“A Bebedora de Absinto”...com o seu amigo Carlos Casagemas, viaja até Paris, onde contacta e...
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“A Bebedora de Absinto”
Artigo completo submetido a 13 de Maio de 2018
Ana Margarida Matos Nº10248 Faculdade de Belas Artes
UC Cultura Material- Professor Victor Almeida
Resumo: Ao longo deste artigo irá ser analisada a obra “A Bebedora de Absinto” de Pablo Picasso, onde vão ser referidas as suas principais características, destacando principalmente o papel do copo, como objeto camaleónico, tanto pela sua forma, como pelo seu conteúdo, e como extensão do ser humano. Palavras-chave: copo, Picasso, absinto, significado. Title: “The Absinthe Drinker” Abstract: Through this article, the painting “The Absinthe Drinker”, by Pablo Picasso is going to be analyzed, where some of the most important characteristics of this painting are going to be exposed, as well as the importance of the cup (glass), as a chameleonic object, because of its shape and content, and as an extension of the human being. Keywords: cup, Picasso, absinthe, meaning.
Introdução
Picasso foi um dos maiores pintores da história. Dono de uma vasta obra, rica em
temáticas e qualidade técnica, ainda hoje o seu legado se assume como referência para muitos
artistas. Assim, neste artigo, partindo de uma das obras de Picasso, “A Bebedora de Absinto”,
(Figura 1), procura-se não só analisar esta pintura como parte integrante da obra deste artista e
como produto e reflexo dos valores de uma época, do início do século XX, mas também como
meio de reflexão acerca do papel dos objetos na vida do Homem. Estes podem ser entendidos
como bens materiais aos quais se pode ou não, atribuir uma carga pessoal e humana, assumindo-
se muitas vezes como espelhos de quem os possui. Neste caso em particular, irá ser abordado
o papel do objeto copo.
O copo, objeto comum e presente no dia a dia, encontra-se muitas vezes despercebido
no ambiente envolvente, porém este pode assumir um papel determinante na interpretação de
certas situações momentos, atuando como símbolo representativo do ser humano.
1. Inícios do século XX e Picasso O contributo de Picasso foi maravilhoso, e é difícil dizer o que mais me fascinou, se a cor, se a
configuração espacial, ou se o admirável instinto teatral deste artista extraordinário (Stravinsky in
Buchholz, Zimmermann, 2001: 45)
Ao longo do século XX, testemunhou-se um grande desenvolvimento cultural,
caracterizado pelo aparecimento constante de novos movimentos artísticos. A cultura foi
influenciada por diversos acontecimentos históricos e culturais, que foram determinantes para
a criação artística da altura, modificando e criando novas maneiras de pensar a arte. Muitos
foram os artistas que se destacaram e marcaram o panorama artístico da época, nomeadamente,
Cézanne, Gauguin, Kandinsky, Duchamp e Picasso, entre muitos outros. Este último, ainda
hoje é considerado como uma referência, e prevalece conhecido como um dos maiores pintores
da história. Mestre de um desenho fluído e de grande qualidade, Picasso foi um dos
impulsionadores do movimento artístico Cubismo, e produziu mais de mil obras, entre elas a
pintura “A Bebedora de Absinto”, (Figura 1), realizada no ano de 1901, que irá ser analisada
de forma mais aprofundada nos parágrafos seguintes.
Pablo Picasso, desde cedo que demonstrou talento para a pintura. Incentivado pelo seu
pai, também pintor, rapidamente alcançou uma grande qualidade técnica, ganhando
gradualmente notoriedade no meio artístico. Dividido entre Paris e Barcelona, o artista entrou
em contacto com diversas influências, que mais tarde se refletiram no seu trabalho. Nesta altura,
início do século XX, Paris assumia-se cada vez mais como o centro europeu da vanguarda
artística, como local de encontro de intelectuais e artistas, onde se refletia acerca das correntes
de pensamento mais recentes da época. Neste sentido, no Outono de 1900, Picasso, juntamente
com o seu amigo Carlos Casagemas, viaja até Paris, onde contacta e fica maravilhado com a
vida noturna e com os temas da grande cidade, que mais tarde foram abordados na sua obra.
Porém, em fevereiro de 1901, Casagemas suicida-se por razões amorosas, e Picasso é
confrontado com uma nova realidade, uma faceta triste e sombria da cidade de Paris, o que
influenciou a criação de uma série de quadros que retratavam essa dimensão mais melancólica
e depressiva. Essas obras foram realizadas durante o chamado “período azul”, “Foi a pensar em
Casagemas que iniciei a pintura azul” (Picasso in Buchholz, Zimmermann, 2001: 22). É neste
período, de 1901 a 1904, que se insere a obra “A Bebedora de Absinto”, (Figura 1).
Figura 1. Pablo Picasso (c. 1901), A Bebedora de Absinto. Óleo sobre tela, 73x54 cm The State Hermitage Museum, Rússia.
1.1 “A Bebedora de Absinto”, de Picasso
“A Bebedora de Absinto”, (Figura 1), retrata uma mulher sentada à mesa, no canto de
um café. Esta é representada com uma expressão severa e “carregada”, aparentando estar
pensativa e ausente. A obra transmite um certo distanciamento por parte da figura, tanto em
relação ao que a rodeia e ao ambiente em que está inserida, como também em relação ao
observador. Sozinha e perante um copo de absinto, a mulher alcoólica, encontra-se “encolhida”
sobre si própria, numa tentativa de proteção, envolvendo o corpo com o seu braço direito
desproporcional, que a abraça, reconfortando-a e defendendo-a do mundo. É de notar a enorme
mão que a se encontra apoiada no seu ombro.
Neste quadro, Picasso, pretende retratar a solidão, a melancolia e o desapego do mundo,
temáticas estas muito recorrentes na pintura francesa da época. Recorrendo a formas fechadas
e em bloco, e à representação da figura no fundo do café, num canto com paredes vermelho-
sujo, o pintor acentua o desespero da mulher alcoólica e a sua falta de casa, de moradia. Esta
encontra-se sozinha, num local associado ao convívio e à partilha entre pessoas, porém, tem
apenas como companhia um copo com absinto. Mais uma vez, o artista procura acentuar a
solidão e o desinteresse pelo mundo, agora através do copo e do seu conteúdo. O absinto era
uma bebida muito popular na Europa do século XX, tendo sido representada múltiplas vezes
por artistas da época, como foi o caso de Picasso, que para além da obra analisada, realizou
também diversas obras em que o absinto e o copo estavam presentes, como, a obra “O Bebedor
Sonolento”, de 1902, a obra “O Bebedor de Absinto”, de 1903, que se destaca por se considerar
que o bebedor retratado se tratava do seu amigo Casagemas e ainda, por exemplo, a série de
esculturas “Copo de Absinto”, de 1914, onde Picasso cria seis cópias de bronze de um modelo
de cera e as decora individualmente.
1.2 O copo com absinto
Os seus «objetos» são os seus amores; nunca pintou um objeto, com o qual não tivesse uma relação
emocional (Kahnweiler in Buchholz, Zimmermann, 2001: 39)
O absinto, por muitos denominado de “green fairy”, caracterizava-se por ser tratar de
uma bebida alcoólica amarga e por se acreditar provocar alucinações e fantasias. Porém,
atualmente, é proibido devido aos seus componentes tóxicos.
No quadro “A Bebedora de Absinto”, (Figura 1), o copo com absinto assume uma função
simbólica, representando a bebida, a mágoa, o vício e a perdição da mulher. O seu conteúdo
determina a carga emocional que lhe é atribuída. Porém, o copo como objeto individual, neste
contexto, pode ainda atuar como símbolo da comunicação e do contacto, que, neste caso, a
mulher tem em falta.
É através do copo e nomeadamente do conhecimento do seu conteúdo que o observador
atribui ao quadro um determinado significado. Por exemplo, se a mesma cena fosse retratada
com um copo sem pé, de dimensões normais, seria menos provável associar o copo em questão,
ao álcool. Por outro lado, esta diferença de significado, era ainda mais acentuada se o líquido
contido pelo copo, fosse por exemplo, sumo ou chá. Nestes casos, a cena já simbolizaria um
cenário e realidades completamente diferentes, e não se pensaria no vício, nem na vida boémia,
de uma forma tão direta. O copo tem a capacidade de se transformar e adaptar a cada contexto
em que está inserido, tanto como objeto em si e independente, como contentor de um líquido
ou conteúdo que lhe atribui uma nova “vida” e função.
Concluindo, n’ “A Bebedora de Absinto”, (Figura 1), Picasso procurava transmitir a
solidão e miséria da mulher alcoólica, apelando às emoções do observador. Para tal, serviu-se
de diversos recursos, entre eles, a representação do objeto copo. Como referido anteriormente,
o copo trata-se de um elemento representativo da cena, atuando como meio que permite ao
observador estabelecer relações de significado com o que vê, influenciando a forma como este
o interpreta e refletindo certas características do sujeito, uma vez que essas relações são de
domínio pessoal e social. Estas demonstram, nomeadamente as suas referências culturais e
sociais, que variam de indivíduo para indivíduo.
Human beings and objects are indeed bound together in a collusion in which the objects take on (…) an
emotional value- what might be called a “presence” (Baudrillard, 1996: 16).
Conclusão
Em resumo, é possível concluir que a obra “A Bebedora de Absinto”, (Figura 1), de
Picasso, não só é representativa da época em que foi produzida e sua contemporânea, retratando
uma cena da grande cidade e característica da vida boémia, como também reflete uma faceta
da natureza humana, aqui evidente através do desespero e distanciamento da mulher alcoólica.
Esta obra contém uma carga bastante emotiva, marcada pela tensão interior contida pela figura
feminina e presente em diversos elementos retratados na pintura, nomeadamente, na mesa, na
zona do café (canto), onde a mulher é retratada e, principalmente, no copo, que assume um
papel bastante relevante na interpretação da cena retratada. Como referido, nesta obra, o copo
não desempenha uma função meramente funcional, atuando apenas como contentor de um
líquido, mas sim apresentando um significado pessoal e representativo do Homem, assumindo-
se como espelho do estado de espírito da figura retratada, tanto pelo absinto que contém, como
pela sua forma, à qual associamos ao vício e à perdição humana, bem como espelho da sua
condição social e referências culturais. Assim, nesta obra, Picasso retrata a miséria de uma
mulher, cuja a única companhia, é um copo com absinto.
Referências
BAUDRILLARD, Jean (1996). O Sistema dos Objetos, London, New York, Verso BUCHHOLZ, Elke Linda, ZIMMERMANN, Beate (2001). Pablo Picasso: Vida e Obra, Hong Kong,
Könemann LORIA, Stefano (2003). Os Grandes Mestres da Arte: Picasso, O Cubismo, Matosinhos, QN- Edição
e Conteúdos, S. A. ABSINTHE DRINKER. 2018. The State Hermitage Museum.
<http://hermitage--www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/01.+Paintings/28498/?lng=pt>. Consultado a 28 abril. 2018
COLLECTIONISM AND MODERNITY. 2015. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia.
<http://www.museoreinasofia.es/en/exhibitions/collectionism-and-modernity>. Consultado a 28 abril. 2018