VERTICALIZAÇÃO E MODERNIDADE EM BELÉM: … Cultura em oposição a hegemonia da relação...
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VERTICALIZAÇÃO E MODERNIDADE EM BELÉM: UM ESTUDO A
PARTIR DO CARTÃO POSTAL
Túlio Augusto Pinho de Vasconcelos Chaves1
Universidade Federal do Pará
Resumo: O presente artigo desenvolve uma reflexão acerca de alguns cartões postais
produzidos na década de 1950 na cidade em Belém dando enfoque sobre a importância
da Verticalização da Cidade como instrumento divulgador de uma modernidade
necessária a afirmação da cidade de Belém enquanto Metrópole.
Palavras-Chave: Verticalização; Modernidade; Belém.
A História Cultural, ganha hoje cada vez mais espaço nas pesquisas mais recentes
sobre sociedade e Cultura, de um acerta maneira, a partir de uma ampliação do conceito
de Cultura em oposição a hegemonia da relação Infra/Super-Estrutura que Tudo
explicava. Lynn Hunt, ao analisar a formação desta “nova História Cultural”, afirma que
o grande espaço tomado pela história Cultural tem contribuído bastante para o a
ascensão da história Social. (Hunt, 1992)
Dialogar entre história social e História cultural, não é tarefa fácil, principalmente
quando percebido a grande diversidade de conceitos de cultura, discussão se estende
para além da terminologia, pressupondo diferentes formas de se encarar uma idéia de
classe ou sociedade, bem como da formas de se trabalhar a documentação. No entanto o
dialogo é necessário para se evitar a separação de conceitos como economia cultura e
sociedade, cuja imbricação é muito forte. Hobsbawm em de maneira bastante inteligente
afirma que:
O historiador das idéias pode (por sua conta e risco) não dar a mínima para a
economia e o historiador econômico não dar a mínima para Shakespeare,
mas o historiador social que negligencia um dos dois não vai muito longe.
Inversamente, conquanto seja extremamente improvável que uma
monografia sobre poesia provençal seja história econômica, ou que uma
monografia sobre inflação no século XVI seja história das idéias, ambas
1 Mestrando do Programa de Pós- Graduação em História Social da Amazônia
poderiam ser tratadas de modo a torná-las História Social. (Hobsbawm,
2007, p. 88)
A vinculação entre história e cultura, no campo da história social ganha destaque
principalmente a partir das publicações de E.P. Thompson, onde ao analisar as classes
sociais como um processo em formação a partir da luta de Classe e trabalhar a idéia de
Experiência, Thompson inclui em seu Hall de estudo a idéia de Cultura, vinculada,
acima de tudo, à formação de uma consciência de classe.
uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que há
sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a
aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente sob
uma pressão imperiosa – por exemplo, o nacionalismo, a consciência de
classe ou a ortodoxia religiosa predominante – assume a forma de um
“sistema". E na verdade o próprio termo “cultura”, como invocação
confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições
sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto
(Thompson, 1998a, p. 17).
Ao trabalhar a partir da idéia de uma Cultura de classe, Thompson chama a
atenção para se evitar uma análise de história que busque pontos de aproximação em
detrimento as diferenças.
Esta proposição se coloca diametralmente oposta ao entendimento de mentalidade
tido por parte da Escola Annales que buscava entender o que “César e o último soldado
de suas legiões, São Luís e o camponês de seus domínios, Cristóvão Colombo e o
marinheiro de suas caravelas têm em comum” (LE GOFF, 1974, P. 71).
Peter Burke, ao analisar a história cultural, contrapõe a idéia da chamada "história
cultural clássica" e da "nova história cultural", tendo como principais pontos de conflito
a própria variação nos conceitos de cultura e sua relação entre pontos de união e
diferenças sociais. Diante da questão, propõe uma história cultural que esteja ligada para
"o encontro cultural, a circularidade e o processo de cotidianização”. (BURKE, 2005,
p.40)
Empreender um estudo de história cultural que seja também de história social é,
mesmo que difícil, uma missão necessária. Roger Chartier, historiador de destaque da
História Cultural aponta para este caminho:
Pode pensar-se uma história cultural do Social que tome por objeto a
compreensão das formas e motivos – ou, por outras palavras das
representações do mundo social – que è revelia dos atores sociais, traduzem
as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que
paralelamente descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como
gostariam que fosse. (CHARTIER 1990. P. 19)
Seguindo pelo campo de uma história social das representações, este artigo busca
entende as representações de cidade, apreendidas de Cartões postais produzidos entre as
décadas de 1940 e 1950 tendo como foco o processo de verticalização.
Considerações sobre verticalização e modernidade
A Cidade do século XX desfia o céu, não mais num impulso em direção a
deus mas numa afirmação do Homem. (LE GOFF, 1997, p. 126)
Na citação acima, Le Goff expõe a verticalização como uma das questões chave
para entender a cidade contemporânea. O aparecimento do arranha-céu marcou
visualmente e culturalmente a cidade do século XX. Sonho possível a partir do
aprimoramento da tecnologia construtiva do concreto armado, do aço, bem como do
elevador, o que possibilitou o processo de verticalização das grandes metrópoles,
tornando-se sinônimo de vida moderna nas grandes cidades (SEVCENKO, 1998, p. 7-8)
Segundo a arquiteta Nadia Somekh, em seu estudo sobre Verticalização na Cidade
de São Paulo, tal fenômeno surgiu nos Estados Unidos como resultado:
de uma estratégia econômica para multiplicar áreas valorizadas, tantas vezes
quanto possível vendendo e revendendo a extensão inicial do Terreno, tendo
em vista este fato Histórico e econômico foi possível chegar a uma
conceituação do fenômeno da verticalização como a multiplicação do solo
Urbano possibilitada pelo Elevador (SOMEKH, 2006, p. 44)
Ainda para Somekh, a verticalização imprime mudanças fundamentais no mundo
da construção civil a partir da exigência de uma nova organização do canteiro de obras e
de mudanças significativas nas relações de Trabalho, surgindo uma industria
particularmente lucrativa, muito vinculada ao setor terciário da economia. Os primeiros
edifícios nos Estados Unidos tiveram suas construções financiadas para sediarem
grandes bancos, empresas seguradoras, grandes grupos industriais, etc. (SOMEKH,
2006, p. 45)
Para além disto, o crescimento vertical que marcou o processo de urbanização ao
longo do século XX não visou apenas a otimização dos investimentos imobiliários, mas
também a representação simbólica da modernização urbana, por meio da imagem do
"arranha-céu" enquanto marco do progresso da cidade e de sua inserção no contexto
internacional. (SOMEKH, 1997, p. 116).
Verticalizar-se, portanto, tornou-se uma meta para boa parte das cidades do
mundo, como uma espécie de exigência para se entrar no mundo Moderno, em um
período em que a modernidade, como reflete Marshal Berman em “Tudo que é solido se
desmancha no ar”:
nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança,
de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte
de um universo no qual, como disse Marx, “tudo que é sólido desmancha no
ar. (BERMAN, 2007, p.15).
Na leitura do ultimo capitulo da obra intitulada “Na floresta dos símbolos:
Algumas notas sobre o modernismo em Nova York”, depreende-se que a remodelação,
ou melhor, a constante reconstrução de Nova York, incluindo-se ai o Arranha-Céu, é
estudada em meio a gigantesca instabilidade do ideário de Modernidade:
Muitas de sua estruturas urbanas mais marcantes foram planejadas
especificamente como expressões simbólicas da modernidade: o Central
Park, a ponte do Brooklyn, a estatua da Liberdade, Coney Island, diversos
arranha céus de Manhattan, o Rockfeller Center e outras mais. Áreas da
cidade como o porto, Wall Street, a Broadway, o Bowery, a parte baixa do
East Side (...) ganharam força e peso simbólicos com o passar do tempo. O
impacto cumulativo de tudo isso è que o nova-iorquino vê se em meio a uma
floresta de símbolos Baudelairiana. A presença e a profusão de tais formas
gigantescas fazem de nova York um local Rico e estranho para se viver. Mas
também o tornam um lugar perigoso, pois seus símbolos e simbolismos
estão em infatigável conflito uns com os outros, em busca de sol e de luz
trabalhando para eliminar-se Mutuamente, desmanchando a si próprios e aos
outros no ar. (BERMAN, 2007, p.338).
Na primeira metade do século XX inúmeras cidades passaram pelo fenômeno da
Metropolização, a exemplo de Nova York, São Paulo, Rio de Janeiro entre tantas outras.
No entanto, reside neste ponto uma questão fundamental: o que é necessário para se
considerar um cidade uma Metrópole?
Em Importante artigo, Sandra Pesavento (1995) chama a atenção para o fato de
que a idéia sobre o que seja uma metrópole muitas vezes:
vem associada a dados concretos e evidentes, tais como padrão de
edificação, número de população, sistema de serviços urbanos
implementados, rede viária, infra-estrutura de lazer e comercial etc.
Metrópoles foram Paris e Londres, assim como Nova Iorque, São Paulo e
também o Rio de Janeiro. Ou seja, estes centros urbanos comportaram a
materialização, no tempo e no espaço, de um fenômeno social que deu
margem ao conceito de metrópole. Mas o que pensar de uma Porto Alegre
dos anos 30 do nosso século, acanhada segundo os padrões urbanos
vigentes, e que é referida pelos contemporâneos como metrópole,
vivenciando um "ritmo alucinante" de "progresso" e desenvolvimento, tal
como dizem os periódicos da época? (PESAVENTO, 1995. P. 07)
Neste ponto, Pesavento deixa claro que, para além de critérios materiais, a
definição do que seria uma metrópole è extremamente simbólica e se relaciona com a
tentativa de ser ou parecer moderno. É fundamental a compreensão de que o espaço
transformado pela modernidade, seja através da verticalização, abertura de avenidas etc,
despertam sentimentos. Novamente para Pesavento a modernização: “suscitava
sensações, percepções, e a elaboração de representações para aqueles que vivenciavam
o processo de mudança na cidade” (PESAVENTO, 1995. P. 07)
O filosofo Gaston Bachelard em sua obra A poética do espaço, onde realiza
importantes esforços na compreensão do impacto gerado pelo espaço no imaginário
social, salienta que: “O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço
indiferente entregue à mensuração e à reflexão geomatra è um espaço vivido. E vivido
não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação”
(BARCHELARD, 2008, p 19)
O cartão postal: imagem e representação
O cartão postal ganha hoje espaço fundamental nas discussões historiográficas
sobre imagem. Bores Kossoy refere-se ao cartão postal como “um mundo portátil,
fartamente ilustrado, possível de ser colecionado, constituído de uma sucessão
infindável de Temas”. (KOSSOY, 2002, p.63)
Entendendo o cartão postal como imagem construída a partir de um discurso, o
Historiador Peter Burke, em seu Livro Testemunha Ocular, apresenta importantes
considerações acerca dos usos da Imagem enquanto fonte alertando para soluções e
perigos de sua utilização.
Burke propõe que as imagens, assim como qualquer outra fonte, sejam encaradas
como importantes evidencias históricas passíveis de análise, desde que, para tal, leve-se
em consideração certos critérios, sob pena de ignorar a mensagem simbólica nela
contida. Isso porque, como afirma Burke, ao tentar “ler nas entrelinhas”, acabamos por
apreender algo que os artistas desconheciam estar ensinando. (BURKE, 2004, p.17-18)
A Fotografia é, na opinião de Burke, uma das mais sedutoras formas de se tomar a
imagem pela realidade, apresenta um poder fantástico para a História. Porém, como
afirma. “o problema para os historiadores é saber até que ponto pode-se confiar nestas
imagens” (BURKE, 2004, p.25), Trazendo o problema para o estudo das cidades, Peter
Burke alerta os historiadores Urbanos que utilizam a imagem para
possibilitar que seus leitores imaginem a antiga aparência das Cidades (...)
como se poderiam esperar, o emprego de imagens como evidencia dessa
forma não deixa de ter seus perigos”. Pintores e Tipógrafos não trabalhavam
tendo em mente futuros historiadores e o que os interessava, e aos seus
cliente podia não ser a exata representação da rua e da cidade. (BURKE,
2004, p.105)
A dinâmica do mundo Urbano serviu de Inspiração a fotógrafos desde o início da
história da fotografia. Como desdobramento o surgimento do cartão-postal, em fins do
século XIX, faz da cidade um lócus de suma importância, principalmente para a
divulgação de uma representação “moderna” de cidade.
Belém nos Cartões Postais
Há muito que os cartões postais são usados na divulgação da Modernidade urbana.
Em Belém, seu uso mais intenso remonta ao final do século XIX e inicio do XX,
período em que a cidade vivia a Chamada “Belle Epoque”2. Os cartões postais deste
2 Sobre a Questão Ver: SARGES, Maria de Nazaré. Belém: “Riquezas Produzindo a Belle-Époque” (1870-1912). Belém: Paka-tatu, 2008
Imagem 1- O prédio Moderno, Avenida larga e arborizada, automóveis... Fica claro o ideário de Modernidade almejado. Belém da Saudade, Pag. 186
período refletem muito bem a imagem moderna e civilizada de cidade que se queria
transmitir.
Em 1912, a crise gerada pela desvalorização da
Borracha, interrompe parte significativa das modificações
urbanas. Por volta da Segunda Guerra Mundial a
Borracha volta à cena, imprimindo também sua marca na formação da cidade com a
introdução novas formas de arquitetura, marcada agora pela Verticalização. Com o fim
da guerra e a nova queda dos preços da borracha a cidade vive períodos incertos de
ascensão e queda em sua economia que só se estabilizará a partir dos investimentos
federais na década de 1950.
O livro “Belém – Estudo de Geografia Urbana” de Antonio Rocha Penteado,
editado em 1968, configura-se em uma obra indispensável para a compreensão do
cenário econômico e social da cidade no período. Segundo Penteado; Se entre 1920 e
1940 Belém perdera cerca de 32.000 habitantes, a partir de 1940 ganhara 150.000,
totalizando, na década de 1960, cerca de 359.988 habitantes. Nesse período, Belém e
Manaus somavam juntas mais de 50% da população urbana da Amazônia3. Este fator,
associado aos investimentos federais, imprimia mudanças significativas em uma cidade
com mais de trezentos e cinqüenta anos, a qual, em menos de 20 anos, tivera sua
população duplicada, fato que com certeza imprimia modificações profundas na
estrutura da cidade.
3 Ver Vicentini, Yara. Cidade e História na Amazônia: UFPR. 2004 pág. 150
Imagem 2- Postal do Inicio do Século –Livraria Alfacinha, Postal demonstrando um local de Venda de Postais. Perceba-se o cartão postal não somente como meio veiculador de Modernidade, mais como um próprio símbolo de Modernidade. Belém da Saudade, Pag. 204
Em fins da década de 1940 e inicio de 1950, entrava no cenário urbano de Belém a
imponente figura do arranha-céu, o símbolo maior do desenvolvimento. Nesse contexto,
em 1º de Março de 1961 o Jornalista Roberto Jares afirmava, no quadro Síntese Social:
que “Edifícios Não param de surgir: Belém cresce”, em clara alusão a forte simbologia
do Edifício. Não obstante, naquele período eram ainda poucos os edifícios se
comparados às gigantescas frentes de crescimento urbano levada a cabo pelo
aparecimento de inúmeros conjuntos residenciais horizontais. Ainda assim, é o arranha-
céu que se torna sinônimo maior de crescimento.
Imagem3- Ver imagem em http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.
php?palavra_chave= Bel%E9m
O cartão Postal da página anterio apresenta um panorama da antiga
Avenida 15 de Agosto, hoje Avenida Presidente Vargas, com destaque
aos Edifícios “Importadora”, “Banpará” e “INAPS”, respectivamente.
Nele, a idéia de modernidade é nítida. Os edifícios e os carros
estacionados marcam o ritmo de uma cidade que se almejava moderna.
A cúpula do antigo edifício da Associação Comercial, que aparece a
direita na fotografia, quase desaparece, sendo perceptíveis as marcas
escurecidas provocadas pela chuva e pelo tempo.
O ângulo da fotografia prioriza o túnel
formado pelos edifícios, reforçando a idéia de
uma cidade plenamente horizontal, o que Belém
Detalhe do Postal, com destaque aos automóveis, também importante símbolo de Modernidade
estava longe de ser. A referida avenida, fora, sem dúvida, pioneira na verticalização na
cidade. No entanto, era a única avenida verticalizada de Belém. Todos os poucos
arranha-céus existentes se localizavam neste espaço. Fora do ângulo fotografado a
referência imagética certamente seria outra.
Imagem 4- Ver imagem em http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php?
palavra_chave= Bel%E9m
Outra interessante imagem apresenta parte da Praça da República com destaque,
ao fundo, para o recém construído primeiro bloco de um dos mais famosos edifícios da
Capital Paraense, o Edifico Manoel Pinto da Silva. Construído em três Blocos, como
dois de 11 andares e um de 26, o referido prédio é tido como o grande marco da
arquitetura vertical em Belém. Depois de concluído, em 1956, ocupava, na época, a 4º
posição entre os edifícios mais altos do Brasil (MELLO, 2007. Pag. 72).
Sua localização estratégica, ao final da Avenida 15 de Agosto, por trás do Teatro
da Paz, o fazia impossível de ser indiferente aos olhos dos transeuntes da região. Sua
posição, na esquina entre as Avenidas Nazaré e Serzedelo Corrêa, divisas entre os
bairros de Batista Campos e Nazaré, marca, segundo Mello, o início de um
deslocamento da construção de arranha-céus da Avenida 15 de Agosto, para essas
regiões, a partir da década de 1960.
No postal, ainda que o bloco mais alto não estivesse concluído, é perceptível, na
comparação com a centenária praça, o ideário de modernização da cidade, do edifício
que rasga o espaço vazio rumo ao céu como prenuncio da Modernidade.
Outro importante cartão postal
reproduzido destaca os dois primeiros edifícios
construídos no ano de 1945: os edifícios
“Piedade” e “Renascença”. Os Edifícios, ambos
com doze andares, se tornaram os primeiros
grandes edifícios residenciais de Belém.
O ângulo da fotografia, capturada a partir de
uma esquina da Avenida Oswaldo Cruz com a
Avenida 15 de Agosto, mostra, à direita, a parte
lateral do Edifício Oscar Barra, e exibe, com
destaque, os Edifícios “Renascença” e
“Piedade”, a posição estratégica da fotografia
esconde os ainda enormes espaços vazios
próprios de uma cidade Horizontal em principio
de verticalização.
Novamente o ângulo da foto, o moderno automóvel, propiciam a idéia de uma
cidade plenamente verticalizada e moderna, onde seus cidadão apesar da distancia dos
grande centros vivem (ou pelo menos deveriam viver) com tudo que a modernidade
poderia lhes proporcionar.
Um antigo estabelecimento Comercial do inicio do século, praticamente invisível na imagem,
O Moderno automóvel pintado em cores fortes tem enorme destaque
Imagem 5- Ver imagem em http://biblioteca.ibge.gov.br/ olecao_digital_ fotografias. php? palavra_chave= Bel%E9m
O simbolismo atrelado a verticalização vai para muito alem da tradicional
explicação de que a especulação imobiliária esgotaria os espaços disponíveis a moradia
no centro da cidade.
Judah Levy, importante engenheiro do período em Belém, construtor dos edifícios
supra-citados, em 1963 escreve um artigo na revista Amazônia, tradicional periódico
regional do período, intitulado “Os arranha-céus de Belém”. O mesmo apresenta um
discurso interessante para entender a questão exposta acima. Nele comenta:
São freqüentes ainda as perguntas que me chegam de amigos e até de
desconhecidos, pessoas evidentemente interessadas no desenvolvimento de
Belém, sobre questões ligadas à nova arquitetura da cidade. Situam-se de
preferência nos chamados “arranha-céus” que ainda hoje causam estranheza
aos espíritos mais conservadores, fixados na fisionomia colonial da cidade.
Suas restrições aos grandes prédios giram em torno da superfície de
Belém, que ainda permitiria a expansão em milhares de metros
quadrados de construções discretas de dois ou três andares 4(...) Mas
devemos responder aos nossos interlocutores que a nova arquitetura é uma
conseqüência inevitável do amadurecimento de todas as cidades5 (...)
Quebradas todas as resistência iniciais, que se fundiram em ultima análise do
sentimentalismo de uma frase que respondeu pelo nosso atraso – “isto não é
para nós”6 – erguemos o prédio pioneiro com o sucesso desejado. (...) Belém
Renovou a sua fisionomia. Resolveu ou está resolvendo um dos seus grandes
problemas de crescimento (...). (LEVY, 1963, p. 2)
A posição de Levy deixa Claro que a verticalização não se punha para resolver o
problema da falta de espaços mas, sim como conseqüência “inevitável amadurecimento
de todas as cidades”. O Arranha-Céu era mais que uma necessidade era a aspiração por
um uma nova cidade, por um estilo de vida, tornara se sinônimo de amadurecimento,
algo natural e que não deveria causar espanto.
Mesmo dentro de aspirações sociais a cidade como espaço da diversidade abre
espaço para visões diferentes. A tão alardeada Verticalização, portanto, não era, para
todos, um símbolo bem visto. Leandro Tocantins, em seu livro Santa Maria de Belém
4 Grifo meu 5 Grifo meu 6 Grifo meu
do Grão Pará, editado em 1963, uma espécie de Guia Histórico e Sentimental da
cidade7, não poupa críticas sobre a questão:
Por ultimo, Belém aderiu ao arranha céu, que para muita gente é o intruso, o
destruidor das melhores tradições de casa, comida, hábitos e viver
belemenses. Como renunciar ao debruço nas janelas, principalmente à
tardinha, apreciando o movimento da rua, e para as moças o ritual faceiro de
se mostrar aos rapazes? (...) O apartamento isola as pessoas no espaço
vertical e acaba com aquela associação de porta e janela com rua, que
sempre foi um ponto de encontro de namorados, conhecidos, um foco de
relações sociais. Mas a população esta aprovando, e a paisagem urbana se
modifica com a impetuosa verticalidade de arranha-céus até com 26 andares:
uma afronta para a arquitetura de excessos Horizontais da Belém
Tradicional. (TOCANTINS, 1987. PAG 240)
A idéia de “excessos horizontais”, demonstra o quão divergente era a idéia de
verticalização tão alardeada por Levy. De certa maneira a idéia de uma cidade
horizontal era vista como algo natural para o crescimento da cidade, a verticalização se
tornaria uma intrusa, uma “afronta” a Belém tradicional, horizontal, a Belém dos
quintais. Em outro ponto de seu livro Tocantins afirma que:
Belém, margeando o rio não se desdobra fotogênica ou pitorescamente aos
vossos olhos de viajante marítimo. Só os altos edifícios – o Pinto da Silva, O
Palácio do Rádio, o Renascença, o Fátima, o Antônio Velho, o Grão Pará, o
Caixa Econômica, o Assembléia Paraense, rasgam em vertical o espaço, e
marcam nestes tempos, a fisionomia da cidade vista do rio, como outrora a
Caixa d’água era o sinal peculiar de Belém. O Resto da cidade se esconde
num pudor de mulher oriental. (TOCANTINS, 1987. PAG 81)
Assim como Tocantins, outros autores debruçavam-se em criticar a pouca
sensibilidade por parte da sociedade e do poder público com a remodelação da cidade.
Aspirações a representações sobre o caminho que o crescimento urbano deveria levar a
cidade são sempre diversas. O atrelamento um ideário de modernidade significa a
entrada em um processo infinito de transformações, símbolos e simbolismos de
Modernidade como lembra Berman: “estão em infatigável conflito uns com os outros,
em busca de sol e de luz trabalhando para eliminar-se Mutuamente, desmanchando a si
próprios e aos outros no ar”. (BERMAN, 2007, p.338).
7 Termo utilizado no prefacio do Livro, escrito por Clarival do Prado Valladares.
Estudar a cidade é, portanto, muito mais do que se estudar o espaço, visto que este
não fala por si só. As representações criadas a partir dele pelo ser humano é que
imprime sua existência no tempo e no espaço. Como Lembra Gaston Bachelard “O
espaço habitado transcende o espaço geométrico”. (Barchelard, 2008, p. 62)
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