VENANCIO, Gisele - Tese Oliveira Vianna
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NA TRAMA DO ARQUIVO: A TRAJETRIA DEOLIVEIRA VIANNA (1883-1951)
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NA TRAMA DO ARQUIVO: A TRAJETRIA DE OLIVEIRA VIANNA (1883-1951)
Giselle Martins Venancio
Orientadora: Andrea Daher
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-graduao em Histria Social, Instituto
de Filosofia e Cincias Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como
parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Doutor em Histria.
Aprovada por:
______________________________
Presidente, Profa. Dra. Andrea Daher
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RESUMO
NA TRAMA DO ARQUIVO: A TRAJETRIA DE OLIVEIRA VIANNA
Giselle Martins Venancio
Orientadora: Andrea Daher
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-graduao em HistriaSocial, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de doutor em Histria.
Oliveira Vianna - considerado um dos mais importantes intelectuais brasileiros daPrimeira Repblica e um dos pioneiros dos estudos sociolgicos brasileiros organizou, aolongo de sua vida, um arquivo e uma biblioteca pessoal nos quais ordenou osacontecimentos que balizaram a sua trajetria, estabelecendo coerncias, construindocontinuidades e linearidades, visando, de certa forma, legar um esboo de sua prpria
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ABSTRACT
ABSTRACT
OLIVEIRA VIANNA THROUGH THE WEB OF THE ARCHIVES(1883-1951)
Giselle Martins Venancio
Orientadora: Andrea Daher
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-graduao em HistriaSocial, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ - como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de doutor em Histria.
Oliveira Vianna who is considered to be one of the First Republics most
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AGRADECIMENTOS
Um trabalho de pesquisa encontra sempre o momento de ser divulgado, tornado
visvel. Embora necessrio, esse instante tambm angustiante visto que a pesquisa
sempre incompleta, aberta, rica de possibilidades, mesmo quando se exige dela um ponto
final. Talvez fosse melhor que se pudesse finaliz-la com reticncias. Na hora de concluir,
releio documentos, investigo novamente o catlogo da biblioteca, procedo a reviso de
anotaes. Nas notas, encontro, alm das referncias de pesquisa, uma histria que no foi
contada na tese: a memria deste trabalho. Indcios de minhas prprias leituras,
informaes colhidas em arquivos e bibliotecas e - seno o mais recorrente, certamente o
mais prazeroso - as sugestes dadas por todos aqueles que contriburam, de alguma forma,
para a realizao deste trabalho.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Profa Dra. Andrea Daher por seu rigor e
exigncia. Sua leitura atenta contribuiu decisivamente para o aprofundamento das questes
tratadas e por uma maior elegncia na forma final do texto.
Capes, agradeo pela concesso da bolsa de pesquisa que permitiu a realizao
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Ao professor Jean Hbrard, pela leitura atenta do meu trabalho e por tantas
sugestes fundamentais para as mudanas de rumo da tese. E ao professor Afrnio Garcia,
que com sua enorme gentileza, acabou se tornando o porto seguro de muitos brasileiros em
Paris.
Alm dos registros de minha temporada parisiense, minhas notas de pesquisa
guardam tambm anotaes de rascunhos de textos, alguns posteriormente publicados edas muitas horas passadas fechada em bibliotecas e arquivos, a investigar documentos e
livros.
Sobre os textos, trs professores merecem ainda ser lembrados. professora Angela
de Castro Gomes, agradeo a freqente interlocuo ao longo de todo o processo de
redao da tese. Ao professor Antonio Carlos Souza Lima, as importantes sugestes dadas pesquisa no momento do exame de qualificao do projeto. E a professora Francisca
Nogueira agradeo o estmulo constante e as inmeras demonstraes de carinho.
Quanto as notas de pesquisas em bibliotecas, neste trabalho, por razes evidentes,
uma instituio se destaca: a Casa de Oliveira Vianna. O tempo passado nesse arquivo fez
com que eu acabasse por me tornar amiga das pessoas que l trabalham. Assim, gostaria de
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Anne, pelos constantes auxlios bibliogrficos e, principalmente, pelo carinho
com que me recebeu em sua famlia.
A Henrique, Igor e Toms, um enorme agradecimento, por terem, durante esse
longo tempo, agentado as minhas freqentes ausncias e suportado os inmeros momentos
nos quais o meu humor no correspondia ao amor que me destinavam.
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SUMRIO
INTRODUO _____________________________________________
CAPTULO 1: OLIVEIRA VIANNA NO ESPAO SOCIAL DA
PRODUO INTELECTUAL DE NITERI E DO RIO DE JANEIRO
NOS PRIMEIROS ANOS DO SCULO XX ______________________
1.1) O pequeno mundo intelectual : homens de letras e homens
de cincia ...................................................................................................
1.2) Cartografia intelectual de Niteri ...................................................
1.2.1) De Saquarema a Niteri ......................................................
1.2.2) Polticos no Londres, bicheiros no Brasil intelectuais no
Paris ................................................................................................
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2.1) As faculdades de Direito do Rio de Janeiro na Primeira Repblica
2.2) O professor Oliveira Vianna ...........................................................
2.3) Do governo do estado do Rio de Janeiro ao governo da Unio.......
2.4) A morte de Vianna, a fundao da Casa de Oliveira Vianna e a
fabricao da memria ...........................................................................
CAPTULO 3: UM FRADE BOLANDISTA NO RECESSO DE SEU
LABORATRIO DE IDIAS _________________________________
3.1) A construo de um espao de leitura: a biblioteca da casa da
alameda So Boaventura .............................................................................
3.1.1) Da biblioteca da fazenda do Rio Seco biblioteca da casa
da alameda So Boaventura ................................................
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4.1.2) Monteiro Lobato editor .......................................................
4.1.3) Populaes Meridionais do Brasil .......................................
4.2) A produo editorial de Vianna.......................................................
4.2.1) O socilogo de nossos dias e de nossa terra: a produo
editorial de Viannanos anos 20 ..........................................4.2.2) Do socilogo ao jurista: a produo de Oliveira Vianna
nos anos 30 e 40 ..................................................................
4.2.3) As obras pstumas ...............................................................
4.2.4) Oliveira Vianna e as colees de estudos brasileiros ..........
4.3) Oliveira Vianna por Oliveira Vianna: as representaes de si na
obra publicada .............................................................................................
4.4) Oliveira Vianna entre os intelectuais: trocas de correspondncias
e divulgao da obra publicada ...................................................................
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Anexo 5: MISSIVISTAS DE OLIVEIRA VIANNA E SUAS
INSTITUIES _____________________________________________
Anexo 6: PROFESSORES E DISCIPLINAS DOS CURSOS DECINCIAS JURDICAS, CINCIAS SOCIAIS E NOTARIADO DA
FACULDADE LIVRE DE CINCIAS JURDICAS E SOCIAIS DO
RIO DE JANEIRO ___________________________________________
Anexo 7: BREVE BIOGRAFIA DOS PROFESSORES DAFACULDADE LIVRE DE CINCIAS JURDICAS E SOCIAIS DO
RIO DE JANEIRO (1891) _____________________________________
Anexo 8: A FUNDAO DA SOCIOLOGIA _________________
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INTRODUO
No dia 28 de maro de 1951, morria Francisco Jos de Oliveira Vianna, em Niteri,
cidade onde viveu a maior parte de sua vida. Tratava-se de um dos mais reconhecidos
intelectuais brasileiros da Primeira Repblica, um homem que tinha exercido uma funo-
chave no primeiro perodo do governo Vargas e um dos pioneiros dos estudos sociolgicos
brasileiros. Vianna havia conhecido em vida o sucesso intelectual, porm, em seus
momentos derradeiros, havia sido alvo de constantes crticas.
Oliveira Vianna nasceu em Saquarema, no ano de 1883. Sexto filho de uma famlia
de proprietrios de terras, publicou, aos 37 anos, seu primeiro livro, concludo dois anos
antes: Populaes Meridionais no Brasil. Sua trajetria, at esse momento, inclua a
formao em Cincias Jurdicas e Sociais, em 1905 e a docncia de Direito Judicirio e
Penal e de Direito Industrial, desde 1916, na Faculdade de Direito de Niteri. Mais tarde,
Oliveira Vianna viria a ocupar, ainda, diversos cargos na burocracia estatal, tais como,
diretor do Instituto de Fomento Agrcola, em 1926, Conselheiro do Interventor Ari
Parreiras, em 1930, Consultor Jurdico do Ministrio do Trabalho, de 1932 a 1940, e
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Na viso de seus herdeiros intelectuais
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, a primeira medida necessria para fazercom que todos reconhecessem o justo lugar de Vianna no campo da produo intelectual no
Brasil e evitar o seu esquecimento definitivo era preservar o espao onde ele havia vivido a
maior parte de sua vida: sua casa da alameda So Boaventura, 41, no Fonseca, Niteri.
Imediatamente aps a sua morte, iniciou-se o processo para transformar esse espao em
uma fundao, mantida pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo degarantir a preservao de sua memria.
A casa testemunhava a existncia de Vianna e legava s futuras geraes uma
organizao objetiva de seu passado e a imagem que ele havia fabricado de si mesmo
atravs da conservao de papis e livros. Freqentemente, as representaes dos
indivduos so forjadas a partir de construes pstumas. No caso de intelectuais como
Vianna, so comuns os discursos no momento do enterro, as biografias, reedies de sua
obra e os eventos que servem para marcar de alguma forma a despedida. So essas
homenagens que recriam a pessoa no templo da memria3.
No caso de Vianna, essa construo da memria, embora acentuada no momento de
sua morte, teve incio muitos anos antes, no instante em que ele prprio decidiu organizar
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o dizvel e o indizvel, o memorvel e o imemorial. Mostrava-se o homem pblico e ointelectual, ocultava-se a dimenso privada de sua vida.
Analisar essa escrita exige a observao cuidadosa de sua especificidade. Os
arquivos privados pessoais podem, como quaisquer outros, ser considerados (...)
evidncias das transaes da vida humana6, no entanto, possuem caractersticas
especficas que os tornam tambm bastante singulares como fonte para os estudos
histricos. Qualquer arquivo classificado, fundamentalmente, a partir da origem de seus
documentos, ou seja, pelo processo de acumulao. Por esse motivo, melhor seria defini-los
como arquivo de provenincia pblica, cujos documentos remetem-se a instncias do
Estado, ou arquivo de provenincia privada, acumulados por pessoas fsicas ou jurdicas
sem relao direta com rgos estatais. Segundo Garcia7, a noo de documento pblico
aparece cada vez mais associada de mandato, e quem detm uma parcela da autoridade
pblica produz documentos pblicos. Mas, muitas vezes, um arquivo, de origem privada,
pode mudar de natureza, se forem alteradas as relaes entre a entidade produtora e o
Estado8.
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deveria integrar fundos de arquivos pblicos, masque foi privatizada pelos agentes que estiveram
frente de cargos por um determinado perodo,
passando a integrar sua documentao pessoal,
demonstrando nessa mlange de esferas e
confuses, imbricaes e impropriedades que
caracterizam as relaes entre pblico e privado
nesse domnio.10
Entre os arquivos privados, pode-se identificar ainda um tipo especfico: os arquivos
privados pessoais, que se definem, principalmente, pelo fato de todos os documentos do
acervo possurem como marca identitria uma relao direta com o nome prprio do titular
do arquivo. Num arquivo pessoal, o nome do titular que cria a identidade fundamental do
acervo constitudo. E a partir dele que se organiza a srie de documentos acumulados.
O risco que se pode correr ao se trabalhar com arquivos privados pessoais o de se
acreditar que eles traduzem uma viso mais verdadeira do indivduo medida que foi
organizado pelo prprio titular. Cria-se a falsa noo que identifica os conjuntos
documentais de origem pessoal a uma manifestao concreta e objetiva da memria
individual de seus titulares.
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Interrogar um arquivo pessoal significa compreender a escolha e a classificao dosdocumentos guardados, historicizando cada corpus de texto. Como acentua Bourdieu,
necessrio que se faa uma crtica do estatuto social dos documentos, interrogando-se sobre
seus usos e destinos12.
O arquivo pessoal sempre organizado para enunciar e criar um pensamento, uma
reflexo, uma histria. Ao longo da vida, muitos dos registros acumulados por um
indivduo so descartados e o resultado dessa ao que se conserva apenas uma parte
desses vestgios. Atravs de uma triagem diria, so arrumados, desarrumados,
classificados os papis, pondo-se em ordem a desordem cotidiana. Ao arquivar, o
colecionador, de certa forma, manipula a existncia: omite, ignora ou d destaque a certas
passagens. A escolha e o registro de determinados acontecimentos, pensamentos e
reflexes, determinam o sentido que o colecionador busca dar ao arquivo. Como anota
Artires13, muitas vezes,
arquivar a prpria vida por-se no espelho,
contrapor imagem social a imagem ntima de si
prprio, e nesse sentido o arquivamento do eu
uma prtica de construo de si mesmo e de
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compreenso de configuraes intelectuais mltiplas que exibem uma memria especfica.A anlise desse tipo de fonte permite a compreenso das relaes estabelecidas entre as
representaes subjetivas do titular do arquivo e a memria que se constri sobre ele. A
explorao de arquivos pessoais pode, dessa forma, contribuir para o trabalho do
historiador, revelando dimenses do vivido ocultas em outros tipos de anlises histricas.
O arquivo de Oliveira Vianna guarda a leitura e a escrita de si prprio, ao
mesmo tempo que as mltiplas leituras e escritas de todos aqueles que passaram por sua
organizao. Sem dvida, o arquivo constitui uma memria de Oliveira Vianna que pode
ser decodificada atravs de um trabalho interpretativo de seus documentos. Pomian15
observa que, ao contrrio dos monumentos que remetem ao passado num simples olhar, os
arquivos e documentos precisam ser decifrados e criticados. Segundo ele, o arquivo uma
memria objetiva, porm virtual. a leitura histrica que o reatualiza, ressignificando-o e
tornando-o suporte da memria.
O arquivo privado pessoal de Oliveira Vianna constitui, assim, uma memria a ser
decifrada que pode, medida que explorado e analisado, informar sobre aspectos at
ento ignorados sobre ele e suas relaes sociais. Entrar nesse arquivo e reconstituir a
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Dessa forma, essa investigao insere-se num tipo de produo historiogrfica que
passou a revalorizar os vestgios escritos associados aos indivduos, principalmente aqueles
onde estavam registradas suas escolhas, intenes e aes pblicas. Ao romper com a
postura que destacava a anttese entre o individual e o social, os historiadores atuaram no
sentido de restaurar o papel dos indivduos na construo dos laos sociais.18
Ao circunscrever-se o mbito da investigao, tornou-se possvel sobrepor as
diversas sries documentais no tempo, de modo a, por exemplo, encontrar-se o mesmo
indivduo em contextos sociais diversos19, proposta que acabou por promover a
redescoberta da biografia. Sabina Loriga, anota que a revalorizao da biografia foi por
vezes vista como uma capitulao diante de uma histria tradicional. Freqentemente mais
atentos dimenso coletiva da experincia histrica, alguns historiadores afirmaramque se
estava correndo o risco de se abandonar a histria-problema para voltar a uma histria
cronolgica, baseada em uma frgil conceituao20. Destacar um destino individual levava
os historiadores a temerem um abandono das reflexes mais voltadas para o social e um
retorno antiga idia de valorizao do heri, do gnio, do excepcional21.
Como resposta a essa crtica, os historiadores interessados no gnero biogrfico
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portadoras23. A idia de itinerrio rompia com a antiga viso de biografia como um relato
linear e cronolgico. Essa noo buscava desvendar os mltiplos fios que ligavam um
indivduo ao seu contexto, recuperando a relao e no reforando a anttese entre o social e
o individual.
A concepo aproximava-se da noo de trajetria, elaborada porPierre Bourdieu,
que opunha idia de narrativa biogrfica, com base no pressuposto de que a vida constitui
um todo coerente e orientado que se desenrola numa ordem cronolgica, o conceito de
trajetria partindo da idia de que o real descontnuo24.
O arquivo privado e a biblioteca de Vianna sugerem, como se disse, uma escrita
autobiogrfica que instiga a sua problematizao e convida elaborao de uma biografia,
compreendida como trajetria.
A aproximao com os documentos do arquivo e com os livros da biblioteca da
Casa de Oliveira Vianna para a elaborao deste trabalho, resultou numa reflexo
formalizada em 4 captulos.
No primeiro, intitulado Oliveira Vianna no espao da produo intelectual de
Niteri e do Rio de Janeiro nos primeiros anos do sculo XX, pretende-se traar uma
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produzem bens culturais permite elaborar uma viso da sociedade a partir da observao
de cada agente ou cada instituio em suas relaes objetivas com todos os outros26.
A anlise desenvolvida nesse primeiro captulo particularizada pelas redes de
sociabilidade estabelecidas entre os intelectuais, com destaque especial para a utilizao da
correspondncia passiva de Vianna.
Assim, primordial perceber como se posicionaram os diversos intelectuais diante
das instituies que compunham o campo intelectual, em Niteri e no Rio de Janeiro, nos
primeiros anos do sculo XX e como Vianna se inseria nesse campo a partir da anlise das
instituies a que pertencia e de sua correspondncia social. A trajetria de Oliveira Vianna
pensada, assim, em relao aos seus pares, buscando-se estabelecer, em contraposio
uma anlise dos pensamentos individuais, uma histria da intelectualidade.
O segundo captulo, chamado O magistrio e os empregos pblicos: alternativas
profissionais para Vianna no mundo das letras, trata especificamente do processo de
formao acadmica de Vianna, assim como de seu itinerrio profissional. Em que medida
sua formao acadmica influenciou, permitiu ou limitou suas escolhas profissionais?
Quais eram os caminhos possveis para os homens de letras que desejavam uma renda
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Em suma, esse captulo investiga o processo de formao do acervo da biblioteca,
bem como o seu percurso de leitor e os vestgios da maneira pela qual se realizou a sua
produo escrita.
No ltimo captulo da tese, denominado A obra publicada de Oliveira Vianna,
esboa-se a sua trajetria editorial, reconhecendo-se que sua produo intelectual insere-se
numa problemtica mais ampla, relacionada qualificao social na qual Vianna se inseria.
Busca-se investigar em que medida o trabalho de seus editores contribuiu para a
transformao de Vianna em um dos autores considerados referncia fundamental na
histria do pensamento social brasileiro.
Ao longo de toda a pesquisa, optou-se por utilizar o conjunto de correspondncias
passivas conservadas no arquivo de Vianna como fio condutor da anlise das suas formas
de insero social e profissional no mundo das letras.
A srie de correspondncias investigadas destacava-se entre os diversos documentos
guardados no arquivo de Vianna. Documentos tpicos de arquivos privados pessoais, as
cartas possuem caractersticas ao mesmo tempo ntimas e pblicas, pessoais e relacionais.
A. Castillo Gomez destaca a importncia da correspondncia como fonte para os estudos
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somente pela sua quantidade, mas porque registra uma forma especfica de sociabilidade.
No trabalho sobre as cartas destaca-se, justamente, suas estratgias e prticas de
relacionamento pessoal e profissional. No se trata de traar uma nova representao desse
intelectual que elimine aquela j sedimentada pelos seus estudiosos, mas compreender de
que forma a escrita epistolar constituiu uma prtica que visava estabelecer e manter uma
rede de relaes sociais, profissionais e intelectuais.
O arquivo de Oliveira Vianna guarda uma grande quantidade de cartas, tendo sido
preservadas tanto a sua correspondncia passiva quanto uma parte, embora pequena, de
cpias de sua correspondncia ativa. Considerando-se os documentos presentes nesse
acervo, pode-se verificar que Vianna guardou das cartas que recebeu, em cerca de 40 anos,
1499 exemplares, o que corresponde a uma mdia de 37 por ano, cerca de 3 por ms. Com
relao s cartas que escreveu, esto presentes no arquivo 90 exemplares de cpias ou
rascunhos dos textos enviados. Essa quantidade de cpias das cartas escritas por Vianna
no deve ser minimizada, visto no ser comum em arquivos desse tipo (privado e pessoal) a
guarda da correspondncia ativa. Nesta pesquisa, portanto, optou-se por se trabalhar com a
correspondncia passiva de Vianna, visto ser este acervo maior e mais completo.
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mecanismos de sua circulao e a sua presena num arquivo, isto , o conhecimento dos
gestos em prol de sua conservao, deixa entrever os critrios que definiram sua
importncia.
Por esse motivo, elaborou-se, neste trabalho, em relao ao acervo de
correspondncias passivas de Oliveira Vianna, uma tipologia dos documentos presentes. H
nesse arquivo diversas formas de correspondncias que podem ser classificadas em seis
tipos distintos, divididos em trs grupos.
No primeiro grupo, esto as cartas que se pode caracterizar como expressivas de
suas relaes de amizade e de prestgio poltico. So aquilo que Michel Trebitsch29 define
como correspondncia-rede, muito mais importantes pela funo que desempenham do que
por seu contedo. Ele composto: da correspondncia social mensagens de Natal e BoasFestas; participao de nascimento, de novo endereo; congratulaes por novos cargos
ocupados por Oliveira Vianna; convites para festas; cartes postais; aviso de falecimento;
agradecimento de manifestao de pesar; cartas desejando melhora de sade e pronto
restabelecimento, em caso de doenas, e convites de casamentos - e tambm das
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materiais - nestas so destaques principalmente as correspondncias referentes aquisio
de livros - e as correspondncias sobre assuntos cotidianos pagamentos de emprstimos;
solicitao de emprstimos; informaes acerca de inventrios e causas judiciais familiares.
Este grupo de correspondncias no foi particularmente analisado nesta pesquisa.
Apenas alguns exemplares foram utilizados, no terceiro captulo da tese, para se obter
informaes sobre o processo de aquisio de livros por Vianna, tanto em livrarias
estrangeiras quanto brasileiras.
O terceiro conjunto de correspondncias caracterizado pelas cartas que compem
o que chamamos aqui a sua comunidade de leitores, o seu grupo de troca intelectual.
Seriam as que M. Trebitsch denomina as correspondncias-laboratrio, em que as idias
trocadas pela via epistolar so parte do prprio trabalho intelectual. Estas cartas so
destacadas tanto por sua funo de estmulo, inspirao e desenvolvimento do trabalho
intelectual quanto pelo seu contedo, pois ele prprio constitutivo do trabalho intelectual.
Esse grupo formado pelas cartas que se referem a questes intelectuais so as que
tratam de opinio sobre textos e livros; solicitao para publicao de artigos, livros e
textos; pedidos de doao de livros para bibliotecas e instituies; solicitao de autgrafos
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CAPTULO 1: OLIVEIRA VIANNA NO ESPAO SOCIAL DA PRODUOINTELECTUAL DE NITERI E DO RIO DE JANEIRO NOS PRIMEIROS ANOS
DO SCULO XX:
1.1) O pequeno mundo intelectual : homens de letras e homens de cinciaA identidade dos homens pblicos na RepblicaVelha passava fundamentalmente por suacondio letrada. De maneira geral, na virada do
sculo, as letras representavam importantes benssimblicos1.
Oliveira Vianna produziu sua obra entre os anos 10 e os anos 50 do sculo XX,
perodo em que se esboava um processo de definio das cincias sociais e forjava-se um
embate entre as cincias, ditas sociais, e a literatura. Definiam-se, desta forma, os limites
dos espaos literrios e cientficos, medida que se tentava identificar quem eram os
homens de letras e os de cincia.
Por um lado, na Academia Brasileira de Letras, criavam-se polmicas com as
eleies de indivduos considerados homens no de letras2, como o mdico Osvaldo
Cruz3. Por outro, os homens de cincia, auto-definindo-se como intelectuais que lutavam
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desde meados do sculo XIX, no Brasil, vinham se organizando criando espaos de
sociabilidade e de atividade literria e cientfica.
A impreciso do conceito de intelectual um aspecto referido, unanimemente,
pelos diversos autores que se preocuparam com a histria dos intelectuais. A respeito deste
tema, Jean Franois Sirinelli afirma: Com freqncia se destacou o carter polissmico da
noo de intelectual, o aspecto polimorfo do meio dos intelectuais, e a impreciso da
decorrentes para se estabelecer critrios de definio da palavra (...)5. E ainda Roger
Chartier comenta: s certitudes lexicais das outras histrias, a histria intelectual ope
uma dupla incertitude de vocabulrio. Cada historiografia nacional possui suas prprias
designaes, e em cada uma delas diferentes noes, mal distintas umas das outras, entram
em competio6.
Assim, considerou-se a participao nessas sociedades que surgiam - espao onde
os eruditos se encontravam, discutiam e mantinham trocas culturais como o aspecto
bsico para a definio da prpria condio de homens de letras e de homens de
cincia7 no Brasil na primeira metade do sculo XX.
Ao contrrio da viso idealizada de intelectuais que se mantinham reclusos em
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se do mundo e perde uma das referncias bsicas de sua condio, a possibilidade de
intercmbio e de aprofundamento se suas idias9.
Tambm os homens de cincias buscaram estabelecer, neste momento, centros de
pesquisa e ensino onde pudessem discutir e (re)elaborar modelos cientficos que melhor se
adequassem investigao dos aspectos singulares do pas10. Os museus etnolgicos e as
escolas de direito e medicina eram espaos privilegiados de discusso cientfica, em que
modelos tericos importados, principalmente da Europa, revelavam propostas originais
para a soluo dos problemas do Brasil. Segundo Lilia Schwarcz,
Longe de conformarem um grupo homogneo,divididos em funo dos vrios interesses
profissionais, econmicos e regionais (...) essesintelectuais guardavam, porm, certa identidade
que os unia: a representao comum de que osespaos cientficos dos quais participavam lhesdavam legitimidade para discutir e apontar osimpasses e perspectivas que se apresentavam
para o pas. Reduzida, essa elite ilustradaacabava circulando pelos diferentes centros eestabelecendo relaes de intercmbio cultural,
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idias e estabeleciam suas relaes com o conjunto da sociedade12. O estudo das estratgias
de sociabilidade utilizadas por esses grupos torna-se, assim, uma via frtil para a definio
do prprio conceito de intelectual da poca, medida que, ao invs de se tentar estabelecer
os limites do campo intelectual, busca-se compreender o seu funcionamento. A noo de
campo de produo intelectual desenvolvida aqui inspirada na proposta de Pierre
Bourdieu, que considera campo de produo intelectual, um espao singular, de luta
concorrencial, onde as obras so elaboradas e onde se tramam as carreiras 13. No se trata
de determinar quem pode ou no ser considerado intelectual, mas sim de perceber quem
so as pessoas que circulam nos meios literrios, culturais e cientficos e as funes que
elas ocupam nestes espaos14.
Para isso, busca-se identificar a localizao dos intelectuais no interior do campo
para, dessa forma, estabelecer uma histria da intelectualidade. Em contraponto, como
afirma Chartier, a uma histria dos pensamentos individuais, pretende-se elaborar uma
outra histria, que a das categorias e esquemas partilhados e incorporados15.
Atravs das idias de lugar e redes de sociabilidade e de itinerrio intelectual16,
busca-se compreender o espao social por onde Oliveira Vianna circulava, produzia e
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de Direito do estado do Rio de Janeiro18, em Niteri, onde era professor, encontrava outro
espao de intercmbio cultural com alunos e colegas. Atravs das revistas e nos jornais com
os quais colaborou, estabeleceu uma imagem que permitiu o seu reconhecimento intelectual
ao mesmo tempo que criou um pblico leitor.
Oliveira Vianna pertencia, certamente, a um grupo de intelectuais cuja sociabilidade
se dava principalmente atravs da escrita. Isso o mantinha longe das prticas intelectuais
fundadas na sociabilidade mundana e corroborava a sua auto-representao idealizada de
homem de letras para o qual a condio de letrado pressupunha o afastamento do mundo.
Segundo esta auto-representao, somente longe das paixes e dos divertimentos, o homem
de letras poderia cultivar o seu esprito crtico e criativo.
Fortalece-se, assim, a hiptese de que foi atravs da escrita epistolar que Vianna
estabeleceu e manteve a sua rede de sociabilidade, pois ao mesmo tempo que se esboava
essa auto-representao, Vianna guardava, em seu arquivo pessoal, cartas, bilhetes,
documentos que so registros do privilgio dado a suas relaes pessoais. A anlise mais
atenta da correspondncia social presente em seu arquivo pessoal sugere, assim, a imagem
de um homem recluso que mantinha uma forma prpria e singular de relacionamento
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A correspondncia de Oliveira Vianna pode, seguramente, ser vista como uma via
privilegiada para investigar sua rede de relaes. Tanto mais porque as cartas oferecem,
diferentemente de outros escritos, marcas de relaes mtuas, visto que a prtica epistolar
de um indivduo s existe em funo de uma interlocuo. portanto uma via de mo
dupla, um ir e vir entre uma inteno anunciada, uma espera ansiosa e uma resposta que
tem, por principal funo, o reestabelecimento do incio do processo.
A leitura das cartas de Vianna permite relativizar a interpretao corrente20 que o
considera um intelectual recluso e solitrio, destacando justamente suas estratgias e
prticas de relaes pessoais.
1.2)
Cartografia intelectual de Niteri:1.2.1) De Saquarema a Niteri:
Oliveira Vianna chegou a Niteri em 1897 vindo de Saquarema21, cidade onde
nasceu na fazenda do Rio Seco, em 20 de junho de 1883.
Os seus pais, o coronel Francisco Jos de Oliveira Vianna e dona Balbina de
Oliveira Vianna tiveram seis filhos Com o mesmo nome do pai Francisco Jos o Chico
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A regio de Saquarema, na Baixada Fluminense, onde se localizava a fazenda,
havia, na segunda metade do sculo XVIII, se desenvolvido a partir da implantao de uma
importante lavoura canavieira. Embora cultivada em propriedades menores que as de
Pernambuco e do Recncavo Baiano, a cana de acar ganhou, no perodo citado, uma
significativa importncia nesta regio22.
Ao longo do perodo imperial, a lavoura aucareira foi paulatinamente cedendo
lugar expanso cafeeira, pois a Provncia dispunha de elementos favorveis para o plantio
de ps de caf: ampla oferta de terras, clima e relevo adequados, fora de trabalho
subutilizada, estrutura comercial instalada a partir dos negcios com o acar, tropas de
muares e porto prximo23. Assim, a Provncia do Rio de Janeiro, com sua economia
baseada nas atividades ligadas ao acar e ao caf, destacou-se, durante o perodo do
Imprio, como a principal regio econmica do pas e tambm como o centro do
conservadorismo escravista. Grandes proprietrios de terras de Saquarema, como Joaquim
Jos Rodrigues Torres e Paulino Jos Soares ocuparam nesse perodo, importantes cargos
na poltica.
Joaquim Jos Rodrigues Torres foi o primeiro presidente da Provncia do Rio de
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futuro Visconde de Itabora, Paulino Jos Soares de Sousa, futuro Visconde do Uruguai, e
Eusbio de Queirs24.
A produo cafeeira trouxe ainda uma grande modernizao para a Provncia do Rio
de Janeiro. Enquanto a produo aucareira usava, basicamente, o transporte fluvial, o caf
era transportado prioritariamente por via terrestre. Por isso, a expanso cafeeira imps a
necessidade de construo e melhoria de novos caminhos. O surgimento das ferrovias
impulsionou ainda mais os negcios do caf, pois as estradas de ferro uniam com maior
rapidez os centros produtores do interior ao porto do Rio de Janeiro. Com a melhoria nas
condies de transporte, novos centros produtores comearam a surgir. Se at 1860 os
grandes produtores estavam localizados na regio ocidental do Vale do Paraba,
destacando-se Resende, Barra Mansa, Vassouras, So Joo Marcos e Passa Trs, a partir
dessa data valorizou-se a face oriental da bacia do Paraba, destacando-se o eixo produtor
formado entre Cantagalo e Paraba do Sul.
Apesar da expanso do nmero de lavouras e da rea plantada, o setor cafeeiro
fluminense passou a enfrentar, nas ltimas dcadas do sculo XIX, srios problemas:
Tratava-se, na verdade, de uma crise estrutural.
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fazenda, mantendo ainda a educao dos filhos. Foi ela quem iniciou o filho nas primeiras
letras, situao comum no meio rural brasileiro da poca. Assim, Francisco Jos aprendeu a
ler nos livros da pequena biblioteca da fazenda.
A biblioteca, formada pelo coronel Francisco Jos nas suas visitas a livrarias da
cidade do Rio de Janeiro, era parte da sede da fazenda, que possua ampla sala, quartos
grandes e arejados e uma imensa cozinha26. Francisco Jos, ainda menino, costumava
visitar esse espao:
Nas horas dos folguedos infantis metia-se pelabiblioteca do pai, esquadrinhando tudo e lendocom avidez tudo o que lhe caa nas mos. Leu,dessa maneira, Gil Braz de Santilhana27, o DiaboCxo, um livro de medicina e exemplares da
Revista da Semana, colecionados entre 1884 e1885. 28
Aps aprender a ler, Francisco Jos passou a freqentar a Escola Pblica Estadual,
localizada na cidade de Saquarema, dirigida pelo professor Quincas Souza, e freqentada
principalmente por alunos de origem humilde. Algum tempo depois, Vianna foi transferido
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uma situao de desequilbrio diante de condies econmicas desfavorveis, o
investimento em educao e a opo por um curso superior que lhe possibilitasse lugar de
destaque na sociedade poderia impedir um maior rebaixamento social da famlia29.
Quando Vianna chegou a Niteri, vindo do interior do estado, os jornais
anunciavam:
Salve Sculo XIX Salve Animatgrafo Lumire - A
ltima palavra do engenho humano. A maissublime maravilha de todos os sculos. Pinturasmoverem-se, andarem-se, trabalharem, ouvirem,chorarem, morrerem, com tanta perfeio enitidez, como se homens, animais e coisasnaturais fossem o assombro dos assombros. Salve
Lumire! O Animatgrafo Lumire invento to
majestoso, soberbo e imponente, que a prprianatureza, que privilegiou o seu autor, conserva-seesttica diante de sua pasmosa contemplao!
A exibio dos diversos quadros, que seroexpostos admirao do pblico, to primorosoe sedutor atrativo, que, quem por ela uma vez
surpreendido, procura irresistivelmente emergirsempre o seu esprito observador da deliciosa
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luz eltrica, o cinematgrafo, os automveis faziam com que o tempo, no dizer de Joo do
Rio, parecesse passar mais rpido:
Oh! O automvel o criador da poca vertiginosaem que tudo se faz depressa, com o relgio namo, e ganhando vertiginosamente tempo aotempo. (...)32 .
Niteri tambm passava naquele momento por importantes modificaes napaisagem urbana33. Foi considerada cidade em 28 de maro de 1835, depois que a Vila Real
da Praia Grande foi escolhida para sediar o governo da Provncia, pois a criao do
Municpio Neutro34 como sede do Governo Geral, havia separado a cidade do Rio de
Janeiro, poltica e administrativamente, da Provncia do Rio de Janeiro.
A projeo de Niteri condio de capital da Provncia colaborou para o seurpido desenvolvimento, ao longo do sculo XIX. Um plano de transformaes urbanas foi
elaborado, em 184135, englobando, de um lado, os bairros de So Domingos, Gragoat e
Ing e, de outro, Icara e uma parte de Santa Rosa, esse ltimo chamado, naquela poca, de
Vila Nova de Icara. Este plano previa o traado de ruas paralelas e perpendiculares,
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1849, a ligao pelo litoral, do centro da cidade a Icara, passando pelo Ing, fora
concluda com a destruio com dinamites do arco de Itapuca, uma espcie de gruta situada
beira do mar. At aquele momento, a ligao de Icara com o centro da cidade fazia-se
pelo interior, passando pelas atuais ruas da Conceio e Marqus do Paran.
Ao longo do sculo XIX, ainda, as ruas do centro, de So Domingos e Gragoat,
passaram a contar com iluminao pblica (em 1837, movida a leo de baleia e, a partir de
1847, a hidrocarbureto). Depois de 1871, a iluminao pblica passou a funcionar a gs e,
em 1906, a eletricidade.
Os bondes apareceram em 1871. Num primeiro momento, puxados por animais,
sendo substitudos mais tarde, por bondes eltricos. As dezenas de linhas de bondes
cobriam praticamente toda a extenso da vila: de um lado, bondes que iam de Icara a Santa
Rosa e de outro, os que se dirigiam aos bairros do Barreto, Neves e trafegavam ao longo da
estrada de Maric, margem do rio Vicencia, antecipando o que viria a ser o traado da
atual Alameda So Boaventura.
Alguns anos mais tarde, seria nesta regio da cidade que a famlia Oliveira Vianna
se estabeleceria. Mesmo no tempo em que moravam em Saquarema, os Oliveira Vianna
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Em fins de 1900, Vianna submeteu-se aos exames do Pedro II, concluindo assim
seus estudos secundrios. O prximo passo seria o curso universitrio. Oliveira Vianna
pretendia cursar a Escola Politcnica, visto ser a matemtica sua disciplina preferida.
Porm, acabou por matricular-se na Faculdade de Direito. Seu principal bigrafo,
Vasconcelos Torres, afirma que a mudana se deu pelo simples fato de ter perdido o prazo
de inscrio na Politcnica.
A matemtica seduzia-o . Para quem prezava aobjetividade, nada melhor que lidar com osnmeros. A prxima etapa, indiscutivelmente,
seria a Escola Politcnica. Seu sonho era esse.Lera o programa do vestibular e admitia seraprovado, ele que at ento havia sido o primeiroaluno nos cursos que freqentara. Tudo pronto
para o desideratum.(...) Estava em ordem apapelada para a matrcula. Semanas antes daprova a sua dedicao no teve limites e aconfiana na admisso dominava-lhe a alma.
Feliz, comparece secretaria da Escola e exibeos documentos. Examina-os um funcionrio quecom frieza, lhe diz ter-se encerrado o prazo dasinscries Um impacto atingira lhe o corao
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Lencio de Carvalho43, Cndido de Oliveira, Mrio Vianna, Ddimo da Veiga, Arajo
Lima, Barros Pimentel e Serzedelo Corra.
Apesar deste primeiro contato com o espao cultural do Rio de Janeiro, a vida
intelectual de Oliveira Vianna permaneceria incontestavelmente ligada cidade que
escolheu para morar. em Niteri que Vianna estuda, trabalha e tece sua mais importante
rede de sociabilidade intelectual.
1.2.2) Polticos noLondres, bicheiros noBrasile intelectuais noParis:
Falar da vida intelectual de Niteri significa referir-se imediatamente aos cafs,
locais onde os intelectuais se reuniam informalmente para conversas, discusses e trocas de
idias. Os cafs podem ser vistos e analisados como um importante espao de
sociabilidade, como destaca Velloso, ao analisar o modernismo na cidade do Rio de
Janeiro. O caf (...) o local onde os intelectuais conseguem exercer a criatividade,
dando vazo sua sensibilidade artstica, to sacrificada no horrio do trabalho pblico.
Alm do mais, nesse local que se travam relaes de amizade, efetuando-se os contatos
sociais 44.
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Inaugurao da Estao Hidroviria dePassageiros (Estao Central das Barcas), 1908.Cole o Funiarte Niteri RJ.
Segundo Lyad de Almeida, o Caf Paris foi a grande roda dos bomios de
Niteri45. Localizado na rua Visconde de Rio Branco no. 417, situava-se no trecho
compreendido entre as ruas da Conceio
e Coronel Gomes Machado, no corao
da cidade.
Essa regio se havia tornado o
centro propulsor das atividades
comerciais, sociais e intelectuais de
Niteri, desde 1908, momento em que,
com a desativao das antigas estaes
das barcas, a de Nichteroy, da Ponte
Velha e a de So Domingos, o centro
comercial da cidade organizou-se em
torno da praa Martim Afonso. A
inaugurao da Estao Central das
Barcas mudou a fisionomia urbana da
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Brasil era o quartel-general dos bicheiros e
dos apostadores do famoso jogo. O Caf Paris,situado no andar trreo do hotel do mesmo nome,era freqentado pelos poetas, escritores ebomios (...)48.
O Caf Paris49 ocupava o oitavo prdio a partir da rua Coronel Gomes Machado. Na
loja da esquina, nmero 399, havia, em 1910, um armazm de secos e molhados e, mais
tarde, um depsito de gelo. Algum tempo depois, instalou-se ali o Caf Vista Alegre e,
numa das portas, que recebeu o nmero 399-A, a Casa Amorim, de comestveis finos. A
loja seguinte, de nmero 403, era ocupada
pela A Cooperativa, uma empresa de
confeces que veio a incorporar depois a
casa ao lado originariamente destinada a
negcios de vidraaria, molduras e papis
pintados. A casa de nmero 405, que havia
sido primitivamente ocupada pelo cinema
Nictheroy depois pelo Grande Emprio
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da cidade daquela poca. Ao lado do Caf Paris, localizado no nmero 417, estabelecia-se a
Casa Vianna, de calados, que, mais tarde, passou a denominar-se Casa Bordallo. Na loja
de nmero 425, localizava-se a Padaria e Biscoutaria Central, at 1913, quando o prdio foi
ocupado pelo ento chamado Caf Londres. A partir da, a rua sofria um grande recuo onde
se localizava o Cinema Royal seguido de pequenas lojas como a Casa So Joo, de
comrcio de vitrolas, rdios e gramofones, um escritrio de uma empresa de mudanas e na
esquina da rua da Conceio, a Confeitaria Luso-Brasileira50.
O prdio do Caf Paris dividia-se em dois espaos distintos. No primeiro, localizado
na parte da frente, ficava o caf, onde se podia ver porta um quadro-negro em que
estavam escritos os principais pratos do dia servidos no restaurante, localizado na parte dos
fundos. O caf e o restaurante eram separados por portas de vaivm envidraadas.
esquerda situava-se a cafeteria onde eram preparadas as bebidas, caf, leite e chocolate a
serem servidas aos fregueses. Do outro lado, direita da entrada principal, ficava o caixa do
estabelecimento, onde o dono Sr. Meirelles51, controlava o trabalho dos gares e as contas
da freguesia.
No salo do caf estavam dispostas dezoito mesas de ps de ferro e tampo de
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Muito ao longe... Depois Leito sorrindo,
Descreve a dura vida de um pirata.
Depois o Tangerini calmamaente,De improviso recita alegrementeUma poesia linda como o amor!
A roda fica besta novamente,Gonzaga ento levanta sorridente
E murmura um soneto de valor...52
Alguns autores afirmam que foi em 1922 que os bomios de Niteri passaram a se
encontrar no Caf Paris53. Almeida, entretanto, contesta essa data, citando Loureno Araujo
que afirma:
No certo que a roda literria do Caf Parisse tenha formado em 1922. O Caf j existiadesde 1898, e nele se reuniam, ainda nos
primeiros tempos, segundo consta, jornalistas epoetas, para trocar idias sobre literatura epoltica. Em 1913, quando comecei a freqent-lo, j ali se encontrava o CenculoAmbulante54
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Peixoto58, Eurpedes Ribeiro59, Isidro Nunes60, Altino Pires61, Lus de Sousa Dias62 e
Luciano Gualberto63.
Aos poucos, a esse grupo, foram-se juntando novos membros como Luis Pistarini de
Resende64, Elias Cabral65, Georges Angely (Gil Maia)66, Luis Antonio da Costa Junior67 e
Loureno Araujo. Havia, ainda, aqueles que freqentavam esporadicamente o grupo: Max
Vasconcelos68, Benjamin Costa69, Varron, Bento Barbosa70, Lacerda Nogueira71, Ansio
Monteiro72, Olavo Bastos73, Franklin Coutinho74, Klber de S Carvalho75, entre outros.
Esse grupo, bastante heterogneo, de intelectuais, composto por professores,
literatos, teatrlogos, poetas e jornalistas, formou o que eles denominaram Cenculo
Ambulante, expresso utilizada para nomear o prprio grupo. Maia Forte explica que eles
utilizavam o adjetivo ambulante porque
58 Joaquim Eugnio Peixoto, niteroiense, foi tabelio, maom e vereador. Foi um dos fundadores da AcademiaFluminense de Letras. Dirigiu os jornais Vida Fluminense (cuja redao funcionava na sua prpria casa na ruada Conceio n. 138), Gazeta da Manh, A Cruzada (com Marcel Azevedo, Julio Seabra, Dario Cesrio,Serpa Pinto e Lincoln Pires) e O Dirio (com Julio Pompeu, Otvio Kelly, Joaquim de Mello e outros).59 Eurpedes Dutra Ribeiro foi poeta, professor e jornalista. Como professor fundou em parceria com OsvaldoSoares de Souza, a Academia Fluminense de Comrcio, e, como jornalista, foi diretor da revista AConstelao (com Luciano Gualberto e Artur Leite) e da revista Cidade Sorriso. Foi membro da Academia
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o grupo de poetas que o compunha naquela
poca, no se reunia somente no Caf; este eraescolhido para as ocasies de mau tempo. Emcaso contrrio servia-lhe o ambiente pitoresco,inteiramente livre das despesas, da orla martima,desde o Gragoat at Icara, ou mesmo alm76.
Os membros da rodinha do Caf Paris possuam outros locais de encontro, como
conta Wanderlino Teixeira Leite Neto:
(...) Como o Caf Paris fechava por volta dameia-noite, os integrantes da Roda seguiam debonde para So Francisco e iam terminar anoitada nas mesas do bar do restaurante Lido,que s bem mais tarde encerrava o expediente.77
o mesmo Teixeira Leite Netto que chama a ateno para o fato de que grande
parte da produo literria dos membros da grupo do Caf Paris se tenha perdido, devido
justamente sua condio de cenculo ambulante e ao suporte efmero utilizado por eles
para a escrita de seus textos :
( ) Lamentavelmente muito da produo
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O Cenculo Ambulante que comeou a partir da reunio de um pequeno grupo de
jovens literatos, foi, com o passar do tempo, ampliando-se cada vez mais e novos membros
foram sendo incorporados roda literria do Caf Paris. Maia Forte cita por exemplo, os
nomes de Quaresma Junior79, Raul de Leoni, Salomo Cruz, Renato Vianna80, Nestor
Tangerini81, Mazini Rubano82, Luis Leito83, Jefferson vila Junior84, Gomes Filho85,
Benedito Montes86, Homero Pinho87, Luiz Gonzaga, Trinas Fox88 e Paula Aquiles.
Esses letrados exerciam, muitas vezes, atividades como profissionais da imprensa,
visto ter sido o jornalismo, no incio do sculo, uma freqente porta de entrada para o
mundo literrio. Era principalmente atravs dos jornais, que os literatos tornavam-se
conhecidos do publico leitor e reconhecidos pelos seus pares, passo fundamental para
conseguir a publicao de seus livros89. Assim, esses homens de letras, que se dedicavam
imprensa, formavam um outro grupo de assduos freqentadores do Caf Paris. Segundo o
testemunho de Maia Forte, os jornalistas
(...) faziam do Caf seu ponto de apoio fora daredao. (...) Era o local em que se tomavamdecises de toda ordem, faziam-se consultas aos
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amigos, preparavam-se alguns sueltos para o
jornal do dia seguinte ou at mesmo redigia-se oartigo de fundo da prxima edio.90.
Agrupando um nmero considervel de indivduos e grupos dedicado vida
intelectual da cidade, a rodinha do Caf Paris, para celebrar e legitimar sua importncia
no mundo das letras de Niteri, estabeleceu prticas rituais, onde se forjavam a legitimao
e a memria do grupo, imitando assim, os ritos encenados no templo mximo das letras
nacionais, a Academia Brasileira de Letras. Foi criada, assim, uma cerimnia entre os
membros do grupo que os transformava em atores de uma encenao que os legitimava uns
diante dos outros. Bem como na Academia Brasileira de Letras, onde as prticas
encenavam a imortalidade91, os membros da roda do Caf Paris forjaram, aos poucos,
uma identidade para o grupo.
Mas como em uma academia -, ao mesmo tempo que evocavam o passado atravs
de ritos, para consolidar uma identidade e uma memria, deviam visar tambm mecanismos
de incorporao de novos scios que garantiriam a manuteno do grupo e/ou da
instituio.
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Parodiando os rituais da Academia, o grupo do Caf Paris criou tambm seus
prprios ritos para controlar e recepcionar os candidatos imortalidade no Cenculo
Ambulante. Loureno de Arajo relata, em depoimento no jornal Letras Fluminenses94, as
formas utilizadas para a admisso de novos indivduos ao grupo:
(...) a bomia, no tempo do Caf Paris, era talqual uma religio, uma seita superior. Obomio que pretendesse ingressar na roda tinhaque possuir certos predicados, talento, razovelcultura (quando menos) e, tambm, quandomenos, algum esprito, alguma verve. O recm-admitido, o novio recebia um batismo. Umveterano trazia pelo brao o iniciado e oapresentava ao grupo no posto de comando (PC)que ficava no Caf e se dirigiam para os jardins
pblicos, de preferncia o Jardim Pinto Lima eCampo de So Bento, ou ento, para as praias deGragoat (...), de Icara ou de So Francisco. Erealizava-se o batismo. (...) Formvamos umaciranda, uma roda. O candidato a imortal ficavano centro, baixava, ento, o esprito de JesusCristo, como dizamos, e falava o veteranoencarregado de receber o bicho que agradecia
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1.2.3) Em Niteri, boemia rima com academia:
O espao de produo intelectual na cidade ainda mais extenso. Nos anos 10, 20 e
30, a informalidade dos encontros nos cafs acompanhou a crescente institucionalizao da
vida literria na cidade, com a criao de diversas academias, que se tornaram importantes
espaos de sociabilidade intelectual em Niteri.
A primeira associao de letrados foi fundada na cidade, em 1859, o Instituto
Niteroiense, mais tarde, foi criado, em 1861, o Ateneu Niteroiense, sob a presidncia do
senhor Jos Joaquim Vieira Souto, seguidos ainda por outros, de vida mais efmera, como
o Instituto Pedaggico, presidido pelo professor Guilherme Briggs e o Congresso Literrio
Guarani.
Em 1909, foi fundada na cidade uma importante Academia, o Instituto Histrico e
Geogrfico do Estado do Rio de Janeiro, que funcionou, de forma precria, at 1918. Desta
instituio faziam parte Simes da Silva, Agrippino Grieco, Oliveira Vianna, Jos Geraldo
Bezerra de Menezes e Quintino Bocayuva, entre outros.
Mas, a mais importante academia criada na cidade, no incio do sculo XX foi a
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formar uma nova comisso com Oliveira Vianna e os irmos Gasto e Artur Briggs. A idia
fracassou, de novo, em funo da recusa daqueles que a formariam. Oliveira Vianna
recusou-se a cumprir esse papel de avaliador, alegando que ele no possua conhecimentos
literrios suficientes para desempenh-lo, como se pode ver pela carta enviada por ele101:
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Interessante pensar que Oliveira Vianna tenha recebido esse convite em 1917, alguns anos
antes de publicar o seu primeiro livro. O convite demonstra que, apesar de ainda no ter
publicado livros, Vianna j possua na cidade um reconhecimento como homem de letras
que, certamente, se devia sua produo na imprensa. Alis, a produo intelectual
divulgada atravs dos peridicos e jornais era justamente o que servia para legitimar a
entrada dos intelectuais nessa e outras academias da poca. Com relao especificamente
Academia Fluminense de Letras, cabe reproduzir a fala de seu secretrio perptuo, Lacerda
Nogueira, demonstrando que a inexistncia de livros publicados e o reconhecimento
intelectual a partir da produo publicada na imprensa era uma caracterstica comum aos
acadmicos:
Geralmente os que se candidatavam Academia
no tinham livros publicados, mas davam imensovalor colaborao de todos os tempos napequenina e simptica imprensa dos municpiosou na desta cidade, alis modestssima.
Recortavam o que era estampado e esperavam umdia tudo reunir num volume que os recomendasse posteridade... Os mdicos nunca olvidavam suasteses; e muitos outros literatos arrolavam inditos
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resultou no sucesso esperado pelos seus mentores. No dia marcado compareceu apenas a
metade dos acadmicos e o auditrio estava, na opinio de um de seus membros, bastante
vazio105. Mesmo assim, apesar do fracasso desse evento inaugural, a Academia passou a
reunir, em seu quadro social, os principais homens de letras da cidade, dividindo-os em
quatro classes distintas: letras, belas artes, cincias e cincias polticas e sociais.
A institucionalizao do mundo das letras no significou, porm, o fim do grupo
bomio do Caf Paris. Ao contrrio, os membros desse grupo continuaram reconhecidos
como legtimos representantes da intelectualidade da cidade. Em seu discurso de posse na
Academia Fluminense de Letras, Kleber S Carvalho, chama a ateno para a permanncia
da importncia da roda do Caf Paris, no petit monde intelectual de Niteri:
poca da fundao da Academia, dois grupos se
defrontavam definidos na vida intelectual dacidade. De um lado Quaresma Junior, JoaquimPeixoto, Lacerda Nogueira, Salomo Cruz evrios outros que, segundo a irreverncia dos noacadmicos, eram aristocratas da pena que
sonhavam com o pomposo fardo de general dasletras. O outro, um numeroso grupo de moos,promessas e realidades que negavam criticavam
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Muitos nomes da roda do caf Paris vieram a se tornar importantes membros da
Academia Fluminense de Letras. Um caso exemplar o de Nelson de Lacerda Nogueira,
um dos principais membros fundadores da Academia. Primeiro ocupante da cadeira de n
38, Nogueira viria a representar, segundo Emmanuel de Macedo Soares, a prpria alma
da instituio, da qual seria secretrio perptuo109.
Um outro exemplo o de Luiz Pistarini de Rezende. Membro da boemia do Caf
Paris, Pistarini, falecido em 1918, foi escolhido para patrono da cadeira nmero 27 da
Academia.
Olavo Bastos, outro freqentador do Caf Paris, tornou-se tambm membro da
Academia Fluminense de Letras. Considerado, segundo Maia Forte, o ltimo dos bomios
romnticos, Bastos chamava a ateno por comparecer s solenidades da Academia
Fluminense de Letras de fraque, calas listradas, camisa de peito duro e polainas
brancas 110.
Alm desses, pode-se ainda citar os exemplos de Jos Quaresma de Moura Jnior,
Salomo Vergueiro da Cruz e Homero Soares Pinho que, como participantes do
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impressas as histrias das vanguardas artsticas e intelectuais das mais diferentes
nacionalidades113.
Durante algum tempo, a informalidade da roda do Caf Paris conviveu com a
formalidade das Academias. A boemia literria freqentava o ambiente sisudo das
academias que se formavam na cidade numa perfeita convivncia intelectual. Essa situao
durou at o incio dos anos 30, quando uma tragdia ameaou os freqentadores do Caf
Paris, pois o prdio onde ele se localizava pegou fogo.
No ltimo domingo de janeiro de 1933, uma exploso no depsito da Casa Borges,
localizada na rua da Conceio, nmero 27, ameaou destruir todos os prdios antigos
localizados naquele quarteiro do centro da cidade. Os bombeiros conseguiram controlar o
fogo. Mas, no dia seguinte, outro incndio de maiores dimenses acabou por destruir o
Caf Paris. Segundo relatos de testemunhas, o fogo comeou no prdio da rua Visconde do
Rio Branco, nmero 409, onde funcionava o Bazar Souza Marques. Rapidamente, as
chamas se propagaram para a Drogaria Barcellos, que ficava no prdio vizinho. A maior
ateno dos bombeiros dirigiu-se para isolar a Casa Pinto onde ficava um grande depsito
de fogos de artifcios. Apesar de vitoriosos na estratgia de isolamento do estabelecimento
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Eudes Casimiro Costa Marques, - aluno do Colgio Brasil, - juntamente com seus
companheiros Vicente Guanabarino, Almir Guimares, Murilo Soares e Luiz Negreiros; o
Grmio Rio Branco, fundado em 1925 por alunos do Colgio Ablio. Sua atividades eram
divulgadas atravs do jornal O Discpulo; e o Grmio Literrio Euclides da Cunha que
funcionava no colgio Brasil.
Um outro importante movimento literrio estudantil organizado na cidade foi a
criao da Academia de Letras dos Universitrios Fluminenses116. Fundada em 30 de
outubro de 1934, na Faculdade de Direito de Niteri, a Academia compunha-se de Macrio
de Lemos Picano, Raul de Oliveira Rodrigues, Marcos Almir Madeira, Julio Kahl, Rocha
Loureno, Ernani Carvalho, Joo Pires, Geraldo Montednio Bezerra de Menezes, Brgido
Fernandes Tinoco, Durval de Almeida Batista Pereira, Carlos Ramos, Antonio da Silva
Mendes, Pascal de Souza Fontes e Hlio Sodr.Apesar do surgimento de outros grmios literrios, o grupo do Caf Paris rendeu
ainda muitos frutos demonstrando que, em Niteri, a relao entre a boemia literria e as
academias no se limitou apenas Academia Fluminense de Letras. Maia Forte assinala
que
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Em setembro de 1923, o conde Amadeu de
Beaurepaire Rohan, tornara a reunir no CafParis, e juntamente com ngelo Eliseu e comigo,organizara o Cenculo Fluminense, constitudo,em grande parte, com os elementos do Cenculo
Ambulante. Em 1924, numa reunio realizadana residncia do Dr. Sebastio Lessa, o Cenculo
passou a chamar-se Academia, para, mais tarde,por proposta de Olavo Bastos, transformar-se no
Cenculo Fluminense de Histria e Letras...119
Alm do Cenculo Fluminense de Histria e Letras, o grupo de bomios do Caf
Paris esteve tambm na origem da Academia Niteroiense de Letras, fundada em 1943.
A fundao dessa Academia, no entanto, remonta a uma importante disputa
intelectual, desencadeada vinte anos antes entre dois destacados intelectuais niteroienses:Lacerda Nogueira, secretrio perptuo da Academia Fluminense de Letras, e Armando
Gonalves, diretor da Escola Normal de Niteri. Emmanuel de Bragana Macedo Soares
assim comenta a briga ocorrida em 1921:
Armando participara da fundao da AcademiaFluminense de Letras quatro anos antes mas
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O desejo de fundar uma academia que, de alguma forma, concorresse com a
Fluminense de Letras permaneceu vivo em Armando Gonalves. Assim, dez anos mais
tarde, em 1931, ele fez uma nova tentativa. Reunindo em torno de si jovens estudantes e
poetas, entre eles Raul de Oliveira Rodrigues, Brgido Tinoco, Geraldo Bezerra de
Menezes, Myrtharstides de Toledo Piza, Francisco Pimentel, Jos Nazareth e ainda o bispo
Dom Jos Pereira Alves, o professor Edsio Barbosa, o advogado Telles Barbosa, alm de
Carlos Amrico Castrioto, Armando Gonalves deu incio a um novo grmio literrio.
Reunindo-se um dia na Faculdade de Direito, outro no Liceu Nilo Peanha, ou na casa de
Castrioto, promoveram reunies e elaboraram planos e idias. Mas a fora do grupo foi
sendo abalada com as eleies sucessivas do bispo D. Jos e de Telles Barbosa e, mais
tarde, de Brgido Tinoco, Carlos Castrioto e Melchades Picano para a Academia
Fluminense de Letras121.Esse grmio literrio, por muitos considerado o precursor da Academia Niteroiense
de Letras, no deve ser confundido com essa ltima instituio, efetivamente criada em 11
de junho de 1943. Na opinio de Wanderlino Teixeira Leite Neto,
a verdade, j agora inconcussa, que o grupo a
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Estado do Rio de Janeiro, Rubens Falco, localizado no prdio da Biblioteca Pblica
Estadual, no centro da cidade123.
O grupo da Academia Niteroiense de Letras originou-se no somente da antiga
roda do Caf Paris mas tambm do grupo que havia formado a Academia de Letras dos
Universitrios Fluminenses o que significa dizer que grande parte de seus membros vieram
da Faculdade de Direito de Niteri.
Durante essa primeira reunio foi aprovada uma diretoria provisria composta de
Myrtharstides de Toledo Piza, presidente, Francisco Pimentel, secretrio e Lealdino Soares
de Alcntara, tesoureiro. Em 10 de julho de 1943, uma segunda reunio realizada no
mesmo local da anterior, confirmou o nome dos patronos das 40 cadeiras, propostos pelo
presidente provisrio124. A partir da, teve incio efetivamente a Academia Niteroiense de
Letras que teve intensa atividade at o ano de 1957, a partir de quando viveu um intervaloem sua produo que durou at 1972, data a partir da qual ela se reorganizou compondo
uma nova diretoria.
Em 1973, uma reforma nos estatutos da agremiao criou mais dez cadeiras,
elevando para cinqenta o nmero de acadmicos. Na assemblia geral realizada no dia 19
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como patrono Miguel Lemos passasse a ter como patrono o poeta niteroiense Eduardo Luiz
Gomes Filho.
A descrio do processo de institucionalizao da vida intelectual de Niteri entre
os anos 10 e 50 permite observar algumas das redes de sociabilidade criadas por Francisco
Jos de Oliveira Vianna na cidade.
Oliveira Vianna no foi freqentador da roda do Caf Paris e foram poucos os
membros desse grupo que mantiveram com ele algum tipo de relacionamento epistolar.Encontram-se, no arquivo de Vianna, correspondncias apenas de Lacerda Nogueira,
Homero Pinho e Paula Aquiles. Mas a anlise destas cartas, refora ainda mais a idia da
distncia que Vianna mantinha em relao ao grupo, pois as cartas de Lacerda Nogueira e
de Paula Aquiles datam da segunda metade dos anos 40, momento em que o Caf Paris j
havia sido destrudo e seu grupo se dispersado. Alm disso, Homero Pinho, que escreve aVianna em 1938, para agradecer a um livro enviado de presente, era tambm, como Vianna,
membro da Academia Fluminense de Letras.
No entanto, a participao de Oliveira Vianna, nas academias organizadas na
cidade, marcante: participou da Academia Fluminense de Letras, do Instituto Histrico e
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Seria esse o seu primeiro contato com o espao intelectual da capital da Repblica,
num momento em que praticamente toda a produo intelectual do pas se fazia na cidade
do Rio de Janeiro. A cidade era palco dos principais acontecimentos polticos de
transformao da ordem imperial e de construo da ordem republicana, bem como
concentrava o maior mercado para os homens de letras o que determinava sua
proeminente posio nos meios intelectuais126.
1.3.1) Boemia e vida intelectual no Rio de Janeiro
A vida literria no Rio de Janeiro, nas ltimas dcadas do sculo XIX, girava em
torno dos cafs e de um grupo de intelectuais que se definiam como bomios. Este
conjunto de literatos era, na opinio de Nicolau Sevcenko, formado pelos escritores
cariocas da virada do sculo XIX para o XX, que se dedicaram militncia nas causaspolticas da poca: a abolio e a repblica. Esses literatos, em sua maioria, condenavam o
Imprio e a escravido e defendiam um tipo de literatura que valorizava os ideais de
progresso e modernizao da poca. A palavra de ordem desta gerao era, segundo
Sevcenko,
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Conhecida como gerao modernista de 1870, esses intelectuais foram
amplamente estudados por historiadores 128 que os consideraram pertencentes a uma poca
de ruptura e transformao e parte de uma elite europeizada, que foi diretamente
responsvel pelos fatos que vieram a transformar o cenrio poltico, econmico e social
brasileiro no perodo de transio da monarquia para a repblica. Coerentes com esta
anlise, definiam-se como mosqueteiros intelectuais. Atravs desta auto-nomeao,
delineava-se uma gerao de intelectuais que se considerava no apenas agente datransformao social mas a prpria condio perspcua do seu desencadeamento e
realizao129.
A anlise mais corrente que se faz desta gerao de 1870, considera que ela
manteve um significativo engajamento poltico na luta pelo fim da monarquia e pela
abolio. De acordo com esta interpretao, os literatos dividiram-se, a partir de 1889, emtrs grupos distintos: aqueles que aderiram ao novo regime, os que optaram pela defesa da
arte literria separada da poltica e os que mantiveram o engajamento poltico, tratando a
literatura como um instrumento de compreenso e luta pela transformao do pas130.
Pertenceram a esta gerao: Tobias Barreto131, Alusio Azevedo, Joaquim Nabuco,
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simbolistas e parnasianos. Uma outra caracterstica marcante desta mesma gerao era que
eles freqentemente se reuniam nos cafs da cidade onde formavam suas rodas e se
dedicavam a polmicas132.
Os principais cafs literrios do Rio, nesse perodo, eram, entre outros, o Caf do
Rio, no cruzamento da rua do Ouvidor com a rua Gonalves Dias; o Java, no Largo de So
Francisco, esquina de Ouvidor; o Caf Paris, o Caf Papagaio; o Caf Globo, na rua
Primeiro de Maro entre Ouvidor e o Beco dos Barbeiros. Havia ainda outros pontosigualmente freqentados pelos literatos: a Confeitaria Colombo, na rua Gonalves Dias, e a
Confeitaria Pascoal, na rua do Ouvidor, alm de outras menos freqentadas como a
Cailteau e a Casteles133.
Com o passar dos anos, o modo de vida bomio da intelectualidade foi,
progressivamente, cedendo espao a outros meios de sociabilidade. A fundao daAcademia Brasileira de Letras, em 1897, foi um marco significativo nesse processo. A
partir da criao dessa agremiao, a vida intelectual da cidade se institucionalizou
deixando, pouco a pouco, os bomios numa posio secundria. Se at esse momento, eram
os cafs o principal palco da produo literria na cidade, a Academia Brasileira de Letras
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gradativamente se deslocando da rua do Ouvidor para a periferia do centro da cidade. Os
cafs foram sendo substitudos pelos dancings e cabars da Lapa, locais onde os literatospassaram a conviver com outros tipos de bomios como sambistas, malandros e
marginais. Aos poucos, referir-se intelectualidade passou a ser aludir aos acadmicos que,
ao contrrio dos bomios, foram-se associando, ao longo dos anos, progressivamente,
elite carioca e no s camadas populares.
1.3.2) A Academia Brasileira de Letras:
(...) Em letras, temos a nossa Academia Brasileira verdade. uma bela senhora, generosa,piedosa, religiosa; mas tem um defeito: s estimae julga com talento os seus filhos legtimos,naturais, esprios e, mesmo, os adotivos. Quemno sugou o leite da academia ou no foiacalentado por ela, quando de colo, a rabugentamatrona no d mrito algum.135
Em tom sarcstico, Lima Barreto descreve, em 1921, as condies de produo
intelectual no Brasil no perodo. Nos anos 20, pertencer Academia Brasileira de Letras
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A criao de uma academia de letras, nesse momento, no foi uma iniciativa isolada
visto que, nesse perodo, os institutos, museus e estabelecimentos cientficos eram vistoscomo meio fundamental da produo intelectual e seus integrantes eram considerados
homens ilustres e respeitados.
Ao longo dos anos 1880 e 1890, diversas experincias haviam tentado fundar um
instituto totalmente dedicado s letras nacionais. Os homens de letras do pas ()
queriam reconhecimento social e uma identidade que os diferenciasse dos outros setoresda sociedade intelectual137. Propunham, assim, a criao de uma instituio que
viabilizasse encontros regulares para com isso institucionalizar um saber literrio e
reivindicar os interesses especficos da profisso138. Assim, no final do sculo XIX,
surgiram, na cidade do Rio de Janeiro, o Grmio de Letras e Artes (1887)139, a Sociedade
dos Homens de Letras (1890)140, entre outras instituies que tinham como objetivocongregar os homens de letras.
A prpria Academia Brasileira de Letras tem sua origem relacionada a esse
perodo141. No ano de 1889, Medeiros e Albuquerque que, naquela poca, era diretor de
Instruo Pblica do Ministrio do Interior do governo provisrio de Deodoro da Fonseca,
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retomada alguns anos mais tarde pelos grupos142 que se reuniam em torno da Revista
Brasileira, da revistaA Semana143e do clube Rabelais144.Em 1896, novamente os meios intelectuais viram surgir um novo projeto de criao
de uma academia de letras. Desta vez, seu principal articulador era o poeta e jornalista
Lcio de Mendona, que possua considervel prestgio entre a elite letrada da poca,
principalmente por ter alcanado um posto importante na poltica republicana145. Em meio
s reunies literrias daRevista Brasileira146, que se realizavam todas as tardes no horriodo ch das cinco, na rua do Ouvidor, 66, Lcio de Mendona - juntamente com Machado
de Assis, Joaquim Nabuco, Valentim Magalhes, Graa Aranha e Araripe Junior -
acalentou o sonho de fazer nascer uma nova academia de letrados. A futura agremiao
teria o nome de Academia Brasileira de Letras e, no projeto inicial de seus criadores,
receberia proteo oficial do governo republicano que seria responsvel pela indicao dos10 primeiros acadmicos, que por sua vez elegeriam outros 20 e mais 10 correspondentes.
A academia surgiria sob a tutela do governo, que provisoriamente cederia um espao no
Ginsio Nacional para sua sede e autorizaria a publicao das obras de seus membros pela
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Imprensa Nacional. Segundo seus mentores, a frmula pensada de associao, formada por
membros indicados pelo governo e por outros eleitos pelos seus prprios pares, garantia aneutralidade das paixes polticas, termo utilizado na poca para se referir aos embates
polticos, partidrios ou no:
A discusso acadmica situar-se-ia alm dequalquer incompatibilidade poltica, e a maior
prova dessa neutralidade seria eleger como
membros homens da estatura de Joaquim Nabuco,Taunay, Afonso Celso, que ainda defendiam aantiga monarquia, ao lado de declaradosrepublicanos147, como Olavo Bilac, Coelho Neto eo prprio Lcio de Mendona148.
No projeto de seus mentores, a Academia seria um local neutro, parte da vida
poltica. Ela funcionaria como um espao agregador onde os homens de letras poderiamdedicar-se exclusivamente defesa de sua arte149.
Mas esse projeto no foi implementado sem resistncias. Assim que a proposta de
uma academia de letras com o apoio do governo republicano ganhou as ruas, os jornais
comearam a publicar artigos ridicularizando o que consideravam ser a continuidade de
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Academia e que habilitam a prestar os servios
que lcito esperar de to til instituio
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.
Assim, mesmo sem lugar fixo para as suas reunies e com uma verba mnima, foi
fundada em 20 de julho de 1897, a Academia Brasileira de Letras:
Nascemos em 1897. Precisamente no dia 20 dejulho, sombra de tnue inverno carioca. Um anoque recolhia os escombros da Monarquia,enquanto aguardava o futuro de uma Repblicaapenas instaurada.152
A reunio de fundao da Academia, realizada numa das salas do Pedagogium,
importante colgio localizado na rua do Passeio, no contou com um grande nmero de
adeptos. Apenas 16 futuros acadmicos153 participaram desse encontro. Algumas ausncias
foram bastante notveis como por exemplo a de Lcio de Mendona, o principal
responsvel pelo nascimento da nova instituio154. Por sua simplicidade, pode-se supor
que a cerimnia de inaugurao da Academia foi mais um evento interno, um rito que
visava criar maior coeso entre seus membros, garantindo a construo de uma identidade
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lngua portuguesa. Para a consecuo do primeiro destes objetivos, organizar-se-ia um
dicionrio bibliogrfico nacional coligindo dados biogrficos e literrios dos acadmicos.Alm disso, adotar-se-ia um patrono para cada uma das cadeiras da Academia, com
vistas a organizar-se uma genealogia entre os escritores brasileiros. Em seu discurso, na
reunio de fundao da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis realizou uma
memria histrica156 sobre os movimentos pela inaugurao daquela instituio e referiu-
se especialmente questo da nomeao dos patronos das cadeiras:J o batismo de suas cadeiras com os nomespreclaros e saudosos da fico, da lrica, dacrtica e da eloqncia nacionais indcio de quea tradio o seu primeiro voto. Cabe-vos fazercom que ele perdure. Passai aos vossos
sucessores o pensamento e a vontade iniciais,
para que eles os transmitam aos seus, e a vossaobra seja contada entre as slidas e brilhantespginas da nossa vida brasileira. 157
Ficava claro, no discurso de Machado, que a genealogia que se visava criar entre os
literatos fundava uma tradio necessria construo de uma memria que eles, a partir de
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basicamente de cinco cargos: presidente, secretrio-geral, 1o secretrio, 2 o secretrio e
tesoureiro.Os 40 primeiros acadmicos160, apesar de serem todos reconhecidos como homens
de letras, formavam um quadro bastante heterogneo. Havia entre os fundadores da
Academia, romancistas, poetas, crticos literrios, gramticos, historiadores, dramaturgos e
cronistas. Dividiam-se em parnasianos, realistas e naturalistas, alm de professarem, no
terreno da poltica, opinies dspares e contraditrias. Quanto formao intelectual, amaioria absoluta era formada de bacharis em direito, mas havia tambm mdicos,
engenheiros, alm daqueles que nem sequer tinham chegado a realizar um curso superior.
Com relao idade, havia uma certa concentrao de homens entre 36 e 46 anos, mas
pode-se dizer que a Academia compunha-se de moos e de velhos161, visto que estavam
presentes desde jovens como o poeta e diplomata Magalhes de Azeredo, de 25 anos, at oadvogado e historiador Pereira da Silva, ento com 80 anos.
Sem a ajuda financeira do governo e sem sede prpria, a Academia viveu um
perodo de grande instabilidade, nos seus primeiros anos. Diante das dificuldades
apresentadas, Joaquim Nabuco162 sugeriu a Machado de Assis uma mudana na poltica de
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Ao longo dos anos 10 e 20 foi a poltica dos grands seigneurs proposta por
Nabuco164 que levaria consolidao do modelo da Academia e o seu reconhecimentojunto elite brasileira. Essa poltica levou a proposio de nomes de diversos indivduos
que no tinham uma grande experincia no mundo jornalstico ou editorial. Algumas
propostas criaram grandes polmicas e debates entre os acadmicos a respeito do que
deveria ser uma instituio como a Academia Brasileira de Letras e de quem mereceria
estar nela representado. Entre as eleies mais polmicas podemos citar a do almiranteJaceguai, a de Lauro Muller e a de Oswaldo Cruz165.
A eleio do almirante Jaceguai foi resultado de uma batalha pessoal de Joaquim
Nabuco. Desde 1903, Nabuco insistia com Machado na entrada de Jaceguai166, veterano
militar da guerra do Paraguai, na Academia. O prprio almirante declinava constantemente
do convite alegando no ser um homem de letras. Mas a insistncia de Nabuco foi maisforte o que levou Jaceguai a se candidatar e eleger-se em 1907.
Outra eleio polmica foi a de Oswaldo Cruz que concorreu, em 1911, vaga
deixada por Raimundo Correia. O famoso mdico brasileiro que no tinha jamais publicado
uma linha sequer concorria com o romancista Batista Cepelos e os poetas Emlio de
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Afonso Celso, que argumentavam que Oswaldo Cruz estimava os nossos escritores e que
seria do maior interesse que o sanitarista adotasse em seus trabalhos as normasortogrficas da Academia167. Apesar do debate, deu-se a eleio de Oswaldo Cruz, em
1912, que ganhou por 17 votos contra 10 de Emlio de Menezes a vaga deixada por
Raimundo Correia. Esta eleio fez com que o debate em torno do que seria efetivamente
um homem de letras extravasasse os muros da Academia e ganhasse a imprensa:
Alguns jornais questionavam a falta de critrioacadmico ao aceitar homens no de letras,criticando a tentativa de transformar o cenculoexclusivo das letras no capitlio geral das
glrias ou num espao de expoentes damentalidade brasileira. As revistas de humorchegavam mesmo a indicar quem seriam osverdadeiros homens de letras e, alm das rimasirnicas, lanavam listas de futuros candidatos
Academia, incluindo desde o ento presidente daRepblica, o marechal Hermes da Fonseca, atexdrxulos personagens fictcios, como ocapitao Brederodes, chefe do servio de mata-carapans do Par168.
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amigos. Por outro lado, como instituio responsvel pela constituio e preservao da
excelncia literria das letras brasileiras, a Academia decidiu, em 1916, - talvezinfluenciada pelos debates provocados em torno dessas eleies impor que todo candidato
imortalidade comprovasse a propriedade de obras publicadas como se percebe da notcia
divulgada naRevista do Brasil:
A Academia Brasileira resolve exigir que todocandidato a eleio na casa lhe envie uns tantosexemplares dos seus livros publicados. Quer dizerque, sem obra impressa, j ningum pode
pretender as honras da imortalidade. At aqui, sse exigia, oficialmente do candidato que tivessetalento e valor. No era preciso que ele os
provasse, exibindo os seus livros. A Academiareconhecia-os, proclamava-os, e como ningum
tinha nada a ver com a vida daquela sociedadeindependente e fechada, claro que a Academiaexercia um direito seu. Exercia-o logicamente.Sendo ela o tribunal superior e soberano dasletras, os mritos possveis do candidato no
poderiam ter melhor prova do que o prprio fatodele ser admitido no alto cenculo (...).169
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atuao no mundo das letras seja no que se refere tanto produo jornalstica quanto
editorial.Oliveira Vianna foi um desses novos nomes incorporados Academia Brasileira de
Letras durante os anos 30170. Depois de muito resistir, Vianna candidatou-se e elegeu-se,
em 1937, ingressando em 1940, aos 57 anos. No momento de sua posse, a instituio j
desfrutava de um imenso prestgio entre as camadas letradas e a elite poltica brasileira.
O caminho de Vianna at a Academia havia sido bastante longo. Desde o incio dosanos 20, seus amigos mais prximos, entre eles o poeta parnasiano Alberto de Oliveira
insistiam para que Vianna se candidatasse a uma vaga na ABL. A insistncia dos amigos
era to grande que eles chegaram a formar o que se auto-intitulou o grupo da
catequese171. Alberto de Oliveira era o que mais insistia junto a Oliveira Vianna para que
ele se candidatasse e, por isso, ele prprio se apresentava como o presidente do grupo dacatequese.
Durante muitos anos e a cada vez que uma cadeira se tornava vaga, o grupo da
catequese entrava em ao para tentar convencer Vianna de que ele deveria se candidatar.
Insistentemente, Vianna declinava do compromisso e mantinha-se resistente. Entretanto,
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Oliveira Vianna que se candidatou a Academia no foi o intelectual, mas sim o amigo de
Alberto de Oliveira.Apresentada a sua candidatura, Vianna foi eleito. Vencida a etapa da candidatura,
ele ainda adiaria por muito tempo a posse na cadeira 8 da Academia. Em 15 de novembro
de 1937, quando j findava o prazo previsto pelo estatuto para a sua posse, Vianna escreve
ao presidente da Academia Brasileira de Letras, Ataulfo de Paiva, justificando a demora e
pedindo a extenso do prazo:Como sabe V. Ex., vence este ms o prazo, que meconcedem os estatutos, para empossar-me nacadeira, para que fui eleito. O meu intuito empossar-me at o fim deste ano, mas pelosmotivos poderosos que tive oportunidade de expora V. Ex., receio que os meus mltiplos afazeres,
de carter inadivel, no me permitam realizareste objetivo. Por isso, quero desde j meprevenir, rogando a V. Ex. que me [ilegvel] aconceder, na forma dos estatutos e do regimento,uma prorrogao de mais 4 meses, emcontinuao ao prazo regimental para empossar-me173.
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Almeida, Mcio Leo, Pedro Calmon, Ribeiro Couto, Rodolfo Garcia e Viriato Correia.
Participaram ainda, o scio correspondente da Academia Brasileira de Letras, Joo Luso, orepresentante do Presidente da Repblica,- comandante Otvio Medeiros - e o Ministro do
Trabalho, Waldemar Falco175. Os jornais, como fazia-se poca, registraram a posse do
novo acadmico176.
To logo assumiu a cadeira nmero 8177, Vianna tornou-se um acadmico bastante
presente tendo participado de, pratica