A Tradicao Poco-Acutuba

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Estudo sobre tradição Pocó-Açutuba (EIA Equador)

Transcript of A Tradicao Poco-Acutuba

  • AMAZONA

    Memorias de las

    Conferencias Magistrales del

    3er Encuentro Internacional

    de Arqueologa Amaznica

    Stphen Rostaineditor

  • Amazona.Memorias de las Conferencias Magistrales del 3er Encuentro Internacional de Arqueologa Amaznica

    Stphen Rostain editor Edicin: - Ministerio Coordinador de Conocimiento y Talento Humano e IKIAM - Secretara Nacional de Educacin Superior, Ciencia, Tecnologa e Innovacin - Tercer Encuentro Internacional de Arqueologa Amaznica Diseo: Stphen Rostain Diagramacin: Stphen Rostain ISBN: 978-9942-13-893-4 Impresin: Ekseption PublicidadImpreso en Quito, Ecuador, agosto de 2014

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    A tradio Poc-Autuba e os primeiros VLQDLVYLVtYHLVGHPRGLFDo}HV

    de paisagens na calha do AmazonasEduardo G. Neves1, Vera L. C. Guapindaia2, Helena Pinto Lima2,

    Bernardo L. S. Costa1, Jaqueline Gomes1

    1Laboratrio de Arqueologia dos Trpicos, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo

    2 Museu Paraense Emilio Goeldi, Belm

    1. Introduo

    Grande parte dos arquelogos que trabalham hoje na bacia amaznica aceita a hiptese de que as populaes indgenas antigas da regio realizaram PRGLFDo}HVPDUFDQWHVHGXUDGRXUDVQDVFRQGLo}HVQDWXUDLVGRVELRPDVdesta vasta rea das terras baixas da Amrica do Sul. Tal hiptese, alinhada aos princpios tericos da ecologia histrica (Bale 2006), vem sendo amparada por dados produzidos em diferentes contextos da Amaznia, seja em reas adjacentes a plancies aluviais de rios de gua branca, clara RXQHJUDVHMDHPiUHDVGHLQWHU~YLR1RHQWDQWRVHDHFRORJLDKLVWyULFD hoje o paradigma dominante na arqueologia amaznica, resta ainda aos DUTXHyORJRVHVWDEHOHFHUTXDLVIRUDPRVFRQWH[WRVFXOWXUDLVGHPRJUiFRVHVRFLDLVQRVTXDLVRFRUUHUDPWDLVPRGLFDo}HVGDQDWXUH]DRXFULDo}HVde paisagens, j que a ocupao humana da Amaznia no foi cumulativa, mas sim marcada pela alternncia de longos perodos de estabilidade entremeados por rpidos episdios de mudana (Moraes & Neves 2012, Neves 2011).Paisagens tm histria: so tempo, espao e forma plasmados. Na $PD]{QLD DQWLJD QLQJXpP PHOKRU TXH DUTXHyORJRV SDUD GHQLU WDLVhistrias. Igualmente, em uma regio com tanta diversidade cultural como D$PD]{QLD pGH VHHVSHUDUTXH WDLVPRGLFDo}HV WHQKDPRFRUULGRGHDFRUGRFRPSDGU}HVFXOWXUDLVHVSHFtFRVJHUDQGRSRUVXDYH]SDLVDJHQVcom autorias culturais distintas. Neste trabalho, apresentaremos dados provenientes de pesquisas que temos realizado em diferentes partes da Amaznia, desde a bacia do rio Trombetas at o baixo rio Japur, bem FRPR UHVXOWDGRV GH SXEOLFDo}HV UHFHQWHV TXH SHUPLWHP LGHQWLFDU QRprimeiro milnio antes da era crist, um processo de ocupao associado produo de cermicas com caractersticas peculiares e distintas das cermicas produzidas anteriormente nessas reas e tambm formao inicial de solos antrpicos do tipo terras pretas de ndio ao longo das

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    margens do Amazonas e dos baixos cursos de seus tributrios (Figura 2). A tais conjuntos cermicos padronizados propomos a denominao tradio Poc-Autuba6HFRUUHWDWDOKLSyWHVHPDLVTXHDGHQLomRGHXPnovo componente cermico para a arqueologia amaznica, ocupaes Poc-Autuba seriam os marcadores visveis mais antigos e disseminados de formas de antropizao da natureza e formao de paisagens ao longo da Amaznia.O argumento ser desenvolvido da seguinte maneira. Inicialmente apresentaremos um breve histrico das pesquisas que revelaram a ocorrncia de materiais associados Tradio Poc-Autuba. Posteriormente traremos alguns estudos de caso onde contextos com WDLVPDWHULDLV IRUDP SRU QyV LGHQWLFDGRV$R QDO GLVFXWLUHPRV HVVHVcontextos no mbito mais amplo da ocupao da Amaznia no primeiro milnio antes da era Crist.

    )LJXUD6tWLRV$UTXHROyJLFRVRQGHVHLGHQWLFDUDPFHUkPLFDVFRPFDUDFWHUtVWLFDVda Tradio Poc-Autuba (mapa desenhado por J. Gomes e B. Costa)

    2. Histrico das Pesquisas com contextos Poc e Autuba

    $SULPHLUD LGHQWLFDomRGHFRQWH[WRVHFHUkPLFDVDVVRFLDGRVj WUDGLomRPoc-Autuba vem da pesquisa realizada nos stio Poc, s margens do rio homnimo, na bacia do rio Nhamud, e Boa Vista, s margens do rio Trombetas, por Peter e Klaus Hilbert em1975 (Hilbert & Hilbert 1D HVFDYDomR GHVVHV VtWLRV RV DXWRUHV LGHQWLFDUDP FHUkPLFDVenterradas, com profusa decorao pintada e modelada sobre tigelas e vasos carenados, temperadas com caraip e cauixi, com semelhana a

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    cermicas Barrancides do stio El Palito, do litoral da Venezuela e da fase Japur, do rio homnimo, na Amaznia centro-ocidental (Hilbert & Hilbert 1980: 8). As seis datas obtidas para os contextos escavados nos stios Poc e Boa Vista situaram tais ocupaes no incio da era Crist: 65 95 AC, 110 90 DC. e 205 115 DC. Duas outras datas - 1330 45 AC. e 1000 130 AC - foram rejeitadas pelos autores, com base no que parecia poca ser uma antiguidade aberrante com as outras datas obtidas (Hilbert & Hilbert 1980:9). As caractersticas diferenciadas das cermicas e a cronologia obtidas levaram Peter e Klaus Hilbert a denominar tais complexos como fase Poc (Figura 2).

    )LJXUD)UDJPHQWRVGHFHUkPLFDGD)DVH3RFyQDGHQLomRLQLFLDOde Peter Hilbert e Klaus Hilbert (1980)

    4XDVH WULQWD DQRV GHSRLV WUDEDOKDQGR QD iUHD GH FRQXrQFLD GRV ULRVNegro e Solimes, Helena Lima, Eduardo Neves e James Petersen (Lima et alLGHQWLFDUDPFHUkPLFDVVHPHOKDQWHVjVGDIDVH3RFyjVTXDLVYLHUDP FODVVLFDU FRPR fase Autuba. Ocupaes da fase Autuba IRUDPLGHQWLFDGDVHGDWDGDVQRVVtWLRV$oXWXED+DWDKDUD/DJR*UDQGHe Jacuruxi, este o nico caso de ocupao Autuba unicomponencial associada com uma camada de terra preta (Lima 2008, Neves 2010: 301-312). Na sequncia crono-tipolgica da Amaznia central, ocupaes da fase Autuba esto sempre localizadas na base das espessas camadas caractersticas dos stios multicomponenciais da rea e podem, ao contrrio do que proposto inicialmente por estes autores, estar ou no associadas a solos antrpicos de terras pretas (Lima 2008, Neves 2013). Na mesma poca, Vera Guapindaia (2008) trabalhando na bacia do rio 7URPEHWDVHPVtWLRV ORFDOL]DGRVHPiUHDVULEHLULQKDV LGHQWLFRXRXWURVcontextos Poc enterrados. No stio Boa Vista, mesmo stio escavado por Peter e Klaus Hilbert em 1975, camadas de ocupao Poc-Autuba sob uma ocupao Konduri foram mais caracterizadas e datadas entre 360 AC e 410 DC. Neste momento foi sugerida uma associao entre ocupaes Poc e habitao de reas ao longo dos grandes rios ou lagos da regio. Posteriormente, o stio Cipoal do Araticum localizado em rea

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    GH LQWHU~YLR IRL LGHQWLFDGR DSUHVHQWDQGR FDUDFWHUtVWLFDV VHPHOKDQWHVaos stios ribeirinhos, isto , ocupao multicomponencial (Poc e Konduri), profundas e extensas reas de terra preta e presena de bolses com cermica decorada (Figura 3B). Este stio apresentou forma elipsoidal medindo 400 metros no sentido Norte-Sul e 500 metros no Leste-Oeste com a profundidade da camada de ocupao alcanando em algumas reas at 200 cm. Foram realizadas trinta e sete escavaes variando entre 1m a 10m alcanando profundidades entre 80 e 250 cm e 648 sondagens.

    Figura 3: Contextos de depsitos de cermicas Poc-Autuba nos stios: a) Autuba (foto E. Neves), b) Cipoal do Araticum (foto V. Guapindaia) e c) Boa Esperana (foto. B. Costa)

    As escavaes abrangeram 115m de rea total enquanto as tradagens FREULUDP WRGD iUHD WRWDO 2 OHYDQWDPHQWR WRSRJUiFR DVVRFLDGR FRPos resultados das sondagens demonstrou que h coincidncia entre a distribuio do solo de terra preta, a distribuio do material arqueolgico H DV IHLo}HV WRSRJUiFDV HPDLV IRL SRVVtYHO GHQLU SUHOLPLQDUPHQWH Drea provvel de uma praa central, as vias de acesso/circulao/trnsito e as reas de lixeiras (Guapindaia & Aires da Fonseca 2012, Schmidt, 2013). Embora os stios Cipoal do Araticum e Boa Vista possam ser caracterizados como stios multicomponenciais, j que apresentam

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    cermica Poc e Konduri, no primeiro stio a ocorrncia de cermica Poc ocorre desde os nveis iniciais contrastando com o que ocorreu no stio Boa Vista onde a cermica Poc estava restrita s camadas inferiores GDHVWUDWLJUDD'DWDo}HVUDGLRFDUE{QLFDVIRUDPREWLGDVHPXPDIHLomRcom concentraes de carvo e cermica com motivos decorativos como incises, apliques zoomorfos e pintados, caractersticas da cermica Poc.Tambm nos ltimos anos, pesquisas conduzidas por Helena Lima na regio do lago de Silves, na foz dos rios Urubu e Uatum, a meio caminho entre R ULR1KDPXQGi HR ULR1HJUR LGHQWLFDUDPFRQWH[WRV3RFy$oXWXEDNessa mesma regio, trabalhando na dcada de 1970, Mrio Simes havia escavado cermicas datadas do sculo II DC, que, por causa da exuberante decorao pintada, interpretou poca como materiais antigos da tradio Polcroma (Simes & Machado 1987), uma informao reproduzida por Meggers e Evans no que foi provavelmente seu ltimo trabalho de sntese sobre a arqueologia da Amaznia (Meggers & Evans 1983). De fato, como discutiremos a seguir, h uma srie de elementos decorativos em comum entre a tradio Poc-Autuba e a tradio Polcroma, principalmente na fase Marajoara, mas provvel que Simes tenha confundido a presena de policromia em cermicas Poc-Autuba com materiais da tradio 3ROtFURPDXPHUURMXVWLFiYHOMiTXHRXVRGDSLQWXUDQmRpH[FOXVLYRGHVWDltima tradio. O prprio Simes j havia reconhecido certa antiguidade das ocupaes ceramistas locais, bem como a semelhana de alguns desses contextos (por ele denominado fase Sucuriju) com as cermicas 3RFy LGHQWLFDGDV SRU+LOEHUW+LOEHUW QRV ULRV1KDPXQGi HTrombetas (Simes e Machado 1984: 134). Ao descrever as cermicas, os autores ressaltam a presena de tcnicas como pintura vermelha e/ou preta sobre branco, exciso e acanalado, razo pela qual aglutinaram as cermicas Poc-Autuba existentes na regio fase Guarita da tradio Polcroma. Tal semelhana entre materiais Autuba e Guarita foi notada tambm na Amaznia central (Lima 2008), e ainda carece de explicaes. sabido, no entanto, que as datas consistentes para a tradio Polcroma na foz do rio Madeira e regio do lago de Silves so muito mais recentes, GRQDOGRSULPHLURPLOrQLR'& 6LP}HV0DFKDGR0RUDHVNeves 2012), portanto, a idade recuada das datas, sugere que os materiais escavados por Simes so provavelmente Poc-Autuba. Isso reforado pelos os contextos Poc-Autuba recentemente escavados por Lima nos VtWLRV0XFDMDWXEDH3RQWmRFRPGDWDVHQWUHRLQtFLRGRVpFXOR9,,HRQDOGRVpFXOR9,,,'&DVPDLVUHFHQWHVLGHQWLFDGDVDWpRPRPHQWR7DEHOD1). possvel que esse padro seja explicado pela localizao do lago de 6LOYHVTXHUHFHEHGRLVDXHQWHVGDPDUJHPQRUWHGRULR$PD]RQDVRVULRV8UXEXH8DXWXPmHHVWiVLWXDGRQDPDUJHPRSRVWDDRPDLRUDXHQWHdo Amazonas, o rio Madeira. Tal convergncia de distintos cursos dgua, alm do prprio Amazonas, do qual o lago tambm tributrio, podem ter FULDGRFRQGLo}HVSDUDDFURQRORJLDSDUWLFXODUDOLYHULFDGD

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    Tabela 1: Relao de todas as datas dos contextos Poc-Autuba

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    Trabalhos recentes conduzidos por Bernardo Costa e Jaqueline Gomes na regio do lago Aman, situado prximo foz do rio Japur, na Amaznia FHQWURRFLGHQWDO SHUPLWLUDP D LGHQWLFDomR GH RXWURV FRQWH[WRV 3RFyAutuba, desta vez com uma localizao mais a oeste do que as dos contextos anteriormente descritos para os rios Nhamund-Trombetas, ODJRGH6LOYHVHiUHDGHFRQXrQFLDGRVULRV1HJURH6ROLP}HV2VtWLRBoa Esperana, localizado na margem direita da parte superior do lago, escavado por Costa (2012), tem formato elipsoide e composto por mais de uma ocupao, em uma rea de aproximadamente 15 hectares. Na sua poro central concentra-se o pacote arqueolgico em uma grande mancha GHWHUUDSUHWDTXHDWLQJHPDLVGHXPPHWURGHSURIXQGLGDGH2VSHUVHVWUDWLJUiFRVHYLGHQFLDGRVQRVtWLRHOXFLGDPGRLVFRQWH[WRVEiVLFRV2primeiro formado por um pacote de terra preta de 30 a 40 cm, onde se concentra a maior quantidade de material cermico de trs componentes culturais, com ocupaes Poc-Autuba e das fases Caiamb e Tef. O segundo contexto foi observado em dois depsitos que variaram entre 1,60 a 1,80 metros de profundidade, cuja camada mais antiga formada SRUIHLo}HVEROV}HV1HODVIRLLGHQWLFDGRPDLVXPFRQMXQWRGLVWLQWRGHcermicas que denominamos fase Aman e que no ser aqui discutido, Uma unidade-teste em particular (Figura 3C) apresentou duas feies com caractersticas muito semelhantes relacionadas densidade de material cermico, colorao e textura do solo. Observaes de campo sugeriam a contemporaneidade dessas estruturas, o que foi corroborado aps o tratamento das cermicas em laboratrio. Essas cermicas encontradas exclusivamente no interior das feies possuem maior antiguidade e apresentam como principal antiplstico o caraip, mas diferente das cermicas Poc-Autuba, de forma abundante e com um processamento grosseiro. As principais tcnicas decorativas consistem na realizao de QDV LQFLV}HV SUp H SyVTXHLPD H R XVR GH SLQWXUDPRQRFU{PLFD FRPGHVWDTXH SDUD DSOLFDomR GH QDV FDPDGDV GH HQJRER QDV FRUHV ODUDQMDbranca e vermelha e rara presena de bicromia. Desse contexto foram obtidas datas a partir de dois fragmentos cermicos da fase Aman (358030 BP e 295045 BP), um fragmento tipicamente Poc-Autuba (279030 BP), e ainda, duas amostras de carvo coletadas na base e no topo das feies (Tabela 1). A partir dessas informaes, interpretamos que as feies foram realizadas na ocupao Poc-Autuba para a deposio do material cermico anterior a ela. &RQWH[WRV 3RFy$oXWXED IRUDP WDPEpP LGHQWLFDGRV QD FLGDGH GHSantarm, em escavaes realizadas no stio Aldeia por Denise Gomes (2011: 289) e na rea do Porto por Denise Schaan e Daiane Alves (Alves 2013). Nesses dois casos, as datas mais antigas obtidas entre 1200 e 900 AC -foram compatveis com algumas das datas inicialmente descartadas por Peter e Klaus Hilbert (Tabela 1), o que nos leva a propor que tais datas descartadas sejam reconsideradas.

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    Finalmente, em 2011, o Museu de Arqueologia e Etnologia recebeu uma pequena coleo de cermicas coletadas por Joo Maria Franco de Camargo, entomlogo, professor da USP, especialista em abelhas, que fazia trabalho de campo na regio do baixo rio Branco, em Roraima, na iUHDGHWUDQVLomRHQWUHRVFDPSRVHDRUHVWDDMXVDQWHGH%HOD9LVWDMino sul do estado. Esses materiais no foram datados, nem tampouco h sobre eles informaes contextuais, mas as caractersticas das cermicas so tpicas do conjunto Poc-Autuba (Figura 4).

    )LJXUD)UDJPHQWRVGHFHUkPLFDV3RFy$oXWXEDLGHQWLFDGDVQREDL[RULR%UDQFRRoraima, por Joo Maria Franco de Camargo

    3. Caractersticas formais e aspectos contextuais das cermicas da Tradio Poc-Autuba

    4XDQGR +LOEHUW H +LOEHUW GHQLUDP D IDVH 3RFy GHVWDFDUDPa grande variabilidade estilstica das cermicas, listando pelo menos 14 tipos decorativos, cujas tcnicas ocorreriam sozinhas ou combinadas, sendo a pintura em diferentes tons de vermelho, incises e modelados as tcnicas mais comuns. Em termos tecnolgicos de produo da pasta cermica, essa variabilidade tambm foi observada, por exemplo, pelo uso variado dos antiplsticos cauxi e caraip. Nos aspectos morfolgicos os autores descrevem algumas formas que parecem ser recorrentes em todos os stios com ocupaes Poc-Autuba: vasilhames FDUHQDGRVYDVRVFRPJDUJDORVERUGDVIRUWHPHQWHH[WURYHUWLGDVDQJHVODELDLV H[SDQV}HV GH FDUHQDV DQJHV PHVLDLV H DSOLTXHV PRGHODGRVOs materiais por ns estudados reforam e ampliam esse quadro de

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    variabilidade (Figura 5). Apesar das particularidades locais, de modo geral, as cermicas da tradio Poc-Autuba so marcadas pelo uso GLYHUVLFDGRGHDQWLSOiVWLFRV LQFOXLQGRFDUDLSpHFDXL[L IUHTXHQWHPHQWHcom uso combinado no mesmo vaso. As formas dos vasos so complexas, sendo s vezes difcil fazer a reconstituio a partir de fragmentos de borda, porque alguns dos vasos no tm seco transversal circular. No stio Boa Vista a reconstituio de duas formas destacam as bordas cambadas e pescoo constrito, com bojos esfricos e elpticos (Guapindaia e Lopes 2011). No stio Boa Esperana, destacam-se bordas irregulares ou lobuladas (Costa, 2012). Flanges so elementos morfolgicos importantes. Os labiais so os mais comuns e recebem rebuscadas decoraes plsticas e apendices. Flanges mesiais, considerados verdadeiros fsseis-guia da fase Guarita pelos arquelogos que trabalham na regio, tambm ocorrem nas cermicas Poc-Autuba, mas geralmente recebem outro tratamento decorativo com nfase nas pinturas. Entre as caractersticas decorativas mais marcantes est o uso abundante da policromia, cujo repertrio cromtico nico em todo o contexto da arqueologia amaznica, com o uso do preto, amarelo, laranja, vermelho, cor-de-vinho e o branco, geralmente usado como engobo, embora o engobo vermelho seja tambm freqente. Os motivos geomtricos como retngulos, quadrados, crculos, faixas e linhas so recorrentes, e sugerem DIRUPDomRGHSDGU}HVJUiFRVFRPSOH[RV*XDSLQGDLDH/RSHV$decorao plstica enfatiza as incises, modelados, excises, ponteados e escovados, alm de outras tcnicas menos frequentes como a raspagem, tracejado e o corrugado. Alguns motivos das incises so linhas retas e curvas, com destaque para as volutas, muitas vezes associadas s bordas lobuladas. O modelado zoomorfo consiste geralmente em apliques adicionados aos DQJHVODELDLVPDVWDPEpPSRGHRFRUUHUGLUHWDPHQWHQDVSDUHGHVGRVYDVRV(Figura 5). No stio Cipoal do Araticum os modelados zoomorfos variaram entre representaes mais naturalistas como onas, morcegos, jabutis, VDSRVEHPFRPRJXUDVGXDLV$LQGDQHVWHVtWLRREVHUYDo}HVSUHOLPLQDUHVapontam que os fragmentos cermicos com pasta de cauixi abundante SDUHFHP FRQFHQWUDVH QRV QtYHLVPDLV VXSHUFLDLV HQTXDQWR RPDWHULDOpintado mais frequente nas camadas inferiores. Esta mesma situao p YHULFDGD QRV FRQWH[WRV $oXWXED QD $PD]{QLD FHQWUDO /LPD Do ponto de vista contextual, com exceo do stio Boa Esperana, todas as ocupaes Poc-Autuba por ns estudadas representam a base das VHTXrQFLDV FURQROyJLFDV H HVWUDWLJUiFDV QRV VtWLRV DTXL DSUHVHQWDGRVTrata-se de um fato interessante, uma vez que alguns desses stios esto localizados em reas prximas de centros antigos de produo cermica, como o caso do sambaqui de Taperinha, a jusante de Santarm (Roosevelt et al. 1991). Tais contextos deposicionais, somados ao fato de que cermicas Poc-Autuba parecem no ter semelhanas formais ou estilsticas com complexos mais antigos encontrados em outras partes da Amaznia,

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    Figura 5: Fragmentos cermicos da Tradio Poc-Autuba provenientes dos seguintes stios ou FRQWH[WRVDI VtWLR%RD(VSHUDQoDEDL[R-DSXUiJMVtWLR$oXWXEDEDL[RULR1HJUR

    OQ6tWLR-DXDU\ULR8UXEXRSVtWLR&LSRDOGR$UDWLFXPULR7URPEHWDVq-s stio Boa Vista, rio Trombetas

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    parecem indicar que ocupaes Poc-Autuba representam o correlato arqueolgico de populaes com origem externa que comearam a se estabelecer em diferentes partes da bacia Amaznia na transio do segundo para o primeiro milnio AC. O contexto paisagstico de tais ocupaes ainda pouco claro, mas j possvel se associar a elas o incio da formao de solos de terras pretas ao longo do rio Amazonas e dos baixos cursos de VHXVDXHQWHV+iPDLVGHGH]DQRV-DPHV3HWHUVHQ3HWHUVHQet al. 2001, Neves et al. 2003) j havia notado como os solos de terras pretas escavados ao longo do rio Amazonas no tinham antiguidade superior a dois mil anos. Para Petersen e outros autores, essa cronologia seria compatvel com um processo de mudana social associado ao estabelecimento de modos de vida sedentrios nessa poca na regio. sabido, no entanto, desde os trabalhos de Miller (Miller et al. 1992), que h terras pretas com cerca de 5.500 anos de idade na bacia do alto rio Madeira, neste caso associadas a ocupaes pr-cermicas da fase Massangana. Pesquisas mais recentes na PHVPDUHJLmRWrPFRQUPDGRWDOFURQRORJLD$OPHLGD$RQRUWHda Amaznia, na atual Repblica da Guiana, pesquisas tambm recentes, de Heckenberger e Whitehead (2011), produziram do mesmo modo datas equivalentes s de Miller para o alto Madeira. H, aparentemente, um quadro que comea a se esboar e que indica datas mais antigas para terras pretas nas periferias norte e sul da Amaznia e datas mais recentes, associadas tradio Poc-Autuba, ao longo do Amazonas e dos baixos cursos de alguns de seus tributrios.1RFDVRGRVVtWLRVGLVFXWLGRVQHVWHDUWLJRDDVVRFLDomRHVWUDWLJUiFDHQWUHterras pretas e ocupaes Poc-Autuba varia de contexto a contexto. Na iUHDGHFRQXrQFLDGRVULRV1HJURH6ROLP}HVDVRFXSDo}HVQRVVtWLRVAutuba, Hatahara e Lago Grande, datadas de 360 AC a 10 DC, so associadas aos latossolos amarelados ou solos arenosos no antropizados tpicos da regio (Figura 3A). Apenas no stio Jacuruxi, que tem as datas mais recentes para ocupaes Poc-Autuba na rea, h uma associao com terras pretas, com data inicial para o sculo VI DC (Lima et al. 2006, Lima 2008, Neves 2010).Em Boa Esperana, no lago Aman, h associao entre ocupaes Poc-Autuba e terras pretas em algumas das reas do stio, mas em outras, onde se escavaram feies preenchidas com fragmentos cermicos datados de 800 AC, tal associao no to clara. Na regio do rio Trombetas, nos stios Boa Vista e Cipoal do Araticum, parece haver um contexto semelhante ao de Boa Esperana, caracterizado pela presena de feies VHPSUHHVFDYDGDVQRVRORGDEDVHGDVHTXrQFLDHVWUDWLJUiFDHDEDL[Rda terra preta, preenchidas por uma grande quantidade de fragmentos Poc-Autuba ricamente decorados. A escavao de uma dessas feies em Boa Esperana (Figura 3C), e a datao dos fragmentos de cermica e lentes de carvo ali depositados, mostrou uma clara inverso cronolgica, com datas mais recentes na base e mais antigas na superfcie da feio.

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    Essa inverso indica que os fragmentos foram colocados de maneira ordenada: os mais recentes antes, os mais antigos depois. A escavao de tais estruturas pelos antigos habitantes desses stios parece indicar a constituio de marcadores simblicos para incio das ocupaes Poc-Autuba em locais previamente inabitados ou ocupados por grupos que produziram cermicas diferentes, como no caso de Boa Esperana.Em 2006 quando foram descritas as cermicas e o contexto das ocupaes GD IDVH$oXWXEDQD iUHD GH FRQXrQFLD GRV ULRV1HJUR H 6ROLP}HV IRLtambm proposta a ausncia de associao entre terras pretas e tais ocupaes (Lima et al. 2006). Os dados aqui apresentados permitem que se IDOVLTXHHVWDKLSyWHVHXPDYH]TXHKiFDVRVQRVTXDLVWDODVVRFLDomRIRLdocumentada. No mais, onde tais casos ocorreram, as evidncias mostram que a formao mais antiga de terras pretas estava associada s ocupaes Poc-Autuba. Da discusso acima, alguns pontos merecem destaque. Primeiramente, o fato de que cermicas Poc-Autuba no tm qualquer semelhana formal ou estilstica com complexos mais antigos da Amaznia, ou seja, datados de antes de 1200 BC. Em segundo lugar, o fato de muitas GHVVDVRFXSDo}HVUHSUHVHQWDUHPDEDVHGDVVHTXrQFLDVHVWUDWLJUiFDVGRVstios aqui apresentados. Finalmente, a associao que parece haver entre ocupaes Poc-Autuba e a formao inicial de terras pretas ao longo de uma ampla rea do rio Amazonas-Solimes, desde pelo menos a foz do Japur at Santarm, j no primeiro milnio DC. Esse conjunto de YDULiYHLV QRV Gi FRQGLo}HV GH GLVFXWLU R VLJQLFDGR GHVVHV SDGU}HV QRquadro mais amplo da histria indgena da Amaznia antiga.

    4. Discusso

    No livro The UpperAmazon de Donald Lathrap, h uma prancha (Figura 6) com fragmentos cermicos encontrados em diferentes locais na Amaznia, Guianas e baixo Orinoco (Lathrap 1970: 115). Os FRPSRQHQWHVDPD]{QLFRVGDSUDQFKDIRUDPLQLFLDOPHQWHGHQLGRVFRPRSDUWH GD FKDPDGD 7UDGLomR %RUGD ,QFLVD GD $PD]{QLD GHQLGD SRUEvans & Meggers (1961). Para Lathrap, a Tradio Borda Incisa teria sido uma manifestao local, amaznica, da chamada srie Barrancide da bacia do Orinoco e Guianas (Lathrap 1970: 113). Ainda para Lathrap, tal fenmeno amplo de distribuio de stios com cermicas Barrancides ou Borda-Incisa seria o correlato arqueolgico do processo de expanso de falantes de lnguas Arawak pela Amaznia e norte da Amrica do Sul. O debate sobre as diferenas e semelhanas entre as tradies Borda Incisa e Barrancide j tem mais de quarenta anos e no foi ainda solucionado (Lima et al. 2006). interessante, no entanto, notar que os fragmentos cermicos amaznicos que compem a prancha do livro de Lathrap, e que, de fato, tm mesmo grandes semelhanas com as cermicas Barrancides

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    do baixo Orinoco, seriam, se a hiptese aqui apresentada estiver correta, SRU QyV FODVVLFDGRV FRPR FRPSRQHQWHV GD WUDOKD FDUDFWHUtVWLFD GDtradio Poc-Autuba. Materiais da tradio Borda Incisa tm uma decorao plstica menos exuberante, um uso muito mais restrito da pintura sem, por exemplo, o amarelo, o laranja e o cor-de-vinho tpicos das cermicas Poc-Autuba - e um uso mais comedido dos apndices modelados, apesar de ter uma pasta normalmente mais compacta (Lima & Neves 2011). Assim, se Lathrap estava correto em buscar correlaes entre complexos cermicos da Amaznia e do Orinoco, tais correlaes devem ser buscadas entre cermicas Poc-Autuba e cermicas Barrancides e Saladoides do baixo Orinoco e Caribe insular (Boomert 2001) e no entre as cermicas da tradio Borda Incisa.

    Figura 6: Exemplos de cermicas da srie Barrancide do Norte da Amrica do Sul e Amaznia (Lathrap 1970: 115).

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    Os dados aqui apresentados, ainda preliminares, mostram que os materiais Poc-Autuba tm uma ampla distribuio pela Amaznia, se espalhando, de oeste para leste, ao longo de uma linha reta de cerca de 1300 km, desde a foz do Japur at Santarm, e, de norte a sul, de mais de 700 km, desde o baixo rio Branco at a regio de Manaus. Tal padro amplo permite que essas ocupaes sejam tratadas como uma tradio distinta, diferente da tradio Borda Incisa. O objetivo, nunca demais repetir, menos o de complicar o j confuso quadro crono-tipolgico das terras baixas sul-americanas e mais o de ressaltar para a singularidade das ocupaes Poc-Autuba, dentre as quais se destacam: 6XD DPSOLWXGH JHRJUiFD TXH VHP G~YLGD DXPHQWDUi jPHGLGD TXHnovas regies sejam pesquisadas,2) O fato de que os stios com esses materiais representam em muitos casos os primeiros sinais de ocupao humana aps longos hiatos no Holoceno mdio,3) A associao entre algumas dessas ocupaes e o incio da produo de terras pretas, um indicador do estabelecimento de modos de vida sedentrios, ao longo da calha do Amazonas,4) A associao, j notada por Guapindaia (2008) entre as ocupaes Poc-Autuba e a habitao de reas ao longo dos grandes rios ou lagos da regio, como o Caquet/Japur, Solimes, Branco, Negro, Trombetas e Tapajs (Costa 2012, Morcote-Rios 2011, Gomes 2011, Guapindaia 2008, 2011). No entanto, o stio Cipoal do Araticum,localizado em uma iUHDGHLQWHU~YLRMXQWRjEDFLDGR7URPEHWDVWHPXPDDPSODRFXSDomRPoc-Autuba apresentando terra preta profunda, feies com cermica decorada e datas que vo de 410 AC a 670 DC. Isso sugere que ocupaes HP iUHDV GH WHUUD UPH GHYHUmR VHU LGHQWLFDGDV j PHGLGD TXH QRYDVpesquisas se realizem,5) A prpria singularidade dessas cermicas, que sem dvida tm o mais amplo repertrio decorativo entre todas as tradies ou complexos amaznicos, comparado apenas fase Marajoara, o que provavelmente no uma coincidncia, conforme se discutir a seguir,6) Ainda sobre as caractersticas formais e decorativas, a absoluta diferena entre as cermicas Poc e as cermicas mais antigas conhecidas na Amaznia (Taperinha, Mina, Parau, cermicas do rio Uaups, fase Bacabal),7) A presena constante de feies com concentraes de cermicas, presentes em stios como Boa Vista e Cipoal do Araticum (Guapindaia 2008, Guapindaia et al. 2010, Guapindaia, Aires da Fonseca 2012), Aldeia (Gomes 2011), Hatahara (Neves 2003) e Boa Esperana (Costa 2012).Tais caractersticas permitem que se tratem as ocupaes Poc-Autuba FRPRXPD FXOWXUDDUTXHROyJLFDFRQIRUPHDMiYHOKDGHQLomRGH&KLOGH(1957) recentemente reciclada por Anthony (2007). Esses elementos indicam tambm que as ocupaes Poc-Autuba tiveram um carter

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    histrico distinto, cuja principal marca foi iniciar o perodo de antropizao mais intensa da Amaznia. Se correta, esta uma informao importante, que contribui para o desenvolvimento dos estudos de Ecologia Histrica, porque mostra que os processos de antropizao e criao de paisagens na Amaznia no foram constantes e tampouco regulares ao longo do tempo (Neves & Petersen 2006, Neves 2011).Baseado nessas consideraes pode-se vislumbrar hipoteticamente o contexto do incio das ocupaes Poc-Autuba. Em primeiro lugar, a grande diferena entre essas cermicas e as cermicas amaznicas mais antigas, ou mesmo da mesma idade - como o caso da fase Ananatuba, na ilha de Maraj (Meggers & Evans 1957), - indica duas possibilidades: introduo externa, a partir de um centro de origem no norte do continente, ou ento o desenvolvimento local. O padro de distribuio de datas, nesse caso, tampouco elucidativo: embora as datas do primeiro milnio AC na bacia do Caquet-Japur, sugiram uma origem no noroeste da Amaznia, as datas publicadas por Gomes (2011), bem como as datas UHMHLWDGDV SRU+LOEHUW+LOEHUW LQGLFDPRFXSDo}HV QRQDO GRsegundo milnio AC na regio do Tapajs-Trombetas. Uma comparao com os complexos cermicos do baixo Orinoco - que mostram a presena GHJXUDV LQFLVDV HPRGHODGDV H GHFRUDomRSLQWDGD DVVRFLDGDV jV VpULHVBarrancide e Saladide - uma possibilidade, mas tampouco esto claras as relaes entre esses complexos e sua cronologia.Enquanto no se resolvem os problemas cronolgicos e tipolgicos relativos origem das cermicas Poc-Autuba, pode-se, por outro lado, destacar as inovaes notveis no registro arqueolgico da Amaznia resultantes dessas ocupaes. A primeira inovao diz respeito introduo do modelado como recurso decorativo nas cermicas Amaznicas. Embora a decorao plstica, exercida atravs de incises, j seja notvel em complexos mais antigos, como a fase Bacabal do rio Guapor, datada em 1800 AC (Miller 2009) e a fase Ananatuba, na ilha de Maraj (Meggers & Evans 1957), datada em 1400 AC, a partir do aparecimento das cermicas Poc-Autuba que o uso de apndices zoomorfos e antropomorfos modelados se tornar comum at se disseminar completamente por diferentes tradies, fases ou estilos incluindo, por exemplo, Marajoara, *XDULWD6DQWDUpP.RQGXULHpFODUR%RUGD,QFLVDGD$PD]{QLDQRQDOGRSULPHLURPLOrQLR'&3RGHVHSRUWDQWRDUPDUTXHKiXPDLQXrQFLDsimblica, religiosa ou ideolgica associada ao estabelecimento de grupos que produziam cermicas Poc-Autuba sobre as populaes.Em uma resposta s crticas elaboradas hiptese que correlaciona a expanso dos grupos falantes de lnguas indo-europeias expanso da agricultura e pastoreio pela Europa no incio do Holoceno, Colin Renfrew HODERURXXPDUJXPHQWRTXH MXVWLFDRXVRGHFRUUHODo}HVHQWUHpadres no registro arqueolgico e outros padres culturais, como por exemplo, agrupamentos de lnguas. Para Renfrew, tais correlaes so mais

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    fortes nos casos de colonizao inicial de reas previamente desabitadas, como a Polinsia anterior ocupao de falantes de lnguas austronesianas, caracterizada pelo complexo arqueolgico Lapita (Kirch 1997), ou ento nos casos onde um grupo com uma tecnologia diferente ocupa uma rea previamente ocupada por grupos com modos de vida totalmente distintos, como o caso dos falantes de lnguas Arawak e os stios com cermica da srie Saladide no Caribe (Rouse 1992). Nesse sentido, possvel se postular que os grupos que produziam cermicas Poc-Autuba eram provavelmente falantes de lnguas geneticamente prximas entre si, mais ou menos como os grupos falantes de lnguas da famlia Tupi-Guarani no litoral Atlntico no incio do segundo milnio DC. Se essa hiptese estiver correta, provvel que esses grupos falassem lnguas da famlia Arawak, de acordo com a velha hiptese de Nordenskiold (1930).A hiptese de correlao entre falantes de lnguas Arawak e grupos produtores de cermicas incisas e modeladas, como o caso de Poc-Autuba, vem desde o incio do sculo XX. O fato de Poc-Autuba ser o conjunto de cermicas incisas e modeladas mais antigas encontradas at o momento na Amaznia confere apoio a esta hiptese, embora no a prove. certo, no entanto, que as lnguas Arawak foram as que tiveram a disperso mais ampla pelas terras baixas da Amrica do Sul, j que, poca da conquista, eram faladas desde as Bahamas at o Paraguai e desde o sop dos Andes at o litoral do Atlntico (Urban 1992). Os mecanismos subjacentes expanso dos grupos falantes de lngua Arawak ainda controverso, mas muitos autores (Arroyo-Kalin 2008, Ericksen 2011, Lathrap 1970. Heckenberger 2002, Hornborg 2005) associam tal processo adoo da agricultura de mandioca. De fato, a hiptese de Lathrap tem em muitos aspectos a mesma base dos argumentos propostos por Renfrew (1987) para explicar a expanso indo-europeia: que a adoo da DJULFXOWXUDSURYRFRXFUHVFLPHQWRGHPRJUiFRHFRQVHTXHQWHH[SDQVmRJHRJUiFDRXGLIXVmRGrPLFDGHSRSXODo}HVHVSHFtFDVQRFDVRGDAmaznia os falantes de lngua da famlia Arawak. Para Lathrap (1970) os correlatos materiais dessa expanso seriam vistos nos stios com cermicas com decorao incisa e modelada (ou da srie Barrancide e da tradio Borda Incisa) distribudos pela Amaznia e norte da Amrica GR 6XO+HFNHQEHUJHU UHQRX DLQGDPDLV D KLSyWHVH GH/DWKUDSe acrescentou, aos correlatos arqueolgicos anteriormente propostos, tambm a ocupao de aldeias de formato circular, um padro claramente associado ocupao das primeiras aldeias dos grupos falantes de lnguas Arawak no Caribe insular (Petersen et al. 1996). Os dados atualmente disponveis no permitem que se estabelea qual era a forma dos assentamentos com cermicas Poc-Autuba. Na regio de Trombetas, no stio Cipoal do Araticum, foram encontradas evidncias de disposio circular associada a ocupao Poc (Guapindaia e Aires da )RQVHFD 1D iUHD GH FRQXrQFLD GRV ULRV1HJUR H 6ROLP}HV IRL

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    detectado um claro padro de ocupao de aldeias de formato circular ou de ferradura associadas a ocupaes das fases Manacapuru e Paredo, que so mais tardias que Poc, mas que tambm tm cermicas com decorao LQFLVD HPPRGHODGD H VmR FODVVLFDGDV QD WUDGLomR %RUGD ,QFLVD /LPD2008, Moraes & Neves 2012). plausvel assim, que o formato circular ou semi-circular tpico das ocupaes da tradio Borda Incisa tenham seus antecedentes histricos no primeiro milnio AC associados s ocupaes Poc-Autuba.$FODVVLFDomRORJHQpWLFDGDV OtQJXDVGD IDPtOLD$UDZDN UHFHQWHPHQWHpublicada por Walker & Amarante (2010), traz tambm uma contribuio para essa discusso ao mostrar que a distribuio das lnguas Arawak, em temos de semelhanas de cognatos, se parece muito mais com um DUEXVWR TXH FRP RPRGHOR FOiVVLFR GH iUYRUH 7DO FRQJXUDomR p SRUsua vez compatvel com uma hiptese que postule que a expanso antiga dos grupos falantes de lnguas Arawak foi rpida e levou colonizao quase simultnea de reas distantes entre si, o que por sua vez tambm compatvel com o padro de distribuio ampla e aparentemente simultnea em termos arqueolgicos de stios com materiais Poc-Autuba no primeiro milnio AC.

    5. Concluso: o desaparecimento das ocupaes Poc-Autuba

    A partir do sculo IX DC no h mais stios, camadas ou contextos associados a cermicas Poc-Autuba. Antes mesmo dessa poca notvel, HP DOJXPDV iUHDV FRP R ODJR$PDQm H D FRQXrQFLD GRV ULRV1HJURe Solimes, um processo de mudana lento, mas cumulativo, que tem a ver com a insero na rea de ocupaes associadas s fases Caiamb, Manacapuru e Paredo. No momento, a data mais antiga disponvel para a fase Manacapuru do incio do sculo V DC (Hilbert 1968). A partir GRVpFXOR9,,RFXSDo}HV0DQDFDSXUXYmRFDQGRFDGDYH]PDLVYLVtYHLVHPDLRUHVDWpDWLQJLUSURSRUo}HVUHDOPHQWHJUDQGHVQRQDOGRSULPHLURmilnio.As semelhanas entre as cermicas Poc-Autuba e as cermicas da fase 0DQDFDSXUXGD7UDGLomR%RUGD,QFLVDVmRJUDQGHVRVXFLHQWHSDUDTXHVHpostule uma relao histrica entre elas (Lima & Neves 2011). Dentre os elementos decorativos, formais e tecnolgicos em comum h: a construo GHDQJHV ODELDLVFRPRVXSRUWHSDUDDGHFRUDomRSOiVWLFDPRGHODGDHRuso da inciso como elemento decorativo primordial. Notvel, no entanto, nas cermica Caiamb, Manacapuru e Paredo da Tradio Borda Incisa a diminuio drstica do uso da policromia embora a pintura continue SUHVHQWH FRP XPD UHGXomR VLJQLFDWLYD GD SDOKHWD FURPiWLFD XPDreduo que parece ser verdadeira quando se compara as cermicas das sries Saladide e Barrancide. Em geral, vasos Manacapuru so mais sbrios que os vasos Autuba, em contrapartida a um esmero maior na

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    produo da pasta, que menos frivel, e na queima, que produziu vasos com maior dureza.Se, de fato, houve um processo de transio entre as ocupaes Poc-Autuba e as ocupaes Caiamb, Manacapuru e Paredo na Amaznia central, esta deve ter sido a manifestao local de uma histria de longo prazo, sem rupturas marcantes nas formas de ocupao e nas cermicas. Com efeito, as poucas evidncias at o momento disponveis apontam para algo do tipo, uma histria de quase dois mil anos de durao, que se iniciou ao redor de de1000 AC a quase 1000 DC, com, exceto a formao de terras pretas, poucas mudanas visveis nas formas de vida, tpica de VRFLHGDGHVIULDVFRQIRUPHDGHQLomRGH/pYL6WUDXVVHP 23HQVDPHQWRSelvagem (1962).Nas regies do rio Trombetas e Santarm uma outra histria parece ter se desenvolvido, j que no h ali evidncias de ocupaes relacionadas Tradio Borda Incisa e sim reocupaes da tradio Incisa e Ponteada (incluindo cermicas Konduri e Santarm) sobre ocupaes Poc-Autuba enterradas. Vale registrar que Hilbert e Hilbert (1980) descreveram PDWHULDLVFRPHVVDVFDUDFWHUtVWLFDV%RUGD,QFLVD"SRUHOHVGHQRPLQDGRVestilo Globular. Este conjunto tem baixa representatividade nos contextos onde aparece e ainda pouco conhecido, mas pode-se sugerir que este represente um aspecto perifrico nessa substituio dos conjuntos Poc-Autuba pela Tradio Borda Incisa nesta regio. Os indgenas que produziram cermicas Poc-Autuba eram grupos que exploravam e manejavam a Amaznia com uma tecnologia aparentemente nova para a poca que deveria incluir uma nfase maior no cultivo de SODQWDVGRPHVWLFDGDVHPERUDQmRVHMDSRVVtYHODUPDUTXHWHQKDPVLGRagricultores. Essa tecnologia permitiu que se espalhassem por uma grande rea, ocupando locais anteriormente vazios ou previamente habitados por populaes culturalmente distintas. No h at o momento evidncias que PRVWUHPDDVVRFLDomRHQWUHFRQLWRVHDVRFXSDo}HV3RFy$oXWXEDRTXHpode sugerir o estabelecimento, nos casos de grupos que j habitavam anteriormente essas reas, algum tipo de relao horizontal que permitisse a incorporao desses povos por relaes de comrcio ou casamento FRPRVHYrDWXDOPHQWHHPiUHDVTXH WrP LQXrQFLDGHJUXSRV$UDZDNem sua ocupao, como o caso do alto rio Negro e o alto Xingu. Essa KLVWyULDVHPRGLFRXSURIXQGDPHQWHDRUHGRUGRDQR'&0RUDHV& Neves 2012). Na Amaznia central e rio Solimes acima, notvel a reocupao dos stios com camadas Poc-Autuba enterradas por grupos que faziam uma cermica totalmente distinta, associada Tradio Polcroma da Amaznia. Na regio do rio Trombetas e Santarm, ocorreu a j mencionada reocupao desses stios por grupos que produziam cermicas Tapajnicas e Konduri. A transio do primeiro ao segundo milnio DC foi uma poca de profundas mudanas sociais por toda a Amaznia, dentre as quais destaca-

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    se a reocupao, por outros grupos, das reas anteriormente associadas ocupao de produtores de cermicas da tradio Poc-Autuba e seus descendentes (Moraes & Neves 2012, Neves 2013). Apesar dessas mudanas, as inovaes conceituais e tecnolgicas trazidas por esses antigos grupos colonizadores, com destaque para o uso da decorao modelada nos vasos cermicos, permaneceram, embora certamente re-VLJQLFDGRV HP DOJXQV GRV FRPSOH[RV FHUkPLFRV DLQGD SURGX]LGRV jpoca do incio da colonizao europeia e at hoje, de certo modo, nas cermicas com apndices modelados produzidas pelos grupos Arawak do alto Xingu, em uma histria de trs milnios, mais longa que o prprio tempo.

    Agradecimentos

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), &RQVHOKR 1DFLRQDO GH 'HVHQYROYLPHQWR &LHQWtFR H WHFQROyJLFR(CNPq), Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), Instituto de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau (IDSM), moradores da comunidade de Boa Esperana, famlia do Prof. Joo Maria Franco de Camargo, Minerao Rio do Norte, Fundao de Amparo e Desenvolvimento a Pesquisa, as associaes de moradores COOPERBOA e COOPERMOURA do rio Trombetas.

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