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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
NÚCLEO DE PÓS- GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
A CONTRA- HEGEMONIA NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO:
UMA ANÁLISE SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA.
LIANNA DE MELO TORRES
São Cristóvão (SE)
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
NÚCLEO DE PÓS- GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
A CONTRA- HEGEMONIA NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO:
UMA ANÁLISE SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA.
LIANNA DE MELO TORRES
Tese apresentada a Universidade Federal de
Sergipe como parte das exigências do Programa de
Pós- Graduação em Educação como requisito para
o processo de obtenção do título de Doutor em
Educação sob a orientação da Profa Dr
a Sônia
Meire Santos Azevedo de Jesus e co-orientação da
Profa Dr
a Maria Lúcia Machado Aranha.
São Cristóvão (SE)
2012
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
T693c
Torres, Lianna de Melo A contra-hegemonia na formação de educadores do campo : uma análise sobre o curso de Pedagogia da Terra / Lianna de Melo Torres ; orientadora Sônia Meire Santos Azevedo de Jesus. – São Cristóvão, 2012.
149 f. : il.
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Sergipe, 2012.
1. Educação rural - Sergipe. 2. Pedagogia. 3. Movimentos sociais. 4. Pedagogos I. Jesus, Sônia Meire Santos Azevedo de. II. Título.
CDU 37.018.51(817.3)
Dedico esse trabalho aos meus professores e amigos que
exerceram influencia determinante na minha trajetória
intelectual e profissional: Judite Aragão, José Paulino e
Walburga Arns da Silva, João Wanderley e Corinta
Geraldi, Maria Lúcia Aranha e, em especial, a Sônia
Meire.
O homem de convicção diz aquilo que pensa e age de acordo com aquilo em
que acredita, sem parar para medir as conseqüências, porque para ele a
autenticidade e a verdade devem prevalecer sempre e estão acima de
considerações de oportunidade ou circunstâncias. O homem responsável
sintoniza suas convicções e princípios a uma conduta que se baseia nas
reverberações e efeitos do que diz e faz, de forma que seus atos não
provoquem catástrofes ou resultados contrários a um desígnio de longo
alcance. Para o primeiro a moral é, antes de mais nada, individual e tem a
ver com Deus e com idéias e crenças, permanentes, abstratas e dissociadas
do imediato acontecer coletivo; para o outro a moral é indissociável da vida
concreta, do social, da eficácia, da história.
Vargas Llosa, 2007, p.25
1
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANDE – Associação Nacional de Educação
ANDES – Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior/Sindicato Nacional
ANFOPE - Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
ATER – Assistência Técnica Rural
CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade
CECH – Centro de Educação e Ciências Humanas
CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
CNBB - Confederação dos Bispos do Brasil
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNTE – Confederação dos Trabalhadores em Educação
CONEP – Conselho de Ensino e Pesquisa
COTEP – Coordenadoria Técnico – Pedagógica
CONSU – Conselho Superior Universitário
DED – Departamento de Educação
EFAs – Escolas-Família Agrícola
FAPESE – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Sergipe
FETAG – SE – Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Sergipe
FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização dos Profissionais do Magistério
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
ITERRA – Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária
LDBN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
NEPA – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alfabetização
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNE – Plano Nacional de Educação
PNERA – Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PT – Partido dos Trabalhadores
RESAB – Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da
Educação
SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do
Ministério da Educação
SEED – SE – Secretaria de Educação do Estado de Sergipe
TCU – Tribunal de Contas da União
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFS – Universidade Federal de Sergipe
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UnB – Universidade de Brasília
UNICEF – Organização das Nações Unidas para a Infância
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
RESUMO
Esse trabalho tem como objetivo investigar sobre a pretensão do MST de forjar um curso de
Pedagogia nas universidades capaz de incorporar a luta popular pela terra para formação dos
―intelectuais orgânicos do movimento do campo‖, que deveriam contribuir para a construção
de um projeto de educação popular, cujo fim último fosse a emancipação individual e coletiva
em direção a um novo projeto de Brasil. Movidos pela necessidade de enfrentar uma reflexão
aprofundada de cunho político-pedagógico, buscamos transcender a aparência dos fenômenos
observados, para mergulhar na essência deles, investigando sobre os limites e possibilidades,
de construção de uma educação contra-hegemônica nos cursos de Pedagogia ofertados nas
universidades públicas para os sem-terra. Trilhamos por uma perspectiva de análise marxiana,
elegendo como categorias explicativas a contradição e a totalidade. O campo empírico é o
trabalho dos pedagogos da terra nas suas comunidades, nas escolas ou secretarias de
educação, no Setor de Educação do MST ,em defesa da educação do campo e da escola
articulada à ―pedagogia do movimento‖ nos assentamentos de reforma agrária de Sergipe.
Utilizamos como instrumentos de coleta de dados a entrevista, o grupo focal e também
recorremos às fontes documentais. Entendendo a relação educação-trabalho como categoria
fundante da construção da emancipação humana elegemos o trabalho como categoria de
análise. O trabalho nas suas múltiplas determinações, desde o trabalho como princípio
educativo, reivindicado pelos movimentos sociais como eixo articulador do curso de
Pedagogia, quanto o trabalho materializado na ação do pedagogo da terra, enquanto produz a
educação do campo e reproduz a sua própria sobrevivência. De certo modo, é possível dizer,
como resultado, sempre parcial, no que diz respeito à formação do pedagogo da terra, que
são as tendências contra-hegemônicas que marcam o campo específico da Pedagogia da
Terra, porque tomam o fenômeno educativo como formação humana, reconhecem o caráter de
classe do saber social e a necessária articulação entre a prática produtiva, a prática política e a
atividade científica, para avançar na direção de forjar uma pedagogia emancipatória, no
contexto de uma sociedade capitalista. Se há mais limites do que possibilidades de
produzirmos um ―intelectual de novo tipo‖ no curso de Pedagogia, ao menos compreendemos
as possibilidades que temos de formular metodologias para que os trabalhadores possam se
aproximar do mundo do conhecimento e, como preceituam as correntes críticas da formação
de professores, produzirem conhecimento como práxis revolucionária.
Palavras-chaves: pedagogia da terra – curso de Pedagogia – tendências
pedagógicas contra-hegemônicas.
ABSTRACT
This study aims to investigate the pretension of the MST of forge a Pedagogy course
in universities able to incorporate the popular struggle for land for the formation of ―organic
intellectuals of the movement of the field‖, which should contribute to the construction of a
popular education project, whose final goal was the individual and collective emancipation
towards a new project for Brazil. Motivated by the need to face a depth reflection political-
pedagogical, we seek transcending the appearance of the phenomena observed, to dive into
their essence, investigating about the limits and possibilities of constructing a counter-
hegemonic education in Pedagogy courses offered at public universities to the landless. We
tread for a Marxian perspective of the analysis, electing as explanatory categories the totality
and the contradiction. The empirical field is the work of pedagogues of the land in their
communities, at the schools or Departments of Education, in the Education Sector of the
MST, in defense of rural education and school articulated to "pedagogy of movement" in the
agrarian reform settlements of Sergipe. We use as instruments for data collection the
interview, the focal group and also we resorted to documentary sources. Understanding the
relationship education-work as a basic category of construction of human emancipation we
elected work as category analysis. The work in their multiple determinations, since work as an
educational principle, claimed by social movements as central theme of the Pedagogy course,
as work materialized in the action of the rural pedagogue, while produces the education of the
field and reproduces its own survival. Somehow, it is possible to say, as a result, always
partial, that this mismatch between universities and social movements, it was important from
the standpoint political and pedagogical. If we do not produce a "new type of intellectual" at
least we understand the possibilities that we must develop methodologies to that workers can
approach the world of knowledge. Since Gramsci the knowledge must be a conquest which
student is mobilized to do it. This mobilization is produced in the daily, in real life, in social
practice, so it has a class character. Rural workers arrive to university mobilized by the
political practice organizational of their movements, to the university would fit to invest in
processes of knowledge acquisition through investigation-action as established in the critical
currents of teacher training, methodological option capable of producing knowledge as
revolutionary praxis.
Keywords: Pedagogy of the Land - Pedagogy course - counter-hegemonic pedagogical
trends
SUMÁRIO
O PONTO DE PARTIDA......................................................................................................12
CAPÍTULO 1: Da educação rural à educação do
campo.......................................................................................................................................32
1.1 A EDUCAÇÃO RURAL: TRAÇOS DE EXCLUSÃO SOCIAL, ÉTNICA E RACIAL. ...................... 32
1.2 A EDUCAÇÃO DO CAMPO OU A PEDAGOGIA DA LUTA SOCIAL. ....................................... 41
CAPÍTULO 2: A pedagogia da terra: aproximações com o pensamento
pedagógico contra-hegemônico..............................................................................................51
2.1 TENDÊNCIAS HEGEMÔNICAS E MODELOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ................... 52
2.2 TENDÊNCIAS CONTRA-HEGEMÔNICAS E A PEDAGOGIA DA TERRA ................................... 58
CAPÍTULO 3: Os pedagogos da terra e a construção da educação do campo em
Sergipe......................................................................................................................................77
3.1 PERFIL DOS SUJEITOS DA PESQUISA .............................................................................. 77
3.1.1 Perfil dos estudantes de Pedagogia da UFS.........................................................77
3.1.2 Perfil dos orientadores pedagógicos.....................................................................80
3.2 PROCESSO DE FORMAÇÃO E O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO .... 81
3.2.1 O Curso Normal da UFS para os sem-terra.........................................................81
3.2.2 O ingresso nas universidades – A ocupação.........................................................84
3.2.3 O processo de formação dos pedagogos da terra – A resistência........................91
3.2.4 O desafio da construção da escola do campo – A produção
............................100
O PONTO DE CHEGADA .................................................................................................. 131
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 140
BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA ............................................................................................ 140
SITES CONSULTADOS ........................................................................................................... 147
FONTES DOCUMENTAIS DE PESQUISA .................................................................................. 147
APÊNDICE A - INVENTÁRIO DA PESQUISA ................................................................ 150
12
O PONTO DE PARTIDA
A educação do campo teria uma natureza própria que justificasse um campo específico
de formação no curso de Pedagogia ou um curso específico – Pedagogia da Terra?
Considerando a origem da educação do campo como proposta dos movimentos sociais do
campo de incorporar um processo de educação à luta pela democratização do acesso e uso da
terra, seria adequado pensarmos numa pedagogia emancipatória apenas e especificamente
para a educação do campo? No contexto de uma sociedade capitalista como a nossa,
caracterizada pelas relações sociais de dominação/exploração, essas relações e a desigualdade
decorrente diferem substancialmente no campo e na cidade? Quais os determinantes que
interferem na formação e atuação dos pedagogos formados nos cursos especiais de Pedagogia
têm contribuído com a construção de uma política pública de educação rural diferenciada?
Em que medida é possível incorporar a concepção de educação dos movimentos sociais à
política oficial?
Foram essas questões que moveram o interesse dessa pesquisa. Fomos movidos pela
necessidade de enfrentar uma reflexão aprofundada de cunho político-pedagógico, por uma
motivação que transcende a aparência dos fenômenos observados, para mergulhar na essência
desses fenômenos. Uma intencionalidade pautada no reconhecimento de que o conhecimento
não é neutro e sim necessário para a ação transformadora, para corroborar com os
movimentos sociais do campo na luta pela educação, compreendendo-a enquanto ―processo
de criação da realidade concreta e a visão da realidade, da sua concreticidade‖ (KOSIK, 1969,
p. 19).
Desde sempre, temos nos aliado a grupos de educadores que se colocam a favor das
causas populares, que se opõem às injustiças, à degradação da vida, à exclusão de direitos, em
defesa de uma educação de qualidade para todos e, por isso, nos colocamos, a partir dos
nossos postos de trabalho, a tarefa de contribuir com o processo de construção de um novo
projeto de sociedade cujo centro seja a pessoa humana.
Somos parte de grupo de educadores que no seu trabalho buscam através das suas
reflexões e ações, explicitar as contradições da sociedade capitalista, apontando alternativas
que se contrapõem aos modelos hegemônicos. Foi assim na COTEP1 e tem sido assim, como
1 Setor da Secretaria de Educação do Estado de Sergipe, em que um grupo de professores formulou e executou
uma proposta de alfabetização alternativa ao Programa Alfa, no período de 1982 a 1986, resignificando o papel
dos pedagogos nas escolas, como coadjuvantes do trabalho do professor. Ver TORRES, Lianna. História de
resistência de professores e pedagogos da rede pública — o Projeto de Alfabetização da
13
parte da equipe de professores do Departamento de Educação da Universidade Federal de
Sergipe – UFS, no processo de escolarização dos assentados e acampados da reforma agrária,
em parceria com os movimentos sociais do campo. Ambos os trabalhos, assim como outras
atividades pedagógicas nossas, partem do pressuposto que a educação é um ato político, como
disse Paulo Freire, que nos coloca a favor ou contra as classes populares, tendo sempre
presente que homem e que sociedade queremos ajudar a formar. Paulo Freire (1987) e
Bakhtin (1988) nos fornecem a base epistemológica para buscar na interação dialógica o lócus
da construção do conhecimento (TORRES, 2002).
Nossa perspectiva de análise da sociedade capitalista é marxiana, ao mesmo tempo em
que os limites das nossas ações são colocados, está posto também que é impreciso tomar
formas de sociabilidade entre os homens como relações fixas, definitivas, deterministas, uma
vez que nenhuma ordem social é imutável e por isso mesmo a construção de outra forma de
sociabilidade é possível. Partindo desse princípio, nosso trabalho com os movimentos sociais
tem evidenciado com muita clareza a impossibilidade de humanizar o capital. Por outro lado,
demonstrou, empiricamente, que é possível contribuir para a construção do poder popular
―desde lãs formas más embrionárias de su manifestación [...] que es posible construir procesos
con otra intencionalidad política, social y de poder‖ (JIMÉNEZ, 1991, p.29).
É imprescindível, no entanto, que o agir seja guiado por uma necessidade interior e
por uma reflexão aprofundada da relação educação-sociedade, para avançar no sentido de
conduzir a ação educativa à direção de contribuir com a emancipação humana. Entendemos a
emancipação humana, enquanto concepção marxiana, como superação das relações sociais de
produção capitalistas, em função de uma forma de sociabilidade na qual o trabalho tenha
valor de uso e não valor de troca.
Tomamos como referência a ontologia do ser social em Lukács (1979) na qual a base
elementar do ser social é o trabalho. Desse modo, o autor afirma que o capital opera uma
transformação do trabalho concreto, criador de valor de uso, em trabalho abstrato, criador de
valor de troca. Essa apropriação do trabalho pelo capital desloca o eixo do trabalho, enquanto
satisfação das necessidades humanas (valor de uso), para a reprodução do capital (valor de
troca), o que corporifica a luta entre capital-trabalho.
A emancipação humana é um fenômeno possível, desde que superada a sociabilidade
capitalista que se fundamenta na exploração do homem pelo homem, geradora de
desigualdade social. Essa constatação não nos coloca numa ―camisa de força‖, ao contrário,
COTEP/Secretaria de Educação do Estado de Sergipe. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade
Federal de Sergipe, São Cristóvão, 1996.
14
nos convida a uma reflexão sobre a problemática, tomando a própria sociabilidade capitalista
como ponto de partida. As relações capitalistas são uma construção histórico-social, portanto,
criação humana e, como tal, é capaz de ser superado. Quando colocamos a nossa ação
pedagógica na direção de contribuir para a construção da emancipação humana, não é uma
opção romântica, mas sim guiada por essa compreensão.
Mesmo não podendo alcançar no tempo os rumos que essa história venha a tomar, o
mais importante é saber o que fizemos em função da transformação dela no tempo em que
existimos como indivíduos particulares. Como diz István Mészaros (2007, p.35),
O tempo histórico da humanidade transcende o tempo dos indivíduos [...] É a
relação objetivamente existente entre a humanidade e os indivíduos que torna
possível a instituição e a atualização de valores muito além do horizonte imediato
restritivo dos próprios indivíduos particulares.
O ponto central da educação como um instrumento para a construção da emancipação
humana é a relação educação - trabalho. Quanto mais tenhamos clareza da função e do papel
da educação no processo de reprodução do capital, mais conseqüente será a nossa
contribuição para a formação de indivíduos livres. Na visão de Tonet (2007), uma forma de
sociabilidade livre, exige uma forma de trabalho livre, que ―se caracteriza pelo controle livre,
consciente, coletivo e universal dos trabalhadores sobre o processo de produção e distribuição
da riqueza‖ (p. 46).
Se olharmos para a realidade da educação pública no Brasil, nos defrontamos como
uma escola que condena as crianças das classes populares – as que têm acesso a ela, no campo
ou na cidade – a concluírem o primeiro ciclo do ensino fundamental sem ter domínio da
leitura e da escrita para dar conta dos usos comuns da vida, sem falar nos analfabetos
funcionais em que outros se transformam. Na zona rural nordestina quase metade da
população de 15 anos ou mais (53,2%) é analfabeta funcional, enquanto o percentual nacional
fica em torno de 30%.2Dessa maneira, o problema da educação no Brasil não é só um
problema do meio rural. O fracasso escolar é uma realidade dos estudantes das classes
populares, tanto do meio urbano, quanto do meio rural, principalmente nos anos iniciais do
ensino fundamental.
Inegavelmente, há mais descaso com a educação rural. Esse descaso passa pelo
modelo de desenvolvimento brasileiro no qual o campo é o lugar de grandes concentrações de
terra, produtoras da monocultura exportadora, desde o passado, de maneira que cada vez mais
2 Dados do IBGE – Síntese dos Indicadores Sociais, 2008.
15
o avanço tecnológico substitui os postos de trabalho existentes. O que sobra é o trabalho
braçal, pouco qualificado, que prescinde de trabalhadores escolarizados. Esse modelo induz
ao êxodo do trabalhador rural para as cidades, principalmente dos jovens. A luta pela terra,
reorganizada no final dos anos 1980, mobilizando os sem-terra, os sem-trabalho, vai recolocar
na agenda do Estado a necessidade de reforma agrária, renovando a esperança do trabalhador
rural de poder continuar vivendo no campo.
Nosso envolvimento com a educação na reforma agrária data de 1995, quando o MST
apresentava para um grupo de professores do DED/UFS, vinculados ao Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Alfabetização – NEPA3, a urgência de se implantar nos assentamentos e
acampamentos de reforma agrária do Estado de Sergipe um projeto de alfabetização de jovens
e adultos. Essa emergência respondia a uma necessidade imediata e prática que exigia dos
assentados e acampados da reforma agrária o uso da leitura e da escrita para, por exemplo,
elaborar projetos, carta de reivindicações, abertura de conta no banco, cooperativas, etc. Além
disso, era preciso transformar a escola em ―lugar de humanização, de politização e de
organização com o jeito do Movimento e o rosto do povo sem-terra‖ (MST, 1996, p 34)
A realidade educacional rural do Estado, em 1995, nos apresentava um quadro
dramático. Se no Nordeste a taxa de analfabetismo adulto era alta, Sergipe não ficava a dever.
Esse fato criava para nós uma dificuldade extrema de encontrar nos assentamentos e
acampamentos de reforma agrária, alguém com o mínimo de domínio da leitura e escrita
disposto a participar do projeto na condição de monitor/alfabetizador.
Mesmo assim, o desafio foi enfrentado e, no período de 1996 a 2002, participaram do
projeto de alfabetização 72 alfabetizadores, 1.883 alfabetizandos, abrangendo 18
acampamentos e 65 assentamentos de reforma agrária (TORRES e SILVA, 2003, p 23). O
documento ―Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos nos Assentamentos de Reforma
Agrária do Estado de Sergipe‖ (1996), executado por grupo de professores do NEPA, aponta,
na sua apresentação, a importância do domínio da leitura, escrita e cálculos matemáticos para
os trabalhadores rurais a fim de ―melhorar a sua relação com a terra‖, adotando a
problematização como recurso metodológico, como algo que ―nasce da relação entre o
homem e os outros homens, da práxis, do diálogo entre educador e educandos‖(NEPA/UFS,
1996, s/p.).
3 O NEPA, atualmente desativado tinha como objetivo ―constituir-se num fórum permanente de estudos, debates
e troca de experiências, estimulando, especialmente, a realização de pesquisas na área de alfabetização com
vistas à produção, divulgação e aplicação de conhecimentos relacionados à área de estudos‖
(NEPA/UFS/CECH/DED, 1989, s/p.)
16
A dinâmica do projeto previa planejamento coletivo, reunindo duas vezes por semestre
todo o grupo; acompanhamento pedagógico mensal às classes, realizado por uma equipe de
orientadores pedagógicos composta por egressos do curso de Pedagogia e estagiários dos
últimos períodos do curso. No final de cada ano letivo organizávamos um encontro para
avaliar o trabalho envolvendo todos: coordenadores, monitores/alfabetizadores,
alfabetizandos, equipe pedagógica e estagiários.
A continuidade do trabalho de escolarização do grupo de monitores/alfabetizadores
apresentava-se como necessidade político-pedagógica não só manifestada pelos movimentos
sociais envolvidos, à época MST e FETASE, mas também pelo grupo de professores do
DED-UFS. Contávamos com a parceria do MST, que na medida em que ia se impondo no
cenário nacional, convocava a sociedade brasileira a voltar os olhos para o campo. Em 1997,
sob o mote ―terra, educação e dignidade‖ a UNESCO, CNBB, UNICEF, UnB e MST
promovem I Encontro de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (I ENERA),
realizado em Brasília. Nesse evento é instalado o movimento nacional ―Por uma educação do
campo‖ (KOLLING, NERY e MOLINA, 1999).
De acordo com os registros (KOLLING, NERY e MOLINA, 1999), o êxito do I
ENERA, mobilizou as cinco entidades promotoras (UNESCO, CNBB, UNICEF, UnB e
MST) a realizar no ano seguinte (1998), em Luziânia-GO, a I Conferência Nacional: Por uma
Educação Básica do Campo, com a participação de representantes de universidades,
movimentos sociais, secretarias de educação e organizações não-governamentais de todos os
Estados brasileiros. Os registros conclusivos apresentados por seu organizadores assumem
que o movimento tem como foco, além de apoiar a mobilização nacional pela educação básica
do campo, ―uma importante bandeira que se deseja que seja assumida por toda a sociedade e
que faz parte da busca de um novo projeto de Brasil, que prioriza o social‖ (KOLLING,
NERY e MOLINA, 1999, p. 06).
A conclusão que adveio dessa I Conferência é que ―somente é possível trabalhar por
uma educação básica do campo se vinculada ao processo de construção de um projeto popular
para o Brasil, que inclui necessariamente um novo projeto de desenvolvimento para o campo
e a garantia de que todo povo tenha acesso à educação‖ (KOLLING, NERY e MOLINA,
1999, p.77). A partir de então a luta pela educação articulava-se à luta por um ―projeto
popular de Brasil‖, cuja materialidade dependeria da organização dos trabalhadores rurais em
17
torno de um projeto popular para a agricultura e para a sociedade brasileira4. É importante
ressaltar que, na visão das entidades promotoras, a educação básica no campo não se fecha em
si mesma, mas deve, necessariamente, estar vinculada à garantia da educação para ―todo o
povo‖ – o que inclui a população urbana – e à construção de um projeto popular para a
sociedade brasileira. Ou seja, há uma percepção de que pode e deve ser realizado um trabalho
no interior da escola em direção à contribuir com a construção de uma nova hegemonia social.
O movimento nacional ―Por uma educação básica do campo‖ fortalece o MST que
passa a pressionar o INCRA, não só por programas de assistência técnica, mas também pela
criação de um programa que assegurasse a educação nas áreas de reforma agrária, desde a
erradicação do analfabetismo dos jovens e dos adultos, até o ensino técnico e superior. O
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA será criado em 16 de abril
de 1998, no âmbito do Ministério Extraoridinário de Política Fundiária, pela Portaria nº 10/98,
com o objetivo de ―fortalecer a educação nos assentamentos de reforma agrária, utilizando
metodologias específicas para o campo, que contribuam para o desenvolvimento rural
sustentável no Brasil‖ (BRASIL, 1999, p. 04).
De acordo com o documento relatório das atividades do PRONERA no ano de 1998, o
Programa seria organizado em nível nacional por um Conselho Deliberativo, uma
Coordenação Nacional, e duas Comissões: a pedagógica e a executiva (BRASIL, 1999). Em
2001, é aprovado o Manual de Operações, no qual o Presidente do INCRA à época, Sebastião
Azevedo, na apresentação do documento, reafirma que o programa se fundamenta na
―descentralização das ações e na participação efetiva das instituições de ensino públicas e
privadas envolvidas com a questão educacional, bem como o público beneficiário, por meio
de suas organizações representativas‖ (BRASIL, 2001, p. 07). No âmbito dos Estados a
gestão do programa ficaria a cargo de conselhos e coordenações estaduais reproduzindo as
mesmas representações garantidas no programa em nível nacional.
A relação de força que institui o PRONERA se expressa na versão do Manual de
2001, não só na reafirmação da gestão nacional de forma colegiada, mas também na garantia
de representação dos movimentos sociais do campo tanto na Comissão Pedagógica, quanto no
Colegiado Executivo, ao lado de representantes do INCRA, secretarias estaduais de educação,
Conselho de Reitores (CRUB) e universidades. Desse modo, o programa se apresenta como
um aliado importante dos movimentos sociais do campo para colocar a educação do campo na
4: Em 2000 será instalada a Mobilização Nacional dos Trabalhadores Rurais (MST, MAB, MPA, ANMTR,
SINPAF, CPT, PJR, FEAB), com o objetivo de traçar uma política alternativa para o desenvolvimento do
campo, publicada através do caderno – ―Levante-se vamos à luta!‖, Julho de 2000.
18
agenda pública do Estado, de maneira a mudar os rumos da história da educação rural no
Brasil5.
O movimento ―Por uma Educação do Campo‖ através do PRONERA garantiu a
disseminação das idéias sobre a educação do campo, com a publicação de cadernos dedicados
ao tema cuja finalidade era ―alimentar a reflexão, motivar a mobilização das bases e favorecer
o intercâmbio de experiências‖ (KOLLING, NERY e MOLINA, 1999, p.5). Assim nasce a
coleção de Cadernos ―Por uma Educação Básica do Campo‖ 6.
Em 2001, a UFS apresenta à Comissão Pedagógica do PRONERA um projeto de
curso Normal. À Comissão competia, entre outras atribuições, ―emitir parecer técnico sobre
propostas de trabalho e/ou projetos e apresentá-los ao Colegiado Executivo‖ (BRASIL, 2001,
p. 16) para aprovação e financiamento. O ―Projeto de Formação do Educador Popular, no
Ensino Normal em Nível Médio, em Áreas de Reforma Agrária‖, com característica de curso
semi-presencial, tinha como finalidade formar um grupo de oitenta educadores populares que,
nos assentamentos, atuavam nas classes de alfabetização de jovens e adultos, na educação
infantil ou nos anos iniciais do ensino fundamental. A proposta pedagógica do curso tinha
como princípios norteadores ―a vida cotidiana do assentamento como ponto de partida a ser
considerado nas áreas temáticas‖, a atividade dialógica, como possibilidade de construção do
conhecimento e da formação da ―consciência coletiva e individual‖ e a aprendizagem
significativa― entendida como processo de construção social e coletiva que possibilitaria a
―resignificação do aprendiz ‗no‘ e ‗com‘ o mundo‖ (PROJETO..., 2001, p. 11-13). Depois de
aprovado no âmbito do PRONERA, foi também aprovado pelo Conselho Estadual de
Educação, por exigência da Secretaria de Educação do Estado de Sergipe (SEED-SE), cuja
função era a expedição dos certificados. O curso teve duração de dois anos (2001-2003), de
maneira que em 2003, 62 educadores populares, entre acampados e assentados, concluíram o
curso Normal.
O MST, através dos seus setores de educação criados desde 1987, com representação
nacional e estadual, sistematizava suas experiências em forma de Cadernos de Educação. A
partir do caderno ―Princípios da Educação do MST‖, foi desenhando a educação necessária à
luta pela reforma agrária – a educação como parte de um projeto político:
5 Com base nos dados do PRONERA, em 1998, só na Região Nordeste, o programa já contava com a adesão de
19 instituições, entre universidades, institutos e secretarias de educação, desenvolvendo projetos de alfabetização
de jovens e adultos, mobilizando 53.540 alfabetizandos, envolvendo 979 assentamentos (PRONERA,2008). 6 De 1999 a 2008 haviam sido publicados sete Cadernos da série ―Por uma Educação Básica do Campo‖.
19
A educação precisa assumir tarefas que lhe cabem nesse processo de fortalecimento
de nossa organicidade, de clareza do projeto político dos trabalhadores e de
construção prática e cotidiana da sociedade da justiça social e da dignidade humana,
em nosso país, em nosso continente, no mundo todo (MST, 1996, p.3).
O PRONERA trabalha no sentido de contribuir para colocar a educação do campo na
agenda do MEC e do Conselho Nacional de Educação - CNE. Em 2001, o Conselho aprova o
Parecer No 36/2001, de autoria da Conselheira Edla de Araújo Lira Soares, que dispõe sobre
as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo, referenciada no
debate público sobre a educação do campo. As Diretrizes são aprovadas em 04 de dezembro
de 2001, na Câmara de Educação Básica do CNE, ensejando a Resolução CNE/CEB No1, de
03 de abril de 2002.
Em 2003, é criado o Grupo Permanente de Trabalho - GPT de Educação do Campo7,
formado por uma ampla composição institucional no âmbito do MEC com representantes do
INCRA/PRONERA, órgãos do governo e movimentos sociais, com a atribuição de divulgar
as Diretrizes e articular as ações do Ministério no que dizia respeito à educação do campo
(RAMOS; MOREIRA; SANTOS, 2004).
Em 2004, é criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
– SECAD, no âmbito do MEC para coordenar as ações da política de educação da
diversidade. O setor do ―diverso‖ estabeleceu como objetivo reduzir as desigualdades
educacionais, através de ações na alfabetização e educação de jovens e adultos, educação do
campo, educação ambiental, educação em direitos humanos, educação escolar indígena, e
diversidade étnico-racial política de educação nacional. Dentro da SECAD, está a
Coordenação Geral de Educação do Campo- CGEC, responsável para implementar ações para
melhoria da educação do campo8.
No mesmo ano (2004), o GPT apresenta o diagnóstico da educação rural no Brasil,
construído a partir da base de dados do INEP, publicado sob o título ―Referências para uma
Política Nacional de Educação do Campo – Caderno de Subsídios‖ (RAMOS; MOREIRA;
SANTOS, 2004). Os dados educacionais anunciados por esse diagnóstico mostram a situação
de abandono da educação rural: escolas de apenas uma sala, sem nenhum equipamento
pedagógico, organizadas de forma multisseriada, centradas na oferta dos quatro primeiros
anos do ensino fundamental, sob a regência de um ou dois professores, mal pagos e sem
formação adequada, alguns sem a escolarização básica completa. Facilmente se concluía a
urgência de agir sobre o quadro lastimável da educação rural.
7 Portaria n
o 1374 de 03 de junho de 2003.
8 Disponível em <htpp: portal. mec.gov.br/secad/>. Acesso em: 23 jun. 2011.
20
Ao lado do argumento oficial da falta professores qualificados para as escolas do
campo, a oferta de curso de Pedagogia interessava ao MST de forma especial. Roseli Caldart
(2000), como membro do Setor de Educação do MST e Coordenadora Pedagógica do
ITERRA9, assim se expressa:
Embora tenha pesado e continue influenciando na criação de novas turmas a
necessidade de titulação dos professores para as escolas dos assentamentos e
acampamentos [...]. O que pesou mais foi a constatação da fragilidade de formação
pedagógica das pessoas responsáveis pelo setor de educação nos estados, que
começaram a perceber seus limites na condução de certas tarefas, especialmente
aquelas relacionadas ao acompanhamento das escolas de educação fundamental, mas
também diante dos desafios da educação de jovens e adultos, da educação infantil e
da coordenação geral do setor (p. 79).
A essa altura, o PRONERA era a referência para a formação do pedagogo da reforma
agrária, em razão das experiências realizadas com as universidades e institutos de formação
em nível superior em todo território nacional, tendo somente no ano de 2004, apoiado mais 29
novos projetos de curso de Pedagogia. Nesse mesmo ano (2004), a UFS apresentou à
Comissão Pedagógica do PRONERA o seu projeto de curso regular de Licenciatura em
Pedagogia para apreciação10
.
Havia uma pressão dos movimentos sociais para que o curso de Pedagogia ofertado
para os assentados da reforma agrária tivesse um projeto pedagógico próprio, formulado para
atender as especificidades/particularidades do campo. No entanto, o grupo de professores do
Departamento de Educação da UFS manteve a mesma base curricular do curso regular. Essa
opção foi motivada não só por uma questão burocrática, que envolve os atos de
reconhecimento de cursos especiais, para atendimento de uma única turma, mas também
porque, naquele momento, não se fazia muito claro sobre quais especificidades deveria ser
construído um projeto de curso de Pedagogia da Terra11
.
Havia também os limites institucionais impostos. As universidades elaboram os
projetos dos seus cursos tomando como base a legislação que rege a educação nacional: a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), as Diretrizes Educacionais para
Formação do Professor para a Educação Básica (1999), que dá orientação curricular para
formação de professores em linhas gerais e as Diretrizes específicas para cada curso de
9 Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária – ITERRA, centro educacional do MST
localizado em Veranópolis/ RS 10
Projeto especial de Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para os beneficiários da Reforma Agrária –
PROPED. 11
Segundo Caldart (2002) a pedagogia da terra representa uma ―identidade de resistência‖ criada pelo MST para
afirmar o pertencimento dos estudantes dos cursos de Pedagogia ao movimento dos sem – terra.
21
Licenciatura, que determina onde, como, em quanto tempo, quais temas e elenco de
disciplinas serão formados os licenciados12
.
Para Caldart (2002), era necessário
[...] fazer do curso de Pedagogia um lugar de aprofundamento e discussão da
Pedagogia do Movimento, de formação política mais ampla para os integrantes do
setor [de educação] e de elaboração específica em educação fundamental, educação
de jovens e adultos e educação infantil (p. 80).
A pedagogia do movimento, entendida por Caldart (2004a) como potencial educativo
do movimento, tinha capacidade de formar os sem - terra na prática, nas experiências vividas
no movimento. O movimento visto ―como um sujeito pedagógico, ou seja, como uma
coletividade em movimento, que é educativa e que atua intencionalmente no processo de
formação das pessoas que a constituem‖ (p. 315).
Em discussão interna no Colegiado do Curso, chegou-se à conclusão de que o curso de
Pedagogia da UFS, reformulado em 1994 sob forte influência da perspectiva da educação
popular, atenderia os anseios dos sem-terra tanto do ponto de vista político, quanto
pedagógico. O curso pressupunha o entendimento de que ―a sociedade brasileira conformada
pelo modo de produção capitalista é marcada pelo conflito entre capital e trabalho‖, conflito
também presente no Estado. Quanto à escola e sua relativa autonomia essa se constitui ―a
partir de seus agentes, que se mantém em conexão com os movimentos sociais, poderem
desenvolver uma ação pedagógica que contrária aos interesses do capital e que vem de
encontro aos interesses da classe trabalhadora‖ (Proposta de Reformulação do Curso de
Pedagogia da UFS, 1991, s/p.). A proposta pedagógica do Curso apresentava como princípio
o trabalho interdisciplinar; a relação teoria-prática; o trânsito entre o geral e o
particular/específico, não importando o ponto de partida; a análise crítica e a busca de
alternativas; a articulação ensino e pesquisa (IBIDEM). Defendia que a função social da
escola é credenciar os estudantes ―como agentes de transformação em busca de uma
sociedade mais igualitária‖ devendo ―sua cultura de origem ser analisada no âmbito das
relações de trabalho da sociedade em que vivem‖ (IBID, s/p.). Nessa perspectiva, a
problemática específica do campo deveria transversalizar todas as disciplinas do curso.
Quanto ao perfil profissional, o curso de Pedagogia da UFS contemplava a
necessidade do MST de formação de um pedagogo cuja base da formação fosse a docência na
educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, associada à gestão da educação,
12
Em 2005, foram aprovadas as diretrizes para os cursos de Licenciatura em Pedagogia.
22
garantindo sua atuação não só na sala de aula, mas também em coordenação e assessoria
pedagógica de programas de educação em instituições públicas e/ou privadas (GUIA..., 1994).
No primeiro momento o debate entre os movimentos sociais do campo e as
universidades, esteve centrado na preocupação dos movimentos além do ―que estudar‖, sobre
como estudar; em que tempos, em quais espaços de aprendizagem e quais atividades seriam
pertinentes ao processo de formação dos pedagogos da terra. A primeira experiência de
formação de pedagogo da terra data de 1998, quando da oferta de curso de Pedagogia em
parceria com a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ), através do ITERRA com financiamento do PRONERA.
Ao curso de Pedagogia da UNIJUI concorreram militantes dos vários Estados
brasileiros. Como foi o primeiro, o curso acolheu muitas lideranças, principalmente
integrantes do setor de educação do MST. Esses trabalhadores não podiam ficar fora de casa
por longos períodos, tinham família e trabalho para conciliar com os estudos. Assim para
enfrentar o período do curso era preciso instituir novos esquemas de estudo, e garantir que
passagem, hospedagem e alimentação fossem subsidiadas. O PRONERA vai cumprir esse
papel de prover o financiamento do curso para garantir a participação dos trabalhadores
através de convênio celebrado entre as universidades e o INCRA.
Com a experiência da UNIJUI, a metodologia da alternância que distribui os tempos
de estudos entre a universidade e a comunidade de origem dos assentados, passou a ser
recomendada pelo PRONERA como uma opção metodológica apropriada para os projetos dos
cursos para a reforma agrária, não só para garantir a participação dos trabalhadores nos
cursos, mas também como forma de integrar escola, família e comunidade. Essa proposta
metodológica, baseada na experiência das Escolas-Família Agrícola (EFAs) da ―pedagogia da
alternância‖. De acordo com Caldart (2004), a ―pedagogia da alternância‖ além de permitir
conciliar estudo e trabalho, ainda visava a possibilidade de
[...] uma troca de conhecimento e o fortalecimento dos laços familiares e do vínculo
dos educandos com o assentamento ou acampamento, o MST e a terra [...] o tempo
escola, onde os educandos têm aulas teóricas e práticas, participam de inúmeros
aprendizados [...] o tempo comunidade que é o momento onde os educandos
realizam atividades de pesquisa da sua realidade, de registro dessa experiência, de
práticas que permitem a troca de conhecimento (p. 104 – Grifos do autor).
A ―pedagogia da alternância‖ ultrapassa, portanto, em muito a alternância de espaços e
tempos de aprendizagem. Os estudantes, após a investigação e registro da realidade social
imediata (de sua origem), voltam à escola. Há o confronto/discussão dos registros
23
enriquecidos com comentários do professor e leitura dos textos. O conhecimento assim
construído através do diálogo entre o saber popular local e o saber escolar pertinente, será a
base para intervenções na realidade desvelada no próximo tempo comunidade.
O MST pretendia, com as universidades, forjar um curso de Pedagogia capaz de
incorporar a luta popular pela terra como ponto de partida para a construção de um projeto de
educação popular, cujo fim último fosse a emancipação individual e coletiva em direção a um
novo projeto de Brasil. Na medida em que as primeiras experiências foram acontecendo, as
fragilidades dos processos formativos em relação às demandas dos movimentos sociais
também foram se explicitando. Caldart (2002), enquanto membro do Setor de Educação do
MST e Coordenadora Pedagógica do ITERRA, ao avaliar os limites dos cursos de Pedagogia
ofertados pelas universidades para os assentados da reforma agrária, nos dá a entender que as
especificidades requeridas pelo MST vão além de conhecimentos específicos sobre o campo,
sobre a questão agrária e sobre agricultura.
Nenhum estudante do MST poderia receber o título de pedagogo da terra sem
compreender a historicidade da ação educativa, sem estudar a concepção de
educação que permite a nossa elaboração em torno da Pedagogia do Movimento;
sem analisar as condições objetivas ou as forças materiais que conformam hoje o
papel estratégico nas lutas dos movimentos socais do campo... Assim como ninguém
deveria sair do curso sem entender melhor o campo... Mas dada a ausência de
determinadas questões no currículo, muitas delas ficam tratadas de um modo
superficial, em tempos pouco propícios ao estudo, e não consegue fazer as conexões
necessárias com o conjunto da formação geral e profissional desenvolvida no curso
(CALDART, 2002, p. 88).
Esse descompasso entre a expectativa do MST e os processos formativos, nos leva a
questionar: o que de fato representa o projeto pedagógico de curso? Em princípio, representa
uma ―carta de intenções‖, na qual estarão marcadas as concepções, os objetivos e finalidades
à qual se propõe, mas não constitui o curso em si. Ele é uma espécie de ―ponta do iceberg‖, é
um elemento aparente, cuja essência não se encerra nele, mas nas conexões que ele, ao
concretizar-se, estabelece com a totalidade na qual se realiza. Apreendê-las demanda buscar
as suas intrincadas e múltiplas relações. É essa a realidade que buscamos apreender na sua
totalidade, das intenções aos fatos, ―como um todo estruturado, dialético no qual ou do qual
um fato qualquer (classe de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente
compreendido‖ (KOSIK, 1969, p.35).
Desse modo, entendemos que além dos conhecimentos relativos à terra, interessa ao
MST formar um pedagogo como um ―intelectual de novo tipo‖ de acordo com a visão
gramsciana sobre os intelectuais. Para Gramsci (1982) todos os homens são intelectuais,
24
embora nem todos desempenhem essa função na sociedade. A escola é o lugar onde eles se
constituem ou como ―intelectual tradicional‖, ou como ―intelectual de novo tipo‖. Para o
autor, o processo de formação dos ―intelectuais tradicionais‖ tem como fim a reprodução da
sociedade, ou seja, eles serão ―os ‗comissários‘ (grifos do autor) do grupo dominante para a
função subalterna da hegemonia social e do governo político‖. Um ―intelectual de novo tipo‖,
ao contrário, articula-se com a transformação social através do seu envolvimento ativo na vida
prática, ―como construtor, organizador, ‗persuasor permanente‘(grifos do autor)‖. A formação
de um ―intelectual de novo tipo‖ pressupõe uma escola com fortes vínculos com a vida, na
qual o trabalho seja tomado como princípio educativo. Questionamos: É possível forjar
―intelectuais de novo tipo‖ nas instituições oficiais de ensino? O que tem dificultado a
concretização de propostas neste sentido? Como se articulam na disputa pela formação e
atuação do pedagogo da terra:
— os movimentos sociais com suas exigências por uma educação emancipatória;
— o curso de Pedagogia cuja proposta se afina com as expectativas dos movimentos
sociais;
— as políticas de educação do Estado sujeitas a pressões e interesses das classes
dominantes e, ao mesmo tempo, concedendo espaço aos movimentos sociais e seus aliados.
A relação entre educação e sociedade, esse universo complexo de múltiplas
determinações, nos coloca numa linha tênue entre o reprodutivismo (ALTHUSSER, 1983;
BOURDIEU e PASSERON, 1975) e a direção de ações educativas transformadoras cuja meta
seja a emancipação humana. Os movimentos sabem que outro projeto de educação e de escola
atrela-se a outro projeto de sociedade, essa premissa está posta desde a I Conferência ―Por
uma Educação Básica do Campo‖. De modo que o projeto de educação do campo, para
avançar, necessariamente deve estar articulado aos avanços em torno da construção do projeto
de sociedade pretendido. Essa nos parece ser a questão de fundo e a questão central da nossa
investigação: considerando a pretensão dos movimentos sociais do campo na direção de
construção de uma educação contra-hegemônica, sendo o Estado convocado para garantir o
direito à educação; considerando que todo esse movimento emerge das próprias contradições
da sociedade capitalista; considerando as contradições e conflitos vividos tanto dentro dos
movimentos, das universidades e do próprio Estado, quanto entre movimentos-universidades-
Estado, que tipo de educação contra-hegemônica tem sido possível construir?
Partimos da aposta de que a formação de um ―pedagogo de novo tipo‖ é possível.
Apoiando-nos em Poulantzas (1985), este nos permite compreender que a sociedade
capitalista não é homogênea, é marcada por conflitos antagônicos, devido aos interesses de
25
classe. Assim, o Estado não é um todo monolítico, apresenta uma natureza ambígua, tanto
como condensação material das relações de força, quanto como campo e processos
estratégicos onde se entrecruzam núcleos e redes de poder, apesar de sua atuação estar
intimamente relacionada ―a cada modo de produção, o qual concentra, materializa e encarna
as relações político-ideológicas nas relações de produção e sua reprodução‖ (IDEM, 1985,
p.32). Todavia, essa possibilidade só se dará nos espaços de contradição e de conflito. A
contradição como um componente da totalidade, é capaz de produzir o movimento dialético
de formação de um ―intelectual de novo tipo‖, para além do curso universitário, como produto
das condições históricas, materiais e objetivas, exprimindo formas e modos de existência
historicamente determinadas dos movimentos sociais do campo e dos sujeitos neles
envolvidos.
O nosso campo empírico é o trabalho dos pedagogos da terra nas suas comunidades,
nas escolas ou secretarias de educação, no Setor de Educação do MST ,em defesa da
educação do campo e da escola articulada à ―pedagogia do movimento‖ nos assentamentos de
reforma agrária de Sergipe, no período 2007 a 2011 . Desse modo, trata-se de um campo
delimitado e datado que, ao mesmo tempo, se contextualiza historicamente e se objetiva em
um tempo e espaço determinado, ou seja, a delimitação desse campo empírico nos garante a
impossibilidade de generalizações.
Guiados pela concepção de que a aproximação do real é um caminho de apropriação
para reproduzir o real na forma de concreto pensado ou real pensado, capaz de transformar a
nossa intuição e representações em conhecimento objetivado, fomos desvelando a teia das
articulações e imbricamentos existentes entre as relações dos sujeitos com os movimentos
sociais do campo, com o Estado e o processo formativo do qual participaram nos cursos que
fizeram, ou que ainda estão fazendo, no caso dos que ainda são estudantes.
Desse modo, os sujeitos da pesquisa são os cinco pedagogos da terra que
desempenham a função de orientadores pedagógicos no curso de Pedagogia da UFS para os
sem-terra e os 43 estudantes do curso da UFS iniciado em 2007, com conclusão prevista para
o segundo semestre de 2011.
O projeto pedagógico do curso da UFS previu que as atividades desenvolvidas pelo
aluno no tempo comunidade deveriam ser acompanhadas por orientadores pedagógicos,
cargo a ser exercido por um pedagogo, selecionado para acompanhar os alunos da UFS no
tempo comunidade em cada região do Estado onde houvesse alunos do curso (UFS.
RESOLUÇÃO Nº 31/2006/CONEP/CONSU/UFS, 2006).
26
Dentre os critérios de seleção para ocupação do cargo de orientador pedagógico do
curso da UFS (Edital No 2, 2007 da Coordenação do Curso PROPED/UFS) havia um critério
potencializador da participação dos pedagogos da terra, uma vez que exigia-se do candidato
experiência de trabalho com movimentos sociais, ONGs e/ou sindicato. Desse modo, os
orientadores pedagógicos selecionados foram os pedagogos ligados ao Setor de Educação do
MST: quatro formados em curso especial de Pedagogia pela UFRN e um formado em
Pedagogia na primeira turma de curso especial para a reforma agrária da Universidade
Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ).
Os orientadores pedagógicos, além de orientar os alunos do curso de Pedagogia da
UFS no tempo comunidade, dois são concursados: um é professor da educação infantil e o
outro trabalha na secretaria de educação do seu município. Os demais estão em atividades do
Setor de Educação do MST ou trabalhando na coordenação nos Núcleos de Educação do
Campo criados nas secretarias municipais e estaduais de educação, na condição de contratado.
O grupo de estudantes da UFS, a maioria é alfabetizador/a ou coordenador/a dos programas
Brasil Alfabetizado e Sergipe Alfabetizado.
A escolha dos instrumentos de coleta de dados foi cuidadosamente pensada, uma
vez que somos parte constitutiva do objeto de pesquisa. Fomos coordenadora pedagógica do
curso Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos nos Assentamentos de Reforma Agrária
(1996-1998), do Projeto de Formação do Educador Popular no Ensino Normal em nível
médio, em Áreas de Reforma Agrária em Sergipe (2001-2003), do curso de Pedagogia em
andamento na UFS (2007), isso nos exclui de qualquer pretensão de neutralidade. No entanto,
acreditamos que esse é o desafio do pesquisador que constrói objetos de estudo estando ele
próprio, de alguma maneira, implicado no objeto.
Utilizamos como instrumentos de coleta de dados a entrevista, o grupo focal e
também recorremos às fontes documentais, a exemplo de resoluções, portarias, manuais,
leis e diretrizes, da UFS, do INCRA, do PRONERA, do MEC, como também as publicações
do ITERRA/MST. Elegemos a entrevista como instrumento de coleta de dados, por ser uma
técnica que propicia o contato direto com os sujeitos da pesquisa, permitindo a interação entre
o pesquisador e o pesquisado. Essa técnica aplicada entre pessoas que se conhecem, que em
algum momento partilharam de um trabalho, demonstrou ser um instrumento valioso, dado ao
tom de conversa que buscamos empreender às entrevistas. Procuramos manter o clima de
informalidade, próprio a pessoas que se conhecem, fizemos da entrevista um diálogo. Por
isso, optamos pela técnica de entrevista semi-estruturada. Não nos utilizamos de questões
estruturadas previamente, decidimos partir de temas para nós relevantes na elucidação do
27
objetivo desse estudo. A nossa escuta com os orientadores pedagógicos esteve voltada para a
trajetória de formação e atuação depois de formados, deixando de fora o trabalho como
orientadores no curso de Pedagogia da UFS. Não queríamos que eles se sentissem avaliados
pelo trabalho que estavam fazendo no curso, além disso, orientamos o trabalho de conclusão
de curso e monografia de curso de especialização de dois orientadores pedagógicos. Por esses
motivos, buscamos evitar dar às entrevistas um tom de controle sobre o trabalho desenvolvido
por eles no curso de Pedagogia da UFS, além do receio de que o grau do nosso envolvimento
com as pessoas e com o próprio trabalho conduzisse os entrevistados a responder o que
supostamente para eles o pesquisador gostaria de ouvir.
As entrevistas com os cinco orientadores pedagógicos foram conduzidas pelos
seguintes temas: o grau envolvimento dos entrevistados com os movimentos sociais; as
experiências significativas vividas nos cursos de Pedagogia e o trabalho desenvolvido
pelos entrevistados depois de formados. Queríamos ouvir o que dizem os pedagogos,
enquanto sujeitos da luta pela reforma agrária, sobre o seu processo de graduação, sobre as
dificuldades enfrentadas na construção da educação do campo e em que medida os
conhecimentos aprendidos nos cursos de Pedagogia ajuda a compreender e intervir na
realidade das escolas rurais.
Dentre os 43 estudantes do curso da UFS, quatro foram entrevistados. Dois
participaram dos nossos cursos desde 1996 e os quatro eram egressos do curso Normal da
UFS (2001 a 2003). A entrevista com esse grupo de estudantes teve como tema a trajetória
de estudo-trabalho depois da conclusão do curso Normal até o curso de Pedagogia, buscando
identificar como o processo de escolarização/formação tem contribuído para o envolvimento
deles no processo de construção da educação nas comunidades onde vivem. Ao todo,
entrevistamos nove pessoas entre orientadores pedagógicos e alunos do curso Pedagogia da
UFS para a reforma agrária. As entrevistas foram transcritas usando a tecnologia digital e
depois agrupadas por temáticas.
Se o nosso envolvimento com orientadores pedagógicos era significativo, com os
estudantes da UFS era muito mais, desde o nosso envolvimento na elaboração do projeto do
curso, passando por todo processo de tramitação institucional (PRONERA e UFS), até a
implantação do curso em 2007, no qual também atuamos como professora. Daí optamos por
ouvir o grupo de estudantes de Pedagogia da UFS através da técnica de grupo focal.
Escolhemos essa técnica na tentativa de minimizar o comprometimento que a relação
pesquisador – pesquisados engendrava, buscando captar a relação estudante – escola –
28
assentamento, através da discussão coletiva de um tema13
. Os encontros foram gravados e
transcritos em forma de tópicos sem especificar as falas. Pelas razões anteriormente
explicitadas, optamos por não tematizar a organização e o funcionamento do curso, com os
estudantes da UFS. Tentamos preencher essa lacuna através da dissertação de Mestrado de
Menezes (2009), que faz uma análise comparativa entre os projetos de Curso de Pedagogia
para os sem-terra da UFS e UFRN.
Ao organizarmos os dados da nossa investigação, resultante da transcrição das
entrevistas realizadas com os orientadores pedagógicos, identificamos que o mote da luta pela
reforma agrária se repetia na luta para romper a cerca do ―latifúndio do saber‖: ―ocupar,
resistir e produzir‖. Estava claro que o mote político valia tanto para a luta pela terra, quanto
para a luta pelo conhecimento, pela formação, a ponto de consubstanciar-se em categorias, de
maneira que a partir de então passamos a analisar o processo de formação do pedagogo a
partir do processo de ocupação, de resistência e de produção.
O processo de ocupação corresponde ao momento de conquista da universidade pela
via do vestibular especial, passam a lutar pela liberação dos recursos pelo INCRA e por criar
uma logística nas universidades que não foram pensadas para receber os trabalhadores em
geral, muito menos os trabalhadores rurais: falta alojamento, alimentação, creche para as
mães deixarem os filhos enquanto estudam. A resistência corresponde as situações e conflitos
que são enfrentados para permanecer no curso, que vai desde a conciliação do trabalho com o
estudo, passando pela questão da relação com a universidade, com os professores e com o
conhecimento. Por fim, a produção que corresponde ao trabalho que pedagogos da terra se
dispõem a fazer para dar luz à educação nos assentamentos, para garantir uma educação no
sentido amplo, como processo de formação humana, que não prescinde da escola, mas que
não se reduz a ela.
Guiados pelos temas das entrevistas realizadas com os orientadores pedagógicos e
com os estudantes de Pedagogia egressos do Curso Normal da UFS, suas falas estão presentes
nos três níveis: ocupação, resistência e produção. Enquanto as falas dos estudantes de
Pedagogia da UFS ouvidos através da técnica do grupo focal, terão presença significativa no
processo de produção, uma vez que o processo de ocupação e de resistência não fez parte dos
temas das reuniões realizadas com os estudantes do curso de Pedagogia da UFS. A
necessidade de distanciamento que nos impomos, ao tempo em que nos impediu de entrar nos
13
Ver Apêndice – Inventário da Pesquisa (p.148)
29
meandros do curso de Pedagogia da UFS, gera a possibilidade de realização de pesquisas
sobre esse tema.
Desse modo, elegemos como categoria de análise, o trabalho nas suas múltiplas
determinações, desde o trabalho como princípio educativo, reivindicado pelos movimentos
sociais como eixo articulador do curso de Pedagogia, quanto o trabalho materializado na ação
do pedagogo da terra, enquanto produz a educação do campo e reproduz a sua própria
sobrevivência. Considerando o trabalho como constitutivo das relações sociais de produção,
que ao mesmo tempo em que o homem transforma a natureza transforma a si mesmo. O
trabalho que não só produz a vida material, mas que constrói a forma de ser, pensar e estar no
mundo. O trabalho como atividade real, como processo de elaboração de conhecimento.
Ao cruzar o debate teórico com as vivências expressas nas falas dos sujeitos, tentamos
estabelecer um movimento entre o real pensado e o vivido, explicitando as contradições e os
conflitos presentes no encontro entre as duas lógicas diferenciadas – universidade e
movimento social – buscando compreender os limites e possibilidades da formação de um
pedagogo de ―novo tipo‖, estabelecendo relações entre o trabalho que eles desenvolvem na
educação dos assentamentos como pedagogos ou com os estudantes e as experiências vividas
e conhecimentos apropriados, tanto nos movimentos sociais dos quais fazem parte, quanto no
curso de Pedagogia.
Considerando que as universidades públicas brasileiras encontram-se submetidas a um
histórico de formação das elites e, portanto, às regras institucionais, põem em risco as
condições objetivas, concretas para forjarem um ―pedagogo de novo tipo‖, um ―pedagogo
militante‖. Acreditamos que essa possibilidade poderá advir do movimento dialético que
envolve a formação, aliada à força política dos movimentos socais do campo em disputa por
um outro modelo de desenvolvimento para o campo. Das contradições que emergirem desse
movimento dialético, surgirá a possibilidade de avançar ou retroagir na direção da disputa
pela hegemonia da educação do campo, como querem os movimentos sociais. É essa
totalidade que nos propusemos a investigar. Entendemos que a categoria da totalidade não diz
respeito a investigar ―tudo de um todo‖, mas sim como define Kosik (1969, p. 36):
A dialética da totalidade concreta não é um método que pretenda ingenuamente
conhecer todos [grifo do autor] os aspectos da realidade, sem exceções, e oferecer
um quadro ‗total‘ da realidade, na infinidade de seus aspectos e propriedades; é a
teoria da realidade como totalidade concreta.
30
Tomamos o método dialético, entendendo-o como um método que tem a contradição
como princípio, que permite a aproximação do real a partir de um fato, uma relação ou uma
situação dada. A função da pesquisa é compreender as múltiplas determinações que compõem
o fenômeno investigado e a natureza sobre a qual ele se produz e se reproduz. Tomamos
como referência a ―dialética do concreto‖ de Kosik (1969, p.40)
Princípio metodológico da investigação dialética da realidade social é o ponto de
vista da totalidade concreta, que antes de tudo significa que cada fenômeno pode ser
compreendido como momento do todo. Um fenômeno social é um fato histórico na
medida em que é examinado como momento de um determinado todo; desempenha,
portanto, uma função dupla[grifo do autor], a única capaz de dele fazer
efetivamente um fato histórico: de um lado, definir a si mesmo, e de outro, definir o
todo; ser ao mesmo tempo produtor e produto; ser revelador e ao mesmo tempo
determinado; ser revelador e ao mesmo tempo decifrar a si mesmo; conquistar o
próprio significado autêntico e ao mesmo tempo conferir um sentido a algo mais.
Esta recíproca conexão e mediação da parte e do todo significam a um só tempo: os
fatos isolados são abstrações, são momentos artificiosamente separados do todo, os
quais só quando inseridos no todo correspondente adquirem verdade e
concreticidade. Do mesmo modo, o todo de que não foram diferenciados e
determinados os momentos é um todo abstrato e vazio.
Os movimentos sociais sabem que, apesar das críticas à educação institucional,
precisam da oficialização de seus estudos que as instituições oficiais fornecem. Os
movimentos sociais querem que o pedagogo aprenda teorias que ajudem na compreensão e,
consequentemente, na transformação da realidade social inclusive da escola pública a partir
da ―ocupação pedagógica‖ da mesma. Querem que o foco do curso seja a teoria pedagógica
contra-hegemônica, como analisaremos em capítulo posterior, contrária à concepção
tradicional ideologicamente subordinada ao Capital e a quem a escola serve enquanto
aparelho de Estado, ainda que consideremos a sua autonomia relativa. Ou seja, os
movimentos sociais querem que o fenômeno educativo, que trata da formação humana, seja
estudado como um fenômeno que transcende a formação escolar. Querem que o processo de
construção do conhecimento considere as vivências sociais dos estudantes no diálogo com as
teorias.
Do outro lado, os cursos de Pedagogia têm suas trajetórias marcadas pela disputa de
um currículo de formação baseada na pedagogia crítica contra a perspectiva tecnicista ou
produtivista. Se a pedagogia crítica caminha na direção dos conhecimentos que reivindicam
os movimentos sociais para a formação dos sem-terra, que implica na problematização tanto
da realidade social quanto na tarefa de ensinar; a pedagogia tecnicista pressupõe que o
professor aprenda conhecimentos e desenvolva competências e atitudes adequadas à
intervenção prática, reproduzindo a divisão do trabalho do modo de produção capitalista.
31
No entremeio a política oficial, tanto da formação dos professores quanto da educação
do campo, marcadas por ambigüidades e inconsistências, constitui a realidade sobre a qual
emerge o tema desse trabalho, cujo ponto de partida é o mundo da prática e o ponto de
chegada enseja contribuir para compreender criticamente a formação de um ―pedagogo de
novo tipo‖. As contradições foram emergindo na relação entre o real pensado e o real
concretizado, observando aproximações e distanciamentos entre as demandas dos
movimentos sociais em relação à dinâmica real tanto dos cursos de Pedagogia ofertados em
regime especial, quanto do lugar do campo na política nacional para a educação.
Organizamos esse trabalho em três capítulos. No primeiro, recuperamos um panorama
geral da situação da educação rural no Brasil, resgatando a sua historicidade objetivando
situar o lugar estratégico da luta dos movimentos sociais do campo pela educação.
Apresentamos a educação do campo protagonizada pelos movimentos sociais do campo,
particularmente o MST, baseada em uma pedagogia na qual a finalidade da educação seja a
formação humana, voltada para a construção de uma nova sociedade justa e igualitária.
No segundo capítulo partimos de uma reflexão sobre a formação do pedagogo da terra
no diálogo com o pensamento pedagógico contra-hegemônico que tem influenciado o debate
nacional sobre o Curso de Pedagogia. Resgatamos também a trajetória das tendências e
modelos de formação dos professores e a prevalência do tecnicismo ou produtivismo em
educação, que configuram uma disputa político-pedagógica de formação dos professores em
geral e, do pedagogo, em particular.
No terceiro capítulo, fomos cruzando o debate teórico com as vivências dos
pedagogos da terra de Sergipe, expressas nas falas dos sujeitos, tentando estabelecer um
movimento entre o pensado e o vivido, explicitando as contradições e os conflitos, presentes
entre universidade-movimento, enquanto duas lógicas diferenciadas. Fomos desvelando a
essência/aparência do fenômeno estudado, a partir das contradições, desnudando a
complexidade do tripé formação, política de educação e educação do campo.
32
CAPÍTULO 1: Da educação rural à educação do campo
1.1 A educação rural: traços de exclusão social, étnica e racial.
O Brasil é ainda na América Latina, o país que apresenta maiores percentuais de
analfabetismo, com destaque para a região Nordeste cuja taxa de analfabetismo é duas vezes
maior do que as demais regiões. É também o país que menos investe em educação, o custo
aluno/ano brasileiro é de 842 dólares, contra 2.110 dólares no Chile e 1.241 dólares na
Argentina (Sítio INEP, 2006). Os professores brasileiros são também na América Latina os
que menos estudam, são 11,2 anos de estudos, contra 15,9 no Chile, 15, 2 no Equador, 14,2 na
Bolívia e 13,7 na Colômbia (Sítio INEP, 2006).
Os dados educacionais acusam taxas ainda altas de analfabetismo para o Brasil em
torno de 20% no Nordeste e 23% na zona rural. Em Sergipe dos 75 municípios que compõem
o Estado, 57 apresentam taxa de analfabetismo da população acima de 15 anos na ordem de
variação de 30 a 49% de analfabetos (Sítio INEP/PENAD, 2007). Os índices de escolarização
da população de 15 ou mais, correspondem a 6 anos de estudo no Nordeste, sendo 4,5 anos na
zona rural contra 7,8 na zona urbana (Sítio INEP/PENAD, 2007). No que diz respeito, ao
índice de distorção idade-série no 8º ano do ensino fundamental é de 31,9%, na zona rural
brasileira 51% (Sítio INEP/INEP, 2007). Isso quer dizer que metade das crianças que
ingressam no 1º ano vão ficando pelo caminho.
O IDEB/2009 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)14
no Ensino
Fundamental não produz dados animadores. No primeiro ciclo, o índice brasileiro na rede
pública foi de 4,4, nos anos iniciais contra 6,4 na rede privada. A meta da rede pública para
2021 é 5,8, ou seja, em aproximadamente 12 anos a rede pública não projeta nem os índices já
conquistados pela rede privada. No segundo ciclo, os índices da rede pública nos anos finais
foram de 3,7 contra 5,9 da rede privada. No Nordeste a rede pública apresenta os menores
índices gerais, a exemplo de Sergipe cujo índice foi de 3,4 nos anos iniciais e 2,8 nos anos
finais, projetando uma meta de 5,1 nos anos iniciais e 4,8 nos anos finais, a ser atingida em
2021. Na rede privada do Estado a situação é bem diferente o índice dos anos iniciais foi de
14
Índice criado pelo MEC em 2007, em uma escala de 0 a 10, cujo indicador é calculado a partir dos dados sobre
aprovação escolar obtidos no Censo Escolar e média de desempenho nas avaliações do INEP, o Saeb e a Prova
Brsail. Disponível em: <www.inep.gov.br/web/ideb>. Acesso em: 23 out. 2011.
33
5,7, com meta projetada para 2021 de 7,1 e nos anos finais do ensino fundamental o índice foi
de 5,3 e a meta para 2021 de 7,3.
Sobre a zona rural, tomamos os dados produzidos pelo GPT/MEC/INEP (RAMOS;
MOREIRA; SANTOS, 2004) e pela pesquisa do PRONERA nas áreas de reforma agrária, a
PNERA (2005). O descaso que os dados revelam é justificado pela idéia de ―campo vazio‖
(VEIGA, 2003) reforçada pela forma como o IBGE define o que é território urbano e rural, de
maneira a constatar através dos últimos censos o esvaziamento do campo. Os dados do Censo
2010 apontam que 84,3% da população brasileira vivem na zona urbana, contra os 15,7% que
vivem na zona rural.
Esse ―campo vazio‖, de acordo com Eli da Veiga (2003), diz respeito à falta de
precisão conceitual do IBGE, quando de maneira imprópria considera toda sede de município
ou de distrito como zona urbana, sem que se leve em conta suas características rurais. Por
conta disso, a zona rural brasileira encolhe, junto com as políticas públicas, deixando esse
contingente populacional sem assistência, principalmente nas áreas de educação e saúde.
Veiga anuncia que o Brasil pode ser mais rural do que revelam os dados do IBGE, só a
reforma agrária, por exemplo, até 2005, havia assentado 5.886 famílias, o que representa 27.
648 pessoas, distribuídas em 111 assentamentos rurais (PNERA, 2005).
Os dados apresentados pelo GTP/MEC/INEP (RAMOS; MOREIRA; SANTOS, 2004)
reafirmam a situação à qual a população rural está submetida: desigualdade de oportunidades
e os baixos índices de escolarização. O número médio de anos de escolarização na zona rural
brasileira ficava em torno de 3,4 anos de estudo. A região Nordeste também apresentava o
pior índice, 2,6 anos de estudo (IDEM, 2004).
Paradoxalmente, as escolas rurais, apesar de representarem aproximadamente 50% das
escolas do país, não têm capacidade de atendimento à população, porque são escolas de
pequeno porte, com apenas uma sala de aula, na qual um único professor leciona todas as
matérias do 1º ao 4º ano do ensino fundamental, são as chamadas classes multisseriadas.
Sobre os professores, os dados indicaram baixa qualificação e salários inferiores comparados
aos da zona urbana. Apontam 8,3% dos professores sem habilitação mínima para o magistério
e 22% dos professores que lecionam no ensino médio, têm nível de escolarização equivalente
ou inferior ao nível em que lecionam (IDEM, 2004).
Se a capacidade física instalada da escola rural para acolher a população é precária,
mais deficiente ainda são as condições de funcionamento das escolas em geral. São 162 mil
escolas públicas brasileiras, das quais 25 mil não têm luz elétrica, 40 mil não tem biblioteca,
10 mil não tem banheiro e 129 mil, não tem acesso à internet (Sítio/INEP, 2006).
34
A PNERA (BRASIL, 2005), pesquisa realizada em âmbito nacional pelo PRONERA
com o objetivo de caracterizar a demanda educacional e diagnosticar a situação do ensino
ofertado nas escolas dos assentamentos de reforma agrária e arredores, para subsidiar o
estabelecimento de políticas públicas com foco no desenvolvimento no campo e melhoria das
suas condições educacionais , constatou que o Nordeste abriga 46% dos assentamentos e 42%
da população assentada. No que diz respeito à escolarização, a pesquisa mostrou que as
crianças de 0 a 3 anos, não tem acesso a creches (93,3%) e quase metade da população
infantil de 4 a 6 anos, não tem acesso a pré-escola (42,7%). No 1º ciclo do ensino
fundamental (7a10 anos), 95,3% freqüentam a escola. Desses 80,1% estão nas escolas dos
assentamentos, 13,5% no entorno e 6,3% na escola da cidade. Quanto mais aumenta o nível
educacional dos estudantes, tanto mais são os que freqüentam a escola da cidade: 16% de 11 a
14 anos e 30% de 15 a 17 anos. Em Sergipe na faixa etária de 15 a 17 anos, 62% dos que
estudam freqüentam as escolas da cidade (PNERA/INCRA/INEP, 2005).
A PNERA (BRASIL, 2005) reafirma que a realidade da escola rural apresentada pelo
GTP/MEC/INEP é também a realidade das escolas dos assentamentos: as chamadas ―escolas
isoladas‖ de poucas salas, em geral multisseriadas e que atendem apenas o primeiro ciclo do
ensino fundamental. Esse esquema acaba gerando um grande contingente de pessoas
assentadas que chegam aos 15 anos tendo freqüentado somente os quatro primeiros anos do
ensino fundamental: 59,9 % no Nordeste e 76% em Sergipe, que para continuar estudando
necessitam sair do campo para a cidade.
Não poderemos compreender o atraso educacional brasileiro, especialmente no
Nordeste, precisamente na zona rural, sem compreender como se deu, ao longo da história, a
organização social e escolar brasileira no contexto dessa sociedade. Uma sociedade de base
escravocrata, colônia de Portugal por mais de 300 anos, marcada pela subordinação ao mundo
capitalista avançado, pela modernização econômica subserviente, conservadora e pela política
das mudanças forjadas pelo alto, sob a forma de revolução passiva (COUTINHO, 1989 apud
BEHRING, 2003), fica a dever um projeto de desenvolvimento que desconcentre renda e
diminua as desigualdades socais.
Behring (2003), ao discutir o capitalismo e a democracia na formação social brasileira,
apóia-se nas teses defendidas por Caio Prado Jr e Florestan Fernandes. Com Prado Jr, a autora
busca temas como o sentido da colonização e o peso do escravismo para afirmar as marcas
deixadas na cultura, nos valores, nas idéias, na ética, estética e ritmos de mudança. Com
Fernandes, a autora resgata o conceito da modernização conservadora para situar o processo
brasileiro na implantação e consolidação do capitalismo.
35
Behring (2003) vai reconstruindo a compreensão do processo de desenvolvimento
capitalista brasileiro, que se consolida através da conciliação do setor agrário arcaico e
conservador com a industrialização dependente do capital estrangeiro, tendo o Estado como
suporte. De maneira que, segundo a autora, a modernização capitalista brasileira será marcada
por mudanças graduais e ambíguas e pela dimensão autocrática do poder político,
representando a consolidação conservadora da dominação burguesa, expressa pela repressão,
cooptação e/ou corrupção. O capitalismo brasileiro se consolida sob a dissociação entre
capitalismo e democracia, sob uma cultura senhorial, patrimonialista, clientelista, pela
privatização do público.
De acordo com Behring (2003, p.111), Coutinho lançara mão do conceito gramsciano
de revolução passiva para explicar a formação social brasileira:
Sobre a revolução passiva, aponta elementos que estão em Fernandes ou mesmo em
Cardoso de Melo: as soluções elitista, pelo alto e anti-populares em momentos
chaves da história brasileira; a utilização em larga escala dos aparelhos repressivos;
e o papel econômico do Estado. Soluções que tornaram o país industrial, moderno,
urbano e complexo [...] o real potencial explicativo da idéia de revolução passiva, a
qual supõe um processo que paradoxalmente se constitui ao mesmo tempo de
reestruturação e renovação. Assim tem-se a reação à possibilidade de uma revolução
popular, articulada à incorporação de algumas demandas e exigências progressistas e
dos trabalhadores. Coutinho identifica na história brasileira o período Vargas como
um exemplo de revolução passiva [...]. O período pós-64 pode ser abordado da
mesma forma, como um processo de revolução passiva na direção da consolidação
do capitalismo monopolista, como salientou Fernandes (BEHRING, 2003, p.111)
Essa forma de revolução propicia o fortalecimento do Estado em detrimento da
sociedade civil de maneira que o Brasil faz revoluções sem revolução, ou seja, sem uma
sociedade civil protagonista. O Estado é o grande protagonista ao mesmo tempo
―modernizador e reprodutor do passado, sempre sob hegemonia de interesses conservadores‖
(IDEM, IBID. p.117)
Desse modo, o Brasil ainda não cumpriu com as tarefas da revolução burguesa no que
diz respeito, por exemplo, à reforma agrária e a democratização da educação. Parece-nos
sintomático que o Nordeste apresente ainda hoje, nos anos 2000, taxas expressivas de
analfabetismo e de pobreza. É nessa região que encontramos uma grande concentração da
população afro-descendente e marcas ainda fortes do coronelismo centralizador do poder
político, da terra, da economia e das comunicações.
O Brasil foi um dos últimos países latino-americanos a abolir a escravidão. Somente
em 1888, um ano antes da proclamação da República, é que a mão de obra escrava é
substituída por trabalhadores livres, na grande maioria imigrante europeu, significando um
36
passo em direção à modernização da sociedade brasileira do sul/sudeste, onde se concentrou a
produção de café. Na agenda do processo de modernização estava a República, como forma
de governo e a industrialização, como meta de crescimento econômico.
Os escravos libertos pela condição da Lei, mas sem escolarização, sem acesso à terra e
sem trabalho, apesar de ―livres‖, continuaram à margem da sociedade que se modernizava. De
maneira que os chamados ―trabalhadores livres‖, não foram os escravos libertos que se
transformaram em trabalhadores assalariados. Do Império à Republica, não só os padrões
aristocráticos e monárquicos, mas também a base escravocrata da sociedade, são
considerados, pela historiografia da educação brasileira, como impedimentos para que fosse
criado um sistema de atendimento escolar nacional abrangendo todos os níveis de ensino
(primário, secundário e superior).
No plano econômico, o avanço tecnológico e a revolução industrial francesa e inglesa,
ocorridas ao longo século XIX, colocam o Brasil Império a um século de atraso com relação
às mudanças no mundo da produção e do trabalho. Em 1850 enquanto a Inglaterra contava
com fábricas, equipamentos modernos e o surgimento do operariado, o Brasil ainda explorava
a mão de obra escrava e sua economia baseava-se no modelo agrário comercial exportador.
Por um lado o ―capitalismo tardio e dependente‖ é um empecilho à formação de uma classe
operária, por outro, a cultura política antidemocrática, dificulta a organização dos
trabalhadores, como afirma Behring (2003 apud FERNANDES, 1987 p.193):
[...] em vez de fomentar a competição e o conflito, ele [o operariado] nasce fadado a
articular-se, estrutural e dinamicamente, ao clientelismo, de mandonismo, do
paternalismo e do conformismo, imposto pela sociedade existente, como se o
trabalho livre fosse um desdobramento e uma prolongação do trabalho escravo.
O esgotamento do ciclo da cana de açúcar nordestino e a migração do poder
econômico para o sul/sudeste através do café e da expansão do capital comercial e bancário,
pesou sobre o Nordeste de maneira que ainda hoje a região sente o peso do escravismo de um
modelo de desenvolvimento cujo descompasso entre o econômico e o social produz uma
modernização sem modernidade, na qual prevalece o coronelismo, a concentração de terra, a
degradação do trabalho no campo, e a falta dos serviços públicos básicos para a população:
saúde, educação e saneamento básico. Ainda hoje dos 9 milhões de analfabetos, pretos e
pardos, mais da metade são nordestinos (IBGE,2010).
São os fazendeiros de café que formarão a burguesia agrária brasileira, a elite
econômica e política do país que, apesar de terem importância na consolidação da república e
37
do trabalho livre, representam, ao mesmo tempo, um forte conservadorismo político, que
impede a essa classe de ―senhores do café‖ priorizar políticas públicas populares. Assim, a
maioria da população brasileira fica excluída, por exemplo, do direito à educação. Até 1890,
85% da população brasileira era analfabeta, trinta anos depois 75% continuava analfabeta
(RIBEIRO, 1986). A burguesia brasileira destituída de qualquer sentido progressista
(ANTUNES, 2004), convive ao mesmo tempo com a permanência e a mudança, o novo e o
velho, o arcaico e o moderno.
O desenvolvimento econômico migra para o eixo sul/sudeste junto a um certo
desenvolvimento social, uma vez que os imigrantes traziam uma mentalidade capitalista e a
construção de uma nascente classe operária. Posteriormente, alguns se tornaram capitalistas e
outros compuseram as camadas intermediárias – a classe média (BEHRING, 2003). Behring
(2003) identifica três ciclos de modernização conservadora: a Era Vargas (1930-1947), a
Ditadura Militar (1964 a 1985) e a Reforma de Estado do Governo FHC (1994-2002).
Esses momentos históricos são identificados por Behring, citando Coutinho, como
exemplos de revolução passiva. Em geral, são períodos que foram antecedidos por forte
mobilização política e social. Nos anos 1920, por exemplo, há todo um movimento de
organização do operariado, do Partido Comunista Brasileiro, da Semana de Arte Moderna
revolucionando o país marcando com um traço próprio a expressão política, plástica e poética.
Todo esse movimento será interrompido com a Revolução de 1930, quando Vargas derruba o
Governo Washington Luís, com a apoio dos militares e adesão de amplos setores da
sociedade, contra revoltas populares e políticas, à exemplo da ―Coluna Prestes‖(1924 a 1927).
O movimento de apoio à Revolução sobre pretexto de manutenção da ordem, está a
favor dos interesses da classe em ascensão: a burguesia industrial. A sociedade da ordem
acomoda-se dentro da ordem (ANTUNES, 2004). Assim a burguesia, a grande e a pequena, se
junta aos militares para garantir a ordem, mantendo seus privilégios. Como diz Marx, no 18
Brumário (2008, p. 29): ―a sociedade burguesa constitui a sagrada falange da ordem‖. A
―classe média‖ brasileira alia-se à ordem garantindo seus interesses e destino social, como
afirma Behring (2003), cumprindo uma obscura missão histórica de fiadores do poder
conservador e de seus privilégios.
A Era Vargas representará o período conhecido como nacionalismo-populista,
caracterizado por uma conciliação entre o setor agrário arcaico, o desenvolvimento do
processo de industrialização, embora dependente das economias centrais e a organização de
políticas sociais, cujo fim último era controlar os operários e os camponeses, como forma de
modernização capitalista sem mexer nas estruturas sociais. Nesse quadro o Estado brasileiro
38
será instrumento e motor da industrialização. De acordo com Behring (2003, p.105) ―o Estado
converteu-se em captador de poupança externa e base de internacionalização da economia
brasileira, em consonância com os interesses da classe que representava‖.
Em 1964, novamente estaremos diante de mais uma revolução passiva, basicamente
com características semelhantes à Revolução de 1930, no que diz respeito a promover a
consolidação do capitalismo através da repressão ao movimento crescente da formação da
consciência de classe e organização política do operariado, paralela à criação de uma
consciência nacional, de superação dos problemas crônicos da sociedade que se modernizava,
a exemplo do analfabetismo. É no período que antecede 1964, por exemplo, que Paulo Freire
propõe uma educação como prática de libertação e conscientização dos trabalhadores; que o
Movimento Eclesial de Base, ligado à Igreja, se expande nas cruzadas de educação popular;
que os trabalhadores rurais se organizam em associações, contra o latifúndio improdutivo e
decadente, as chamadas Ligas Camponesas.
As Ligas Camponesas nos interessa particularmente por se tratar de uma organização
das forças contra-hegemônicas em favor da reforma agrária. A luta contra o latifúndio esteve
sempre na pauta da organização dos trabalhadores rurais. Desde os anos 1940, outras ligas já
haviam se formado no Recife, na luta pela posse da terra. Em 1955, um movimento de
foreiros iniciado em Pernambuco, no Engenho Galiléia, reeditam a formação de associações
contra o aumento da renda da terra e a ameaça de expulsão.
Em 1959, os trabalhadores conseguem a desapropriação do Engenho através de uma
ação movida pelo advogado Francisco Julião Arruda de Paula em favor dos trabalhadores. O
movimento cresce e se expande pelo Brasil, de modo que 1962 tinham comitês regionais
implantados em vários Estados do Brasil, dando visibilidade às suas ações através da criação
do jornal, ―A Liga‖, ganhando notoriedade nacional e internacional e apoio de parte da
intelectualidade brasileira, jornalistas, estudantes, militantes de partidos políticos.
Em 1963 é aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei 4.214 de 02 de março de
1963), como uma conquista política das Ligas Camponesas, com finalidade de disciplinar e
proteger o trabalhador rural. Em 1964, com a instalação da Ditadura Militar, o temor das
elites rurais brasileira de uma revolução camponesa a exemplo de Cuba, é afastado pelo
aparelho repressivo do Estado. O Governo Castelo Branco sancionará o Estatuto da Terra (Lei
4.504 de 30 de novembro de 1964), cujo objetivo era acalmar os ânimos dos trabalhadores
com a promessa de uma reforma agrária e conseguir apoio dos proprietários de terra ao golpe.
Desde então a parte da Lei concernente a reforma agrária nunca saiu do papel, porém o
desenvolvimento do capitalismo no campo recebeu atenção dos governos militares, se deu
39
pela via prussiana, ou seja, pelo protagonismo do Estado no processo de modernização
capitalista, sem a participação dos trabalhadores, conciliando com os interesses dos
proprietários de terra.
Sob o pretexto de reconstituição da ordem, a Ditadura se consolida reconstituindo o
poder burguês, desmantelando as lutas populares e a organização dos trabalhadores. Essa
manobra política, econômica e social permitiu a expansão do capitalismo monopolista,
afastando a ameaça comunista, o avanço dos movimentos sociais, controlando as estruturas
políticas, com o fim de promover o desenvolvimento com segurança.
No entanto, as contradições geradas pela própria modernização do capitalismo na
relação dialética com as forças contra-hegemônicas contribuem para por fim aos governos
militares, obrigando a promoção do restabelecimento das liberdades democráticas. Esse
processo se deu sob a vigilância ativa do Estado e da burguesia brasileira, sob a cautela de
uma abertura lenta, gradual e segura para evitar a perda do controle sobre o processo
democratização.
A falta de um projeto de desenvolvimento nacional e popular, que inclua a reforma
agrária, conduz a um desenvolvimento do capitalismo na agricultura que prescinde da reforma
agrária, acentuando a falta de postos de trabalho, assim como o trabalho duro e precarizado.
Isso vem promovendo, desde os anos 1950, o esvaziamento do campo, através do fenômeno
conhecido como ―êxodo rural‖. Muitos foram para as cidades, na esperança de encontrar
trabalho e melhorar de vida, embalados pela modernização e desenvolvimento trazidos pelo
crescimento do parque industrial brasileiro. A melhoria de vida nem sempre aconteceu, uma
vez que o baixo nível de educação dos trabalhadores rurais gerou uma concentração de força
de trabalho barata no espaço urbano, em larga escala absorvida pela construção civil, para
fazer o trabalho braçal, quase sempre sem representar possibilidade de uma vida mais digna.
Desse modo, a falta de escolarização acaba determinando o tipo de trabalho ao qual o
trabalhador poderá vender a sua força de trabalho, respondendo ao padrão de acumulação
industrial capitalista brasileiro que se desenvolveu ancorado no aproveitamento da mão de
obra a baixo preço, sem exigência de nível de escolarização e/ou preparo técnico. Os
trabalhadores da indústria manufatureira de bens duráveis eram treinados na própria fábrica
dispensando uma formação técnica escolar adequada.
Esse quadro foi determinante para a não valorização do trabalho, e conseqüentemente
não exerceu a pressão necessária para o desenvolvimento e ampliação do ensino técnico –
profissional. Aliado a isso, esse modelo também não contribuiu para diminuir o grau de
seletividade da organização escolar brasileira, de modo que além de seletiva também se
40
manifestou discriminatória: escolas profissionais para os trabalhadores em geral, e ensino
universitário para as classes médias e altas. O ensino técnico, majoritariamente de
responsabilidade federal, mantinha um nível considerável de seletividade, uma vez que o
―exame de admissão‖ selecionava os mais escolarizados, que por sua vez vinham de frações
da classe trabalhadora com melhores condições de vida.
Até aqui, quisemos explicitar como o capitalismo brasileiro consolidou-se gerando
mais exclusão, notadamente no Nordeste. Depois de vinte anos de Ditadura, o capitalismo se
modernizou, porém à custa da manutenção e crescimento da concentração de renda, gerando o
aprofundamento das desigualdades sociais. Com o advento da Nova República o ―novo-
velho‖ Brasil se coloca em mais um ciclo de modernização conservadora (BEHRING, 2003).
De acordo com Paoli e Telles (2000) a redemocratização não conseguiu sequer construir a
figura liberal do cidadão, esse é precisamente o fermento que no final dos anos 1980 fez
crescer a mobilização popular para conquistar os direitos básicos negados até então: saúde,
educação, moradia, emprego. Os movimentos sociais ganham importância para a
democratização do país, como a via capaz de desestabilizar o modelo hegemônico de
sociedade na disputa de espaço político e de conquista de direitos, de ampliação da
participação social e do exercício democrático.
A falta de um projeto de Brasil democrático e popular, capaz de desconcentar renda e
diminuir as desigualdades sociais são o cenário para a reedição de velhas bandeiras de luta,
como foi o caso da insurgência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST
na luta pela reforma agrária. O MST surge na cena política na segunda metade dos anos 1980,
exigindo a construção de outro projeto de Brasil, por uma política de distribuição de terra,
renda e trabalho.
A partir daqui concentraremos a nossa reflexão na luta dos movimentos sociais do
campo pela educação. Uma luta iniciada pelo MST e posteriormente incorporada por outras
organizações populares e sindicais do campo15
, na disputa pela construção de um projeto
popular de educação, batizado pelo MST de ―educação do campo‖. No histórico da ―I
Conferencia Nacional: Por uma Educação do Campo‖ (KOLLING, NERY e MOLINA, 1999)
do campo é explicado como forma de resgatar o conceito de camponês:
15
Federação dos Trabalhadores da Agricultura – FETAG; Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB;
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA; Confederação dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG;
Comissão Pastoral da Terra - CPT .
41
Um conceito histórico e político. Seu significado é extraordinariamente genérico e
representa uma diversidade de sujeitos [...] entre muitas outras denominações, e as
mais recentes são: sem-terra e assentado. Esses termos nos dicionários trazem tanto
um conteúdo valorativo como depreciativo [...] Essas palavras denominam, antes de
mais nada, o homem, a mulher, a família que trabalha na terra. São trabalhadores.
Seus significados jamais são confundidos com outros personagens do campo:
fazendeiros, latifundiários, seringalistas, senhores de engenhos, coronéis,
estancieiros. As palavras exprimem as diferentes classes sociais; possuem
significado histórico e político que perpassam as principais lutas de resistência
camponesa do Brasil, como Canudos, Contestado, Porecatu, Trombas e Formoso,
Ligas Camponesas e MST (p. 26 -27).
1.2 A educação do campo ou a pedagogia da luta social.
Para compreender a educação do campo, enquanto projeto de educação popular
comprometido com os interesses dos trabalhadores rurais, tomamos como referência os
trabalhos publicados sobre o tema por Roseli Caldart (2002, 2004, 2005) enquanto membro
do Setor de Educação do MST e coordenadora pedagógica do ITERRA. Assim Caldart (2005,
p.24) define a educação do campo:
Educação do Campo se constitui a partir de uma contradição que é a própria
contradição de classe no campo: existe uma incompatibilidade de origem entre a
agricultura capitalista e a educação do campo, exatamente porque a primeira
sobrevive da exclusão e morte dos camponeses, que são os sujeitos principais da
segunda.
Entendemos que a concepção de educação do campo do MST se aproxima do
movimento de educação popular, com ênfase na pedagogia do oprimido de Paulo Freire; dos
fundamentos da escola do trabalho de Pistrak (2000), da perspectiva da cultura da escola
unitária gramsciana e da idéia de trabalho coletivo de Makarenko (1985). É sobre essa base
teórica que nos propusemos a compreender a educação do campo proposta pelo MST como
antítese da educação rural e que vai se caracterizando como uma pedagogia social, focada na
realidade de vida e trabalho dos sujeitos do campo, ou seja, assenta-se sobre ―a possibilidade
efetiva de os camponeses assumirem a condição de sujeito do próprio projeto educativo; de
aprenderem a pensar seu trabalho, seu país e sua educação. É a concretização da Pedagogia do
Oprimido‖ (CALDART, 2005, p.27).
42
Segundo Caldart (2005), educação do campo se contrapõe a educação rural, desde a
sua materialidade de origem, ou seja, é uma concepção que se constrói na luta pela reforma
agrária, portanto é a educação da classe trabalhadora do campo e de suas lutas.
Em nosso debate, isso tem sido referido como a principal oposição com a educação
rural ou para o meio rural, que historicamente tem sido o nome dado às iniciativas
do Estado de pensar a educação da população trabalhadora do campo, de modo a
escamotear esta contradição e fazê-la de objeto e instrumento executor de políticas e
de modelos de agricultura pensados em outros lugares, e para atender a outros
interesses que não os seus, como grupo social, como classe, como pessoas (IDEM,
p.25).
O MST define os princípios filosóficos e pedagógicos da sua educação no Caderno de
Educação nº 8 (1996). Do ponto de vista filosófico, propõem uma educação baseada em
valores humanistas e socialistas, centrada no sujeito social, na valorização dos saberes da
prática, na possibilidade de transformação da pessoa, da sociedade, a serviço de um novo
projeto de desenvolvimento. Dessa maneira, o MST retoma o sentido da educação como
formação humana, contrário à visão utilitarista da educação, voltada para a formação do
trabalhador, ou seja, a educação ―interessada‖ no dizer de Gramsci.
Paradoxalmente, o modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro dispensa a
escolarização da grande maioria dos trabalhadores rurais. Contrário a isso, os movimentos
sociais do campo reivindicam um processo educativo que se vincule ao processo de
transformação social e emancipação humana, que tenha como princípio a relação educação e
trabalho; a relação teoria e prática; vínculo orgânico entre a educação, a cultura, os processos
educativos, políticos e econômicos. Propõem uma educação para auto-organização, centrada
na capacidade de iniciativa, busca de soluções, exercício da crítica, capacidade de mandar e
obedecer... ―de aprender a ser‖ (MST, 1996, p. 20).
Vamos encontrar na história da educação brasileira, por volta de 1930, um movimento
encabeçado por proprietários rurais, conhecido com ruralismo pedagógico fortemente
marcado pelo nacionalismo, que à época se confrontava com o projeto de modernização
capitalista voltado para o desenvolvimento da indústria. Os ruralistas propunham um projeto
educacional que pretendia que a escola rural estivesse organizada em função da produção,
como estratégia de tornar o campo mais produtivo e fixar o homem no campo, contra o
―êxodo rural‖ (CALAZANS, 1993). Os ruralistas denunciavam que o fracasso da escola rural
era ―decorrente do fato de ser ela uma simples escola de cidade, transportada e enxertada nas
atividades rurais‖ (MENNUCCI apud MONARCHA, 2007, p.29).
43
Desde então, a escola rural como a escola da cidade ―transportada e enxertada nas
atividades rurais‖, é a forma como a política de educação vai organizar a educação escolar,
promovendo a uniformização do ensino de tendência urbanocêntrica, cuja função é a
preparação de um trabalhador desenraizado da sua comunidade local e candidato em potencial
a servir ao capital industrial, através da migração do campo para a cidade. Assim, a
mobilização dos ruralistas e seus propósitos nacionalistas, não conseguem mudar a realidade
da escola rural16
, uma vez que a migração, em princípio gera a reserva de força de trabalho
barata no espaço urbano, ainda que contraditoriamente a concentração de pessoas nas cidades,
sem moradia, sem trabalho estável, contribuísse para o aumento da exclusão, agora como
―cidadãos‖ urbanos.
Com a abertura política dos anos 1980 o debate da educação rural será retomado. Os
velhos problemas são novamente postos à mesa e a forma de resolvê-los, apesar da clareza
dos envolvidos, se esbarrava na própria organização da educação nacional. Por uma posição
política alinhada aos interesses populares um grupo de educadores defendia a integração da
educação rural aos planos de desenvolvimento regional e nacional, com o protagonismo da
comunidade na condução do projeto educativo (WERTHEIN e BORDENAVE, 1981).
Propostas apresentadas nos anos 1980 apontam soluções análogas às apresentadas
pelos movimentos sociais hoje: 1) a escola do campo como parte de um projeto de
desenvolvimento econômico e social, 2) a comunidade assumindo a escola como tarefa
própria, 3) os professores com formação específica para atuar em escolas rurais, 4) a escola
integrada ao trabalho produtivo. Mas tanto naquela época, quanto hoje, a direção da política
de educação expressa na burocratização, na divisão do trabalho e na centralização
administrativa, impedia a organização da educação rural sobre bases próprias com o
protagonismo das comunidades locais (PETTY, TOMBIM e VERA, 1981). Dado a falta de
interesse da política nacional da educação com o meio rural, os educadores começam a
defender como uma alternativa para a superação dos problemas da educação rural, a
organização das classes trabalhadoras do campo, na qual a relação entre a educação e o
trabalho produtivo fosse o ―sujeito educativo conscientizador‖ (PINTO, 1981).
16
A história demonstra que não havia modelo econômico em disputa, havia sim uma disputa dos fazendeiros e
dos industriais pela força de trabalho. A estratégia dos ruralistas era incentivar a criação de escolas rurais
pautadas no trabalho do campo para não perder a força de trabalho para a indústria. Foram criadas Escolas
Normais Rurais em Juazeiro do Norte – CE (1934-1946), no Paraná (1946-1961), em Minas (1949-1971), a
última foi a Escola Normal Rural de Piracicaba criada em 1956, por Juscelino Kubitschek.
44
O MST vai assumir essa tarefa histórica através da mobilização popular em torno de
outro projeto de educação rural, que vão chamar de educação do campo, trazendo como
elemento central o protagonismo do trabalhador para a construção de uma educação dos
sujeitos do campo, ou seja, de um pedagógico específico, construído por eles. A educação do
campo é também a luta por políticas públicas de educação como direito ―que não pode ser
tratada como serviço, nem como política compensatória; muito menos como mercadoria‖
(CALDART, 2005, p.27).
Desse modo a transformação da escola do campo se articula à criação das condições
objetivas concretas de construção de um ―novo‖ projeto de desenvolvimento do campo. O
MST tomou como seu o desafio de fazer com que a escola deixe de ser uma agência urbana
no campo para se transformar numa agência que contribua para o desenvolvimento rural, ou
seja, a educação como uma aliada do processo de transformação da terra conquistada em
―terra de trabalho‖ ou seja, o trabalho enquanto prática social fundamental, no qual o homem
modifica o mundo modificando-se também a si mesmo. Esse é o ponto de partida de
Damasceno (1993) quando desenvolve uma reflexão sobre a construção do saber social pelo
camponês na sua prática produtiva:
[...] grupos humanos nas suas relações de trabalho não produzem tão-somente a vida
material, mas ao fazê-lo elaboram ao mesmo tempo um conjunto de idéias e
representações que se vinculam às suas condições de existência. [...] Fica claro
portanto que a fonte primeira no processo de elaboração do conhecimento são os
homens na sua atividade real, daí a afirmação de que aquilo que os homens são
depende em grande parte das condições materiais da sua produção (p. 53).
Ainda que a escola do campo não deva ser necessariamente uma escola agrícola, o
ponto de referência para propostas defendidas pelos movimentos sociais do campo é que ela
esteja vinculada à cultura e às relações de trabalho na terra (KOLLING, NERY E MOLINA,
1999). Para Caldart (2005, p.24), a construção da identidade da educação do campo deve
pautar-se ―desde uma particularidade, ou seja, desde sujeitos concretos que se movimentam
dentro de determinada condições sociais de existência em um dado tempo histórico‖.
Nessa direção Caldart, se alia ao pensamento pedagógico da educação popular. Um
movimento de resistência à Ditadura Militar que sobreviveu como uma pedagogia extra-
escolar, contra-hegemônica, cuja parte de suas experiências se inspira na pedagogia freireana,
desempenhando um papel importante e fundamental na resistência contra o autoritarismo,
como uma vertente de educação alternativa, fora do controle do Estado, como educação aliada
às classes populares em função dos seus interesses de classe (WANDERLEY, 1980). Uma
45
educação cujo ―horizonte não é o homem educado, é o homem convertido em classe. É o
homem libertado‖ (BRANDÃO, 1980, p.129), como ―educação do povo, pelo povo e para o
povo‖ (SAVIANI, 2008a, p.317).
A filosofia de educação de Paulo Freire17
vai se constituir numa concepção contra-
hegemônica de educação, libertadora ou libertária, uma vez que concebe a educação como
instrumento de emancipação humana, portanto deve servir para libertar o oprimido da
situação de opressão. A concepção de educação como prática da liberdade dará luz à
pedagogia do oprimido, marcada pela crítica à concepção de conhecimento como algo que
existe independente das pessoas envolvidas no ato pedagógico e que por isso pode ser
transferido do professor para o aluno, como transmissão, depósito – educação bancária.
A concepção libertadora/libertária da educação popular parte da necessidade de
reconhecer e respeitar os saberes populares como saberes legítimos, de maneira que na busca
do conhecimento novo a prática social deve ser tomada como ponto de partida e ponto de
chegada. O conhecimento, na perspectiva de educação freireana, é uma atividade social
transformadora, constituindo-se em práxis. O conteúdo de ensino é buscado através da
problematização da própria realidade existencial dos educandos, analisada à luz do diálogo
entre o conhecimento científico e popular. Uma realidade que será transformada a partir da
problematização, do estudo e da compreensão. Essa concepção de trabalho pedagógico como
um trabalho que pressupõe a transformação de nós mesmos e da realidade, se constitui em
práxis. De acordo com Vasquez (2007) a teoria não substitui a ação, mas é a prática que tem o
poder material de transformação.
A problematização da realidade como metodologia de ensino-aprendizagem dá ao
conhecimento um sentido existencial, uma vez que não há separação entre o ato de conhecer e
aquilo que se conhece. Na filosofia de educação de Freire o ato de conhecer é um ato social,
desse modo o acesso ao conhecimento envolve não só a questão das oportunidades
educacionais e/ou processos didáticos - metodológicos, mas, principalmente, a relação
educador/educando, no processo dialógico, mediando os conhecimentos e saberes que
conformam o currículo escolar e que provém do meio social do educando.
É a perspectiva libertadora/libertária da educação que ao levantar questões ao ato de
conhecer, questiona os conteúdos de ensino. Nesse sentido, o seu contraponto será a
―pedagogia crítico-social dos conteúdos‖ proposta por José Carlos Libâneo (1985), como uma
pedagogia da ―primazia dos conteúdos‖. Enquanto na concepção de Libâneo o papel da escola
17
Ver a Pedagogia do Oprimido.
46
é difundir os conteúdos culturais universais que se constituem como patrimônio da
humanidade, na concepção de educação freireana, o conteúdo de ensino encontra-se na prática
social, ou seja, propõe que a realidade existencial das pessoas seja o ponto de partida e de
chegada na produção do conhecimento novo, carregado de sentido e significado,
potencialmente transformador, porque apoiado sobre uma realidade concreta capaz de
produzir conhecimento socialmente útil. A experiência existencial dos educandos constitui os
―temas geradores‖ da aprendizagem. Esses temas ao serem problematizados devem ser
tratados como unidades programáticas, conferindo ao conhecimento caráter dialógico e
interdisciplinar.
A crítica à ―pedagogia crítico-social dos conteúdos‖ tem como fundamento a
dissociação entre a teoria e a prática, uma vez que relega os saberes e conhecimentos da
realidade a um plano inferior, firmando a aprendizagem como apreensão do conhecimento
acumulado. A ―pedagogia crítico-social dos conteúdos‖ reforçava a idéia da educação como
reprodução do conhecimento, da tradição e dos costumes, ou seja, através da educação se
conserva e se justifica a realidade, a manutenção do status quo, uma das funções mais antigas
da educação: garantir que as novas gerações possam se apropriar dos conhecimentos,
costumes e tradições de uma dada formação social. A questão que perpassa a crítica à essa
concepção ―conteudista‖, longe de negar às novas gerações o conhecimento acumulado, diz
respeito a hierarquização dos conteúdos que não contribui para a contextualização e,
consequentemente deixa pouco espaço para que a realidade se transforme em conteúdo de
ensino.
A educação do MST é também a escola do trabalho. Caldart (2005), afirma que ―a
educação do campo nasceu colada ao trabalho e a cultura do campo [...] precisa recuperar uma
tradição pedagógica de valorização do trabalho como princípio educativo‖ (p.28). É fato que
o pensamento pedagógico contra-hegemônico, sempre pautou o trabalho como princípio
educativo, no entanto, algumas experiências exitosas são extra-escola. Tomar o trabalho como
princípio educativo na escola capitalista, produz uma contradição de fundo, uma vez que é
uma escola que não consegue pensar o trabalho para além da relação com o mercado. O
trabalho tomado como principio educativo, opõe-se à educação como preparação para o
mercado. Contra a educação mercadológica também estão os educadores contrários ao
neoconservadorismo em educação, que ―definindo o mercado como o sujeito regulador da
concepção e organização da educação, tende a eternizar a concepção instrumentalista,
dualista, fragmentária, imediatista e interesseira de formação humana‖ (FRIGOTTO, 1995,
p.49).
47
Por isso, Pistrak (2000) vai acusar o trabalho na escola burguesa como algo abstrato,
diferente do trabalho como produção social e material do homem, proposta pela revolução
bolchevique para a qual o conhecimento ―deve estar ligado ao trabalho social, à produção
real, a uma atividade concreta socialmente útil‖ (p.38) 18
. O trabalho estará no centro do
currículo da educação bolchevique dado ao desafio de construção de novas formas sociais de
produzir o trabalho. Baseada na teoria marxista a escola do trabalho se constituirá na
pedagogia revolucionária soviética. Esta defenderá o ensino unificado organizado por
complexos19
, baseado no princípio da interdisciplinaridade no método da pesquisa (IBIDEM,
p.35).
Enquanto no capitalismo a ciência e a técnica são determinantes para aumentar a
produção, à custa da exploração do trabalhador, gerando mais lucro para o capital, na
economia soviética revolucionária, pretendia-se transformar a organização científica do
trabalho de meio de exploração a meio de libertação. Diante da necessidade de formar o
homem para assegurar a revolução, o trabalho socialmente útil será parte integrante da relação
da escola com a realidade, eleito como conteúdo de ensino, resgatando o valor social do
trabalho: ―base sobre a qual se edificam a vida e o desenvolvimento da sociedade‖ (IBIDEM,
p. 50).
A educação do campo, como proposta de educação do MST, ou seja, de acordo com
sua materialidade de origem, significa para Caldart (2005, p. 26), ―pensar a relação entre uma
política agrária e uma política de educação; entre política agrícola, política de saúde e política
de educação‖. Nesse sentido, a educação do campo do MST aproxima-se da ―escola da
juventude camponesa‖ da revolução bolchevique, para a qual a escola do campo articulava-se
ao projeto econômico da sociedade russa revolucionária, cujo princípio era elevar o nível da
agricultura através de métodos de aperfeiçoamento do trabalho agrícola, da economia rural e
das condições de vida do camponês, ou seja, ―o problema essencial é aproximar a escola das
necessidades da economia e da vida camponesa‖ (PISTRAK, 2000, p.70). Nesse caso a
educação camponesa era parte do projeto de educação geral na qual a organização do trabalho
como meio de libertação é pensada sob a necessária transposição do trabalho individual para o
18
Esclarecemos que ao usar Pistrak como referência, buscamos situá-lo no seu tempo e contexto histórico, assim
ao estabelecermos comparações e/ou aproximações com o tempo e contexto histórico brasileiro do início do
século XXI, consideramos esse princípio. 19
Pistrak adota o ―sistema do complexo‖ na escola soviética por compreender que é uma opção metodológica
que permite a realização do método dialético, ou seja, compreender a realidade do ponto de vista marxista,
através do conhecimento das relações recíprocas e a transformação dos fenômenos (p.134). Compreendemos o
―sistema de complexo‖ como uma metodologia baseada na seleção de temas de estudo que serão trabalhados de
forma interdisciplinar de modo a propiciar o estudo das relações entre conteúdos.
48
trabalho coletivo que envolve ―a divisão do trabalho no tempo e no espaço e a distribuição
dos indivíduos e das tarefas‖ (IBIDEM, p.102)
Em relação à cultura, Caldart (2005) advoga que a educação do campo precisa
recuperar a cultura como matriz formadora para a construção de um projeto coletivo de
educação. Vamos encontrar em Gramsci a cultura como um conceito amplo que diz respeito à
organização, disciplina e conquista de uma consciência superior para a formação cultural dos
trabalhadores, contra a ―formação abstrata, enciclopédica e burguesa que efetivamente
confunde as mentes trabalhadoras e dispersa sua ação‖ (GRAMSCI apud NOSELLA, 1991,
p.15). Gramsci também toma o trabalho industrial como princípio e fato pedagógico da
escola. Para Nosella (1991) a escola do trabalho de Gramsci, não corresponde à idéia de
―encubadeira de aprendizes de um ofício‖, nem à escola do emprego, mas sim à escola capaz
de ensinar valores humanistas, contrária à educação que discrimina e classifica, a favor da
educação unitária e democrática. A idéia de escola unitária gramsciana será a escola capaz de
articular a formação profissional com a humanista, contrária à divisão da escola burguesa em
escolas técnicas para os pobres e de cultura humanista para os ricos.
A nossa leitura de Gramsci, compactua com a leitura de Nosella, que entende a escola
unitária como ―uma política educacional alternativa que seria implementada caso os
comunistas conquistassem o Estado‖ (IBIDEM, p.109). No caso do MST a luta pela educação
do campo como projeto de educação dos camponeses, acontece no Brasil das revoluções
passivas, de capitalismo dependente, de Estado forte, patrimonialista, de maneira que o direito
à escola faz parte da negociação possível, inclusive porque é uma meta da revolução burguesa
tardia no Brasil, haja vista que ―todos na escola‖ não é só bandeira dos trabalhadores, é meta
da política de educação brasileira. Difícil é transformar em políticas públicas a luta pela
educação do campo, tal como ela é apresentada pelo MST. Gramsci pontuava que a escola
unitária é um problema insolúvel no Estado parlamentar-democrático, tanto do ponto de vista
técnico quanto político (IBID, p.36).
Na escola capitalista a educação não tem função de formação ―desinteressada‖, há sim
a necessidade de formar o trabalhador para a atividade reprodutiva do capital. Por princípio
nessas sociedades capitalistas não estão postas as condições necessárias para uma escola
libertadora. Por isso, Pistrak (2000, p.109) afirma que:
Os melhores professores democratas e pacifistas começam a tomar consciência de
que a solução ‗teórica‘ da educação é muito difícil, se é que não é impossível. E isto
é totalmente exato se se pretender resolver o problema da educação na América
‗sem mexer no resto‘!
49
Concordamos com Pistrak, mas compreendemos que embora não seja possível
reformular significativamente a educação sem romper com a lógica do capital, pactuamos
com a leitura que Meszáros (2007, p.209) faz do pensamento gramsciano sobre a dinâmica da
história: ―não é uma força externa misteriosa qualquer e sim uma intervenção de uma enorme
multiplicidade de seres humanos no processo histórico real na linha da manutenção e/ou
mudança‖. Para Meszáros (2007, p.210), romper com a lógica do capital requer ―a
necessidade de modificar, de uma forma duradoura, o modo de internalização historicamente
prevalecente‖ (grifos do autor), tomada a educação no sentido amplo, que se realiza também
fora das instituições formais, nos movimentos sociais, por exemplo. Nesse sentido a educação
tem um papel importante no que diz respeito à elaboração das estratégias adequadas para
mudar as condições objetivas de reprodução e promover a transformação progressiva da
consciência (IBIDEM, p. 217).
Autores como Meszáros (2007, p.223), afirmam que estamos num momento histórico
favorável à mudança:
A nossa época de crise estrutural global do capital é também época histórica de
transição de uma ordem social existente para outra qualitativamente diferente [...]. A
transformação social emancipadora radical requerida é inconcebível sem uma
concreta e ativa contribuição da educação no seu sentido amplo [...] E vice-versa: a
educação não pode funcionar suspensa no ar. Ela pode e deve ser articulada
adequadamente e redefinida constantemente no seu inter-relacionamento dialético
com as condições cambiantes e as necessidades de transformação social
emancipadora e progressiva e curso. Ou ambas têm êxito e se sustentam, ou
fracassam juntas (p. 223 – Grifos do autor).
Inegavelmente a reforma agrária poderia ser um estimulador para criação de um novo
modelo de desenvolvimento para o Brasil, capaz de dar materialidade à educação do campo,
como paradigma da educação rural, por isso concordamos com Molina (2004, p.69),
[...] só há sentido em uma proposta educacional específica para os sujeitos do campo
a partir de um novo modelo de desenvolvimento, no qual se operem mudanças
estruturais que objetivem de fato enfrentar a situação de pobreza e desigualdade que
vive esta população. Não adianta pensar que só a educação poderá resolver os
graves problemas da distribuição de renda no campo.
Nesse sentido, os movimentos sociais têm um papel importante, uma vez que não há como
conquistar direitos sem desafiar a ordem estabelecida. Assim, ―forças engajadas na luta pela
emancipação do domínio do capital não podem abandonar nem o projeto de ‗fazer história‘,
nem a idéia de instituir uma nova ordem social‖ (MESZÁROS, 2007, p. 49), por que o
discurso da crítica social não é suficiente, é preciso aventurar-se na construção do novo. Sem
a construção do novo homem (valores, atitudes, relações que não sejam de
50
exploração/dominação/submissão) nenhuma revolução conseguirá implantar de forma
duradoura uma nova sociedade e vice-versa. Não nos faltam exemplos históricos.
.
51
CAPÍTULO 2: A formação do pedagogo da terra: aproximações com o pensamento
pedagógico contra-hegemônico
Nesse capítulo, remetemos à questão central do nosso trabalho: que tipo de educação
contra-hegemônica tem sido possível construir? A partir desse questionamento aparecem
outras questões concorrentes, na qual nos perguntamos o que está em jogo no processo de
formação dos pedagogos da terra: é uma revisão dos conteúdos das ementas das disciplinas, é
a inserção de um novo conjunto de disciplinas capaz de abordar as questões da terra, da luta,
da reforma agrária? Ou uma mudança de fundo do próprio curso de Pedagogia?
Retomando o que dissemos na introdução desse trabalho a pretensão do MST em
forjar um curso de Pedagogia capaz de incorporar a luta popular pela terra como ponto de
partida para a construção de um projeto de educação popular, cujo fim último fosse a
emancipação, sempre nos causou inquietação, dada a nossa vinculação com o debate contra-
hegemônico para pensar a educação em geral e, em particular, os cursos de Pedagogia. Somos
testemunha de quanto esforço e debate teórico enfrentamos com os nossos pares nos
processos de discussão de reformulação de currículos de curso, na tentativa de garantir
precisamente aos pedagogos e professores em geral, o que os movimentos sociais do campo
estão demandando hoje, com relação à formação do pedagogo da terra.
É precisamente nosso envolvimento com o debate contra-hegemônico que nos levou
a acreditar que não poderíamos tratar a finalidade da formação do educador do campo como
algo específico à formação do pedagogo da terra, por entendermos que nenhum processo
formador que tivesse como pressuposto a formação do professor como um intelectual
transformador (GIROUX, 1997), poderia abdicar da compreensão da historicidade da ação
educativa; de estudar as concepções críticas da educação, contrapostas às concepções
dominantes; de analisar as condições objetivas ou as forças materiais que conformam o papel
estratégico da educação no movimento dialético de produção/reprodução da sociedade; de
tomar como ponto de partida e de chegada do trabalho pedagógico o contexto social,
econômico e cultural onde o fenômeno educacional ocorre.
Nesse sentido, retomamos o debate contra-hegemônico de formação dos pedagogos e
professores como forma de situar a luta pela formação do pedagogo da terra no contexto mais
amplo da luta pela formação do professor como intelectual transformador o que representa
uma disputa de projeto de educação cuja concepção de formação alia-se às idéias humanistas
e emancipadoras, contrária à concepção dominante de educação produtivista e mercadológica.
52
Exige que nos aprofundemos sobre a compreensão das tendências e modelos de formação de
professor pela ótica da divisão social do trabalho, da questão da profissionalização, como
elementos que não podem passar ao largo, principalmente quando se trata de algo que
precisamos compreender para transformar.
2.1 Tendências hegemônicas e modelos de formação de professores
Desde a aprovação da LDB 9394/96, que o debate sobre a formação dos pedagogos
apresenta-se na legislação em vigor, tanto na LDB quanto nas resoluções e pareceres do CNE,
como uma formação fragmentada, confusa e inconsistente. A proposta de ―flexibilização‖ da
formação, instala um ―frankestein‖ ao tentar contemplar no seu texto setores conservadores e
as entidades civis e associações nacionais. Vários exemplos figuram na LDB de 1996 como
conflitantes. Citamos o Artigo 62 que instituiu como locos de formação a figura dos institutos
superiores de educação e neles a modalidade de Curso Normal Superior para formação dos
professores para os anos iniciais do ensino fundamental e educação infantil, concorrendo com
os cursos de Pedagogia das universidades, que desde os anos 1990, seguindo o debate
nacional, passam a formar os professores para a educação infantil e os anos iniciais do ensino
fundamental.
Diante da necessidade de formar grande contingente de professores em nível superior,
em cumprimento ao artigo 87 da LDB 9394/96, principalmente para os anos iniciais do ensino
fundamental a iniciativa privada assume a dianteira na oferta de curso Normal Superior, de
até dois anos de duração, concorrendo com os cursos de Pedagogia das universidades
públicas, com duração de quatro anos. Sob o pretexto da parceria público – privado, prevalece
a força política da iniciativa privada dentro do Congresso Nacional, representada por
deputados e senadores empresários da educação ou pelos lobistas. Além disso, permite que
faculdades isoladas, atuem na área de formação do pedagogo, muitas vezes sem tradição de
ensino, se estabelecendo como ―fábrica de diplomas‖.
A flexibilização também atinge os currículos formativos. As Diretrizes Nacionais para
Formação dos Professores da Educação Básica (1999), de acordo com Freitas (2004) toma
como parâmetro e princípios orientadores os conhecimentos científicos da área de formação,
com ênfase no caráter técnico instrumental, agregando à esse modelo a concepção neoliberal
de competências. O ensino centrado na competência do professor é um fenômeno produzido
53
pelas transformações no campo do trabalho produtivo, como nos referimos antes, cuja
categoria fundante do ofício docente passa a ser o trabalho realizado pelo professor na aula,
ou seja, a ênfase recai sobre a ação do professor, abandonando o debate sobre os fins da
educação.
Nas Diretrizes (1999) fica evidente a presença das tendências tradicionais dominantes
para a formação docente cuja perspectiva técnica é o centro do processo formativo. De acordo
com Sacristán e Gomez (2000) a forma de conceber a prática educativa e os processos
formativos se articulam. Os autores identificam perspectivas ideológicas dominantes da
função docente e da formação do professor, que ao longo da história se põem em conflito, são
elas: a perspectiva acadêmica, técnica, prática e de reconstrução social. As reformas da
educação brasileira realizadas nos anos 1990 trazem claramente traços tanto da perspectiva
acadêmica, quanto da técnica e da prática.
Segundo Sacristán e Gomez (2000) cabem na perspectiva acadêmica o enfoque
enciclopédico e o compreensivo. O primeiro centra-se na transmissão dos conhecimentos da
cultura, cujo acúmulo de conhecimentos específicos da disciplina define a competência do
professor. No enfoque compreensivo, o professor aprende a estrutura da disciplina que ensina,
ou seja, ele é um intelectual que compreende a estrutura epistemológica da sua disciplina.
Em ambos os enfoques, a formação do docente firma-se na aquisição da
investigação científica, seja disciplinar ou de didática das disciplinas [...] não se dá
demasiada importância ao conhecimento pedagógico que não esteja relacionado com
as disciplinas, ou o seu modo de transmissão e apresentação nem ao conhecimento
que se deriva da experiência prática como docente (SACRISTÁN E GOMEZ, 2000,
p. 356).
Nessa concepção tradicional de formação a ênfase recai sobre os aspectos teóricos,
cujo acúmulo de conhecimentos sobre a disciplina é o que determina o saber ensinar. O fato
de ser uma perspectiva tradicional, não lhe coloca no lugar de algo superado, mas sim como
uma tendência presente nas propostas de formação pela própria tradição, ou seja, mesmo com
todo avanço tecnológico e as mudanças que ocorrem na sociedade, gerando outras formas de
conceber a formação docente, ainda encontramos traços visíveis dessa concepção de formação
tanto nas propostas formativas quanto na prática dos professores.
A perspectiva técnica é a que tem respondido mais eficientemente às determinações do
desenvolvimento tecnológico e da divisão do trabalho nos moldes do desenvolvimento
capitalista. Sob influência do positivismo, os professores deveriam ser formados para dominar
o conhecimento científico produzido pelos especialistas, de maneira que a ele cabe aplicar
54
teorias e técnicas científicas. O caráter instrumental da formação atende a uma lógica
formativa conhecida como racionalidade técnica.
Assim, na prática acontece uma autêntica divisão do trabalho e subordinação de
categorias, o docente nessa perspectiva é um técnico que deve aprender
conhecimentos e desenvolver competências e atitudes adequadas à sua intervenção
prática, apoiando-se no conhecimento que os cientistas básicos e aplicados
elaboram, ou seja, não necessita chegar ao conhecimento científico, mas dominar as
rotinas de intervenção técnica que se derivam daquele. A racionalidade técnica
impõe, pela própria natureza de sua concepção da produção do conhecimento social,
uma relação de subordinação dos níveis mais aplicados e próximos da prática aos
níveis mais abstratos da produção da ciência [...] produz-se inevitavelmente a
separação pessoal e institucional entre a investigação e a prática (IBIDEM, p.357).
Essa tendência de formação de professores exerce uma ação contrária ao processo de
profissionalização da profissão, uma vez que reduz a atividade docente à mera racionalidade
instrumental, dispensando uma formação mais longa em nível superior. Segundo Sacristán e
Gómez (2000, p.363) a perspectiva técnica, ao descaracterizar uma ciência do ensino, reduz o
ensino ao conhecimento produzido pela investigação científica. Os processos formativos
inspirados por essa tendência privilegiam o desenvolvimento das competências e habilidades
técnicas do professor, minimizando a complexidade presente na atividade prática. Para os
autores, a crítica à perspectiva técnica tem como pano de fundo um problema epistemológico.
O dilema epistemológico continua de pé: é a natureza da realidade que determina as
características dos procedimentos, métodos e técnicas mais apropriadas para
compreender a complexidade peculiar da mesma e intervir sobre ela, ou são os
critérios do conhecimento científico que devem prevalecer? Pode-se considerar a
natureza dos problemas e situações sociais análogas à da realidade física e, portanto,
igualmente abordável desde aqueles métodos e técnicas? [...] quando o profissional
deve enfrentar problemas complexos que deve construir e definir dentro de uma
situação mutante, incerta, confusa e carregada de problema de valor (IBID, p.357).
A perspectiva prática firma-se sobre o reconhecimento de que o ensino como uma
prática social complexa, determinado por contextos e conflito de valores, não pode ser
reduzido à aplicação adequada de métodos e técnicas. A perspectiva prática funda-se sobre a
necessidade de validar a realidade social. Toma o ensino como algo artesanal, guiado por
intuição e experiência, reproduzindo um conhecimento profissional de adaptação e
reprodução de uma cultura e de papéis. Na perspectiva de superar o traço conservador dessa
tendência, vai se desenvolver o enfoque reflexivo sobre a prática, cujo foco é não perder a
dimensão complexa da perspectiva prática.
55
O problema central que aborda nesse enfoque [...] é como gerar um conhecimento
que, longe de impor restrições mecanicistas ao desenvolvimento da prática
educativa, emerja dela útil e compreensivo para facilitar sua transformação. Ao
mesmo tempo, e ao pretender o desenvolvimento de um conhecimento reflexivo, se
propõe a evitar o caráter reprodutor, acrítico e conservador do enfoque tradicional
sobre a prática (SACRISTÁN E GOMEZ, 2000, p365).
Nesse enfoque, ressaltamos o pensamento de Donald Schon (1992) quando defende a
necessidade de formar um profissional capaz de articular as habilitações acadêmicas com as
experiências práticas, capaz de desenvolver um processo de reflexão - na - ação, ou seja, que
possa refletir na e sobre sua prática. Nessa mesma direção, mais na atualidade, situamos o
enfoque de Zeichner (1993) sobre o profissional reflexivo. Há na sua perspectiva a
possibilidade de quebrar a divisão do trabalho na escola entre os que planejam e os que
executam, entre professores e especialistas, através de um processo de investigação-ação,
conferindo à docência um sentido emancipador em direção à profissionalização.
Bons professores são, necessariamente, autônomos relativamente à sua profissão.
Não precisam que lhes digam o que hão de fazer. Profissionalmente, não dependem
de investigadores, superintendente, inovadores ou supervisores. Isso não significa
que não queiram ter acesso à idéias criadas por outras pessoas, noutros lugares ou
noutros tempos, em que rejeitem conselhos opiniões ou ajudas, mas sim que sabem
que as idéias e as pessoas só servem para alguma coisa depois de terem sido
digeridas até ficarem sujeitas ao julgamento do próprio professor. Em resumo, todos
os formadores fora da sala de aula devem servir os professores, pois só eles estão em
posição de criar um bom ensino (STENHOUSE apud ZEICHNER,1993, p.20) .
No entanto, a perspectiva de formação reflexiva tem sido usada no sentido oposto à
emancipação ou à profissionalização. Zeichner (1993) observa que as reformas educacionais
ocorridas nos Estados Unidos usam o conceito de professor reflexivo para manter a posição
de subserviência do professor sob uma perspectiva aparentemente emancipatória. De acordo
com o autor, os reformadores ao invés de incentivar o desenvolvimento autônomo do
professor, operam uma forma de inovação baseada na racionalidade técnica, incentivando os
professores a imitarem ―boas práticas‖. Por outro lado, o autor também pondera uma
tendência individualista presente nas reformas que supostamente adotam a reflexão centrada
na prática do professor individual, desconsiderando tanto as condições sociais onde o ensino
se realiza, quanto a reflexão enquanto prática social. De acordo com Zeichner (1993) o
fundamento da formação emancipatória é o processo reflexivo no coletivo que possibilita o
crescimento autônomo dos professores.
Se queremos um verdadeiro desenvolvimento dos professores, e não a fraude que
frequentemente passa por desenvolvimento dos professores, temos de rejeitar essa
56
abordagem individualista e de ajudar os professores a influenciarem coletivamente
as condições do seu trabalho. Todos esses usos do termo reflexão ajudam a criar
uma situação onde a única coisa que existe é a ilusão do desenvolvimento dos
professores. As minhas investigações levam-me a suspeitar muito da intenção
escondida por trás da retórica sobre a reflexão dos professores (p. 24).
Sacristán e Gómez (2000) observam que há também outro foco a ser considerado na
perspectiva de formação de professor: o desenvolvimento da capacidade de pensar
criticamente sobre a ordem social, o professor como intelectual transformador.
O professor/a é considerado como um intelectual transformador, com o claro
compromisso político de provocar a formação de consciência dos cidadãos da
análise crítica da ordem social e da comunidade em que vivem. O professor/a é ao
mesmo tempo um educador e um ativista político, no sentido de intervir abertamente
na análise e no debate dos assuntos públicos, assim como sua pretensão de provocar
nos alunos/as o interesse e compromisso crítico com os problemas coletivos (p.
374).
Entre nós, observamos a influência marcante das correntes que defendem a formação
dos professores numa perspectiva emancipatória e profissionalizante. A partir dos anos 1980,
os educadores organizados em sindicatos e associações20
, constroem a crítica ao modelo de
formação de professores baseado na concepção tecnicista/conteudista, e apresentam como
alternativa a concepção sócio- histórica do educador, definida por Freitas (1999, p.30) como
uma ―concepção de formação do profissional de caráter amplo, com pleno domínio e
compreensão da realidade de seu tempo, com consciência crítica que lhe permita interferir e
transformar as condições da escola, da educação e da sociedade‖.
No entanto, é a divisão e a hierarquização do trabalho na escola que prevalece. Sob
uma falsa prática reflexiva, como pontua Zeichner, os professores são expropriados da
natureza intelectual do trabalho pedagógico, experimentam a perda do controle do seu próprio
trabalho, enquanto seus conhecimentos foram sendo incorporados e subsumidos à tecnologia,
obedecendo à lógica do capital.
De acordo com Poulantzas (1985, p.61-62) a divisão entre trabalho intelectual e
manual, não se expressa na divisão entre os que trabalham com as mãos ou com a cabeça, mas
diz respeito ―às relações político- ideológicas tais como ocorre em determinadas relações de
produção [...] é no Estado capitalista que a relação orgânica entre trabalho intelectual e
dominação política, entre saber e poder, se efetua de maneira mais acabada‖.
20
A CPB (Confederação de Professores do Brasil), a ANDE (Associação Nacional de Educação), ANPEd
(Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), CEDES (Centro de Estudos Educação e
Sociedade) e a ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação).
57
O que vemos no discurso oficial de formação de professores no Brasil é a
predominância da lógica da racionalidade técnica, renovada pela idéia do professor reflexivo,
cuja política de avaliação externa é expressão da ―fraude‖ do discurso oficial sobre a
construção da autonomia dos professores. As concepções que expressam a necessidade de
superação das teses reprodutivistas e tecnicistas continuam exercendo pouca influência na
formação do professorado.
Os modelos dominantes de formação de professores se apóiam na dissociação entre a
teoria e a prática, ora com foco na teoria, ora com foco na prática. Pensar em formar o
professor para exercer a sua autonomia, filia-se ao que Sacristán e Gómez (2000) chamam de
―perspectiva de reflexão na prática para a reconstrução social‖.
Na perspectiva de reconstrução social, agrupam-se aquelas posições que, com
matizes diferentes, concebem o ensino como uma atividade crítica, uma prática
social saturada de opções de caráter ético, na qual os valores que presidem sua
intencionalidade devem ser traduzidos em princípios de procedimentos que dirijam e
que se realizem ao longo de todo processo de ensino aprendizagem. O professor/a é
considerado um profissional autônomo que reflete criticamente sobre a prática
cotidiana para compreender tanto as características do processo de ensino-
aprendizagem quando do contexto em que o ensino ocorre, de modo que sua atuação
reflexiva facilite o desenvolvimento autônomo e emancipador dos que participam no
processo educativo (p. 373).
É sobre a influência dessa corrente de pensamento que está centrado o debate contra-
hegemônico sobre a formação dos professores no Brasil. É flagrante a disputa de modelos de
formação de professores entre as entidades que representam os professores e os órgãos
oficiais, principalmente o MEC e o CNE. Enquanto os professores organizados defendem a
superação da dicotomia teoria e prática nos processos formativos escolares de alunos e
professores, o discurso oficial aponta para o desenvolvimento de competências e habilidades
para que o professor atue como agente operativo dos programas e materiais didáticos
produzidos por especialistas, centrando na figura do professor a capacidade de reproduzir
conteúdo minimizando, deixando em segundo plano a complexidade presente na atividade
prática.
De maneira que, na nossa compreensão, não há retrocesso na política oficial de
formação de professores, ocorre que a tendência tecnicista renovada pela compreensão da
formação reflexiva, mesmo de forma enviesada, tem prevalecido sobre a formação de caráter
emancipador e profissionalizante, proposta dos educadores organizados, a exemplo da
ANFOPE.
58
A formação do pedagogo da terra na visão do MST (1996), de Caldart (2004) ou de
Arroyo (2005), tem fortes vinculações com a ―perspectiva de reflexão na prática para a
reconstrução social‖ e, portanto, com os movimentos dos educadores brasileiros. Os
movimentos sociais anunciam a necessidade imperiosa de outra lógica de formação alinhada à
idéia do professor enquanto intelectual transformador, o que no nosso entendimento, não pode
ser prerrogativa para a formação do educador do campo, mas sim para a formação de todos os
professores numa perspectiva de autonomia e compromisso social.
Essa necessidade é mais do que um ajuste curricular para dar conta das questões
agrárias ou agrícolas e das quais a educação não pode dar conta, ou mesmo uma mudança nas
ementas das disciplinas, nos remete a uma proposta capaz de formar o professor como um
intelectual transformador, que necessariamente precisa, concordando com Brzezinski (1997),
de um processo formativo cujo objetivo seja pensar criticamente a ordem social, ter
conhecimento específico da sua área, articulado ao conhecimento socialmente produzido, de
modo a perceber as relações existentes entre as atividades educacionais e a totalidade das
relações sociais, econômicas, políticas e culturais em que o processo educacional ocorre.
2.2 Tendências contra-hegemônicas e a pedagogia da terra
A pedagogia da terra que tratamos aqui não pode reduzir-se a uma perspectiva
ecológica, ligada aos problemas do meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. É mais
do que isso, representa uma ―identidade de resistência‖ criada pelo MST para afirmar o
pertencimento dos estudantes dos cursos de Pedagogia ao movimento dos sem – terra e, de
certa maneira, assegurar a continuidade desse vínculo com o movimento e com a terra durante
e após o curso.
O PRONERA, desde a sua criação passará a apoiar a oferta de cursos de nível superior
pelas instituições de ensino superior públicas, para os assentados da reforma agrária. Molina21
(2004, p.79) define o PRONERA como:
[...] um programa de âmbito nacional, mas que considera a diversidade cultural de
cada região e a organização política econômica e social de cada assentamento e vem
contribuindo para fortalecer parcerias em regime de co-participação nas diversas
fases de desenvolvimento dos projetos e de co-responsabilidade dos seus resultados;
propõe e estimula a participação de diferentes sujeitos sociais como protagonistas
21
Mônica Castagna Molina coordenou o PRONERA, em nível nacional, no período 2002-2006.
59
das práticas educativas reelaborando permanentemente a abrangência e o conteúdo
da Educação do Campo como política pública.
Jesus22
(2004), ao discutir sobre o PRONERA e as relações Estado e sociedade, aponta
o modelo oligárquico, patrimonialista e burocrático do Estado, e suas políticas marcadas pela
marginalização social e política das classes populares, reconhece os limites de uma política
pública que nasce com os movimentos sociais e organiza-se na esfera do Estado:
Um programa de educação que nasce da luta pelo direito à educação, tem como
princípio educativo a transformação social, recupera nele próprio, os valores da
modernidade como a liberdade a igualdade, autonomia, a subjetividade, a justiça e a
solidariedade, provocando turbulência nas próprias relações no interior do Estado
[...]. Pode ser considerado uma política que se desenvolve pelas brechas deixadas
pela crise do Estado, porque favorece uma experiência democrática, que nasceu da
base dos movimentos sociais do campo, com interesse de romper com um
conhecimento hegemônico congelado [...] para criar novas formas de conhecimento-
como-emancipação [...] é na ação pedagógica que, em cada região e assentamento
ou acampamento desse país, esse conhecimento-emancipação vai ganhando forma
(JESUS, 2004, p. 90-94).
Assim, mais do que um órgão financiador da educação na reforma agrária, será um
aliado dos movimentos sociais do campo na construção da educação do campo, como
mediador na disputa política entre o Estado e os movimentos sociais. Desse modo, o
PRONERA assume a educação do campo como política de educação da reforma agrária e as
parcerias necessárias para a consolidação dessa política. A parceria com as universidades para
formar os assentados da reforma agrária em cursos de Licenciaturas, Pedagogia, Agronomia e
outros, apesar do tencionamento, é considerado por Molina (2004) como frutífero em função
das mudanças que provocam tanto nas universidades quanto nos movimentos socais.
Os cursos ofertados pelas universidades com apoio pedagógico e financeiro do
PRONERA receberam estrategicamente o tratamento de ―cursos especiais‖, para que
pudessem tratar de maneira diferenciada o concurso vestibular, a metodologia de oferta do
curso e/ou a matriz curricular. O vestibular, por exemplo, é realizado à parte do processo
seletivo geral, tem como critério de inscrição a vinculação com a reforma agrária, ser
assentado ou filho de assentados, ficando fora da concorrência do processo seletivo geral,
concorrendo entre seus pares e, garantindo a possibilidade de formação dos assentados.
A maneira como os movimentos sociais passaram a se relacionar com o Estado,
principalmente através da participação na comissão pedagógica do PRONERA, foi abrindo
22
Membro da Direção Executiva do PRONERA no período de 2002 a 2006.
60
brechas para a ―ocupação pedagógica‖ do próprio Estado, tendo ao seu favor o apoio de
parcela dos funcionários do próprio INCRA, e de grupo de professores universitários.
Nesse sentido, consideramos importante observar a relação do Estado com a história
das lutas políticas dentro do capitalismo. Polantzas (1985) foi a nossa bússola contra a
concepção economicista e mecanicista de Estado. Partindo da tese marxiana na qual a base
real do Estado não é criada pelo poder do Estado, mas pelas relações sociais de produção, o
autor avança sobre a compreensão marxiana de que a conquista pela burguesia do poder
político transforma o Estado em um ―comitê para administrar os negócios comuns de toda
classe burguesa‖ (MARX, 2008, p.47).
A ação do Estado na visão de Poulantzas (1985) ultrapassa a repressão ou a ideologia.
O Estado tem a função também de
[...] organizador em relação às próprias classes dominantes e consiste também em
dizer, formular, declarar abertamente as táticas de reprodução do seu poder. O
Estado não produz um discurso unificado, e, sim, vários discursos encarnados
diferentemente nos diversos aparelhos de acordo com a classe a que se destinam;
discursos dirigidos às diversas classes. Ou então produz discurso segmentar e
fragmentado segundo as diretrizes da estratégia do poder (p. 37, grifos do autor).
Os movimentos sociais do campo transformaram o PRONERA numa trincheira, num
lugar de legitimação da formação dos seus quadros ao mesmo tempo em que foram ampliando
a proposta vinculada à luta pela terra à direção de uma educação no e do campo, buscando
fortalecer a luta pela escola agregando outros sujeitos do campo organizados ou não em
movimentos sociais.
Esse nos parece ter sido o substrato material do consenso possível na relação dos
movimentos sociais do campo, particularmente o MST, com o Estado na produção da
educação da reforma agrária, sob a bandeira da educação do campo. Ao tomarmos a
concepção de Estado de Poulantzas, veremos que habilmente os movimentos através do
PRONERA buscaram conciliar os seus interesses, enquanto representantes dos trabalhadores
rurais sem-terra, com os interesses do Estado, representados pelas instituições que foram
sendo envolvidas no debate da educação do campo: INCRA, Ministério dos Transportes,
MEC, além da UNESCO, UNICEF, CNBB e as universidades, de maneira a incluir o campo
na agenda pública da educação nacional e dar visibilidade ao rural como ―lugar esquecido‖
fruto do modelo de desenvolvimento da economia brasileira.
Assim, o MST e a FETAG, movimentos sociais do campo com assento na comissão
pedagógica do PRONERA, aliados aos professores universitários comprometidos com a
61
reforma agrária e também integrantes das comissões do PRONERA, vão incorporando ao
Manual de Operações que regula os convênios entre as universidades e o INCRA, ações que
afirmem e garantam as condições necessárias de acesso e permanência dos trabalhadores
rurais nas universidades, a exemplo do que deve ser financiado (passagem, hospedagem,
alimentação, etc..) do vestibular especial, da pedagogia da alternância. Essa relação política
de disputa já produziu três edições do Manual de Operação (2001, 2004, 2010). Cada vez que
o pêndulo vai à direção dos movimentos ou do Estado, são incorporadas novas determinações
para disciplinar os convênios entre o INCRA e as instituições de ensino.
Em 2003 foi instituída uma parceria do PRONERA com o MEC em função de
construir a política de educação do campo. É então criado Um Grupo Permanente de Trabalho
– o GPT de Educação do Campo, o qual já nos referimos na primeira parte desse trabalho.
Esse Grupo contou com a representação dos movimentos sociais do campo [...] ―formado por
uma ampla composição institucional no âmbito do MEC e com a efetiva participação de
representantes de outros órgãos do governo, de organizações e instituições da sociedade civil
que atuam na área de educação do campo‖ (RAMOS; MOREIRA; SANTOS, 2004, p.9).
O texto desse documento incorpora parte do discurso do MST sobre a educação do
campo: reconhece a educação como estratégia do desenvolvimento territorial sustentável,
assumindo a identidade da escola do campo a partir dos sujeitos sociais a quem se destina
(agricultores, assentados, ribeirinhos, extrativistas, pescadores, indígenas, quilombolas). O
mesmo acontece em relação aos princípios: a escola articulada a um projeto de emancipação
humana, vinculada à realidade dos sujeitos; a valorização dos diferentes saberes, o
reconhecimento dos espaços e tempos de formação dentro e fora do espaço escolar, a
educação como estratégia para o desenvolvimento sustentável, autonomia e colaboração entre
os sujeitos do campo e o sistema nacional de ensino. Ainda se propõe a garantir a
universalização da escola básica, remunerar de forma diferenciada os educadores/as do campo
e garantir a qualidade da educação do campo (RAMOS; MOREIRA; SANTOS, 2004).
Em 2005, o professor Miguel Arroyo, apresenta no GPT um documento sob o título
―Formação de educadores e educadoras do Campo‖ cuja finalidade foi ―apontar elementos
para uma política pública de formação de educadores (as) do campo a partir da história
acumulada pelos movimentos do campo em suas diversas experiências de
formação23
(ARROYO, 2005, p. 01).
23
Esse texto foi apresentado por Miguel Arroyo, como texto base da reunião ampliada do Grupo Permanente de
Trabalho Educação do Campo, em 2005 (texto mimeo).
62
Arroyo questiona o caráter universalista das políticas existentes e se coloca a favor de
políticas afirmativas que corrijam o distanciamento histórico da formação dos profissionais do
campo, preservando a garantia de qualidade do direito à educação e do direito docente à
qualificação. O autor ressalta a necessidade de levar em conta causas históricas que provocam
instabilidade e rotatividade do magistério no campo:
Dar centralidade às condições e processos de trabalho pressupõe reconhecer que o
trabalho é formador ou deformador, que as políticas de formação são inseparáveis de
políticas que tornem o trabalho docente formador [...] mantida a instabilidade de
suas condições de trabalho no campo a nova titulação será um incentivo para
abandoná-la e transferir-se para as escolas urbanas (ARROYO, 2005, p. 03).
O autor denuncia que a realidade da educação no meio rural é conseqüência de uma
cultura política e educacional e não pelos motivos explicitados no discurso oficial que remete
a falta de ações às distâncias ou à dispersão da população. Sob esse pretexto, estados e
municípios tem adotado uma prática de fechamento das pequenas escolas rurais, apoiados
pelo programa ―Caminho da Escola‖ lançado em 2007 pelo MEC, por meio do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), tem como objetivo atender os alunos da
zona rural com apoio do transporte escolar, resultando no fechamento de aproximadamente 8
mil escolas rurais até o ano de 201024
. Essa ação nomeada pelas secretarias municipais de
educação de Sergipe, de política de nucleação, é justificada pelo MEC como forma de atacar
problemas crônicos da educação no meio rural, melhorar a oferta de educação aos que vivem
nos povoados, através da disponibilização de vagas em escolas com maior e melhor estrutura,
representa uma estratégia que ao mesmo tempo em que promete a oferta do ensino
fundamental completo à população rural e a substituição das classes multisseriadas, favorece
a migração do jovem do campo para a cidade. Para Arroyo (2005, p.07),
O descuido do campo não é devido ao atraso de políticas e de políticas tradicionais é
fruto da racionalidade econômica moderna que não aconselha a aplicar recursos nos
espaços e empreendimentos econômicos e sociais atrelados ao atraso [...]
Conseqüentemente, as políticas de educação e de formação se debaterão com duas
tarefas: de um lado superar os velhos estilos e velhas lógicas ainda dominantes na
visão e no trato dos povos do campo e, de outro lado, criar novos estilos embasados
em novas lógicas e em novas imagens dos direitos dos povos do campo. Políticas
atreladas a um outro Projeto de campo no projeto de Nação.
Arroyo aponta a necessidade de políticas permanentes de formação para os professores
do campo, ao invés do caráter supletivo e emergencial dos currículos adaptados às
24
Dado apresentado pela Profª Monica Molina no IV Seminário do PRONERA, realizado em Brasília em
novembro de 2010.
63
peculiaridades do campo, a exemplo do calendário agrícola. Defende que os educadores da
educação do campo deveriam ser formados em centros de formação com forte vínculo na
dinâmica social e cultural do campo, propiciando uma visão positiva do campo. Propõe uma
redefinição do currículo que forneça elementos para: conhecer a história de negação e
afirmação desses direitos especificamente à educação, ao conhecimento à cultura; ter lúcida e
fundamentada compreensão das carências educativas a que são submetidos milhões de
crianças, adolescentes, jovens e adultos; conhecer os processos sociais e culturais pelos quais
as diversidades se convertem em desigualdades; compreender os diversos pertencimentos
étnicos e raciais, as identidades históricas, culturais dos afro-descendentes e dos povos
indígenas. Formar educadores (as) capazes de intervir no campo como uma totalidade.
Na direção da proposta que nos apresenta Arroyo nesse documento dois aspectos
chamam a nossa atenção: o primeiro é apresentar o vínculo com a dinâmica social e cultural
como algo específico à formação dos educadores do campo. Acreditamos que esse vínculo
com a realidade da vida e de trabalho deveria perpassar o processo de formação dos
educadores em geral, afinal a classe popular urbana é em grande maioria constituída de
imigrantes do campo, os sem trabalho estável, os sem moradia digna, enfim são os que, em
geral, fracassam na escola em conseqüência das relações capitalistas (PATTO, 1981).
O segundo aspecto, que de certo modo está contido no primeiro, diz respeito às
questões minimizadas por Arroyo. Entendemos que elas são os condicionantes do que o autor
chama de ―descuido‖ da política de educação com o campo. É fato que a falta de política de
educação para o campo diz respeito à racionalidade econômica; que a política de nucleação
escolar, incentiva a migração; que a falta de articulação entre políticas de formação e garantia
das condições e processos de trabalho, incentivam a instabilidade e a rotatividade do professor
nas escolas do campo. Sobre quais condições materiais objetivas pensamos em intervir e
mudar a direção da política pública de formação de professores para a educação do campo? O
que é possível fazer?
Nesse sentido, Jesus (2005) ressalta que a participação popular é fundamental e
estratégica na luta por políticas públicas, em geral, e pela educação do campo, em particular.
O ponto de partida do debate, no entendimento de Jesus (2005, p.12) seria discutir a
―reprodução local de um modelo global que provoca exclusão e subordinação do campo e da
cidade‖. Para a autora, o fortalecimento da noção de direito construído pelos sujeitos sociais
na luta pela reforma agrária, nos processos de resistência e a organização política e social dos
quais participam, poderia transformar a escola em um espaço de construção de alternativas ao
modelo de desenvolvimento, através do diálogo entre saberes e conhecimentos.
64
É possível incorporar as experiências educativas dos movimentos sociais do campo, a
pedagogia do movimento, por exemplo, à política de formação dos educadores do campo?
Jesus (2004, p. 91-99) pondera:
[...] depende do grau de participação dos sujeitos na organização curricular dos
diferentes cursos que interferem diretamente na forma burocrática, homogênea e
congelada de currículo escolar [...] a educação para avançar precisa estar articulada a
um desenvolvimento local e regional construído pelas comunidades locais. A
dificuldade de ampliar a participação e, conseqüentemente, a responsabilidade social
é o que provoca ações pontuais, não permanentes e ineficientes.
Caldart (2005, p.25) defende uma concepção ampliada de educador, mais do que
aquele que ―dá aula‖ é o que pensa a formação na escola, na família, na comunidade. A autora
aponta alguns indícios como referência para construção de um currículo para a formação do
educador do campo: diálogo da teoria pedagógica com as questões universais da pedagogia e
da educação, principalmente a tradição pedagógica crítica cuja finalidade é a emancipação;
diálogo com a Pedagogia do Oprimido de Freire; diálogo com a pedagogia do movimento, ou
seja, com as experiências educativas dos próprios movimentos sociais.
Para Caldart (2004), a pedagogia do movimento seria a amálgama para a construção
de intelectuais orgânicos do movimento do campo. Segundo a autora, as aprendizagens
forjadas na luta, na organização dos trabalhadores para conquista da terra e para torná-la
produtiva, produz o movimento ―educador‖, como ―sujeito pedagógico‖ que atua
intencionalmente no processo de formação dos sujeitos que dele participam (IBIDEM, p.
315). A pedagogia do movimento é a escola da vida que ―forma os sem-terra no processo
histórico e no cotidiano de sua luta e de sua organização‖ (IBID, p.401)
Encontramos no pensamento gramsciano essa visão ampliada de educação, na qual o
processo educativo não se reduz à instrução, ou ao que se aprende na escola, mas
principalmente, ao que aprendemos com a vida, com o partido político, com os movimentos
de resistência. Essa é a tarefa histórica que, segundo Caldart (2004, p.317), a pedagogia do
movimento toma para si: através da luta contra o latifúndio, resgata a humanidade dos
sujeitos. De acordo com sua análise, trata-se de pensar o movimento social como princípio
educativo, como uma experiência humana de ―ser do MST‖, ou ser ―sem – terra‖. Para a
autora, a luta não é só pela escola é também pela ―ocupação pedagógica da escola‖, cuja meta
é aproximar as escolas conquistadas à pedagogia do movimento.
Quando o MST (1996, p.7) defende que os processos educativos devem levar em
conta a realidade de vida e de trabalho do meio rural, vai contra a forma como a escola está
65
organizada, que além de reproduzir um conhecimento urbano, se organiza contrária às formas
de ser e estar no campo, ou seja, a autonomia própria do trabalho do campo que se opõe aos
ritos do trabalho de fábrica. As regras que disciplinam as condutas escolares, presente
também na escola do campo, desenvolve hábitos contrários ao trabalho do campo, cujo tempo
não é controlado por um toque de sirene, mas sim pelo nascer do sol, que regula inclusive o
tempo de trabalho.
Enguita (1989, p.221), ao discutir a relação dos modos de produção social e a
educação, observa que com o desenvolvimento do capitalismo o objetivo principal da escola
foi a substituição de condutas e valores da sociedade agrária a outras adequadas à sociedade
industrial. Ele observa que o trabalho do agricultor traz uma condição de autonomia diferente
do trabalho de fábrica. Enquanto o trabalho agrícola está condicionado às condições
climáticas, à luz do sol e aos ciclos agrícolas, o trabalho industrial condiciona-se à
pontualidade e às marcações do tempo de trabalho. Nesse sentido, as condutas e valores
próprios ao trabalho de fábrica que são aprendidas na escola não seriam adequados, por
exemplo, às crianças e jovens filhos dos assentados e dos pequenos agricultores.
Gramsci (1982) vai mais além, ele afirma que a escola não forma adequadamente o
trabalhador do campo e que a lógica diferenciada que produz a vida no campo, acaba criando
problemas de adequação do estudante à própria dinâmica escolar. O autor diz que a
adequação das crianças e jovens à escola é uma questão relacionada tanto a posição do sujeito
na sociedade, quanto do lugar onde ele se situa: campo ou cidade.
A questão é complexa. Por certo, a criança de uma família tradicional de intelectuais
supera mais facilmente o processo de adaptação psicofísico. [...] o filho de um
operário urbano sofre menos quando entra na fábrica do que um filho de camponês
ou do que um jovem camponês já desenvolvido pela vida rural (GRAMSCI, 1982, p.
139).
Esse suposto descompasso responde ao atrelamento da educação escolar à reprodução
do sistema produtivo, o contrário disso seria a vivência do trabalho como princípio educativo,
o que se opõe às estratégias da escola para a formação do trabalhador de acordo com as
necessidades do capital. Por isso, para Pistrak (2000) na escola burguesa o trabalho aparece
como algo abstrato. Diante da necessidade de formar o homem para assegurar a revolução, na
educação bolchevique, o trabalho estará no centro do currículo.
Desse modo, mais do que uma proposta específica de educação agrária ou agrícola, os
movimentos sociais do campo reivindicam uma educação que mantenha um vinculo orgânico
com a realidade social, para fortalecimento da identidade dos trabalhadores, como sujeitos do
66
campo, como trabalhador do campo. Para isso reivindicam um processo formativo de
pedagogos e professores que dê conta de uma concepção pedagógica ao estilo freireano:
tornar o político mais pedagógico (pedagogia do movimento) e o pedagógico mais político
(pedagogia da terra). Situamos essa concepção de formação no campo da disputa de projetos
político-pedagógicos de educação/formação cujas condições materiais desse novo projeto de
educação, atrelam-se às condições objetivas de construção de um novo projeto de
desenvolvimento para o campo.
A oferta dos cursos especiais nas universidades provoca a necessidade de adequar as
regras e as normas do sistema acadêmico às condições especiais de oferta dos cursos. O
primeiro obstáculo a ser superado foi encontrar uma metodologia de funcionamento do curso
capaz de garantir a participação dos trabalhadores rurais nos cursos universitários. Na forma
como as universidades se organizam não cabem os trabalhadores, muito menos os que vivem
na zona rural distante da capital, onde em geral situam-se as instituições de ensino superior.
Além disso, foi necessário redefinir os tempos e os espaços de aprendizagem, para que parte
da carga horária fosse dedicada às aprendizagens realizadas nas comunidades de origem dos
estudantes.
Os movimentos sociais do campo trouxeram para as universidades a necessidade da
superação de velhas dicotomias dos processos formativos usuais, a exemplo da teoria-prática,
conteúdo-forma, ensino-pesquisa, professor-aluno. Essas preocupações geraram amplos
debates nos anos 1980 e início dos anos 1990 (VEIGA, 1989; OLIVEIRA, 1995). Nesse
debate a educação deveria ser concebida como parte do conteúdo global da sociedade e por
isso mesmo a escola deveria ser parte integrante do todo social na qual a prática pedagógica
como prática social trata o processo de ensino como um processo em movimento onde os
aspectos acima citados encontram-se relacionados.
A tarefa principal e mais complexa do professor é garantir a unidade entre as
relações: ensino aprendizagem, ensino e pesquisa, conteúdo e forma, professor e
aluno, teoria e prática, escola e sociedade, finalidades e objetivos. A unidade entre
essas relações não significa simplicidade. Essas relações devem convergir para uma
mesma preocupação, uma vez que cada uma delas separadamente, não pode explicar
e compreender a totalidade do processo de ensino. Essas relações formam uma
unidade, nenhuma delas podendo ser considerada isoladamente e, portanto,
mecanicamente (VEIGA, 1995,p.82)
Nesses anos a idéia de uma pedagogia crítica (GADOTTI, 1983), contrapõe-se à
pedagogia tecnicista dominante. A idéia força da pedagogia crítica é a articulação dos
problemas educacionais ao contexto histórico, sendo a questão central a formação do homem,
67
comprometida com os interesses populares, ao contrário da escola que se organiza como
espaço de negação e dominação, cuja função é reprodução da estrutura social, através da
manutenção do status quo. É precisamente a pedagogia crítica que vai defender a articulação
das relações presentes no trabalho pedagógico visando promover a politização do futuro
professor através do desvelamento das contradições presentes no processo educativo. De
acordo com Veiga (1989, p.39), a pedagogia crítica deveria compreender uma didática crítica
como forma de ―superar o intelectualismo formal do enfoque tradicional, evitar os efeitos
espontaneistas escolanovistas, combater a orientação desmobilizadora do tecnicismo [... ].
Procura ainda compreender e analisar a realidade social onde está inserida a escola‖.
Desse modo, o fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, foi um período propício à
expressão do pensamento pedagógico contra-hegemônico, que contou com o engajamento de
grupo de professores e de setores da sociedade brasileira, uma vez que vários segmentos
estavam favoráveis à superação do autoritarismo político exercido pela Ditadura face à
necessidade de reconstrução da sociedade em bases democráticas. No entanto, o movimento
dos educadores não teve força suficiente para se impor diante das reformas de ensino
neoliberais, conservadoras, que foram implantadas pelos governos eleitos após o advento da
superação da Ditadura Militar, substituída pela Nova República, nas quais prevaleceu o
utilitarismo, o imediatismo da formação e a desqualificação do trabalho do professor. Para
Saviani (2008ª, p. 451), ainda que esta seja a orientação dominante na política educacional, as
análises críticas e os focos de resistência persistem e ―tendem a se fortalecer, neste novo
século, à medida que os problemas se agravam e as contradições se aprofundam evidenciando
a necessidade de mudanças sociais mais profundas‖.
A nossa aproximação aos movimentos sociais do campo, faz parte do movimento
individual e coletivo de resistência às políticas neoliberais, ao neotecnicismo e ao
produtivismo em educação, porque entendemos que somente organizados é que poderemos
mobilizar os diversos segmentos da sociedade em defesa de uma educação pública de
qualidade, para todos, do campo e da cidade. Sabemos que não basta que uma proposta
pedagógica mantenha vínculos com idéias contra-hegemônicas para que ela se concretize, são
várias as implicações que se interpõem entre o pensado e o realizado; entre a escola ideal e a
real; entre a formação e as condições de trabalho.
No caso do curso de Pedagogia da UFS para os sem-terra, apesar da vontade e da
compreensão de favorecer os trabalhadores do campo da maioria dos professores envolvidos,
faltam as condições objetivas para a ação coletiva de pensar as dificuldades trazidas para a
universidade pelos alunos fruto da formação anterior; de discutir a proposta, os princípios e
68
fundamentos do curso, inclusive a questão teoria-prática; de planejar a alternância dos tempos
de aprendizagem e avaliar as ações e estratégias adotadas. A esse respeito, podemos observar
o que tem acontecido com a proposta de organização do curso de Pedagogia da UFS para a
reforma agrária em relação aos tempos de estudo. Na ―pedagogia da alternância‖, como
proposta de práxis pedagógica, cujo foco era promover a articulação da teoria à prática,
através da integração entre tempos de estudo (tempo escola e tempo comunidade),
apostando num processo formativo vivenciado como práxis, na prática prevalece a lógica dos
currículos dos cursos universitários. Neles o conhecimento é divido em disciplinas, com suas
ementas e cargas horárias previamente determinadas; organizado em função de pré-requisitos,
justaposição e fragmentação, o que acaba sacrificando a atitude interdisciplinar no tratamento
de temas que envolvem principalmente problemas relacionados à realidade dos sujeitos, ou
seja, tendem a reduzir o tempo comunidade à realização de tarefas para complementação da
carga horária das disciplinas. Por outra parte, a lógica que separa o estudo da vida, presente na
organização do ensino universitário, não conhece nem reconhece as vivências na comunidade
como momentos de conhecimento e de aprendizagem. Assim, a ―pedagogia da alternância‖,
como metodologia do curso, não cumpre a função de potencializar a práxis formativa, uma
vez que a práxis não se expressa na divisão dos tempos em si, mas sim no que se faz neles.
Fernandes (2009), ao investigar a segunda turma (2004) do curso de Pedagogia da
UFRN para os beneficiários da reforma agrária identifica que a ―pedagogia da alternância‖ é
apresentada no projeto pedagógico do curso como eixo articulador entre a realidade do campo
e o conhecimento universitário. No entanto, a pesquisa constata que não é o que acontece no
plano real, ao invés de estreitar o vínculo dos estudantes com suas comunidades de origem
para que os processos educativos sejam compreendidos e transformados em uma perspectiva
de vivência coletiva, ao contrário, é visto pelos próprios estudantes como algo penoso, vazio
de sentido e significado. Nesse caso, o real vai se distanciando do ideal não só porque os
professores universitários reproduzem métodos tradicionais de conhecer, fragmentados e
desarticulados, mas também porque falta aos estudantes autonomia, protagonismo, iniciativa,
ou seja, falta também a lição do ―aprender a ser‖, conforme preceitua Caldart (2004a) na sua
pedagogia do movimento.
Essas são questões fundamentais para reflexão sobre processo de formação dos
pedagogos em geral e, em particular, do pedagogo da terra. No plano real, a disciplinaridade
prevalece; o conhecimento científico apresenta-se como imune à dimensão política, social,
econômica e existencial, por isso as atividades do movimento não são consideradas como
tempo de formação. A nossa experiência com a pedagogia da alternância na UFS, indica que
69
o tempo comunidade, quase sempre é tempo para executar trabalhos propostos pelos
professores de cada disciplina, sem uma preocupação de articulação desses trabalhos em
função de uma compreensão interdisciplinar da realidade. Isso não quer dizer que não existam
grupo de professores que se integram em função de transformar a alternância em práxis, mas
também não podemos afirmar que essa prática tenha sido uma constante no nosso curso.
O sentido de educação e de formação mais ampla no qual a aprendizagem resulta da
própria luta pela terra, que ao mesmo tempo se descentra da escola e se volta para ela, é
explicitado pelo MST (1996, p.5) pela necessidade não só de garantir o direito à educação
escolar, mas também pela necessidade de formação de quadros para o conjunto da luta dos
trabalhadores, numa perspectiva de totalidade, contra a visão setorial, no combate aos pacotes
agrícolas e educacionais (CALDART, 2005).
Essa concepção de formação esteve presente no debate pedagógico contra-
hegemônico. Pensar o professor como um agente de transformação da realidade, como sujeito
da práxis educativa, é também ir à direção contrária à proletarização do trabalho docente.
Henry Giroux (1997), encaminhou esse debate afirmando os professores como intelectuais
transformadores em contraposição ao simples papel de executor de procedimentos de
conteúdo predeterminados como parte da reforma educacional neoliberal dos anos 1990.
O apelo pela separação de concepção e execução; a padronização do conhecimento
escolar com interesse de administrá-lo e controlá-lo; e a desvalorização do trabalho
crítico e intelectual de professores e estudantes pela primazia de considerações
práticas [...]. Em vez de aprenderem a refletir sobre os princípios que estruturam a
vida e prática em sala de aula os futuros professores aprendem metodologias que
parecem negar a própria necessidade de pensamento crítico [...] Em vez de
aprenderem a levantar questão a cerca dos princípios que subjazem os diferentes
métodos didáticos, técnicas de pesquisa e teoria da educação, os estudantes com
freqüência preocupam-se em aprender ‗como fazer‘, ‗o que funciona‘ ou o domínio
da melhor maneira de ensinar um ‗dado‘ corpo de conhecimento (GIROUX, 1997,
p.159)
O que Giroux (1997) denuncia é que a racionalidade instrumental incorporada à
educação, à formação dos professores, tira da atividade docente a condição de trabalho
intelectual, a condição de o professor ser capaz de determinar seu próprio trabalho, de
produzir materiais curriculares adequados aos contextos culturais e sociais nos quais ensinam.
Sem essa condição os professores serão meros repassadores de materiais pedagógicos
construídos por especialistas. A tarefa de formar professores como intelectuais
transformadores, de acordo com Giroux, aproxima-se do princípio gramsciano de formação
de um ―intelectual de novo tipo‖, ambas proposituras se esbarram no processo de divisão de
70
trabalho, na qual os professores têm pouca influência sobre as condições ideológicas e
econômicas de seu trabalho. O pensamento pedagógico contra-hegemônico defendeu que o
processo de formação de professores fosse o momento de construção de forte consciência da
realidade e de sólida fundamentação teórica que permitisse ao professor interpretar e interferir
nessa realidade.
A concepção de educação contra-hegemônica trouxe para o debate pedagógico a
necessidade de que a relação teoria e prática fosse o centro das propostas pedagógicas dos
processos formativos escolares de alunos e professores; que o trabalho fosse tomado como
princípio educativo, concebendo a escola como espaço de formação da pessoa e não como
preparação para o mercado de trabalho; da intrínseca relação da educação com a sociedade em
que se realiza e, portanto, da urgência de pensar uma escola não só para todos, mas para o
êxito de todos. Uma perspectiva de formação que desse conta da dimensão emancipadora da
educação. Apresentou a idéia gramsciana de formação de um ―intelectual de novo tipo‖. Os
educadores progressistas brasileiros buscaram, de acordo com Silva (1992), resgatar na figura
do professor o papel de intelectual-dirigente preparado para,
[...] atuar como intelectual dirigente, marcado pela consciência política, capaz de
pensar criticamente a realidade e se manter vinculado à classe trabalhadora,
comprometido com a sua luta política e com o esforço de ajudá-la a também pensar
criticamente essa mesma realidade e a se manter organicamente coesa [...] o
educador precisa estar instrumentalizado, não apenas com os recursos pedagógicos,
mas com o exercício da prática política (p. 14).
Enfim, as demandas dos movimentos sociais do campo para formação do pedagogo da
terra vêm reafirmar e recolocar no centro do debate nacional a disputa pela hegemonia dos
projetos de formação com foco na educação do campo. A concepção de formação presente no
discurso de Caldart e Arroyo para a formação dos educadores do campo se aproxima ao
pensamento pedagógico contra-hegemônico: ―uma concepção de educador que permita uma
sólida formação científica, técnica e política, viabilizadora de uma prática pedagógica crítica e
consciente da necessidade de mudança na sociedade brasileira‖ (BRZEZINSKI, 1997, p.24).
Esse ideal de formação incorporado ao texto de projetos pedagógicos do curso de
Pedagogia da UFS explicita um descompasso entre o idealizado e sua concretização. O curso
regular de Pedagogia da UFS enfrentou um duro embate de três anos (1991-1994) entre a
proposta de reformulação e a aprovação, seis anos depois, quando avaliado, constatou-se que
71
o pensado, na sua essência, não conseguiu sair do papel25
. O real apresenta resistência à
práxis, inclusive o real das limitações pessoais. O exercício docente enquanto práxis fica a
cargo dos professores mais envolvidos com a realidade do campo, com a
pesquisa/extensão/vínculo de origem com a escola pública, esses são capazes de estabelecer a
ponte teoria-prática, realidade escolar com a sua disciplina para levar os alunos à análise e
ações transformadoras daquela realidade ao longo do curso. O ideal seria, a cada período,
professores e alunos escolherem um tema ou subtema para o qual todas as disciplinas daquele
período contribuíssem, subsidiados metodologicamente pela pesquisa-ação, o que implicaria
na necessidade de estudo e planejamento coletivo. O fato é que a própria dinâmica
universitária, a forma de conceber e organizar o ensino, sem falar na sobrecarga de trabalho a
qual estão submetidos os professores, dificulta as reuniões para planejar o trabalho
coletivamente, acaba inviabilizando as condições objetivas da práxis.
Como bem pontua Arroyo (2005), as políticas de formação são inseparáveis de
políticas que tornem o trabalho docente formador. A falta uma política de valorização
profissional, de melhoria das condições de trabalho e da qualificação dos educadores, são
aspectos determinantes para que os processos de formação contribuam para a (re)construção
da escola pública de qualidade social. Esses seriam aspectos da uma política diferenciada da
que tem sido levada a cabo pelos governos da ―Nova República‖.
Desde então, as orientações do MEC para a formação dos professores tomam como
parâmetros as propostas do Banco Mundial seguindo o receituário neoliberal: ajuste estrutural
do Estado, com o favorecimento da iniciativa privada no âmbito da formação dos professores;
formação em massa, através da educação à distância; ambigüidade do lócus de formação
(institutos, faculdades, universidades, centros educacionais) e de projetos formativos (Curso
Normal Superior e Curso de Pedagogia); ênfase na capacitação pedagógica, focada nas
habilidades e competências de responsabilidade individual, de cada professor.
A política nacional de formação de professores vai à direção da proletarização do
trabalho docente, trabalho esse que precisa ser controlado, avaliado sobre a noção de
competência, centrada na valorização da inteligência prática. O modelo da profissionalização
e qualificação no processo de modernização capitalista atual é substituído pelo modelo da
competência. Mesmo que tanto um modelo, quanto o outro, digam respeito ao trabalho
25
De acordo com o Relatório de Avaliação do Currículo do Curso de Pedagogia, apresentado pelo Colegiado do
Curso no ano 2000.
72
alienado26
, a qualificação profissional valorizou a formação teórica apesar de seus reflexos
sobre a proletarização da profissão, possibilitou a organização e ação coletiva dos educadores,
através dos sindicatos, para reconquistar a dignidade pessoal, profissional e coletiva. Ao invés
disso, o modelo de formação pautado na ―pedagogia das competências‖, como um bem
privado do trabalhador, realçando o caráter individual, põe em questão o sentido coorporativo
da profissão e sua representação trabalhista – os sindicatos.
De acordo com Ramos (2002), a ―pedagogia das competências‖ aprece como um
fenômeno, como algo concreto produzido pelas relações sociais de produção, nas escolas e
nas instituições de formação. As relações capitalistas de produção atuais se sobrepõe à noção
de qualificação, como resposta à flexibilização da produção e reestruturação das ocupações.
Para a autora (IBIDEM, p.39), enquanto o modelo taylorista-fordista produziu a categoria da
qualificação, a modernização tecnológica, produziu a desespecialização dos operários
profissionais gerando a noção de competência, reordenando a compreensão da relação
trabalho-educação, institucionalizando novas formas de educar/formar.
Nessa linha de análise a qualificação como relação social representava certa
estabilidade (posto de trabalho, diploma, profissão), a competência, representa flexibilização.
A qualificação remete a técnicas que compõem um processo produtivo, pressupõe o domínio
de um ofício, daí seu caráter profissional. A competência ao contrário, remete à subjetividade
do trabalhador, é um bem do trabalhador. Com o enfraquecimento das dimensões da
qualificação pela noção de competência, a articulação entre trabalho e formação é posta em
xeque:
A solidez de alguma dessas relações – mundo do trabalho e sistema educativo,
organização e conteúdo das atividades educativas, validação e reconhecimento de
saberes e das capacidades profissionais, modalidade de recrutamento e de gestão das
carreiras – fluidificam-se para tomar a forma de práticas referentes à competência,
que fundam a relação trabalho educação sobre novas bases (também instáveis) e
recorrem freqüentemente aos recursos e procedimentos individualizantes (RAMOS,
2002, p.64).
Desse modo a noção de competência passa a ser uma categoria estruturante na
legislação oficial que rege a formação de professores, centrado na supremacia da prática sobre
a teoria, privilegiando as dimensões subjetivas do trabalho do professor, tais como:
assiduidade, iniciativa, criatividade e outras similares. A ―pedagogia das competências‖
representa o neotecnicismo em educação, ou seja, o ―novo‖ modelo de empresa transposto
26
De acordo com o pensamento marxiano, trabalho que produz mercadoria e produz o trabalhador como
mercadoria (MARX, 2006, p.111).
73
para a escola, baseado na flexibilização do trabalho deslocando o controle sobre o trabalho
docente dos processos para os resultados. O Estado redefine o seu papel de regulador das
relações de produção, respondendo à reorganização do processo produtivo, criando um
sistema de avaliação que, apoiado na noção de competências, controla a eficiência e a
produtividade do trabalho do professor.
De fato, as relações sociais de produção impõem a implantação desse modelo de
formação sobre as concepções pedagógicas contra-hegemônicas, situadas em um campo
contrário, interessadas na educação como formação humana, na transformação das relações
sociais de produção e não na educação como formação do trabalhador. Entre o debate de
formação dos professores assumido pelas entidades científicas e sindicais e a política oficial
implantada a partir dos anos 1990, a concepção de formação que prevaleceu se assenta sobre
uma lógica dedutiva pautada sobre uma ―concepção pontual, conjuntural de qualificação e do
ofício de educador, sempre incerto, mutável à mercê da última lei, da última reforma, do
último currículo ou didática‖ (ARROYO, 1999, p.155).
Dessa maneira, não há como minimizar a função da educação como mediação no
processo de reprodução social. Quanto mais tivermos clareza de como opera a lógica do
capital no campo educacional, tanto mais poderemos pensar em estratégias que nos levem a
uma prática educativa alinhada aos interesses populares. A educação é uma mediação para a
reprodução social, por isso mesmo, fazer valer o discurso contrário ao capital é lutar pela
hegemonia, aí vale observar o que diz Pistrak (2000, p.24): ―sem teoria pedagógica
revolucionária não pode haver prática pedagógica revolucionária‖. Assim como também sem
a prática revolucionária a teoria revolucionária se esvazia, torna-se estéril.
Nessa perspectiva, estamos de pleno acordo com Ivo Tonet (2007), os espaços
conquistados são uma questão estratégica para a concepção contra-hegemônica emancipadora
de formação de professores e pedagogos, mais do que tentar impor-se como política
educacional. Consideramos que os processos educativos não resultam em pura reprodução das
relações sociais de produção, por isso mesmo, Tonet (2007) nos coloca a necessidade de
questionarmos, em que medida o que estamos realizando se conecta, através de quais
mediações, com qual fim.
A formação de um ―intelectual de novo tipo‖ depende muito menos de um novo
elenco de disciplinas específicas sobre a questão agrária ou sobre a cultura do campo, o ponto
central da questão encontra-se na finalidade da educação em relação à sociedade onde o
fenômeno educativo se realiza. Não se trata apenas de qualificar os trabalhadores, trata-se, na
visão gramsciana, da defesa de uma escola única, democrática para todos.
74
Não é a aquisição de capacidades diretivas, não é tendência de formar homens
superiores que dá a marca social de um tipo de escola. A marca social é dada pelo fato
de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes
grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou instrumental. Se se quer destruir
esta trama, portanto, deve-se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de escolas
profissional, criando-se ao contrário, um tipo único de escola preparatória (elementar-
média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o
entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem
dirige (GRAMSCI, 1982, p.136)
No entanto, é preciso considerar que há limites na construção da contra-hegemonia
―por dentro do Estado‖. Há muita impropriedade no uso do pensamento gramsciano, na
defesa da escola unitária. Nosella (1991), Aranha (1999), chamam atenção de que a escola
unitária de Gramsci está relacionada a uma sociedade unitária. Tal como Gramsci (1982),
questionamos como o professor pode romper com as orientações dos sistemas de ensino e
―restabelecer a unitariedade entre ensino e realidade objetiva dos alunos?‖. Concordamos com
Aranha (1999) quando reafirma o contraditório papel da educação e da escola e certo
idealismo nas proposições para o campo educacional.
O discurso da demanda de uma qualificação de novo tipo, ao lado da exigência de
sua generalização, via escolarização omite o fundamental, em sociedades que se
fundamentam na divisão do trabalho, o caráter parcial do que é valido para alguns
segmentos, tem que ser universalizado, sob pena de ‗desvelar‘ o que não é possível
ser cumprido pela ‗ordem capitalista‘ [...] mais uma vez, está sendo atribuída à
educação uma responsabilidade que ultrapassa, em grande medida, o que lhe
compete, recaindo sobre ela funções que deveriam ser atribuídas a outras dimensões
da sociedade (ARANHA, 1999, p. 200-202).
Há um acumulo teórico que reconhece o papel contraditório da educação e por isso
mesmo, a necessidade de uma ação contrária à direção dominante. No entanto, a nossa própria
experiência com proposições alternativas de trabalho à orientação dominante, representa uma
luta travada por grupos articulados em um contexto histórico favorável, que demanda uma
rede de apoios às ações que concorre com as estratégias do Estado para promover o desmonte
de experiências exitosas que operam fora da orientação dominante. Foi assim na COTEP,
experiência de alfabetização à qual já nos referimos antes, vivenciada por um grupo de
educadores em um setor da Secretaria de Educação do Estado de Sergipe, entre os anos de
1982 a 1986, cuja história resgatamos na nossa dissertação de mestrado (TORRES, 1996).
Como práxis contra-hegemônica o grupo da COTEP redefiniu o papel do pedagogo na
escola enquanto coordenador pedagógico que trabalha junto ao professor, de maneira que ele
pudesse reconquistar a dignidade do seu trabalho na tentativa de superar a dicotomia entre
75
planejar e executar. Somos parte desse trabalho que assumiu uma concepção de educação e
alfabetização enquanto ato político que ultrapassa a decifração e a cópia em direção ao uso da
linguagem escrita, dando às crianças, ao menos na escola, a oportunidade de romper a
―cultura do silêncio‖. Assim como, recorremos a uma concepção de criança da classe popular
como alguém capaz e cuja história de vida procurava-se conhecer. Consideramos a dimensão
coletiva do trabalho docente, expresso nos encontros e reuniões para troca de experiências e
discussão conjunta dos problemas e das condições de trabalho. O coletivo da COTEP, ajudou
inclusive a transformar o curso de Pedagogia da UFS, que até então formava os especialistas
em educação, dando um testemunho vivo de como o pedagogo poderia atuar como
coadjuvante do professor, tendo como base de formação a docência na educação infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental. Contribuiu também para formar o NEPA, no âmbito do
Departamento de Educação da UFS, ao qual esteve ligado o ―Projeto de Alfabetização de
Jovens e Adultos dos Assentamentos de Reforma Agrária‖, que, por sua vez, possibilitou a
oferta do curso de Pedagogia para os sem-terra. É verdade que coisas importantes se perderam
no caminho, outras não saíram do papel, mas ainda que sejam experiências pontuais, de curta
duração, olhando para trás vemos como é importante que estejamos sempre dispostos a reunir
vontades e ações cujo fim último seja a transformação da realidade.
Acumulamos também experiência através do projeto de alfabetização de jovens e
adultos sem-terra, percebemos que havia no imaginário do adulto uma escola que não era a
que nós estávamos tentando construir com eles, além das contradições percebidas por nós
entre a visão de mundo dos assentados e os princípios político-pedagógicos defendidos pelas
lideranças do MST. Começamos um processo de debate com os monitores/alfabetizadores
para levantar os temas que deveriam conduzir o processo de alfabetização. Buscamos
aprender a ler a palavra através da leitura da realidade do assentamento, no entanto não era
algo bem assimilado nem pelos alfabetizadores nem pelos alfabetizandos. Essa percepção
pactuada por Jesus (2002) resultou em um ponto problematizado na sua tese de doutoramento.
Os alunos mais velhos [alfabetizandos], muitas vezes recusavam os conteúdos dos
temas em sala de aula [...]. Era melhor não saber se poderia ter lucro ou não para não
perder a esperança. Isso me chamou atenção para aquilo que Paulo Freire também já
havia percebido nos seus encontros com os trabalhadores, o cuidado que devemos
ter quando o que é significativo demais não pode ser desvelado [...]. Existiam
também os que não falavam porque poderia ser interpretado como uma pessoa que
não estava querendo seguir os princípios do movimento (IBIDEM, p. 44).
Não há dúvida de que a questão é complexa. É inquestionável a importância da
formação do pedagogo da terra para trazer de volta para o debate da educação as teses contra-
76
hegemônicas, no entanto, tomar o processo de formação sob a perspectiva de algo específico
para o educador do campo, não parece agregador de outras vozes que possam se aliar como
coadjuvantes na construção de um modelo alternativo de formação. Apostamos que o
processo de formação do pedagogo para a educação do campo, muito mais do que discutir o
lugar do campo no processo de formação, é principalmente, discutir a relação sociedade-
educação e os fins da educação para compreender as mediações possíveis, assim como
conduzir à investigação/ação transformadora da realidade imediata, ao longo do curso, para
forjar um professor comprometido com a realidade onde atua, seja rural ou urbano.
A política do MEC para o meio rural contando com a participação dos movimentos
sociais do campo nas comissões dos órgãos oficiais tem representado muito, é inegável que a
força dos movimentos, deu visibilidade do meio rural no discurso oficial e promoveram
avanços na área da educação pelo Brasil a fora, no entanto, questionamos: em que medida tem
sido possível incorporar a concepção de educação dos movimentos sociais à política oficial?
77
CAPÍTULO 3: Os pedagogos da terra e a construção da educação do campo em Sergipe
3.1 Perfil dos sujeitos da pesquisa
3.1.1 Perfil dos estudantes de Pedagogia da UFS
A turma de pedagogia da UFS, no ano de 2009, quando os dados foram coletados, era
composta por 43 pessoas que freqüentavam regularmente o curso. Aproveitamos as fichas
preenchidas pelos estudantes a pedido da coordenação do curso para montar o perfil dos
estudantes da UFS. Grande parte é assentado ou parente de assentados. É uma turma jovem
que concluiu o ensino médio entre 1998 a 2003.
Gráfico 1: Faixa etária dos estudantes da UFS
Gráfico 2: Vínculo do estudante com o assentamento
Faixa etária
20 a 30 anos
31 a 40 anos
41 a 50 anos
Vínculo com o Assentamento
Assentado
Agregado
78
Gráfico 3: Ano de conclusão do Ensino Médio
O Curso exibe uma taxa inexpressiva de evasão, uma vez que dos 50 matriculados
inicialmente, hoje (2011) foram contabilizadas seis desistências e um falecimento, totalizando
sete pessoas em números absolutos, que não freqüentam mais o curso.
Gráfico 4: Evolução da Freqüência no Curso
Muitos já estão envolvidos de algum modo com a docência, uma vez que há carência
de pessoas alfabetizadas e dispostas a enfrentar o desafio de ensinar os jovens e adultos a ler e
0 10 20 30 40 50 60
Matricula inicial
Frequencia Regular
Abandono
Evolução da Frequência
0
5
10
15
20
25
1987 a 1997 1998 a 2003 2004 a 2006
ANO DE CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO
79
escrever. Isso tem possibilitado aos estudantes de Pedagogia da UFS, a experiência de ensino,
principalmente nos programas de alfabetização de jovens e adultos tanto do Governo Federal,
Brasil Alfabetizado, quanto do Governo Estadual, Sergipe Alfabetizado. Apenas seis
estudantes são professores concursados da rede municipal, os quais desempenham função de
professor, coordenador pedagógico e/ou diretor de escola nos assentamentos.
Gráfico 5: Trabalho em escola
Embora a grande maioria tenha uma experiência de até dois anos como
monitor/alfabetizador, poucos são os que têm curso Normal, a maioria fez ensino médio, em
escola pública de ensino regular do Estado.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Educador de Alfabetização de Jovens e Adultos
Coordenador de Brasil
Alfabetizado ou Sergipe
Alfabetizado
Professor da rede municipal
Professor da escola do
assentamento
Diretor da escola do assentamento
Trabalho em escola
80
Gráfico 6: Tempo de experiência docente
Gráfico 7: Modalidade em que cursou o Ensino Médio
3.1.2 Perfil dos orientadores pedagógicos
0
5
10
15
20
25
30
35
Escola Regular Supletivo Curso Normal Pró-formação Curso Normal -UFS
Modalidade em que cursou o Ensino Médio
Tempo de experiência docente
6 meses a 1 ano
2 a 4 anos
5 a 8 anos
+ de 8anos
Sem experiência
81
Os cinco orientadores pedagógicos entrevistados estão na faixa etária entre 31
a 39 anos. Tiveram uma vida escolar regular, ou seja, completaram a educação básica
em escolas públicas estaduais ou municipais, de forma contínua, com intervalo médio
de 6anos entre a conclusão do ensino médio e o ingresso no ensino superior.
Apenas um é assentado, os demais são agregados e militantes orgânicos do
MST há mais de 5 anos. A maioria iniciou o processo de militância no Coletivo de
Educação do MST em Sergipe. Após a formatura em Pedagogia, dois são professores
efetivos das redes municipais de ensino nos seus municípios, dois são coordenadores
dos núcleos de Educação do Campo nas secretarias de educação e um trabalha como
técnica de um programa do INCRA – Assistência Técnica Rural (ATER).
3.2 Processos de formação e o desafio da construção da educação do campo
3.2.1 O Curso Normal da UFS para os sem-terra
O processo de formação dos educadores da reforma agrária pela UFS teve início em
1996, com o projeto Integrador de Educação de Jovens e Adultos, financiado pelo Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT) e executado pelo Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação
(NEPA) da Universidade Federal de Sergipe. A partir de então, em 1997 foi ofertado curso
para conclusão do ensino fundamental de 5a a 8
a série e o curso Normal, realizado no período
de 2001 a 2003, este último financiado pelo PRONERA, ambos realizados em parceria com a
SEED (Secretaria de Estado de Educação- SE).
O curso Normal foi destinado aos assentados que atuavam como
monitores/alfabetizadores nos assentamentos e tinha como meta a formação de 80 educadores.
Tinha como objetivo promover a compreensão teórica dos conteúdos básicos do ensino médio
e dos fundamentos teóricos- metodológicos da docência, tendo como princípio a valorização
da identidade cultural e política dos assentados. As aulas eram ministradas no assentamento
Moacyr Wanderley, no Centro de Capacitação Canudos, há 20 km de Aracaju, organizado em
quatro módulos, totalizando 800horas, dividido em tempo escola, tempo comunidade e
estágio.
Para nós do NEPA, o curso Normal foi um processo desafiador tanto para o grupo de
estudantes assentados, quanto para os professores da UFS, principalmente porque a
linguagem escrita foi o elemento estruturador do curso. Ali começamos a exercitar a
82
alternância de tempos de estudo entre o tempo escola e o tempo comunidade, no qual a escrita
foi a ponte de acesso ao conhecimento. Os cadernos de estudo elaborados pelos professores
faziam a mediação do estudante com a matéria de ensino. Durante um período de trinta dias
eles vivenciavam o tempo escola e no tempo comunidade estudavam pelos cadernos e faziam
as atividades, com ajuda de um monitor. O esforço maior dos estudantes era o domínio da
leitura e da escrita, para estudar e realizar as atividades propostas nos cadernos.
Em 2003, o PRONERA investiu numa avaliação externa do programa e o Curso
Normal da UFS foi avaliado. A análise indica como um dos pontos significativos a
dificuldade dos estudantes em acompanhar o desenvolvimento do curso, uma vez que não
houve seleção prévia, a condição para fazer o curso era ser monitor/alfabetizador. De acordo
com a pesquisa, essa dificuldade repercutiu no estudo realizado nos cadernos e na realização
das tarefas, resultando em 30% de estudantes que não conseguiram concluir o curso. No
entanto, de acordo com Lopes e Araújo (2004, p. 241) ―o desejo de dar continuidade aos
estudos foi manifestada pela quase totalidade dos entrevistados [...] A expressiva maioria,
representada por 80,6% dos educadores populares entrevistados manifestou preferência por
fazer o curso superior em Pedagogia da Terra‖.
Acreditamos que se houvéssemos conseguido iniciar o curso de Pedagogia para os
sem-terra após a conclusão do curso Normal em 2003, essa expressiva maioria teria
concorrido ao vestibular. No entanto, o hiato de quatro anos, entre a aprovação do Projeto de
Curso pela Comissão Pedagógica do PRONERA em 2004 e a realização do vestibular em
2007 foi motivo de contarmos com poucos estudantes do Curso Normal no curso de
Pedagogia. Dos 64 educadores populares aprovados no curso Normal, apenas cinco fizeram o
curso de Pedagogia da UFS.
Quando perguntamos aos que fizeram curso Normal na UFS, se os conhecimentos até
agora aprendidos são suficientes para o desempenho da docência, abre-se um debate sobre
qual é o papel dos cursos de formação na ação prática do professor. No curso Normal, a
grande maioria dos educadores eram assentados vinculados ao MST27
que acompanhou muito
de perto o processo de formação do grupo, nomeando um coordenador para a turma com a
função de acompanhar todos os módulos tanto no tempo escola, quanto no tempo
comunidade. Esse coordenador posteriormente formou-se em Pedagogia pela UFRN e foi
orientador pedagógico do curso de Pedagogia da UFS. Ele atribui a coordenação do curso
27
De acordo com Lopes e Araújo (2004) 88,1% dos estudantes foram indicados para fazer o curso pelas
lideranças do MST.
83
Normal da UFS como preparatório para as experiências de estudo e trabalho que vieram a
seguir.
Eu pego esse magistério sempre como base porque eu aprendi muita coisa com esse
curso do magistério [...] Me deu muita base para a minha formação enquanto
profissional, porque foi a partir dele que eu comecei a qualificar a minha prática
pedagógica, mesmo estando fora da sala de aula [...] foi muito interessante porque eu
pude estudar também. Eu não perdia uma aula. Eu ia até duas da manhã para deixar
tudo organizado, os trabalhos dos alunos, porque eu não aceitava perder um aluno... Eu
sempre gostei muito de estudar a cada aula que eu assistia eu trazia para minha vida
pessoal mais um compromisso de não perder a aula seguinte. Poderia ter a tarefa que
fosse. Como era que estava se dando a interpretação dos alunos nos cadernos que eram
escritos pela equipe pedagógica do curso. Eu tinha que ver se a linguagem estava
adequada, se havia dificuldade para os alunos acompanharem e como era a relação
professor-aluno. Quando a gente se reunia discutia como estava o andamento do curso,
a preocupação maior do curso do magistério era não deixar cair qualidade, porque nós
temos pessoas de quinta e sexta e sétima oitava série a gente tinha um público muito
diversificado cada um com seus limites, mas o desafio era vencer a cada dia,
incentivando os alunos a não decair, para que a qualidade do curso não ficasse
comprometida. (Entrevistado 4)
Os que fizeram o curso Normal na UFS e que hoje são alunos do curso de Pedagogia
da UFS assim se reportam a esse curso:
Eu já tinha 2º grau completo fiz o curso porque queria me especializar na área em
que estava trabalhando. O curso de magistério foi o melhor curso que eu fiz. Antes
eu escrevia errado, eu não sabia construir texto, eu sabia superficialmente e depois
do magistério foi que eu aprendi muito mesmo. Eu acho que era porque também eu
já sabia o que eu queria, antes e eu ia para a escola para encontrar amigos, sair de
casa, porque todo mundo ia para a escola eu também ia, mas ainda não sabia o que
queria da vida. Quando eu fiz o magistério eu me dediquei, porque já estava mais
velha e sabia o que queria da vida. (Entrevistado 6)
Aí novamente apareceu a vaga para tirar o magistério, a gente entrou de cara com
vontade mesmo. Porque a gente vê a discriminação que a gente ouve no município
pelo pouco grau de escolaridade, a pessoa sem escolaridade não tem emprego fica
de fora. Foi mais a necessidade que a gente tinha de concluir os estudos para
participar do movimento [...] além de você estar sendo alfabetizado conseguir
repassar parte do conhecimento para os companheiros, porque os alunos do curso
também podem passar a ser alfabetizadores das pessoas que viviam na comunidade.
(Entrevistado7)
Eu tenho por mim que hoje eu já sei o que é fazer um planejamento, a gente
aprendeu no Magistério, mas antes do magistério acontecer, já existiam os cursos de
capacitação. Ficava todo mundo se batendo sem entender. Tinha muito conflito, a
gente não entendia como se dava o processo. Hoje ao receber as aulas a gente está
mais calma, porque já passamos por um processo de formação. Hoje a gente tem
mais uma consciência e já vê caminhos diferentes de como o chegar à terra e na
educação. (Entrevistado 8)
84
O interesse pelo curso de Pedagogia para os nossos entrevistados vai desde a
necessidade de conseguir um emprego até ajudar os companheiros a aprender a ler e escrever.
Há um sentimento de que o Curso Normal abriu não só o campo de trabalho, mas também, o
que fica marcado nas falas, foi importância da conclusão de um ciclo de escolarização, já que
eles saíam do curso com diploma de Curso Normal e conclusão de nível médio.
3. 2. 2 O ingresso nas universidades – A ocupação
Desde o primeiro curso de Pedagogia, em UNIJUÍ (1988), o foco era a formação de
quadros, uma espécie de construção de um ―bloco intelectual-moral‖ (GRAMSCI, 1987) com
capacidade de iniciativa para organizar a educação nos assentamentos. De acordo com um dos
nossos entrevistados, que participou da primeira turma do curso de Pedagogia, em UNIJUÍ,
coordenado por Roseli Caldart, foi desafiador tanto para a coordenação do curso, enfrentando
a lógica de ação diferenciada entre movimento e universidade; quanto para os estudantes, uma
vez que muitos há muito tempo tinham saído escola.
Para os estudantes parece claro que o compromisso com o curso transcende a questão
do diploma. Exemplo disso é revelado na fala de um entrevistado: ―[...] estudar, aprender e
depois disseminar o que aprendemos com outros educadores para formalizar a educação no
Estado...‖ (Entrevistado3).
O curso de Pedagogia especial da UFRN na sua primeira turma aprovou no processo
seletivo vestibular especial 64 pessoas, das quais 52 concluíram o curso. A turma era formada
por pessoas de quase todos os Estados do Nordeste, exceto do Estado de Alagoas. Sergipe
estava representado por sete pessoas, entre dirigentes e militantes do Setor de Educação do
MST.
Essa turma tinha pessoas que eram dirigentes regionais, militantes que estavam na
ativa das demandas da educação, professores que ensinavam nos assentamentos que
não tinham vínculo com MST, filhos de assentados que ainda não entendiam a
importância do próprio movimento do qual os pais faziam parte... Foi uma turma
diversa, mas a maioria era politizada, vamos assim chamar dirigentes regionais,
dirigentes estaduais, coordenadores de escola, dos setores do movimento: educação,
saúde, gênero. Estamos organizados em setores, então foi um grupo com muita
maturidade. (Entrevistado 4).
O fato de ser uma turma que agregava vários dirigentes, ou também por isso, o grupo
não estava livre da forma como se evidenciam as relações de poder em nossa sociedade. Os
85
saberes acumulados e a expressão oral, de certo modo, também funcionavam como armas do
poder entre os estudantes:
[...] tinha muito conflito, mas isso é normal. Tinha um que queria ser mais do que o
outro, tinha uma disputa inclusive entre estados... Pernambuco era o [Estado] que
queria chamar mais atenção. Ele [colega pernambucano] era inteligente, mas ele
queria mostrar sua inteligência de uma maneira muito autoritária... Tinha pessoas
que falava na sala de aula, que demonstrava que tinha conhecimento do movimento
e todo mundo acatava o que eles diziam. Eram tidos como os mais velhos (no
movimento). Até a metade do curso os mais velhos falavam e os mais novos
acatavam. (Entrevistado 3).
Aqui aparece a questão dos valores, das atitudes, das relações interpessoais, que são
relações construídas na vida social. Não seria uma contradição a dominação/submissão ser
parte da disciplina das organizações sociais do campo? Esse tipo de valor precisa ser
repensado por aqueles que apostam num processo educativo cuja finalidade da educação seria
a construção do ―novo homem‖ da ―nova sociedade‖.
De acordo com Comblin (2007, p.52), ―a competição consiste em suprimir
mentalmente o outro‖, como construir uma sociedade ―nova‖ sem conseguir superar a
competição e o individualismo que são características das relações sociais capitalistas? Que
―nova sociedade‖ é possível construir sem reproduzir nas relações socais a competição, onde
prevalece a lei do mais forte, ao invés de buscar soluções através do diálogo, da
argumentação?
Na visão dos entrevistados foi a necessidade de conquista da universidade que pôs em
xeque essa postura inicial da turma da UFRN. Depois de terem vencido a barreira do
vestibular, disputando vaga com seus pares, que em tese apresentavam certo grau de
homogeneidade no processo de escolarização, tiveram que conquistar, palmo a palmo, não só
o conhecimento, mas também a própria universidade, ou seja, o direito a ter direito de ser
universitário. Na UFRN os estudantes do curso especial de Pedagogia foram estudar em um
Campus desativado situado no município de Nova Cruz, distante do Campus de Natal cerca
de 100 Km.
Inicialmente a gente ocupou o espaço do NESA [Núcleo de Estudos Superiores do
Agreste] em Nova Cruz. A gente teve que construir o espaço. Dormimos com
cobras, marimbondos, todo dia a gente matava uma cobra debaixo do colchão, mas a
gente queria muito esse curso... (Entrevistado 4).
O Campus estava abandonado, foi a gente que fez ele se tornar Campus. A cozinha
era outro problema, a sala de aula era num ginásio, a gente tinha que delimitar o
espaço da sala de aula. (Entrevistado 3).
86
A situação – similar àquela descrita por Makarenko (1985)28
em seu Poema
Pedagógico – a de ter que construir com as próprias mãos o espaço de estudo ao mesmo
tempo, deu ao grupo a noção concreta de que a turma tinha que se organizar coletivamente,
não só como afirmação do próprio grupo, mas também como resistência, como superação das
dificuldades e fortalecimento da solidariedade.
[...] a convivência também era muito difícil, porque a gente tem que sair do
individualismo para o coletivismo. Tudo é decidido no coletivo, na organização em
grupos. Tudo isso para mim foi diferente, era um aprendizado novo e tudo que é
novo a gente se assusta, mas como todo mundo estava em prol de um único objetivo
[...] O coletivo também se fortaleceu e o trabalho coletivo mais ainda, a gente tentou
fazer dali um lugar mais habitável. (Entrevistado 3).
Como observa Makarenko29
(1985, p.55) foi a ―interessante e autêntica luta prática,
que produziu os primeiros brotos e bom tom coletivo‖. Essa passagem evidencia que a
aprendizagem da organização coletiva é mais do que fazer parte de uma revolução política, no
caso da Colônia Gorki, coordenada por Makarenco, ou de um movimento social, a exemplo
dos estudantes do MST, é uma vivencia de novas relações socais e uma aprendizagem prática
que coloca as pessoas à prova. A chegada à universidade vai obrigar as várias lideranças de
Estados diferentes a renovar o sentimento de coletividade, à defesa do interesse geral, ou seja,
da formação de um novo coletivo – dos estudantes do curso de Pedagogia. Sem a organização
coletiva dos estudantes não haveria condição de superação da situação em que foram metidos.
A universidade dos sem- terra não era o campus da UFRN em Natal, era um campus
desativado em Nova Cruz:
Fazíamos vaquinha entre nós mesmos e a gente mesmo pintava. Cada alojamento
tinha um nome e era pintado e decorado de acordo com esse nome, por exemplo,
tinha um que chamava Mandacaru, então nós fizemos um mandacaru lindo com um
sol representando a resistência. Tinha o alojamento Rosa de Luxemburgo,
Margaridas...(Entrevistado 3).
A falta das condições de alojamento e de estudo que os estudantes da UFRN tiveram
que enfrentar talvez tenha sido uma oportunidade real de vivenciar a ―escola do trabalho‖, do
28
Makarenko assume a direção da Colônia Gorki, em 1920, três anos depois da instalação da revolução
bolchevique, para realizar o trabalho de reeducação de crianças e jovens que na linguagem atual seriam os que
estão em situação de risco social, ou seja, os que foram abandonados, ou os que perambulam nas ruas cometendo
infrações, roubos e furtos. 29
Tomamos Makarenko como referência, respeitando o contexto e o tempo histórico vivido, tanto da Rússia de
Makarenko, quanto dos movimentos sociais do campo brasileiro hoje.
87
grupo que constrói a ―sua universidade‖, que compreende a importância de agir sobre a
adversidade a partir do potencial pedagógico do coletivo para a práxis criativa. É um exemplo
de como um problema real pode levar à aplicação efetiva do trabalho como princípio
educativo. Foi uma oportunidade que esse grupo teve de refletir conjuntamente sobre o
processo e seu significado.
A universidade não criou as condições necessárias à construção do sentimento de
pertença, ao contrário. Terem sido alojados num campus desativado, distante da sede da
universidade e sem condições dignas de alojamento, produziu nos alunos um sentimento
híbrido de quem ao mesmo tempo está fora e dentro da universidade.
Quando a gente está fora, a gente não se sente de dentro, a gente não se sentia aluno
da universidade. (Entrevistado 4).
Nós éramos alunos da universidade, mas tudo para nós era restrito. Então tinha
recurso didático, mas era restrito, tinha muito impasse... (Entrevistado 3).
As estudantes-mães são as que enfrentam maiores dificuldades para estudar,
principalmente as que fizeram curso na UFRN e na UNIJUÍ, porque além de estar fora de
casa iam para outro Estado. Nesse sentido os companheiros do MST local é que contribuiram
tanto no cuidado com as crianças, quanto na alimentação dos estudantes:
Era o pessoal dos assentamentos que vinham para tomar conta das crianças
voluntariamente. Durante 45 dias as educadoras infantis moravam com a gente,
ficavam com a gente na universidade. Tinha também os momentos que a gente se
revezava para cuidar das crianças [...] Detalhe, em princípio a gente andava meia
hora para ir comer no Caíque e voltar, isso três vezes ao dia, porque não tinha
cozinha. A prefeitura do município dava comida para a gente no Caíque. Quem
quisesse ir no ônibus do município [transporte escolar] tinha que esperar levar os
alunos e depois voltava para buscar a gente. Às vezes o ônibus demorava tanto que a
gente ia e voltava a pé. Quando montamos a nossa cozinha as cozinheiras eram do
assentamento, a gente também não tinha como pagar, elas eram voluntárias. Mesmo
com a cozinha muito precária a gente conseguia ter nossa alimentação (Entrevistado
3).
Quando tudo parecia arrumado em Nova Cruz, foram chamados pelo MST para
ocupar uma escola desativada em Ceará Mirim. A pretensão do movimento era ocupar a
escola para torná-la um centro de capacitação das ações educativas do Movimento. Essa
missão foi entregue à primeira turma de Pedagogia da UFRN:
Para mim quebrou um pouco a seqüência, me desestimulou no início, porque a gente já
tinha colocado nosso caráter, nossa cara naquele espaço. Quando você constrói uma
coisa e você é retirado, mesmo você sabendo da importância de você ir para aquela
88
outra localidade... A gente deixou um pouco de nós lá. Aí foi um novo recomeço, para
mim foi muito difícil, porque a gente já tinha construído relações com pessoal da
cidade, que antes tinham uma idéia muito distorcida do MST, a gente conquistou
espaços e mostramos a nossa cara, mostramos o MST para além do que a televisão
mostra, a gente deixou isso construído lá. (Entrevistado 4).
A transferência de Nova Cruz para Ceará Mirim apesar de ter sido entendida como
―missão‖ não deixou de gerar impacto no grupo. Esse processo de transferência mexeu com o
grupo na medida em que, em Nova Cruz tinham encontrado alternativas não só para viabilizar
a dignidade do grupo, mas também para enfrentar os preconceitos das pessoas do lugar contra
o MST e fortalecer um auto-conceito. Buscaram através do status de estudante universitário,
qualificar a imagem social deles próprios e do MST:
[...] o pessoal da cidade [Nova Cruz], antes tinham uma idéia muito distorcida do
MST, a gente conquistou espaços e mostramos a nossa cara, mostramos o MST para
além do que a televisão mostra, a gente deixou isso construído lá. (Entrevistado 4)
A gente estava muito querendo mostrar para a sociedade que somos sem- terra, mas
temos dignidade e que estávamos ali para estudar e ser respeitados [...] o povo [de
Nova Cruz] começou a olhar para a gente com outro olhar, não tinha quem não
perguntasse quem era esse pessoal tão alegre e tão divertido!(Entrevistado 3).
O processo de ―ocupação‖ do campus desativado da UFRN, em Nova Cruz, vivido
pelos estudantes para organizar a ―sua universidade‖ é posto em segundo plano pelo MST em
função da ocupação da escola em Ceará Mirim. No entanto, se perdeu o real sentido de
―ocupação pedagógica‖ no campus de Nova Cruz, o ganho resultou no fortalecimento do
vínculo dos sem-terra com o movimento.
Começamos do zero novamente, mas era um zero que já estava fortalecido – o nosso
coletivo. Nós tínhamos uma intenção, tínhamos o compromisso de ajudar o
Movimento, porque além de estudar a gente tinha compromisso com movimento e a
todo o momento tinha uma luta conjunta. Mediante a isso tivemos mais um
recomeço, ocupamos o espaço da escola e ocupamos algumas salas que estavam
fechadas. Tivemos que arrombar a porta para ter aula nesta sala. A professora era a
favor da luta, era simpatizante. A princípio ela não queria, mesmo assim ela foi
junto. (Entrevistado 3).
Questionamos até que ponto a interrupção desse processo práxico vivido com
intensidade e afinado com a pedagogia do movimento não reduziu a noção de ―ocupação
pedagógica da escola‖ à sobreposição de disciplina da militância sobre os aspectos político-
pedagógicos?
A UFS assumiu o curso para os assentados da reforma agrária, como uma ―falsa
abertura‖, não houve um movimento interno de compreensão democrática com a inserção dos
89
trabalhadores rurais no ensino superior. Os problemas se iniciaram durante a tramitação do
projeto nas instâncias colegiadas. Quando da passagem do processo pelo Conselho de Centro
(CCECH), segunda instância de aprovação depois do Departamento de Educação, um
Conselheiro pediu vistas ao processo e apresentou parecer acusando o projeto pedagógico do
curso de ―exótico‖ e usou a expressão ―dize-me com quem andas que eu lhe direi quem és‖,
para dizer que a universidade não deveria envolver-se com a guerrilha no campo
protagonizada pelos movimentos sociais30
.
Não foi diferente com a FAPESE (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de
Sergipe), entidade parceira no convênio para administrar os recursos financeiros do projeto.
Instalou-se um exaustivo processo de reuniões entre FAPESE, UFS, INCRA e MST31
para
dirimir questões relativas ao gerenciamento dos recursos pela Fundação em atendimento à
legislação em vigor e às especificidades do projeto, considerando as instruções normativas
federais e do INCRA.
Àquela altura (2004-2005), o relacionamento com os movimentos sociais como
parceiros legítimos do curso, de acordo com a orientação constante no Manual de Operações
do PRONERA de 2001, já não inspirava confiança às agencias de gerenciamento de recursos,
a exemplo da FAPESE, dada as constantes indagações do TCU sobre a legitimidade das
parcerias instituídas, mesmo que informalmente, entre as instituições públicas e os
movimentos sociais.
Essas questões dizem respeito à preservação dos interesses dominantes para assegurar
o seu espaço de poder, através de obstáculos administrativos e/ou jurídicos que vão
dificultando o acesso dos trabalhadores ao ensino superior. Quando os trabalhadores
organizados na luta pela reforma agrária rompem a cerca do ―latifúndio do saber‖ e
reivindicam o direito a ter direito ao ensino superior, essa reivindicação se esbarra em regras
jurídicas que atendendo à lógica da escola capitalista burguesa que não prevê os mecanismos
adequados para apoiar a qualificação da classe trabalhadora numa universidade pública.
Estamos nos referindo às regras jurídicas que dificultam a aplicação dos recursos para garantir
a infra-estrutura necessária para viabilizar a participação dos trabalhadores nos cursos,
principalmente, a garantia de passagem, hospedagem e alimentação.
Apesar dos estudantes da UFS terem passado por um processo de acolhimento
diferente da UFRN, tendo sido alojados no Centro de Capacitação Canudos, um espaço de
30
Esse parecer encontra-se anexado ao processo do Projeto de Licenciatura Plena em Pedagogia para os
beneficiários da Reforma Agrária. 31
Na turma da UFS só um estudante faz parte da FETAG-SE, os demais são assentados da reforma agrária
organizados no MST
90
formação do MST situado no Assentamento Moacyr Wanderley, nos primeiros dias de aula
no campus da UFS, disseram que eram olhados pelos outros estudantes ―como se fossem
ETs‖. Mas, para os sem-terra que estudam na UFS, ter aula no Centro de Capacitação
Canudos ou na própria universidade não parecia ser relevante. A preocupação evidente foi
com a garantia das condições materiais para estudar, que incluía xérox, hospedagem,
alimentação e abrigo para os filhos pequenos. O grupo de mães com bebês defendia que as
aulas fossem no Centro por causa da Ciranda Infantil32
.
A simples presença destes ―diferentes‖ marcados por sua existência de sem-terra, sem
trabalho, acampado e/ou assentado, com toda a precariedade de subsistência que isso implica,
com seus jeitos de falar, calar, pensar e ser. Com uma visão de mundo forjada na organização,
nos movimentos do qual participam, se impõe como algo ―fora do lugar‖, em relação ao
modelo de aluno tradicional, de aluno de universidade pública que pelos mecanismos de
seleção, beneficia as minorias pertencentes às camadas economicamente privilegiadas e, por
conta disso, se consideram ―elite cultural‖.
Vencido o primeiro semestre de estudos na UFS, no início de 2008, os estudantes
tiveram que enfrentar o impasse jurídico provocado pelo Acórdão do TCU33
, que deixou o
curso suspenso por quase um ano. Foi um período difícil tanto para as universidades, quanto
para os movimentos sociais. Foi um momento em que o poder jurídico como braço do Estado,
decreta a criminalização dos movimentos sociais, transformando movimento político em caso
de polícia.
Os estudantes da UFS resistiram, ocuparam a sede do INCRA, lutaram a favor da
liberação dos recursos e contra o Acórdão do TCU. Ninguém abandonou o curso mesmo que
isso estivesse complicando a vida:
Eu já pensei em desistir, porque é assim, se esse curso tivesse um tempo
determinado, um período certo de ir e de voltar, poderia arrumar a vida, mas esse
módulo mesmo eu pensei muito se vinha ou não. Surge uma oportunidade de
emprego [...] muitas oportunidades de emprego aparecem para a gente e a gente não
pode aceitar. Eu não sei quando posso sair e ninguém quer dar emprego à gente
nessas condições (Entrevistado 6).
As dificuldades enfrentadas pelos sem-terra é fruto de uma universidade que não nasce
como espaço de formação dos trabalhadores. A escola burguesa é uma escola de classe, no
32
A Ciranda Infantil que funciona como uma creche foi uma estratégia criada pelo MST nos seus Centros de
Formação espalhados pelo Brasil inteiro para garantir que as mães possam levar seus filhos para os cursos.
Enquanto elas estão nas aulas, jovens voluntárias ou não, integrantes ou não do movimento, cuidam das crianças. 33
Impedimento para pagar bolsa de ensino a professores e servidores públicos em geral vinculados à esfera
federal, estadual e municipal.
91
sentido de acolher um grupo social que tem outro modo de organizar-se, que dispõem dos
recursos necessários para administrar questões domésticas. Em princípio o ensino superior irá
atender a necessidade de preparar os jovens para ocupar os postos especializados, sob o
principio fundamental de consolidação da própria burguesia, através da divisão social do
trabalho.
É a partir da Revolução Francesa, que a ciência aparece como capaz de libertar a
humanidade da ignorância e as sociedades européias esperam que o conhecimento científico
seja capaz de regenerar a humanidade. A universidade republicana francesa é uma instituição
do Estado, pública e autônoma, centro de atividade científica socialmente útil, cujo papel é
consolidar a democracia burguesa através da cultura científica (DURKHEIM, 1998). No
entanto a cultura científica não deve ser distribuída igualmente para todos. Com base na
divisão do trabalho estabelece-se a divisão do conhecimento. Durkheim (1998), por exemplo,
não via com ―bons olhos‖ a idéia em debate na época (1900) das universidades populares
serem anexos das cidades universitárias. Em sua opinião, elas tinham que guardar distância e
independência.
Enquanto as universidades formavam a consciência moral e ética da burguesia, as
universidades populares deveriam formar os trabalhadores, ou seja, uma concepção de
formação de trabalhadores construída historicamente como formação ―menor‖. A lógica da
escola burguesa expressa no pensamento durkheimiano se refere às universidades dos
trabalhadores como centros populares para formar as classes trabalhadoras nos conhecimentos
técnicos necessários à prática profissional.
Apesar de estarmos no século 21, a sociedade permanece dividida entre os que detêm
os meios de produção e os trabalhadores. Por mais subdivisões na escala de qualificações dos
trabalhadores geradas pelo avanço tecnológico, o acesso aos níveis educacionais mais altos
mantém relação estreita com o lugar que o sujeito ocupa na sociedade. Sem-terra na
universidade ameaça não só o status quo das profissões, como também traz implicações ao
status quo da própria universidade.
3.2.3 O processo de formação dos pedagogos da terra – A resistência
As condições objetivas da resistência dos estudantes no curso começam com o
processo de ocupação como expusemos anteriormente e vão se estender ao longo de todo
processo de formação na medida em que os estudantes vão transpondo a sua condição de
92
pessoa histórica, de protagonista dos movimentos sociais do campo para dentro da
universidade.
A educação como dever do Estado, como direito assegurando na Constituição Federal
de 1988, a todos os cidadãos brasileiros, independente de cor, classe ou credo, não se
concretiza. A história vem sendo construída sem que o Estado tenha cumprido plenamente o
seu dever com a educação de todos os brasileiros, principalmente no que diz respeito à
população que vive no campo. Desse modo, ainda no inicio desse novo milênio (anos 2000)
os movimentos sociais do campo reclamam por esse direito.
Na relação dos trabalhadores rurais com a instituição universidade vai se impondo um
movimento dialético entre a lógica da instituição e a lógica dos movimentos, muito pela
capacidade de auto-organização e resistência dos estudantes. Eles constatam que também na
universidade a realidade social não é a base do conhecimento. Na universidade o
conhecimento científico é apresentado como algo transcendente à vida, encontra-se
dissociado da realidade da vida, do trabalho e da luta. Ao contrário do que acontece nos
cursos de formação do MST. É nos cursos do MST que a realidade é citada como conteúdo de
ensino, que é problematizada para ser transformada.
Eu estudei a minha vida inteira em escola pública... Ensina muito que tem no livro,
mas não há um paralelo com a realidade que a gente vive. No curso de formação do
MST, se percebe dentro do contexto a trajetória de luta e como intervir. Obriga a
gente a continuar estudando para conseguir entender de que forma vamos trabalhar
com o povo ou você compreende o passado e o que ele representa para um
determinado grupo de pessoas no momento que a gente está vivendo. Como chegar
às perspectivas do futuro? O futuro incerto, mas hoje trabalho o presente olhando o
passado e projetando um futuro ou pelo menos tentando projetar. O curso de
formação [do MST] faz isso [...] O curso de formação [MST] prepara a gente para a
vida para além da universidade da questão formal para além da sala de aula das
quatro paredes. Ele nos ensina a enxergar a conjuntura. Aí a gente constrói muitas
coisas e também quando a gente vai estudar os filósofos e teóricos. Não estou
negando a importância dos teóricos nem da teoria, mas a prática acaba sendo muito
mais forte no nosso aprendizado. O curso [do MST] nos ensina a fazer isso a
conhecer a realidade que o sujeito está inserido e de que forma ele interage nesse
contexto. (Entrevistado 4).
A maior parte dos cursos que eu fiz foi dentro do movimento. Minha formação é
informal, feita nos cursos de formação política. O período formal foi curto. Quando
eu entrei no supletivo, eu tinha 17 anos, parei de estudar na segunda série do ensino
fundamental. Eu sabia ler e escrever, porque naquela época, mesmo sendo na
palmatória, a gente tinha que saber essas coisas. Foi no movimento que o aprendi a
ler e interpretar, eu tinha muita dificuldade... (Entrevistado 5).
É interessante observar que o distanciamento da realidade, da vida, é uma
característica reconhecida pelos estudantes como própria da ―educação formal‖ como algo
93
―natural‖, como uma propriedade intrínseca ao conhecimento científico. O conhecimento
adquirido nas instituições oficiais de ensino, por essa característica intrínseca de não
pertencimento à realidade, não deixa de ser importante, principalmente para obtenções de
títulos e certificados. No entanto, o lugar de aprender ―a ler e interpretar‖ a realidade são os
cursos informais que se constituem como lugar de ―entender de que forma vamos trabalhar
com o povo‖. O processo informal de educação é de fato o momento de formação, de
potencialização da práxis.
Não por acaso a educação formal foi se construindo distanciando-se da realidade
como um todo estruturado, no qual o aprendiz não é mobilizado para interagir com seu
contexto próximo para que ele seja compreendido. Paulo Freire entendia isso como educação
bancária, cuja finalidade é o exercício da opressão, da manutenção do status quo. A proposta
de educação problematizadora de Freire (1987) é exatamente contra essa escola que se aparta
da vida. A escola unitária de Gramsci (1987, p. 131-132), também propõe a necessária
unidade entre a escola e a vida, buscando a superação da ―escola retórica‖ a qual carece de
―corporiedade material do certo‖, exatamente porque ―negligencia as noções concretas‖.
Embora o conhecimento científico seja, em geral, apresentado como algo teórico, à
parte da realidade, é inegavelmente considerado importante pelos trabalhadores rurais, não só
para ocupar postos de trabalho dentro e fora do movimento, mas também para re-significar a
ação pedagógica.
A gama de conhecimento que o curso [UFRN]colocou à disposição foi muito
grande. Em nível de formação, de conhecimento da pedagogia em si e também de
formação política no que diz respeito à política pública de educação do campo o
curso ofereceu muita coisa... A maioria [depois de formado] se envolveu em
coordenação de educação do campo, está em outros setores do Movimento, está em
algumas funções dentro do sindicato, está em diversos lugares. (Entrevistado 1).
Antes do curso eu fazia as coisas de forma mecânica, por exemplo, usava o que
tinha no livro, geralmente a gente não considerava o que o aluno trazia. Era
basicamente trabalhar as coisinhas que tinha no livro, só aquilo e pronto. Quando eu
voltei do curso eu sempre tinha idéias novas para trabalhar com os meus alunos.
Passei a ver os meus alunos de uma forma diferente... No começo foi muito difícil,
ter que está associando os trabalhos do livro com a vivência dos alunos. Como
trabalhava em áreas de assentamento, era um choque para a secretaria de educação e
o que geralmente eles não aceitam. (Entrevistado 2).
[...] o curso de Natal veio ampliar. Com pouco tempo eu comecei a trabalhar no
município X, para coordenar as escolas dos assentamentos, mas a intenção não era
só coordenar as escolas do assentamento, era tentar garantir uma proposta de
trabalho pedagógico que fosse de encontro com a realidade do campo, que tivesse os
princípios filosóficos e pedagógicos do MST, que tivesse os princípios da educação
do campo, que está interligado... (Entrevistado 4)
94
A teoria tem uma função. A esse respeito Damasceno (1993, p. 56) recorre a Mao Tse
Tung (1978) na busca de explicar como se produz o conhecimento humano, destacando ―três
fontes fundamentais: a prática produtiva, a prática política e a atividade científica‖. Desse
modo, há de haver articulação entre esses saberes para promover os avanços necessários. O
peso que algumas vezes é colocado por alguns entrevistados na prática social e política
desarticulada da atividade teórica é o que Vásquez (2007, p. 241) vai chamar de praticismo
[...] manifesta-se, sobretudo, em sua concepção de verdade; do fato do nosso
conhecimento está vinculado às necessidades práticas, o pragmatismo deduz que o
verdadeiro se reduz ao útil, com o que solapa a essência do conhecimento como
reprodução na consciência cognoscitiva de uma realidade, ainda que só possamos
conhecer essa realidade – reproduzi-la idealmente – em nosso trato teórico e prático
com ela.
Desse modo, a tendência ao praticismo dos estudantes se confronta com a tendência
ao teoricismo das universidades e, por isso, aqui, acolá, aparece certo desencanto, de não
terem estudado os problemas da sua realidade.
Nesse momento [no trabalho] a gente descobre uma coisa: o curso de Pedagogia
prepara a gente para a sala de aula para enfrentar a problemática da sala de aula,
multisseriada, da escola do campo, da escola isolada, ou da não existência da
escola? (Entrevistado 1).
A denúncia do estudante traz a marca da escola que tradicionalmente não trabalha sob
uma unidade ativa entre a escola e a vida, conseqüentemente não há também uma atitude ativa
do estudante sobre o conhecimento. De acordo com Vásquez (2007), a relação teoria e prática
tem que ser uma relação de unidade. Enquanto a teoria produz um modelo ideal, a prática por
sua vez é material. A práxis se realiza através da unidade ideal-material:
[...] a práxis é na verdade, atividade teórico-prática; isto é, tem um lado ideal
teórico, e um lado material propriamente prático, com a particularidade de que só
artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do outro.
Daí ser tão unilateral reduzir a práxis ao elemento teórico, e falar inclusive de uma
práxis teórica, como reduzi-la ao seu lado material, vendo nela uma atividade
exclusivamente material (VÁSQUEZ, 2007, p. 262).
A tendência ao teoricismo no ensino superior produz a supremacia da teoria sobre a
prática, inclusive como um poder, sob a falta de disponibilidade de abertura da teoria ao
mundo da prática. Essa desvinculação com a realidade pretendia ser superada pela pedagogia
da alternância, no entanto temos identificado, através da vivência no curso da UFS, que a
proposta da alternância de estudos, entre nós, ficou presa nos tempos de realização das
95
atividades: tempo escola e tempo comunidade. A metodologia da alternância como práxis, no
nosso entendimento, requer uma lógica diferenciada da que é posta pelas universidades. Não
basta disciplinas com foco na questão agrária se a realidade da escola rural passa ao largo do
conteúdo estudado.
A alternância de estudos para ser práxis deveria ter como ponto de partida e de
chegada o reconhecimento de que na ação também se produz conhecimento, que carregado de
sentido existencial é potencialmente produtor de ação/transformação. Esse movimento
dialético se vivido no processo de formação do pedagogo geraria a possibilidade de
concretizar ou avançar na construção de uma proposta de educação do campo, como
pedagogia da prática social. Os estudantes teriam que levantar os problemas vividos em cada
lugar de origem, analisar e discutir coletivamente as propostas e planejar os passos mais
viáveis para o enfrentamento dos problemas. Ao longo do curso poderiam analisar,
reformular, questionar, buscando nas teorias a compreensão da ação e dos problemas surgidos
durante o processo. No entanto, somos testemunhas pela proximidade que temos com o
curso, das poucas, isoladas e frágeis tentativas desse tipo de vivencia, apesar do empenho de
alguns professores e de alguns alunos.
Do ponto de vista da alternância, esta poderia conduzir o processo na direção da
formação do ―intelectual de novo tipo‖ gramsciano, como um intelectual que a partir do
estudo do real, mediado pelo conhecimento científico (teorias pedagógicas, sociológicas,
filosóficas e políticas), constrói uma compreensão do fenômeno educativo em todas as suas
dimensões: social, pedagógica, política.
Esse limite da escola formal é produzido por uma lógica universitária marcada pelo
positivismo científico que estruturou a escola burguesa. Não é algo que possa ser alterado
pontualmente, requer o repensar das finalidades da educação escolar, da formação acadêmica,
para produzir uma forma diferenciada da organização do ensino, que seja estrutural. A esse
respeito Luiz Carlos de Freitas diz que a nova forma escolar não vai nascer nas universidades,
ainda que muitos de nós estejamos empenhados na democratização dos acessos e dos
currículos (informação verbal) 34
. Arrematamos com Pistrak (2000), por mais democrática
que sejam as nossas intenções, a forma escolar não muda se não mudar o resto. É também
pertinente lembrar o que diz Marx (1993, p. 12) na terceira tese sobre Feuerbach ―as
circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado‖. Quem
educado o educador?
34
Fala de Luiz Carlos de Freitas no III Encontro de Pesquisa em Educação do Campo, realizado em Brasília em
agosto de 2010.
96
As experiências que têm sido realizadas na alternância de estudos no curso de
Pedagogia da UFS35
, demonstram ser um caminho eficiente de aproximação da realidade
mediada pelo conhecimento, uma forma de conhecer para transformar, uma forma de práxis.
Esse limite difícil de ser superado indica aos movimentos a necessidade de continuarem com
seus cursos ―informais‖, para re-significar as aprendizagens acadêmicas conferindo-lhes
sentido existencial, para além do academicismo. Isso não quer dizer que os sem-terra, a partir
dos conhecimentos e das experiências que vivenciaram nos cursos de Pedagogia, não possam
chegar a um nível de compreensão e ação pedagógica transformadora. Mas quer dizer que,
com maior envolvimento, a pedagogia do movimento poderá ser a ponte que se estende entre
as universidades e a realidade das escolas do campo, para a formação de ―intelectuais de novo
tipo‖, até porque ela não se constitui apenas como uma relação pedagógica, depende também
da direção política dos movimentos, da conjuntura econômica e política em cada período
histórico. A relação entre o Estado e os movimentos sociais, está condicionada pelo grau de
organização para o enfrentamento ao modelo econômico, ou, pode se dar em relação de
―parceria‖ por dentro do próprio Estado, conciliando interesses, barganhado postos de
comando. Nesse último caso, de acordo com Poulantzas (1985), o projeto de forjar o ―novo
homem‖ para uma ―nova sociedade‖ será, transformado, adiado ou abandonado...
Ainda que observações contrárias sejam pertinentes, é presente também a iniciativa de
professores que trabalham na tentativa de promover um diálogo entre as teorias e as vivências
dos estudantes, mediados pelas teorias.
O aprendizado que eu tive lá [UFRN] de forma bem sistematizada me ajudou a
trabalhar aqui no Estado na coordenação da alfabetização de jovens e adultos [...]
Nós tivemos uma professora que ficou conosco em três disciplinas, foi quem nos
ensinou alfabetizar e para nós foi muito enriquecedor ela também trabalhou muito
com jovens e adultos e era também um dos objetivos nossos. (Entrevistado 3).
Uma coisa que eu aprendi no curso, que agradeço ao professor X, ele falava muito
isso, que a gente tinha que priorizar a aprendizagem, independente do que estivesse
nos livros a gente deveria seguir uma linha, mas procurando sempre atender aos
alunos para que eles tivessem um bom aproveitamento. (Entrevistado 2)
[...] o legal do curso é que ele dá abrangência, ensina a ser pesquisador, instiga a ser
pesquisador das coisas do campo, coisa que muitas vezes não tem material teórico
produzido, leva a gente a ter que pesquisar, a ter que estudar para entender esse
campo (Entrevistado 1)
35
Atividades como, por exemplo, levantar dados nas escolas sobre matrícula, fluxo escolar e fazer análise a
partir dos dados; levantar as cartilhas usadas para alfabetizar e analisá-las à luz de fundamentos teórico-
metodológicos da alfabetização; levantar regimento escolar, PPP e analisá-los.
97
Desde a ocupação pedagógica do campus de Nova Cruz em Natal, a superação do
individualismo é colocada como aprendizado importante, motivado não só pela falta de
acolhimento da própria universidade, mas também pela necessidade de fortalecimento do
grupo, buscando a solução dos seus problemas, como a superação da competição e do
individualismo, através do trabalho coletivo, da vivencia de relações mais igualitárias, da
necessidade de se ajudarem mutuamente para superar as dificuldades, inclusive de leitura e
escrita. Esses são concretamente os elementos necessários à formação do ―novo homem‖.
Eu acho que em primeiro lugar nós aprendemos a ser humano, porque a história de
trabalhar coletivamente desperta a humanidade, de saber que esse conhecimento não
é só meu você tem que passar para outro [...] Aprendi também que eu não sou o
único que sabe, a gente também aprende quando ensina, aprendi também uma forma
diferente de ensinar e também de aprender, mas o mais importante foi o trabalho
coletivo. (Entrevistado 3).
O individualismo é uma característica forte do capitalismo difícil de ser superada, uma
vez que é uma prática que acaba servindo para justificar a dominação sobre os outros. A
competição e o individualismo são práticas inclusive incentivadas pela escola burguesa. No
entanto, a falta de acolhimento da universidade ao grupo sem-terra, foi o que potencializou a
solidariedade entre eles, a importância do coletivo, a auto-organização dos estudantes e a
busca da melhor estratégia de aprender uns com os outros de maneira solidária, livre de
chacota e ―mangação‖.
Lá no Rio Grande do Norte [UFRN] tinha pessoas que tinham dificuldades na
leitura, nós tínhamos a reflexão escrita, a gente lia um livro, a gente fazia como
exercício: o que eu entendi da aula de hoje, cada um escrevia do seu jeito. Passamos
por várias etapas: primeiro era a coordenação pedagógica do curso que lia. Era eleita
por nós [entre os pares]. Eram três pessoas, cada semana tinha um grupo, esse
esquema não deu vencimento. Então formamos grupos orgânicos para pensar a linha
das místicas do movimento, para direcionar o curso, para negociar com a
universidade. A organização interna nossa mesmo. Aí a gente discutia o que estava
escrevendo, mas não ia dar para a coordenação ler, isso ia ser feito na aula de base,
nós íamos trocar os cadernos e tínhamos o compromisso de olhar o texto e fazer as
observações, por exemplo, observar a pontuação... Depois que a gente fez isso,
muita gente melhorou. Tinha gente que tinha medo de passar o caderno, com medo
de chacota, de critica, de mangação... A gente trabalhou muito isso no núcleo, para
que olhassem muito mais no sentido de contribuir e inclusive apontando as boas
escritas (Entrevistado 4).
A falta de habilidade com leitura e escrita é um problema geral do Brasil. Na avaliação
do Pisa/OCDE (2009), dos 65 países avaliados, o Brasil assumiu o 530 lugar. Na América
Latina, fica abaixo do Chile, do Uruguai e da Colômbia. No campo a situação de falta de
leitura ainda é mais grave, principalmente se consideramos que as altas taxas de
98
analfabetismo estão concentradas na zona rural. Desse modo há uma tendência que a
informação circule por via oral, daí a leitura e a escrita não fazem parte da vida cotidiana dos
sujeitos e isso acaba repercutindo na carreira escolar.
A esse respeito Gramsci (1982) faz considerações importantes sobre as vantagens que
trazem os estudantes que vivem nas cidades e que fazem parte de grupos sociais
―intelectuais‖:
Numa série de famílias particularmente das camadas intelectuais, os jovens
encontram na vida familiar uma preparação, um prolongamento e uma integração,
absorvendo no ―ar‖, como se diz, uma grande quantidade de noções e aptidões que
facilita a carreira escolar propriamente dita [...] Assim os alunos urbanos, pelo
simples fato de viverem na cidade, absorveram já – antes dos seis anos – muitas
noções e aptidões que tornam mais fácil, mais proveitosa e mais rápida a carreira
escolar (IBIDEM, p.122-123).
Em outras palavras, essa é a marca social da aprendizagem em que se apóia Vygotsky
para desenvolver a sua teoria, que envolve uma compreensão sobre a relação do que o
aprendizado social produz ou reproduz no aprendizado escolar e vice-versa. Desse modo,
Gramsci (1982) defende que a escola para ser democrática exige que seja criada ―uma rede de
auxílios‖, para incluir a todos com a mesma condição e predisposição à carreira escolar.
De fato, para os estudantes atingirem níveis satisfatórios de leitura e escrita, têm que
correr contra o tempo, sem falar no esforço de cada um para promover essa aprendizagem,
considerando a rigidez dos tempos de estudo, marcada pelo conjunto de disciplinas ofertadas
em cada módulo de ensino, com suas respectivas cargas horárias, que sobrecarregam os
estudantes de tarefas não sobrando tempo para o ―reforço‖ das aprendizagens básicas. Essa
aprendizagem vai se consolidando, na medida em que, cada vez mais, vão lendo e escrevendo
para dar conta dos trabalhos acadêmicos.
Contraditoriamente, é precisamente esse suposto distanciamento dos estudantes com a
leitura e com a escrita, que mobiliza professores para inovar suas aulas criando metodologias
mais participativas, abordando o conhecimento de forma menos retórica e dogmática. Os
professores também são obrigados a discutir coletivamente a metodologia das aulas, muitas
vezes questionada pelo grupo de estudantes.
Cada professor é diferente do outro, até a forma de ensinar. Teve uma professora
que a gente detestou, a professora era muito autoritária a gente não podia falar nada,
a gente só tinha que escutar, escutar, escutar... Fomos convencidos pela
coordenadora do curso [da UFRN] que não tinha como substituir a professora. Então
a nossa equipe pedagógica [a auto-organização dos estudantes] sentou com ela para
discutir a metodologia, aí ela se conscientizou e tentou mudar. Depois disso, ela
99
mudou a forma de trabalhar e aí deu para a gente levar disciplina numa boa.
(Entrevistado 3)
É flagrante a reação dos estudantes contra o autoritarismo de professores que se
apresentam como detentores de saberes e esquemas metodológicos inquestionáveis. Os
estudantes já não se vêem como meros objetos/recipientes aonde o professor vai ―depositar‖ o
seu conhecimento (FREIRE, 1987). Os sem-terra, na condição de estudantes, reagem aos
excessos de autoridade, exigem que no processo do conhecimento se estabeleça uma relação
entre sujeitos, representada tanto por quem ensina quanto por quem aprende.
Entendemos que a ocupação da universidade pelos movimentos sociais do campo
explicita contradições, que torna possível o debate da construção de uma universidade mais
próxima às necessidades da classe trabalhadora, porém esse debate na UFS tem ficado cada
vez mais restrito ao grupo de professores e coordenadores articulados ao PRONERA, o tema
não tem mobilizado o debate em torno da universidade enquanto organização cultural para a
formação dos trabalhadores. Essa indisposição é referendada pelo elitismo de certas
universidades no cumprimento da divisão social do trabalho, sustentado historicamente pelas
forças produtivas da sociedade.
Portanto, a universidade para os trabalhadores em geral não é uma contradição a ser
superada. Ao contrário, as universidades historicamente tem se ocupado em formar os
intelectuais que compõem o que Poulantzas (1985) chama de ―pessoal de Estado‖ cuja função
é ―cimentar‖ a ideologia dominante (p. 179). São os ―intelectuais tradicionais‖ na visão
gramscisana. Por isso, as universidades quando convocadas pelos movimentos sociais para
formar o ―intelectual de novo tipo‖ cuja função orgânica é organizar a classe trabalhadora, a
relação não é de contradição, é de antagonismo.
Nesse caso as condições concretas e objetivas não estão postas para que a presença de
uma turma especial composta por membros de movimentos sociais do campo construa uma
práxis revolucionária sob a lógica da universidade burguesa. Há um limite que ultrapassa o
próprio engajamento político dos estudantes e de professores e coordenadores dos cursos.
Os limites da formação universitária e da pedagogia do movimento, em Sergipe, se
explicitam para os pedagogos da terra a partir do envolvimento no trabalho, tanto nas escolas
e nas secretarias de educação. O próprio setor de educação do MST vai tomando consciência
de que não basta saber sobre qual concepção de educação se quer construir a educação do
campo, antes têm que enfrentar as barreiras não só as que são postas pela política de
educação, mas também as que reproduzem valores e atitudes como a forma de ser e de estar
no mundo.
100
Nesse sentido, a tese de Jesus (2002) nos convida a pensar dialeticamente sobre o
sentido da educação para as pessoas, para o trabalhador rural, as implicações entre interesses
individuais e coletivos, do coletivo ser a raiz da pedagogia, assim como o papel que o
conhecimento ocupa nesse processo. O assentamento é um espaço ―novo‖ em tudo:
A educação no movimento dos trabalhadores deve ser a de estimular a busca de
alternativas às alternativas colocadas pelo desenvolvimento. É o no espaço do
assentamento que está a maior possibilidade de exercitar um modo de pensar pela
não eliminação do conflito, mas é preciso tomá-lo como um componente essencial
para descobrir e reinventar conhecimentos e saberes que podem emancipar os
sujeitos se livrando do idéia de salvação. Compreender essas relações a partir das
interações entre os sujeitos nos assentamentos e na própria formação da organização
do movimento social tomando o conflito como objeto de análise, significa apontar
uma outra forma de interpretar o MST, a formação dos sujeitos assentados e o papel
do conhecimento nos assentamentos de reforma agrária (IBIDEM, 2002, p. 64).
As falas vão anunciando a dinâmica das relações sociais cuja nossa pretensão é
descobri os nexos constitutivos dessa realidade. As interpretações prévias sobre a formação
do pedagogo da terra, aos poucos, vai adquirindo contornos que não foram previamente
pensados – ―a realidade não se deixa conhecer imediatamente. A realidade social é complexa,
contraditória, constituída por nexos, relações, processos, estruturas que não se deixam
conhecer pela observação empírica‖ (IANNI, 1984 p.97). A tentativa é apreender essa
realidade como movimento a partir da contradição, que segundo Ianni (1984, p. 104), do
ponto de vista dialético, ela ―não se apaga; ela se resolve. Portanto ela se desdobra‖.
3.2.4 O desafio da construção da escola do campo – A produção
A conversa com os pedagogos da terra sobre o processo de construção da educação
do campo em cada município, em cada assentamento, nos indica um mosaico de conflitos que
vai se configurando em categoria chave para explicitar as contradições.
O conhecimento produzido pelas lideranças dos movimentos sociais do campo sobre a
identidade da educação, como um fenômeno originário da luta pela terra, na organização dos
sem-terra, afirma-se sobre a necessidade de uma educação contrária à educação tecnicista,
produtivista, de caráter urbanocêntrico que alia escolarização à migração do homem do
campo para a cidade em busca de trabalho e melhoria da condição de vida. Essa proposta de
educação não é assimilada sem conflito pelo assentado, pelo trabalhador rural.
101
A ―nova‖ forma de conceber a educação rural nasce enfrentando o desafio de não só
construir uma ―nova‖ escola, mas também por fazer compreender e legitimar a concepção de
educação defendida pelos movimentos sociais do campo. Uma educação que não sirva para
―urbanizar‖, muito menos para reafirmar preconceitos sobre a cultura e o modo de vida do
rural, uma escola que incorpore no seu currículo a pedagogia do movimento, uma escola do
campo no campo.
Os pedagogos da terra quando pensam em educação do campo, dizem que é
afirmação da identidade da luta pela reforma agrária, um valor e respeito pelo homem do
campo, é educação de qualidade, é também, consolidação de seu auto-conceito positivo.
No mínimo, conceber a identidade e dizer: sou sem-terra! Para mim isso é
fundamental, para que a proposta pudesse dar certo, um processo de escola coletiva
e solidária que construa valores. Esses são os princípios da gente, que a gente tenta
fazer em sala de aula. A escola como espaço importante na formação da luta, no
respeito pela luta! (Entrevistado 1).
Bom, no meu entender é você pegar e trabalhar não só a realidade do homem do
campo, mas também valorizar a gente, saber que tudo o que é colocado na cidade,
alimentação, tudo que é produzido e que não é industrializado, veio do homem do
campo. O homem do campo para quem está na cidade é o jeca, é aquele cara que
não sabe fazer nada [...] minha visão sobre educação do campo, eu acho que deve
está voltada para o valor que o homem do campo tem para a sociedade. Eu acho que
essa é a questão básica da educação do campo. (Entrevistado 7).
O campo da educação do campo é muito vasto [...]. Eu vejo o campo com muitas
situações que não é diferente da cidade: são crianças abusadas sexualmente, que
sofrem agressões dentro de casa... A cidade que eu estou a base da economia é a
agricultura, tanto no urbano, quanto no rural... Eu quero uma educação de qualidade,
e que respeitem Joaquim do jeito como ele é. Eu não tenho hoje uma metodologia,
tenho metodologias. (Entrevistado 4).
O movimento ―Por uma Educação do Campo‖ ao tentar reverter a lógica do campo
como lugar de referências marginais e pejorativas, ir contra a lógica capitalista excludente de
expulsão das pessoas do campo, em defesa da reforma agrária, acabou produzindo uma visão
romântica do campo, como se tudo do campo fosse bom: o jeito de ser e pensar das pessoas
que vivem no campo. A aproximação com a realidade desfaz o tom de romantismo, porque o
campo não é um espaço à parte da organização social na qual vivemos, ao contrário o homem
que vive no campo não só faz parte da realidade mais ampla como também está inserido nas
relações sociais de produção, mesmo de forma excludente. Por isso, quem está próximo à
realidade e consegue ter uma visão crítica sobre ela, fica difícil referendar um homem do
campo sem malícia, nem o campo perfeito.
102
Educação do campo é também: construção da identidade sem-terra, saberes
específicos ligados ao campo, saberes que valorizem o homem do campo. Entendem que não
se pode pensar num campo homogêneo, nem tão pouco num currículo centrado apenas no
campo, embora não desconsiderem a importância do binômio campo/terra como conteúdo do
conhecimento.
[...] eu acho que a gente tem que trabalhar com a realidade dos alunos, só que muitos
dos meus alunos são da zona rural, mas as atividades dos pais deles não é no meio
rural, eles são comerciantes. Poucos são os que trabalham na roça. (Entrevistado 6).
O homem do campo também vai para a cidade também vai conhecer avião, também
vai conhecer as coisas todas e tem aquela questão de dizer que o homem do campo
não dá para estudar com as coisas da cidade, dizer que o menino do campo não vai
conhecer avião [...] ele vai ver que tem que estudar, porque quando ele chegar fora
ele vai saber o que é avião e não precisa perguntar a ninguém. Por mais que não
tenha uva na nossa região, na cidade tem. A educação do campo tem que ser dessa
forma, tanto estudar a questão do homem do campo, tanto quanto do homem da
cidade. (Entrevistado7).
Numa escola eu tenho duas turmas, uma não é igual outra. João é irmão de Joaquim
e um não é igual outro, os problemas que eles passam em casa são semelhantes, mas
a forma de cada um interpretar é diferente. No mínimo o que a gente pode fazer hoje
é reconhecer que tem que se pensar uma proposta para o campo, não! Uma não!
Várias propostas, levando em consideração a realidade das pessoas e que tipo de
realidade é essa e como é que a gente interpreta. (Entrevistado 4).
A escola do campo tem que ensinar as coisas ligadas à questão do campo, por
exemplo: plantação, maquinário, uso de fertilizantes... As propagandas estão aí
dizendo que não pode ser utilizado por causa da transgenia, mas infelizmente o
homem do campo não sabe trabalhar da forma correta. Eu acho que essa discussão
tem que começar na sala de aula, a questão do lixo também. (Entrevistado 2).
Cada fala de certa maneira pauta a educação do campo centrada na necessidade da
leitura da realidade como ponto de partida e de chegada dos processos educativos escolares.
Qual é a realidade do campo hoje? Damasceno (1993) nos ajuda a compreender que ao
mesmo tempo em que a pedagogia do movimento contribui para a educação do trabalhador,
concorre com a falta de uma política agrícola que assegure uma reforma agrária capaz de
alterar a configuração da exploração do trabalho e a expropriação do produto do trabalho e da
terra. Por outra parte, os trabalhadores rurais possuem uma experiência de trabalho que não
aceita o modelo de produção coletivo proposto pelo MST. A esse respeito, Damasceno (1993,
p. 67) chama a nossa atenção: ―É conveniente ressaltar que esse ‗individualismo‘(grifo da
autora) do camponês é perfeitamente coerente com a racionalidade econômica do tipo de
103
capitalismo que se instalou no campo, na medida em que assegura a manutenção das
condições que permitem a sobrevivência e a prosperidade da exploração extensiva‖.
Desse modo, é preciso compreender que o saber social produzido pelas relações de
trabalho no campo acabam formando uma barreira para a mudança, portanto, é essa realidade
que precisa ser problematizada. Esse é ponto central que os pedagogos da terra trazem para o
debate, nem todos que vivem no campo vivem da terra, tão pouco os que vivem da terra
prescindem que esse conhecimento esteja presente nos currículos escolares, portanto, o que é
específico na educação do campo é a realidade, que inclui os vários modos de ser, viver e
trabalhar no campo; que inclui a terra, o extrativismo, a pesca, o trabalhador assalariado, os
quilombolas, os indígenas, ou seja, uma diversidade que não caberia em um modelo único de
educação, mas que é próximo do que tem sido defendido pelas propostas contra-hegemônicas,
a exemplo da educação popular, na qual a realidade é conteúdo e finalidade do ensino,
indicativa da problematização da exploração do trabalho infantil, do abuso sexual, da
violência doméstica, do agronegócio.
Esse debate nos remete à pedagogia da práxis como uma proposta de inspiração
libertária, como tendência que põe em evidência a questão política da ação educativa, de
modo que toda proposta pedagógica possa se estruturar a partir dos fins da educação, ou seja,
que homem se deseja formar, para qual sociedade. Desse modo, qualquer ação deve partir da
leitura da realidade e voltar a ela numa perspectiva transformadora. Essa tendência produziu
experiências significativas no âmbito da educação formal, da qual tivemos a sorte de
vivenciar como coletivo executor.
Como já nos referimos antes, temos alguma experiência com a pedagogia da práxis. O
trabalho com os professores alfabetizadores desenvolvido pela COTEP tinha como princípio o
respeito aos saberes do professor, do aluno e a compreensão da relação educação-sociedade.
Os saberes do professor eram considerados ponto de partida para a construção de um processo
alfabetizador cuja finalidade não era a apreensão mecânica do código lingüístico, mas sim o
aprendizado da leitura e da escrita com um sentido existencial, pautado no saber lingüístico
do aluno. Entendíamos que essa proposta articulava-se aos interesses dos trabalhadores, tanto
dos professores, quanto dos alunos, pela via do reconhecimento dos seus saberes. Esse viés de
classe foi e tem sido questionado pelo projeto burguês de educação, de maneira que a nossa
proposta viveu momentos de êxito pelo que os professores e alunos produziram nas suas
classes e de retaliação e perseguição político-pedagógica.
Não temos dúvida que escola deve reconhecer a importância dos saberes produzidos
socialmente. No entanto, fomos ao longo da nossa trajetória pedagógica percebendo que a
104
realidade social tomada como ponto de partida do ensino não é plenamente compreendida
pelos professores, pais e alunos, principalmente jovens e adultos. Do ponto de vista empírico,
podemos afirmar que há uma tendência dos professores a tomarem a realidade como um fim
em si mesmo, de maneira a reproduzir o real ao invés tomá-lo como ponto de partida para a
construção do conhecimento novo, que permitiria ao aprendiz olhar aquela realidade de forma
diferenciada para transformá-la. O problema que se coloca, repetindo o que já questionamos
antes, diz respeito a ―quem educa o educador‖? Em geral, o processo de formação do
professor deixa a escola real fora das experiências acadêmicas, não só pela separação entre
teoria e prática, mas principalmente, pela forma como a educação escolar concebe o
conhecimento científico: como dogmático e retórico, algo à parte da realidade social.
De maneira que, experiências educativas que trazem a realidade para dentro da aula
requerem diálogo tanto com os estudantes, quanto com os pais. Há uma compreensão já
socializada de que é próprio ao conhecimento escolar manter-se distanciado dos saberes da
vida. Quando a vida entra aula à dentro os pais ficam preocupados, uma vez que os saberes da
prática, no caso dos sem-terra, da lida com a terra são de domínio deles, dos assentados e/ou
dos que são trabalhadores da terra. Porém, no que diz respeito aos saberes e conhecimentos
próprios à escola como, por exemplo, ensinar a ler e escrever, eles não têm domínio. Como a
escola tem produzido muitos analfabetos funcionais é justo que os pais questionem a escola
quando supostamente ela propõe atividades que os estudantes podem aprender com eles, no
dia a dia.
Ou você mostra aos pais que aprender as coisas da natureza é um processo
formativo ou então os pais não aceitam. Eles vão dizer: eu mandei meu filho para a
escola se fosse para mandar para roça eu mesmo levaria... Eu quero que ele aprenda
a ler e escrever. Eles não conseguem ver o trabalho como espaço educativo, por
exemplo, a criança está olhando como feijão se desenvolve e também está
aprendendo, mas os pais não conseguem ver isso. Eles conseguem ver o que é
culturalmente valorizado. Para o pai o aluno tem que aprender na escola o que ele
não sabe. Veja, eu tentei fazer uma horta comunitária numa escola. Aí reuni os pais
para sentir qual era o apoio que eu tinha. No outro dia fui chamada na escola
dizendo que estava a maior polêmica do mundo, porque os pais estavam ameaçando
tirar a meninada da escola se eles fossem mexer com a horta. Era uma escola de
assentamento, aí eu tive que fazer uma reunião ampliada para saber dos pais qual era
o objetivo de mandarem os filhos à escola. Comecei discutindo qual era a
dificuldade do pai levar o filho para roça. Os pais disseram que eles não querem ir
para roça, então eu expliquei que o trabalho da horta na escola serviria exatamente
para valorizar a terra, para colocar o quanto é importante ele conhecer as técnicas de
plantio. Já pensou se seu filho se transformar num agrônomo? Aí os pais dizem: aí é
bom! Eles querem um futuro melhor para os filhos. Porque não querem que os filhos
tenham a vida que ele teve. A concepção de que tem que estudar para sair do campo
ainda é muito forte. A lógica que a gente tenta trabalhar é de que eles têm que
melhorar as condições de vida naquele lugar [...] A preocupação dos pais é que a
escola explore os filhos na manutenção da horta, na concepção deles isso é papel da
prefeitura. (Entrevistado 4).
105
A desconfiança procede, tanto no sentido das experiências de exploração da mão de
obra às quais são submetidos, enquanto mão de obra gratuita com nome de ―amigo da
escola‖36
. Os pais pensam no tempo que a escola está ―perdendo‖, para ensinar aos seus filhos
coisas que eles próprios, em tese, podem fazer. Desse modo, uma experiência de educação
centrada na pedagogia da práxis não pode prescindir da participação dos pais na organização
do planejamento escolar, para que os sujeitos do campo, como sujeitos dos vários
movimentos sociais do campo, ou sem pertencer a nenhum movimento organizado, tenham
oportunidade de colocar em confronto com o seu modo de ser e de pensar, marcado pelos
processos de socialização de vida e de trabalho. Há uma questão concreta que não pode deixar
se levada em conta que é a própria experiência da família nas escolas rurais: a escola da qual
a maioria dos alunos saem sem aprender a ler e a escrever, relegada ao abandono, precarizada
tanto em estrutura física quanto em material pedagógico, entregue a professores
despreparados e mal pagos.
Eu digo pelo meu município que carece de uma política voltada para a realidade do
campo. Na minha cabeça seria... O que é que atrapalha educação, não é a má
qualidade do ensino? Essa escola toda quebrada, sem infra-estrutura, que só tem
merenda uma vez na semana, sem quadra de esporte, que não tem o computador,
que não tem livro para todo mundo, é só giz e o quadro que não presta!
(Entrevistado 8).
Essa é a situação da escola real à qual estão submetidos os sujeitos que vivem no
campo em Sergipe. A situação da falta de perspectiva de melhoria de vida faz com que os pais
apostem nas escolas das áreas urbanas dos municípios para garantir a conclusão do processo
de escolarização dos filhos, com melhor formação para conquistar melhores postos de
trabalho. Essa postura se verifica também entre os assentados, sinalizando que a posse da
terra, por si só, nem sempre traz a melhoria de vida para as pessoas. Os entrevistados
denunciam que é difícil convencer os seus pares da necessidade de lutar pela escola nas áreas
de assentamento. Contraditoriamente o conjunto de trabalhadores que lutou e conseguiu a
posse da terra, duvida da luta pela posse de uma boa escola, até porque a luta que levou ao
assentamento não necessariamente trouxe a melhoria de vida. Há também um processo
histórico que não só alijou os trabalhadores do campo do acesso à escola, com também
produziu a ideologia da caneta contrária à enxada, responsável por produzir nos trabalhadores
36
Os Amigos da Escola é o projeto criado pela Rede Globo cuja característica principal é a participação de
voluntários e entidades no desenvolvimento de ações educacionais ditas complementares. Disponível em:
<redeglobo.globo.com/amigodaescola>. Acesso em: 01 mar. 2012.
106
rurais a crença de que o trabalho manual gera empecilho ao trabalho intelectual. Desse modo,
para o trabalhador rural em geral, a escola como um direito não é uma questão que se objetiva
plenamente fora da organização dos trabalhadores. São esses saberes produzidos nas relações
sociais que a pedagogia do movimento tenta problematizar, forjando nos assentados a
necessidade não só da escola, mas de interferir no seu currículo, objetivando superar a falsa
impressão de que a boa escola é a da cidade ou a que é paga, porque estariam mais bem
estruturadas tanto em condições físicas, quanto pedagógicas, inclusive dizem que ―tem
professores que sabem ensinar‖.
O povo não dá valor à escola pública porque ela não é paga. Até os assentados têm
essa posição. Espera-se dos assentados uma posição diferenciada, mas na prática a
situação nos assentamentos não é diferente da comunidade em geral. A comunidade
também não participa da escola, há situações problemáticas com certos diretores,
mas nem sempre a comunidade se organiza para exigir a participação na escola...
Tem gente que não acredita na escola do assentamento, acha que a escola da cidade
é melhor. (Fala em sessão do Grupo Focal ).
A política de educação pública tem negado à classe popular brasileira a escola como
lócus privilegiado da aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo. São inclusive as
aprendizagens básicas a serem garantidas pelos primeiros anos de escolaridade, mas não é
isso que acontece. Não há garantia das classes populares acessarem os conhecimentos básicos
através da escola. De certo, a política de apoio ao estudante descaracteriza a escola como
lugar de estudo. Os programas focados na merenda e no Bolsa Família, são exemplos disso:
vai para a escola comer e garantir o benefício. Os entrevistados dizem que há dificuldade em
mobilizar a comunidade para além da freqüência às aulas que é a garantia de permanecer no
Bolsa Família.
Tem alunos que dizem que só vão para a escola por causa do benefício [Bolsa
Família]. Tem alunos que não obtiveram resultado nenhum. Infelizmente... Eu acho
que é um incentivo, não deixa de ser um incentivo, mas o jeitinho brasileiro acaba
não vendo como incentivo. Se dissesse assim, você tem que estudar para receber o
benefício... Mas que não fosse só pelo benefício, que tivesse um trabalho de
conscientização para que eles pudessem ver que é realmente importante que eles
estudem (Entrevistado 2).
Quem conscientiza? A pedagogia do movimento, os pedagogos da terra? As relações
sociais produzem a ideologia necessária à valorização da escola como um bem cultural
necessário ao desenvolvimento do indivíduo e da comunidade? No caso a pedagogia do
movimento acaba concorrendo com a própria política de educação que produz uma cultura
onde o conhecimento não aparece como o foco principal da escola.
107
Nesse sentido, a participação dos pais nas escolas é fundamental para o processo de
―ocupação pedagógica da escola‖. No entanto, há dificuldade de mobilizar os pais para o
enfrentamento dos problemas da escola nos assentamentos. A tradição escolar burguesa
produz uma posição de estranhamento com as comunidades, principalmente com as classes
trabalhadoras, mesmo na escola do assentamento é possível perceber que não há abertura para
a participação dos pais nas decisões da escola, quando muito são chamados para contribuir
com pequenos consertos, festinhas e coisas do gênero.
Hoje, pelo pessoal que está no curso de Pedagogia e faz parte da escola do
assentamento X, está tentando resgatar isso aí [participação dos pais]. (Entrevistado
7).
Agora quando tem reunião eles chamam os pais e eles vêm. As decisões também são
discutidas, se vai fazer bazar, como vai ser o dia das crianças... Os pais participam.
(Entrevistado 5).
De um lado a cultura escolar que afasta os pais da escola, do outro falta o
protagonismo dos pais com relação à ocupação pedagógica da escola. Podemos apontar
algumas variáveis que contribuem para isso, desde ao fato de não terem participado da
construção (ou reconstrução) da escola e, portanto, não a sentirem como sua; a falta de
vivência da pedagogia do movimento que ensina o valor do estudo; pela grande maioria de
analfabetos que aprendem a se ―virar‖ sem a escola e têm dificuldade de compreender a
importância dela, da alfabetização e do conhecimento escolar e, também, pela forma como os
saberes são legitimados socialmente. Para a ocupação da terra, os saberes da vida têm valor
potencial, no entanto para a ocupação da escola lhes falta saberes. Além do que o assentado
em si não é um ―novo‖ homem, é um sujeito em construção e que em posição de liderança
muitas vezes acaba exercendo o poder de modo autoritário e despótico e não como liderança
coletiva. De modo que, quando a comunidade consegue a custa de muita luta com o poder
municipal, nomear o diretor da escola dentre os seus pares, são surpreendidos.
Eles [os pais] chegaram à escola em grupos disseram que não estavam gostando do
trabalho da diretora que ela não estava seguindo as linhas que o movimento [MST]
sustenta e pediram na secretaria de educação que ela fosse afastada. Quem substituiu
foi uma diretora que é assentada, mas depois que foi assentada ela entrou para uma
religião, acho que é Testemunha de Jeová, eu não sei qual é a doutrina que essa
religião prega, só sei que ela praticamente não se envolve com questão nenhuma do
movimento sem-terra nem o hino ela entoa. (Entrevistado9).
108
Esse fato revela que não basta ser professor e estar num movimento social, é preciso
que como garantia de direito, esse professor da rede pública se coloque comprometido com a
reforma agrária e com a educação. A educação da reforma agrária precisa de um professor
que seja um ―militante social ativo‖ Pistrak (2000). Os entrevistados dizem que os professores
da rede pública de ensino tem contribuído muito para aumentar o descrédito da comunidade
com relação à escola, principalmente quando se colocam contrários a irem trabalhar nas áreas
de assentamento, em geral de difícil acesso ou quando não têm compromisso com os alunos,
nem com a reforma agrária.
O professor sabe para ele, não ensina porque não quer se esforçar [...] Tem muito
formado que não tem ―dinâmica‖, não tem jeito com as crianças, enquanto outros
que mal fizeram o 1º grau são queridos dos alunos e se esforçam muito mais. (Fala
do Grupo Focal).
Por exemplo, a professora do meu assentamento ela não tem nada a ver com sem-
terra ela é concursada e faz um trabalho belíssimo, todo mundo elogia o trabalho da
professora, ela tem uma classe multisseriada e os alunos conseguem aprender. Vai
do pré, primeira, segunda e terceira, ela dá atividade a todos ao mesmo tempo, tem
uma relação ótima com todos e consegue que todos aprendam. (Entrevistado 6).
Entendemos que essas falas revelam um conflito de várias ordens: os processos
formativos de professores, o compromisso e a prática dos professores. No que diz respeito aos
processos formativos podemos retomar Arroyo sobre a necessidade de atrelar processos
formativos com políticas que tornem o trabalho docente formador. A escola se instala no
assentamento por força da mobilização dos assentados e é mantida pelo poder municipal. A
maioria das escolas é casa adaptada, sem estrutura física adequada, sem equipamento
pedagógico, instaladas em áreas de difícil acesso. Quase sempre o professor não é assentado,
mora na sede dos municípios, às vezes em outro município e tem que se deslocar, por conta
própria, por estradas esburacadas ou enlameadas, ou trilhas, sem nenhum tipo de incentivo
financeiro. Esse quadro é potencializador da instabilidade e da rotatividade dos professores
nas escolas. No entanto, a fala do Entrevistado 6 revela que assim como tem assentado que é
professor e não é um ―militante social ativo‖, tem professor que não é assentado, mas tem
boas práticas.
A formação, ao lado de boas práticas é uma forma de compromisso. Ocorre que a
política de massificação de formação de professores produz um professor titulado sem teoria
pedagógica, sem concepção de educação, mal preparado, inclusive metodologicamente, numa
escola sem condição de trabalho, o que constitui o cenário propício para o descompromisso. O
problema não passa só pelo compromisso com a reforma agrária, passa também pela
109
formação aliada às condições de acesso às escolas, à falta de condições de trabalho, de
material didático – pedagógico, de carteiras adequadas, ou seja, uma série de fatores que se
interpõem entre o compromisso e as condições pedagógicas para realização do trabalho
docente. Mesmo os educadores ligados aos movimentos sociais do campo, ao se defrontarem
com as condições adversas de trabalho impostas pela política de educação local, se apóiam na
militância como um estímulo para perseverar.
Se fosse uma questão de compromisso, eu lá no município X há quatro anos e meio,
dentro da secretaria, já teria escolas em todos os assentamentos. A política do intra-
campo estaria implantada dentro dos princípios da educação do campo.
(Entrevistado 4).
Entendemos o compromisso como coloca Gramsci (1987), como ―vontade concreta‖
cuja condição de objetivar-se não é algo puramente individual, mas está em uma ―relação
ativa‖ com outro projeto de campo e outro projeto de escola. Os pedagogos da terra, nas
escolas e nas secretarias de educação sentem como é difícil afirmar seu ―compromisso
militante‖ diante da política local.
[...] não é só as pessoas do movimento que luta por melhores condições, por uma
educação de qualidade [...] eu acho que tem um pouco de ideologia nessa história de
achar que o movimento chega e salva tudo, eu não acredito nesse movimento que
chega e salva tudo. (Entrevistado 6)
Nós sozinho não vamos mudar nada. Chega numa escola encontra todo mundo
descrente, o que é que um só pode fazer? Não é fácil mobilizar os pais, mesmo que
seja do assentamento, tem uns que chegam junto, mas a maioria não quer discutir.
(Fala do Grupo Focal).
De um lado, estão os movimentos sociais reivindicando a necessidade de uma
formação que propicie a compreensão do processo educativo, didático, pedagógico e político.
Do outro, a política de formação apoiada pela LDB 9394/96 referenda projetos de formação
aligeirados, seguindo a tendência neotecnicista de preparar os professores para aplicar
programas e métodos pensados por especialistas. Proliferam-se as faculdades isoladas, o
oportunismo da iniciativa privada e, também das instituições públicas, o apadrinhamento
político, constituindo o grande mercado de escolas de formação de pedagogos. Os egressos
dos mais diversos processos formativos são nivelados ―por baixo‖ e o despreparo do professor
da rede pública da educação básica, graduado e mesmo pós-graduado, é hoje uma realidade
constatada, tanto para os que estão na condição de professor efetivo, quanto temporário.
110
[...] o pessoal que fez a UVA37
leram os mesmos textos que nós estamos lendo, no
entanto, na hora de ensinar não ensinam, por que isso acontece? (Fala do Grupo
Focal).
O poder público amplia seus cursos de formação inicial de professores na modalidade
à distância, através da criação da Universidade Aberta do Brasil - UAB. Não querendo entrar
no mérito da questão, é oportuno observar que a formação inicial à distancia responde à
estratégia neoliberal de racionar recursos e aumentar a reserva de professores formados, sem
a atenção necessária à qualidade desse processo formativo, oferecendo ao mercado mão de
obra barata, atendendo ao preceito legal de formação superior como exigência mínima para o
exercício da docência.
[...] na minha concepção, o que leva tudo isso é o professor se formar apenas por
televisão, como vai tirar dúvida com a televisão? Eles vão um dia na semana, no
sábado, tem um tutor que cederá toda explicação das aulas que o aluno estuda na
apostila para aprender a ser professor. Onde ficou a discussão? (Entrevistado 8).
Por outro lado, não dá para acreditar em uma escola que se abre ―para todos‖,
submetendo as classes populares à experiência de fracasso, sob condições de ensino
precarizadas: a estrutura física da escola é ruim, em geral faltam banheiros, carteiras
apropriadas, material, apoio pedagógico, até mesmo energia elétrica.
Eu queria uma escola que tivesse materiais para gente trabalhar, tivesse aparelhos
audiovisuais, porque quando eu quero trabalhar com eles eu tenho que levar DVD e
pedir uma televisão emprestada, ou então levo meu microssistem de casa, eu tenho
um pequeno só para a aula, porque eu gosto muito de trabalhar com música. A
escola que eu sonho teria carteirinhas e mesinhas apropriadas para os alunos de pré-
escola, porque as que têm na minha classe é carteira de adultos, aquelas que os
meninos ficam com as pernas penduradas. Eu sonho de ter uma escola de verdade,
uma escola que possa dar condições e contribuir com o desenvolvimento da criança.
Talvez seja a escola que eu não tive e que eu continue sonhando [...] uma escola que
possa contribuir com aprendizagem (Entrevistado 2).
Os entrevistados que trabalham em classes de alfabetização de jovens e adultos, se
esbarram em problemas básicos: o professor, a grande maioria despreparada, não dispõe de
material pedagógico; os adultos, além de estarem no terceiro tempo de trabalho, não
enxergam bem. Por isso que esses programas apresentam alto numero de evasão. Esses
números em geral não são contabilizados, os governos forjam uma estatística de alfabetizados
baseada no número de matriculados nos programas, escamoteando a situação real. Em geral,
37
Universidade Estadual do Vale do Acaraú, uma universidade estadual do Ceará, que se instalou no Estado de
Sergipe no fim dos anos de 1990, conveniando-se com as prefeituras para formar em Pedagogia, em princípio, 5
mil estudantes, em cursos de fim de semana com duração de dois anos.
111
as classes de alfabetização de jovens e adultos são muito mais uma resposta política dos
governos à questão do analfabetismo, do que uma investida conseqüente contra o problema.
Mesmo diante desse quadro existem professores que, por alguma razão, conseguem fazer a
diferença.
Na educação do campo a de jovens e adultos é a área que eu mais me dou bem. Eu
me dou bem desde as primeiras turmas. Hoje Vandré [ex-aluno] é agente de saúde...
A grande maioria veio estudar aqui em Aracaju, faz segundo ano [ensino médio].
Comigo nunca ninguém ficou só na primeira série que as pessoas ficam. Aí eu
questiono isso. Não que eu queira ser a boa, ou que eu sou melhor do que os
outros... Talvez eu possa saber menos do que eles, mas você tem que ter uma
postura diferente... (Entrevistado 8).
A motivação tem sido mais em função de garantir o salário de uma pessoa da família
que está dando aula para jovens e adultos, nesse caso a sala é composta por pai, mãe
e espírito santo [risos]... Ou as pessoas descobrem que é necessário estudar, ou não
adianta o governo fazer campanha... Eu não acredito no Brasil Alfabetizado, eu não
acredito no Sergipe Alfabetizado, sabe por quê? É aquela coisa compensatória: pelo
menos tem isso, mas a gente não quer um ―pelo menos‖. Bota lá um sujeito para dar
aulas sem acompanhamento pedagógico, sem estrutura, não leva em conta a
realidade do sujeito, vai se construir o que? Eu já disse que não trabalho mais nisso,
não dá mais. (Entrevistado 4).
Essas falas anunciam que a tarefa histórica à qual o MST se impôs como sujeito
educador, em alguns lugares desse país, pode ser uma tarefa hercúlea. A necessidade de
educação em determinadas realidades, em determinados contextos sociais e culturais, não
parece ser um valor necessariamente aliado à luta pela terra. Nesses casos, esse valor tem que
ser construído, a pedagogia do movimento deveria estar mais presente para ajudar os
trabalhadores rurais a terem objetivos educacionais e se envolverem diretamente na luta pela
alfabetização, pela escola, para romper com a cerca do ―latifúndio do saber‖. A nossa
pesquisa anuncia que a luta pela terra não é bastante para construir a compreensão da
educação escolar como uma aliada estratégica da reforma agrária.
Por outro lado, a escola, a que existe ou a que falta, carece de um projeto pedagógico
no qual os trabalhadores possam afirmar-se como sujeitos, ao contrário, a escola que temos se
afirma pela negação do campo como lugar de vida e de trabalho, ou seja, pela negação do
próprio trabalhador do campo, com seu modo próprio de ser, de falar e de organizar a vida. É
paradoxal, além do processo de escolarização ser longo, sem retorno imediato, constitui-se em
negação do próprio sujeito da educação. Desse modo até os trabalhadores que lutaram pela
posse da terra têm dificuldade de responder para si mesmo: Conhecimento escolar para que,
para quem?
112
Por isso, os movimentos reivindicam uma educação escolar contrária a que atua como
instrumento da ordem hegemônica, a que forma o trabalhador subordinado. Como diz Jesus
(2002, p.37), ―a experiência anterior era mais de submissão e não de enfrentamento‖. A
construção do homem ―novo‖ passa pela construção do sujeito como protagonista, como
sujeito histórico. O processo de ―ocupação pedagógica da escola‖ tem esse sentido, porém
não acontece por igual em todos os assentamentos. Não basta estar num movimento social,
não basta ser assentado, para ―virar a escola de ponta a cabeça‖. Como diz Caldart (2004, p.
394),
[...] se existem hoje algumas escolas de sem-terra onde o movimento se enxerga
mais do que em outras é porque nelas por trabalho e circunstâncias, há sinais mais
fortes de um processo de ocupação pedagógica que talvez nem o movimento saiba
exatamente como fez, ou que alicate usou para fazer estalar esse arame (Grifos da
autora).
É fato que encontrarmos em alguns assentamentos uma escola envolvida com a
comunidade, desenvolvendo um trabalho coletivo, buscando outra forma de organização
tempo-espaço da vida escolar. Entendemos que em determinados contextos estão postas as
condições objetivas (internas e externas) geradoras de experiências ―novas‖, apostamos,
inclusive, que essa possibilidade é forjada pelos movimentos sociais a partir do seu
protagonismo. No entanto, o clientelismo brasileiro, a questão do público e privado na
educação se sobrepôs sobre qualquer tentativa de democratização da escola, prova disso foi o
movimento dos Pioneiros da Educação Nova versus movimento da Igreja Católica. Nem o
Marquês de Pombal em 1759, nem os Pioneiros em 1932, foram suficientes para impor-se
contra os interesses privados na educação brasileira38
.
A escola brasileira não tem tradição democrática, muito menos humanista. Nesse
ponto, discordamos de Caldart (2004) quando se refere ao reencontro da escola com o que ela
chama de ―tarefas pedagógicas fundamentais‖ – a formação humana. A escola burguesa não
tem como tarefa pedagógica fundamental a formação humana, mas sim a formação do
trabalhador. A educação democratizou-se nos países onde a revolução burguesa se realizou
plenamente. Isso não quer dizer exatamente que essa escola democratizou-se sob uma
perspectiva de formação crítica e humanizadora, mas sim cumprindo a sua ―tarefa pedagógica
fundamental‖ de reproduzir as relações sociais de produção, como indicam as análises de
Frigotto (1995) e Enguita (1989).
38
A esse respeito ver Saviani (2008a).
113
Fica cada vez mais evidente que para orientar a ação educativa no sentido da
emancipação humana, temos que compreender muito bem a lógica que preside a sociedade
capitalista, a natureza da atual crise do capital e as funções sociais da educação. Concordamos
com Tonet( 2007, p. 35):
A nosso ver é perda de tempo querer pensar uma educação emancipadora
(conteúdos, métodos, técnicas, currículo, programas, forma de avaliação, etc.) como
um conjunto sistematizado que possa se transformar numa política educacional.
Certamente podem-se estabelecer políticas educacionais mais ou menos
progressistas e, por isso, a luta nessa esfera não deve ser menosprezada. Porém o
conjunto da educação só poderá adquirir um caráter predominantemente
emancipador na medida em que da sociabilidade emancipada – o trabalho associado
– fizer pender a balança para o lado da efetiva superação da sociabilidade do capital
[...] Se se quiser em exemplo, basta lembrar da revolução cubana [...] na medida em
que a revolução fez pender a balança para o lado dos interesses populares, todo
sistema educacional foi modificado, ganhando um enorme impulso, no sentido do
favorecimento daqueles interesses.
Desse modo, compreendemos a importância de estabelecer políticas mais
progressistas, a exemplo do PRONERA, do envolvimento das universidades e órgãos
governamentais com a reforma agrária, como uma estratégia para fazer pender a balança para
o lado dos interesses populares. Enquanto o MST busca dar visibilidade ao campo como parte
do ciclo de desenvolvimento social e econômico, colocando a educação no centro desse
processo, estrategicamente setores da sociedade vão absorvendo as demandas encaminhadas
pelos movimentos sociais do campo, ainda que seja uma forma de garantir o controle sobre as
pressões dos movimentos, a exemplo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social –
CEDS (BRASIL, 2010, p.27):
Determinar prioridade para as ações da política educacional voltada para a
valorização da população do campo, com a adoção de metodologia apropriada para a
redução dos graves índices de analfabetismo e da baixa escolaridade,
proporcionando o desenvolvimento amplo e integral tanto das pessoas quanto das
comunidades rurais às quais pertencem.
A direção que a Coordenação Geral de Educação do Campo- CGEC/SECAD foi
dando às ações da educação do campo, quase sempre divergiu dos interesses dos movimentos
sociais, principalmente no que diz respeito à ―materialidade de origem‖: escola do campo no
campo, projeto pedagógico construído pelos sujeitos do campo, professores com forte vínculo
com o campo. Enfim, um pensamento contrário à reforma agrária, cuja educação foi sendo
parcialmente efetivada como política compensatória, de maneira que demandas dos
movimentos vão sendo incorporadas de acordo com a política neoliberal do MEC. As ações
114
serão encaminhadas através de programas datados39
obedecendo ao preceito da otimização
dos recursos pautada na dimensão técnica, relegando ao esquecimento a dimensão político-
pedagógica da educação, requerida pelos movimentos como base para a construção da ―nova‖
educação rural – a educação do campo. Desse modo, o MEC incorpora no discurso os
interesses populares, porém a ação política vai à direção do ―fazer mais com menos‖.
Em tese o MEC responde à provocação dos movimentos sobre o direito à escola,
considerando a dispersão da população residente na zona rural, as ―escolas isoladas‖, sem
estrutura física e de difícil acesso, as classes multisseriadas, a falta de professor e oferta
incompleta do ensino fundamental. O programa garante o transporte dos estudantes do
povoado até a escola núcleo via financiamento de ônibus pelo governo federal em parceria
com os Estados e municípios. No entanto, nem sempre o campo irá à escola do campo e, por
isso, outros problemas vão sendo criados, que podem acabar inviabilizando o acesso e o êxito
da criança na escola.
Vão para a cidade, vão estudar na escola da cidade e aí aquela questão que a gente
percebe também, a importância da sala de aula funcionar dentro da comunidade [...]
Como são 12 quilômetros da nossa comunidade até o centro, se ele chegar um dia na
cidade e não tiver aula, eles vão ficar de 7h da manhã até meio-dia solto o que pode
até acontecer coisas graves, porque os meninos não podem ficar na escola uma vez
que não teve aulas e vão ficar solto. A cidade é cortada pela BR 101, os meninos
ficam passando de um lado para o outro, corre o risco de acontecer um acidente.
Também tem a questão dos alunos que vão nesse transportes para a cidade não tem
um educador que olhe eles, saem de manhã no ônibus superlotado que sai pegando
alunos de 3 a 4 comunidades até chegar no centro da cidade e sem ninguém para
orientar o comportamento deles só o motorista e pronto. O motorista está ligado na
questão da direção o que está acontecendo dentro do ônibus ele não está vendo,
então é viável levar esses alunos pra cidade?(Entrevistado7)
Tecnicamente a solução oferecida pelo MEC pode ser considerada a de maior
viabilidade, porque tenta resolver o problema de forma ágil, otimizando recursos. Do ponto de
vista pedagógico é complicado estudar longe de casa, principalmente, transportar as crianças
sem o acompanhamento de uma pessoa responsável.
A gente está lutando junto à secretaria de educação do município e também junto ao
governo do Estado para construir uma escola [no assentamento] que atenda essas
necessidades. No momento conseguimos uma escola com 4 salas e ainda um
laboratório de informática para que eles possam ficar informado na questão da
informática.(Entrevistado 7)
39
O exemplo são os programas: Educação Infantil no Campo, Escola Ativa, Projovem Campo - Saberes da
Terra, Procampo.
115
A força da reivindicação precisa vir do assentamento, no entanto a defesa pela escola
do assentamento não consegue a adesão de todos assentados uma vez que prevalece a
concepção de que escola boa é a da cidade. O que os depoimentos revelam é que a tarefa de
organizar os assentados para impedir o fechamento de escolas, ou para construção de escolas
nos assentamentos, não consegue mobilizar a maioria, uma vez que o Governo promete
oportunidade de estudo, mesmo que tenha que fechar aquela escola pequena, sem condições
adequadas de funcionamento. Quando o assunto é a escola, os entrevistados dizem que não é
fácil mobilizar os próprios assentados, mas sabem que a mobilização é o caminho para que as
famílias tenham consciência do seu papel, do seu protagonismo, da força política que tem os
trabalhadores quando se juntam para lutar por uma causa, disso os assentados dão
testemunho!
A falta de compromisso dos órgãos governamentais é a certeza de que quando
queremos fazer alguma coisa não existem barreiras que não possam ser quebradas
[...] Mas, falar em transformação na situação da educação é um processo lento. (Fala
em sessão do Grupo Focal)
Eu acho que em todos os lugares dava para fazer uma escola e, veja bem, se fosse só
com os alunos do assentamento X de fato não dava para fazer, mas aí foi feita uma
conscientização com os assentamentos vizinhos e foi feito o mapeamento e
levantaram quantos meninos tinham idade menor de 15 anos, com esse
levantamento veio uma série de ações [...] O segundo passo é ver se as lideranças
têm interesse, não vazar. Se você quer chegar a alguma coisa tem que fazer calada,
quando você tiver todos os dados levantados você parte para ação. A gente só faz a
coisa quando tem conhecimento da coisa. Depois é fazer as reivindicações, porque a
prefeitura briga para não ceder os alunos, porque se tem aluno tem dinheiro... É uma
briga que se dá dentro do assentamento, tem que ter pessoas fortes para reagir [...]
Têm pessoas que não cederam, não querem ir para a escola de lá. Para se negociar
com a prefeitura ou com o Estado as famílias têm que estar plenamente conscientes
do papel delas, para depois não dizer que não sabe o que está acontecendo. Para que
a educação tenha avanço depende da família. (Entrevistado 8).
Por mais simples que sejam as dificuldades, como educadores nós temos que
compreender a realidade da comunidade e mobilizá-las para que discutam as suas
problemáticas [...] O professor deve buscar a solução dos problemas envolvendo a
comunidade, estabelecendo uma parceria se organizando com as famílias porque o
sucesso da escola depende da relação da escola com a comunidade [...] A
comunidade tem que perceber a importância da escola, daí a importância do
relacionamento do professor com os alunos e com a comunidade. (Fala em sessão do
Grupo Focal).
Inverter a situação trazendo para o assentamento a escola núcleo pode ser uma boa
estratégia para que se perceba o problema de outro ângulo. Por que a escola grande, com boa
estrutura física e boa condição de acesso e trabalho para os professores não pode ser a do
assentamento?
116
No assentamento X a escola iria fechar para que os alunos fossem para outra
comunidade [...] mas aí conseguimos a construção de uma nova escola [...] Vai ter
aluno porque ele [o prefeito] vai tirar das outras comunidades e levar para a escola
do assentamento [...] A princípio é a mesma questão, da mesma forma que o pessoal
do assentamento reagiu, elas [as comunidades de fora do assentamento] estão
reagindo também [...] porque ia tirar esses alunos daqui do assentamento, estava
todo mundo revoltado, ia chamar o prefeito para perguntar porque fechar aquela
escola se ainda tinha aluno. Eu acho que as outras comunidades estão reagindo da
mesma forma e até porque é mais complicado, porque estão saindo das suas
comunidades que não tem nada a ver com reforma agrária nem com o MST. Sai de
suas comunidades para estudar com o MST. Tem comunidades que discrimina o
pessoal do movimento, aí ele sai dizendo: meu filho vai se envolver o com o sem-
terra! Esse é o impacto que para eles é maior do que se acontecesse com a gente de
tirar os alunos do assentamento para ir para a cidade ou pra outra comunidade. A
discussão com as outras comunidades ficou a critério da secretaria do município. É a
secretaria quem vai conduzir o processo. (Entrevistado 7)
Embora nem todos percebam a estratégia do MEC como contrária aos trabalhadores,
fato que os divide, o que os aliança é o acesso aos meios de produção, a luta por trabalho e
renda, uma vez que na sociedade capitalista ―a estrutura econômica forma a unidade e a
conexão de todas as esferas da vida social‖ (KOSIK, 1969 p. 104). Por outro lado, há outro
fator que impede a mobilização do assentamento após a conquista da terra. Na opinião dos
entrevistados a falta de solidariedade e de união tem prevalecido entre as pessoas depois de
assentadas. Há um arrefecimento no envolvimento das pessoas nas questões coletivas e uma
tendência a cada um ―cuidar do que é seu‖.
[...] a solidariedade e a união prevalecem enquanto estão na fase de acampamento.
Depois de assentados o envolvimento nas questões coletivas desaparece e cada um
vai cuidar do que é seu. Não há debate sobre a escola e quando há, poucos são os
que dele participam. (Fala em sessão do Grupo Focal)
O processo de transição de acampamento para assentamento, muitas vezes a
estrutura do acampamento não vem de um processo de formação política e que
quando passa a ser assentamento, a luta deixa de existir, isso acaba influenciando a
produção da mística, da organização, da pertença. O movimento nem sempre
consegue dar conta da formação dos sujeitos acampados, para eles serem
preparados. Realmente, quando eles mudam de vida, tem que ser empreendedores,
tem que lidar com coisas que eles nunca tiveram que lidar na vida e estarem
preparados para superar conflitos do lado financeiro, do lado capital, do lado da
produção... Eles não são preparados para isso, resultado isso acaba influenciando na
escola. Até um dado momento todo mundo está lutando pela escola, pelo posto de
saúde... Mas por trás esse querer é muito mais em termos de ter um espaço próprio
no assentamento, que seja a conquista de lá, outros fatores a exemplo dos valores, às
vezes já não estão presentes mais: uma escola na qual o educador seja do campo seja
alguém que estiver fazendo magistério do PRONERA... (Entrevistado 1)
O Entrevistado 1 explicita questões relevantes as quais vale a pena destacar. Ele nos
fala que de um lado falta formação política na fase de acampamento, que fragiliza os laços de
pertença dos sem-terra ao movimento depois de assentados, por outro lado quando, eles
117
―mudam de vida, tem que ser empreendedores, tem que lidar com coisas que eles nunca
tiveram que lidar na vida‖.
A esse respeito Jesus (2002, p.34), entende o MST como uma organização construída
―por uma mestiçagem de idéias, atitudes, estratégias, silenciamentos, crenças e utopias‖ ou
seja, não é homogêneo, não é monolítico, não é a soma das partes, é um todo e ao mesmo
tempo é único e singular, a depender das interferências, das referências, das condições em que
a luta pela terra se realiza. A autora pontua que ―o novo espaço é novo em todos os sentidos‖
(IBIDEM, p. 37). É novo porque passa a conviver com novos grupos de pessoas e novas
realidades; é nova a sua experiência de enfrentamento com os donos da terra, com a polícia,
com o Estado, com outras racionalidades técnicas jurídicas, econômicas e culturais; é nova a
exigência de interesses coletivos.
Assim, a conquista da condição de assentado para alguns tem representado a conquista
da condição de ―possuidores de propriedade‖ com direito a ―cuidar do que é seu‖, de ir à
escola que até então lhe havia sido negada – a escola ―boa‖ da cidade. Não a escola do
assentamento, muitas construídas à base do improviso do espaço físico, sem as condições
concretas favoráveis para acreditarem nela.
Sobral (2006), resgatando a história da luta pela terra em Sergipe, aponta que a
organização coletiva do assentamento foi sempre uma questão polêmica. Por um lado, havia
uma desconfiança, desde a organização da produção no lote coletivo, até a organização do
trabalho em cooperativas de produção. Havia também muitos assentados que rejeitavam a
idéia de agrovila, mesmo que essa proposta tivesse como meta a conquista dos serviços
essenciais pela população assentada, a exemplo de água encanada, energia elétrica,
saneamento básico, escola, posto de saúde, coleta de lixo.
Nas relações sociais baseadas no modo de produção capitalista, por excelência
individualista, o coletivo é uma idéia difícil de ser exercitada. Makarenko (1985) e sua
experiência na Colônia Gorki, encontra no trabalho coletivo a práxis coletiva, como uma
saída para o trabalho de reeducação de jovens em situação de risco social, através do
desenvolvimento do sentimento da coletividade, ou seja, a ação educativa mobilizada por
interesses comuns a todos. No caso da Colônia Gorki a vivência do coletivo expressou-se
como uma reação concreta às situações limites. O sentido da experiência partilhada por todos
aliada à condição de sujeito, que é capaz de pensar por si e encontrar saída para os problemas,
mobiliza a busca de soluções coletivas para os problemas comuns que afetavam a todos,
envolvendo as pessoas efetivamente na ação. Algo que é comum a todos e por todos deve ser
118
cuidado a partir de regras elaboradas coletivamente. Esse foi o caminho encontrado por
Makarenko para a construção do homem ―novo‖.
A pedagogia de Makarenko (1985, p.23) construiu-se na medida em que as situações
concretas foram experimentadas, questionadas, analisadas, estudadas e solucionadas. O
caminho foi sendo construído de acordo com o caminhar, o método não estava pré-definido, a
literatura pedagógica disponível não dava conta, mas o seu propósito estava pactuado: não
perder a esperança de inventar uma maneira de se entender com os educandos. Até que,
caminhando, o caminho é descortinado, desvendado: o potencial educativo do coletivo na
combinação entre instrução escolar e trabalho produtivo – o trabalho coletivo é ao mesmo
tempo objeto e método da pedagogia experimental de Makarenko (LUEDEMANN, 2002).
A esse respeito já nos referimos antes, quando tratamos da ocupação do campus de
Nova Cruz pelos estudantes sem-terra. Foi a situação de abandono do campus, a negação das
condições de sobrevivência que mobilizou a construção da turma como uma coletividade,
como forma de enfrentamento. Assumir a direção orgânica do curso foi uma maneira
encontrada pelos estudantes para através de uma atitude coletiva organizar a resistência e
permanecer no curso.
Ainda que reconheçamos o potencial educativo do coletivo, não podemos deixar de
observar que os assentados têm interesses diversos sobre a escola. Há uma realidade social
concreta que interfere no nível de aspiração das pessoas em relação à escola: estudar para
arranjar emprego na cidade, não ser trabalhador rural, ter um futuro melhor, ou seja, como
constata Jesus (2002, p.43): ―mesmo vivendo no assentamento a sua aposta na melhoria de
vida em relação aos filhos passa por uma perspectiva de vida fora do assentamento‖, inclusive
porque não há terra suficiente para que os filhos possam constituir família e viver dela.
O ―cuidar do que é seu‖ é também uma forma do assentado se relacionar com a
reforma agrária e com o sentido da educação escolar como estratégia de fortalecimento e
consolidação dos assentamentos. Há um indicativo de que antes de mobilizar os assentados
para defender a escola do assentamento é preciso discutir o que eles esperam da escola.
O problema no nível do coletivo está no fato dele se formatar como um conceito
hegemônico que traz um conjunto de idéias e experiências como forma de resolver
os problemas que elimina as formas diferentes de pensar e agir desses sujeitos.
Destituídos de alguns dos seus princípios, se vêem envolvidos por um discurso de
igualdade que os diferencia. O princípio de igualdade defendido pelo Movimento,
não pode partir da eliminação dessas diferenças (JESUS, 2002, p. 50).
119
É nesse conflito que o MEC se coloca como um aliado dos trabalhadores do campo ao
tentar resolver os entraves crônicos que têm impedido a qualificação do ensino nas escolas
rurais e, nesse jogo, o Estado vai emplacando a sua política através de medidas pontuais,
conflitantes e compensatórias. De um lado a falta de unidade dos assentados a respeito da
melhor direção que deveria ser dada ao problema, resulta no fortalecimento do poder de
Estado e no enfraquecimento da luta pela educação do campo no campo. De outro lado, a
escola que existe no assentamento pode ser trocada por outra maior, melhor, mesmo que para
isso tenha que sair do campo. A política de nucleação é ambígua uma vez que fecha a escola
do campo sob a promessa da oferta do ensino fundamental completo, da melhoria das
condições pedagógicas de ensino-aprendizagem e de acesso dos professores e alunos às
escolas.
No que diz respeito à política de valorização do magistério, desde a instalação do
GPT- MEC/INCRA (2003) foi pautada a necessidade de uma política diferenciada para o
professor da zona rural, incluindo um incentivo financeiro para garantir a permanência do
professor na escola. Essa discussão morre no GPT e o problema crônico de rotatividade de
professores nas escolas rurais é uma realidade constatada pelas pesquisas (INEP,2004;
PNERA, 2005). Na medida em que os assentados vão avançando no processo de formação
desejam intervir nas escolas. Como não há concurso que assegure a prioridade de entrada
desse grupo nos sistemas municipais de ensino, o processo de contratação do professor do
assentamento é conseguido por meio de uma negociação política com a prefeitura, entendida
pelos movimentos sociais como ―pressão política‖. Em alguns casos é conseguido um
contrato temporário com a prefeitura, sob o argumento de que o assentado contratado é a
garantia do compromisso com a aprendizagem dos alunos das escolas dos assentamentos.
[...] tem muito concursado que não honra o concurso que fez, não sabe nada, não
ensina nada. Os contratados são os que mais se esforçam. (Fala em sessão do Grupo
Focal)
Não conhecer a realidade da comunidade na qual se dá aula contribui para gerar mal
entendido entre o educador e a comunidade [...] para haver uma educação melhor
tem que haver tanto o envolvimento da comunidade, quanto dos professores, na
resolução dos problemas da escola. (Fala em sessão do Grupo Focal)
Tem sido difícil conseguir a contratação dos professores pela via exclusiva do
concurso público. As entidades sindicais e associações científicas têm lutado contra a política
de contratação de professores temporários e estagiários que atuam como docentes, em razão
da necessidade da profissionalização do professor. No entanto, as secretarias de educação
120
municipais e estaduais ao invés de discutir e estabelecer uma política diferenciada de lotação
de professores para a zona rural investe na contratação temporária dos professores. Sob
vigilância da base sindical local40
, segundo os entrevistados, a contratação é questionada pelo
sindicato dos professores. Além de acirrar as relações entre os movimentos sociais do campo
e o sindicato dos professores, tem gerado uma antinomia entre concursados e contratados.
O sindicato quer impedir que a gente trabalhe na escola do assentamento. No que
eles do sindicato são melhores do que nós? Nós estamos preparados, mas não
podemos trabalhar. (Fala em sessão do Grupo Focal).
Se por um lado o sindicato defende o ingresso na rede pela via do concurso, por outro,
os movimentos sociais defendem a escola do assentamento, querem garantir que o professor
não falte e que as crianças aprendam.
Eu acho que o contratado deve se esforçar ao máximo para ser concursado, pelo
menos vai ter mais garantia de lutar contra esse sistema que é imposto. Quando você
tem as costas quentes e é contratado você tem mais chance, mas se você tem um
objetivo de ser concursado vai correr atrás. (Entrevistado 6)
Eu entrei com contrato, alguém me botou. Eu entrei com a prefeita X, tinha trinta
meninos. Aí tudo que a Secretária dizia tinha que concordar, tinha que achar bonito.
Aí eu digo que não está certo e eles me mandam embora: você não serve se você não
fica calada! Eu não sei ficar calada, porque eu aprendi a questionar. (Entrevistado 8)
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que são ambos os movimentos que, via de
regra, lutam pelo direito à educação pública de qualidade para todos, em Sergipe dão a
parecer que estão em lados contrários. O impasse favorece o Estado não só no que diz
respeito a manutenção do status quo, mas principalmente, na desarticulação de forças que
juntas poderiam representar uma ameaça à ordem. O pano de fundo dessa questão é a
compreensão, ou a falta dela, de que em última instância, a luta dos movimentos sociais e
sindicatos deve ser ―por seus interesses de classe e para aumentar o seu poder real de classe‖
(FERNANDES, 1981, p.12)
Como ponderam os entrevistados quem mais se beneficia com a disputa entre
movimentos socais e sindicato são os governos municipais e estadual. A opção pela
contratação é uma barganha dos prefeitos pelo voto, pelo apadrinho político, pelo
silenciamento dos movimentos sociais, uma prática que deveria ser rechaçada pelos sujeitos
da luta pela reforma agrária. A disputa entre sindicato e movimentos sociais é nefasta à
40
SINTESE – Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Oficial do Estado de Sergipe
121
educação do campo, ambos perdem uma oportunidade política de fortalecer a luta por uma
educação pública de qualidade. O debate poderia ser politizado através da construção de uma
pauta conjunta aparando as arestas.
Eu defendo que os movimentos sociais têm a compreensão de não querer ficar com
aquela cota, aquele pouquinho para calar a boca, ou eles lutam por uma coisa maior,
que é o projeto maior, ou se rivalizam [com o sindicato] o que é bom para o sistema.
É mais fácil de cooptar. Por exemplo, a Via Campesina congrega vários
movimentos, quando eles fazem alguma coisa juntos sai em cadeia nacional, porque
eles mostram que estão unificados e isso incomoda, porque mostra que existe um
objetivo pelo qual todos estão lutando. Quando esses objetivos se particularizam
acaba fragilizando os movimentos. (Entrevistado 4).
Quem vai perder são os professores. O certo era ter o concurso, que ganhasse ou que
perdesse, o professor ia testar, se conseguisse ganhar... O professor ia jogar, se
ganhasse ficaria, se não ganhasse, ia estudar para se preparar para o próximo. Eu
nunca pensei em chegar na universidade e cheguei. Foi o esforço de todo um grupo
interessado, não dependeu de prefeito. No dia que os prefeitos estiverem
interessados na educação de qualidade ela vai ser, enquanto eles verem com um jogo
de interesses vai ser um jogo de interesses, de ponto de vista. (Entrevistado 8).
O impasse revela falta de uma política de educação do campo, aquela reivindicada
pelos movimentos sociais. É o trabalho nas escolas do assentamento ou a impossibilidade de
fazê-lo que vai descortinando o papel da formação no processo da construção da educação do
campo. Não basta formar os assentados, não basta o compromisso militante desses
professores formados se eles não podem intervir nas escolas do assentamento, se eles não
podem garantir os princípios de uma ―nova‖ educação para o meio rural. Em qual direção os
movimentos sociais devem caminhar para construir a ―nova‖ educação rural?
O Estado vai garantindo a hegemonia e a manutenção da sua política na ausência de
uma política de educação no meio rural que considere os interesses dos trabalhadores. É
inegável que os movimentos sociais conseguiram dar visibilidade à necessidade de educação
no meio rural. É também inegável que as universidades foram também motivadas a participar
do processo de formação dos professores para as escolas dos assentamentos. No entanto, os
assentados que passaram por um processo de formação específica nem sempre são ou serão os
professores dos assentamentos, porque, apesar de tudo que tem sido feito, continuamos sem
uma política diferenciada para a educação rural, falta política de ingresso na rede pública rural
articulada com a garantia do educador da escola do campo ser uma pessoa daquele povoado,
ou daquela comunidade, ou daquele assentamento, além dos casos em que o próprio MST os
chama para assumir outras funções.
122
É no processo de trabalho que a política oficial vai explicitando as suas contradições
observadas sobre as decisões controversas, ou a falta delas. As medidas aparecem de forma
pontual, conflitante e compensatória, incapaz de resolver o problema da rotatividade dos
professores que constitui um dos problemas das escolas rurais. Essa situação cria contradições
que acabam enfraquecendo a luta dos trabalhadores, principalmente quando se colocam em
disputa movimentos sociais e sindicato. A quem serve uma disputa dessa natureza? Até que
ponto é possível defender a escola do campo no campo, a negociação seria a melhor
estratégia? Não estariam os movimentos socais do campo dando passos na direção errada,
perdendo uma grande oportunidade para envolver as comunidades rurais na construção da
escola como centro cultural dos assentamentos?
O que é central nessa discussão é a luta de classe. Fernandes (1981, p. 41) ao analisar
processos de luta pela transformação da sociedade, explicita as dificuldades que podem
enfrentar a classe trabalhadora para lutar por seus interesses de classe e como a burguesia tem
se beneficiado não só aprendendo a conviver com a própria luta de classe. Ficam também
explicitadas às contradições dos movimentos sociais do campo, no que diz respeito à
dificuldade das lideranças em organizar os assentados para compreender a necessidade da
escola está no próprio assentamento e não fora dele. Se o fechamento da escola precária do
assentamento não significa um veto à oportunidade de estudo aos sujeitos do campo, ao
contrário é colocada como uma forma ágil de resolver a falta de uma boa escola, por que ficar
contra isso? Aliado a esses argumentos as secretarias de educação municipais prometem
também resolver um outro problema das escolas rurais que são as classes multisseriadas.
O ensino multisseriado, por exemplo, é uma estratégia avaliada pelos movimentos
sociais como estratégia inadequada à qualificação do ensino no campo. As classes
multisseriadas é uma prática histórica da escola rural, cuja organização do ensino se dá por
disciplina e por série, distribuída a parcela de estudantes em um mesmo espaço, é questionada
principalmente pelos que trabalham nas escolas dos assentamentos. Além de ser uma tarefa
complexa, os professores percebem que as crianças não sabem ler nem escrever, independente
de estarem no 10 ou no 4
0 ano. Desse modo, as classes não são multisseriadas, são classes de
alfabetização e, por isso, o debate pedagógico sobre a distribuição do conhecimento se esbarra
na condição de alfabetização dos estudantes matriculados nas classes multisseriadas.
O fato de ter uma sala multesseriada, uma sala com trinta crianças, todas elas sem
saber ler e nem escrever... Aí diz que está na 2ª série, não está! As crianças que não
sabem ler deveriam ter aula de leitura, ao invés de dar quatro matérias. A criança
nem aprende uma já vem outra e a aprendizagem? Nada falta deixar de cumprir
123
tantos conteúdos e trabalhar numa única coisa que dê resultado. Então vamos
trabalhar o texto, vamos trabalhar matemática... Agora você tem que dar quatro
matérias quando aluno não compreende nenhuma! (Entrevistado 8)
É muito difícil trabalhar... Se é uma turma de 1ª e 2ª séries o nível dos alunos é de 1ª
série, é um nível muito carente de conhecimento. Quando é uma turma de 3ª e 4ª, eu
sempre atendia mais as dificuldades da 3ª série, porque eu sabia que a turma da 4ª
estava no mesmo nível da turma de 3ª série... Era assim que eu trabalhava, porque se
eu fosse fazer o que estava nos livros eu ia está trabalhando fora do nível de
conhecimento das crianças. Se eu fosse trabalhar com conteúdos mais complexos a
gente ia fazer de conta que os alunos estavam aprendendo... (Entrevistado 2)
Apesar das críticas às classes multisseriadas, a questão da dispersão da população é
uma realidade. Esse quadro, para ser modificado, exigiria uma forma diferenciada de
organização do ensino rural, de modo a garantir os conhecimentos básicos à todas as crianças
do 10 ao 5
0 ano, sem necessariamente estarem divididos por ano ou por série, o que exigiria
um professor preparado para encaminhar o ensino de forma diferenciada. No entanto, o
caminho mais fácil e que está em acordo com a política do MEC são os programas
educacionais, assim como o Se Liga e o Acelera da Fundação Ayrton Sena41
, são programas
recomendados pelo MEC para correção de fluxo nas escolas urbanas, o Programa Escola
Ativa é o recomendado para as classes multisseriadas nas escolas rurais. Trata-se de uma
experiência em classes multisseriadas nascida na Colômbia, considerada exitosa pelo Banco
Mundial, de maneira que desde 1996 por recomendação do Banco tem se disseminado nos
países da América Latina, inclusive no Brasil. Escola ativa para Gramsci (1982, p.133) é a
que tem unidade com a vida, uma vez que ―a participação realmente ativa do aluno na escola,
só pode existir se a escola for ligada à vida‖.
Não cabe no espaço do nosso trabalho uma análise sobre o programa Escola Ativa42
,
no entanto, se levarmos em conta o princípio básico da educação defendida pelos movimentos
sociais do campo – ―a possibilidade efetiva de os camponeses assumirem a condição de
sujeito do próprio projeto educativo‖ (CALDART, 2005, p.27) – programas educacionais
construídos por especialistas para serem executados pelos professores, não cabem na proposta
de educação do campo. Fora do contexto da Colômbia onde o programa Escola Ativa foi
concebido, a pretensão de ser um programa para todas as classes multisseriadas do meio rural
brasileiro, homogeneíza a diversidade e as particularidades dos vários contextos onde a
educação ocorre.
41
A respeito desses programas, em 2005 fizemos uma análise sobre a concepção de alfabetização e sobre o
método de ensino apresentados por esses programas, publicado pelo SINTESE em 2008. 42 A esse respeito ver dissertação de ARAGÃO, Márcia Cristina da Cruz. A educação do campo e o programa
Escola Ativa: uma análise do programa em escolas sergipanas. 140 f. 2011. Dissertação (Mestrado em
Educação). Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, 2011.
124
Na direção contrária à política do MEC a Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro
– RESAB, desde os anos 2000 com apoio da UNICEF vem desenvolvendo um trabalho de
educação no semi-árido brasileiro cujo princípio básico é a valorização do contexto social e
cultural dos sujeitos. Assim como o MST, a RESAB defende uma proposta de educação que
leve em conta os saberes locais, a diversidade, as especificidades e as potencialidades das
diferentes regiões – o que chamam de ―educação contextualizada‖43
. Os objetivos comuns em
torno da educação do meio rural promoveram em Sergipe uma aproximação entre educadores
do MST e educadores da RESAB.
Eu participo da RESAB que é outro fórum de discussão, muita gente me questionou
porque eu participava da RESAB. Eu queria que a discussão da educação do campo
não ficasse circunscrita às áreas de reforma agrária. Eu fiz o curso Pedagogia e via a
necessidade de eu ir buscar outras metodologias, outras experiências de educação do
campo, isso me fortaleceu para discutir a questão. (Entrevistado1)
É precisamente a implantação do Programa Escola Ativa nas escolas dos
assentamentos que vai por em contradição a formação do pedagogo da terra, a possibilidade
de forjar um ―intelectual de novo tipo‖ para a ―nova‖ educação rural. O programa Escola
Ativa, é implementado pelas secretarias de educação através dos núcleos e/ou coordenadorias
de educação do campo, que em Sergipe são coordenados por pedagogos da terra, em geral
lideranças ligadas ao Setor de Educação do MST. A implantação do Programa Escola Ativa é
para a Coordenadoria da Educação do Campo da SEED/SE, ocupada por membro do Setor de
Educação do MST, a única saída pedagógica disponível embora a coordenadora compartilhe
com as críticas que os pedagogos da terra fazem ao programa.
Temos tentado aqui no Estado fazer junto com a equipe [da SEED] um trabalho
tomando como base os princípios da educação do campo, já que o Programa traz
essa referência, sendo assim, desenvolver um trabalho para suprir a falta da
formação continuada, já que ainda não foi executada pela Universidade, por motivos
de questões burocráticas e administrativos. Um dos maiores entraves têm sido o
material didático que continua sendo totalmente fora do contexto da educação do
campo e a rotatividade dos professores aliada a falta da formação continuada. Por
outro lado, manter classes multisseriadas e a Escola Ativa como uma proposta de
educação do campo tem sido uma possibilidade de não fechar as escolas do campo.
(Entrevistado 9)
43
Anais do Seminário – ―A educação do campo no chão do semi-árido sergipano‖, promovido por uma parceria
interinstitucional: Comitê de educação do campo, Secretaria de Estado de Educação de Sergipe e UNICEF
(Pacto Nacional Um Mundo para a criança e o adolescente do Semi-árido). Aracaju, outubro de 2008.
125
O programa não só é rejeitado pelos pedagogos da terra, mas também é visto como
uma traição ao próprio princípio de respeito às diversidades regionais e locais. Vai contra a
defesa dos valores, da cultura e dos saberes produzidos.
Eu não concordo trabalhar com a educação do campo na metodologia da Escola
Ativa. É um pacote que o MEC comprou e está generalizando como sendo a
metodologia para a escola do campo [...]. Eu não acredito no programa e não
concordo com as classes multisseriadas(...) No encontro da RESAB e fui
questionada se estava apoiando a metodologia da Escola Ativa nas escolas do
assentamento, eu então falei sobre como isso se deu, a partir de 2008, quando o
pacote chega e as prefeituras compram, porque o MEC injeta dinheiro e os
municípios querem. (Entrevistado 4)
Eu tenho tentado entender por que é que muito dos materiais que foram construídos
na própria organização [MST] está presente dentro do material da Escola Ativa [...]
a gente se vê dentro dele [do texto]. O que está acontecendo agora, é que todo
processo de luta, a conquista das diretrizes, a mobilização a partir de 2002, ganha
outra conotação. Eu penso que as organizações [movimentos sociais] estão cada
uma olhando para seu umbigo... Cada uma procura atingir suas especificidades.
Depois de sete anos das diretrizes a gente olha para os avanços, para a formação de
professores, mas quando a gente olha para a sala de aula vê que não mudou muita
coisa[...] Alguns meses atrás eu tive a grata surpresa, vi uma pessoa que faz parte do
GT da educação do campo, um grupo formado por pesquisadores da educação do
campo do Brasil, dos movimentos sociais, não é qualquer um que está nesse GT.
(Entrevistado1)
Enquanto eles acreditam que estão ocupando o Estado, essa estratégia acaba
promovendo o fortalecimento do Estado burguês. Por isso, há um sentimento de traição entre
os educadores do movimento compartilhado por Roseli Caldart, quando questionada sobre o
apoio do MST ao programa Escola Ativa, no III Encontro de Pesquisa em Educação do
Campo, realizado em agosto de 2010, em Brasília. Enquanto Caldart (2005, p. 26), defende
que a educação do campo se afirma no combate aos ―pacotes‖ agrícolas e educacionais a
edição do programa remetida às escolas dos assentamentos reproduz os princípios da
educação do MST, referenda classes multisseriadas e desfaz o trabalho dos pedagogos da
terra.
É tentar propor para as crianças uma realidade totalmente desfocada da que eles
vivenciam o dia-a-dia, embora ela [a Escola Ativa] tivesse a proposta de tentar
coletivizar o trabalho, nem sempre o processo coletivo, o processo de fazer com que
a criança assumisse uma liderança... Porque a Escola Ativa tem essa idéia
coletivista, tem uma história de grêmios de estudantes [...] os guias, que são os
livros, é totalmente fora do foco da realidade, muito mais do que os livros didáticos
comuns ofertados a cada dois anos pelo MEC. Embora o que vem no guia seja
trabalho prático de pesquisa é totalmente deslocada, a gente não sabia como
encontrar naquela realidade o que o guia propunha. Aquilo lá, não é uma proposta
para o campo, resultado a gente briga por conta disso! (Entrevistado 1).
126
O MEC está usando a metodologia de fora, que a gente não acredita, como sendo a
salvadora da pátria para as classes multisseriadas. A classe tem que ser formada com
24 alunos, se tiver 25, um vai ficar de fora e isso não é uma política de educação...
Os professores gastam mais tempo preenchendo pareceres, tendo podado o tempo de
pesquisar. Fazer pareceres de menino por menino, é humanamente impossível! Se
agente não tiver uma proposta própria vamos ser suprimidos pela Escola Ativa
(Entrevistado 4).
A educação do campo, que nasce sobre a afirmação da diversidade e da especificidade,
se defronta institucionalmente com a orientação por uma solução única, contrária à proposta
própria construída pelos sujeitos. O Programa Escola Ativa revela uma política
homogeneizadora da diversidade do campo, cujas carências dos professores deveriam ser
supostamente supridas pelo programa. Ao invés de um investimento na formação inicial e
continuada dos professores do campo, os programas pedagógicos são o caminho mais fácil,
alinhado ao tecnicismo educacional e ao produtivismo pedagógico.
[...] passamos no concurso e decidimos assumir uma classe nas áreas de reforma
agrária para fazer o trabalho. Passamos um tempo em sala de aula e agora em 2009 o
município me convidou para fazer trabalhos na área de educação do campo dentro
da secretaria com os professores [...] Eu formado como educador popular na
proposta da pedagogia do oprimido, com toda aquela concepção... Eu tinha que estar
buscando mecanismos de como trabalhar essa realidade, mas o que é posto para
gente no campo é a Escola Ativa. Como? (Entrevistado1)
Apesar de todas as contradições do processo de formação vividos nos cursos de
Pedagogia a exemplo, da fragmentação, da falta de articulação da teoria à prática, os
pedagogos da terra assumiram a condição de sujeito ativo do processo educativo. O
entrevistado se refere a um processo de formação do educador popular com base na pedagogia
do oprimido. No entanto, a política de educação do campo institucionalizada vai se impondo
sobre os esquemas de formação, explicitando o conflito produzido entre a formação e a
política de educação. Há uma perda de sentido do trabalho por parte dos educadores.
No entanto, na hora que tiveram uma brecha para construir política, dão retorno de
forma emergencial, negando o que todo mundo pede desde o aluno até o professor:
foco na formação, na metodologia em si, na garantia que a escola esteja realmente
no campo... Só veio a Escola Ativa... Eu vejo isso como algo angustiante, ver que a
discussão que se travou ao longo dos anos, que eu sempre cobro, estou sempre
cobrando em todos os espaços de debate da educação do campo e isso esfriar,
simplesmente aceitarem isso, será que todos esses anos de discussão, serviu para
oferecer a Escola Ativa aos municípios?(Entrevistado1)
O MEC, sob pretexto de contornar as carências crônicas da educação no meio rural,
vem realizando um projeto de reforma da velha educação rural, de maneira a promover o
127
enquadramento da educação do campo à política nacional. Reflete também o lugar da
educação no projeto político de desenvolvimento do campo como parte do projeto de Brasil –
a formação de trabalhadores para o crescente desenvolvimento na área industrial, tecnológica
e de serviços. Questionamos: qual o lugar da formação no desempenho de uma práxis
qualificada, frente aos limites de uma política que, por trás do discurso de ―todos na escola‖,
produz a exclusão e subordinação da classe trabalhadora?
O nível de contradições entre a educação do campo pensada a partir dos movimentos
sociais do campo e a política do Estado para a educação do campo, tem inviabilizado um dos
princípios básicos reivindicados pelos movimentos sociais do campo que é a construção de
uma escola própria, na qual o trabalho seja tomado como princípio educativo, expresso pela
unidade entre a escola e a vida, promovendo a participação efetiva do educando no seu
processo de aprendizagem.
No entanto, há uma contradição de fundo que nos remete a antiga tese de ―ocupação
de espaço‖ dos que imaginam que se constrói a contra-hegemonia por dentro do Estado,
equivocadamente apoiados em Gramsci. O Setor Estadual de Educação do MST argumenta
que assumiu a coordenação da educação do campo na SEED como forma de consolidar a
educação do campo em Sergipe. Apesar das contradições, a exemplo de ser o órgão que
divulga e implanta o programa Escola Ativa e conduz a política de nucleação das escolas do
campo – que representa o fechamento das pequenas escolas rurais – o representante do setor
de Educação em Sergipe avalia que a presença do MST na coordenação tem garantido
avanços no que diz respeito, principalmente, assegurar recursos e garantir o aumento não só
de escolas, mas também a oferta do ensino, por meio de diferentes programas e convênios,
além de garantir a contratação de docentes temporários, dentre os assentados formados em
curso Normal ou licenciaturas, para suprir a falta de professores nas escolas dos
assentamentos.
O MST não está à frente da educação do campo apenas na SEED, mas também em
algumas secretarias municipais. Ao mesmo tempo em que estar, aparentemente, à frente das
decisões da educação do campo em Sergipe possa representar uma conquista, isto é uma
contradição, se pensarmos que é também uma forma do Estado manter a luta dos movimentos
sociais numa relação de dominação-subordinação (POULANTZAS, 1985)
Mas não é uma coordenação que vem com poder de interferir na realidade, que veja
a escola que tem um processo de formação, que respeita as vivências do campo, que
possa criar políticas para melhorar a qualidade do ensino. Isso praticamente não
existe, eu tinha que dar retorno, até porque ia chegar o momento de perguntar: o que
esse rapaz está fazendo aqui? (...) Para fazer que uma rede inteira entenda o que é
128
educação do campo, é competir com a própria estrutura montada, a estrutura do
transporte, da alimentação... Queremos uma escola digna para a criança, um
profissional capacitado para trabalhar com aquela realidade e uma estrutura de um
mínimo de sensibilidade... (Entrevistado1)
Não é difícil perceber que mesmo na condição de coordenador, os pedagogos da terra
detêm apenas o ―poder formal‖. O ―poder real‖ está centrado no alinhamento das secretarias
municipais de educação à política do MEC. Nesse caso a concessão do ―poder formal‖ pelas
secretarias de educação aos pedagogos da terra funciona como estratégia de subordinação e
uso da capacidade de mobilizar os movimentos populares ao seu próprio favor.
Assumi a coordenação da educação do campo, no primeiro momento imaginei que
seria uma coordenação que teria como função encontrar uma metodologia para a
solução dos problemas da educação do campo pelo menos era isso que eu imaginava
que era a função de uma coordenadoria dentro de uma secretaria da educação (...)
Primeiro trabalhamos com as diretrizes, para que o professor compreendesse e
tentasse somar forças por um saber diferenciado, tentar colocar diretrizes em prática.
Tentamos também mexer nas estruturas, por exemplo, questionar a forma e a
logística do transporte escolar é um campo muito difícil de entrar, me desgastei
muito tentando que as crianças fossem transportadas pelo menos com dignidade. Os
professores chegaram a denunciar na promotoria que o transporte escolar era
perigoso, colocava as crianças em risco... O recado foi dado e o professor fazia uso
das diretrizes para garantir as conquistas. Isso foi muito legal! (...) Na questão da
merenda escolar, começamos a lutar para usar o potencial do município do próprio
pessoal da escola. Eu fiquei deslumbrado quando um pai que produz mel e o leite de
cabra, que virou iogurte, passou a oferecer seu produto na merenda da escola.
(Entrevistado1)
Por outro lado, é muito cômodo para a secretaria de educação ter alguém do
movimento social que sabe dialogar com o povo, que vai para a base e acalma o
povo, mas ao mesmo tempo eu digo, até aqui estou coerente, daqui para cá é com
vocês, ou seja, eu também trabalho em outra vertente, tipo: se até dia tal o carro não
chegar, existe o órgão mais competente que eu conheço hoje que o Ministério
Público e vocês vão lá, porque a fala dos pais é mais forte que a minha que seria
podada pela secretaria, mas a do pai eles não podem podar, então eu estimulo [...]
eles [a Secretaria de Educação] queriam que eu fosse discutir na comunidade que era
importante que os meninos fossem para a escola a dois quilômetros dali. A minha
postura foi a seguinte: não vou discutir isso eu estou aqui para discutir a educação
do campo e assentamento... Lá [comunidade] tem toda a estrutura e os alunos
moram na comunidade eu não vou discutir com a secretaria de educação a saída
desses meninos, eu não vou discutir o ônibus, não vou reafirmar a política do ônibus
[...] meu posicionamento, enquanto coordenação das escolas do campo, é esse: não
sai uma criança de dentro do assentamento, essa é a minha opinião e esse é o meu
encaminhamento [...] De outra vez eles queriam que os alunos percorresse em 18
quilômetros para chegar à escola. Eu disse que eu não compactuava com isso. Eu
sou uma pedra no sapato, para falar a verdade eu nem sei por que estou lá, porque eu
sou uma pessoa que incomoda que faz parte de um movimento social questionador...
Apesar da conjuntura, estou lá dentro e digo: - É assim que eu quero... (Entrevistado
4)
Poulantazas (1985) chama atenção que a estratégia de integrar-se ao Estado não pode
deixar de se fundamentar na autonomia das organizações sociais de modo a garantir a
129
autogestão. A ocupação de postos chaves por membros dos movimentos sociais se não
fundamentadas numa democracia cuja ação se dá na direção de ―uma intervenção popular nos
negócios públicos‖ estarão fadadas ao fracasso uma vez que acabarão ―reproduzindo as
práticas decorrentes da estrutura do Estado‖ (p. 181).
Está dentro de um órgão público de uma secretaria, de uma instituição, sendo de um
movimento social questionador, que também é discriminado, é elogiado, que
estando lá dentro tentando garantir que as escolas dos assentamentos funcionem, ou
que seja implantada uma escola dentro do assentamento, por direito daquela
comunidade, não deixando de lado que você também está representando uma
secretária da educação na condição de uma superintendente, como eles chamam, é
complicado separar as coisa [...] A gente acaba se institucionalizando, isso é ruim.
Por outro lado, para se discutir alguma proposta, alguma coisa sobre educação do
campo, mostrar que o assentamento existe, que o campo existe, é indispensável que
a gente esteja lá dentro [...] por isso muitas vezes eu me sinto presa, porque estando
fora [da secretaria] era mais fácil para lutar... Não estando dentro da secretaria eles
fariam com mais facilidade a política do ônibus, porque não teria alguém para dizer
que ali tem gente... É difícil está lá dentro, mas se assim não for não vence [...] Se o
sistema não consegue me corromper ele me inibe de alguma forma, a gente continua
lutando como se tivesse dando murro em ponta de faca. (Entrevcistado4)
Esse é um preço que os movimentos sociais vêm pagando pela estratégia de ocupação
do espaço nas instituições que comandam a educação no Estado. É um exemplo clássico das
alianças que o Estado faz com as classes populares trabalhando no sentido de organizar e
reproduzir a hegemonia enquanto divide e desorganiza o próprio movimento.
[...] a gente tentou montar uma proposta para o município envolvendo esses
diferentes atores, para saber o que era educação do campo, entender o que é o campo
hoje [...] a gente construiu isso junto com a equipe [da secretaria]. Conseguimos
fazer entender essa idéia de que a gente poderia dar alternativa além da que era
oferecida, porque na época lá a gente tinha cinco turmas da Escola Ativa e o
processo de está construindo uma proposta de educação para a convivência com o
semi-árido foi o recorte que deu para fazer na época. Eu estava certo que poderia ser
uma alternativa construída pelos professores, o que acabou sendo a proposta muito
legal que eles absorveram e se viram dentro do processo. Acho que isso foi
interessante, acabou se constituindo e dando um avanço legal no município, no
sentido de se interpretar e buscar outros mecanismos. (Entrevistado1)
Mesmo estando há quatro anos e meio no município, ainda não temos uma escola
dentro do assentamento que tenha os princípios filosóficos e pedagógicos do MST,
que tenha os princípios da educação do campo, que está interligado (Entrevistado4)
Através do trabalho os pedagogos da terra vão compreendendo que a luta pela
educação do campo ultrapassa a sua própria vontade política. Eles dão testemunho de que
suas estratégias de enfrentamento por dentro do Estado não alcançam o núcleo essencial da
política, mas ao mesmo tempo não conseguem enxergar alternativa de intervenção que não
por dentro da máquina administrativa estatal.
130
[...] mesmo com processo de formação [de professores] que a gente vinha
construindo o município não queria investir recursos no nosso projeto. Dificilmente
o município topa fazer uma parceria com as universidades para que a academia
pudesse ajudar a gente a fazer a formação continuada para educação do campo,
mesmo sabendo que há recursos, isso não acontece. Em 2007 vem a determinação
para que se aderisse a Escola Ativa. Que esse programa estaria implantado em todas
as escolas multisseriadas do município. Eu tive que ver isso calado, porque a Escola
Ativa tinha recursos, tinha material, formação e tudo mais, aí eu calei. Isso detonou
tudo. O trabalho que tinha sido feito durante quatro anos se desmanchou. Mesmo
com as dificuldades existiu um trabalho que foi desmanchado, mas eu vejo com
felicidade uma coisa, por exemplo, a resistência dos professores à Escola Ativa. Eu
gostaria de fazer uma pesquisa, ouvir os professores do município. Eles tiveram que
aceitar a Escola Ativa porque são subordinados ao município [...] infelizmente o
município não entendeu o nosso trabalho [...] a gente tinha garantido uma escola e
um processo de formação lá no campo... (Entrevistado1)
A gente está sempre nessa luta, mas eu estou necessitando da análise de conjuntura.
Como está em âmbito nacional e internacional? Local agente sabe, porque está
vivendo, mas eu preciso do outro olhar, para saber voltar para o local [...] na
primeira folga que eu tiver eu quero ir para um curso [MST] novamente para
revigorar, porque no momento do pique em que a gente está vivendo nessa
conjuntura é indispensável, é pertinente qualificar a minha prática como a pessoa
que está na tarefa das lutas populares, da política pública para educação do campo,
que às vezes a gente acaba não compreendendo alguns processos que poderia estar
mais adiante.(Entrevistado4)
Está em jogo a necessidade efetiva de compreender a teoria e prática como uma
unidade, não há porque considerar o saber teórico-científico, como algo de menor valor, sobre
pena de não avançar na direção ao fim pretendido. À finalidade da ação política cabe uma
estratégia própria, de maneira que passa pela compreensão da trama de interesses políticos
que estão por traz tanto dos movimentos sociais, ocupando espaço dentro do aparelho do
Estado, quanto da abertura de espaço pelo Estado para que militantes de movimentos sociais
ocupem cargo de coordenação nas secretarias de educação, passa pela análise das relações de
forças entre o Estado e as organizações populares. Entendemos que a presença dos militantes
do MST à frente das coordenações de educação do campo pode favorecer o Estado na
estratégia de sustentação e reprodução da dominação, inclusive de uso do discurso político
dos movimentos na (des)construção da educação do campo.
131
O PONTO DE CHEGADA
Sem nenhuma pretensão de generalizar as conclusões a que chegamos, a partir das
análises, para as demais experiências de curso de Pedagogia vivenciadas em outras
universidades, considerando que as relações construídas entre movimentos sociais –
universidades – Estado, são diferenciadas e determinadas por fatores internos e externos
próprios de cada realidade. Durante o processo da pesquisa guiamo-nos pela inquietação de
desvelar que tipo de educação contra-hegemônica seria possível construir, a partir do curso de
Pedagogia da UFS, considerando que a pedagogia da terra era para nós um desafio
acadêmico e político, sob evidentes contradições de construção um ―intelectual de novo tipo‖
na universidade com fortes vinculações ao projeto burguês de sociedade.
A proposta da educação do campo como denúncia feita pelos movimentos sociais do
campo, notadamente do MST, à situação da educação no meio rural, das desigualdades
econômicas e sociais, articulava-se à disputa por hegemonia, por outro projeto de campo, cuja
tendência fosse, por exemplo, a agricultura familiar e não o agronegócio. Esse outro projeto
de desenvolvimento para o campo geraria a necessidade de uma política de educação rural
diferenciada incluindo a necessidade de formação de professores para garantir a realização
dessa política.
Na medida em que fomos buscando as aproximações sobre como o MST concebia a
formação dos pedagogos da terra e o que as tendências contra-hegemônicas de formação de
professores apresentavam como construção teórico-epistemológica, fomos construindo o pano
de fundo do debate sobre a pedagogia da terra. A materialidade da educação do campo é,
como dizia Freire (1987), uma questão de tornar o pedagógico mais político e o político mais
pedagógico. Dito desse modo, a formação não é um fim em si mesmo, portanto não se reduz a
formação em nível superior, está em jogo não só a pedagogia do movimento, mas também o
fim pretendido e as estratégias para alcançar esse fim.
O exame das pedagogias contra-hegemônicas e a forma como elas têm influenciado a
legislação oficial que regula os processos formativos de professores, nos remete à conclusão
de que as proposições dominantes apoiadas por toda a estrutura do Estado, em função de
garantir o status quo, põe na condição de periferia, de propostas alternativas, as iniciativas
que não cabem dentro da ordem, a exemplo dos cursos superiores ofertados em regime
especial para os sem-terra da UFS, como uma iniciativa que se realiza de forma pontual,
enfrentando conflitos e operando nos espaços de contradição, cujo saldo positivo é aproveitar
132
as oportunidades políticas para influenciar os processos formativos em direção à
transformação da sociedade, à emancipação.
Na nossa compreensão a pedagogia da terra é em si mesma um potencializador dessa
possibilidade, de maneira que acreditamos muito mais no que poderíamos fazer acontecer
durante o processo de formação do que propriamente no seu desenho curricular. Mesmo
porque, a universidade não é um campo monolítico, os departamentos não são um todo
homogêneo, as propostas curriculares se submetem à legislação em vigor, aos rituais de aula,
a falta de integração entre os docentes, a disciplinaridade, as regras acadêmicas para
integralização do currículo... Estes não são fatores meramente periféricos, concorrem contra
uma proposta crítica de formação. Até estratégias inovadoras podem ser vividas de forma
tradicional, como é o caso do tempo comunidade experimentado no curso de Pedagogia da
UFS, quando a pedagogia da alternância, mais das vezes, não conseguiu transcender o tempo
de execução de tarefas sobrepostas, atendendo a cada disciplina ofertada naquele módulo.
As tendências contra-hegemônicas de formação de professores e pedagogos aliam a
formação teórica à realidade política, social, econômica e cultural onde o fenômeno educativo
ocorre. Nesse sentido o conhecimento da realidade será sempre o ponto de partida para a ação
pedagógica. A realidade é específica, é própria, mas ao mesmo tempo insere-se numa
totalidade, ou seja, no que é diversa, porque cada realidade tem um contexto próprio,
diferenciado, do qual o professor tem que apropriar-se para compreender e transformar em
práxis a sua ação potencializadora de novas aprendizagens, tomando como ponto de partida a
realidade dos sujeitos, seus saberes e conhecimentos apreendidos na vida.
Esse é o aspecto central do processo de formação do pedagogo da terra, por que não
dizer da formação do pedagogo em geral: que conhecimento, para qual realidade. Diz respeito
ao fim pretendido, à capacidade teleológica de prever idealmente aquilo que ainda não se
conseguiu alcançar. De maneira que os movimentos sociais reivindicam como especificidade
para a formação do pedagogo da terra a concretização dos pressupostos presentes nas
tendências contra-hegemônicas, ou seja, o processo educativo como formação da pessoa na
sua totalidade, considerando as dimensões sociais, econômicas, culturais. Essa forma de
conceber o processo formativo põe em xeque as concepções dominantes que tomam a relação
teoria-prática como uma relação linear, mecânica. A especificidade que requerem os
movimentos nos processos formativos dos pedagogos da terra encontra-se na exigência de
realização das perspectivas críticas de formação.
São as perspectivas críticas de formação que compreendem o potencial transformador
do trabalho e por isso, a realidade material nunca será um fim em si mesma, justo porque ela
133
precisa ser transformada, ou seja, há uma realidade a ser conhecida, há um conhecimento a ser
produzido a partir dessa realidade. É através do trabalho, como atividade real, como prática
social fundamental que os homens transformam a realidade enquanto transformam a si
mesmos. Como diz Vásquez (2007, p.224):
Não se conhece por conhecer, mas sim a serviço de um fim [...] os fins que a
consciência produz levam em seu seio uma exigência de realização e essa realização
pressupõe – entre outras condições – uma atividade cognoscitiva sem a qual, tais
fins nunca poderiam ganhar chão, isto é, realizar-se [...] O homem age conhecendo,
da mesma maneira que – como vemos mais adiante – se conhece agindo.
É preciso ter clareza da finalidade dos processos formativos e da necessária relação
entre teoria e prática. Os processos formativos pensados como práxis pressupõem a
necessidade de investigação teórica colada à atividade prática. A produção do conhecimento é
indispensável para transformar a realidade, cuja realização material é condição para a
transformação real. A práxis é em si mesma prática revolucionária, daí a dificuldade de alterar
processos formativos cuja finalidade é a reprodução do modo de produção vigente. Por conta
disso, as concepções contra-hegemônicas de formação de pedagogos e professores, não sendo
concepção dominante, apesar de apresentarem um desenvolvimento teórico significativo, têm
influenciado pouco o processo de formação dos professores.
É no processo de trabalho, que os pedagogos da terra de Sergipe, foram tomando
consciência dos limites da atividade política realizada pelos movimentos sociais locais, da
distância que existe entre o modo de pensar e operar entre as lideranças e os assentados. É
através do trabalho nas escolas que a prática se sobrepõe à teoria, ou seja, há uma crença de
que as prioridades da vida real, da luta cotidiana produzem conhecimento para inseri-los nas
relações sociais de produção. Esse conhecimento próprio à prática produtiva, ou seja, esse
saber prático como constitutivo dos sujeitos a partir do trabalho, é um saber ―heterogêneo,
contraditório, fragmentado, tem um caráter eminentemente vivo, dinâmico [...] é preciso
também ter claro os limites desse saber‖ (DAMASCENO, 1993, p.71). Contrapondo-se a
essa lógica, as universidades, em geral, tomam o saber prático, como saber negado, e em seu
lugar propõe o saber científico descolado da vida, como saber único capaz de interpretar e
transformar a realidade.
Fazer parte de um movimento social não garante que a realidade social possa ser lida
em toda a sua complexidade. Requer a destruição da pseudo-concreticidade, como diz Kosik
(1969), para criar a realidade concreta e a visão da realidade, da sua concreticidade. Sem esse
exercício, cria-se uma realidade ilusória, inexistente, cuja aproximação produz tanto a
134
frustração e arrefecimento da luta ou a indignação suficiente para mudar a estratégia, a
direção. Apostar em uma educação emancipadora como um conjunto sistematizado
transformado em política educacional, pode não ser a direção mais acertada quando se quer de
fato fazer a balança pender para o lado dos interesses populares.
A formação articula-se a um conjunto de fatores internos e externos, inclusive
conflitantes, de maneira que a universidade (de)forma, o movimento (de)forma, o trabalho
também (de)forma. De certo modo, percebemos que aprendizagens que imaginávamos ter
como lócus próprio os movimentos sociais, vão acontecer de forma significativa na
universidade pelo tratamento excludente que os sem-terra vão receber como estudantes
universitários. Essas contradições, do ponto de vista dialético, criam o ―novo‖ – a necessidade
da união dos estudantes, da formação de um coletivo orgânico. São as condições concretas e
objetivas que produzem os ―ingredientes‖ necessários à construção do ―novo homem‖,
coletivo, solidário, consciente do seu papel de transformador das relações sociais de
produção.
A luta pela terra, por si só, não produz a necessidade de um processo educativo
emancipador, produz o direito a ter direito, que não está intrinsecamente relacionado a uma
política pública de educação rural diferenciada. Por essa razão, condições materiais objetivas
apontam em que direção a educação do campo foi sendo consolidada em Sergipe. O processo
de escolarização dos quadros demanda tempo de formação e se a educação não é discutida no
assentamento, se os princípios defendidos pelo movimento social não são debatidos na base,
com os assentados, os que falam em nome deles, fazem um discurso de cima para baixo o que
tende a instituir relações de dominação/submissão entre as lideranças e demais integrantes do
movimento, o que por sua vez contraria os princípios da própria pedagogia do movimento. A
falta do trabalho de base torna inócuo o debate sobre educação no assentamento, fica difícil
agregar força na luta em favor da escola no assentamento, contra a política de nucleação, a
favor da terra como conteúdo de ensino, do trabalho como princípio educativo. Os assentados
compreendem e constroem uma concepção de educação baseada na sua história de vida dura,
de trabalho precarizado, desqualificado, de maneira que sonham com um futuro melhor para
seus filhos, ao contrário do que prega o MST, ou seja, escolarizar para enraizar. A realidade
concreta produz o sentimento de escolarizar para ter um destino diferente, até porque, como
bem pontua Jesus (2002), em grande parte dos assentamentos em Sergipe a melhoria da
qualidade de vida e de trabalho pela via da reforma agrária, ainda não aconteceu.
Por outro lado, a aposta de investir na formação, em nível superior – deixando em
segundo plano a alfabetização da base do movimento, a exemplo da alfabetização dos jovens
135
e dos adultos, traz dificuldade para a ―ocupação pedagógica da escola‖ pelos movimentos
sociais do campo. Deixar em aberto o campo de influência – representado pela alfabetização,
principalmente de adultos – à atuação do Estado e, portanto à ideologia dominante, dificultou
a construção do conhecimento via acesso à cultura escrita, bem como à ―leitura de mundo‖ e,
conseqüentemente, uma atitude mais crítica do conjunto dos assentados sobre a necessidade
da escola de qualidade no assentamento.
Fomos compreendendo que a luta pela educação do campo vai assumindo o papel de
―fetiche‖44
em relação à educação e à formação dos pedagogos, uma vez que os pedagogos da
terra são seduzidos pela crença na educação institucional como emancipadora, revolucionária
e estratégica para a construção de um ―novo‖ projeto de campo e de nação. Ao mesmo tempo,
se deparam com todas as contradições ente o discurso e a realidade. É flagrante o sentimento
de impotência dos pedagogos da terra de Sergipe nos seus postos de trabalho. Enfrentam a
contradição de ao mesmo tempo representarem formalmente o poder nas secretarias de
educação e não terem força para mudar a situação da escola do campo. Falta recurso, vontade
política, força política, falta, principalmente, uma rede de apoio formada pelas organizações
populares. Nesse isolamento, não conseguem mudar o rumo da política de ―nucleação
escolar‖, não conseguem construir propostas próprias de educação no e do meio rural, tem
dificuldade de mobilizar os pais para compreender/defender os princípios da educação
alternativos à educação dominante, não conseguem manter espaços de formação continuada
dos professores, enfim não conseguem por em prática o que aprenderam na luta, no curso de
Pedagogia, nos cursos de formação política do MST.
Mesmo concebendo a formação universitária como algo teórico nem sempre
aproximado da realidade concreta do campo, consideram o conhecimento universitário
indispensável para qualificar o discurso pedagógico, para se impor tecnicamente frente às
concepções pedagógicas que defendem. No entanto, a ocupação da escola do assentamento e
das secretarias de educação, as iniciativas alternativas à concepção dominante de educação
que são forjadas pelos pedagogos da terra são desmobilizadas pelo poder local e pela política
de educação do MEC.
De certo modo, não só os movimentos sociais, mas também muitos educadores têm se
alimentado da crença na sua própria força e no seu conhecimento para construir uma escola
capaz de contribuir para a organização dos trabalhadores e promover a sua integração ao
processo de mudança das relações dominantes. Apostam num espaço de ação possível,
44
Empregamos o termo ―fetiche‖ fazendo uma analogia à metáfora usada por Marx ao referir-se à mercadoria.
136
aproveitando situações conjunturais, que permitam a nível estratégico e tático, uma ação
educativa no sentido libertador transformador. Essa é uma possibilidade concreta, por certo
pode ser mais efetivo contabilizar as pequenas vitórias coletivas, populares, ou as conquistas
que marcam mudanças e transformações mesmo que setorizadas, localizadas, do que buscar
garantir as mudanças a partir do centro do poder.
Os espaços estratégicos ocupados não se consubstanciam através das lutas internas,
travadas no território político da educação. As lutas externas, travadas na sociedade,
associadas às lutas internas, podem potencializar efeitos políticos concretos. Por isso, sem a
ampla organização dos trabalhadores, não há transformação da sociedade, nem da escola, por
mais que os educadores estejam politicamente engajados e coloquem seus conhecimentos e
seu trabalho a favor da organização dos trabalhadores.
Além disso, hão que ser consideradas, nas estratégias de luta, as contradições de classe
em disputa no seio do Estado, não como bloco monolítico, mas sim um campo estratégico
―constituído-dividido de lado a lado pelas contradições de classe‖ (POULANTAZAS, 1985,
p.152). Apesar de a ação popular ser condição necessária para a transformação do Estado,
integrar-se ou não às instituições não garante em si mesmo, a democratização do Estado de
modo a permitir uma ―intervenção popular nos negócios públicos‖.
A estratégia de ocupação por dentro do Estado, não é suficiente para a transformação
da relação Estado – movimentos populares. As lutas populares inscritas na materialidade
institucional, ao mesmo tempo em que revelam as contradições dessa relação, sofrem os
efeitos da sua própria estratégia. Apesar das concessões que o Estado faz contemplando
algumas das reivindicações dos movimentos sociais, no processo de correlação de forças, as
conquistas se revertem em preservação do poder do Estado e reprodução da hegemonia. Desse
modo, a educação do campo enquanto política de educação do MEC, não aponta para o
estabelecimento de um projeto pedagógico vinculado aos sujeitos do campo, como querem os
movimentos sociais. Está claro que dois projetos de educação do campo estão em disputa: um
do MEC e o outro dos movimentos sociais. A luta pela terra é o que dá materialidade a
educação do campo, mas que não se realiza totalmente enquanto política de educação do
Estado.
As lutas populares atravessam o Estado na busca de modificar as relações de forças no
próprio terreno do Estado. Até que ponto os movimentos sociais do campo contribuem para a
modificação das relações de poder por dentro das instituições sem que haja uma
transformação institucional radical? De acordo com Poulantzas (1985), acabarão
reproduzindo as práticas decorrentes da estrutura do Estado. Assim é que a Escola Ativa é
137
implantada nas classes multisseriadas das escolas dos assentamentos, sob a coordenação do
Setor de Educação do MST em Sergipe, contrariando a idéia força da educação do campo
como ―educação do povo, pelo povo, para o povo‖. Os pedagogos da terra nas secretarias de
educação montam uma trincheira contra a própria política do MEC de fechamento das
escolas, à qual, paradoxalmente, têm que encaminhar, dado ao posto de coordenação que
ocupam, barganhando perdas e ganhos.
No MEC a educação do campo ganha status de diversidade, os movimentos sociais
conseguiram uma coordenação de educação do campo na SECADI45
, na secretaria da
diversidade, com isso a educação básica do campo torna-se algo fora da política de
financiamento do FUNDEB. No nosso entendimento esse equívoco acaba por colocar as
escolas do meio rural numa posição de algo externo aos setores que cuidam da oferta do
ensino fundamental e médio no Ministério. Que tipo de positividade isso pode trazer para a
construção de um projeto de educação democrático e popular no e do campo?
Enfim, a experiência da pedagogia da terra indica que há um acúmulo teórico que
precisaria ser retomado pelo movimento de resistência dos educadores em favor de uma
educação pública de qualidade para todos os brasileiros do campo e da cidade. Indica também
os limites de pensar uma política de formação desarticulada de uma política de educação. Que
não necessariamente precisamos de uma pedagogia para o campo e outra para a cidade, mas
que precisamos tomar a realidade, o contexto político, social, econômico e cultural de uma
dada realidade, como ponto de partida e de chegada do processo educativo.
Apostamos de que a formação de um ―pedagogo de novo tipo‖ era possível,
acreditando na contradição como um componente da totalidade, capaz de produzir o ―novo‖
pedagogo no movimento dialético, ou seja, como produto das condições históricas, materiais
e objetivas. Dito de outra maneira, esse ―novo‖ pedagogo não seria produto exclusivo do
curso, mas sim das múltiplas determinações entre curso, movimento social e sociedade, que
dialeticamente produzem os conflitos e as contradições necessários à construção do ―novo‖.
No movimento de aproximação do real, buscando desvelar a aparência do fenômeno
investigado, fomos compreendendo que se o projeto de educação do campo defendido pelos
movimentos sociais do campo tinha como objetivo construir uma educação democrática e
popular no e do campo, as estratégias não levaram a esse objetivo. Concordamos com
Damasceno (1993, p. 70) quando indica que o MST ―canaliza suas energias e seus melhores
militantes para o trabalho de ocupação, secundarizando, pelo menos no caso do Nordeste, a
45
A partir de 2010 a secretaria da diversidade passa a assumir a sigla SECADI, incorporando também as ações
para a Educação Inclusiva.
138
dimensão político-educativa fundamental para garantir a resistência e a produção‖. A
aproximação do movimento ao Estado subordinou a educação diferenciada para o meio rural
à política oficial de educação e, ao invés de produzir um movimento de agregar forças, a
oposição entre rural e urbano foi focada, contribuindo para realçar esse pseudo-conflito,
quando a essência são as contradições da sociedade capitalista fundada na divisão social do
trabalho, cuja escola se encarrega de reproduzir as relações sociais de produção.
No que diz respeito à formação do pedagogo da terra, ao nos aproximarmos das
tendências contra-hegemônicas e dos princípios político- pedagógicos da educação do campo,
fomos compreendendo que a natureza própria, ou melhor, o campo específico da Pedagogia
da Terra, é precisamente o que defendem os educadores que entendem o fenômeno educativo
como formação humana, o caráter de classe do saber social e a necessária articulação entre a
prática produtiva, a prática política e a atividade científica, para avançar na direção de forjar
uma pedagogia emancipatória, no contexto de uma sociedade capitalista.
De certo modo, é possível dizer que esse (des)encontro entre a UFS e os movimentos
sociais do campo em Sergipe, a exemplo do MST, foi importante do ponto de vista político e
pedagógico. Se não produzimos um ―intelectual de novo tipo‖, compreendemos as
possibilidades que temos de formular metodologias para que os trabalhadores possam se
aproximar do mundo do conhecimento. Desde Gramsci, o conhecimento deve ser uma
conquista cujo estudante deve estar mobilizado para fazê-lo. Essa mobilização é produzida no
cotidiano, na vida real, na prática social, portanto tem um caráter de classe. Os trabalhadores
rurais chegam mobilizados à universidade, pela prática política organizativa dos seus
movimentos, a universidade caberia investir em processos de apropriação do conhecimento
pela via da investigação-ação como apontam as correntes críticas da formação de professores,
como uma forma metodológica de produzir conhecimento como práxis revolucionária.
Ocorre que o desafio de universalizar o trabalho e a educação supõe uma mudança
qualitativa da ordem social, sobre a qual a educação no seu amplo sentido ―deve ser articulada
adequadamente e redefinida constantemente no seu inter-relacionamento dialético com as
condições cambiantes e as necessidades de transformação social emancipadora e progressiva
em curso. Ou ambas têm êxito e se sustentam, ou fracassam juntas‖ (MESZÁROS, 2007,
p.223).
É inquestionável a relevância dos momentos trilhados pelos movimentos sociais na
luta pela terra e no significado da educação como estratégia de consolidação da reforma
agrária. As conquistas que ao longo do tempo os movimentos sociais foram realizando, a
partir do anúncio da educação campo, são inegáveis. Os movimentos de luta pela reforma
139
agrária obrigam o Estado brasileiro a tomar consciência das mudanças na relação entre
sociedade e Estado. Além de ter colocado na agenda pública a necessidade de escolarização
plena das populações rurais; criaram a necessidade de educação entre os próprios acampados
e assentados; trouxeram as escolas para o interior dos assentamentos; mobilizaram-se em
função de formar professores dos próprios assentamentos para essas escolas, ocupando as
universidades públicas, explicitando as contradições entre o público e o privado na educação
brasileira, que produz a elitização do ensino superior garantindo a reprodução do status quo.
Essa riqueza de práticas criativas, expressas na sua vitalidade de construção do historicamente
possível, não pode afastar-se da utopia como referência crítica, que renova e fundamenta a
práxis.
A história é dinâmica e ganhos históricos precisam ser constantemente avaliados para
seguir adiante de acordo com um novo momento. Talvez esse momento da luta pela terra
esteja a exigir a ruptura dos movimentos sociais do campo com o Estado e com o capital para
não deixar pelo caminho o projeto de campo, o projeto de nação democrática e popular e a
educação do campo. No jogo de força e de poder quanto mais os movimentos sociais do
campo tiverem clareza do projeto estratégico para construir uma educação pública,
democrática e popular no e do campo, a trincheira não serão as instituições, nem a escola é
preciso revolucionar suas técnicas de revolução como analisa Fernandes (1981, p.60) ―[...] as
diversas formas de união ativa e de organização do proletariado são essenciais não só para a
luta de classe, mas, principalmente, para que a classe em si possa evoluir e afirmar-se como
classe em si e para si (isto é, tornar-se uma classe com tarefas revolucionárias)‖.
140
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150
APÊNDICE A – INVENTÁRIO DA PESQUISA
Instrumentos de coleta de dados
Entrevista
Grupo focal
Sujeitos da pesquisa
a) 5 orientadores pedagógicos
b) 4 estudantes de Pedagogia que fizeram curso Normal pela UFS
c) A turma do Curso de Pedagogia da UFS, composta por 48 estudantes.
Inventário das entrevistas
1. Entrevistados
G1: orientadores pedagógicos – entrevistados 1, 2, 3, 4 e 10
G2: 4 estudantes de Pedagogia que fizeram curso Normal pela UFS – entrevistados 5,
6, 7, 8
2. Objetivo das entrevistas
G1: Investigar como os sujeitos interpretam o curso que fizeram, o movimento do qual
participam e o trabalho que realizam e qual o significado disso para a sua vida,
enquanto sujeitos sociais e históricos.
G2: Investigar a trajetória de estudo trabalho do curso Normal ao curso de Pedagogia e
como tem participado do processo de construção da educação nas comunidades onde
vivem.
3. Tema das entrevistas
G1: orientadores pedagógicos
O grau do envolvimento dos entrevistados com os movimentos sociais
As experiências significativas vividas no curso de Pedagogia
O trabalho desenvolvido pelos entrevistados depois de formados
G2: 04 estudantes de Pedagogia que fizeram curso Normal pela UFS
A importância do curso Normal para a sua vida
A participação do sujeito depois do Curso Normal no processo de educação no
assentamento
4. Período das entrevistas: outubro e novembro de 2009
Inventário do Grupo Focal
1. Participantes: estudantes do curso de Pedagogia da UFS
2. Temas das sessões
1ª Sessão
Tema 01: Como é a relação escola – comunidade nas escolas dos assentamentos?
2ª Sessão
Tema 02: A formação em nível superior contribui para a melhoria da prática do
professor?
3ª Sessão
Tema 03: Vocês apresentaram na mística de hoje a célebre frase de José Martí que
diz: ―O conhecimento liberta‖, do que ele está falando?
4ª Sessão
Tema 04: Olhando para a realidade da escola e da comunidade apresentada pelo
filme, que aproximações podemos fazer com a nossa realidade entre escola do
assentamento e a comunidade?
3. Período das sessões: novembro e dezembro de 2009
4. Tempo de duração das sessões: de 40 minutos a 50 minutos