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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CURSO DE DIREITO
JOÃO PAULO DE MEDEIROS SANTOS
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CANDIDATURAS AVULSAS NASELEIÇÕES À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
CAICÓ-RN2019
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JOÃO PAULO DE MEDEIROS SANTOS
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CANDIDATURAS AVULSAS NASELEIÇÕES À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Monografia apresentada à Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN/CERES, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Direito.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Orione Dantas de Medeiros
CAICÓ-RN2019
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Profª. Maria Lúcia da Costa Bezerra - CERES-Caicó
Santos, João Paulo de Medeiros. Considerações acerca das candidaturas avulsas nas eleições à luz da Constituição Federal de 1988 / João Paulo de Medeiros Santos. - Caicó, 2019. 51f.
Monografia (Bacharel em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó. Departamento de Direito. Orientador: Prof. Dr. Orione Dantas de Medeiros.
1. Direito político - Monografia. 2. Eleições - Monografia. 3. Candidatura avulsa - Monografia. 4. Partidos políticos - Monografia. I. Medeiros, Orione Dantas de. II. Título.
RN/UF/BS-Caicó CDU 342.843.1
Elaborado por MARTINA LUCIANA SOUZA BRIZOLARA - CRB-15/844
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JOÃO PAULO DE MEDEIROS SANTOS
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CANDIDATURAS AVULSAS NASELEIÇÕES À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Monografia apresentada à Universidade Federal doRio Grande do Norte – UFRN/CERES, comorequisito parcial para a obtenção do título deBacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Orione Dantas de Medeiros
Aprovado em: 21 de novembro de 2019.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________Prof. Dr. Orione Dantas de Medeiros
OrientadorUniversidade Federal do Rio Grande do Norte
_________________________________________________Prof. Dr. Carlos Francisco do Nascimento
Examinador IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte
_________________________________________________Prof. MSc. Saulo de Medeiros Torres
Examinador IIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à minha família, que sempre me deu o apoio
necessário em todas as etapas da minha vida, pelo estímulo e compreensão ao
longo desses anos e por nunca ter me feito desistir dos meus sonhos.
A todos os funcionários CERES/UFRN e professores do curso de direito,
em especial ao meu orientador Orione Dantas de Medeiros, pela orientação,
confiança e compreensão no desenvolvimento deste trabalho.
A todos os professores que eu tive na minha vida, desde a pré-escola até
a graduação, por terem contribuído compartilhando seus conhecimentos e
experiências para o meu crescimento humano, social e intelectual.
Aos meus colegas de curso, de três turmas diferentes, pela amizade e
companheirismo durante esses seis anos de curso.
Por fim, agradeço a todos que, direta ou indiretamente, me apoiaram ou
colaboraram para a realização deste trabalho.
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RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar a possibilidade jurídica das candidaturasavulsas no Brasil sob a ótica da Constituição Federal de 1988 e do DireitoInternacional e quais as consequências nas eleições futuras, em caso de eventualaprovação. O tema tem gerado controvérsias pois o Supremo Tribunal Federalreconheceu a repercussão geral da matéria tratada no Recurso Extraordinário comAgravo (ARE) nº 1.054.490/RJ, no qual um cidadão recorreu de sucessivas decisõesque indeferiram sua candidatura avulsa a prefeito do Rio de Janeiro/RJ nas eleiçõesmunicipais de 2016. O problema a ser analisado diz respeito se a previsão defiliação partidária como condição de elegibilidade é uma condicionanteconstitucional, isto é, se seria uma restrição ao direito de ser candidato estar filiado apartido político. O debate está vinculado aos compromissos assumidos pelo Brasilquando assinou a Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual dispôs um roltaxativo de hipóteses que podem restringir direitos políticos e não inclui a exigênciade filiação partidária. Como a matéria é de cunho constitucional, e já foi reconhecidaa sua repercussão geral na Suprema Corte, faz-se necessário analisar o problema àluz dos parâmetros da Constituição Federal de 1988 e da Convenção Americana dosDireitos Humanos. A pesquisa conclui pela possibilidade jurídica da permissão dascandidaturas avulsas nas eleições pelo STF, para manter a integridade do sistemajurídico, mas ressalva que a solução sobre o tema deve ocorrer pelo CongressoNacional, sobretudo pelo impacto no sistema eleitoral como um todo, que requercomplementação legislativa para sua eficácia, pois foi projetado para o monopólio decandidaturas por meio dos partidos políticos e, em particular, no sistemaproporcional.
Palavras-chave: Direitos políticos. Eleições. Candidaturas avulsas. Partidospolíticos.
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ABSTRACT
This paper aims to analyze the juridical possibility of separate candidacies in Brazilunder the optics of the Federal Constitution of 1988 and International Law and theconsequences in future elections, in case of eventual approval. The issue has beencontroversial because the Brazilian Supreme Federal Court has recognized thegeneral repercussion of the matter dealt in the Extraordinary Appeal with Grievance(ARE) No. 1,054,490/RJ, in which a citizen appealed from successive decisions thatrejected his candidacy as mayor of Rio de Janeiro. in the 2016 municipal elections.The problem to be analyzed is whether the prediction of party affiliation as a conditionof eligibility is a constitutional, that is, whether it would be a restriction on the right tobe a candidate to be affiliated with a political party. The debate is linked to thecommitments made by Brazil when it signed the American Convention on HumanRights, which provided for an exhaustive list of assumptions that may restrict politicalrights and not include the requirement for party affiliation. As the matter isconstitutional in nature, and its general repercussion has already been recognized inthe Supreme Court, it is necessary to analyze the problem in the light of theparameters of the 1988 Federal Constitution and the American Convention onHuman Rights. The paper concludes by the juridical possibility of the permission ofseparate candidates in elections by the Supreme Court, to maintain the integrity ofthe legal system, but points out that the solution on the issue must occur by theNational Congress, especially by the impact on the electoral system as a whole,which requires legislative complement for its effectiveness, because it was designedfor the monopoly of candidacies through political parties and, in particular, in theproportional system.
Keywords: Political rights. Elections. Separate candidacies. Political parties.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADI - Ação Direta de InconstitucionalidadeARE - Recurso Extraordinário com AgravoArt. - ArtigoCADH - Convenção Americana de Direitos HumanosCERES - Centro de Ensino Superior do SeridóCF - Constituição FederalCR - Constituição da RepúblicaEC - Emenda ConstitucionalFEFC - Fundo Especial de Financiamento de CampanhaInc. - IncisoLC - Lei ComplementarMPF - Ministério Público FederalOEA - Organização dos Estados AmericanosPGR - Procuradoria-Geral da RepúblicaRE - Recurso ExtraordinárioRJ - Rio de JaneiroSTF - Supremo Tribunal FederalTRE - Tribunal Regional EleitoralTSE - Tribunal Superior EleitoralTV - TelevisãoUFRN - Universidade Federal do Rio Grande do NorteUSP - Universidade de São Paulo
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................82 ASPECTOS TEÓRICOS RELACIONADOS À CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA (DIREITO DE SER VOTADO).....................................................................112.1 Condições de elegibilidade....................................................................................112.1.1 Nacionalidade brasileira.....................................................................................122.1.2 Pleno exercício dos direitos políticos.................................................................132.1.3 Alistamento eleitoral...........................................................................................132.1.4 Domicílio eleitoral na circunscrição....................................................................142.1.5 Filiação partidária...............................................................................................142.1.6 Idade mínima......................................................................................................152.2 Causas de inelegibilidade.....................................................................................162.2.1 Inelegibilidades constitucionais..........................................................................172.2.2 Inelegibilidades infraconstitucionais...................................................................183 CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA).......................................................................................................223.1 A hierarquia normativa ordinária ou comum dos tratados internacionais.............243.2 Posição brasileira sobre a HIERARQUIA dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos...............................................................................................254 DEBATE SOBRE CANDIDATURAS AVULSAS NO STF: O CASO DO ARE Nº 1.054.490/RJ...............................................................................................................295 POSSIBILIDADE JURÍDICA, CONSEQUÊNCIAS DA LIBERAÇÃO DE CANDIDATURAS AVULSAS E O PAPEL DOS PARTIDOS POLÍTICOS.................335.1 Possibilidade Jurídica das Candidaturas Avulsas no Brasil..................................335.2 Consequências da permissão de candidaturas avulsas no Brasil........................355.2.1 Incompatibilidades de vários dispositivos de leis eleitorais com as candidaturasavulsas.........................................................................................................................365.2.2 Restrição de inelegibilidades às hipóteses previstas no Pacto de San José da Costa Rica...................................................................................................................385.2.3 Regras sobre Fidelidade Partidária....................................................................415.2.4 Outras matérias jurídicas impactadas pelo Pacto de San José........................425.3 O papel dos partidos políticos no processo eleitoral com a admissibilidade das candidaturas sem partido............................................................................................436 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................44REFERÊNCIAS...........................................................................................................48
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1 INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá, em sede de Repercussão
Geral, se a previsão da filiação partidária como uma das condições de elegibilidade,
previstas no art. 14, § 3º da Constituição Federal, é ou não constitucional. Dizendo
de outro modo: a questão a ser dirimida diz respeito se o direito de ser candidato
nas eleições brasileiras exigiria estar vinculado a partido político ou não,
possibilitando a promoção de candidaturas a cargos públicos postuladas de forma
independente dos partidos, comumente chamadas de “candidaturas avulsas”.
A hipótese de filiação partidária como condição de elegibilidade nas
eleições, talvez, não gerasse tanta controvérsia sobre o tema no meio jurídico se o
Brasil não fosse signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de
San José da Costa Rica), a qual não faz a exigência de filiação partidária como
restrição de direitos políticos.
A jurisprudência eleitoral, até a data de conclusão deste trabalho, é
pacífica no sentido da filiação partidária ser condição de elegibilidade
constitucionalmente estabelecida e não admitir, portanto, a candidatura avulsa. Mas,
com a aceitação da Repercussão Geral da questão pelo STF, através do ARE nº
1.054.490, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, duas correntes de
pensamento têm discutido a matéria, assumindo posições diametralmente opostas.
De um lado, há aqueles que defendem a permissibilidade das
candidaturas avulsas partindo do pressuposto de que a filiação partidária não faz
parte dos motivos que restringem a participação de candidatos às eleições, previstos
no artigo 23.2 do Pacto de San José da Costa Rica. Ademais, alegam ainda que a
Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo que estabeleceu no art. 14, § 3º,
inciso V, a filiação partidária como condição de elegibilidade, previu que os direitos e
garantias fundamentais expressos no art. 5º, “não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”. Nesse caso, como o texto previsto no
Pacto de San José da Costa Rica foi incorporado pelo Decreto presidencial nº 678,
de 06 de novembro de 1992, passou a ser parte da Constituição, devendo ser
considerada na solução do caso em tela, sobretudo porque a própria Lei Maior prevê
no art. 4º, II, a prevalência dos direitos humanos, nas suas relações internacionais.
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Por outro lado, de forma contrária à tese posta acima, há uma corrente de
pensamento segundo a qual a filiação partidária traduz condição de elegibilidade
inegável, cuja observância se impõe ao legislador comum por efeito de expressa
determinação presente no próprio texto da Constituição em seu art. 14, § 3º, inciso
V, não sendo possível lhe impor interpretação diferente, mesmo que se trate de
instrumento normativo qualificado de caráter supralegal, como tem sido tratado pelo
STF, o Pacto de San José da Costa Rica.
Por que discutir tal temática em um trabalho de conclusão de curso? A
escolha do tema das candidaturas avulsas deu-se, principalmente, por se tratar de
uma questão jurídica relevante, com Repercussão Geral já reconhecida pelo STF, e,
na hipótese das candidaturas avulsas ser vitoriosa, sem o cuidado necessário, trará
forte impacto no sistema político-eleitoral, sobretudo no sistema proporcional. Além
disso, levando-se em consideração o momento político que o País atravessa, com
visível desgaste dos Partidos Políticos e da classe política como um todo, talvez
discutir o tema revele algo mais grave do que uma crise conjuntural ou de uma
eventual crise de representatividade democrática da classe político-partidária, na
qual alguns cidadãos, de forma individualizada, têm procurado superar tal
desfuncionalidade postulando como representantes do povo, sem vinculação a
partidos políticos, através das tentativas de candidaturas avulsas.
Com efeito, a temática é de interesse nacional, impacta diretamente no
sistema eleitoral, no regime democrático e na ordem jurídica, estando a questão
submetida ao STF, nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo nº
1.054.490/RJ. Nesse sentido, pergunta-se: as candidaturas avulsas no Brasil são
amparadas pela Constituição Federal de 1988? Quais as consequências jurídicas
deste tipo de candidatura no Brasil? Qual o papel dos partidos políticos no processo
eleitoral com a admissibilidade das candidaturas sem partido? São questões que
merecem uma reflexão.
Para tanto, o presente trabalho objetiva analisar a possibilidade jurídica
das candidaturas avulsas no Brasil à luz da Constituição Federal de 1988 e do
Direito Internacional e quais as consequências nas eleições futuras, em caso de
eventual adoção. Para sua realização, utilizou-se do método dedutivo a partir de
pesquisa bibliográfica envolvendo diversos livros e artigos da doutrina especializada.
Além disso, também foram consultados a jurisprudência dos Tribunais, a
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Constituição Federal de 1988, Tratados Internacionais e legislação
infraconstitucional sobre o tema.
O trabalho está organizado da seguinte forma: no tópico dois são
discutidos aspectos teóricos relacionados ao tema como os requisitos estabelecidos
pelo ordenamento jurídico que formam a elegibilidade ou capacidade eleitoral
passiva (direito de ser votado) nas eleições brasileiras, utilizando-se de revisão
bibliográfica; à frente, esses requisitos são analisados de forma contextualizada.
No tópico três, é feito um estudo sobre a Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), visto que é principalmente
nesse Tratado que se fundamentam juridicamente as candidaturas avulsas, seguido
de uma análise sobre a hierarquia dos tratados em face do ordenamento brasileiro e
a posição do STF frente a internalização dos tratados internacionais que versam
sobre direitos humanos.
No quarto tópico, é detalhado sobre o processo de registro de candidatura
avulsa que suscitou a repercussão geral da questão constitucional – ARE nº
1.054.490/RJ: seus fundamentos, julgamentos nas instâncias inferiores, tratamento
dado pelo STF, manifestação da PGR, debates entre os ministros e a situação atual
do processo.
No quinto tópico, são respondidas as questões formuladas acima.
Primeiro, se as candidaturas avulsas são juridicamente possíveis de serem
admitidas pela Suprema Corte no controle de constitucionalidade; segundo, são
mostradas algumas das consequências jurídicas que surgirão, na hipótese da
repercussão geral ser aceita: os dispositivos definidores das regras eleitorais que
serão impactados, o novo tratamento que será dado às inelegibilidades atualmente
estabelecidas, e, por último, a possibilidade de outras matérias jurídicas não-
eleitorais serem afetadas; concluindo, é sugerido como seria o papel dos partidos
políticos face à possibilidade de candidaturas, sem o necessário intermédio deles.
Por último, no tópico seis, são apresentadas as considerações finais da
pesquisa, numa síntese dos principais argumentos expostos ao longo do
desenvolvimento e dos métodos empregados. Além disso, é apontado se os
objetivos definidos foram alcançados. Em seguida, são propostas novas indagações
acerca das consequências das candidaturas avulsas, especialmente sobre o
necessário complemento legislativo para a eficácia das candidaturas avulsas. No
fim, o autor emite uma opinião pessoal sobre o tema das candidaturas avulsas.
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2 ASPECTOS TEÓRICOS RELACIONADOS À CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA (DIREITO DE SER VOTADO)
No sistema democrático, os cidadãos elegem os seus dirigentes por meio
de eleições periódicas. Para isso, a Constituição Federal prevê direitos e garantias
fundamentais de cidadania inerentes a esse sistema, definidos como direitos
políticos, dentre os quais encontramos o direito de votar e o direito de ser votado.
Sobre este, também chamado de elegibilidade ou capacidade eleitoral passiva,
representa a aptidão para aquisição e exercício do direito de ser votado. Nas palavras
do professor José Jairo Gomes (2018), elegível é o cidadão apto a receber votos em um certame, que pode serescolhido para ocupar cargos político-eletivos. Exercer a capacidadeeleitoral passiva significa candidatar-se a tais cargos. Para isso, devem seratendidas algumas condições previstas na Constituição Federal,denominadas condições de elegibilidade. Em suma, é o direito públicosubjetivo atribuído ao cidadão de disputar cargos público-eletivos.
Desta forma, para que um cidadão figure como candidato a cargo político
eletivo e receba votos, é necessário o atendimento de determinadas regras, ou
condições, estabelecidas pelo legislador constituinte originário, as quais se dividem
em dois grupos: condições positivas, que devem estar presentes com o pretenso
candidato, chamadas de requisitos de elegibilidade ou, mais comumente, condições
de elegibilidade; e condições negativas, também chamadas de causas de
inelegibilidade, que não devem existir, para que a capacidade eleitoral passiva seja
concretizada e o seu registro seja deferido. Castro (2018) sintetiza: “A presença das
primeiras e a ausência das segundas leva à elegibilidade, ou seja, ao jus honorum,
ao direito de ir às urnas.”
Em virtude dos temas que serão abordados nos capítulos seguintes deste
trabalho, importa mostrar a seguir cada uma das condições de elegibilidade e
causas de inelegibilidade, pois, em momento oportuno, será feita uma recapitulação
dessas hipóteses para levantar o cerne deste trabalho.
2.1 CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE
As condições de elegibilidade representam as exigências ou requisitos
positivos que devem, necessariamente, ser preenchidos por quem queira registrar
candidatura e receber votos validamente. Em outras palavras, são requisitos
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essenciais para que se possa ser candidato e, pois, exercer a cidadania passiva
(GOMES, 2018).
Tais requisitos são previstos no artigo 14, § 3º, da Constituição Federal,
que assim prevê:Art. 14. [...]§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:I – a nacionalidade brasileira;II – o pleno exercício dos direitos políticos;III – o alistamento eleitoral;IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;V – a filiação partidária;VI – a idade mínima de:a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República eSenador;b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do DistritoFederal;c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital,Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;d) dezoito anos para Vereador.
A ausência de qualquer uma dessas condições resultará na inabilitação
para ser candidato e, por conseguinte, assumir cargos públicos.
De forma sintética, as seis condições serão descritas abaixo.
2.1.1 Nacionalidade brasileira
Quanto à nacionalidade brasileira, importa observar que ela é requisito
não apenas à capacidade eleitoral passiva, como também à capacidade eleitoral
ativa (direito de votar). A razão é simples: decorre da soberania e da percepção de
que apenas aqueles com laços permanentes com a nação têm legítimo interesse de
interferir na administração do Estado (MACHADO, 2018).
Em se tratando de mandatos eletivos, o direito a se candidatar pode ser
exercido tanto por brasileiros natos quanto naturalizados, excluindo-se quaisquer
estrangeiros. Entretanto, há ressalvas quanto aos cargos de Presidente e Vice-
Presidente da República, pois somente podem concorrer os brasileiros natos,
conforme dispõe o art. 12, § 3º, I da Constituição Federal.
Há também a possibilidade de, verificadas certas condições, cidadãos
portugueses disputarem cargos eletivos no Brasil, conforme o dispositivo do art. 12,
§ 1º da Constituição Federal.
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2.1.2 Pleno exercício dos direitos políticos
Os direitos políticos são adquiridos com o alistamento eleitoral e denotam
a capacidade de votar e ser votado, significando a prerrogativa de participar direta
ou indiretamente do governo, da organização e do funcionamento do Estado
(GOMES, 2018).
Ter o pleno exercício dos direitos políticos significa que o cidadão não os
perdeu ou teve suspensos, não incidindo, portanto, em algumas das causas
enumeradas no art. 15 da Constituição Federal, que influenciam na sua
elegibilidade:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensãosó se dará nos casos de:I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;II - incapacidade civil absoluta;III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seusefeitos;IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa,nos termos do art. 5º, VIII;V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
Gomes (2018) lembra que, além dessas, existem outras as obrigações
político eleitorais exigidas pelo ordenamento jurídico a nível infraconstitucional que
devem ser cumpridas em atendimento à plenitude de direitos políticos, a exemplo do
regular exercício do voto, do atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para
auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, da inexistência de multas aplicadas, em
caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e da apresentação de contas
de campanha eleitoral, conforme menção no art. 11, § 7º da Lei nº 9.504/97.
2.1.3 Alistamento eleitoral
Condição de elegibilidade mais elementar, visto que o não alistado sequer
faz parte do cadastro eleitoral, encontrado-se totalmente fora do sistema político. Por
essa razão, o alistamento eleitoral é condição essencial para a aquisição da
cidadania, pois é por ele que o corpo de eleitores é organizado. Não estando inscrito
no cadastro eleitoral, é impossível que o nacional exerça direitos políticos, já que
nem sequer possuirá título de eleitor.
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Até mesmo nos casos em que a Constituição Federal reserva o
alistamento eleitoral como faculdade para a capacidade eleitoral ativa (direito de
votar), a exemplo dos maiores de 70 anos (art. 14, § 1º, II, b), para a integridade das
condições de elegibilidade, será necessário o requisito do alistamento eleitoral.
2.1.4 Domicílio eleitoral na circunscrição
É no lugar da inscrição, o domicílio eleitoral, que o cidadão poderá tentar
eleger-se. A Constituição Federal não estabeleceu prazo algum, mas cuidou a
legislação infraconstitucional, através do art. 9º da Lei nº 9.504/97, ao estabelecer a
manutenção do mesmo endereço pelo prazo mínimo de seis meses antes das
eleições. Machado (2018) explica que a finalidade de tal prazo é evitar – ou, pelo
menos, tentar evitar – que estranhos aos interesses da comunidade, candidatem-se
apenas por comodidade ou com abuso de poder, em violação à legitimidade e à
normalidade das eleições.
Assim, para disputar os cargos de Prefeito, Vice-Prefeito ou Vereador, o
cidadão deverá ter domicílio eleitoral no respectivo Município; para os de
Governador, Vice-Governador, Senador, Deputado Federal e Estadual, deverá ter
domicílio no respectivo Estado, em qualquer Município; por fim, o candidato a
Presidente ou Vice-Presidente da República poderá ter domicílio em qualquer ponto
do território nacional.
2.1.5 Filiação partidária
Por filiação partidária, compreende-se o vínculo jurídico estabelecido
entre um cidadão no gozo de seus direitos políticos e um partido político, cuja
relação de direitos e deveres são estabelecidos na lei de partidos políticos – Lei nº
9.096/1995 – e no estatuto do partido (GOMES, 2018). Nessa relação bilateral, é
observada a autonomia das vontades das partes, tanto a do cidadão, que pode
escolher livremente qual partido político deseja se tornar membro, geralmente a
partir de ideologias e defesa de interesses em comum com ele, ou de não fazer de
parte de nenhum deles; assim como a do partido, que pode aceitar ou recusar o
ingresso dos interessados que manifestaram o desejo em se filiarem à respectiva
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agremiação, ou até mesmo, expulsar filiados, com mandato ou não, que já não seja
mais do interesse do partido.
Sobre a disputa de cargos eletivos, preceitua o art. 14, § 3º, V da
Constituição Federal que não possuem elegibilidade aqueles que não estiverem
filiado a algum partido. Portanto, pela regra constitucional, não poderá haver
candidato sem vinculação a partido político, verificando-se, assim, que os partidos
políticos são essenciais na estrutura política brasileira (TAVARES, 2018).
Com isso, as chamadas candidaturas avulsas, que são aquelas
requeridas sem que o pretenso candidato tenha filiação ou vínculo a qualquer
partido político, ou, se filiado, sem ter sido escolhido pelo respectivo partido em
convenção, são totalmente inadmissíveis, pois há um claro descumprimento da
norma constitucional que impõe a filiação partidária como condição de elegibilidade,
a qual, inclusive é reforçada pelo art. 11, § 14, da Lei nº 9.504/1997, que “veda o
registro de candidatura avulsa, ainda que o requerente tenha filiação partidária”.
Essa é, inclusive, a posição pacífica da doutrina e jurisprudência constitucional e
eleitoral brasileira, principalmente por ser uma regra constitucional cristalina.
Entretanto, no ano de 2017, o pleno do Supremo Tribunal Federal,
enquanto discutia a constitucionalidade desse requisito, julgando um caso concreto
– recurso extraordinário em registro de candidatura avulsa da eleição municipal de
2016 – ARE 1.054.490/RJ – resolveu, por unanimidade, atribuir repercussão geral à
questão, cujo autor fundamentava o registro da candidatura avulsa não na Lei de
Eleições nem na Constituição Federal, mas na Convenção Americana de Direitos
Humanos (CADH).
Por ser o tema central deste trabalho, tal julgado será retomado e
aprofundado seu estudo nos capítulos seguintes.
2.1.6 Idade mínima
A última condição de elegibilidade prevista no § 3º do art. 14 da
Constituição Federal é exatamente a idade mínima que o brasileiro deverá ter
atingido para concorrer aos cargos públicos ali mencionados. E, a depender do
cargo pretendido, tal limite será diferente. O candidato deverá contar com: (a) 35
anos para as disputadas a Presidente, Vice-Presidente da República e Senador; (b)
30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; (c) 21
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anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito
e juiz de paz; (d) 18 anos para Vereador.
Como se vê, a idade mínima é maior ou menor tendo em vista a
maturidade esperada diante das complexidades do cargo.
Listadas as condições de elegibilidade, passa-se a falar da outra parte
que constituem o regime jurídico das candidaturas, as causas de inelegibilidade.
2.2 CAUSAS DE INELEGIBILIDADE
Para Gomes (2018), Denomina-se inelegibilidade ou ilegibilidade o impedimento ao exercício dacidadania passiva, de maneira que o cidadão fica impossibilitado de serescolhido para ocupar cargo político eletivo. Em outros termos, trata-se defator negativo cuja presença obstrui ou subtrai a capacidade eleitoralpassiva do nacional, tornando-o inapto para receber votos e, pois, exercermandato representativo. Tal impedimento é provocado pela ocorrência dedeterminados fatos previstos na Constituição ou em lei complementar. Suaincidência embaraça a elegibilidade, esta entendida como o direito subjetivopúblico de disputar cargo eletivo.
Assim, as causas de inelegibilidade são filtros ou regras restritivas que o
ordenamento jurídico procura impor à participação política de pretensos candidatos
que possuam alguns requisitos prejudiciais, que os privam – por determinado tempo
ou sob certas condições – de concorrerem a cargos eletivos, ou seja, de exercerem
a sua capacidade eleitoral passiva, vale dizer, a capacidade para ser eleito para um
cargo público (CASTRO, 2018), sendo também uma forma de proteger a
normalidade e legitimidade das eleições contra o abuso do poder e a moralidade e
probidade administrativas para o exercício do mandato, bens jurídicos previstos no
art. 14, § 9º, da Constituição Federal, pois, em razão de sua condição ou em face de
certas circunstâncias, restou comprovado que estas não levam a uma melhora do
cenário político (MACHADO, 2018).
Como falado na citação acima, as causas de inelegibilidade estão
disciplinadas tanto na Constituição quanto na Lei Complementar nº 64/1990,
conhecida como Lei de Inelegibilidades. É muito comum se invocar também a
famosa “Lei da Ficha Limpa”, que é a Lei Complementar nº 135/2010, sendo que
esta não disciplinou as inelegibilidades, mas apenas alterou a Lei de inelegibilidades
e trouxe um rigor maior à própria compreensão das inelegibilidades.
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A diferença entre inelegibilidades constitucionais e legais não se
restringem apenas em relação à fonte, visto que apresentam inegável relevância
prática. Para ficar em apenas um exemplo, basta dizer que não há preclusão quanto
às primeiras, as quais podem ser arguidas na fase do registro de candidatura ou
posteriormente, antes ou depois das eleições. Já as inelegibilidades legais sujeitam-
se à preclusão se não forem levantadas na fase de registro de candidatura.
Ultrapassado esse momento, não mais poderão ser discutidas, salvo se
supervenientes (GOMES, 2018).
Como são muitas as hipóteses que configuram inelegibilidade, passa-se a
tratar das mais importantes.
2.2.1 Inelegibilidades constitucionais
A Constituição Federal prevê hipóteses de inelegibilidade em seu artigo
14, §§ 4º a 7º, a saber:Art. 14. [...]§ 4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do DistritoFederal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no cursodos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.§ 6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, osGovernadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devemrenunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e osparentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, doPresidente da República, de Governador de Estado ou Território, do DistritoFederal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis mesesanteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato àreeleição.
a) inalistáveis e analfabetos – Quanto à inelegibilidade dos inalistáveis, a
Constituição Federal está se referindo aos citados no art. 14, § 2º, quais sejam, os
estrangeiros e conscritos, durante o serviço militar obrigatório, logo há uma
redundância no texto constitucional, pois estes por não possuírem capacidade
eleitoral ativa, tampouco possuiriam a capacidade eleitoral passiva, dada a
dependência desta capacidade em relação àquela. Quanto aos analfabetos, fixou-
se, no texto constitucional, a exigência de um mínimo de conhecimento da
linguagem escrita como forma de garantir o exercício independente do mandato
(CASTRO, 2018);
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b) titular de mandado do Poder Executivo já reeleito – A Emenda
Constitucional nº 16/1997 alterou a redação do artigo 14, § 5º, da Constituição
Federal para permitir a reeleição dos chefes do Poder Executivo e de seus
sucessores e substitutos. A reeleição só pode ocorrer “para um único período
subsequente”. De plano, determinou a inelegibilidade dessas autoridades para um
terceiro mandato sucessivo, relativamente ao mesmo cargo. Porém, por força do
artigo 14, § 6º, ficou permitido que os titulares reeleitos possam se candidatar a
outros cargos, desde que renunciem aos respectivos mandatos até seis meses
antes do pleito (GOMES, 2018);
c) inelegibilidade reflexa: cônjuge, companheiro e parentes – Descrito no
artigo 14, § 7º, da Constituição Federal, torna inelegíveis, no território de jurisdição
do titular, quem mantém vínculos estreitos com o titular do mandato do Poder
Executivo, a saber: Presidente da República, Governador de Estado ou do Distrito
Federal e Prefeito.
De acordo com a jurisprudência, além do cônjuge, alcança também
companheiros, inclusive homoafetivos. Quanto aos parentes, abrangem até o
segundo grau de parentescos, sejam consanguíneos ou afins, sejam consanguíneos
ou por adoção.
Há ressalva expressa caso o parente já seja detentor de mandato eletivo
e candidato à reeleição para o mesmo cargo que fora eleito, ocasião em que não
será inelegível.
Essas hipóteses derivam do temor de que, em razão de tais vínculos,
sejam candidatos beneficiados pela atuação do ocupante de elevados cargos
públicos, o que prejudicaria o pleito (FILHO, 2015).
2.2.2 Inelegibilidades infraconstitucionais
As inelegibilidades infraconstitucionais ou legais originam-se da norma
constitucional de eficácia limitada disposta no artigo 14, § 9º, da Constituição
Federal, que reza:§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e osprazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, amoralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa docandidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influênciado poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou empregona administração direta ou indireta.
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Observe-se que, segundo o mandamento constitucional, a lei
complementar deve pautar-se por três princípios: (a) proteção da probidade
administrativa; (b) proteção da moralidade para exercício de mandato, considerada a
vida pregressa do candidato; (c) preservação da normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função,
cargo ou emprego na Administração direta ou indireta.
Outrossim, inelegibilidade não pode ter caráter perene ou imutável,
devendo a norma legal instituir “os prazos de sua cessação”. Isso porque em jogo se
encontra o exercício do direito fundamental de ser votado, direito esse insuscetível
de sofrer restrição de caráter perpétuo (GOMES, 2018).
A lei complementar prevista na Constituição Federal é a LC nº 64/90 –
chamada de Lei de Inelegibilidades, que cerca de 20 anos depois foi alterada pela
LC nº 135/2010 – chamada de Lei de Ficha Limpa.
Devido à extensa quantidade de causas de inelegibilidade
infraconstitucionais, serão apresentadas apenas algumas hipóteses que tenham
relevância com o objetivo deste trabalho.
a) abuso de poder econômico e político – o art. 1º, I, d, da Lei de
Inelegibilidades dispõe que é causa de inelegibilidade o julgamento procedente, pela
Justiça Eleitoral, de representação, em decisão transitada em julgado, ou por órgão
colegiado, pela prática de abuso do poder econômico ou político. A inelegibilidade
valerá para a eleição para a qual os candidatos concorreram ou foram diplomados,
assim como para as eleições que se realizarem nos oito anos seguintes.
b) condenação criminal pela prática de determinados crimes – a Lei de
Inelegibilidades aponta igualmente como causa de inelegibilidade a condenação por
alguns crimes, a contar de decisão condenatória colegiada, estendendo-se pelo
prazo de oito anos após o cumprimento da pena.
Conforme apontado no tópico 2.1.2 deste trabalho, uma das condições de
elegibilidade é o pleno exercício dos direitos políticos. Assim, qualquer condenação
criminal transitada em julgado atinge a capacidade eleitoral passiva, pelo fato de ser
também causa para a suspensão dos direitos políticos. Proporciona também, aliás, a
perda da capacidade eleitoral ativa. A lei, porém, apontou alguns crimes mais
gravosos, em relação aos quais a capacidade eleitoral passiva é atingida, como se
afirma, a partir de decisão colegiada condenatória, persistindo seus efeitos por mais
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oito anos, mesmo após o cumprimento da pena, por configurarem inelegibilidade
(MACHADO, 2018).
Nos termos do art. 1º, I, e, da Lei de Inelegibilidades, não são todos os
crimes que acarretam a inelegibilidade. Dentre os causadores estão os seguintes:1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e opatrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais eos previstos na lei que regula a falência;3. contra o meio ambiente e a saúde pública;4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perdado cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo ehediondos;8. de redução à condição análoga à de escravo;9. contra a vida e a dignidade sexual;10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;
Dentre os referidos crimes, porém, a lei excepciona os culposos e aqueles
definidos em lei como de menor potencial ofensivo, assim como os crimes de ação
penal privada (art. 1º, § 4º, da Lei de Inelegibilidades).
c) rejeição (desaprovação) de contas – O artigo 1º, I, g, da Lei de
Inelegibilidades dispõe serem inelegíveis para qualquer cargo as pessoas que
tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas
por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa,
e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa
ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito)
anos seguintes, contados a partir da data da decisão.
A inelegibilidade enfocada decorre do ato de rejeição de contas pelo
órgão competente, que pode ser o Tribunal de Contas ou o Poder Legislativo. Trata-
se de efeito (secundário) da decisão de rejeição.
d) ato doloso de improbidade administrativa – Dispõe o artigo 1º, I, l, da
Lei de Inelegibilidades que são inelegíveis os que forem condenados à suspensão
dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão
judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao
patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em
julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.
Outras causas de inelegibilidade infraconstitucionais:
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Perda de mandato no legislativo (artigo 1º, I, b, da Lei de
Inelegibilidades)
Perda de mandato no executivo (artigo 1º, I, c, da Lei de
Inelegibilidades)
Infração ético-profissional (artigo 1º, I, m, da Lei de Inelegibilidades)
Demissão no serviço público (artigo 1º, I, o, da Lei de Inelegibilidades)
Não desincompatibilização de determinados cargos no prazo legal
(artigo 1º, II a VII, da Lei de Inelegibilidades)
Dispostos os requisitos positivos e negativos que formam a capacidade
eleitoral passiva, presentes na Constituição Federal e em legislação
infraconstitucional, observa-se que o ordenamento jurídico brasileiro é totalmente
cristalino ao impor a filiação partidária como conditio sine qua non para se postar
como representante da população, rechaçando as candidaturas avulsas. Entretanto,
é no Direito Internacional, mais precisamente na Convenção Americana de Direitos
Humanos, que, juridicamente, se fundamentam os pedidos de candidaturas avulsas.
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3 CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA)
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também
conhecida como Pacto de San José da Costa Rica é um tratado internacional,
adotado em 1969 no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Somente entrou em vigor em 1978 quando, por disposição expressa do art. 74.2 da
própria Convenção, onze Estados a ratificaram em seu direito interno. O Brasil
aderiu à Convenção em 9 de julho de 1992, depositou a carta de adesão em 25 de
setembro de 1992, e a promulgou por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro do
mesmo ano. O ato multilateral entrou em vigor para o Brasil em 25 de setembro de
1992, data do depósito de seu instrumento de ratificação (RAMOS, 2018).
A CADH é composta por 82 artigos, divididos em três partes: Parte I sobre
os “Deveres dos Estados e Direitos Protegidos”; a Parte II sobre os “Meios de
Proteção” e a Parte III, sobre as “Disposições Gerais e Transitórias”.
A Parte I, que interessa a este trabalho, enuncia, portanto, os deveres
impostos aos Estados-Partes por meio da Convenção e os direitos por ela
protegidos. O primeiro desses deveres, disposto no art. 1.1 diz que “Os Estados-
Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela
reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita
à sua jurisdição”. Importante também registrar que o Brasil, no Art. 1º do Decreto nº
678/1992, reforça sua obrigação de respeitar a Convenção, pois ela “deverá ser
cumprida tão inteiramente como nela se contém”.
Dentre os direitos garantidos na Convenção, estão os direitos políticos,
dispostos no art. 23. Assim, a Convenção estabelece no art. 23.1 que todos os
cidadãos devem gozar dos direitos e oportunidades de participar da condução dos
assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; de
votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio
universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade
dos eleitores; e de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções
públicas de seu país.
Porém, é precisamente no art. 23.2 da CADH onde está a base jurídica
desse tratado que, em tese, permite a possibilidade das candidaturas avulsas. Assim
diz o seu texto: “A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se
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refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade,
residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz
competente, em processo penal”.
Assim, por tal regramento, a lei brasileira, que neste caso está se falando
de lei de forma abstrata, podendo ser a Constituição ou legislação
infraconstitucional, assim como todos os outros Estados signatário da Convenção,
ao regular os direitos políticos dos seus cidadãos devem-se pautar com
exclusividade nas hipóteses ali previstas, a saber:
Idade; Nacionalidade; Residência; Idioma; Instrução; Capacidade civil ou mental; Condenação, por juiz competente, em processo penal.Conforme mostrado no capítulo anterior, todos esses critérios estão
previstos no ordenamento brasileiro para regular os direitos políticos, com exceção
do idioma, que, por opção do legislador, foi deixado de fora.
E como se pode ler do art. 23.2 da CADH, a filiação a partido político não
está enumerada entre os critérios legais limitadores dos direitos políticos passivos.
Com isso, por não constar filiação partidária nesse dispositivo, o Brasil, ao restringir
a capacidade eleitoral passiva dos seus jurisdicionados por motivos que extrapolam
a Convenção, estaria em desacordo com ela, descumprindo assim o seu
compromisso de garantir os direitos previstos na Convenção, dentre os quais, os
direitos políticos.
Há aqui, portanto, um conflito normativo da Constituição Federal com um
tratado internacional, pois a Constituição Federal é absolutamente clara ao
estabelecer, em seu art. 14, § 3º, V, que a filiação partidária é condição necessária
para ser candidato, ao passo que a CADH estabelece que não se pode restringir
direitos políticos por motivos além dos listados no seu art. 23.2, e este não inclui o
vínculo a partido político.
A solução para esse conflito passa necessariamente pela resolução sobre
qual a norma seria hierarquicamente superior à outra e, consequentemente, aplicada
a este caso, se a norma constitucional, de direito interno, ou a norma internacional.
Assunto que será tratado a seguir.
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3.1 A HIERARQUIA NORMATIVA ORDINÁRIA OU COMUM DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS
A Constituição Federal não contém capítulo específico sobre a relação do
direito interno com o direito internacional: consequentemente, os dispositivos sobre a
hierarquia dos tratados estão espalhados no texto da Constituição. De acordo com
Ramos (2018), os dispositivos tradicionalmente levados em consideração na análise
da hierarquia dos tratados em geral são os artigos: 102, III, b; 105, III, a; 47.
O art. 102, III, b, dispõe que cabe recurso extraordinário no caso de ter a
decisão impugnada considerado inconstitucional “lei ou tratado”. Já o art. 105, III, a
estabelece que cabe recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça quando a
decisão impugnada houver violado ou negado vigência a “lei ou tratado”. Finalmente,
o art. 47 estabelece que, no caso da espécie normativa não possuir quórum de
aprovação especificado no texto da Constituição, esse será de maioria simples, o
que ocorre, por exemplo, com o decreto legislativo e com lei ordinária federal. Esses
três dispositivos são os que normalmente são invocados para a determinação da
hierarquia dos tratados internacionais comuns perante o direito brasileiro (RAMOS,
2018).
Ainda, conforme Ramos (2018),Analisando esses três dispositivos em conjunto, o Supremo Tribunal Federalconcluiu que os tratados internacionais incorporados em geral possuem oestatuto normativo interno equivalente ao da lei ordinária federal. Essa é ahierarquia ordinária ou comum dos tratados em geral: equivalência à leiordinária federal. A justificativa é simples. Em primeiro lugar, o art. 102, III, b,determina que o estatuto dos tratados é infraconstitucional, pois permite ocontrole de constitucionalidade dos tratados. Em segundo lugar, os arts. 47e 105, III, a, cuidam dos tratados da mesma maneira que as leis em doismomentos: no quórum de aprovação (maioria simples para a lei ordinária epara o decreto legislativo) e na definição de um mesmo recurso (recursoespecial) para a impugnação de decisões inferiores que os contrariarem oulhes negarem vigência.
Assim, apesar do embate doutrinário acirrado das últimas décadas entre
os seguidores das teorias dualista, monista com primazia do direito interno e monista
com primazia do direito internacional, na linha de jurisprudência do STF, os tratados
internacionais internalizados sempre estiveram equiparados a lei ordinária e,
portanto, inferiores à Constituição Federal.
Porém, em relação aos tratados internacionais com a temática de direitos
humanos, que é o caso da CADH, com o advento da Emenda Constitucional nº
45/2004, seguindo tendência internacional, adotada em diversos ordenamentos
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jurídicos estrangeiros, a própria Constituição Federal sofreu drástica guinada e
passou a oferecer um tratamento diferenciado, pois foi incluído no texto
constitucional o inovador § 3º ao art. 5º (TAVARES, 2018):Art. 5º [...]§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos queforem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, portrês quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes àsemendas constitucionais.
3.2 POSIÇÃO BRASILEIRA SOBRE A HIERARQUIA DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS QUE VERSEM SOBRE DIREITOS HUMANOS
A introdução do § 3º do artigo 5º, que elevou os tratados e convenções
internacionais com conteúdo material de direitos humanos, ao mesmo status
normativo das Emendas Constitucionais, quando aprovadas da mesma forma que
estas, contudo, não encerrou os debates sobre o tema, tanto que a doutrina não é
uníssona quanto à incompatibilidade material entre regras de Direito Constitucional e
de Direito Internacional, como, por exemplo, a estabelecida entre o art. 5º, LXVII, da
Constituição Federal e o art. 7.7, da CADH, que trata da prisão civil por dívida
(MORAES, 2018).
Há, pelo menos, quatro correntes acerca da “força” dos tratados
internacionais em matérias de direitos humanos:
O status legal, ou seja, no mesmo nível que as leis comuns, é reconhecido por Maurício Andreiuolo Rodrigues e Laerte José CastroSampaio, para quem os atos internacionais não possuem a devidalegitimidade para confrontar, tampouco para complementar ou especificar odisposto na Constituição, dado que “se o § 2º do art. 5º inaugurou uma novaera dos direitos fundamentais, admitindo o ingresso de atos internacionais aversar sobre direitos humanos, não se pode dizer, daí, que o restante dotexto fundamental restará submisso aos tais acordos. De modo algum. Nãocabe, vale repetir, contrapor tratado internacional – inclusive sobre direitoshumanos – a uma regra de nível constitucional” e “a Constituição subordinoua eficácia interna dos tratados, convenções ou atos internacionais aoreferendo do Congresso Nacional, não excepcionando as hipóteseseventualmente previstas no art. 5º, § 2º. Deve ser reconhecida, definida aposição da norma internacional na hierarquia do ordenamento jurídico, nãopoder ela se contrapor às normas constitucionais” (MORAES, 2018).
O status supralegal, isto é, acima das leis e abaixo da Constituição, é referido por Gilmar Ferreira Mendes, para quem a legislaçãoinfraconstitucional que contrarie as convenções e tratados internacionais dedireitos humanos se torna inaplicável, seja ela anterior ou posterior ao atode ratificação, já que “os tratados sobre direitos humanos sãoinfraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos
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demais atos internacionais, também são dotados de um atributo desupralegalidade. Portanto, a internalização dos tratados internacionais quecuidam da proteção dos direitos humanos na ordem jurídica tem o condãode paralisar a eficácia de toda e qualquer disciplina normativainfraconstitucional com ela” (MORAES, 2018).
O status constitucional dos tratados, isto é, no mesmo nível da
Constituição, é respaldado por Flávia Cristina Piovesan e Antônio Augusto CançadoTrindade, para quem as eventuais antinomias entre o disposto internacionale constitucionalmente devem ser resolvidas pela aplicação da normajurídica que se afigurar mais favorável ao ser humano, posto que “a Cartade 1988 confere aos tratados de direitos humanos o status de normaconstitucional, por força do art. 5º, § 2º. O regime jurídico diferenciadoconferido aos tratados de direitos humanos não é, todavia, aplicável aosdemais tratados, isto é, aos tratados tradicionais” e “desde a promulgaçãoda atual Constituição, os tratados de direitos humanos em que o Brasil éparte têm efetivamente nível constitucional. O propósito da regra do § 2º doart. 5º não é outro que o de assegurar a aplicabilidade direta pelo PoderJudiciário da normativa internacional de proteção, alçada a nívelconstitucional” (MORAES, 2018).
O status supraconstitucional, ou seja, hierarquicamente acima da
Constituição, é retratado por Celso de Albuquerque Mello, para quem a primazia dasconvenções e tratados internacionais de direitos humanos pode serjustificada pela interação entre o Direito Interno e o Direito Internacional embenefício dos seres protegidos, visto que “a norma internacional prevalecesobre a norma constitucional, mesmo naquele caso em que uma normaconstitucional posterior tente revogar uma norma internacionalconstitucionalizada” (MORAES, 2918).
Logo, para a doutrina, há quatro diferentes correntes sobre a posição
hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos face à Constituição
Federal. Contudo, a nível jurisprudencial, por várias décadas sempre foi decidido
pelo STF a favor da tese de que os tratados de direitos humanos teriam a mesma
hierarquia dos demais tratados, considerados equivalentes à lei ordinária federal, ou
seja, possuíam status legal, até por que no corpo constitucional ainda não existia o §
3º do art. 5º.
A Emenda Constitucionais nº 45/2004, no entanto, motivou revisão do
posicionamento do STF sobre a hierarquia dos tratados de direitos humanos no
Brasil. No julgamento do RE 466.343/SP, em 03 de dezembro de 2008 – referente à
prisão civil do depositário infiel, que é lícita pelo disposto art. 5º, LXVII da
Constituição Federal (“Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável
pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
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depositário infiel”), mas proibida pelo art. 7º.7 da CADH, que admite apenas um caso
de prisão civil (“Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os
mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de
inadimplemento de obrigação alimentar.”), o do inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia, não contemplando, portanto, a prisão do
depositário infiel – a maioria de votos dos Ministros promoveu novo patamar
normativo para os tratados internacionais de direitos humanos, sustentando que os
tratados internacionais de direitos humanos, que não forem aprovados pelo
Congresso Nacional pelo rito especial do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, têm
natureza supralegal: algo intermediário, abaixo da Constituição, mas acima de toda
e qualquer lei (RAMOS, 2018), ao passo que os tratados aprovados pelo Congresso
pelo rito especial do § 3º ao art. 5º (votação em dois turnos nas duas Casas do
Congresso, com maioria de três quintos, tal qual as Emendas Constitucionais) terão
status constitucional (RAMOS, 2018).
Assim, ficou consagrada uma dupla regra de força normativa dos tratados
de direitos humanos: status constitucional, para os aprovados pelo rito do art. 5º, §
3º; e status supralegal, para os demais, quer sejam anteriores ou posteriores à
Emenda Constitucional nº 45 e que tenham sido aprovados pelo rito comum, qual
seja, maioria simples, turno único em cada Casa do Congresso, incluindo nesse
grupo a Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa
Rica (RAMOS, 2018), que fora aprovada em 1992, portanto, antes da EC 45/2004.
Voltando ao julgado do RE 466.343, aconteceu uma mutação
constitucional. O texto do art. 5º, LXVII que permitiria a prisão civil do depositário
infiel continua igual como foi promulgado em 1988, até por que é atribuição exclusiva
do Congresso Nacional modificá-lo, mas o STF tornou-o sem eficácia.
Na prática, ficou inviabilizada qualquer forma de prisão civil por dívida na
qualidade de depositário infiel. Isso porque o Pacto de San José, não obstante não
tenha sido recepcionado como norma constitucional derivada pela Emenda
Constitucional nº 45/2004, mas como norma supralegal e, com isso, tornando
ineficazes as normas infraconstitucionais que, até então, disciplinavam a prisão civil
do depositário infiel, a exemplo do Código Civil e do Código de Processo Civil, pois
se agora há uma norma hierarquicamente superior proibindo a prisão do depositário
infiel, então tais regras não possuem mais aplicabilidade. E, mais do que isso,
impedirá que qualquer lei nova venha a tratar do tema (MOTTA, 2018).
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Assim, retornando ao tema central deste trabalho, a lógica da candidatura
avulsa seria semelhante à do depositário infiel. No direito interno, a Constituição
Federal exige a filiação partidária como condição de elegibilidade no art. 14, § 3º, V
e existe toda uma legislação infraconstitucional regulamentando o direito eleitoral
voltado à filiação partidária e ao monopólio dos partidos políticos no processo de
escolha de candidatos; ao passo que na mesma CADH, que causou uma mutação
constitucional com a proibição da prisão do depositário infiel, não prevê a filiação
partidária como hipótese de regulação de direitos políticos.
Era questão de tempo, portanto, desse tema chegar ao Supremo Tribunal
Federal. Através do ARE 1.054.490, em 2017 foi atribuída repercussão geral às
candidaturas avulsas, cujo assunto será estudado no próximo tópico.
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4 DEBATE SOBRE CANDIDATURAS AVULSAS NO STF: O CASO DO ARE Nº 1.054.490/RJ
Nas eleições municipais de 2016, foi protocolado um registro de
candidatura a Prefeito e Vice-Prefeito do município do Rio de Janeiro de modo
independente, isto é, uma candidatura avulsa, desvinculada de qualquer partido
político e, obviamente, sem passar por convenção partidária, encabeçada pelo
advogado e professor de direito Rodrigo Sobrosa Mezzomo e, como companheiro de
chapa, o empresário Rodrigo Rocha Barbosa.
O pedido foi fundamentado no art. 1º da Constituição Federal, em
especial os incisos II (cidadania), III (dignidade da pessoa humana) e V (pluralismo
político). Também fez menção ao art. 5º, XX (ninguém poderá ser compelido a
associar-se ou a permanecer associado) e, sobretudo, nos comandos insculpidos
nos §§ 1º, 2º e 3º do citado artigo 5º, os quais versam acerca do acatamento aos
Tratados Internacionais pela nação brasileira, dando ênfase aos artigos 23 e 29 do
Pacto de San José da Costa Rica, os quais, respectivamente, assegura a
candidatura avulsa e expressamente determina ao intérprete a realização de
hermenêutica pro homine, ou seja, de interpretação ampliativa e maximizadora dos
direitos consagrados no aludido tratado (MEZZOMO e MEZZOMO, 2016).
Apesar de tais considerações, o registro foi indeferido pelo juiz eleitoral,
ante o não cumprimento das condições de elegibilidade estabelecidas,
especialmente a ausência de filiação partidária. Irresignados, os interessados
peticionaram sucessivos recursos eleitorais ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio de
Janeiro e ao Tribunal Superior Eleitoral, onde também não tiveram seus pedidos
acolhidos.
Assim, ainda entendendo que poderiam ser candidatos a prefeito e vice-
prefeito do Rio de Janeiro de forma avulsa e que tiveram suas candidaturas
indevidamente indeferidas em primeira, segunda e terceira instâncias, apresentaram
Agravo ao Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal em 12/06/2017, que
recebeu o número 1.054.490/RJ e foi distribuído ao Ministro Luís Roberto Barroso.
Registre-se que, nessa data, as Eleições de 2016 já haviam sido realizadas; o
candidato eleito, Marcelo Crivella, já havia tomado posse como prefeito do Rio de
Janeiro e encontrava exercendo seu mandato normalmente. Por esse motivo, os
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recorrentes acresceram os pedidos de anulação das eleições de 2016 e o
reconhecimento do seu direito à candidatura avulsa em eleições futuras.
Antes do processo ser analisado pelo STF, a Procuradoria-Geral da
República, apresentou manifestação pelo não conhecimento do recurso, pois, uma
vez que as eleições já haviam acontecido, desapareceu o interesse de agir dos
recorrentes, consequentemente o objeto do pedido havia sido perdido. Entretanto,
caso a preliminar de admissibilidade fosse superada, a PGR opinou pelo provimento
do recurso, em virtude do art. 23.2 do Pacto de San José não constar a filiação
partidária entre os motivos de restrição à participação em eleições; para a PGR, o
Pacto teria status constitucional, diferente da jurisprudência do STF, que concede
status supralegal; além disso, eventual mutação constitucional seria perfeitamente
admitida, visto que a filiação partidária não é cláusula pétrea, conforme abaixo
(FERREIRA e DODGE, 2017): Os recorrentes parecem ter razão aqui, ao defenderem o ponto de vista deque o conflito entre o art. 14, § 3º, v, da CR e o art. 23, inc. 1, b, c/c o inc. 2,do Pacto de São José deve ser resolvido em favor da norma de direitointernacional. Em especial quando se lê o inc. 2, percebe-se que a filiaçãopartidária não consta dos motivos pelos quais se pode restringir aparticipação de candidatos em eleições americanas.Apesar da relevância dos partidos políticos para o processo democrático, oart. 60, § 4º, II, da CR não incluiu os partidos na cláusula de eternidade daConstituição de 1988. Ao contrário, nesse aspecto da organização socialbrasileira, a Constituição só declarou a salvo de mudanças o “voto direto,secreto, universal e periódico”. Logo, não parece haver incompatibilidadeentre a norma internacional aludida e as restrições a emendasconstitucionais ou à incorporação do pacto aludido na ordem brasileira. Daíque os partidos representados no Congresso Nacional abriram mão,validamente, da função de organizações intermédias exclusivas entregovernantes e governados, ao terem aprovado o Pacto de São José. Nessa medida, o pedido dos autores parece procedente.
Posteriormente, em plenário, no dia 05/10/2017, o Ministro Roberto
Barroso, relator do caso, ao proferir seu voto, fez uma análise histórica dos partidos
políticos no Brasil e o disciplinamento das eleições, apontando a experiência
brasileira com candidaturas avulsas entre o Império e as primeiras décadas da
República, e também contextualizando com a relação que se passava à época entre
a classe política e a sociedade civil, propôs a perda parcial do objeto, quanto ao
deferimento da candidatura avulsa dos recorrentes às eleições de 2016, bem como
quanto à anulação da referida eleição; entretanto, quanto ao reconhecimento do
direito às candidaturas avulsas para futuras eleições, o relator abriu questão de
ordem para reconhecimento da repercussão geral, em razão da relevância e da
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transcendência da questão de fundo debatida, de matéria constitucional, na forma
do art. 102, § 3º da Constituição Federal.
Na votação, depois de intensos debates, por seis votos a quatro, o STF
aprovou a questão de ordem suscitada, afastando a prejudicabilidade do recurso
mesmo com a perda de objeto e, para privilegiar a importância do tema de fundo e
seu reflexo em casos similares, por unanimidade, atribuiu repercussão geral à
questão constitucional constante nos autos.
Houve ressalvas, porém, do ministro Alexandre de Moraes, que externou
sua preocupação de, eventualmente, estarem ingressando indevidamente em seara
reservada ao Congresso Nacional e desrespeitando a vontade expressa do
constituinte originário, bem como do ministro Gilmar Mendes, que na ocasião era
presidente do Tribunal Superior Eleitoral, alertando que, antes daquele julgamento,
recebeu manifestações de setores técnicos do TSE – órgão que planeja,
regulamenta, organiza e executa as eleições brasileiras – no sentido de que não
havia condições de efetuar ajustes em tempo exíguo para realizar com segurança as
eleições gerais de 2018 com candidaturas avulsas, pois na palavra do Ministro, “todo
o modelo está calcado em eleições ligadas a partidos políticos, a questão da
distribuição de tempo de TV, a questão de distribuição de recursos e tudo o mais. Ou
talvez nós optemos por não mais fazer as eleições por urna eletrônica e voltemos às
sacolas”.
Após a atribuição de repercussão geral à questão, e a diante da
possibilidade real de liberação de candidaturas avulsas pelo STF, o tema, que era
pacífico para a doutrina pátria até então, teve ressurgido o seu debate, em torno dos
apoiadores e dos contrários às candidaturas avulsas.
Também como consequência da aplicação de repercussão geral,
posteriormente, nas eleições gerais de 2018, multiplicou-se os pedidos de
candidaturas avulsas. Apenas para Presidente da República, houve mais de vinte
pedidos de candidaturas avulsas, incluindo a de Rodrigo Mezzomo, mesmo
postulante da candidatura avulsa à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016, cujo
processo chegou ao STF (FALCÃO, 2018). Houve também esse mesmo tipo de
pedido nas eleições estaduais em, pelo menos, cinco estados: Paraná (HISING,
2018), Paraíba (JORNAL DA PARAÍBA, 2018), Santa Catarina (SILVA, 2018), Ceará
e Minas Gerais (AZEVEDO, 2018).
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Ainda no trâmite do ARE 1.054.490/RJ, está agendada pelo STF uma
audiência pública no dia 09/12/2019, posterior à conclusão deste trabalho,
convocada pelo Ministro Barroso, objetivando debater as candidaturas avulsas no
sistema eleitoral brasileiro e instaurar um diálogo entre o Tribunal, as lideranças
políticas e a sociedade em torno do tema, de modo a obter dados e informações que
esclareçam os ministros para a votação do caso (COELHO, 2019).
O julgamento da repercussão geral, que vai decidir se é constitucional
candidato sem vínculo partidário disputar eleições, porém, ainda não tem data
confirmada, mas é esperado que seja decidido nos primeiros meses de 2020.
Também não há definição, em caso de adoção da tese, se a nova regra já valeria
para as Eleições de 2020.
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5 POSSIBILIDADE JURÍDICA, CONSEQUÊNCIAS DA LIBERAÇÃO DE CANDIDATURAS AVULSAS E O PAPEL DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Como foi visto neste trabalho, a Constituição Federal é absolutamente
clara ao prever como condição necessária para se postular como candidato, possuir
filiação partidária, ao passo que a CADH exclui a filiação partidária das hipóteses
restritivas de direitos políticos.
Haja vista que a Repercussão Geral sobre o tema das candidaturas
avulsas nas eleições brasileiras deve ter sua constitucionalidade definida nos
próximos meses pelo STF, e por conseguinte, ser deliberado sobre a sua
permissibilidade ou afastada de vez sua possibilidade, será feita uma análise jurídica
sobre o assunto, apoiando-se por alguns autores que se manifestaram sobre o tema,
inicialmente entre aqueles que não veem possibilidade jurídica das candidaturas que
não sejam através dos partidos políticos.
5.1 POSSIBILIDADE JURÍDICA DAS CANDIDATURAS AVULSAS NO BRASIL
Para José Jairo Gomes, as candidaturas avulsas não são possíveis, visto
que não restou clara na CADH a garantia da candidatura sem filiação partidária, logo
existe o direito de qualquer pessoa disputar eleição, preenchidos determinados
requisitos, mas esse direito é desconsiderado quando não houver filiação partidária,
de sorte que, para ser votado, o cidadão deve filiar-se. E ainda que se vislumbrasse
a existência de um direito à candidatura avulsa, seria preciso ponderar que o
funcionamento do sistema político-eleitoral brasileiro pressupõe a intermediação
partidária. Mesmo restrita às eleições majoritárias, a candidatura avulsa não seria
viável senão com inúmeras limitações. Isso porque o funcionamento do sistema
político brasileiro requer a intermediação de partidos políticos. (GOMES, 2018).
Na mesma linha, Rodrigo Padilha entende que, apesar de ser uma ideia
democrática e saudável, as candidaturas avulsas são inconstitucionais e só seria
possível serem admitidas através de Emenda Constitucional. Caso contrário seria
um julgamento para assegurar a ineficácia do transparente texto constitucional, pois
a cidadania passiva no Brasil pressupõe que o indivíduo faça parte de algum partido
político (PADILHA, 2018).
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Em trabalho de conclusão de curso semelhante a este, por esta mesma
UFRN, Santos (2019) expôs que independente do status normativo concedido à
CADH (legal, supralegal ou constitucional), a filiação partidária deve ser mantida
como condição de elegibilidade, vedando-se as candidaturas avulsas, pois, nas
palavras do autor, outros dispositivos que tratam da matéria “seriam afetadas por tal
interpretação, o que poderia alterar consideravelmente o funcionamento do sistema
eleitoral brasileiro e, no pior dos casos – tendo em vista que ele está montado para
funcionar por meio dos partidos políticos –, torná-lo inoperante”.
Por outro lado, entre aqueles que entendem que as candidaturas avulsas
estão amparadas pela Constituição Federal, encontra-se o professor titular da USP,
Gilberto Bercovici. Para ele, o conflito entre a Constituição Federal e o Pacto de San
José deve ser interpretado de acordo com a proteção e ampliação dos direitos
fundamentais, não havendo justificativa para a manutenção da exigência de filiação
partidária como requisito de elegibilidade e restringindo, assim, o direito dos
cidadãos de participarem diretamente das decisões públicas e de acessarem os
cargos eletivos. Assim, a Constituição Federal comporta as candidaturas
independentes de partidos políticos (BERCOVICI, 2018).
Também entendendo pela constitucionalidade das candidaturas avulsas,
estão Marcelo Figueiredo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado, com a ressalva de
que os empecilhos jurídicos da legislação infraconstitucional devem ser afastados.
Em suas opiniões, as candidaturas avulsas poderiam trazer oxigenação ao cenário
político, e talvez intensificar a participação democrática, mas admiti-las demandaria
grande reforma do sistema político atual, para disciplinar questões como acesso ao
Fundo de Financiamento de Campanha, tempo de propaganda, entre outras
questões procedimentais de natureza semelhante (FIGUEIREDO, 2017;
CARVALHO, 2018).
De uma forma geral, percebe-se que existe certa preocupação dos
favoráveis e dos contrários às candidaturas avulsas no sentido de que, caso o STF
exclua a filiação partidária das hipóteses de condição de elegibilidade previstas na
Constituição Federal, causaria confusão nas regras do sistema eleitoral, que é todo
desenhado para a disputa por meio de partidos políticos.
Dando início às considerações do autor deste trabalho, há primeiro que se
registrar que os partidos políticos foram alocados pelo legislador constituinte no
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Portanto, mesmo sendo pessoas
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jurídicas de direito privado, foi opção do constituinte consagrar os partidos políticos
com status especial, dotando-os do monopólio do oferecimento de candidaturas para
cargos eletivos no Legislativo e no Executivo, nos termos da Constituição Federal de
1988 (art. 14, §3º, inciso V) e da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95).
Assim, de princípio, analisando apenas o texto constitucional, e pelo
destaque que foi dado aos partidos políticos, é bem claro que para ser candidato, o
interessado precisa ser filiado a um partido político. A questão é que o próprio
constituinte permitiu que normas do direito internacional sejam recepcionados pelo
ordenamento brasileiro, ainda que possuam dispositivos contrários a ela.
E como foi falado no capítulo 3, a solução para o conflito entre a
Constituição Federal e a CADH, passa necessariamente pela definição da posição
hierárquica entre um e outro, ou seja, definir o status normativo da CADH.
Para este autor, uma vez que o STF no RE 466.343 – prisão civil do
depositário infiel – atribuiu o status de supralegalidade à CADH, o mais razoável
seria que fosse respeitado a sua própria jurisprudência. Neste caso, o art. 14, § 3º, V
da Constituição Federal sofreria a mesma mutação constitucional do depositário
infiel: o texto não seria alterado, mas se tornaria sem eficácia, visto que a legislação
infraconstitucional (código eleitoral, lei de eleições, lei dos partidos políticos, lei de
inelegibilidades, etc.), por estar hierarquicamente abaixo da CADH, não poderia
exigir filiação partidária nos processos eleitorais de registros de candidaturas,
abrindo a possibilidade para as candidaturas independentes.
Logo, o entendimento do autor deste trabalho é o de que as candidaturas
avulsas são juridicamente constitucionais, em virtude dos §§ 2º e 3º do artigo 5º de
Constituição Federal, somados à jurisprudência do STF, que dá status supralegal à
CADH.
Entretanto, como alertado por alguns autores favoráveis e contrários às
candidaturas avulsas, e como se verá a seguir, as consequências poderão pôr em
risco a normalidade do sistema eleitoral.
5.2 CONSEQUÊNCIAS DA PERMISSÃO DE CANDIDATURAS AVULSAS NO
BRASIL
No tópico anterior, foi apontado que é juridicamente possível que o STF
julgue favorável a tese que permite as candidaturas avulsas nas eleições, atribuindo
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repercussão geral. A seguir, serão tratadas parte das consequências que essa
decisão, caso procedente, acarretará no direito eleitoral, podendo inclusive haverem
outras que não foram visualizadas pelo autor durante a pesquisa.
Primeiramente, é preciso registrar uma considerável diferença em relação
à inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel e da exigência de filiação
partidária em candidaturas, sobre a forma que os dispositivos infraconstitucionais se
tornariam tacitamente revogados pela norma de hierarquia superior, qual seja, o
Pacto de San Jose: no caso da prisão do depositário infiel, a revogação dos
dispositivos que a regulamentavam tornou-os ineficazes sem maiores problemas,
pois a “não prisão” do depositário infiel inexige regulamentação; já na situação da
filiação partidária, a revogação tácita de vários dispositivos das leis que
regulamentam as eleições causarão alguns conflitos, pois a “não filiação partidária” é
incompatível com várias outras regras eleitorais. Alguns delas:
5.2.1 Incompatibilidades de vários dispositivos de leis eleitorais com ascandidaturas avulsas
a) Definição das vagas nas eleições proporcionais – Pelas regras
definidas entre os artigos 105 e 113 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), a
distribuição das cadeiras das casas legislativas (exceto o Senado Federal) é feita
entre os partidos políticos (ou coligação de partidos) proporcionalmente à votação
que obtiverem. A fórmula do sistema proporcional começa com a definição do
“quociente eleitoral”, que é a divisão do número de votos válidos apurados na
eleição pelo número de cadeiras disponíveis no parlamento. As vagas conquistadas
pela agremiação é definida pelo “quociente partidário” e ligam-se diretamente ao
número de votos obtidos por ela nas urnas. Assim, para que um candidato seja
eleito, é preciso que seu partido seja contemplado com um número mínimo de votos.
(GOMES, 2018). Como se pode observar, as regras do sistema proporcional
estabelecidas, por fazer a distribuição de vagas inicialmente entre os partidos
políticos, para em um momento seguinte definir os candidatos eleitos, não permitiria
a eleição de um candidato avulso, ainda que esse tivesse a quase totalidade dos
votos.
b) Propaganda gratuita na rádio e na TV (Horário Eleitoral) - A distribuição
do tempo do horário eleitoral é regulada pelo art. 47, § 2º, da Lei n. 9.504/97, com as
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alterações da Lei nº 13.165/2015. O cálculo é estabelecido por uma fórmula em que
90% do tempo reservado é definido pelo número de representantes de cada partido
na Câmara dos Deputados e 10% distribuído igualitariamente entre os partidos,
onde, são contemplados apenas os partidos ou coligações que estiverem
efetivamente disputando o pleito. No final, cada cota de tempo é concedida ao
partido ou coligação, não ao candidato (CASTRO, 2018). Novamente aqui, há uma
regra eleitoral que desprivilegiaria as candidaturas avulsas, visto que, por não
possuir filiação a partido político, não teria como entrar no cálculo e obter uma cota
de tempo para exibição da sua candidatura no horário eleitoral, desrespeitando
totalmente o princípio constitucional da isonomia de oportunidades.
c) Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – A reforma
eleitoral de 2017 – promulgada através das leis 13.487/2017 e 13.488/2017, que
incluíram os arts. 16-C e 16-D na Lei de Eleições, respectivamente – criou e
regulamentou a distribuição dos recursos do FEFC, que são recursos públicos
distribuídos aos partidos políticos para aplicação exclusiva nas campanhas eleitorais
dos candidatos de seus respectivos partidos ou coligados. Novamente, observa-se
regras que privilegiam os partidos e não exatamente os candidatos. Tal como o
horário eleitoral, com as regras postas atualmente, os candidatos avulsos não
obteriam direito a tais recursos públicos, igualmente causando desequilíbrio na
disputa com os candidatos vinculados a partidos políticos, que, vale-se salientar,
estes também podem receber recursos do Fundo Partidário, outra fonte de recursos
públicos, criada para manutenção e funcionamento ordinário dos partidos políticos,
mas que também pode ser aplicados nas campanhas eleitorais.
d) Identificação numérica dos candidatos (número de legenda) – Com o
sistema eletrônico de votação adotado pelo Brasil, que se utiliza de urna eletrônica
com teclado numérico, a escolha dos candidatos dá-se pela digitação do número de
legenda que o identificou durante todo o processo eleitoral, número esse que é único
para cada candidato postulante ao mesmo cargo. Pela regra do art. 15, I da Lei de
Eleições, “os candidatos aos cargos majoritários concorrerão com o número
identificador do partido ao qual estiverem filiados”, ao passo que pela regra do art.
15, II e III, da mesma lei, para os candidatos a cargos parlamentares, estes
concorrerão com o número do partido ao qual estiverem filiados, acrescidos de um,
dois ou três algarismo à direita, conforme o caso. Aqui existe um problema de ordem
prática: os candidatos avulsos, por não terem partido político a eles vinculados, para
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ter o direito de serem incluídos como opção na urna eletrônica, precisariam de uma
identificação numérica que os identifique perante os eleitores. Assim, para a
concretização das candidaturas avulsas, seria necessário que tais regras fossem
alteradas. No pedido de regist