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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CAROLINA DESTRI CABRAL RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA ABORDAGEM POLICIAL MILITAR São José 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CAROLINA DESTRI CABRAL

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA ABORDAGEM POLICIAL MILITAR

São José 2008

CAROLINA DESTRI CABRAL

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA ABORDAGEM

POLICIAL MILITAR

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Esp. Cláudio Andrei Cathcart

São José 2008

CAROLINA DESTRI CABRAL

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA ABORDAGEM POLICIAL MILITAR

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada

pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e

Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Civil, Direito Militar e Direito Administrativo

São José, 13 de novembro de 2008.

Prof. Esp. Cláudio Andrei Cathcart UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Elisabete Wayne Nogueira UNIVALI Membro

Prof. MSc Sérgio Luiz Veronese Júnior UNIVALI Membro

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais por tudo que me

proporcionaram e pelo apoio em todos os

momentos da minha vida.

A minha madrasta pelas palavras de

estímulo nessa importante etapa.

Aos meus amigos e familiares pela

força e ajuda nas horas de desgaste.

Ao meu orientador, Cláudio Andrei

Cathcart, por toda prontidão e atenção

dispensada.

Ao Rafael Carlos Dutra, pelo auxílio

e incentivo na realização deste trabalho.

A justiça é, como a saúde, um bem

do qual se goza sem senti-la, que dificilmente

inspira entusiasmo, e cujo valor se sente só depois

de havê-la perdido. (Jean-Jacques Rousseau).

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda

e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 13 de novembro de 2008.

Carolina Destri Cabral

RESUMO

O presente trabalho monográfico tem por objetivo verificar em quais casos é possível responsabilizar o Estado civilmente pela abordagem policial preventiva praticada pelos policiais militares. A responsabilidade civil consiste na obrigação de indenizar, decorrente de um prejuízo causado a outrem. Primeiramente buscou-se definir os conceitos de responsabilidade civil, sua evolução, seus elementos, tipos e características, bem como explanar sobre a proteção a honra subjetiva com uma ênfase ao dano moral. No segundo capítulo o assunto trazido a tona foi a abordagem policial, verificando-se o conceito de polícia, suas espécies, a função da polícia militar frente à Constituição Federal e Constituição Estadual, o poder de polícia e ao final a abordagem policial e sua legalidade. No último capítulo da pesquisa procurou-se discutir a responsabilidade civil do Estado e obter as hipóteses das quais o Estado poderá ser civilmente responsabilizado. Para chegar-se ao resultado final, analisou-se a doutrina que aborda o tema e conclui-se que o Estado será responsabilizado pela abordagem policial quando ela não for enquadrada dentro dos limites legais, ou seja, quando houver um abuso de poder, seja por excesso, desvio ou excessivo uso da força, cabendo ao Estado a ação de regresso contra aquele agente estatal.

Palavra-chave: Estado, responsabilidade civil, polícia militar, abordagem policial.

ABSTRACT

The present monography has as its objective to check in which cases it is possible to make the State responsible for the preventive police approach carried out by the military policemen. The civil responsability consists in the mandatory compesation, resulting from some harm caused to somebody else. Firstly it was tried to reach the concepts of civil responsability, its evolution, its elements, types and characteriscs, as well as to explain about the protection of the honor, emphasising the moral harm. In the second chapter, the subject that was explained was the police approach, checking the police concept, its kinds, the function of the military police in face of the Federal Constitution and State Constitution, the power of the police, and at the end, the police approach and its legality. In the last chapter of the research it was discussed the civil responsability of the State and the hypothesis in which the State may be civily responsible. In order to reach the final result it was analysed in the doctrine that discuss the subject, a series of factors and circunstances. And it was my conclusion that the State may be responsabible for the police approach when it doesn´t fit the legal boundaries, which is, when there´s power abuse, as for excess or diversion or the strength abuse, being due to the State the regressive action against the public servant.

Key-words: State, civil responsibility, military police, police approach.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................................10

1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL ...............................................................................12

1.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ..................................................... 12

1.2 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL....................................... 15

1.3 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL........... 18

1.3.1 Da Conduta Humana..................................................................................... 19

1.3.2 Da Culpa........................................................................................................ 22

1.3.3 Do Dano Causado ......................................................................................... 23

1.3.4 Do nexo causal .............................................................................................. 25

1.3.5 Das excludentes de nexo causal ................................................................... 26

1.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ...................................................... 32

1.4.1 Da responsabilidade contratual e extracontratual.......................................... 33

1.4.2 Da responsabilidade objetiva e subjetiva....................................................... 35

1.5 Proteção a Honra Subjetiva ................................................................................. 37

2 DO PROCEDIMENTO DA ABORDAGEM POLICIAL ................................................41

2.1 CONCEITO DE POLÍCIA ..................................................................................... 41

2.2 ESPÉCIES DE POLÍCIA ...................................................................................... 43

2.3 FUNÇÕES DA POLÍCIA MILITAR FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E

A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL................................................................................. 45

2.3.1 A polícia militar e a ordem pública................................................................. 48

2.3.2 A polícia militar como polícia ostensiva ......................................................... 51

2.4 O PODER DE POLÍCIA ....................................................................................... 54

2.4.1 Atributos do poder de polícia ......................................................................... 55

2.4.1.1 Discricionariedade .................................................................................. 56

2.4.1.2 Auto-executoriedade............................................................................... 57

2.4.1.3 Coercibilidade ......................................................................................... 58

2.4.2 O poder de polícia do policial militar .............................................................. 59

2.5 DA ABORDAGEM POLICIAL E SUA LEGALIDADE ........................................... 60

9

3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DIANTE DA ABORDAGEM

POLICIAL.......................................................................................................................64

3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO................................................... 64

3.2 OS LIMITES DA ABORDAGEM POLICIAL.......................................................... 68

3.3 A CONFIGURAÇÃO DO DANO NA ABORDAGEM POLICIAL ........................... 72

3.4 A TUTELA JURÍDICA DIANTE DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA

ABORDAGEM POLICIAL........................................................................................... 75

3.4.1 Das excludentes da responsabilidade do Estado .......................................... 78

3.4.1.1 Da culpa exclusiva ou concorrente da vítima ......................................... 79

3.4.1.2 Do ato praticado por terceiro .................................................................. 80

3.4.1.3 Do ato praticado por multidão................................................................. 81

3.4.1.4 Do caso fortuito ou força maior............................................................... 81

3.4.2 Do direito de regresso ................................................................................... 82

3.5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ........................................................................... 83

CONCLUSÃO ................................................................................................................86

REFERÊNCIAS..............................................................................................................89

10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico tem como tema a responsabilidade civil

do Estado pela abordagem policial militar.

A justificativa para o presente tema deu-se, pois nos dias atuais é difícil

encontrar algum cidadão que nunca veio a ser abordado por um policial militar,

seja em uma blitz, na entrada de algum evento, ou de alguma outra forma. A

abordagem policial se torna cada vez mais constante no nosso dia a dia, tanto

para nos passar a sensação de segurança como para retomar a ordem pública.

Contudo, muitas pessoas se sentem constrangidas por serem abordadas,

e acabam ingressando com ações por dano moral. Porém, a abordagem policial

tem o intuito de garantir a segurança geral de todos e resguardar um Estado em

que as garantias e direitos dos cidadãos sejam plenamente respeitados e

resguardados.

Desta forma, o objetivo da presente monografia é demonstrar em quais

casos nascerá o dever do Estado em indenizar civilmente o cidadão que vier a ser

abordado pelo polícia militar.

Para melhor compreensão do tema, o trabalho foi dividido em três

capítulos.

O primeiro capítulo versa exclusivamente da responsabilidade civil, o seu

conceito, sua evolução histórica, seus pressupostos e por fim, trata da proteção à

honra subjetiva, voltada ao dano moral.

Já o segundo capítulo tem como tema a abordagem policial, iniciado com

um conceito de polícia, passando por suas funções frente a Constituição Federal e

Constituição Estadual de Santa Catarina, analisando-se os aspectos inerentes a

segurança pública e ao final uma apreciação da abordagem policial e sua

legalidade.

No que tange ao terceiro capítulo, este foi tipificado como a

responsabilidade civil do Estado diante da abordagem policial militar. Este capítulo

inicia com uma explanação sobre a responsabilidade do Estado com um breve

11

histórico, após fala-se dos limites da abordagem policia, como se pode vir a

caracterizar um dano na abordagem policial e qual a tutela jurídica prevista para

estes casos, ao final, tem-se uma breve interpretação jurisprudencial sobre o

tema.

Na presente pesquisa foi utilizado como método o dedutivo.

12

1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Este capítulo tem por finalidade trazer a tona à análise da

responsabilidade civil e suas principais características. Será analisado, antes de

tudo, o conceito de responsabilidade civil, para maior compreensão deste

elemento do direito civil. Em seguida, tem-se um breve histórico da

responsabilidade civil, bem como seus elementos, indispensáveis para que possa

haver a caracterização, e suas espécies. Ao final, trata-se da proteção á honra

subjetiva, com um enfoque voltado para o dano moral.

1.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Inicialmente, vale destacar que a palavra responsabilidade é de origem

latina, advinda da palavra respondere, que significa a obrigação que as pessoas

possuem de assumir as conseqüências de seus atos.1

O Código Civil de 2002, em seu artigo 927, prevê que aquela pessoa que

causar lesão a alguém, que tenha decorrido de algum ato ilícito, terá o dever de

reparar, pois é função do direito preservar o equilíbrio social.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.2

Entende-se por ato ilícito o dano causado a outrem, moral ou patrimonial,

derivado de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, que venha a

causar uma violação da ordem jurídica.3 No entanto, apesar do artigo 186 citar

1 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, v. 3: responsabilidade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 2 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 3 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, v. 7: responsabilidade civil. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

13

somente ato ilítico como causa da responsabilidade civil, segundo Maria Helena

Diniz4 pode haver outros fatos que venham a gerar a obrigação de indenizar.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.5

Destarte, é pacífico entre as doutrinas, como Maria Helena Diniz6, Pablo

Gagliano7, Sílvio Rodrigues8 entre outros, que o dever de recompor os agravos

oriundos da ação ou abstenção lesiva causados por um ato praticado pela própria

pessoa, ou por aqueles que dela dependem, é visto como responsabilidade civil.9

Maria Helena Diniz assim conceitua responsabilidade civil:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão do ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.10

No mesmo sentindo, é o entendimento de Sílvio Rodrigues:

[...] é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependem.11

Salienta-se, que na responsabilidade civil, diferentemente da penal, o

dano sofrido possui natureza privada, compreende ofensa a uma pessoa, e é

reparado através de uma indenização pecuniária, já que na maioria das vezes não

4 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 40. 5 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 6 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, v. 7: responsabilidade civil. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 7 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, v. 3: responsabilidade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 8 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, v. 4: responsabilidade civil. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 9 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p. 6. 10 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 35.. 11 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p 6.

14

é possível restituir a vítima ao statu quo ante12, ou seja, na responsabilidade civil,

busca-se o pagamento de um montante para tentar suprir um certo dano causado

a alguém que não tenha como ser revertido13.

Ademais, por ser de natureza privada, a referida indenização deve ser

exigida pela pessoa lesada, uma vez que é do seu interesse a reparação do dano.

No entanto, não é obrigatória, para a mesma, tal exigência, ou seja, decorre de

sua vontade para que ocorra a reparação.14

Sobre o assunto, é o entendimento de Sílvio Rodrigues:

No caso do ilícito civil, ao contrario, o interesse diretamente lesado, em vez de ser o interesse público, é o privado. O ato do agente pode não ter infringido ordem pública; não obstante, como seu procedimento causou dano a alguma pessoa, o causador do dano deve rapara-lo. A reação da sociedade é representada pela indenização a ser exigida pela vítima do agente causador do dano.15

A indenização, a qual a vítima do dano deverá receber, deve ser baseada

tanto no valor do bem material atingido, ou quando o dano for de caráter moral,

em valor que acarrete na compensação de tal evento danoso, sem esquecer,

também, da diferença entre a situação em que a vítima se encontrava e a situação

pós-dano16.

Neste sentido, tem-se o artigo 944 do código civil brasileiro:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.17

No que tange ao valor do cálculo da indenização, afirma Maria Helena

Diniz:

A indenização é estabelecida em atenção ao dano e à situação do lesado, que deverá ser restituído à situação em que estaria se não

12 Statu quo ante: estado anterior. 13 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 4. 14 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p 14. 15 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p 7. 16 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 345. 17 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

15

tivesse ocorrido a ação do lesante. De forma que tal indenização será fixada em função da diferença entre a situação hipotética atual e a situação real do lesado.18

Não obstante, com o grande crescimento da população, e com o

conseqüente aumento das diversas relações surgidas entre as pessoas, a

responsabilidade civil veio para resguardar o equilíbrio social para que seja

possível a vida em sociedade.19

Corroborando com tal raciocínio, afirma Washington de Barros Monteiro:

Conclui-se que a teoria da responsabilidade civil visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, por meio da reparação dos danos morais e materiais, oriundos da ação lesiva a interesse alheio, único meio de cumprir-se a própria finalidade do direito, que é viabilizar a vida em sociedade.20

Diante do exposto, pode-se concluir que a responsabilidade civil tem a

função de reparar a vítima do fato danoso, servir como sanção civil para o autor do

fato gerador da lesão, sem que a indenização que venha a ser paga cause

enriquecimento ilícito para a vítima, e por fim, garantir o convívio equilibrado em

sociedade.

1.2 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

É de costume da natureza humana reprimir qualquer lesão que venha a

ser causada de forma injusta a outrem. Nos tempos passados, a forma mais

comum para se reprimir tal ato injusto era uma reação imediata e violenta, vista,

muitas vezes, como uma vingança, onde se retratava o sentimento de justiça, uma

maneira de reparar o dano causado21. Ademais, nesta época não exista um

18 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 122. 19 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 122 20 MONTEIRO, Washington de Barros. direito das obrigações. V. 5. 34 ed. São Paulo: 2003. 21MONTENEGRO, Antônio Lindnergh C. Responsabilidade Civil. p. 3.

16

Estado soberano que pudesse ditar regras e limitações, inexistindo, então, o

direito.

Neste sentindo, destaca-se a Lei de Talião, cujo tema era “olho por

olho, dente por dente”, ou seja, o mal causado injustamente para uma pessoa,

seria o mesmo causado aquela que provocou o sofrimento injusto de outrem.22

Neste sentindo, Caio Mário afirma:

Vem do ordenamento mesopotâmico, como do Código de Hamurabi, a idéia de punir o dano, instituindo contra o causador um sofrimento igual; não destoa o código de Manu, nem difere essencialmente o antigo direito Hebreu.23

De acordo com Fréderic Girard, o direito brasileiro encontra suas raízes

no âmbito do direito romano, desta forma, não se pode deixar de analisar o

histórico de responsabilidade civil dentro deste sistema. O mesmo doutrinador

aduz que a vingança sempre dominou a idéia de punição a alguém que causasse

injustamente um mal a outro. Após a evolução da idéia de punição, começaram a

aparecer as idéias de composição legais, onde o Estado também se mostra como

interessado em reprimir danos causados contra os particulares.24

No entanto, apesar da referida evolução no âmbito de punição, a figura

da responsabilidade civil, como há hoje, não chegou a ser plenamente

desenvolvida dentro do ordenamento romano, vez que não houve distinção entra

as idéias de punição e reparação, como ocorre nos dias atuais.25

No entanto, de acordo com Sílvio de Salvo Venosa, a Lex Aquilia:

Esse diploma, divisor de águas da responsabilidade de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação da lex aquilia o princípio

22 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 9. 23 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 24 GIRARD, Frederic, apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, p. 03. 25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, p. 04.

17

pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente.26

Diante da citação acima transcrita, resta claro que a Lex Aquilia

contribuiu de maneira fundamental para o desenvolvimento do conceito de

responsabilidade civil.

Considerando a real importância da Lex Aquilia, Caio Mário, manifesta

acerca da discussão doutrinária quanto a presença ou não da idéia de culpa

dentro dela. Diz tratar-se de elemento fundamental para a reparação do dano,

além de aderir a corrente que sustenta a presença do elemento culpa na Lex

Aquilia, tendo em vista a necessidade da determinação de três elementos para

caracterizar a responsabilização: a) damnum, ou lesão na coisa; b) iniuria,ou ato

contrário ou direito; c) culpa, quando o dano resultava de ato positivo do agente

praticado com dolo ou culpa. 27

No entanto, entende-se que foi a partir do Código de Napoleão que o

conceito de responsabilidade passou a ser aperfeiçoado e desenvolvido nas linhas

que se têm atualmente. A tendência de relacionar a reparação apenas a casos

especiais começa a desaparecer, e a noção de dano passou a ter um enfoque

muito maior. 28

Deste modo, com inspiração no Código de Napoleão, o direito brasileiro

elencou o conceito de responsabilidade civil na idéia da culpa, consoante se

constata pelo enunciado do artigo 159 do Código Civil de 1916:

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.29

Diante do artigo exposto, é notório que a responsabilidade fundava-se

na culpa, também admitia a sua presunção e, somente nos casos expressamente

26 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, v. 4: responsabilidade civil, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. 27 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, p. 04. 28 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 12. 29 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

18

previstos em lei admitia-se a responsabilidade de indenizar, sem a indagação de

culpa, também chamada de responsabilidade objetiva.30

O Código Civil atual também consagrou a responsabilização subjetiva

em decorrência de ato ilícito, no artigo 186. A regra, praticamente manteve a

mesma redação do antigo diploma, acrescentando, contudo, a reparação ao dano

moral.

Então, entende-se que a responsabilidade civil vem evoluindo e

desenvolvendo junto com a sociedade, transcendendo os limites da culpa e

firmando-se no dever de reparação do dano31. A partir de então, o Código Civil

passou a adotar, mediante previsão legal expressa ou de risco da atividade do

agente, a responsabilidade civil objetiva, onde os pressupostos são somente o

nexo causal e o dano sofrido, independendo de culpa.

1.3 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

São três os pressupostos essenciais para caracterização da

responsabilidade civil. São eles, segundo Gagliano: a conduta humana voluntária,

o dano ou prejuízo causado a vítima e por fim, o nexo de causalidade entre o ato

praticado e o dano causado. 32

Para que haja a referida caracterização são necessários que restem

preenchidos os pressupostos acima citados que estão elencados no

desdobramento do artigo 186 do Código Civil.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.33

30 MONTENEGRO, Antônio Lindnergh C. Responsabilidade Civil. p. 8. 31 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, p. 14. 32 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 23 33 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

19

Então, faz-se necessário, para o entendimento pleno da responsabilidade

civil, que sejam analisados e estudados todos os elementos caracterizadores da

mesma.

1.3.1 Da Conduta Humana

Primeiramente, cabe salientar que a conduta humana, geradora do dano,

pode decorrer de ato da própria pessoa, mas também de um terceiro que esteja

sob a sua responsabilidade, bem como alguma coisa ou animal que esteja sobre

sua guarda, decaindo, desta forma, a responsabilidade para aquela pessoa que

tinha o dever de guarda para com os causadores da lesão. 34

Para corroborar tal argumento, tem-se o texto legal dos artigos 932 e 936,

ambos do Código Civil.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.35

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.36

34 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 27. 35 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 36 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

20

Deve-se destacar, que a conduta humana, para ser caracterizadora de

responsabilidade civil, pode ser tanto positiva quanto negativa, ou seja, ato

omissivo e ato comissivo.37

A conduta positiva, ou ato omissivo é aquela que nasce da ação do

agente causador do dano, de um comportamento ativo do mesmo, já a conduta

negativa, conduta omissiva, é aquela gerada pela omissão, pela inércia do

lesante.38

Em relação a essa distinção, entre conduta positiva e negativa, afirma

Pablo Stolze Gagliano:

A Primeira delas traduz-se pela prática de um comportamento ativo, positivo, a exemplo do dano causado pelo sujeito que embriagado, arremessa o seu veiculo contra o muro do vizinho. A segunda forma de conduta [...] trata-se de atuação omissiva ou negativa, geradora de dano. [...] É o caso da enfermeira que, violando suas regras de profissão e o próprio contrato de prestação de serviços que celebrou, deixa de ministrar os medicamentos ao seu patrão, por dolo ou desídia.39

Mister ressaltar, que é imprescindível que a conduta seja voluntária, ou

seja, decorra da vontade do autor da lesão, que tenha capacidade para entender a

conduta que virá a praticar.40

Sobre o mesmo tema, destaca Gagliano:

O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz.41

Não obstante, o artigo 927 do Código Civil traz a idéia de que não basta

apenas ser voluntária a conduta, mas que também deve ser proveniente de um

ato ilícito. 37 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 39. 38 GONÇALVES, Carlos Roberto, Responsabilidade civil. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 39 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 29. 40 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 29. 41 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 27.

21

Para maior entendimento, transcreve-se o conceito de ato ilícito de Maria

Helena Diniz:

Ter-se-á ato ilícito se a ação contrariar dever geral previsto no ordenamento jurídico.42

Deste modo, entende-se por ato ilícito aquele que for contrário as normas,

que visam proteger interesses alheios, e vier a contravir um dever imposto.

Embora o ato ilícito seja regra geral para a caracterização da

responsabilidade civil, e apesar do dispositivo legal ser claro ao afirmar ato ilícito,

a responsabilidade poderá vir a incidir em condutas que não venham a causar

ilícitos. Quando por exemplo, a conduta vier a ser desviada da sua finalidade, ou

seja, atos praticados com abuso de direito que venham a causar danos, o que

gera, o dever de reparar.

Sobre o assunto, é o entendimento de Sílvio Rodrigues:

O ato do agente causador do dano impõe-lhe o dever de reparar não só quando há, de sua parte, infringência a um dever legal, portanto ato praticado contra direito, como também quanto seu ato, embora sem infringir a lei, foge da finalidade social a que ela se destina. [...] São atos praticados com abuso de direito. 43

A conduta que gera o dano, como já visto, deve ser decorrida de ato de

vontade e ter, a pessoa que o praticou, noção do que está fazendo. Destarte, tal

discernimento é visto como culpa no nosso ordenamento jurídico. O agente que

pratica a lesão deve ser dotado de culpa para assim, em regra, gerar o dever de

indenizar. Diante disto, resta claro que a conduta ilícita será caracterizada pela

culpa44.

Assim Esclarece Maria Helena Diniz:

O comportamento do agente será reprovado ou censurado quando, ante circunstâncias concretas do caso, se entende que

42 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 37. 43 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p 15. 44 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 39.

22

ele poderia ou deveria ter agido de modo diferente. Portanto, o ato ilícito qualifica-se pela culpa. Não havendo culpa, não haverá, em regra, qualquer responsabilidade. 45

Então, em suma, entende-se que a conduta caracterizadora da

responsabilidade civil deve ser sempre voluntária, em regra causadora de um

ilícito e ser comprovado de que decorreu de culpa.

1.3.2 Da Culpa

A culpa deve ser entendida, no âmbito civil, como qualquer negligência,

imprudência e imperícia, e não somente ser limitada ao perfil do ato culposo ou

ato doloso que veio a encadear uma lesão a alguém.46

Maria Helena Diniz conceitua culpa como:

Violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligencia ou cautela, compreende: o dolo, que é violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentindo estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência e negligencia, sem qualquer deliberação de violar um dever.47

E ainda, explica Sílvio de Salvo Venosa:

A culpa civil em sentindo amplo abrange não somente o ato ou conduta intencional, o dolo, mas também os atos ou condutas eivados de negligencia, imprudência ou imperícia, qual seja, a culpa em sentido estrito. 48

Vale destacar, que na culpa, o agente pratica o ato com consciência do que

está fazendo, porém, não tem a intenção de ferir uma norma jurídica ou cometer

45 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 39. 46 VENOSA, Sílvio de Salvo.Direito Civil, p 23. 47 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 42. 48 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil, p 24..

23

um ilícito, a culpa abrange a negligência, imprudência e imperícia, como acima

citado. Já no dolo, existe a vontade de violar um direito, de causar um dano.49

Alguns doutrinadores, como Maria Helena Diniz50 e Sílvio de Salvo

Venosa51, classificam a culpa como grave, leve e levíssima. A primeira é aquela

que é quase um dolo, que se aproxima dele, que seria previsível o resultado, a

leve é aquela que a lesão podia vir a ser evitada e a levíssima é aquela que

somente um perito no assunto, uma pessoa muito atenta conseguiria prever o

resultado. 52

1.3.3 Do Dano Causado

O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, uma vez que sem

dano, não haverá nada a ser reparado, pois a responsabilidade civil tem a função

de ressarcir os danos oriundos da ação do lesante, desta forma, quando não

houver o dano, não haverá responsabilidade civil de reparação. Sobre o dano,

explica Sérgio Cavalieri Filho:

O dano é, sem duvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. [...] Tanto é assim que, sem fano não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou ate dolosa. 53

A doutrina, como Maria Helena Diniz54 e Sílvio Rodrigues55, entre outros,

entende haver dois tipos de danos, o patrimonial, que é aquele que lesiona

49 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 42. 50 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p. 43. 51 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p 24 52 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p 24. 53 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 54 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 58. 55 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p 189.

24

diretamente o patrimônio da vítima, e o dano moral, que atingi os direitos de

personalidade do lesionado, a sua integridade moral.56

Em relação aos dois tipos de dano, conceitua Sílvio de Salvo Venosa:

O dano patrimonial, portanto, é aquele suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado por reposição em dinheiro, denominador com da indenização. [...] O dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vitima. Nesse campo, o prejuízo é imponderável. 57

Ainda dentro do dano patrimonial, existe a subdivisão em dois tipos, o dano

emergente, que é aquele realmente sofrido, e o lucro cessante, que é tudo que a

vítima deixou de perceber por conta do dano58.

Assim afirma Pablo Stolze Gagliano:

O dano emergente corresponde ao efetivo prejuízo sofrido pela vitima, ou seja, o que ela perdeu. Os lucros cessantes correspondem àquilo que a vitima deixou de razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja, o que ela não ganhou.59

Ressalta-se, que o dano sofrido deve ser provado, não basta a mera

alegação de sofrimento de uma lesão, há de ser comprovado para então, surgir o

dever de indenizar60.

Neste sentindo, entende Maria Helena Diniz:

Não podendo haver responsabilidade civil sem a existência de um dano a um bem jurídico, sendo imprescindível a prova real e concreta dessa lesão. Deveras, para que haja o pagamento da indenização pleiteada é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral, fundados não na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica.61

56 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 64.. 57 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p 30. 58 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p 28. 59 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p 41. 60 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 58. 61 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 59.

25

Ademais, esta comprovação deve trazer a conexão do dano com a ação do

agente causador da lesão, para que possa ser confirmado o nexo causal, o último

requisito para a responsabilidade civil.

Destarte, compreende-se que é imprescindível a ocorrência de um dano

conexo com a conduta do lesante, para que haja o dever de indenizar, no entanto,

não basta a simples alegação de ter sofrido um dano, este dano deve ser

comprovado para que possa vir há ser ressarcido.62

1.3.4 Do nexo causal

O nexo causal é outro dos requisitos da responsabilidade civil, ele é a

conexão entre a conduta do causador do dano com a lesão sofrida. Sem a

comprovação desta conexão não haverá a responsabilidade civil, uma vez que o

dano sofrido não terá ligação nenhuma com o ato do lesante.63

Desta forma conceitua nexo causal Sílvio de Salvo Venosa :

O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação de causal que concluímos quem foi o causador do dano.64

Sem a relação de causalidade não se tem o dever de indenizar. O nexo

causal é o liame de causalidade, a relação entre a conduta do agente e o dano

sofrido pela vítima, é a ligação entre os dois, ato e dano. 65

No mesmo sentido, afirma Gagliano:

Trata-se, pois, do elo etiológico, do liame, que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano. Por óbvio, somente se

62 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 59. 63 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p 39 64 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, . 39 65 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 578.

26

poderá responsabilizar alguém cujo comportamento houvesse dado causa ao prejuízo.66

Para que ocorra o nexo causal é preciso averiguar que se a ação não

viesse a ocorrer, o dano jamais teria sido sofrido pela vítima, no entanto existem

algumas causadas que vem a excluir o nexo causal, analisadas no tópico a seguir.

1.3.5 Das excludentes de nexo causal

Existem algumas causas excludentes de nexo causal, ou seja, que fazem

desaparecer a relação de causalidade entre o ato e a lesão. São elas o caso

fortuito e a força maior, o estado de necessidade, a legítima defesa e exercício

regular de direito, a culpa da vitima, o fato de terceiro e cláusula de não

indenizar.67

O caso fortuito ou força maior são aqueles casos que derivam de um

fenômeno natural que não pode vir a ser impedido pelo homem, é um fato alheio à

vontade do agente e que não veio a derivar de negligência, imprudência ou

imperícia. Tal excludente encontra respaldo no artigo 393 do Código Civil, que

afirma não ser indenizável os resultados de caso fortuito e força maior, visto não

ter como ser impedido ou evitado:68

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.69

66 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p 85-86. 67 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p 164. 68 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p 164. 69 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

27

Maria Helena Diniz esclarece:

Deveras, o caso fortuito e a força maior se caracterizam pela presença de dois requisitos: o objetivo, que se configura na inevitabilidade do evento, e o subjetivo, que é a ausência de culpa na produção do acontecimento. No caso fortuito e na força maior há sempre um acidente que produz prejuízo.70

Já com relação ao estado de necessidade, legítima defesa e exercício

regular do direito, o dever de não indenizar encontra amparo nos incisos I e II, do

artigo 188 do Código Civil, uma vez que tais ações não constituem ato ilícito, e

sem este, não há o que se falar em responsabilidade civil:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.71

A legítima defesa é uma justificativa para a conduta praticada, ou seja, é o

meio que o agente encontra para se defender de uma agressão injusta e atual, no

entanto, tal reação deve ser proporcional à agressão recebida. Se vier a ser

caracterizado o excesso da legítima defesa, daí sim terá o agente dever de

reparar.72

Com relação à legítima defesa, explica Sílvio de Salvo Venosa:

A sociedade organizada não admite a justiça de mãos próprias, mas reconhece situações nas quais o indivíduo pode usar dos

70 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 112. 71 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 72 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p 45.

28

meios necessários para repelir agressão injusta, atual ou iminente, contra si ou contra as pessoas caras ou contra seus bens. A doutrina sempre enfatizou que os meios de repulsa devem ser moderados. Nessa premissa, quem age em legítima defesa não pratica ato ilícito, não havendo dever de indenizar, na forma do art. 188, I. 73

Já o estado de necessidade é aquele que, diferente da legítima defesa, o

agente não reage para defender-se de uma agressão injusta, mas atua para

proteger direito seu ou de outra pessoa que corre um perigo concreto. Na

iminência de ver atingido um direito seu, o agente ofende um direito alheio, porém,

o artigo 929 do Código Civil afirma que se a pessoa lesada não houver sido o

causador do perigo, este poderá pedir indenização pelo prejuízo sofrido.74

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.75

Como relação ao estado de necessidade, exemplifica Pablo Stolze

Gagliano:

É o caso do sujeito que desvia o seu carro de uma criança, para não atropelá-la, e atinge o muro da casa, causando danos materiais. Atuou, nesse caso, em estado de necessidade. 76

No que tange ao exercício regular do direito, este somente será

considerado ilícito quando o agente venha a extrapolar o limite do direito a ele

pertencente.77

Ademais, no mesmo sentido, tem-se o artigo 187 do Código Civil:

73 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p 45. 74 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 102. 75 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 76 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 102. 77 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p 46

29

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.78

Entende por exercício regular do direito Sílvio de Salvo Venosa:

No exercício de um direito, o sujeito deve manter-se nos limites do razoável, sob pena de praticar ato ilícito. O novo código é expresso em descrever o abuso de direito no art. 187 (...).79

Outra excludente existente é a culpa da vítima, que pode ser tanto

exclusiva, quanto concorrente. Na exclusiva a vítima a lesão foi a responsável

para que ela ocorresse, inexistente nexo causal.80

Sobre culpa exclusiva da vítima, afirma Sílvio Rodrigues:

Com efeito, no caso de culpa exclusiva da vitima, o agente que causa diretamente o dano é apenas um instrumento do acidente, não se podendo, realmente, falar em liame de causalidade entre seu ato e o prejuízo por aquela experimentado. 81

A culpa concorrente é aquela que tanto o agente causador do dano,

quanto a vítima foram responsáveis para que o evento danoso ocorresse,

dividindo assim, a indenização.82

Explica Sílvio Rodrigues:

Casos há, entretanto, em que existe culpa da vítima, paralelamente à culpa concorrente do agente causador do dano. Nessas hipóteses o evento danoso decorreu tanto do comportamento culposo daquela, quanto do comportamento culposo deste. Por conseguinte, se houver algo a indenizar, a indenização será repartida entre os dois responsáveis, na proporção que for justa.83

78 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 79 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil,, p. 46. 80 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p 165. 81 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p. 165. 82

DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p. 42. 83 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p. 166.

30

Destarte, a culpa concorrente está fundamentada no artigo 945 do Código

Civil:

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.84

A penúltima excludente é o fato de terceiro. Deve se esclarecer que

terceiro pode ser qualquer pessoa que não a vitima ou o agente. Se um fato

praticado por um terceiro vier a ser o causador exclusivo do dano, inexiste

qualquer responsabilidade civil. No entanto, o fato de terceiro, assim como a culpa

da vitima, pode ser concorrente com o ato praticado pelo agente, neste caso,

respondem os dois pelos danos causados, dividindo-se a responsabilidade de

acordo com a culpa de cada um dos agentes, conforme o artigo 942 do Código

Civil:85

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.86

Para maior entendimento na diferenciação do fato exclusivo de terceiro e

do fato concorrente de terceiro, explica Sílvio de Salvo Venosa:

No caso concreto, importa verificar se o terceiro for o causador exclusivo do prejuízo ou se o agente indigitado também concorreu para o dano.Quando a culpa é exclusiva de terceiro, em princípio não haverá nexo causal. O fato de terceiro somente exclui a indenização quando realmente se constituir em causa estranha à conduta, que elimina o nexo causal. (...) Destarte, se o agente não lograr provar cabalmente que o terceiro foi a causa exclusiva do evento, tendo também o indigitado réu concorrido com culpa, não elide o dever de indenizar. Recorde-se de que o art. 942 estabelece a responsabilidade solidária para todos os causadores do dano.87

84BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 85 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 116. 86 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 87 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p. 48.

31

Desta forma, analisando o acima citado, a exclusão do nexo causal

somente ser dará quando o terceiro for causador exclusivo da lesão a vítima.

A última excludente de nexo causal é a cláusula de não indenizar, sendo

utilizada, diante de sua natureza, somente na responsabilidade contratual.88

Sílvio Rodrigues conceitua tal excludente como:

A cláusula de não indenizar é aquela estipulação através da qual uma das partes contratantes declara, com a concordância da outra, que não será responsável pelo dano por esta experimentado, resultando da inexecução ou da execução inadequada de um contrato, dano este que, sem a clausula, deveria ser ressarcido pelo espitulante.89

A referida cláusula é visto pelos doutrinadores, tais como Pablo

Gagliano90, Caio Mário91, Maria Helena Diniz92, entre outros, como admissível,

porém, dentro de um limite, com restrições, visto decorrer da autonomia da

vontade negocial, ou seja, é feita com a concordância de ambos os contratantes.

Porém, no contrato de adesão tal cláusula não é permitida, visto ser um contrato

que não é livremente negociável.

Sobre os requisitos para a existência da citada cláusula, enumera Sílvio

de Salvo Venosa:

Sintetizando o exposto, podemos concluir que a cláusula de não indenizar possui dois requisitos básicos: a bilateralidade do consentimento e a não-colisão com proveito cogente de lei, ordem pública e bons costumes. Acrescenta-se, ainda, não poder ser admitida em contratos de adesão e no sistema do consumido como anteriormente apontado. 93

88 RODRIGUES, Silvio, Direito civil,. p. 179. 89 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p. 179. 90 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 118. 91 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, 9 ed. Forense: Rio de Janeiro, 1998. 92 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p.. 107. 93 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p. 52.

32

Diante do exposto, é notório que para que a cláusula seja válida ela

deverá conter os pressupostos acima transcritos.

Então, após a análise de cada uma das excludentes, resta claro que se

houver alguma delas, não poderá existir nexo causal, desta forma, impossível se

falar em responsabilidade civil.

Ademais, uma vez inexistente algum dos pressupostos citados neste item

1.2, não há como se falar em responsabilidade civil visto serem todos, em regra,

essenciais para sua configuração.

1.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Antes de se explanar acerca da responsabilidade civil, mister se faz

diferenciar a responsabilidade civil da responsabilidade penal.

Na responsabilidade penal a norma infringida tem caráter público e o ilícito

perturba a ordem social e a conseqüência gera uma pena, já na responsabilidade

civil o interesse lesado é privado e o causador do dano devera repará-lo.94

No mesmo rumo, explica Maria Helena Diniz:

Enquanto a responsabilidade penal pressupõe uma turbação social, ou seja, uma lesão aos deveres do cidadão para com a ordem da sociedade, acarretando um dano social (...) a responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou Estado.95

A diferença entre responsabilidade civil e penal também refere-se a forma

de reparação do dano causado, na responsabilidade penal o lesante cumprirá uma

pena imposta pelo código penal, um repressão, já no civil o lesante deverá

indenizar os danos causados e deixa-los da forma em que se encontravam antes

do dano, se possível for.96

Assim afirma Maria Helena Diniz:

94 RODRIGUES, Sílvio, Direito Civil, p, 6-7. 95 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 20. 96 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 6.

33

Na responsabilidade penal o lesante deverá suportar a respectiva repressão, pois o direito penal vê, sobretudo, o criminoso; na civil, ficará com a obrigação de recompor a posição do lesado, indenizando-lhe os danos causados, daí tender apenas à reparação, por vir principalmente em socorro da vitima e de seu interesse, restaurando-lhe seu direito violado.97

Depois de analisada as diferenças existentes entre responsabilidade

penal e civil, volta-se a tratar apenas da responsabilidade civil.

A responsabilidade civil pode ser classificada, de acordo com Maria

Helena Diniz, com relação ao fato que venha a gerá-la, como responsabilidade

contratual e extracontratual, como também pode ser classificada em relação ao

seu fundamento, responsabilidade subjetiva e objetiva.98

1.4.1 Da responsabilidade contratual e extracontratual

A responsabilidade civil contratual é aquela que decorre de um negócio

jurídico, um contrato. Tal responsabilidade nascerá quando houver um

inadimplemento de alguma obrigação prevista no instrumento contratual, e a

indenização vem a ser a substituição da prestação não cumprida. 99

A responsabilidade contratual está prevista nos artigos 389 e 395, ambos

do Código Civil:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.100

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo

97 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p. 21. 98 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p. 21 99 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 26. 100 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008

34

índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado101

Sobre responsabilidade contratual, é o juízo de Maria Helena Diniz:

Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente (...).102

Então, entende-se por responsabilidade contratual aquela que decorre de

uma violação de uma norma contratual já fixada entre as partes.

Já a responsabilidade extracontratual, conhecida também por aquiliana, é

aquela que é gerada através da prática de um ilícito, não havendo vínculo anterior

entre as partes, sendo prevista no artigo 927 do mesmo dispositivo legal

supracitado:103

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.104

Maria Helena Diniz assim explica sobre responsabilidade extracontratual:

Responsabilidade extracontratual ou aquiliana se resultante do inadimplemento normativo, ou melhor, da prática de um ato ilícito por pessoa capa ou incapaz, visto que não há vinculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional ou contratual. A fonte dessa responsabilidade é a inobservância da lei, ou melhor, é a lesão a um direito, sem que entre o ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica (...).105

101 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 102 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p. 127. 103 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, p 21. 104 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 105 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p. 128.

35

Responsabilidade extracontratual, então, é aquela que fere uma norma

jurídica, um direito de outrem, sem que haja uma relação obrigacional entre o

lesante e o lesado.

1.4.2 Da responsabilidade objetiva e subjetiva

As responsabilidades objetiva e subjetiva são aquelas que decorrem da

existência ou não de culpa. A responsabilidade subjetiva é aquela que necessita

de culpa do agente para que seja configurado o dever de indenizar. Neste tipo de

responsabilidade a idéia de culpa do agente, e a prova da culpa do mesmo, são

imprescindíveis para que nasça o dever de reparar o dano.106

No mesmo sentido, afirma Sílvio Rodrigues:

(...) A responsabilidade do agente causador do dano só se configura se agiu culposamente ou dolosamente. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito.107

Entretanto, a responsabilidade objetiva é aquela em que não há

necessidade de se demonstrar a culpa, tão somente o nexo causal e o dano

sofrido. Tal responsabilidade rege o âmbito da administração pública, exposta no

artigo 37, § 6º da Carta Magna, que prevê a teoria do risco integral, pela qual cabe

indenização estatal de todos os danos causados por comportamentos comissivos

dos seus funcionários a direitos de particulares. No entanto, tal indenização

somente será devida quando comprovado o nexo causal entre o dano sofrido e o

ato praticado por um agente do Estado.

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,

106 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p 11. 107 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, v. 4: responsabilidade civil p. 11.

36

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.108

Ressalta-se, que a da teoria do risco é aquela onde o administrador, que

dentro de sua atividade, crie riscos de causar dano alguém, terá a obrigação de

repará-lo. Dentro desta teoria, a idéia de culpa pouco importa, deve ser

demonstrado apenas o nexo causal entre a conduta do agente e o dano sofrido

pela vítima.109

Com relação a este tipo de responsabilidade, afirma Sílvio Rodrigues:

Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente.110

Neste sentido, a responsabilidade objetiva é aquela decorrente da teoria do

risco, sem o elemento culpa como essencial, mas sim o nexo causal como

prioritário.111

Assim explica Maria Helena Diniz:

A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes.112

108 BRASIL, Constituição Federal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 109 GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 136. 110 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, v. 4: responsabilidade civil p. 11. 111 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p 50. 112 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p. 50.

37

Salienta-se que a responsabilidade objetiva é prevista também no código

de consumidor e em outros diplomas legais, um exemplo de responsabilidade

objetiva é o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil:113

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.114

Destarte, a responsabilidade civil pode ser decorrentes tanto de um

contrato firmado, responsabilidade contratual, como da ofensa a uma norma legal,

responsabilidade extracontratual, pode ter o elemento culpa como essencial,

responsabilidade subjetiva, como tão somente a comprovação do nexo causal,

responsabilidade objetiva.115

1.5 PROTEÇÃO A HONRA SUBJETIVA

A honra subjetiva é aquela inerente à pessoa física e pode ser ofendida

com atos que venham a atingir o conjunto de atributos intelectuais, físicos e

morais da pessoa, bem como sua dignidade, respeito próprio ou auto-estima. Tal

ofensa causa dor, humilhação e vexame a pessoa que sofreu o dano.116

A Constituição Federal seu artigo 5º, inciso X, protege o direito à honra das

pessoas, e assegura o direito a indenização quando ocorrer a sua violação.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

113 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, p 17. 114 BRASIL, Código Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 115 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p. 52. 116 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, p 33.

38

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;117

O dano causado pela violação de um direito a honra, é classificado como

dano moral e é passível de indenização em decorrência do artigo 5º, inciso V do

mesmo diploma legal:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;118

O dano moral assim é conceituado por Sílvio Rodrigues:

São lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entende-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.119

Apesar do artigo 5ª, inciso X, citar somente direito à vida privada, a honra e

a imagem, estes são apenas alguns dos direitos de personalidade que vem a

formar a honra subjetiva, ou seja, não é somente a violação aqueles direitos ali

elencados que causaram o dever de indenizar.120

Neste sentido, tem-se o parágrafo 2º do artigo 5º do mesmo dispositivo

legal:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.121

Sobre a honra subjetiva, afirma Sílvio de Salvo Venosa:

117 BRASIL, Constituição Federal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 118 BRASIL, Constituição Federal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 119 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p. 189. 120 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável, 4. ed. São Paulo: revista dos tribunais, 2003. 121 BRASIL, Constituição Federal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

39

A honra subjetiva, que diz respeito à conduta humana, sua auto-estima, é própria a pessoa natural. (...) De qualquer modo, deve ser levada em conta a essência da questão: dano ainda que mora, implica alguma parcela de perda e, por isso, deve ser indenizado.122

A proteção à honra subjetiva é a proteção ao direito de personalidade da

pessoa, um direito extrapatrimonial, que não vem a atingir o patrimônio do lesado,

mas o seu íntimo, a sua integridade corporal.123

A citada proteção visa resguardar o bom nome, a consideração social da

pessoa no ambiente profissional e familiar, bem como a própria dignidade, por

este motivo, é assegurado, para aquele que sofreu humilhação, ofensa e dor

direito à indenização.124

Desta forma, a proteção à honra subjetiva é amparada pela Constituição

Federal e passível de ação indenizatória ao provocar danos a intimidade da

pessoa. No entanto, a indenização que receberá aquele que sofreu o dano, servirá

para atenuar a dor sofrida, uma vez que este tipo de dano dificilmente poderá ser

ressarcível.125

No mesmo sentido afirma Yussef Said Cahali:

De modo geral, a condenação com que se busca reparar o dano moral é representada, no principal, por quantia em dinheiro, a ser paga de imediato.126

E ainda, no mesmo sentido, afirma Carlos Roberto Gonçalves:

Tem-se entendido hoje, que a indenização por dano moral, representa uma compensação, ainda que pequena, pela tristeza infligida injustamente a outrem.127

122 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p. 205. 123 RODRIGUES, Silvio, Direito civil, p. 191. 124 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, p. 98. 125 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável, 4. ed. São Paulo: revista dos tribunais, 2003. 126 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 127 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

40

Destarte, para o dano à honra subjetiva ser indenizável, ele precisa ser

certo, atual e próprio, como explica Antônio Jeová Santos128:

O dano deve ser certo quanto à sua existência (...) Atual é dano que existe ou já existiu (...) e o dano deve ser próprio, pessoal.129

Tal distinção é necessária, vez que não é qualquer mal-estar que vem a

causar a violação à honra subjetiva, o ato que causou o constrangimento deve

possuir imensidão para lesionar os sentimentos ou causar dor e abalo para aquele

que o sofreu.130

Portanto, conclui-se que a violação à honra subjetiva é passível de

indenização por dano moral quando cumprido os requisitos, e que tem por

finalidade amenizar o sofrimento causado pelo ato que deu origem ao dano.

Depois de esclarecido detalhes sobre a responsabilidade civil, para

chegar-se a conclusão final do presente trabalho, faz-se necessário uma

explanação sobre a abordagem policial e sua legalidade, tema do próximo

capítulo.

128 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável, 4. ed. São Paulo: revista dos tribunais, 2003. 129 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável, 4. ed. São Paulo: revista dos tribunais, 2003 130 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, p. 20.

41

2 DO PROCEDIMENTO DA ABORDAGEM POLICIAL

No presente capítulo será tratado da abordagem policial, no entanto, para

o entendimento desta, se faz necessário especificar alguns temas, como o

conceito de polícia e suas espécies, as funções da polícia militar de acordo com o

disposto na Constituição Federal, bem como na Constituição Estadual de Santa

Catarina, por fim, mas não menos importante, trata-se de segurança pública, para

enfim analisarmos o instrumento da abordagem policial praticada pelos policiais

militares e sua legalidade.

2.1 CONCEITO DE POLÍCIA

A palavra polícia vem do grego politéia, e do latim politia, que significa

governo de uma cidade, forma de governo. Este significado grego perdurou até

meados do século XVIII e XIX, quando a designação de polícia passou a

representar um órgão, fundado pelo Estado, que tem a missão de zelar pela

ordem pública e pelo bem-estar público.131

No mesmo sentido, entende por polícia Cretella Júnior:

É o conjunto de poderes estatais coercitivos exercidos, in concreto, pelo Estado sobre as atividades dos administradores, através de medidas restritivas, impostas a essas atividades, a fim de assegurar-se a ordem pública. 132

A polícia como instituição passou por toda uma evolução, mas sempre

alimentando sua inegável importância para a preservação e manutenção da ordem

131 SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA DO GOVERNO DE SÃO PAULO, Histórico: origem da polícia, disponível em <http://www.ssp.sp.gov.br> acesso em 10 jul. 2008. 132 CRETELLA JÚNIOR, José. Diccionario de Direito Administrativo, 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

42

pública para a existência de um Estado de direito e das garantias fundamentais do

cidadão.133 Deste modo, pode-se dizer, que a polícia é um conjunto de atividades

coercitivas adotadas pelo Estado a fim de impor limitações à liberdade dos

indivíduos, zelar pelo cumprimento de suas garantias fundamentais e assegurar a

ordem pública.

Da mesma forma, afirma Cathala:

A polícia representa o conjunto das forças públicas que têm o encargo de manter ou restabelecer a ordem social, assegurar a proteção das pessoas e dos bens.134

Tal função de polícia é assegurada na Constituição Federal, em seu artigo 144:

Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.135

Salienta-se, que o foco deste trabalho é voltado para a polícia ostensiva,

ou seja, a polícia militar, aquela que é destinada, segundo o parágrafo 5º do

dispositivo legal supracitado, a real preservação da ordem pública:

§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.136

133 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, Belo Horizonte: Líder, 2004. 134 CATHALA, Fernand. Polícia: mito e realidade, tradução de João Milanez da Cunha Lima. São Paulo: Mestre Jou, 1975. 135 BRASIL, Constituição Federal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 136 BRASIL, Constituição Federal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008

43

Sobre a polícia militar e a preservação da ordem pública, afirma Paulo

Tadeu:

A polícia militar possui competência ampla na preservação da ordem pública que, engloba inclusive a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, à exemplo de suas greves e outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, pois, a policia militar é a verdadeira força pública da sociedade. Bem por isso as polícias militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema de ordem pública e, especificamente, da segurança pública.137

Diante do exposto, pode-se concluir que polícia é uma instituição, criada e

mantida pelo Estado, para garantir o Estado democrático de direito com todos

seus direitos, garantias, e, ainda, cabe, principalmente a polícia militar, a

preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas.

2.2 ESPÉCIES DE POLÍCIA

No ordenamento jurídico brasileiro, tem-se, segundo Maria Sylvia Zanella

di Pietro, dois tipos de polícia, a polícia administrativa e a polícia judiciária. Ainda

de acordo com a citada doutrinadora, a maior diferença entre as duas polícias é o

caráter preventivo, ou seja, a polícia administrativa age com caráter preventivo,

visando impedir ações anti-sociais, enquanto a polícia judiciária tem o caráter

repressivo, punindo aqueles que vieram a cometer as citadas ações.138

Neste sentido, tem-se a polícia administrativa e a polícia judiciária, cada

qual com sua função específica dentro do seu espaço de atuação.

Cretella Júnior assim distingue os dois tipos de polícia:

137 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p.70-71. 138 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

44

A polícia administrativa tem por objetivo impedir as infrações das leis antes que se concretizem. Incumbe-lhe a vigilância, a proteção da sociedade, a manutenção da ordem e tranqüilidade públicas, assegurando os direitos individuais e auxiliando a execução dos atos e decisões da Justiça e da Administração. A polícia judiciária, também denominada polícia regressiva, age “a posteriori”, investiga os delitos depois de praticados.139

Ainda com relação a distinção entre polícia judiciária e polícia

administrativa, afirma Hely Lopes Meirelles:

A polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras (polícias judiciárias) atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a administração pública, enquanto as demais (polícias judiciárias) são privativas de determinados órgãos.140

Outro ponto existente de diferenciação entre as duas polícias é o uso da

força, apontado por Moreira Neto:

O uso da força pela polícia judiciária se volta à coação legal de pessoas singularmente consideradas (indiciados e acusados) absolutamente necessária à sua condução à barra de tribunais, que faz a repressão a posteriori. O uso da força pela polícia administrativa, preventiva e repressivamente, se dirige contra a ação de pessoas, singularmente ou coletivamente consideradas, que, na prática de ações, criminais ou não, ocasionem perturbação da ordem pública, fazendo a repressão no momento em que ela ocorra, até restabelece-la.141

Faz-se mister ainda destacar a lição de Luiz Otávio de Oliveira Amaral no

que tange a diferença existente entre polícia administrativa e polícia judiciária:

A polícia administrativa tem por objetivo a manutenção habitual da ordem pública em cada lugar e em cada parte da administração

139 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários a Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. 140 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 141 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

45

geral. Ela tende, no âmbito da segurança pública, principalmente a prevenir os delitos e desordes. A polícia judiciária investiga os delitos que a polícia administrativa não pôde evitar que fossem cometidos, colige as provas e entrega os autores aos tribunais incumbidos de puni-los.142

Em suma, pode-se entender que a polícia administrativa está voltada para

a preservação da ordem pública e garantia dos direitos fundamentais, prevenindo

a prática de atos ilícitos, já a polícia judiciária atua após a ocorrência do delito,

voltando suas atividades para a apuração dos mesmos, auxiliando a justiça,

apurando as infrações penais e fornecendo para o titular da ação penal elementos

para propô-la.

Neste sentido, resta claro que a polícia militar, objeto de estudo deste

trabalho, é do tipo polícia administrativa.

2.3 FUNÇÕES DA POLÍCIA MILITAR FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A

CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

Em análise ao artigo 144, § 5º da Constituição Federal, entende-se que

cabe a polícia militar a responsabilidade quanto à ordem pública e polícia

ostensiva.

O artigo 144, §, 5º da Constituição Federal disciplina que:

§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.143

142 AMARAL, Luiz Otavio de Oliveira. Direito e segurança pública: a juridicidade operacional da polícia, Brasília: Consulex, 2003. 143 BRASIL, Constituição Federal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

46

No mesmo sentido, a Constituição do Estado de Santa Catarina traz

expressamente, em seu artigo 105, o mesmo texto legal apresentado no caput do

artigo 144 da Constituição Federal, atribuindo a polícia militar, em seu artigo 107,

a preservação da ordem pública, através da competência de polícia ostensiva.

Art. 107 - À Polícia Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, além de outras atribuições estabelecidas em Lei: I – exercer a polícia ostensiva relacionada com: a) a preservação da ordem e da segurança pública; b) o radiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial; c) o patrulhamento rodoviário; d) a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais; e) a guarda e a fiscalização do trânsito urbano; f) a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal; g) a proteção do meio ambiente; h) a garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicas, especialmente da área fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural; II – cooperar com órgãos de defesa civil; e III – atuar preventivamente como força de dissuasão e repressivamente como de restauração da ordem pública.144

Então, resta claro, que cabe a polícia militar a preservação da ordem

pública, através da polícia ostensiva, assegurando aos cidadãos o exercício dos

direitos e garantias fundamentais.145

Para melhor entender o papel consagrado pelas Constituição Federal e

Estadual para com a polícia militar, é importante explanar sobre a ordem pública e

a polícia ostensiva.

O regulamento para as polícias militares e corpos de bombeiro militares

(R-200), Decreto nº 88.777/83, traz, em seu artigo 2º, alguns conceitos

fundamentais para o entendimento da missão policial militar.

144 SANTA CATARINA. Constituição Estadual. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 15 de agosto de 2008.. 145 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p.85.

47

Art. 2º - Para efeito do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969 modificado pelo Decreto-lei nº 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos: 19) Manutenção da Ordem Pública - É o exercício dinâmico do poder de polícia, no campo da segurança pública, manifestado por atuações predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública; 21) Ordem Pública -.Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum. 27) Policiamento Ostensivo - Ação policial, exclusiva das Policias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.146

Sobre este tema, é o entendimento de Moreira Neto:

O nível policial de segurança pública se cinge à preservação da ordem pública, tal como em doutrina se conceitua, acrescentando, todavia, o art. 144, caput, da Constituição, a “incolumidade das pessoas e do patrimônio”. São, portanto, extensões coerentes do conceito e que até o reforçam, na medida em que assimilam as violações à incolumidade pessoal e patrimonial na ruptura de convivência pacífica e harmoniosa.147

Como acima visto, a competência atribuída a polícia militar e os conceitos

trazidos pelo Decreto nº 88.777/83, corroborados com o artigo 144 da Constituição

Federal, esclarecem que a preservação da ordem pública é feita através de ações

de polícia ostensiva, com a conseqüente preservação da incolumidade das

pessoas e de seus patrimônios.

146 BRASIL, Decreto nº 88.777/83 de 30 de setembro de 1983. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 15 de agosto de 2008. 147 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

48

2.3.1 A polícia militar e a ordem pública

O Estado Democrático de Direito em que se vive atualmente em nosso

país, confere aos cidadãos uma série de direitos e garantias individuais e

coletivas, previstas no rol no artigo 5º da Constituição Federal, entre eles se

encontra o direito à segurança.

O direito à segurança é assegurado através da preservação da ordem

pública feita através da polícia militar. A ordem pública é essencial para a

existência da sociedade e a realização de seus objetivos, para que seja mantida a

tranqüilidade, com a ausência de perturbações e o combate ao crime.148

Assim entende Náufel por ordem pública:

É o conjunto de instituições e de regras destinadas a manter em um país, o bom funcionamento dos serviços públicos, a segurança e a moralidade das relações entre particulares e cuja aplicação estes não podem, em principio, excluir em suas convenções.149

Álvaro Lazzarini, por sua vez, citando José Cretella Júnior, afirma que:

A ordem pública é constituída por um mínimo de condições essenciais a uma vida social conveniente, formando-lhe o fundamento à segurança dos bens e das pessoas, à salubridade e à tranqüilidade, revestindo, finalmente, aspectos econômicos e, ainda, estéticos (proteção de lugares e monumentos).150

Diante do conceito de ordem pública supracitado, nota-se que a ordem

pública nada mais é do que um estado mínimo de convivência pacífica entre as

pessoas, garantida a segurança, tranqüilidade e salubridade.

148 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p.85. 149 NÁUFEL, José. Novo dicionário jurídico brasileiro, 8 ed. São Paulo: Ícone, 1989. 150 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

49

Para que esta ordem seja preservada e mantida, é imprescindível a ação

dos policiais militares, que se necessário podem fazer uso da força, porém sem

usar a arbitrariedade e o abuso. No exercício de suas funções, os policiais

militares se encontram legitimados a fazer o necessário para manter o equilíbrio

harmonioso da sociedade, por outro lado, a sociedade deve confiar esta função a

polícia militar, que tem a missão constitucional de preservar a ordem pública e agir

no interesse da coletividade.151

Segundo Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, a ordem pública é formada por

três elementos essenciais, quais são a segurança, a tranqüilidade e a

salubridade.152

O primeiro elemento, a segurança pública, é entendido por Luiz Otavio de

Oliveira Amaral como:

O afastamento, por meio de organizações próprias, de todo o perigo, ou de toda mal, que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de sociedade do cidadão. A segurança pública, assim, limita as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a.153

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, assim resume os aspectos de

segurança pública:

Na segurança pública: a) o que se garante é o inefável valor da convivência pacífica e harmoniosa que exclui a violência nas relações sociais, que se contém no conceito de ordem pública; b) quem garante é o Estado, já que tomou a si o monopólio do uso da força na sociedade e é, pois, o responsável pela ordem pública; c) garante-se a ordem pública contra a ação de seus perturbadores;

151 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 86. 152 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 85. 153 AMARAL, Luiz Otavio de Oliveira. Direito e segurança pública: a juridicidade operacional da polícia, Brasília: Consulex, 2003.

50

d) garante-se a ordem pública através de exercício, pela administração, do poder de polícia.154

Nesses termos, conclui-se que a segurança pública, um dos aspectos da

ordem pública e se constitui através de ações voltadas a assegurar o exercício e

gozo dos direitos e garantias individuais dos cidadãos.

O segundo aspecto da ordem pública é a tranqüilidade, que é conceituada

pelo Manual Básico de Policiamento Ostensivo reproduzido pela Polícia Militar de

Minas Gerais como:

O estágio em que a comunidade se encontra num clima de convivência harmoniosa e pacífica, representando assim uma situação de bem estar social.155

No mesmo rumo, afirma Plácido e Silva:

É o sossego das ruas, ou a ausência de ruídos, ou de perturbações que possam afetar a tranqüilidade das pessoas, ou o repouso delas. A tranqüilidade pública deve ser imposta, especialmente, durante a noite, quando os habitantes, ou moradores de um lugar, se entregam, como justo repouso, ao sono reparador das fainas diurnas. A manutenção da tranqüilidade pública é objeto da polícia administrativa.156

Desta forma, entende-se por tranqüilidade pública o sossego e

quietude, que deve ser assegurado mediante a ação da polícia militar, com o

intuito de preservar o bem estar social, evitando perturbações que venham a

causar a desordem.

O último elemento que constitui a ordem pública é a salubridade pública,

que é conceitua da seguinte forma por Plácido e Silva:

154 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, p. 127. 155 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Manual Básico de Policiamento Ostensivo, Minas Gerais: Parque Gráfico do CSM/Int. 156 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

51

Refere-se ao estado sanitário de um lugar, ou as requisitos indispensáveis a sanidade pública. Assim, embora se referindo às condições sanitárias de ordem pública, ou coletiva, não deixa a expressão de aludir ao estado higiênico ou de sanidade de um lugar, em virtude do qual se mostram favoráveis às condições de vida de quantos o habitam.

Nota-se, pelo conceito acima apresentado, que a salubridade pública está

diretamente relacionada com as condições sanitárias de um determinado local, ou

seja, a higiene e limpeza, condições necessárias ao desenvolvimento saudável de

uma sociedade, distante de calamidades públicas e moléstias graves.

Diante da conceituação e explicação de todos os elementos que compõe

a ordem pública, acredita-se que é dever da polícia militar preservar a

tranqüilidade pública, um estado diverso da desordem, preservar a segurança

pública, garantindo aos cidadãos o uso e gozo de seus direitos fundamentais, e

preservar, sempre que possível, a sociedade em salubridade pública, para que

possa haver a evolução saudável de uma sociedade. Com a manutenção de todos

esses requisitos, a polícia militar cumpre seu papel constitucional de preservação

da ordem pública, através da polícia ostensiva, contribuindo para o estado de

convivência harmonioso entre os cidadãos.

2.3.2 A polícia militar como polícia ostensiva

A polícia militar, por possuir a missão de preservar a ordem pública,

cumpre seu encargo através de um policiamento ostensivo, descrito no artigo 2º,

nº 27, do Decreto nº 88.777/83 como:

27) Policiamento Ostensivo - Ação policial, exclusiva das Policias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.157

157 BRASIL, Decreto nº 88.777/83 de 30 de setembro de 1983. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 15 de agosto de 2008

52

Neste sentido, Álvaro Lazzarini aborda polícia ostensiva:

(...) é evidente que a polícia ostensiva exerce o poder de polícia como instituição, sendo que, na amplitude de seus atos, atos de polícia que são, as pessoas podem e devem identificar de relance a autoridade policial, repita-se, simbolizada na sua farda.158

Tal tipo de policiamento é exercido visando a segurança pública da

sociedade e o resguardo de seus bens comuns, é uma atividade essencialmente

dinâmica, desenvolvida sobre o aspecto preventivo e repressivo, consoante seus

elementos motivadores, assim considerados os atos que possa contrapor à ordem

pública, nunca esquecendo dos limites estabelecidos em lei.159

A polícia ostensiva dá a comunidade a sensação de segurança, uma vez

que se pode ver a presença real da polícia militar nos locais, especialmente

naqueles em que a probabilidade de ocorrência é maior. Ademais, o policiamento

é contínuo, de caráter absolutamente operacional e imprescindível para a

sociedade.160

A polícia ostensiva pode ser empregada das seguintes formas:

A pé: empregada em logradouros públicos, com intenso movimento de pedestres, ou tráfico de veículos, em zonas de grande concentração comercial e crédito, cobrindo eventos públicos – shows, desportivos, festas, praças, colégios, etc; Motorizado: empregado em espaços fisicamente urbanos ou rurais, realizando patrulhamento ou permanência em zonas comerciais, residenciais e em logradouros públicos. Atua também em apoio ao policiamento a pé, em eventos especiais, em escoltas, diligencias, rondas, etc; Montado: empregado em postos situados em logradouros públicos de considerável extensão, em locais de difícil acesso a veiculo, ou

158 LAZZARINI, Álvaro. Abuso de poder x Poder de polícia. Unidade, Porto Alegre, Ano XIII, nº 24, p.14-34, setembro/dezembro, 1995. 159POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Manual Básico de Policiamento Ostensivo, p. 4. 160POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Manual Básico de Policiamento Ostensivo, p. 5-6.

53

onde seja recomendável o processo a pe, em grandes estacionamentos de veículos, em festas e eventos especiais. 161

Além das formas acima mencionadas, o policiamento ostensivo pode ser

feito também de maneira aérea, em embarcações e em bicicletas.162

Conforme o artigo 2º, nº 27 do Decreto nº 88.777/83, o policiamento

ostensivo se caracteriza pela identificação do policial através da farda, viatura ou

equipamento. Diante disto, é indispensável que o policial militar se coloque em

lugar em que fique visível e possa ser reconhecido pelas pessoas, além de

permanecer na postura correta e em atitude que inspire a confiança da

comunidade, sempre atento e vigilante.163

Sobre a polícia ostensiva afirma Álvaro Lazzarini:

O adjetivo “ostensivo” refere-se à ação pública da dissuasão, característica do policial fardado e armado, reforçada pelo aparto militar utilizado, que evoca o poder de uma corporação eficiente unificada pela hierarquia e disciplina.164

No policiamento ostensivo, o policial deve saber identificar a diferença

entre a pessoa honesta e o delinqüente através das atitudes observadas,

empregando adequadamente os meios disponíveis a fim de sanar a criminalidade,

sempre dentro da lei, gerando respeito e confiança da população, bem como a

sensação de segurança.165

Destarte, o policiamento ostensivo, ou seja, a presença visível da polícia

militar, deve ser um elemento desencorajador para aqueles que tem em mente o

161 POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. Programa padrão de instrução de policiamento ostensivo da polícia militar de Santa Catarina, Santa Catarina: Gráfica da PMSC, 1994. 162POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS, Manual Básico de Policiamento Ostensivo, p. 9. 163 POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. Programa padrão de instrução de policiamento ostensivo da polícia militar de Santa Catarina, p. 24. 164 LAZZARINI, Álvaro. Direito administrativo da ordem pública: Polícia de Manutenção do ordem pública e a justiça. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 165 POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. Programa padrão de instrução de policiamento ostensivo da polícia militar de Santa Catarina, p. 26.

54

cometimento de um ilícito, visando sempre o bem estar da sociedade com a

conseqüente preservação da ordem pública.

Neste contexto, percebe-se que a missão constitucional da polícia militar

é a preservação da ordem pública, que abrange tanto a segurança pública e

tranqüilidade pública, quanto a salubridade pública, e essa missão é cumprida

através do policiamento ostensivo, onde o policial militar se põe em certos lugares

com o índice maior de criminalidade, para combate-la, garantindo a segurança da

população e ganhando a sua confiança.

2.4 O PODER DE POLÍCIA

O poder de polícia é aquele poder que o Estado possui de intervir na

conduta dos cidadãos, de modo a fazer com que se encaixem as leis e regras

prefixadas que possibilitam a vida em sociedade.166

Na visão de Hely Lopes Meirelles, o poder de polícia é:

Uma faculdade de que dispõe a administração pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.167

Interpretando o referido conceito, pode-se afirmar que o poder de polícia é

um modo, de que a administração pública dispõe, de conter os abusos advindos

dos direitos individuais em prol da coletividade.168

O conceito legal de poder de polícia encontra-se respaldado no artigo 78

do Código Tributário Nacional:

166 ASSIS, Jorge César de. Lições de direito para a atividade policial militar, 3 ed. Curitiba: Juruá, 1994. 167 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. 168 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p 133.

55

Art. 78 - Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.169

Plácido e Silva entende que o poder de polícia do Estado é uma

necessidade sem a qual o mesmo não conseguiria cumprir sua missão de reprimir

os excessos práticos pelos particulares, em benefício da ordem pública e do bem-

estar social.170

No mesmo sentido, entende por poder de polícia Diogo Figueiredo

Moreira Neto:

O poder de polícia pode ser conceituado, assim, acrescentados esses aspectos, como atividade administrativa do Estado que tem por fim limitar e condicionar o exercício das liberdades e direitos individuais visando assegurar, em nível capaz de preservar a ordem pública, o atendimento de valores mínimos da convivência social, notadamente a segurança, a salubridade, o decoro e a estética.171

Compreende-se, então, por poder de polícia, aquele poder executado

pela administração pública que impõe limites ou restringi as atividades dos

administrados, em favor da garantia da ordem pública e do bem estar comum.

2.4.1 Atributos do poder de polícia

Assim como qualquer ato administrativo, o poder de polícia também

possui uma série de atributos para que seja considerado válido e tenham suas

169 BRASIL, Código Tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 15 de agosto de 2008. 170 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 614. 171 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, p. 394-395.

56

conseqüências legais, esses atributos são, de acordo com Hely Lopes Meirelles,

os seguintes:

a) competência: em regra geral, é da entidade que possui o poder para regular a matéria; b) finalidade: qual seja a de buscar o bem-comum, atingir o interesse público; c) forma: que pode ser escrita ou verbal, via de regra. Pode ser também simbólica, como por exemplo, os silvos do apito. A forma tem que ser, além disso, prescrita e não vedada em lei; d) motivo: é a situação que determina a existência do ato de policia, o fato gerador do ato administrativo de polícia; e, e) objeto: criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas concernentes a pessoas, coisas ou atividades sujeitas à ação do poder público.172

Ainda no entendimento do doutrinador acima transcrito, além desses

atributos, que são comuns a todos os atos administrativos, o poder de polícia

possui aqueles atributos que o diferenciam de qualquer outro poder da

administração pública, quais sejam, a discricionariedade, auto-executoriedade e a

coercibilidade.173

2.4.1.1 Discricionariedade

A discricionariedade trata-se da faculdade de que dispõe a administração

pública para, de acordo com a oportunidade a conveniência, atue com o fim do

bem estar coletivo.174

A discricionariedade é conceituada por Hely Lopes Meirelles da seguinte

forma:

172 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 173 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 150. 174 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, p. 396.

57

É a livre escolha, pela administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios condizentes a atingir o fim colimado, que é a proteção do interesse público.175

Já Álvaro Lazzarini afirma que a discricionariedade é:

O uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas, sendo que esse atributo, ainda, diz respeito à gradação das sanções administrativas aplicáveis aos infratores.176

Diante do exposto, pode-se averiguar que a discricionariedade é uma

capacidade da administração pública de escolha de acordo com alguns

fatores para o exercício do poder de polícia.

2.4.1.2 Auto-executoriedade

A auto-executoriedade trata-se da faculdade da administração pública de

executar suas decisões sem que seja necessária a apreciação do poder

judiciário.177

Segundo Garibe e Brandão, a auto-executoriedade é:

A faculdade que tem a administração pública de julgar e executar sua decisão, sem a intervenção do poder judiciário.178

Ainda no mesmo rumo, conceitua Hely Lopes Meirelles:

É a faculdade de a administração pública decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do judiciário (...) no uso deste poder, a administração impõe

175 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 132. 176 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, 2 ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999. 177 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 133. 178 GABIBE, Maurício; BRADÃO, Alaor Silva. Os limites da discricionariedade do poder de polícia, a força nacional, São Paulo, 1999.

58

diretamente medidas ou sanções de polícia administrativa necessárias à contenção da atividade anti-social que ela visa a obstar.179

Contudo, vê-se que a administração pública, utilizando seu poder de

polícia administrativa, impõe diretamente as medidas ou sanções cabíveis para a

contenção de qualquer atividade vista como anti-social, que possa vir a abalar a

ordem pública e o bem estar coletivo.

Importante salientar, que as sanções de multas não estão incluídas na

auto-executoriedade, ainda que decorrentes do poder de polícia, uma vez que só

podem ser executadas através da via judicial, como as demais prestações

pecuniárias devidas pelos administradores à administração pública.180

2.4.1.3 Coercibilidade

Coercibilidade se constitui-se no poder da administração pública de impor

as suas medidas ou atos de polícia administrativa fazendo com que os

administrados cumpram e obedeçam a essas determinações.181

Com relação a coercibilidade, Hely Lopes Mereilles esclarece que:

É a imposição coativa das medidas adotas pela administração.182

Concordando com o referido doutrinador, afirma Garibe e Brandão:

É a imposição das medidas necessárias para a garantia do ato de polícia.183

179 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 133. 180 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 121-122. 181 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, p. 202 182 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 134. 183 GABIBE, Maurício; BRADÃO, Alaor Silva. Os limites da discricionariedade do poder de polícia, a força nacional, p. 18.

59

Ressalta-se, que todos os atos de polícia são imperativos, ou seja, não há

faculdade do administrado deixar de cumpri-lo. Desta forma, é a administração

pública a própria responsável em fazer com que os administrados cumpram as

suas determinações e decisões, podendo utilizar-se, inclusive, da força física para

tal resultado. No entanto, a força física deve ser proporcional e necessária para o

efetivo cumprimento do ato de polícia, se não cumprir estes requisitos é passível

de ser considerada abusiva.184

2.4.2 O poder de polícia do policial militar

Álvaro Lazzarini entende que a polícia é algo concreto, é o órgão que

exerce o poder de polícia, ou seja, a polícia é a concretização material do poder

de polícia, represente o ato deste.185

Com relação ao poder de polícia no que tange a segurança pública,

afirma Adensol Alves Wanderley:

Poder de polícia no patamar da segurança pública, é o poder inerente à parte da administração pública, denominada administração policial e representada pelos órgãos policiais (polícia civil, polícia militar, polícia federal, etc) que se aplica, através das autoridades policiais ou de seus agentes, no âmbito das comunidades, visando preservar ou manter a ordem pública.186

Pode-se dizer, então, que a polícia militar, como os outros órgãos citados

acima, utiliza o poder de polícia, através de seus atos de polícia administrativa,

para preservar a ordem pública.

184 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, 2 ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999. 185 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, p. 203. 186 WANDERLEY, Adelson Alves, et ali. Manutenção da ordem pública e as polícias militares. Monografia apresentada ao curso superior de polícia militar (SP). São Paulo: PMSP, 1979.

60

Ademais, o poder de polícia é intrínseco a todo o policial militar,

independente de seu posto ou graduação.187

Neste sentido, afirma Cretella Júnior:

Todo policial, qualquer que seja o grau que ocupe na pirâmide da polícia militar, e no estrito cumprimento do dever legal, é detentor do poder de polícia, podendo agir, discricionariamente, embora não arbitrariamente, na manutenção da ordem pública.188

Assim sendo, resta claro que o policial militar no cumprimento de seu

dever legal, de preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas, possui

o poder de polícia para atuar em toda e qualquer ocorrência que cause ou possa

vir a causar na sociedade uma situação divergente da ordem pública.

No entanto, o poder de polícia não é ilimitado, não é carta branca para o

policial militar, os limites do poder de polícia são demarcados pelo interesse social,

pela ordem pública. Caso o policial militar venha a ultrapassar esta barreira do

interesse da coletividade, estará incidindo em abuso de poder, o que pode ser

corrigido através de uma ação em via judicial.189

2.5 DA ABORDAGEM POLICIAL E SUA LEGALIDADE

Para que o Estado permaneça em constante ordem pública, incumbe à

polícia militar a prática da abordagem policial, a qual é a principal forma de contato

físico dos policiais com as pessoas.190

A abordagem, segundo o Manual de prática policial nº 1 da polícia militar

de Minas Gerais, pode ser tanto um ato de aproximar-se de uma pessoa que

187 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo da ordem pública, 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 188 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo da ordem pública, p. 121. 189 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 20 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. 190 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Prática Policial nº 1, p. 09.

61

emane indícios de prática delituosa, ou seja, atitude suspeita, ou uma mera

aproximação com o intuito de orientar ou advertir uma certa pessoa.191

A abordagem pode ser praticada de forma corriqueira, advertindo-se ou

orientando as pessoas abordadas, sempre guiada pelas regras da educação e

boas maneiras. E pode também ser feita, como acima citado, em pessoa suspeita,

o que implicará em precauções por parte do policial militar, devido ao perigo de

uma reação inesperada.192

Resta salientar, que o foco central do presente trabalho encontra-se na

abordagem policial preventiva, aquela onde não há indivíduos suspeitos ou

comprovação delituosa.193

Existe basicamente dois tipos de abordagem, a pessoas a pé e a pessoas

motorizadas. Independente do tipo de abordagem, o policial deverá agir com

cautela e com boa educação e se, após a abordagem, nada de irregular houver

sido encontrado, ao policial cabe explicar aos cidadãos abordados que o motivo

da intervenção é unicamente garantir a segurança para todos.194

Na abordagem a pessoas a pé, realiza-se a busca pessoal, assim

conceituada pelo manual de prática policial nº 1 da polícia militar de Minas Gerais:

A busca pessoal é aquela executada exclusivamente em pessoas, podendo ser realizada por qualquer policial em serviço com ou sem respectivo mandado, a qualquer hora do dia ou da noite.195

Ademais, para não ser considerada abusiva, a abordagem policial deve

seguir os princípios da legalidade, discricionariedade da atividade de polícia,

presunção de legitimidade e poder de polícia, bem como os padrões legais

191 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Prática Policial nº 1, 5 ed. Minas Gerais, 1986. 192 POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. Programa padrão de instrução de policiamento ostensivo da polícia militar de Santa Catarina, p. 49. 193 SILVA, Leovaldo Emanoel Sales da. Abordagem Policial. Diário de Cuiabá, nº 11170, 19 mar 2005, disponível em <http://www.diariodecuiba.com.br> 194 POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA Programa padrão de instrução de policiamento ostensivo da polícia militar de Santa Catarina, p. 51. 195 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Prática Policial nº 1, p. 120-121.

62

encontrados nos artigos 240 a 250 Código de Processo Penal, que estabelecem

sobre a busca pessoal, domiciliar e revista em veículo.196

Parar maior entendimento dos princípios a serem seguidos pela

abordagem, conceitua-se todos, começando pela legalidade, vista por Maria Sylvia

Zanella de Pietro como:

São limitações pela lei, de forma a impedir os abusos e arbitrariedade a que as autoridades poderiam ser levadas.197

Desta forma, entende-se que a abordagem policial não pode ultrapassar os

ditames legais, sob pena de ser abusiva.

Já no que tange a discricionariedade, é assim entendida por Hely Lopes

Mereilles:

Atos discricionários são aqueles que a administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização.198

Visto o referido conceito, entende-se por discricionariedade da atividade de

polícia, aquela atividade que age com base na sua conveniência e na melhor

oportunidade para a prática da abordagem.

A presunção de legitimidade é da seguinte forma explicada por Maria Sylvia

Zanella de Pietro:

A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei.199

Neste sentido, no âmbito da abordagem policial, a mesma é legítima e em

coerência com a lei, até prova em contrário.

196 SILVA, Leovaldo Emanoel Sales da. Abordagem Policial. Diário de Cuiabá, nº 11170, 19 mar 2005, disponível em <http://www.diariodecuiba.com.br 197 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 222. 198 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 169. 199 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 208.

63

O último princípio a ser seguido pelo policial militar é o poder de polícia:

Todo policial, qualquer que seja o grau que ocupe na pirâmide da polícia militar, e no estrito cumprimento do dever legal, é detentor do poder de polícia, podendo agir, discricionariamente, embora não arbitrariamente, na manutenção da ordem pública.200

Deste modo, vê-se que o poder de polícia é inerente a qualquer policial

militar para a prática da abordagem policial.

Diante de todo o exposto, conclui-se que cabe ao policial militar agir com

base em todos os princípios acima explicados para garantir que a abordagem não

seja alvo de uma ação indenizatória por prática abusiva.

É de grande valia destacar a importância da contribuição da população no

momento da abordagem policial. É indispensável para uma boa abordagem que

sejam atendidas todas as solicitações do policial, bem como que os cidadãos

entendam que os pedidos feitos são regras para garantir a segurança tanto do

abordado quanto do policial militar.201

Diante de todo o explicado, nota-se que a abordagem preventiva é de

grande importância para a sociedade como um todo, visto que tem por finalidade a

prevenção à criminalidade e à violência, com a conseqüente sensação de

segurança e tranqüilidade aos cidadãos. Deste modo, somente aquelas

abordagens que ultrapassarem os limites legais, que não seguirem os princípios

básicos da abordagem, tidas abusivas, são absolutamente passíveis de

indenização.

Após esclarecido os aspectos ligados a abordagem policial, mister se faz o

conhecimento da responsabilidade civil do Estado para que se possa chegar a

conclusão de qual é a responsabilidade civil do Estado pela ocorrência da

abordagem policial militar preventiva.

200 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo da ordem pública, p. 121. 201 SILVA, Leovaldo Emanoel Sales da. Abordagem Policial. Diário de Cuiabá, nº 11170, 19 mar 2005, disponível em <http://www.diariodecuiba.com.br

64

3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DIANTE DA ABORDAGEM POLICIAL

Este capítulo tem o foco central do presente trabalho acadêmico, a

responsabilidade civil do Estado diante da abordagem policial militar. Para o

entendimento do presente tema, se faz necessário uma explanação sobre a

responsabilidade do Estado, bem como os limites da abordagem policial. Depois

de analisados os citados temas, tem-se a caracterização do dano na abordagem e

a conseqüente tutela jurídica para sua reparação.

3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

O artigo 37 § 6 da Constituição Federal ampara o administrado que foi

lesado por uma agente do Estado que esteja no exercício de sua atividade, no

caso da presente monografia, na atividade de segurança pública, ou seja, um

policial militar.

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.202

202 BRASIL, Constituição Federal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

65

Entretanto, para poder pleitear a indenização, de acordo com a teoria

utilizada atualmente, da responsabilidade objetiva, deverá ser comprovado o nexo

causal entre o ato praticado e o efeito danoso.203

A proteção legal ao ressarcimento dos danos causados por agentes

estatais passou por toda uma evolução, iniciou-se com a teoria da

irresponsabilidade e caminhou até os dias de hoje, com a teoria da

responsabilidade objetiva.204

Inicialmente vigia o princípio da irresponsabilidade do Estado, admitindo-se

sua responsabilização apenas quando explicitamente previsto na lei. Entretanto,

com a evolução da sociedade, bem como do Estado, começou-se a admitir a sua

responsabilidade na segunda metade do século XIX, expandindo-se cada vez

mais, chegando até a responsabilidade objetiva que tem por base o nexo causal

entre a lesão e o ato.205

Neste sentido, afirma Celso Antônio Bandeira de Mello:

Sua tendência foi expandir-se cada vez mais, de tal sorte que evolui de uma responsabilidade subjetiva, isto é, baseada na culpa, para uma responsabilidade objetiva, vale dizer, ancorada na simples relação de causa e efeito entre o comportamento administrativo e o evento danoso.206

Após se admitir a responsabilidade do Estado, esta oscilou entre a doutrina

da responsabilidade subjetiva e objetiva, optando, no Código Civil de 1916, em

seu artigo 15, pela doutrina subjetivista com a teoria da culpa como fundamento

da responsabilidade civil do Estado.207

203 MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 33 ed. Malheiros: São Paulo, 2007. 204 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 15 ed. Lumen Juris:Rio de Janeiro, 2006. 205 MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 17 ed. Malheiros: São Paulo: 2004. 206 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, p. 884. 207 PIETRO, Maria Sylvia Zanella de. Direito Administrativo, 19 ed. Atlas: São Paulo, 2006.

66

Art. 15 - As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.208

No mesmo sentido, afirma Hely Lopes Meirelles:

Neste dispositivo ficou consagrada, embora de maneira equivocada, a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil do Estado. (...) o artigo 15 nunca admitiu a responsabilidade sem culpa, exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado.209

Tal doutrina subjetivista, somente foi alterada com o advento da

Constituição Federal do ano de 1946 que acolheu a teoria objetiva, desta forma,

seguindo a mesma linha de raciocínio, a Constituição Federal de 1988

estabeleceu a responsabilidade objetiva do Estado em seu artigo 37, § 6º. 210

A chegada até a responsabilidade objetiva, sem a comprovação de culpa,

deu-se pelo fato de não se poder equiparar o Estado com um mero particular,

portanto tornou-se inviável a teoria da irresponsabilidade, bem como a aplicação

dos princípios subjetivos da culpa civil. Um dos motivos para que fosse adotada a

teoria da responsabilidade objetiva é de que o ônus da prova não poderia ser do

particular, pois este não teria acesso ao funcionamento da administração pública,

assim sendo, as questões decorrentes dos atos praticados por agentes do estado

deveriam ser regidas pelos princípios de direito público, uma vez que estes visam

a prestação de uma atividade de qualidade, seja na área de segurança ou em

outras áreas sob a responsabilidade do Poder Público. 211

A característica principal da responsabilidade objetiva é de que o

prejudicado pela conduta de uma agente estatal não precisará comprovar a culpa

deste. Não obstante, deverá comprovar a ocorrência do fato considerado por

208 BRASIL, Código civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008 209 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 653. 210 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 654. 211 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, Responsabilidade do Estado por Atos das Forças Policiais, p. 27.

67

qualquer conduta comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva

atribuída ao Poder Público, bem como o dano, sem importar sua natureza

patrimonial ou moral, e o nexo causal entre o fato e o dano, ou seja, demonstrar

que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal.212

Lembra-se que mesmo que o agente estatal esteja atuando fora de sua

função, mas tenha capacidade para exerce-las, o fato é visto como administrativo,

uma vez que o Estado atuou com falta de cautela na escolha do seu agente,

caracterizando a culpa in eligendo.213

No mesmo rumo, afirma José dos Santos Carvalho Filho:

Ainda que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto para exerce-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo).214

Salienta-se que, apesar de haver dever do Estado em indenizar os danos

causados ao particular pelos seus agentes, não significa que o Estado não possa

demonstrar que não concorreu para o evento, sob pena de uma teoria excessiva,

abusiva e injusta.215

Neste rumo, afirma Paulo Tadeu Rodrigues Rosa:

O Estado deve ser responsabilizado pelos danos que causar ao particular no exercício de suas funções, mas isso não significa que a este seja negado o direito de demonstrar que não concorreu para o evento, sob pena de se adotar uma teoria excessiva, que conduz ao abuso e a injustiça.216

Diante do exposto, nota-se que após uma evolução histórica das teorias

utilizadas para a responsabilização do Estado, nos dias atuais utiliza-se a teoria

212 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 451. 213 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 458. 214 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 458. 215 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, Responsabilidade do Estado por Atos das Forças Policiais, p. 40 216 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, Responsabilidade do Estado por Atos das Forças Policiais, p. 40

68

objetiva, na qual não é necessário a comprovação da culpa, tão somente do nexo

causal e do dano sofrido.

3.2 OS LIMITES DA ABORDAGEM POLICIAL

A abordagem policial, como já visto, trata-se de uma técnica policial, no

caso da abordagem policial preventiva, para a aproximação, mera investigação,

orientação ou para advertir pessoas que não emanem atitudes suspeitas.217

Tal procedimento policial é praticado através do poder discricionário da

Polícia Militar, que no exercício de suas funções, visa a preservação da ordem

pública e incolumidade das pessoas e de seus patrimônios. Com a citada

preservação há o conseqüente resguardo do exercício dos direitos e garantias

fundamentais dos cidadãos, cumprindo a polícia militar com seu papel

constitucional.218

A discricionariedade tem como característica a oportunidade e

conveniência219, ou seja, ao policial militar cabe analisar a situação e praticar ou

não a abordagem, uma vez que com o poder discricionário, a autoridade, no caso

o policial militar, poderá optar por aquela solução que for mais conveniente para

com o caso concreto e para o cumprimento de sua missão constitucional.

Assim Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua discricionariedade:

É a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal.220

217 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Prática Policial nº 1, 5 ed. Minas Gerais, 1986. 218 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidadedo Estado por atos das forças policiais, Belo Horizonte: Líder, 2004. 219 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006. 220 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo, 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

69

Salienta-se que a liberdade de escolha fornecida pela discricionariedade

não se confunde com a arbitrariedade, vez que a primeira é a atuação sempre

dentro dos limites legais.221

Sobre discricionariedade e arbitrariedade afirma Volnei Ivo Carlin:

O poder discricionário distingue-se do poder arbitrário pelo fato de que este excedeu ou se encontra fora da lei, pelo que é suscetível de controle de legalidade; é ilegal, típico de monarquias absolutistas, extrapola a lei e é inválido.222

Entende-se, deste modo, que a discricionariedade trata-se da possibilidade

de escolha dentro da limitação legal, como explica José dos Santos Carvalho

Filho:

A liberdade de escolha dos critérios de conveniência e oportunidade não se coaduna com a atuação fora dos limites da lei. Enquanto atua nos limites da lei, que admite a escolha segundo aqueles critérios, o agente exerce sua função com discricionariedade, e sua conduta se caracteriza como inteiramente legítima.223

E ainda sobre a discricionariedade, aduz Álvaro Lazzarini:

Discricionariedade é compreendida como a aptidão que se reconhece ao agente policial de, nos limites de sua competência legal, valorar a atividade policiada, decidindo como lhe pareça mais oportuno, conveniente e justo dentro do que está expresso e implícito na lei.224

Diante das citações supracitadas, pode-se compreender que a

discricionariedade para proceder a abordagem policial, quando usada dentro dos

221 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 41. 222 CARLIN, Volnei Ivo. Manual de Direito administrativo, 4 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. 223 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 41. 224 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, p. 227.

70

limites da lei, caracteriza a conduta legítima, cumprindo o policial com o seu dever

legal.

Contudo, para a discricionariedade não ultrapassar o limite dos direitos

individuais, algumas regras devem ser observadas, como explica Maria Sylvia

Zanella Di Pietro:

Necessidade em consonância com a qual a medida de polícia só deve ser adotava para evitar ameaças reais ou prováveis de perturbações ao interesse público; Proporcionalidade, que significa a exigência de uma relação necessária entre a limitação ao direito fundamental e prejuízo a ser evitado; Eficácia, no sentido de que a medida deve ser adequada para impedir o dano ao interesse público.225

Desta forma, nota-se que a discricionariedade possui limites que consistem

nos direitos que o policial militar deve respeitar quando optar por praticar a

abordagem policial.226

Sobre o mesmo assunto, assinala Álvaro Lazzarini:

Assim, pode a polícia preventiva fazer tudo quanto se torne útil à sua missão, desde que não viole direito de quem quer que seja.227

Neste sentido, compreende-se que a abordagem policial possui como limite

a legalidade. Os parâmetros que deve ser estabelecidos pelo policial militar no

exercício do da abordagem policial são previstos na própria lei, não podendo

ultrapassa-la.228

No mesmo rumo:

225 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 133-134. 226 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 227 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, p.193. 228 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Manual básico de policiamento ostensivo, Minas Gerais: Parque Gráfico do CSM/Int.

71

O motivo e objeto dos atos policiais são elementos discricionários, mas sujeitos aos limites legais, e não podem em nenhum momento se afastar da missão das forças policiais.229

Ademais, o policial deve sempre agir baseado na boa educação, inspirando

confiança, credibilidade e nunca constranger ou expor ao ridículo os abordados,

vez que deve sempre agir com discrição e boas maneiras. E ao final da

abordagem, onde não se verifica nada de ilegal, cabe ao policial militar esclarecer

ao abordado que o intuito da abordagem é a garantia da segurança de todos com

a conseqüente preservação da ordem pública.230

Destarte, os limites estabelecidos servem para assegurar o interesse da

coletividade, em favor do bem comum.231

Importante lembrar que os policiais são agentes estatais que tem por

missão a preservação da ordem pública e devem prestar um serviço de qualidade,

utilizando a força quando necessário e agindo sempre dentro dos limites legais.232

Da mesma forma, explana Álvaro Lazzarini:

O seu objetivo jurídico é possibilitar ao policial, em especial o com competência de polícia de segurança, ou seja, o que exerce atividade de prevenção da criminalidade, o que é modalidade da denominada polícia administrativa, um melhor controle da marginalidade, principalmente em áreas de maior incidência da delinqüência. Daí não se reconhecer arbitrariedade nesta exigência, que se apresente como exteriorização discricionária do ato de polícia preventiva.233

Ressalta-se, que a prática policial que vier a ultrapassar estes limites traz

como conseqüência o dever do Estado em indenizar o administrado.234

229 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 78. 230 POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. Programa padrão de instrução de policiamento ostensivo, Santa Catarina: Gráfica da PMSC, 1994. 231 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 28 ed.São Paulo: Malheiros, 2003. 232 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 81. 233 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, p. 222-223. 234 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 81.

72

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que a abordagem policial possui

como limite a lei, ou seja, os atos devem ser revestidos de legalidade, sob pena de

serem considerados abusivos e ilegais, gerando o dever de indenizar.

3.3 A CONFIGURAÇÃO DO DANO NA ABORDAGEM POLICIAL

Como já citado no presente trabalho, o Estado como responsável pela

segurança pública, encontra na polícia militar o instrumento necessário para a

concretização desta segurança, através da preservação da ordem pública e

incolumidade das pessoas. No entanto, os policiais militares para exercer suas

funções praticam atos de polícia, como a abordagem policial.235

No exercício de suas atribuições, os policiais militares encontram-se

autorizados a empregarem a força quando necessária para garantir a ordem

pública, limitando os direitos individuais que vierem a contrariar tal ordem.

Contudo, o uso da força não autoriza a prática do abuso ou excesso, uma vez que

os policiais se sujeitam aos limites da lei, que quando ultrapassada surge o abuso

e a ilegalidade.236

Ademais, apesar deste ato de polícia ser revestido de discricionariedade,

está limitado pela lei, e diz respeito a competência do agente, ao interesse público

ou social, a existência dos motivos do ato e a sua proporcionalidade.237

O policial militar na prática da abordagem policial deve sempre estar

voltado para a sua finalidade de preservação da ordem pública e bem estar da

coletividade, dentro, sempre, dos limites legais. Porém, quando nenhuma dessas

235 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 81. 236 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 109. 237 FERREIRA, Sérgio de Andréa. Poder e autoridade da polícia administrativa, 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

73

características são observadas poder vir a ocorrer um abuso de poder, dando

sustância a um dano.238

Sobre esse tema, colhe-se do programa padrão de instrução e policiamento

da Polícia Militar de Santa Catarina:

A autoridade, no exercício de suas funções, possui muitos poderes sobre o cidadão, limitando muitos direitos individuais em favor do bem estar da coletividade. Por isso o Estado estabeleceu rígidos limites para a atuação da autoridade, a fim de não permitir o abuso e a opressão, pela violação dos direitos e garantias individuais.239

Percebe-se que a configuração do dano na abordagem policial se dará com

o exercício do abuso de poder. Assim conceitua abuso de poder Hely Lopes

Meirelles:

Abusar do poder é emprega-lo fora da lei, sem utilidade pública. O poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem estar social exigir. A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, da violência contra o administrado constituem formas abusivas do uso do poder estatal, não toleradas pelo direito e nulificadoras dos atos que as encerram. O uso do poder é lícito; o abuso, sempre ilícito.240

No âmbito da abordagem policial, o dano irá existir quando houver o

excesso ou desvio do poder, ou ainda o uso excessivo da força.241

O excesso trata-se de quando o policial militar ultrapassa os limites de suas

atribuições. Já o desvio se configura quando o policial militar com a abordagem

busca alcançar fim diverso do que a lei o permitiu, ou seja, fim diverso da

preservação da ordem pública.242

238 POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. Programa padrão de instrução de policiamento ostensivo, p. 39. 239 POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. Programa padrão de instrução de policiamento ostensivo, p. 39. 240 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 20 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. 241 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo, p. 223. 242 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 37.

74

Para melhor entendimento no assunto, transcrevo as palavras de Volnei Ivo

Carlin:

O abuso de poder ocorre nos casos em que a autoridade, embora seja competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.243

Com relação ao uso excessivo a força, esta é demonstrada quando o

policial não usa a força conforme o princípio da proporcionalidade, e sim uma

força acima daquela necessária para a abordagem.244

Da mesma forma, ilustra Paulo Tadeu Rodrigues Rosa:

O fundamento, princípio, que rege o uso da força por parte da administração, é o da proporcionalidade, que será a base para apreciar em cada caso, a necessidade e intensidade do uso da força para se alcançar o restabelecimento da ordem. (...) O uso abusivo ou excessivo da força que se afasta da missão dos órgãos policiais autoriza o particular a propor uma ação de indenização contra o Estado.245

Então, conforme analisado, não é qualquer abordagem que possui a

configuração do dano, somente nascerá o dano quando a abordagem se der com

o excesso, desvio de finalidade ou uso excessivo da força.

Ressalta-se, que a prática do ato policial em conformidade com a lei

garante aos administrados que seus direitos estão sendo preservados. Contudo,

as práticas que ultrapassem os limites estabelecidos, assinaladas pelo abuso do

poder, excesso e o uso indevido da força, que vierem a ocasionar ao cidadão um

dano, traz como conseqüência a obrigação do Estado em reparar o dano

causado.246

243 CARLIN, Volnei Ivo. Manual de Direito administrativo, p. 245. 244 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 95. 245 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 95 – 119. 246 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 81.

75

Por fim, deve-se salientar que a atividade policial encontra-se sujeita a lei, e

seus agentes que ultrapassem os limites impostos ficam sujeitos a processos

criminais e disciplinares, conforme prevê a lei nº 4.898/65 que estabelece sobre o

abuso de autoridade e suas punições.247

3.4 A TUTELA JURÍDICA DIANTE DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA ABORDAGEM POLICIAL.

Conforme visto no item acima, aquelas abordagens policiais em que for

configurado um dano ao particular traz como conseqüência a sua reparação pelo

Estado.

Então, para amparar o administrado lesado por uma abordagem que não foi

praticado em consonância com a lei, tem-se o artigo 37 § 6 da Constituição

Federal que visa acudir o cidadão que veio a sofrer um dano proporcionado por

um policial militar na prática da abordagem.

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.248

Importante salientar que o dever de recompor os agravos oriundos da

abordagem policial só nascerá em razão de comportamentos danosos dos

policiais militares.

247 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 110. 248 BRASIL, Constituição Federal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008

76

Desta forma, se presentes todos os elementos da responsabilidade civil

objetiva, quais sejam conduta do policial, dano e nexo causal entre ambos, poderá

o administrado buscar a reparação do dano através de uma ação de indenização

contra o Estado.249

Neste rumo, afirma Paulo Tadeu Rodrigues Rosa:

Para que o Estado seja condenado a pagar o dano praticado por seu agente é necessário que o autor prove que de fato se deu a lesão de um direito, e que essa lesão acarretou um dano certo (...) finalmente, que, entre a prestação ou desempenho do serviço público, o ato ou omissão do serviço público, que ocasionou o dano, e este, se verificou uma relação direta de causalidade, um laço de causa e efeito, isto é, o nexo causal.250

Quando um policia militar no exercício de uma abordagem policial fere o

direito de alguém, a esta pessoa cabe o direito de ingressar com uma ação

reparatória, qual seja a ação de indenização em decorrência do poder público.251

Assim explica Cario Mário da Silva Pereira:

Nela o autor visa à apuração da existência dos requisitos da pretensão e, como conseqüência, a imposição do efeito ressarcitório ao réu, com a finalidade especifica, na conformidade do dano causado, de repor o statu quo ante, reembolsar as despesas feitas, pagar uma pensão ou versar uma quantidade que compense a ofensa ao bem jurídico atingido, ou em que se sub-rogue o dano causado.252

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ressalta que a reparação do dano pode se

dar também na esfera administrativa, nos casos em que a administração

reconhece desde logo a sua responsabilidade e haja entendimento entre as partes

249 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 45. 250 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo, p. 89. 251 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 45 252 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 328.

77

no valor da indenização, não sendo necessária a ação judicial. Porém, caso

contrário o prejudicado devera propor uma ação judicial de indenização.253

Pode se dizer, desta forma, que a reparação do dano pelo Estado, quando

houver sido causado pelo policial na abordagem policial, pode ser tanto na esfera

administrativa, quando acordo entre as partes, ou na esfera judicial com a ação

indenizatória.

Assim explica José dos Santos Carvalho Filho:

Na via administrativa o lesado pode formular seu pedido indenizatório ao órgão competente da pessoa jurídica civilmente responsável, formando-se, então, processo administrativo. (...) Não havendo acordo, ao lesado caberá propor a adequada ação judicial de indenização.254

A ação de indenização visa, através do pagamento de um montante

pecuniário, compensar o prejudicado pelos danos oriundos do ato lesivo.255

Com relação à indenização, afirma José dos Santos Carvalho Filho:

A indenização devida ao lesado deve ser a mais ampla possível, de modo que seja corretamente reconstituído (...) pelo ato lesivo.256

Salienta-se que ação de indenização pela abordagem policial na maioria

das vezes é uma indenização por dano moral, pois leva a pessoa ao

constrangimento quando feita fora dos padrões. No entanto, pode vir a ser uma

indenização por danos matérias também quando o policial ao praticar a

abordagem causa dano a algum bem material do lesado.257

253 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo, p. 630. 254 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 71. 255 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 70. 256 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 70. 257 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 81.

78

Contudo, nem sempre cabe ao Estado o pagamento da indenização, ou

seja, existem excludentes da responsabilidade do Estado.258

3.4.1 Das excludentes da responsabilidade do Estado

No exercício de sua defesa, caberá ao Estado, quando possível, alegar

umas das causas excludentes de sua responsabilidade, que poderão excluir ou

reduzir a quantia a ser paga ao lesado.259

Paulo Tadeu Rodrigues Rosa desta forma conceitua as causas excludentes

de responsabilidade:

São válvulas que servem para amenizar os efeitos de uma aplicação rígida na doutrina, para conciliar os interesses das finanças do Estado como os interesses particulares, mantendo-se, por esta forma, um equilíbrio que permite uma justa compensação pelos prejuízos sofridos pelos indivíduos em suas relações com o Estado.260

E ainda sobre as excludentes afirma Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Sendo a existência do nexo causalidade o fundamento da responsabilidade civil do Estado, esta deixará de existir ou incidirá de forma atenuada quando o serviço público não for a causa do dano ou quanto estiver aliado a outras circunstâncias, ou seja, quando não for a causa única.261

258 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 41. 259 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 41. 260 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 46. 261 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo, p. 624.

79

As excludentes, segundo, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, são a culpa

exclusiva ou concorrente da vítima, ato praticado por terceiro, ato praticado por

multidão e o caso fortuito e força maior.262

3.4.1.1 Da culpa exclusiva ou concorrente da vítima

Quando houver comprovação de que houve culpa da vítima, primeiramente

se deve distinguir se a culpa é exclusiva ou concorrente, no caso da primeira o

Estado não será responsável pela reparação, já no segundo atenua-se a sua

responsabilidade.263

O Estado ao ser acionado em juízo poderá demonstrar que o responsável pelo evento não foi o servidor ou agentes que integram as forças policiais, mas o próprio administrado que agiu de forma exclusiva ou concorrente para a ocorrência do dano.264

O Estado deve, através da polícia militar, preservar a ordem pública e a

incolumidade das pessoas e esta excludente vem a amparar o policial que

necessita fazer o uso legítimo da força, para restabelecer a ordem que veio a ser

tirada por algum particular.265

Assim explica Paulo Tadeu Rodrigues Rosa:

O Estado não poder ser omisso no exercício de suas funções, como ocorre no caso das atividades de segurança pública, e não seria justo que tivesse que responder pelo uso legítimo da força utilizada para a manutenção ou restabelecimento da ordem

262 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 41. 263 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo, p. 625. 264 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 44. 265 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 44

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pública, por fatos que foram ocasionados pelo próprio administrado.266

Diante do exposto, entende-se que quando o particular vier a contribuir para

o evento danoso, o Estado não responderá, quando a contribuição for exclusiva,

ou responderá, quando a culpa é concorrente, com uma indenização reduzida.267

3.4.1.2 Do ato praticado por terceiro

O Estado somente responde pelos eventos danosos quando forem

praticados por seus agentes, no presente caso, pelos policiais militares. Não há a

responsabilização do Estado por atos praticados por terceiros alheios ao serviço

público.268

Da mesma forma explica Paulo Tadeu Rodrigues Rosa:

Ao sofrer um dano que tenha sido praticado por um terceiro, o administrado não poderá se socorrer da teoria da responsabilidade objetiva pra buscar a recomposição da lesão suportada.269

Porém, há exceções, o Estado poderá vir a responder nos casos onde se

caracteriza sua omissão, inércia ou a falha da prestação do serviço público.270

Desta forma, entende-se que os atos praticados por terceiros, em regra,

não são imputados ao Estado, salvo quando caracterizado o não funcionamento

do serviço público.

266 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 44. 267 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 460. 268 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 45. 269 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 45. 270 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo, p. 625.

81

3.4.1.3 Do ato praticado por multidão

O ato praticado por multidões segue o mesmo raciocínio do ato praticado

por terceiros, ou seja, em regra o Estado não tem responsabilidade, contudo, pode

vir há haver a responsabilidade nos casos de omissão do poder público.271

No mesmo sentido, sustenta José dos Santos Carvalho Filho:

A regra, aceita no direito moderno, é a de que os danos causado ao indivíduo em decorrência exclusivamente de tais atos não acarreta a responsabilidade civil do Estado, já que, na verdade, são tidos como atos praticados por terceiros. (...) Ocorre, porém, que, em certas situações, se torna notória a omissão do poder público, porque teria ele a possibilidade de garantir o patrimônio das pessoas e evitar os danos provocados pela multidão. Nesse caso, é claro que existe uma conduta omissiva do Estado (...) configurando, então, a responsabilidade civil do Estado.272

Assim sendo, entende-se que a regra geral é a da não responsabilidade do

Estado, devido a ausência do nexo de causalidade entre fato e dano. Entretanto,

quando comprovada a omissão do mesmo, este responderá civilmente.

3.4.1.4 Do caso fortuito ou força maior

No âmbito da responsabilidade do Estado, o caso fortuito e força maior

enquadram-se nos fatos imprevisíveis, onde não há a responsabilidade do Estado,

por não haver o liame causal entre o fato e o dano.273

Sobre os fatos imprevisíveis explica Paulo Tadeu Rodrigues Rosa:

271 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 462. 272 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 462-463. 273

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 48.

82

Em regra, esses acontecimentos imprevisíveis excluem a responsabilidade do Estado devido a ausência do nexo de causalidade entre o faro e o dano suportado pelo particular.274

Desta forma, compreende-se que não há responsabilidade do Estado pelos

danos causados por caso fortuito ou força maior pelo fato de não haver o nexo

causal.

Diante de todo o demonstrado, resta claro que o Estado responder pelos

danos causados ao particular pelo policial militar na abordagem policial, se

demonstrados o nexo causal entre o dano e fato e quando não houver nenhum

das excludentes de nexo causal.

Contudo, apesar do Estado ser responsável civilmente pelos danos

causado pelos policiais militares no âmbito da abordagem policial, ao Estado cabe

o direito de regresso quando comprovados o dolo ou a culpa do policial, conforme

prevê o artigo 37 § 6º da Constituição Federal.

3.4.2 Do direito de regresso

O direito de regresso se encontra fundamentado no artigo 37 § 6º da

Constituição Federal, que afirma que caberá ação de regresso contra o agente

estatal nos casos em que houver dolo ou culpa.

Sobre o cabimento da ação regressiva, sustenta José dos Santos Carvalho

Filho:

Direito de regresso é assegurado ao Estado no sentido de dirigir sua pretensão indenizatória contra o agente responsável pelo dano, quanto tenha este agido com culpa ou dolo.275

274 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais, p. 48. 275 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 477.

83

Salienta-se, que como a responsabilidade do policial é subjetiva, somente

caberá a ação quando demonstrados o dolo ou a culpa, combinado com os outros

elementos da responsabilidade civil.276

Desta forma, pode-se concluir que ao Estado cabe o direito de regresso da

indenização paga ao particular quando demonstrado dolo ou culpa do agente

estatal.

Ao final, entende-se que no presente capítulo ficou demonstrado que o

Estado somente terá a responsabilidade pela abordagem policial quando esta for

praticada em desacordo com a lei e que a tutela jurídica para obter a reparação é

a ação de indenização, assegurado o direito de regresso quando demonstrado

dolo e culpa do policial militar.

3.5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Para corroborar a tese de que a abordagem policial somente será foco de

uma ação indenizatória se for praticada fora dos limites legais, tem-se algumas

decisões do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

CIVIL - ESTADO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ABORDAGEM POLICIAL IRREGULAR - DANOS MORAIS - OCORRÊNCIA - FIXAÇÃO DO QUANTUM DELEGADA AO PRUDENTE ARBÍTRIO DO JULGADOR. 1. Demonstrado de forma inequívoca que a abordagem policial foi abusiva, torna-se inafastável a responsabilidade do Estado em indenizar os danos suportados pelo ofendido. A responsabilidade em casos tais é objetiva (CF, art. 37, § 6º). 2. Na fixação do valor dos danos morais deve o julgador, na falta de critérios objetivos, estabelecer o quantum indenizatório com prudência, de modo que sejam atendidas as peculiaridades e a repercussão econômica da

276 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 477

84

reparação, devendo esta guardar proporcionalidade com o grau de culpa e o gravame.277

E ainda:

Apelações cíveis. Ação indenizatória. Abordagem efetuada por policiais militares. Ação que se mostra desproporcional no caso concreto. Conjunto probatório conclusivo. Dano moral. Fixação adequada. Juros e correção monetária. Termo inicial da incidência. Ação injusta perpetrada por policiais militares, revistando e prendendo acintosamente meros suspeitos de prática criminosa, algemando e perpetrando atos de agressão em meio a diversas pessoas, criando grave constrangimento e ofensa à dignidade da pessoa humana, para posteriormente soltá-los noutro lugar, sem qualquer justificativa, extrapola os limites do estrito cumprimento do dever legal, constituindo evidente ilegalidade, rendendo ensejo a indenização por dano moral.278

As jurisprudência acima trazidas tratam de duas abordagens irregulares, ou

seja, fora dos padrões legais, vindo a ser consideradas abusivas, sendo certo o

direito a indenização, assim como foi decidido pelos Ilustres Desembargadores

Luiz César Medeiros e Pedro Manuel Abreu.

No entanto, como já visto no presente trabalho, nem todas as abordagens

policiais são passíveis de indenização, aquelas onde for comprovado que os

policiais agiram de acordo com a lei e para a sua missão constitucional de

preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas não caberá a ação

indenizatória.

Neste sentido já decidiu o Distinto Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SUSPEITA DE FURTO EM SUPERMERCADO - ABORDAGEM POR POLICIAIS - AVERIGUAÇÃO DO CRIME A PEDIDO DA VÍTIMA - AUSÊNCIA DE DOLO, MÁ-FÉ OU FRAUDE - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO (ART. 188, I, DO CC/2002) - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTABELECIMENTO - INOCORRÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO. "O acionamento de investigação policial para averiguação de crime de furto não

277 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Decisão nº 2006.042554-7. Desb. Luiz César Medeiros.j. 24 abr 2007. 278 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Decisão nº 2004.036175-9. Desb. Pedro Manuel Abreu.j. 03 maio 2005.

85

configura dano moral, pois se trata de exercício regular de direito. A conduta da Polícia na apuração do crime não pode ser imputada ao acionante da autoridade estatal."(REsp 302313 - ES, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 23.11.2005)279

Bem como:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - ALEGAÇÃO DE ABUSO DE PODER DURANTE PERSEGUIÇÃO POLICIAL - DISPARO DE ARMA DE FOGO - LEGÍTIMA DEFESA E ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA QUE PORTAVA FACA E AGREDIU POLICIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO AFASTADA - INDENIZAÇÃO INDEVIDA - RECURSO PROVIDO. Age em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever legal o policial militar que, durante a tentativa de fuga de sujeito procurado pela polícia, atira em deliqüente que se evadia de sua residência e portava faca, utilizada, inclusive, para agredir o próprio agente estatal. Hipótese em que o agir do autor contribuiu efetivamente para o evento, não caracterizando a responsabilidade civil do Estado.280

Nos dois casos supracitados, a polícia militar somente cumpriu com seu

dever legal ao proceder a abordagem policial, agindo dentro dos limites legais,

sem haver a possibilidade de indenizar, uma vez que não ocorreu o dano.

Diante de todo o exposto neste capítulo, pode se averiguar que a

abordagem policial somente será passível de indenização quando exercida com

abuso de poder, desvio ou excessivo uso da força. Destarte, o particular que

sofrer o dano poderá receber uma indenização através de uma ação indenizatória

proposta em face do Estado, cabendo ao mesmo, se houver ocorrido culpa ou

dolo por parte do agente estatal, a propositura da ação regressiva.

279 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Decisão nº 2006.029139-3. Desb. Salete Silva Sommariva. j. 16 . jan. 2007. 280 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Decisão nº 2003.023534-5. Desb. Rui Fortes. j. 23 . mar. 2007

86

CONCLUSÃO

O presente trabalhou acadêmico trouxe em seu primeiro capítulo um

estudo sobre a responsabilidade civil, demonstrando que aquele que causa um

dano a outrem tem o dever de repará-lo. Contudo, como visto no capítulo citado,

para caracterizar o dever de indenizar deve existir alguns pressupostos, quais

sejam, o ato que deu origem ao dano, o dano, a culpa, o nexo causal. Ainda neste

capítulo analisou-se os diferentes tipos de responsabilidade civil, e explanou-se

sobre proteção à honra subjetiva que quando ferida pode vir a acarretar em um

indenização por dano moral.

No seu segundo capítulo foi trazido a tona a abordagem policial, iniciado

com uma conceituação de polícia, passando por sua divisão em polícia

administrativa e polícia judiciária, esclarecendo que a polícia militar, foco deste

trabalho, é tida como polícia administrativa. Após, foram expostas as funções da

polícia militar que são a preservação da ordem pública e da incolumidade das

pessoas, exercidas através de um policiamento ostensivo, resguardadas na

Constituição Federal e Constituição Estadual de Santa Catarina. Demonstrou-se

que para exercer suas funções a polícia militar é dotada de poder de polícia. Ao

final, tratou-se exclusivamente da abordagem policial e da sua legalidade, ou seja,

ficou evidenciado que a abordagem policial deve se guiar sempre na lei.

No ultimo capítulo tratou-se da responsabilidade civil diante da

abordagem policial. A primeira parte do capítulo trouxe um breve histórico da

responsabilidade civil do Estado que evolui da teoria da irresponsabilidade até a

teoria da responsabilidade objetiva, usada nos tempos atuais. Viu-se que o

Estado, como disposto na Constituição Federal, responde pelos danos causados

aos particulares por seus agentes.

A segunda parte do capítulo tratou dos limites da abordagem policial,

percebeu-se que a abordagem policial tem como limite a lei e que para a

configuração do dano na abordagem policial o agente estatal, no caso o policial

87

militar, deve agir fora dos limites legais. Explicou-se que para as abordagens

irregulares tem-se a ação de indenização por dano moral ou patrimonial,

dependendo do caso real, e ao Estado cabe o ingresso da ação regressiva para

aquela policial que tiver agido com dolo ou culpa ao causar o dano na abordagem.

Por fim, foram juntadas algumas jurisprudências do Egrégio Tribunal de Justiça de

Santa Catarina para corroborar com o entendimento de que a abordagem somente

poderá ser foco de uma ação de indenização quando for fora dos padrões legais.

Pode-se concluir com o presente trabalho, que a abordagem policial militar

preventiva é necessária para a segurança de toda a população e tem como a

principal finalidade a preservação da ordem pública. Desta forma, os cidadãos não

devem se sentir constrangidos por serem abordados, vez que devem lembrar-se

que a intenção é somente a proteção e segurança de todos. A abordagem policial

nada mais é do que a preservação da ordem pública em caráter real, feita sempre

no intuito de manter a ordem pública e incolumidade das pessoas.

No entanto, aquelas abordagens em que o cidadão é ofendido, tratado mal

e constrangido, não age em conformidade com a lei, cabendo ao cidadão a

propositura de uma ação de indenização em face do Estado, visto ser o policial um

agente estatal no exercício de suas funções.

Pode se analisar através da doutrina e das jurisprudências do Ilustre

Tribunal de Justiça de Santa Catarina que todas aquelas abordagens que

passaram dos limites legais, constrangeram e causaram danos aos abordados

foram passíveis de indenizações pelo dano causado.

Contudo, para haver o direito de ser recompensado pela humilhação

sofrida, o cidadão deve demonstrar o nexo causal entre o fato e o dano, elementos

necessário para a caracterização da responsabilidade objetiva do Estado.

Quando não houver ligação entre o fato e o dano não haverá o dever de

indenizar pela falta de um requisito essencial para a responsabilidade, o nexo

causal, a ligação entre fato e dano. Ademais, também constatou-se, através do

estudo doutrinário, que não haverá o dever de indenizar quando houver qualquer

uma das excludentes do nexo causal, como por exemplo, caso fortuito, força

maior, ato de terceiro, de multidão e etc.

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Também ficou evidenciado que o dever da polícia militar é de preservação

da ordem pública e incolumidade das pessoas, e para que este dever seja

exercido o policial militar poderá fazer uso da força a ele pertinente, desta forma, o

dever de indenizar não nascerá pelo simples uso da força quando um policial

militar utilizar para manter a ordem pública. Somente será cabível a indenização

quando o uso da força seja excessivo.

A doutrina constata também, que o Estado poderá ingressar com uma

ação regressiva contra aquele policial que causou o mal a outrem, desde que este

tenha agido com dolo ou culpa no exercício da abordagem. Se houver a

comprovação de seu dolo ou sua culpa o mesmo deverá ressarcir o Estado pela

indenização paga pelo seu mal desempenho nas suas funções.

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REFERÊNCIAS

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