeida Vasconcel-los, Da Anta Casa Editora, Brasília, 1991; A vida quotidianados astecas nas vésperas da conquista espanhola, de Jacques

Soustelle, Itatiaia, Belo Horizonte, 1962; O Guia dos Curiosos,de Marcelo Duarte, Companhia das Letras, São Paulo, 1996;Todos os esportes do mundo, de Orlando Duarte, MakronBooks, São Paulo, 1996.

O sucesso dascorridas pascoais

Entre as lutas e a diversão

O espetáculo que mais atraiu a atenção popular aconteceu na cidade-estado de Florença

Cada região do mundo tem ummodo próprio de encarar o esporte.Enquanto os habitantes da Europacomeçam a difundir esportes semcontato físico e sem inspiração mili-tar, aqui nestas terras novas, que cas-telhanos e agora portugueses estãodescobrindo, a prática esportiva épura diversão ou, em alguns casos,metáfora de cunho religioso. Já dooutro lado do mundo, no Japão e naChina, seus habitantes praticam es-portes sempre com objetivo militar— em geral, são lutas corporais.

No Japão, há dois tipos de comba-tes mais populares. Um deles é o nin-jutsu, que une armas e mãos, e é pra-ticado por guerreiros ninjas, merce-nários contratados por senhores feu-dais para se infiltrar em fileiras ad-versárias e matar seus oponentes. Ooutro é o sumô, criado há 1 500 anose praticado como forma de defesa. Osumô tem sido usado para arrecadardinheiro para a construção e restau-ração de templos budistas e xintoís-tas, as religiões mais populares entre

esses povos do Oriente.O jiu-jitsu (arte suave) começou

com os monges budistas indianos,no começo deste século. Mas os ja-poneses gostaram tanto da luta quejá tomaram-na para si. Na China, asduas modalidades mais praticadashoje em dia são o kung-fu e o tai-chi-chuan. A primeira, que significa lutarcom habilidade, foi criada por agri-cultores com o objetivo de defendersuas terras e também é chamada dewushu. Já o tai-chi-chuan é pratica-do há mais de 5 500 anos e foi criadopara traduzir as lendas e mitos dopaís em forma de gestos.

Enquanto do outro lado do mun-do o esporte é luta, os povos destasterras novas daqui divertem-se demodo diferente. Os nativos da regiãonorte deste continente, por exemplo,gostam de praticar um jogo que osfranceses chamam de lacrosse. O jo-gador carrega uma bola, que podeser uma pedra ou uma fruta, dentrode uma cesta feita de cabelos ou pê-los de animais. A cesta com a bola é

colocada na ponta de um bastão. Ojogador deve levá-la ao gol oposto.

Entre os astecas, há dois esportesprincipais: a caça e o tlachtli. Co-menta-se que o imperador dos aste-cas gosta de levar visitantes para seupalácio para exibir-se usando a zara-banata. É um cano, feito debambu, no qual o guerreirosopra uma bolinha de barroe acerta pássaros e outrosanimais pequenos. O tlach-tli é também chamado dejogo da palma. Nele, duaspessoas, ou um grupo depessoas, dividem-se emum campo delimitadopor uma linha no meio epassam uma bola deborracha por meio detapas. Aquele que dei-xar a bola quicar maisde uma vez no chão, perde. Paraos astecas, o esporte também temobjetivo religioso: a bola significao Sol, esse astro que é objeto dedevoção para eles. (LM)

As Justas, violentasdisputas entre dois

cavaleiros dearmadurascarregando

escudos e lanças,são o esporte que

mais divertenobres e plebeus da

Europa

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Guerra sem fimna região centralCarlos AlexandreDa equipe do Correio

les são os se-nhores do pla-nalto centraldesta novaterra. Conhe-cidos pela fe-rocidade dosataques aos

inimigos e pela extrema habilidadepara a caça, os Kayapó são os índiosmais temidos e odiados da região.As incursões desse grupo são con-hecidas em um raio de mais de milquilômetros. Eles são nômades efamosos pela resistência contra oinimigo. Exímios caçadores e muitohabilidosos na arte de esmagar crâ-nios com golpes de porrete, costu-mam matar os homens e aprisionarmulheres e crianças quando inva-dem uma aldeia.

As guerras intertribais marcam arealidade entre índios às vésperasdo novo século. A dominação de ter-ras e a vitória sobre grupos rivais éuma das diretrizes mais importan-tes para a sobrevivência das tribos.Apesar da agressividade dos Kayapóna porção central desta terra, os Tu-pinambá, que pertencem às naçõesde língua Tupi, estão vencendo nes-se cenário de guerra. Depois de mi-grar do norte, lá onde ficam as flo-restas mais verdes e imensas, elesestenderam seus domínios por boaparte do litoral.

A valorização do espírito guerreiroé a justificativa para a realização degrandes ritos na sociedade Tupi-nambá. Nessas festas, o prisioneiroestá pintado de preto e untado comresina para a cerimônia. Capturadodurante a batalha, ele é centro dasatenções e motivo de glória para osvencedores do conflito. O algoz en-feitado com um manto de penas ver-melhas começa o diálogo sagradocom o cativo:

— Não sabes que tu e os teus ma-taram muitos parentes nossos emuitos amigos? Vamos vingar essasmortes. Nós te mataremos, assare-mos e comeremos.

— Pouco me importa — respondeo condenado. Quantas vezes me en-chi com a carne da tua nação! Ade-mais, tenho irmão e primos que mevingarão.

O carrasco prossegue com a suamissão. Ergue o tacape e desfere umgolpe matador na nuca do inimigo,que cai ao chão sem vida. Seguem-se então os procedimentos que vãoculminar na grande festa tupinam-bá: o canibalismo.

A dominação do inimigo, eviden-temente, tem razões estratégicas. OsTupi (Tupinambá, Tupiniquim, Ta-moio e outros) desceram do granderio que corta a floresta imensa do

norte e avançam pelo sul em dire-ção ao litoral, zona mais rica em

nutrientes do que a mata fe-chada ou o sertão. O esgotamentodo solo, exaurido com as plan-

tações e colheitas de milho e man-dioca, e a caça também motivamas tribos a invadirem territórios detribos inimigas.

Outras razões, de cunho reli-gioso e espiritual, servem de pa-no de fundo para os conflitos. Abusca da Terra Sem Males é oque move muitas tribos, em es-pecial as do ramo Tupi, e as fazvencer todas as adversidades.Esses guerreiros buscam o paraí-so terrestre, o que motiva a mi-gração dos índios Tupi em dire-ção ao litoral desta terra imen-sa. Enquanto não chegam nesseparaíso, habitam a chamadaPindorama.

A rivalidade é estimulada emgrande parte pelo sentimentode vingança. Os Tupinambásadotam a antropofagia por-que acreditam que ao devoraro inimigo ficam imbuídos doespírito guerreiro. A glorifi-cação da valentia também severifica entre os derrotados:é preferível ser canibalizadoem conseqüência do comba-

te a morrer por doençaou atacado por uma ferada floresta.

Nesse cenário belicoso, as tri-bos Tupi assumiram o controle da

costa. Os índios pertencentes aotronco língüístico Jê dominam o pla-nalto central desta nova terra e, tam-bém, a região mais ao norte quecompreende dois rios grandes.

Entre os grupos tribais pertencen-tes à genealogia Jê, os Kaiapó assu-mem maior expressão no interiordesta nova terra. É improvável que achegada do novo século representeuma trégua entre as centenas degrupos tribais pulverizados pela ter-ra de Pindorama. A hostilidade e aguerra, que traduzem o nível extre-mo das diferenças culturais entre astribos, devem manter-se no cotidia-no das tribos para os próximos anos.

Bibliografia consultada: Os Índios e a Civilização, de DarcyRibeiro,Vozes, Rio de Janeiro, 1977. História dos Índios no Brasil,

de Manuela Carneiro da Cunha, Companhia das Letras, SãoPaulo, 1992. Brasil,Terra à Vista, de Eduardo Bueno, LPM Edito-

res, Porto Alegre, 2000. Índios do Brasil, de Julio Cezar Melatti,Coordenada Editora de Brasília, Brasília, 1970. História da Terra

e do Homem no Planalto Central, de Paulo Bertran, Solo Edito-res, Brasília, 1994.

Análiseda Notícia

Uma questãoem aberto

As constantes guerras entrediferentes grupos tribais são umproblema que começaram nesteséculo XV. Por enquanto, asupremacia dos grupos tupi éevidente, mas ainda não parecedefinitiva para uma terra ondevivem mais de 5 milhões dehabitantes.

Rivalidades entre civilizaçõese povos distintos sempremarcaram a história dahumanidade. É do conflito deinteresses que os povos surgem,conquistam, crescem e morrem.Por essa razão, pode-se inferirque a cena política entre asnações indígenas destas terrasnovas é instável. Mesmo entre osgrupos dominantes, não háintenção declarada deconquista, como ocorre com ascivilizações inca e asteca.

Nesse contexto, seráinteressante observar a entradano cenário de um novopersonagem. Os europeus queaportaram por aqui ontem, comevidente interesse em ganhar asimpatia dos Tupinambá,certamente exercerão algumainfluência nas relações, pacíficasou hostis, entre as tribos. É umaquestão em aberto para o futuro. (CA)

O manto dos Tupinambá, soberanos na costalitorânea: Pindorama antes do paraíso

Os povos desta nova terra: guerra tribais, práticas de canibalismo e a procura por um local onde não haja mal algum

A valorização do espírito guerreiro é a justificativa para as batalhas na sociedade Tupinambá

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Adeus,pergaminhoAlethea MunizDa equipe do Correio

i n c u n á b u l oestá com osdias contados.Enquanto es-critores holan-deses e ale-mães estãodisputando a

autoria da imprensa entre Guten-berg e Coster, os editores vêm apro-veitando de maneira inteligente a in-venção. Trata-se do oitavo e do grifo,duas pequenas inovações que pro-metem transformar os incunábulos— livros enormes de transporte qua-se impossível — em volumes tão pe-quenos a ponto de serem até carre-gados no bolso.

A idéia é trocar a tipografia góticaimpressa em pergaminho, que imitaos manuscritos do século passado,pela ‘‘cursiva aldina’’ impressa empapel de formato in-octavo. Por se-rem mais simples, os novos caracte-res compõem páginas muito areja-das, leves e elegantes. O autor dessafaçanha chama-se Aldo Manúcio epossui um prelo em Veneza há exatosdez anos. Para inaugurar o novo for-mato, ele está planejando reeditar oclássico Virgílio, com lançamentoprevisto para o próximo ano.

Por enquanto, Manúcio está pre-parando os tipos com os novos ca-racteres, desenhados por FrancescoGriffo. Quando questionado sobre acursiva inventada, Manúcio respon-de que pediu algo inspirado na letrado poeta italiano Petrarca (1304-1374), um dos mais lidos atualmente.Mas Griffo diz que se baseou na cali-grafia de Bartolomeo Sanvito, trans-critor da página final doPurgatório, segunda epenúltima parte de ADivina Comédia, do ita-liano Dante Alighieri(1265-1321), outro popu-lar no momento.

Aliás, se tivesse conhecido as ma-ravilhas da tipografia, Petrarca talveznão precisasse mais se preocuparcom a reprodução dos seus textos.Autor de mais de 400 poemas em ita-liano e alguns outros em latim, opoeta propôs a escritura autógrafa(em vez de copiada por escriba) des-tinada à circulação limitada. Com is-so, ele pretendia evitar as reprodu-

ções errôneas dos copistasprofissionais e manifestaras intenções que presidi-ram a composição da obra.Ele mesmo chegou a co-piar várias delas para im-pedir a ‘‘corrupção dotexto’’ reproduzido pelos

copistas, tão parecido com o originalque ele dizia não saber mais distin-guir um do outro.

Com a facilidade da impressão, oslivreiros e impressores estão conse-guindo colocar ao alcance de umagrande clientela textos que antes sócirculavam no mundo restrito dos le-trados. Para se ter idéia do que issosignifica, quando a tipografia foi in-ventada, há 50 anos, havia cerca de100 mil exemplares circulando. Hoje,estima-se que haja 9 milhões de vo-lumes por toda a Europa. Sem falarnos prelos, que cresceram extraordi-nariamente: há cerca de mil prelosem mais de 250 localidades, 150 so-mente em Veneza. É difícil imaginar

o quanto essas cifras poderão subircom as inovações de Manúcio.

Até agora, cada incunábulo temno máximo 200 exemplares por edi-ção. Mas a expectativa, com a re-dução do tamanho do volume, é pro-duzir edições com 500 exemplares.Embora o número de prelos aumen-te a cada dia, ninguém arrisca editarincunábulos sem leitores certos. Porisso a maioria dos impressos são li-vros religiosos, jurídicos, poemas epequenos textos com narrativas épi-cas e algumas comédias.

Os editores também seguem a ten-dência dos artistas. Assim como ospintores e escultores recuperam a es-tética grega e romana em suas obras,os textos clássicos renascem na lite-ratura e, graças aos prelos, estão maisacessíveis. Foi o próprio Aldo Manú-cio quem imprimiu a primeira ver-são tipográfica de Aristóteles, emgrego, há dois anos. Há mais tempo,em 1494, também publicou a Gra-mática Grega, de Lascaris.

Entre os autores preferidos dos ti-pógrafos estão Boccaccio e DanteAlighieri. A Divina Comédia ganhounove edições em incunábulos, de1472 a 1493, e está previsto que ga-nhe outras sete nos próximos 20anos. É um livro bastante especial,muito apreciado dentro e fora da re-gião da Itália. Os europeus apreciame buscam comprar as coleções de vo-lumes múltiplos, que reúnem grandenúmero de obras já publicadas. Masimpressionante mesmo é a procurapela Bíblia, obra que marcou a pri-meira impressão tipográfica de Gu-tenberg, há 40 anos, e deve se prolife-rar com o oitavo, que facilitará otransporte do livro sagrado.

■ De fato, os incunábulos sumiram eas inovações de Manúcio significaramuma revolução semelhante à provo-cada hoje pela Internet. Só no Brasil,atualmente, são publicados 369 mil-hões de exemplares por ano. A Bíbliaainda é o grande best seller da hu-manidade.

Bibliografia consultada: A Palavra Escrita, de WilsonMartins, Editora Ática, São Paulo, 1996; O Aparecimentodo Livro, de Lucien Febvre e Henry-Jean Martin, Editora

Unesp, São Paulo, 1991; A Ordem dos Livros, de RogerChartier, Editora UnB, Brasília, 1994; A Construção do Li-vro, de Emanuel Araújo, Editora Nova Fronteira, Rio de

Janeiro, 1986; A Aventura das Línguas no Ocidente, de Hen-riette Walter, Editora Mnadarim, São Paulo, 1997; Enciclo-pédia Ilustrada de Pesquisa — Conhecer 2000, Editora No-

va Cultural, São Paulo, 1995; História da Civilização Oci-dental, de Edward McNall Burns, Editora Globo, Rio deJaneiro, 1959.

CurtasAdágios de ErasmoSempre envolvido em polêmicas religiosaspor defender idéias consideradas ‘‘liberaisdemais’’ pela Igreja, o erudito DesidérioErasmo (imagem ao lado), publica agora osseus Adágios. A obra reúne mais de 800provérbios gregos e latinos.

■ Será um notável trabalho de grandeimportância aos estudos clássicos.

Mudanças na escritaOs desenhistas ingleses ganharam umnovo alidado. Na Inglaterra, acaba de serinventado o lápis de grafite. Já estádisputando com a caneta de pena, apreferência dos que vivem da escrita e dodesenho. A invenção promete ganharmuitos adeptos e tende a se popularizar,já que seu custo é baixo.

Duas estátuasHá quatro anos queMichelangelo encontra-se emRoma. Está por lá esculpindo APietà, que combina duasestátuas de mármore emtamanho natural numa peça só.

■ Ele voltará a Florença em 1501para esculpir seu célebre Davi.

Personagem da Notícia

Editor tambémé escritor

O editor Aldo Manúcio nasceu na década da in-venção da tipografia, mas nunca pensou em tra-balhar com essa técnica até completar 40 anos deidade. Seus estudos foram os de um aplicado hu-manista: cursou latim em Roma e grego em Ferra-ra, com o célebre Guarino.

Ao instalar a própria oficina em Veneza há dezanos, ele nada sabia de tipografia, mas estava de-

cidido a imprimir pessoalmente as grandes obrasda Europa. Minucioso, é conhecido na cidade pe-las edições rigorosamente exatas, autênticas, cor-rigidas palavra a palavra. Chega a dizer que daráum escudo de ouro a quem encontrar qualquererro em suas edições.

Em três anos, Manúcio chegou a publicar maisde 40 volumes de clássicos, entre os quais Teócrito,Aristóteles e a Gramática Grega, de Lascaris. Atépouco tempo esse trabalho exaustivo era realiza-do apenas por ele. Com a demanda de pedidos,porém, decidiu se valer de alguns humanistas dereputação segura e fundou a Aldi Neacademia,

com estatuto redigido em grego.Os membros se reúnem em dias fixos, na casa

de Manúcio, e discutem questões literárias, esco-lhas de livros a imprimir, problemas referentes aotexto clássico. Todos têm o mesmo cuidado do edi-tor, embora Manúcio esteja sempre por perto e ve-rifique cada edição pessoalmente. Aos 50 anos,quatro filhos, também encontra tempo para escre-ver o próprio livro. Está preparando a GramáticaLatina, que será editada no ano que vem. (AM)

■ Manúcio morrerá em 1515. Um de seus filhos,Paulo, continuará o ofício do pai.

Impressão de um livro: só em Veneza estima-se que haja cerca de 150 prelos

A Bíblia de Gutenberg:sucesso editorial

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