Artigo 2007 anuario_rh_flexiseguranca

2
H á uns tempos atrás circulou pela internet uma história de um português que foi fazer um es- tágio numa fábrica na Suécia. Contava o português que ao deslocar-se para a fábrica, ele e o colega sueco que o acompanhava chegaram cerca de meia hora mais cedo. O sueco deixou o carro estaciona- do no parque da fábrica a uns bons 70 ou 80 me- tros da entrada, ao que o português perguntou “mas se tens lugares vagos perto da entrada da fábrica porque é que estás a deixar o carro tão longe?”. A resposta foi elucidativa “Nós temos tempo, por isso podemos fazer o percurso a pé e deixar os lugares vagos para os colegas que chegam mais em cima da hora”. Esta história é uma boa lição sobre a diferença de atitudes, e o impacto que as mesmas têm numa so- ciedade. Falar de flexisegurança num País como Portugal, com uma mentalidade laboral ainda muito arreiga- da a valores como a competitividade pelo baixo custo da mão-de-obra, é apenas uma forma de pas- sar o tempo. Num País onde a lei protege a incompetência, onde é necessário ser altamente criativo para poder dis- pensar os colaboradores que não têm condições pa- ra ser competitivos, num mundo que cada vez mais exige às empresas que sejam competitivas, falar em flexibilizar as relações de trabalho só pode ser mes- mo um exercício de retórica. Andamos todos a enganar-nos uns aos outros. Andamos todos a querer mostrar seriedade sem ser- mos sérios. No “Estado” (as aspas são deliberadas) ensinam-nos a protelar a precariedade com contra- tos sucessivos, tentando adiar ad eternum a falta de vínculo. O Código do Trabalho introduziu a novidade de po- der renovar mais uma vez os contratos a termo cer- to, por um período mínimo de 1 ano e máximo de 3. O que eu mais ouvi, pelos finais de 2003 foi a frase “agora podemos ter as pessoas a termo até 6 anos”. Isto não é flexibilizar, isto é aumentar a precarieda- de de emprego, aumentar o período em que se pode sempre utilizar a espada do medo de não renovar o contrato, para manter ao serviço as pessoas não nu- ma perspectiva de valorização mas sim de falta de alternativa. Sinceramente... e para quem está familiarizado com a gestão de recursos humanos, só ao fim de 6 anos é que se vai avaliar uma pessoa para saber se pas- sa ao quadro ou não? Então o que se anda a fazer durante os primeiros 6 anos? Não se avaliam as pessoas? Não se estabelecem objectivos? Não se definem planos de desenvolvimento pessoal? Não se procura conhecer melhor as pessoas para as renta- bilizar colocando-as nos postos mais adequados às suas competências? E estas são apenas algumas das questões que continuam por responder na maior parte das nossas organizações. Andamos há anos a apregoar que “as pessoas são o nosso maior activo”, mas no fim de contas o que fazemos é deixar essas mesmas pessoas no limbo entre a renovação do contrato ou a caducidade do mesmo. Isto porque se passamos a pessoa ao qua- dro logo se instala o medo “e se o tipo depois co- meça a portar-se mal... não o podemos pôr na rua”. Também já vi muitas pessoas esperarem paciente- mente, que nem cordeirinhos, até ao fim do conheci- do “período experimental” para começarem a evi- denciar o que são verdadeiramente, ou seja, a da- rem razão aos empregadores para não lhes renova- rem os contratos, ou seja, a culpa não é só de um dos lados. De quem é a culpa? Enquanto a nossa atitude como sociedade não se in- verter, de nada vale andarmos a falar de flexisegu- Directório de Serviços e Soluções de Recursos Humanos – Anuário RH 2007 Flexisegurança 24 FLEXISEGURANÇA Uma questão de atitude Helder Figueiredo Director de Recursos Humanos

Transcript of Artigo 2007 anuario_rh_flexiseguranca

Page 1: Artigo 2007 anuario_rh_flexiseguranca

H á uns tempos atrás circulou pela internet umahistória de um português que foi fazer um es-

tágio numa fábrica na Suécia. Contava o portuguêsque ao deslocar-se para a fábrica, ele e o colegasueco que o acompanhava chegaram cerca de meiahora mais cedo. O sueco deixou o carro estaciona-do no parque da fábrica a uns bons 70 ou 80 me-tros da entrada, ao que o português perguntou “masse tens lugares vagos perto da entrada da fábricaporque é que estás a deixar o carro tão longe?”. Aresposta foi elucidativa “Nós temos tempo, por issopodemos fazer o percurso a pé e deixar os lugaresvagos para os colegas que chegam mais em cima dahora”.Esta história é uma boa lição sobre a diferença deatitudes, e o impacto que as mesmas têm numa so-ciedade.Falar de flexisegurança num País como Portugal,com uma mentalidade laboral ainda muito arreiga-da a valores como a competitividade pelo baixocusto da mão-de-obra, é apenas uma forma de pas-sar o tempo.Num País onde a lei protege a incompetência, ondeé necessário ser altamente criativo para poder dis-pensar os colaboradores que não têm condições pa-ra ser competitivos, num mundo que cada vez maisexige às empresas que sejam competitivas, falar emflexibilizar as relações de trabalho só pode ser mes-mo um exercício de retórica.Andamos todos a enganar-nos uns aos outros.Andamos todos a querer mostrar seriedade sem ser-mos sérios. No “Estado” (as aspas são deliberadas)ensinam-nos a protelar a precariedade com contra-tos sucessivos, tentando adiar ad eternum a falta devínculo.O Código do Trabalho introduziu a novidade de po-der renovar mais uma vez os contratos a termo cer-to, por um período mínimo de 1 ano e máximo de 3.

O que eu mais ouvi, pelos finais de 2003 foi a frase“agora podemos ter as pessoas a termo até 6 anos”.Isto não é flexibilizar, isto é aumentar a precarieda-de de emprego, aumentar o período em que se podesempre utilizar a espada do medo de não renovar ocontrato, para manter ao serviço as pessoas não nu-ma perspectiva de valorização mas sim de falta dealternativa.Sinceramente... e para quem está familiarizado coma gestão de recursos humanos, só ao fim de 6 anosé que se vai avaliar uma pessoa para saber se pas-sa ao quadro ou não? Então o que se anda a fazerdurante os primeiros 6 anos? Não se avaliam aspessoas? Não se estabelecem objectivos? Não sedefinem planos de desenvolvimento pessoal? Não seprocura conhecer melhor as pessoas para as renta-bilizar colocando-as nos postos mais adequados àssuas competências? E estas são apenas algumas dasquestões que continuam por responder na maiorparte das nossas organizações.Andamos há anos a apregoar que “as pessoas sãoo nosso maior activo”, mas no fim de contas o quefazemos é deixar essas mesmas pessoas no limboentre a renovação do contrato ou a caducidade domesmo. Isto porque se passamos a pessoa ao qua-dro logo se instala o medo “e se o tipo depois co-meça a portar-se mal... não o podemos pôr na rua”.Também já vi muitas pessoas esperarem paciente-mente, que nem cordeirinhos, até ao fim do conheci-do “período experimental” para começarem a evi-denciar o que são verdadeiramente, ou seja, a da-rem razão aos empregadores para não lhes renova-rem os contratos, ou seja, a culpa não é só de umdos lados.

De quem é a culpa?Enquanto a nossa atitude como sociedade não se in-verter, de nada vale andarmos a falar de flexisegu-

Directório de Serviços e Soluções de Recursos Humanos – Anuário RH 2007

Flexisegurança

24

FLEXISEGURANÇAUma questão de atitude

Helder FigueiredoDirector de Recursos Humanos

Page 2: Artigo 2007 anuario_rh_flexiseguranca

rança, porque isso é assunto para sociedades maisavançadas, que não olham para a relação laboralcomo uma luta entre 2 adversários, mas como umaparceria com ganhos para ambas as partes.Desenvolver relações ganhar-ganhar é o grandepasso que deveríamos dar durante os próximos 10anos pelo menos. Nas escolas já deveriam há muitohaver actividades e estratégias que conduzissem auma sociedade em que fosse valorizada a parceria,o “tu ganhas, eu ganho, nós ganhamos aindamais”.Em vez de competição, deveríamos apostar na coo-petição, competir para ganharem ambas as par-tes... e só depois deste ser um dos pilares das nos-sas atitudes enquanto sociedade, então sim falar deflexisegurança, ou seja, flexibilizar as relações la-borais num ambiente de segurança para quem tran-sita de uma ocupação para a outra, ganhando comisso a possibilidade de crescer através de mais trei-no, aquisição de novas competências, e com umaboa cobertura de risco por parte da sociedade.

Se avançarmos já para um modelo como a flexise-gurança corremos o risco de fazer tudo errado. Nãoé possível, sem a preparação adequada, querer im-plementar de imediato os aspectos positivos de ummodelo que demorou anos a ser consolidado.Com o índice de fuga ao fisco e à segurança socialque ainda temos, com o sentimento de que os suces-sivos Governos não conseguem estancar a hemorra-gia do crescimento da Despesa Pública (utilizandode forma inadequada o dinheiro dos impostos), coma atitude continuada de procurar ‘buracos’ nas Leis(ainda somos um País de chico-espertos), consideroque o caminho a seguir não deve ser imposto pordecreto.Devemos apostar como estratégia de País num bomsistema de educação que eduque as nossas criançaspara atitudes de sucesso, num bom sistema fiscalnão só com capacidade de fazer cumprir, mas tam-bém cumprindo a boa utilização dos dinheiros quesão de todos, e acima de tudo moralizando peloexemplo, e valorizando as pessoas.Se uma pessoa é valorizada, dará o melhor de si,elevando a sua auto-estima e capacidade de auto--motivação.Se nas empresas valorizarmos as pessoas, dando--lhes a possibilidade de obterem formação e treino,

avaliando as suas competências, definindo objecti-vos de desempenho e planos de desenvolvimento,proporcionando-lhes oportunidades de crescimento,certamente estaremos a contribuir para valorizar asociedade enquanto um todo.Prefiro 100 vezes proporcionar boa formação a 20Colaboradores, e correr o risco de perder para ou-tra empresa 2 ou 3 desses Colaboradores, do quenão proporcionar essa formação com medo que sevão embora.Escolhendo a primeira opção, pelo menos fico com17 Colaboradores com formação, e assim todos ga-nhamos. Ganho eu que fico com pessoas bem for-madas, ganha a concorrência que obteve pessoascom mais competências, e ganha o País porque va-loriza as suas pessoas.Se esta fosse a atitude de todos, aí sim poderíamosavançar para uma sociedade onde houvesse flexibi-lidade laboral e segurança para as pessoas quesaiam de um emprego para outro.Por enquanto acho que estamos a falar de uma uto-pia... mas temos que começar a trabalhar ontem naspremissas que nos levarão a um amanhã diferente emelhor.

Anuário RH 2007 – Directório de Serviços e Soluções de Recursos Humanos

Flexisegurança

25

Curriculum Vitae

Helder FigueiredoDirector de Recursos Humanos

Licenciado em Gestão de Recursos Humanos no ISLA - InstitutoSuperior de Línguas e Administração de Santarém.

Foi Director de Recursos Humanos da FNAC Portugal; Gestorde Recursos Humanos da Construtora do Tâmega, SGPS,SA; Senior Consultant da Accenture - Consultores deGestão, SA; Secretário-Geral do Núcleo da Região doSorraia da NERSANT, AE.

Membro dos Corpos Sociais da APG - Associação Portuguesados Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos