Tese Rosely Romanelli
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE EDUCAO
ROSELY APARECIDA ROMANELLI
A ARTE E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
UM ESTUDO SOBRE OS PROCEDIMENTOS ARTSTICOS
APLICADOS AO ENSINO EM UMA ESCOLA WALDORF
SO PAULO
2008
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ROSELY APARECIDA ROMANELLI
A ARTE E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
UM ESTUDO SOBRE OS PROCEDIMENTOS ARTSTICOS
APLICADOS AO ENSINO EM UMA ESCOLA WALDORF
Trabalho apresentado como requisito parcial para
a obteno do grau de doutor no Curso de Ps-
Graduao em Educao da Faculdade de
Educao da Universidade de So Paulo, rea de
Concentrao: Cultura, Organizao e Educao,
sob orientao da Prof Dr M Ceclia Sanchez
Teixeira.
So Paulo
2008
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogao na Publicao
Servio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
371.301 Romanelli, Rosely Aparecida
R758a A arte e o desenvolvimento cognitivo : um estudo sobre os
procedimentos artsticos aplicados ao ensino em uma escola Waldorf ;
orientao Maria Ceclia Sanchez Teixeira . So Paulo : s.n., 2008.
274 p. : il., fotos.
Tese (Doutorado Programa de Ps-Graduao em Educao.rea de
Concentrao : Cultura, Organizao e Educao) - - Faculdade de
Educao da Universidade de So Paulo.
1. Pedagogia Waldorf So Paulo, SP 2. Artes 3. Desenvolvimento
cognitivo 4. Razo 5. Sensibilidade (Personalidade) 6. Intuio 7.
Percepo 8. Conscincia 9. Inconsciente ( Fator de personalidade) I.
Teixeira, Maria Ceclia Sanchez, orient.
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FOLHA DE APROVAO
Rosely Aparecida Romanelli
A Arte e o Desenvolvimento Cognitivo - Um estudo sobre os procedimentos artsticos
em uma Escola Waldorf
Tese apresentada a Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para obteno
Do ttulo de Doutor
rea de Concentrao: Cultura, Organizao e Educao
Aprovada em:
Prof. Dr._______________________________________________________________
Instituio__________________________ Assinatura___________________________
Prof. Dr._______________________________________________________________
Instituio__________________________ Assinatura___________________________
Prof. Dr._______________________________________________________________
Instituio__________________________ Assinatura___________________________
Prof. Dr._______________________________________________________________
Instituio__________________________ Assinatura___________________________
Prof. Dr._______________________________________________________________
Instituio__________________________ Assinatura___________________________
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Dedicatria
Aos meus filhos, San, Flora, Tauana, Rafael e Clara, que sempre me
incentivaram a continuar, mesmo diante dos momentos mais difceis e da distncia que nos foi
imposta.
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Agradecimentos
minha orientadora, pela pacincia com que me conduziu atravs das
dificuldades apresentadas pelo objeto da pesquisa.
Ao Fabio, pelo apoio diante das dificuldades que enfrentamos durante todo o
tempo em que me dediquei pesquisa.
Ao CNPQ, pelo curto perodo de concesso de bolsa, mas que permitiu
continuar a pesquisa num momento decisivo.
Aos professores e funcionrios da Faculdade de Educao
Diretora Kazuko e secretria Terezinha, do Colgio Waldorf Micael de So
Paulo, por sua ateno e disponibilidade em facilitar minhas visitas durante a pesquisa de
campo.
Conferncia Interna do Colgio Waldorf Micael, por permitir que a pesquisa
se desenvolvesse em seu espao escolar.
s professoras Riva, Marta, Dora e Celina, pela disponibilizao de seu tempo
para entrevistas.
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Epgrafe
A imaginao parece, na verdade, no possuir leis, talvez seja como um
Sonho em um estado de viglia, que oscila incondicionalmente
De um lado para o outro. Mas para possu-la preciso regr-la
De diversas maneiras, mediante o sentimento, mediante incentivos ticos,
Mediantes necessidades do agir e
Da maneira mais feliz mediante o gosto,
Por meio do qual a razo se apodera de cada matria e de todos os elementos.
(Goethe, 2005: 254)
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RESUMO
ROMANELLI, Rosely Aparecida. A arte e o desenvolvimento cognitivo um estudo sobre os
procedimentos artsticos aplicados ao ensino em uma Escola Waldorf. So Paulo: 2008. 270 p.
Tese (Doutorado). Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, 2008.
Esta pesquisa analisa a expresso artstica dos alunos de uma escola Waldorf
da cidade de So Paulo SP Brasil, com o objetivo de compreender a estreita ligao entre
arte e sensibilidade que se apresenta enquanto caminho para a harmonizao da alma humana
e a contribuio da arte para o desenvolvimento da razo, da intuio, da emoo e do
sentimento. Isto pode ser comprovado pela produo elaborada pelos alunos, interpretada e
compreendida a partir das atividades especificas do cotidiano escolar com o aporte terico de
autores que buscam entender o ser humano atravs do equilbrio entre sensibilidade e razo. A
pesquisa apia-se teoricamente na Antroposofia de Rudolf Steiner para o estudo da utilizao
pedaggica da arte; na cosmoviso cientifica e artstica de Johann Wolfgang Goethe e na sua
Doutrina das Cores; n A Educao Esttica do Homem de Friedrich Schiller; na Psicologia
Analtica de Carl Gustav Jung; na transformao alqumica atravs da imaginao ativa
utilizada por Jung. O referencial terico dos autores transita no eixo existente entre o
consciente e o inconsciente, entre a razo e a sensibilidade, entre o sensvel e o inteligvel. A
contribuio final a reflexo sobre a utilizao prtica dos procedimentos artsticos e sua
influncia sobre o desenvolvimento cognitivo e a aquisio de conhecimento que conduz ao
equilbrio entre razo e sensibilidade.
Palavras-chave: Arte, consciente, desenvolvimento cognitivo, educao, expresso artstica,
imaginao ativa, inconsciente, intuio, percepo, razo, sensibilidade.
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ABSTRACT
ROMANELLI, Rosely Aparecida. Art and cognitive development a study about artistic
procedures applied to teaching in Waldorf School. So Paulo: 2008. 270 p. Thesis (Doctoral).
Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, 2008.
This research analyses the artistic expression of students in a Waldorf school at the city of So
Paulo SP Brazil, in order to comprehend the close connection between art and sensitivity
that shows itself as a path to develop reason, intuition, emotion and feeling. This can be proof
by the production elaborated by the students, interpreted and comprehended from the specific
everyday school activities with the theory support of Rudolf Steiners Anthroposophy for the
study of the pedagogical utilization of art; in the scientific and artistic cosmovision of Johann
Wolfgang Goethe and his Doctrine of Colors; in the Aesthetic Education of Man of Friedrich
Schiller; in the analytical psychology of Carl Gustav Jung; in the alchemy transformation by
means of active imagination used by Jung. The theoretical references of the authors circulate
in the axis existent between conscious and unconscious, between reason and sensitivity,
between the sensitive and the intelligible. The final contribution is the reflection about
practical utilization of artistic procedures and their influences on cognitive development and
the knowledge acquirement that leads to balance between reason and sensitivity.
Key-words: active imagination, art, artistic expression, cognitive development, conscious,
education, intuition, perception, reason, unconscious.
SUMRIO
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Introduo................................................................................................................................11
1 A psicologia Junguiana como aporte terico para entendimento de sensibilidade e
razo.......................................................................................................................................20
2 A Pedagogia Waldorf como arte de educar.....................................................................52
2.1 A influncia de Schiller e Goethe na Cosmoviso Antroposfica................................52
2.2 A concepo de homem, educao e sociedade na Cosmoviso Antroposfica...........80
2.3 A ruptura entre conhecimento, arte, religio e moralidade e sua religao na Pedagogia
Waldorf..................................................................................................................................95
2.4 A aula principal vivncias artsticas fundamentais e complementares......................99
3 A arte na Pedagogia Waldorf.........................................................................................121
4 A anlise das aquarelas...................................................................................................138
4.1 Aquarelas do primeiro ano...........................................................................................139
4.2 Aquarelas do segundo ano...........................................................................................154
4.3 Aquarelas do terceiro ano............................................................................................164
4.4 Aquarelas do quarto ano..............................................................................................168
4.5 Aquarelas do quinto ano..............................................................................................180
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4.6 Aquarelas do sexto ano................................................................................................191
4.7 Aquarelas do stimo ano..............................................................................................197
4.8 Aquarelas do oitavo ano..............................................................................................227
5 A relevncia das outras prticas artsticas e artesanais...................................................234
5.1 Os trabalhos manuais...................................................................................................235
5.2 Desenhos de formas, geometria e teoria de luz e sombras..........................................243
5.3 A confeco do papiro................................................................................................250
6 O desenvolvimento cognitivo-afetivo consideraes finais........................................257
7 Bibliografia....................................................................................................................264
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Introduo
Ao iniciar minha pesquisa de doutorado eu imaginava poder descobrir como a
arte estaria ligada ao surgimento do princpio feminino na psique humana. Eu acreditava que
havia uma explicao para a convivncia harmoniosa entre meninos e meninas numa Escola
Waldorf e imaginava que o fator diferencial que possibilitava esta harmonia era a prtica de
atividades artsticas em todo o ensino bsico. Parecia claro que a sensibilidade e a razo eram
trabalhadas de forma a compartilharem o processo cognitivo de forma equilibrada
possibilitando que meninos e meninas se relacionassem bem. Minha hiptese inicial indicava
que havia uma relao entre principio feminino e arte enquanto o principio masculino estaria
ligado a razo.
Para entender estes processos eu iniciei um rduo caminho de leituras que
visavam encontrar o espao do feminino na constituio da psique dos sujeitos. A primeira
leitura que fiz foi Margareth Mead, Sexo e Temperamento, obra que apresenta um estudo
sobre trs tribos da Polinsia, nas quais o referencial para a formao da identidade masculina
e feminina passava por diferentes maneiras de educar, com rituais especficos e diferentes
papis e funcionalidades para o homem e para a mulher, de acordo com as tradies de cada
uma dessas tribos.
A segunda obra, que pareceu mais adequada para minha busca foi Um o
Outro, de Elisabeth Badinter. Nesse livro a autora faz um relato filosfico, sociolgico e
antropolgico sobre a evoluo dos papis feminino e masculino na histria humana. Este
estudo me deixou bastante empolgada com a questo do matriarcado e de como ele evoluiu
para o patriarcado. Tambm me mostrou uma discusso interessante sobre a situao atual das
identidades masculina e feminina nas sociedades. Este estudo me instigava e eu sentia uma
identificao profunda com estas questes.
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Em seguida comecei as primeiras leituras de Campbell As Transformaes
do Mito atravs dos Tempos, O Heri de Mil Faces, As Mscaras dos Deuses e Para Viver os
Mitos e encontrei na mitologia as questes apresentadas pelo vis filosfico sociolgico
antropolgico de Badinter. As idias se completavam. Era como se um autor me fizesse
entender ainda melhor o outro. Havia um caminho na mitologia que apontava para uma
formao da conscincia humana que se iniciava na Deusa, na Grande Me, e seguia at
chegar aos Deuses masculinos e ao Deus Judaico Cristo. Ento cheguei leitura de
Neumann, com a Histria da Origem da Conscincia e A Grande Me um estudo
fenomenolgico da constituio feminina do inconsciente. Comecei a trilhar o aspecto
psicolgico daquilo que eu ento chamava de princpio feminino e princpio masculino. Eu os
associava respectivamente a anima e animus que j conhecia de algumas leituras de Jung e
Hilmann. Como Neumann era tambm junguiano eu parti dele para o prprio Jung e passei a
buscar seus conceitos para obter uma base terica que me permitisse entender a relao entre
sensibilidade e razo no processo cognitivo proposto por Steiner na Pedagogia Waldorf. Alm
de todas essas leituras sobre mitologia e sociedades arcaicas matriarcais e sua relao com a
formao da conscincia humana, tambm li um autor que contribui para a formao de
opinio de muitos dos outros tericos que relacionei aqui. Trata-se de Johann Joachim
Bachofen cujos estudos das origens do direito romano o levaram a descobrir o papel feminino
nas sociedades arcaicas chamadas de matriarcais ou matrilineares. Sua teoria trazia maior
peso histrico para todas estas informaes.
Como Jung trabalha os processos inconscientes numa base arquetpica, a
mitologia aparecia constantemente e fui lendo outros junguianos que tratavam o feminino e o
masculino com esse referencial mitolgico, como Jean Shinoda Bolen e Robert Bly, por
exemplo. Era um referencial terico riqussimo e me conectava com minhas prprias questes
pessoais sobre meu papel no mundo como mulher, me de quatro filhas e um filho. Leitora
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vida de romances como As Brumas de Avalon e outros de Marion Zimmer Bradley que
traziam a baila o papel da mulher noutras sociedades mais antigas nas quais ela era to
importante quanto o homem, eu seguia buscando algo que me permitisse compreender um
processo pedaggico que me parecia trilhar o caminho que levava a harmonia relacional
almejada por mim no meu mundo e no de meus filhos. Tambm a relao feita por Fritjof
Capra sobre a cincia mecanicista num mundo dominado por homens com a situao
ecolgica do planeta se agravando porque a natureza no era mais venerada como a me de
todos os seres. Estas idias se conectavam com um trecho da obra A Filosofia da Liberdade
de Rudolf Steiner, no qual ele afirma que a humanidade s seria realmente livre quando a
metade oprimida o sexo feminino fosse elevada ao mesmo patamar de respeito e igualdade
que a metade masculina.
Durante este tempo eu tambm tentei encontrar a compreenso da Pedagogia
Waldorf por meio de outros referenciais tericos. Busquei caminhos que me fizessem
entender o processo artstico, pois eu no tenho essa formao terica. E li Fayga Ostrower,
Ana Mae Barbosa e Ana Anglica Albano para buscar entender o processo criativo e sua
insero na educao. Eu acreditava que era necessrio entender como isso ocorre, porque a
arte na Pedagogia Waldorf uma forma de educar a fantasia, para que ela se transforme em
imaginao criadora. Mas no cheguei a encontrar um caminho satisfatrio para trabalhar com
qualquer uma dessas autoras, pois as vises sobre arte, e mesmo sobre arte-educao no
falam exatamente do que acontece na escola Waldorf.
Na verdade, muitas teorias se aproximavam do meu objeto de pesquisa, mas
nenhuma se mostrava inteiramente adequada. Sempre eu chegava num ponto onde acabava s
tentando comparar conceitos e no chegava a obter concluses significativas. A metodologia
que eu devia seguir para comprovar minha hiptese no se configurava. E eu lia e escrevia,
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fazia fichamentos e seguia em frente com o trabalho, mesmo que parecesse no sair do lugar.
Eu sabia que estava farejando algo importante, mas estava apenas vislumbrando esse algo.
Ento eu iniciei a pesquisa de campo, na qual consegui algumas entrevistas e
muitas fotos da produo artstica dos alunos de primeiro ao oitavo ano de uma escola
Waldorf situada na cidade de So Paulo. Mas as coisas ainda no se mostravam facilmente. O
problema com a metodologia persistia! Como analisar e compreender um material to rico e
bonito era algo que eu ainda no sabia como fazer. Outros autores, como Bruno Duborgel e
Georges Jean tambm foram lidos por mim, desde a poca da elaborao do projeto para a
seleo da ps-graduao. Mas estes autores no me ajudavam totalmente o processo de
elaborao artstica dos alunos Waldorf, pois, na verdade se a elaborao artstica deles no se
enquadra como arte, tambm a anlise feita pelos autores acima citados no trabalhava com
desenhos e pinturas semelhantes ao que so desenvolvidos sob a orientao desta pedagogia
em si to diferenciada de outras prticas.
Ainda assim, retornei ao referencial terico de Ostrower na tentativa de
trabalhar com ela e com Jung. Porm mais uma vez no havia possibilidade de trabalhar com
os dois autores. A antropologia do imaginrio de Durand tambm fez parte de minhas
sondagens tericas, mas o material produzido pelos alunos Waldorf tambm no trazia os
elementos que eu deveria buscar para utilizar a viso proposta por este autor. Assim, aps
iniciar a anlise do material de campo segundo as indicaes da Doutrina das Cores de
Goethe, ficou muito mais claro perceber qual seria a metodologia adequada para
contextualizar a produo artstica dos alunos Waldorf. Nessa poca fiz o exame de
qualificao para a defesa de doutorado. A indicao feita pela Professora Sueli Passerini para
a leitura de Schiller me conduziu gradativamente ao entendimento da importncia deste autor
no arcabouo terico steineriano.
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Ento o caminho a ser trilhado mostrou novamente que o ponto de partida
deveria ser o prprio referencial terico antroposfico, e as origens da teoria cognitiva
proposta por Rudolf Steiner, criador desta cosmoviso. Eu deveria retornar aos autores que
forneceram o subsidio terico para a elaborao dos princpios norteadores da ao na
Pedagogia Waldorf. Schiller e Goethe so estes autores e caberia a mim aprofundar a pesquisa
em torno da cosmoviso deles.
Embora Steiner no cite diretamente estes autores, ele faz referncia a ambos
quando trata da cosmoviso goethiana. Somente ao ler A Educao Esttica do Homem
escrita por Schiller possvel compreender como Steiner se identificou com seus princpios
educativos. A importncia da Pedagogia Waldorf, neste sentido, atualizar e realizar a
proposta educativa schilleriana e organizar o procedimento metodolgico que propicia esta
prtica. Steiner tambm se identifica com Schiller nas questes sociais, pois sua trimembrao
social traz muitos pontos semelhantes aos princpios ticos e morais discutidos pelo poeta e
filsofo alemo. A teoria cognitiva steineriana desenvolve aspectos que abrangem a
cosmoviso goethiana e schilleriana. Pode-se dizer que Steiner ampliou e aprofundou as
discusses de ambos.
Quanto aos demais autores estudados, Jung ainda persiste para o tratamento das
questes que tangem sensibilidade e razo. Creio que ele pode contribuir nessa discusso,
uma vez que possvel analisar certas questes que margeiam a religiosidade e o esoterismo
pelo vis terico da psicologia, sem cair em tabus acadmicos.
Uma vez que a Pedagogia Waldorf desperta o meu interesse por promover a
relao entre arte, sensibilidade e intuio, motivando esta pesquisa, na qual procuro
compreender o papel da arte no desenvolvimento humano. Pretendo investigar como esta
pedagogia contribui para equilibrar razo e sensibilidade atravs da educao. Como ela, ao
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utilizar a expresso artstica em sua prtica cotidiana desenvolve a imaginao criativa antes
de chegar ao conceito elaborado pela razo, permitindo que essas faculdades se harmonizem.
As reflexes que fiz desde o momento em que se apresentou minha pergunta pessoal sobre o
diferencial oferecido na Escola Waldorf me apontaram possibilidade de que este fosse
veiculado pela aplicao da arte em sua metodologia.
Devido importncia da arte nessa pedagogia, aliada imaginao, intuio e
inspirao, as seguintes hipteses se formulam: 1) a estreita ligao entre arte e sensibilidade
se apresenta como caminho para a harmonizao da alma humana; 2) a aprendizagem
subsidiada pela arte pode contribuir para o desenvolvimento da razo, da intuio, da emoo
e do sentimento.
Conforme descrevo no estudo realizado em nvel de mestrado, Rudolf Steiner
(1861-1925) tem como pressuposto a concepo de ser humano livre, apresentada pela
Antroposofia, cincia espiritual que tem por objeto de estudo o Universo e o Homem. Esta
viso de mundo apresenta uma maneira diferente de interpretar os fenmenos da natureza
fsica e espiritual, com aplicao nos diversos domnios da vida prtica: na pedagogia, na
medicina, na farmacologia, na agricultura, nas artes, e dando origem ao movimento
antroposfico, hoje espalhado por inmeros pases, entre os quais o Brasil, cuja primeira
escola a Escola Rudolf Steiner de So Paulo foi fundada em 1956. Em sua prtica, os
professores de uma Escola Waldorf so chamados a tomar nas mos uma tarefa social: educar
atravs da imaginao, da inspirao e da intuio, que so tidas como ferramentas bsicas da
sua prtica cotidiana. Segundo a viso steineriana, a poca cultural na qual vivemos exige o
desenvolvimento dessas faculdades, que o professor desenvolve primeiramente em si mesmo.
S ento poder lidar melhor com o desenvolvimento de seus alunos, pois saber como
cultivar tais faculdades anmicas na criana e no jovem. Para isso, o trabalho artstico
pedaggico fundamental, justificando os procedimentos da arte aplicada ao ensino. Os
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caminhos seguidos pelo professor Waldorf fundamentam-se naquilo que a arte e o enfoque
artstico podem fornecer como subsidio para a atuao docente, sendo mais do que simples
procedimentos metodolgicos.
Parto do pressuposto de que a arte na educao no a prtica aleatria de
atividades artsticas, e, uma vez incorporada ao processo de ensino-aprendizagem, conforme
ocorre no cotidiano das escolas Waldorf, funciona como um caminho para a expressividade, a
sensibilidade, o senso esttico e o respeito mtuo entre os seres humanos. Discuto o papel da
arte e do ldico como promotores do desenvolvimento de qualidades essenciais ao
desenvolvimento e formao humana, tais como a observao, a sensibilidade, a
imaginao, a inspirao e a intuio, que alimentam o processo criativo. Acredito que esta
uma questo a ser respondida pela qualidade de educao proporcionada, discusso que est
presente nesta pesquisa.
A partir das atividades especificas do cotidiano de uma escola Waldorf, a
pesquisa analisar material da expresso artstica dos alunos para compreender o mesmo luz
do aporte terico de autores que procuram o entendimento do ser humano atravs do
equilbrio entre sensibilidade e razo. Para tanto, a pesquisa apia-se teoricamente na
Antroposofia de Rudolf Steiner para o estudo da utilizao pedaggica da arte; na cosmoviso
cientifica e artstica de Johann Wolfgang Goethe e na sua Doutrina das Cores; n A Educao
Esttica do Homem de Friedrich Schiller; na Psicologia Analtica de Carl Gustav Jung; na
transformao alqumica atravs da imaginao ativa utilizada por Jung.
Estes autores tm em comum o fato de transitar com seu referencial terico no eixo existente
entre o consciente e o inconsciente, entre a razo e a sensibilidade, entre o sensvel e o
inteligvel.
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O primeiro captulo apresenta o referencial terico junguiano, devido a sua
importncia para conceituar as qualidades anmicas que devem ser desenvolvidas pelo
trabalho artstico efetuado no cotidiano da escola Waldorf analisado atravs do material
coletado em campo. Parte desse referencial aparecer no terceiro captulo quando se
aprofunda a discusso sobre a utilizao da arte nessa pedagogia Alguns conceitos de Gilbert
Durand so utilizados ao final do capitulo para contextualizar a relao que pretendo
estabelecer entre a Psicologia Junguiana e a Pedagogia Waldorf. A referencia sobre o conceito
de Anima Mundi em James Hillman acontece neste captulo, e ser retomada e aprofundada
no terceiro. No segundo captulo uma apresentao da Pedagogia Waldorf direcionada para a
teoria que fornece suas bases fundamentadas em Schiller e Goethe. Alguns esclarecimentos
filosficos sobre Friedrich Schiller so embasados num artigo do filsofo Marcelo da Veiga.
Durand tambm contribui com a contextualizao de Steiner e sua cosmoviso dentro da
tradio hermtica em contraposio com a lgica aristotlica que fundamenta o
conhecimento ocidental. Aps a contextualizao terica uma descrio das atividades
cotidianas de base artstica desenvolve-se para situar o leitor que no conhece essa
modalidade de ensino-aprendizagem. No terceiro captulo h uma exposio sobre a Doutrina
das Cores de Goethe, um aprofundamento sobre A Educao Esttica do Homem de Schiller
e sobre a Imaginao Ativa de Jung, com a finalidade de introduzir a anlise das aquarelas.
Jeffrey Raff, James Hillman e Carlos Byinton fornecem alguns complementos tericos ao
longo do captulo, bem como alguns terapeutas antroposficos citados. No quarto captulo
feita a anlise das aquarelas documentadas em fotos. A amostra composta por cento e trinta
e quatro aquarelas de alunos do primeiro ao oitavo ano. No quinto captulo fao uma breve
anlise dos outros trabalhos artesanais e dos desenhos de formas e do ensino de geometria,
pois h um impacto causado por estas prticas sobre a evoluo das pinturas em aquarela ao
longo das series escolares pesquisadas. No sexto e ltimo captulo formulo minhas
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consideraes finais sobre o desenvolvimento cognitivo considerado sob a perspectiva da
harmonia entre razo e sensibilidade. A questo inicial sobre o princpio feminino estar ligado
arte e o princpio masculino ser ligado razo foi abandonada devido impossibilidade de
ser demonstrada atravs do material coletado durante a pesquisa de campo.
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1 A Psicologia Junguiana como aporte terico para o entendimento de razo e
sensibilidade
Pelas consideraes feitas at aqui, o aporte da psicologia junguiana ser
fundamental para esta pesquisa. Em Jung encontra-se a base utilizada para entender como o
equilbrio entre inconsciente e consciente no ser humano necessrio para um
desenvolvimento saudvel das suas faculdades anmicas. Sua vasta obra traz o referencial
terico para a compreenso desta dinmica que proporciona a jornada da individuao
humana. Esta seria a misso do ser humano ao longo de uma vida. Essa a busca pela
individuao para Jung. Em Steiner esta busca feita atravs da educao para as crianas e
jovens e da auto-educao para os adultos. O fato de esse processo ocorrer em todos os
momentos da vida humana conduz a discusso de como ele se inicia na vida durante a fase de
formao infanto-juvenil, com foco na fase escolar correspondente ao ensino fundamental.
Os conceitos junguianos so importantes para o entendimento desse processo.
Entre eles so especialmente relevantes os conceitos de individuao, smbolo, arqutipo,
intuio, consciente e inconsciente, anima e animus e si-mesmo. Eles compem o cerne da
teoria junguiana. O smbolo, segundo Jung (1986), uma produo espontnea da psique
individual, que, surgindo das vivncias do indivduo, se organiza em torno de um arqutipo.
Ele surge em sonhos ou fantasias e pode traduzir smbolos coletivos importantes como a cruz,
a estrela de Davi ou a mandala. Trata-se de algo muito mais vivo e dinmico do que um signo
e traduz o estado psquico do momento vivenciado pelo indivduo. Possui conotaes
especiais que vo alm de seu significado evidente e convencional, implicando em alguma
coisa vaga, desconhecida ou oculta para o indivduo. Ou seja, traz em si aspectos
inconscientes mais amplos que nunca so precisamente definidos ou de todo revelados.
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O smbolo apresenta uma natureza altamente complexa (Jung, 1991 b: 447),
pois na sua composio entram todas as funes psquicas. Sua natureza ento no racional
nem irracional1. Possui um lado acessvel razo e outro que lhe inacessvel uma vez que
apresenta dados racionais e dados irracionais fornecidos tanto pela percepo interna quanto
pela externa. A carga de pressentimento e de significado que um smbolo contm afeta,
portanto, tanto o sentimento quanto o pensamento, atingindo tanto a sensao quanto a
intuio. Ele , assim, a melhor expresso possvel e insupervel do que ainda
desconhecido para determinada poca (idem: 446). Isto significa que o smbolo anterior ao
significado para Jung (p: 444).
Para entender a noo de arqutipo necessrio compreender primeiro a de
imagem, uma vez que Jung (1991 b: 417-419) tambm denomina o primeiro de imagem
primordial. A imagem uma representao imediata oriunda da linguagem potica,
considerada pelo autor a imagem da fantasia, que se relaciona de forma indireta com a
percepo do objeto externo ao indivduo. Portanto, ela depende da atividade inconsciente da
fantasia, produto dela, aparecendo de maneira espontnea na conscincia, tal como a viso
ou a alucinao, sem ter, no entanto, o carter patolgico desta. A imagem a representao
da fantasia. Enquanto grandeza interna complexa e se compe de diversos materiais e
procedncias, sendo, apesar disso, um produto homogneo com sentido prprio e autnomo.
uma expresso concentrada da situao psquica como um todo, trazendo tona contedos
inconscientes momentaneamente constelados (Jung, 1991 b: 418).
Quando Jung qualifica o arqutipo de imagem primordial significa que esta
imagem possui um carter arcaico, apresentando motivos mitolgicos conhecidos, sendo
ento qualificada como arqutipo. Correspondendo, neste caso freqentemente a temas
1 Jung emprega o conceito de irracional no sentido de extra-racional, ou seja, daquilo que no pode ser fundamentado pela
razo, que ocorrem por obra do acaso, e que s num momento posterior ser passvel de demonstrao atravs da causalidade racional (Jung, 1991:431-432).
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mitolgicos que reaparecem em contos e lendas populares de pocas e culturas diferentes. Os
mesmos temas podem ser encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivduos. De
acordo com Jung (1986), os arqutipos, como elementos estruturais e formadores do
inconsciente, do origem tanto s fantasias individuais quanto s mitologias de um povo. Sua
origem no conhecida, pois se repetem em qualquer poca e lugar do mundo, no podendo
ser explicados por transmisso de descendncia direta ou por fecundaes cruzadas
resultantes de migrao. Os arqutipos se organizam em torno de uma base de vivncias dos
seres humanos que, por sua vez, so ancoradas em sua corporeidade. Jung diz tambm que a
imagem primordial a expresso condensada de um processo vivo que d um sentido
ordenado e coerente s percepes sensoriais e s percepes interiores do esprito, sendo um
prembulo da idia, sua terra-me (Jung, 1991 b: 420). a partir dessa imagem primordial
que a razo pode desenvolver o conceito enquanto idia, que se distingue de outros conceitos
que se formam atravs da experincia.
J a intuio, segundo Jung (1991 b), uma funo psicolgica bsica, que
transmite a percepo por via inconsciente. O objeto dessa percepo pode ser uma coisa
interna ou externa tornando a intuio de natureza subjetiva ou objetiva. No primeiro caso,
uma percepo originada por fatores psquicos inconscientes ligados ao sujeito que intui. No
segundo caso, a percepo provm de impresses subliminais que evocam pensamentos e
sentimentos. Para Jung (1986), a intuio uma forma de processar informaes da
experincia passada, objetivos futuros e processos inconscientes. Ela quase indispensvel
ao indivduo para que ele interprete as idias ou imagens que emergem do contedo
inconsciente ultrapassando o limiar entre este e a conscincia. Isto ocorre porque o
inconsciente uma espcie de depsito de toda espcie de componentes psquicos
subliminais, inclusive aqueles que assimilamos subliminarmente atravs dos sentidos.
Alguns chegam ao limiar da conscincia atravs da intuio, outros chegam pelos sonhos ou
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atravs da fantasia. Jung (1979) afirma que a maior parte desse contedo no sequer
processada durante a existncia do ser humano. Ele acredita igualmente que h razes para
supor que o inconsciente jamais se encontra em repouso, inativo, mas que est sempre
empenhado em agrupar e reagrupar seus contedos. Num estado patolgico esta atividade
pode tornar-se autnoma; mas de um modo normal ela coordenada com a conscincia
numa relao compensadora.
Jung (1979) tambm considera que as tendncias inconscientes tm um
objetivo situado alm da conscincia humana. Isso o faz desdobrar o conceito inicial de
inconsciente em outros dois: inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. Enquanto na
instncia pessoal os contedos inconscientes que vm tona podem ser contextualizados
numa esfera de ao pessoal, o inconsciente coletivo trabalha com imagens arquetpicas,
primordiais que se referem aos contedos recorrentes nas mitologias, religies e culturas de
vrios povos.
A conscincia a parte racional e objetiva da psique que procura organizar o
sentido de todo contedo que ultrapassa o limiar do inconsciente e vem tona para ser
exteriorizado, de modo que seja feito o equilbrio compensador supracitado. Existe perigo se
o consciente resolve racionalizar todo o contedo psquico destruindo seu significado
prprio e caindo no extremo oposto do estado patolgico pelo qual o inconsciente se torna
autnomo. Em ambos os extremos, o inconsciente busca dar vazo aos seus contedos
represados de forma desordenada e ocasiona as diversas patologias mentais.
Os conceitos de anima e animus tm uma relao, respectivamente, com a
razo o logos, o consciente e a sensibilidade (Jung, Emma. 1995:17-18). A anima,
segundo Jung (1986), a personificao de todas as tendncias psicolgicas femininas na
psique do homem os humores e sentimentos instveis, a sensibilidade desmedida que pode
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gerar rancores, desejos de vingana e desesperana, as intuies profticas, a receptividade
ao irracional, a capacidade de amar, a sensibilidade natureza e a prpria capacidade de se
relacionar com seu inconsciente. Por sua vez, o animus personifica os aspectos masculinos
no inconsciente da mulher. Ele usualmente se expressa nas convices secretas e sagradas
que a mulher possa manifestar. As atitudes pelas quais ela se impe no mundo,
especialmente se de forma violenta, revelam o animus. As reflexes semiconscientes, frias e
destruidoras, bem como certas passividades e paralisaes de sentimentos, certas
inseguranas que levam a uma sensao de nulidade e de vazio, que podem ser resultantes de
uma opinio inconsciente do animus so aspectos negativos do mesmo. medida que o
trajeto de individuao percorrido, o animus relaciona a mente feminina com a evoluo
espiritual de sua poca. O processo de individuao proposto pela psicologia analtica trata
da integrao destes plos opostos da alma humana, independentemente dos caracteres
sexuais biolgicos individuais, buscando a harmonia entre estes plos, para o equilbrio
cognitivo e afetivo de cada ser humano.
A individuao um processo de formao e particularizao do ser
individual especialmente no que diz respeito ao seu desenvolvimento psicolgico enquanto
ser distinto do conjunto, da psicologia coletiva. Portanto, pode-se dizer que um processo de
diferenciao que objetiva o desenvolvimento da personalidade individual. Trata-se de uma
necessidade natural, que no deve ser coibida, e sim possibilitada. A individualidade j
dada como aspecto fsico e fisiolgico. O aspecto psicolgico correspondente se manifesta a
partir dessa base biolgica. O indivduo no um ser nico e isto pressupe seu
relacionamento numa coletividade. A individuao enquanto processo conduz a uma
intensificao e uma maior abrangncia desse relacionamento, preservando a liberdade
individual, sua vitalidade e participao numa sociedade que consegue manter sua coeso
interna e seus valores coletivos (Jung, 1991: 426).
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Existe tambm o aspecto da individuao que est ligado funo
transcendente, ao desenvolvimento e integrao do animus e da anima, ao equilbrio e ao
desenvolvimento das funes racionais e irracionais. Estas atividades da psique humana
traam as linhas de desenvolvimento individual que no podem ser adquiridas pelos
caminhos institudos atravs das normas coletivas. O processo deve ocorrer atravs da
valorizao natural destas normas coletivas e do respeito s necessidades individuais. Deve
acontecer um equilbrio entre a necessidade desta regulamentao coletiva e a moralidade
individual que brota do desenvolvimento da conscincia do ser humano. A individualidade
psicolgica dada a partir de sua base fsica. A individuao surge no processo de
diferenciao que torna consciente a individualidade, separando-a do objeto (p: 427-428).
Para que o processo de individuao ocorra, a elaborao de contedos
simblicos que emergem do inconsciente trabalhada em terapia na psicologia junguiana
atravs da imaginao ativa. Este procedimento consiste em trabalhar os contedos
inconscientes com uma interveno controlada do consciente. Guardadas as devidas
propores, considero este processo anlogo atividade artstica que utilizada como
veiculo para concretiz-lo, pois a elaborao artstica trabalha com percepes que so
trazidas tona e tornadas conscientes atravs da obra realizada. Jung (1981) considera o
inconsciente como a me criadora da conscincia, uma vez que a partir do primeiro que se
desenvolve a segunda. Este o princpio de sua teoria sobre o desenvolvimento da
personalidade humana. Os contedos surgem do inconsciente e so elaborados com o auxlio
do consciente.
Em sua obra A Natureza da Psique, Jung (1997) retoma esta idia de que a
conscincia se faz de contedos do inconsciente atravessando o limiar e se tornando
conscientes, acreditando que no seja possvel considerar o conhecimento racional sem
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considerar sua contraparte intuitiva que brota inconscientemente atravs da imagem e do
smbolo. Em seu livro A Energia Psquica (1997 a), ele diz que seria preciso mergulhar nas
obscuridades da psique, que vo bem alm das categorias propostas pelo nosso intelecto, pois
a alma humana possui tantos mistrios que s um esprito desprovido de imaginao pode ser
capaz de negar suas prprias insuficincias. Segundo ele, somente o estardalhao iluminista
no capaz de perceber esta necessidade. Isto refora o fato de seu ponto de vista incluir as
qualidades sensveis (irracionais) como fator de equilbrio das qualidades racionais.
Para entender melhor este equilbrio que Jung considerava to importante
deve-se esclarecer alguns pontos essenciais sobre as chamadas funes de adaptao. Para
Jung (1991), elas cumpriam o papel de pontos cardeais utilizados pela conscincia para fazer
o reconhecimento do mundo exterior e nele se orientar. Elas so a sensao, o pensamento, o
sentimento e a intuio. A sensao constata a presena das coisas que cercam o indivduo e
o adapta realidade objetiva. O pensamento esclarece o que significam os objetos, julgando,
classificando e discriminando uns dos outros. O sentimento faz uma estimativa destes,
conferindo-lhes valor numa lgica diferente daquela utilizada pelo pensamento, que a do
corao. A intuio uma percepo que ocorre via inconsciente, apreendendo a atmosfera
onde se movem os objetos, de onde eles vm e como possivelmente se desenvolvero.
As quatro funes esto presentes em cada indivduo, porm de maneira que
sempre uma delas mais consciente do que as outras, sendo por isso chamada de funo
principal por Jung. As outras trs se apresentam numa gradao de desenvolvimento a partir
da principal at aquela que menos se faz consciente e por isso torna-se a funo inferior. Elas
tambm surgem em posies polares, opostas, duas a duas. Assim, intuio como funo
principal gera sensao como funo inferior e vice-versa. Por sua vez, pensamento em
sentido polarizado com o sentimento se apresenta como funo principal quando o segundo
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se mostra na funo inferior e vice-versa. A funo principal a tnica de adaptao que o
indivduo escolheu para orientar-se no mundo (Jung, 1986).
Estas funes complementam-se com os conceitos de extroverso e
introverso para consolidar o conhecimento sobre os tipos psicolgicos propostos por Jung.
A extroverso classificada por um comportamento em que o sujeito vai ao encontro do
objeto, no que diz respeito ao movimento de sua energia psquica. A energia do indivduo
flui em direo ao objeto. No caso da introverso essa energia recua diante deste, que parece
ter um carter ameaador para o sujeito, orientando-se por determinaes de carter
subjetivo. Jung aponta para um movimento de compensao entre as formas de
direcionamento dessa energia psquica, tambm conhecida por libido, segundo sua
terminologia.
Para Jung (1991: 450), tipo um exemplo ou modelo que reproduz o carter
de uma espcie ou generalidade. Ele um modelo caracterstico de uma atitude geral que
aparece manifestada em muitas formas individuais. Ele considera quatro atitudes
fundamentais que orientam as funes psicolgicas bsicas j descritas brevemente acima:
pensamento, sentimento, intuio e sensao. o fato de que uma delas se estabelece como
habitual imprimindo um cunho determinado personalidade individual que caracteriza o tipo
psicolgico. A atitude somada a uma funo psicolgica bsica define os tipos psicolgicos
que so pensamento extrovertido, sentimento extrovertido, sensao extrovertida, intuio
extrovertida, pensamento introvertido, sentimento introvertido, sensao introvertida e
intuio introvertida. As funes, por sua vez, dividem-se em duas classes: racionais e
irracionais, de acordo com a qualidade da funo bsica predominante.
Para compreender melhor ento, existem dois tipos genricos denominados
por Jung de extrovertido e introvertido, caracterizados pela maneira com que cada um se
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relaciona com o objeto. O tipo extrovertido tem um modo positivo diante do objeto
entendido como sua atitude subjetiva orientada na direo deste, sempre se reportando ao
mesmo para exercer suas funes bsicas. O tipo introvertido se comporta de forma
abstrativa, preocupando-se em retirar a libido do objeto tentando se prevenir contra um
suposto super poder deste, deixando-o fora do exerccio das suas funes bsicas. Estas
diferenas vo alm da formao do carter individual de cada um, segundo o autor. Ele
afirma que medida que se aprofunda o trabalho com um maior nmero de pessoas
descobre-se que estas atitudes tpicas so mais genricas do que poderiam parecer
inicialmente. Trata-se de uma oposio fundamental sempre perceptvel que ocorre entre as
funes de adaptao, (Jung, 1991:317) encontrada em todas as camadas sociais e,
independente das diferenciaes sexuais. Jung explica este fenmeno psicolgico geral pelos
seus antecedentes biolgicos fundantes. O processo de adaptao a relao entre o sujeito e
o objeto que visto na perspectiva biolgica explica a necessidade dos tipos numa analogia
com os processos de adaptao fisiolgica. O extrovertido, nesta ptica, caracteriza-se por
sua constante doao e intromisso em tudo; enquanto o introvertido busca defender-se
contra as solicitaes externas e precaver-se contra os dispndios de energia na relao com
o objeto criando uma posio confortvel e segura pra si prprio.
Os dois tipos so definidos por Jung com base no processo de interao entre
o consciente e o inconsciente. Partindo da descrio dos fenmenos conscientes ele inicia o
aprofundamento do tipo extrovertido pela atitude geral da conscincia. Este tipo se orienta
pelos dados e fatos objetivos fornecidos pelo mundo exterior, de modo que suas decises e
aes cotidianas e habituais so pautadas por condies objetivas da sua existncia neste
mundo. Para ele o objeto e as condies objetivas so fatores condicionantes de suas
opinies subjetivas. Sua conscincia toda olha para fora porque a determinao importante
e decisiva sempre lhe vem de fora. Porm Jung esclarece que isto s ocorre porque o
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indivduo permite que ocorra desta forma e no de outra (1991:319). Esta sua peculiaridade
psicolgica. As leis morais que ele segue so aquelas concebidas pela sociedade e aceitas por
ele como vlidas. Seu ajuste s circunstncias dadas lhe facilita a adaptao s condies de
trabalho e sobrevivncia que se apresentam como as ideais no momento vivido e s
expectativas do meio social e ambiental a seu respeito. Suas necessidades subjetivas no so
consideradas e este se torna seu ponto fraco, levando-o a desconsiderar questes de sade
fsica e bem-estar pessoal.
Do ponto de vista da atitude inconsciente, preciso lembrar que o
inconsciente sempre busca uma relao compensatria com o consciente. A unilateralidade
da atitude extrovertida causada pelo fator objetivo preponderante causa a tendncia de
desfazer-se de si mesmo (p: 322) em benefcio do objeto assimilando seu sujeito ao mesmo.
Desta maneira caracteriza-se uma atitude compensatria do inconsciente para uma
complementao da atitude extrovertida que apresenta um aspecto introvertidor, pois
concentra a energia sobre todas as necessidades e pretenses subjetivas que so oprimidas ou
reprimidas pela atitude extrovertida consciente. As tendncias pessoais representadas por
idias, desejos, afetos, necessidades, sentimentos, etc. assumem um carter regressivo
podendo causar patologias diversas em nvel fsico e psquico. No nvel psquico elas
apresentam seu aspecto regressivo nas funes menos diferenciadas levando ao colapso
nervoso, neuroses, abuso de drogas e depresso, assumindo formas destrutivas e deixando de
exercer, num ponto extremo, suas funes compensatrias reais. Jung ressalta o fato de que o
inconsciente no est enterrado sob camadas espessas que exijam penosas escavaes, mas,
ao contrrio, flui sempre para o evento psicolgico em curso no momento vivido e
transforma a personalidade sem que o indivduo se d conta disso.
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Quanto s funes psicolgicas bsicas, existem peculiaridades em cada uma
delas, de acordo com a atitude extrovertida. O pensamento em geral alimentado tanto por
fontes subjetivas e inconscientes, quanto objetivas transmitidas por percepes sensveis. No
caso do pensar extrovertido so estas ltimas que determinam em grau mais elevado os
critrios de julgamento. No significa que o pensamento extrovertido se baseie simplesmente
em idias concretas, podendo ser fundamentado em idias puras e abstratas que sejam
transmitidas pela educao, instruo e tradio. O que torna o pensar extrovertido o fato
de sua orientao consistir numa fonte externa. Sua concluso tambm se orienta para fora
como no pensar prtico do comerciante, do tcnico, do pesquisador em cincias naturais, por
exemplo. Mesmo na forma de cincia, filosofia ou arte, Jung afirma que nossa poca valoriza
e reconhece este tipo de pensamento, que em sua opinio aparece na superfcie do mundo
(1991: 327). Isto ocorre porque a perspectiva que o orienta enxerga a aparncia e no a
essncia.
O tipo pensamento extrovertido caracteriza-se pelo indivduo que se esfora
por colocar toda a atividade de sua vida na dependncia de concluses intelectuais orientadas
por dados objetivos, quer sejam fatos objetivos ou idias vlidas em geral. A realidade
objetiva tem fora decisiva orientando sua formulao intelectual que admite medida para o
bem e o mal e determina o belo e o feio. Esta frmula define o que certo e o que errado,
no permitindo excees. O ideal tem que ser realizado custe o que custar, uma vez que a
mais pura formulao da realidade objetiva cuja verdade indispensvel salvao da
humanidade, segundo os padres de justia e verdade e no do amor ao prximo (Jung,
1991:330-331). Segundo Jung, se esta frmula pessoal for suficientemente ampla este tipo
pode desempenhar um papel social relevante como promotor pblico, conscientizador ou
propagador de inovaes importantes. Caso sua frmula seja rgida ele pode se tornar um
resmungo, sofista e crtico autojustificado que comprime a si e aos outros num esquema por
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ele criado ou aceito. Este pode ser o caminho da tirania se levado ao extremo, com todas as
conseqncias nefastas que se seguem a ela, que acabam por se voltar contra o prprio
tirano. Pode haver tambm a opresso das formas e atividades importantes para a vida e que
dependem da esfera do sentimento, como as atividades estticas, o paladar, o senso artstico,
o cultivo da amizade, etc. Ou ainda das formas irracionais de experincias religiosas e
paixes que podem ser sufocadas at o nvel do inconsciente. Estes exemplos so tpicos do
aspecto patolgico que nem sempre acontece, pois o indivduo pode encontrar o equilbrio
interno em frmulas atenuadas que atendem sua necessidade destas vivncias criando uma
espcie de vlvula de segurana que o impea de atingir nveis perigosos de contedos
deixados margem da conscincia (p: 332-333).
relevante afirmar que Jung detalha minuciosamente as patologias deste e
dos outros tipos, utilizando um raciocnio sempre baseado no equilbrio e no desequilbrio
possvel entre os aspectos conscientes e inconscientes demonstrando que uma virtude pode
sempre se transformar em defeito caso no seja trabalhado num sentido capaz de manter este
equilbrio to delicado da psique humana. Outro aspecto que surge na descrio dos tipos a
predominncia de determinada funo ou atividade no homem ou na mulher. No caso do
pensamento extrovertido Jung afirma que ele mais caracterstico do homem. Quando ele
predomina na mulher o autor diz que este pensamento transforma-se numa atividade intuitiva
do esprito2.
O sentimento na atitude extrovertida tem o objeto como determinante
indispensvel do modo de sentir, estando de acordo com valores objetivos. Por valores
objetivos Jung entende aqueles que so tradicionais ou aceitos em geral por qualquer que 2 Apesar da afirmao inicial de que a classificao dos tipos e funes acontece independente da diferenciao sexual, Jung aponta em diversas passagens a predominncia de um ou outro tipo ou de uma ou outra funo no homem ou na mulher. Acredito que isto se deve poca em que ele viveu. Hoje em dia estes papis j no surgem to definidos e conseqentemente os tipos e funes podem surgir e serem avaliados de acordo com a flexibilidade vigente. Sobre isto incide a diferena das definies de anima e animus de Hillman (1990) e de Emma Jung (1995), relativamente s dadas inicialmente por Jung.
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seja a razo (Jung, 1990: 338). O indivduo emprega o predicado de belo ou de bom ao
objeto independente de valores subjetivos. Ele o qualifica de acordo com o julgamento que
conveniente com momento, de forma a no perturbar com seus comentrios a presena do
autor da obra artstica, por exemplo, ou mesmo o seu proprietrio. As situaes nas quais o
sentimento deve transparecer sempre encontram o aspecto positivo e corretamente
dimensionado de expresso deste, sendo um fator criativo na manuteno positiva de
empreendimentos e eventos sociais, filantrpicos e culturais. A imerso exagerada do sujeito
no objeto, que o assimila totalmente faz o indivduo perder o carter pessoal do seu sentir,
apontado por Jung como o charme principal dessa funo. Os aspectos negativos do
sentimento surgem dessa imerso, tornando-o frio, material e no confivel (Jung, 1990:
338). Jung afirma que o sentimento extrovertido exagerado preenche as expectativas
estticas sem falar ao corao, atingindo apenas os sentidos ou a inteligncia. O sujeito perde
sua consistncia e absorvido pelos processos individuais de sentimento anulando sua
individualidade e tornando-o o prprio processo para aquele que o observa. O sentimento
que transparece externamente d a impresso de pose, de leviandade, de desconfiana e, em
casos patolgicos torna-se histeria.
O tipo sentimento extrovertido apontado por Jung como uma peculiaridade
da psicologia feminina, sendo que os tipos sentimentais mais pronunciados so encontrados
no sexo feminino, segundo sua observao (p: 339). Neste tipo o sentimento surge como uma
funo educada, ajustada e submetida ao controle da conscincia. Essa funo assume carter
pessoal, apesar do aspecto subjetivo ter sido reprimido em grande escala, dando a aparncia
de uma personalidade ajustada s condies objetivas e aos valores aceitos pela sociedade.
possvel perceber este fato pelas escolhas dos parceiros amorosos que freqentemente so
aceitos pela posio social, idade, posses, beleza fsica, e respeitabilidade de sua famlia. A
aparncia irnica e ftil dessa formulao no esconde o sentimento amoroso do tipo
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sentimento extrovertido e sim corresponde sua escolha padronizada pelos fatores externos
descritos acima, que so totalmente convencionais. No tipo sentimento no ocorre o
pensamento original, pois este perturbaria o sentir. Esta funo sendo dominante no pode
permitir a vigncia da funo pensamento que lhe oposta. Isto significa que os julgamentos
so feitos com base no sentimento e no no pensamento. Desta forma a variao de uma
avaliao pode mudar se o sentimento sobre o objeto julgado for transmutado. O aspecto
negativo de um pensar totalmente reprimido que se torna inconsciente reflete-se na forma de
idias obsessivas de carter geralmente negativo e depreciativo, que utiliza todos os
preconceitos e comparaes infantis que possam colocar em dvida o valor do sentimento
podendo chegar ao estado patolgico da histeria.
Dentro da atitude extrovertida estes dois tipos descritos so classificados por
Jung como racionais, pois se caracterizam pelo primado de funes com julgamento racional.
Para esta classificao o autor esclarece que a perspectiva utilizada aquela pela qual o
prprio sujeito se auto-avalia. Este recurso usado por Jung em terapia de modo a preservar
a relao com o paciente, sem correr o risco de impor o ponto de vista do terapeuta sobre o
individuo em tratamento. Ele esclarece que a perspectiva do observador leigo pode ser
diferente, uma vez que as sutilezas comportamentais do sujeito analisado podem induzir uma
leitura superficial por quem julga sua atividade aleatria ou esporadicamente. Baseando a
descrio dos tipos no ponto de vista do sujeito observado, Jung pretende se preservar do
risco de impor a prpria psicologia individual sobre o paciente e suas experincias pessoais.
A racionalidade na conduo consciente da vida nos tipos extrovertidos
significa que eles excluem conscientemente as casualidades e as irracionalidades obrigando,
pelo julgamento racional, que os contedos desordenados e os casuais se ajustem a certas
formas que lhes paream vlidas. Isto limita a autonomia e a influncia da sensao e da
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intuio racionalidade que as reprime at um estado primitivo e infantil. A racionalidade
dos tipos extrovertidos sempre orientada pela racionalidade coletiva, tornando racional para
eles apenas o que assim considerado pela coletividade. Aquilo que subjetivo e individual
fica constantemente ameaado pela represso e pode cair no inconsciente produzindo uma
ruptura da regra racional consciente e auto-imposta, trazendo tona os contedos
inconscientes pela sua fora sensual ou pela sua influncia compulsiva.
No tipo extrovertido a sensao determinada pelo objeto, atravs da
percepo proporcionada pelos sentidos. A sensao pode possuir um carter subjetivo, por
depender diretamente da percepo deste. Mas existe a percepo objetiva de natureza
diferente, que s permite que percepes ocasionais se tornem contedos da conscincia, na
medida em que as realiza. Embora no sentido estrito a funo sensao seja naturalmente
absoluta, pois tudo fisiologicamente possvel de ser visto ou ouvido. Nem tudo alcana o
valor liminar necessrio para ser aceito como percepo. O critrio de valor a fora da
sensao manifestada pelas qualidades objetivas dos elementos ou processos concretos,
perceptveis pelos sentidos e que despertam sensaes na atitude extrovertida, e que podem
ser avaliados como concretos em qualquer lugar ou poca (Jung, 1991: 345).
O tipo sensao extrovertido no se iguala a nenhum tipo humano em
realismo, de acordo com a viso junguiana. Ele possui um senso objetivo dos fatos
extraordinariamente desenvolvido, pois acumula experincias reais sobre objetos concretos.
Segundo Jung este tipo se manifesta mais em homens. A inteno do tipo sensao
extrovertido se volta para o gozo concreto que possui, em seu entendimento, sua prpria
moralidade, sua moderao e suas leis, alm da prpria renncia e sacrifcios. Ele capaz de
diferenciar sua sensao at a mxima pureza esttica sem, renunciar ao princpio da
sensao objetiva. Esta deve vir sempre de fora, pois o que vem de dentro lhe parece
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mrbido e suspeito. Quando ele pensa e sente tudo se reduz a fundamentos objetivos que so
influncias provindas do objeto, sem preocupao com a lgica. O amor se baseia na
sensualidade proporcionada pelo objeto amado. Seu ideal a realidade qual se ajusta
porque existe e visvel. Comporta-se de acordo com as circunstncias no vestir, comer e
beber, mas sempre a partir de um gosto refinado, por amor ao estilo. O exagero da sensao
predominante torna esse indivduo desagradvel, podendo transform-lo numa pessoa
grosseira em busca do prazer ou num esteta refinado e sem escrpulos (p: 346). Quando a
vinculao com o objeto se torna excessiva o inconsciente se manifesta sob a forma de
fantasias ciumentas, estados de angstia, fobias de toda espcie, sintomas de obsesso. Os
contedos patolgicos aparecem coloridos por contedos morais e religiosos. A razo se
arma de sofismas e sutilezas e a moral transformada num moralismo, num farisasmo. A
coao para este tipo ocorre a partir do inconsciente quando sua atitude atinge nveis de
unilateralidade anormais, causando neuroses difceis de serem tratadas pela via da
racionalidade, sendo necessrio utilizar meios de presso afetiva para lev-lo ao
entendimento racional.
A intuio na atitude extrovertida, embora seja uma funo da percepo
inconsciente, se volta totalmente para objetos exteriores, tornando difcil captar sua natureza
(Jung, 1991: 348). A funo intuitiva surge representada na conscincia por uma atitude de
expectativa ou de contemplao e penetrao, que s posteriormente pode atestar o quanto
foi incutido no objeto e o quanto j estava nele. No uma simples percepo, mera
contemplao, mas um processo ativo e criador que incute algo no objeto tanto quanto dele
retira alguma coisa. Retira uma impresso inconscientemente e cria nele um efeito
inconsciente. A intuio fornece primeiramente imagens ou impresses de relaes e
condies que no podem ser conseguidas por meio de outras funes. Tais imagens tm o
valor de conhecimentos especficos que influenciam fortemente o agir enquanto o primado
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da intuio se estabelecer. Se a adaptao se funda na intuio todas as outras funes so
reprimidas, mas em especial a sensao que diretamente oposta a ela. A intuio procura
abranger o maior nmero de possibilidades para satisfazer o pressentimento atravs da sua
contemplao. Atuando sobre as possibilidades no dado objetivo a intuio, enquanto funo
subordinada atua quando nenhuma outra funo consegue encontrar a soluo para uma
situao complicada. Quando ela tem o primado, as situaes se parecem com recintos
fechados que podem ser abertos por ela. Em casos extremos da atuao intuitiva parece que
toda situao de vida do indivduo uma cadeia opressora que precisa ser rompida.
O tipo intuio extrovertida tem uma psicologia especial e inconfundvel,
segundo Jung (1991). Uma vez que a intuio se orienta pelo objeto h uma forte
dependncia de situaes externas onde se encontrem possibilidades de projetos futuros. No
entanto nunca so situaes estveis, duradouras e bem fundadas. Ele apreende objetos e
pistas novos com grande intensidade e entusiasmo para abandon-los quando seus contornos
se fixam e seu desenvolvimento se estabiliza. As situaes lhe mobilizam somente enquanto
possibilidade e inovao. No h razo ou sentimento que o impeam de se lanar s novas
situaes promissoras, pois estas funes so incapazes de opor resistncia efetiva intuio.
Ao mesmo tempo so elas as nicas foras capazes de compensar de maneira eficaz o
primado da intuio, dando ao tipo intuitivo o lastro de julgamento que lhe falta. Sua
moralidade se pauta pela fidelidade sua impresso e pela submisso voluntria fora
desta. Como ele no se incomoda com seu bem-estar ou com o de seus semelhantes, nem
respeita convices ou costumes, muitas vezes, qualificado de aventureiro inescrupuloso.
Volta-se para profisses de risco que exigem mltiplas habilidades e capacidades como
homens de negcio, empresrios, especuladores financeiros, agentes policiais, polticos, etc.
Jung afirma que este tipo mais freqente nas mulheres que se voltam para as possibilidades
sociais de criar vnculos, descobrindo homens com possibilidades de lhes proporcionar uma
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posio social vantajosa, partindo para novos relacionamentos aos sinais de esgotamento
destes.
Este tipo pode ser muito importante para a economia e a cultura como
iniciador de novos empreendimentos, bastando para isso que ele no se torne muito
egocntrico. Quando se volta para o trabalho com pessoas e no com objetos suas qualidades
intuitivas so importantes para encorajar e estimular seus companheiros para uma nova
causa, mesmo que depois ele parta para novas possibilidades, como lhe peculiar. Quanto
mais forte for sua intuio mais ele se confunde com a possibilidade vislumbrada e a vivifica
apresentando-a com ardor convincente, pois isso faz parte do seu destino. O lado perigoso
deste tipo de atitude a fragmentao da prpria vida do sujeito intuitivo que espalha
pedaos de vida com os quais vivifica as pessoas e as iniciativas que desenvolvem juntos,
sem depois usufruir da abundncia criativa que proporcionou. Falta-lhe persistncia para
colher os frutos do prprio trabalho. Jung afirma que por eximir-se das limitaes impostas
pela razo, este tipo acaba sendo presa de uma neurose compulsiva inconsciente de carter
muitas vezes coercitivo, talvez hipocondraco ou fbico, com projees semelhantes s do
tipo sensao, mas sem o aspecto mstico que por vezes ocorre com este ltimo (Jung, 1991:
351).
Os tipos sensao extrovertida e intuio extrovertida so qualificados por
Jung de irracionais porque seu fazer e deixar de fazer no so baseados em julgamentos
fundamentados pela razo. Eles se utilizam da fora da percepo que se dirige para os
acontecimentos sem nenhuma escolha judiciosa (p: 352). Na verdade, os processos racionais
ocorrem nestes tipos no nvel inconsciente. H certa dificuldade de relacionamento entre os
tipos racionais e os irracionais, devido diferena de foco sobre o objeto. A verdade que a
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poca atual favorece os tipos extrovertidos e oferece pouca tolerncia para os introvertidos,
dos quais se falar a seguir.
O tipo introvertido orienta-se por fatores subjetivos. Em sua relao com o
objeto se interpe uma opinio subjetiva que impede que suas aes assumam o carter
correspondente ao dado objetivo. A sua conscincia capaz de ver as condies do meio
externo, mas prefere escolher fatores determinantes subjetivos para tomar suas decises. Ele
orientado pela percepo e pelo conhecimento representativo da disposio subjetiva
acolhida pela excitao sensorial. Sua fundamentao decorre daquilo que a impresso
externa fizer constelar em seu interior. Sua economia psicolgica se faz sentir como uma
espcie de reserva do eu (Jung, 1991: 354). O mundo existe em si mesmo, mas tambm
aquilo que se faz representar para o eu subjetivo. Jung faz uma ressalva neste ponto, pois ele
mesmo no acredita que seja possvel negar a participao de fatores subjetivos e do sujeito
em si na formulao do conhecimento. Com isso ele estabelece uma critica pessoal ao
Positivismo da virada do sculo XIX para o sculo XX. Para ele no existe conhecer algum,
nem sequer mundo algum, se no for possvel para o sujeito afirmar: eu conheo (op. Cit.:
355).
A avaliao extrovertida caracteriza o termo subjetivo quase como passvel de
censura. A expresso puramente subjetivo , na prtica, uma arma perigosa utilizada para
tingir aqueles que no esto convencidos da superioridade do objeto. Por este motivo, Jung
esclarece que entende por fator subjetivo a ao ou reao psicolgica que sob a influncia
do objeto, se funde num novo estado psquico (idem). Na sua concepo, o fator subjetivo
um dado to inexorvel quanto a extenso do mar e o raio da terra, ou seja, ele uma
grandeza que determina o mundo e no pode ser dispensada em nenhuma poca ou lugar,
pois tem o status de lei do mundo. Nesse sentido, o indivduo que se baseia no fator subjetivo
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tem para seu uso grandeza, durao e validade tanto quanto aquele que se apia no objeto.
Ambos os fatores so passveis de mudana e desenvolvimento e, portanto, so relativos. O
perigo sempre surge quando estes so potencializados em excesso.
A atitude introvertida est baseada numa condio presente que lhe
altamente real e absolutamente indispensvel para sua adaptao psicolgica. Ela se orienta
por uma estrutura psquica dada pela hereditariedade que a qualifica como grandeza inerente
ao sujeito. No entanto, ela no especificamente o eu deste sujeito, mas se apresenta como a
estrutura que est presente antes mesmo que ele possa desenvolver este eu. Isto acontece
porque o si-mesmo um conceito mais abrangente que o eu, abarcando o consciente e o
inconsciente do indivduo. Se ambos fossem idnticos poder-se-ia imaginar a possibilidade
de as formas e significados que surgem nos sonhos serem assumidas pelos sujeitos.
peculiar ao introvertido que, por uma tendncia ou preconceito comum ele possa confundir
seu eu com o si-mesmo. Com isso ele coloca o eu como sujeito do processo psquico
consumando uma subjetivao mrbida de sua conscincia e dificultando o relacionamento
com o objeto. A forma de apreenso psquica do objeto o arqutipo, j definido
anteriormente neste capitulo. Jung (1991: 357) o considera como uma frmula simblica que
surge sempre que o conceito consciente no exista ainda, quer isto ocorra por causas internas
ou externas. So os contedos do inconsciente coletivo representados na conscincia como
tendncias e concepes manifestas. O indivduo por vezes acredita que eles so
determinados pelo objeto, mas na verdade eles nascem da estrutura inconsciente da psique e
so apenas liberados pelo objeto. Essas tendncias e concepes, subjetivas, segundo Jung
(idem), so mais fortes do que a influncia do objeto e, por isso, sobrepem seu valor
psquico sobre as impresses recebidas do meio externo. Por este motivo o introvertido no
consegue compreender o objeto como ponto de partida para a elaborao de um conceito. E
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lhe falta argumentao terica para exprimir as condies inconscientes de seu julgamento
subjetivo ou de suas percepes subjetivas.
Existe uma posio de superioridade do fator subjetivo na conscincia e uma
valorizao menor do fator objetivo. O objeto deixa de receber a ateno que lhe devida. O
tipo extrovertido lhe d muita importncia, enquanto o introvertido sente que seu eu frgil
diante da grandeza indiscutvel do objeto e evita o enfrentamento com o mesmo. O
inconsciente trabalha sua relao com o objeto de forma a destruir qualquer iluso de poder e
fantasia de superioridade da conscincia. A anlise do inconsciente pessoal revela fantasias
de poder associadas ao medo de objetos animados, ao qual o indivduo introvertido costuma
sucumbir na realidade. A partir desse medo ocorre uma espcie de covardia especfica que
impede o tipo introvertido de se impor ou de impor sua opinio, pois teme a influncia mais
forte do objeto. Ele julga perceber qualidades poderosas e aterradoras nos objetos. Isso
acontece em nvel inconsciente, conferindo um carter primitivo relao, devido aos
aspectos arcaico-infantis que acrescentam foras mgicas ao objeto.
O pensamento introvertido se orienta pelo fator subjetivo que representado
por um sentimento subjetivo que determina, em ltima anlise, os julgamentos. Outras vezes
uma imagem mais ou menos pronta que usada como parmetro (Jung, 1991: 360).
Embora o pensar possa se mesclar com dados concretos ou abstratos a deciso orienta-se por
dados subjetivos. No ocorre reconduo a partir de experincias para as questes objetivas,
e sim para os contedos subjetivos. O pensamento comea e se reconduz ao sujeito, mesmo
depois de uma abrangente incurso na realidade concreta, pois os fatos externos no so
causa ou meta deste pensar embora o tipo introvertido goste de lhe dar esta aparncia. O
estabelecimento de novos fatos lhe proporciona mais a elaborao de novas concepes e
teorias do que o conhecimento de novos fatos. So elaborados questionamentos e teorias que
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abrem horizontes para novas introspeces enquanto o detalhamento de fatos se mantm sob
um comportamento reservado, tratando-os como exemplos ilustrativos e instrumentos de
prova, que no predominam em suas explanaes. O aspecto principal o desenvolvimento e
a apresentao da idia subjetiva que paira obscura em sua viso interior e deve ser
configurada numa idia luminosa. Sua maneira de atingir a realidade se d pela expresso
abstrata mais adequada que ele for capaz de produzir com os fatos externos (idem). Sua
tarefa lhe parece completa quando a idia concebida parece fruto dos fatos externos e a
validade da mesma possa ser comprovada por eles.
Nem sempre possvel que isto acontea, e o perigo que o tipo introvertido
ceda tendncia de forar os fatos para dentro de sua imagem ou ignor-los totalmente
dando livre curso sua fantasia. Nestes casos a idia criada parece proveniente de uma
imagem arcaica e obscura, com traos mitolgicos que podem ser interpretados como
originalidade ou mesmo extravagncia, casos os ouvintes no tenham conhecimento dos
motivos mitolgicos. A fora de convencimento dessas idias provm do arqutipo
inconsciente que valido universalmente, mas para que tenha validade necessita se inserir
nos conhecimentos j reconhecidos e reconhecveis pela poca para assim poderem se tornar
uma verdade prtica de valor vital (Jung, 1991:360-361). O amor s teorias cultivado pelo
tipo introvertido tem tendncia de passar do mundo ideal para o mundo das imagens puras e
as concepes possveis acabam no se tornando reais, sendo apenas smbolos do
inconhecvel (idem). O pensador introvertido se transforma num mstico de idias estreis
tanto quanto se elas estivessem sendo processadas num contexto meramente objetivo. So
extremos igualmente infrutferos. Pode ocorrer uma neurose com carter de debilitao
interna e crescente exausto cerebral denominada psicastenia.
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O tipo pensamento introvertido se caracteriza pelo primado do pensar da
maneira acima descrita. Ele pode estabelecer uma relao positiva com o objeto que servir
de ilustrao, comprovao ou exemplo de suas teorias. Se a relao estabelecida for
negativa o objeto ser olhado com indiferena ou simplesmente rejeitado. difcil apontar
outras caractersticas, pois elas tendem a se camuflar ou desaparecer. Seu julgamento parece
frio, inflexvel, arbitrrio e duro devido a este relacionamento distante com o objeto que,
deixa transparecer uma superioridade do sujeito. Apesar de uma aparente cortesia,
amabilidade e afabilidade muitas vezes sua ansiedade trai a inteno secreta de desarmar o
adversrio. Isto se d, pois o outro temido na medida em que pode causar problemas e
questionamentos e acaba na mesma posio de relacionamento que o objeto dado. Este tipo
no prtico em suas atividades e avesso publicidade. Isto faz com que ele prefira
acreditar que suas idias so vlidas por serem corretas e verdadeiras, esperando que por isto
os outros se curvem diante delas. Ento ele no sai em campo para propag-las ou adquirir
adeptos. Caso resolva fazer o contrrio, sua falta de jeito costuma colocar tudo a perder,
produzindo o efeito oposto do desejado (Jung, 1991: 363).
Mesmo que o tipo pensamento introvertido alcance a clareza de como seus
pensamentos so estruturados internamente, ele nem sempre consegue enxergar o caminho
para apresent-los ao mundo, pois tem dificuldade de perceber porque eles no so claros
para as outras pessoas. Como professor no consegue influenciar seus alunos, pois no toma
conhecimento de sua mentalidade. O ensino lhe interessa mais como problema terico. Pode
vir a confundir sua verdade subjetiva com sua prpria personalidade, em casos extremos.
Neste caso, passa a no aceitar crticas e o isolamento parece ser a soluo ideal para se
proteger contra as influncias externas. Seu pensamento positivo e sinttico no que diz
respeito ao desenvolvimento das idias, que costumam atingir a validade universal das idias
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primitivas, tornando-se vlidas apenas se conseguem estabelecer uma conexo visvel e
compreensvel com os fatos conhecidos para seus contemporneos (idem: 363-365).
O sentimento introvertido3 determinado principalmente pelo fator subjetivo,
significando que apresenta a mesma diferena essencial em relao ao sentimento
extrovertido que existe entre o pensamento introvertido e o extrovertido. A aparente
desvalorizao do objeto lhe confere um aspecto negativo. Somente se pode inferir a
existncia de um sentimento positivo, segundo Jung (1991: 365-366). Como no tenta se
adaptar ao objeto, quer domin-lo procurando inconscientemente tornar reais as imagens
internas s quais gostaria que o prprio objeto correspondesse. Jung afirma que tudo o que
foi dito sobre o pensamento introvertido pode ser transportado para o sentimento, guardando
a noo de que o que anteriormente era pensado agora sentido. Ocorre que para expressar
este sentir necessrio que o indivduo seja portador de alguma habilidade lingstica ou
artstica incomum, capaz de exteriorizar sua riqueza interior, ao menos de forma aproximada.
O sentimento subjetivo deve assumir uma forma externa permitindo ao tipo sentimento
introvertido transmitir aos seus semelhantes aquilo que existe na sua alma. Ele pode
conseguir isso, desde que no seja tomado pelo egocentrismo que se aprofunda numa paixo
sem sentido e que sente apenas a si prprio (p: 366-367). O sentimento introvertido se
confronta com o pensar primitivo identificado com o concretismo e escravizado pelos fatos.
Para Jung, o primado do sentimento introvertido aparece principalmente nas
mulheres. Este tipo costuma ser quieto, pouco socivel, incompreensvel, escondido atrs de
mscaras infantis e banais. s vezes, no entanto, apresentam temperamento melanclico.
No buscam brilho ou aparies externas, guiando-se por sentimentos subjetivamente
orientados, cujos verdadeiros motivos permanecem encobertos. Externamente seu 3 Jung primeiro descreve o sentimento enquanto funo introvertida, depois o tipo sentimento introvertido. O mesmo ocorre ao longo de todo o texto sobre os tipos. Cada tipo vem qualificado pela sua funo principal. Esta funo descrita separadamente e depois em relao ao tipo que a referida funo qualifica.
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comportamento discreto, harmnico e calmo. No h nenhum movimento simptico no
sentido de motivar, impressionar, persuadir ou mudar o outro. Se estas tendncias se
acentuam, surge uma aparncia de frieza que pode ser interpretada, pelos outros, como pouco
caso pelo bem ou mal-estar alheio. Percebe-se o movimento que afasta o objeto, de no-
envolvimento. A relao com o objeto mantida num meio-termo entre a calma e a
segurana, como forma de afastar a paixo e sua falta de medida. A expresso do sentimento
continua pobre e o objeto subvalorizado.
Sob esta falsa aparncia desenvolvem-se sentimentos intensos, mas que
permanecem nas profundezas. Apenas s vezes vem tona, na forma de uma religiosidade
camuflada e medrosamente escondida ao olhar profano, ou formas poticas protegidas contra
qualquer surpresa, com a ambio secreta de algum domnio ou superioridade sobre o objeto
(Jung, 1991: 368). Quando o sujeito inconsciente constelado, o poder secreto do sentimento
intensivo pode transformar-se em despotismo banal e arrogante, vaidade e opresso tirnica,
levando neurose (p: 369).
O tipo pensamento introvertido e o tipo sentimento introvertido so
classificados por Jung como racionais por se fundarem nas funes judicativas da razo. Um
tipo racional tem uma razo que varia conforme o tipo. Assim, segundo o autor, os tipos
racionais introvertidos apresentam julgamentos orientados pelo fator subjetivo. A lgica no
chega a sofrer com isso, pois a parcialidade reside na premissa, cuja predominncia existe
antes de qualquer concluso e julgamento que ocorra baseada em fator subjetivo. O
introvertido acredita que mais razovel uma srie de concluses que conduzem ao fator
subjetivo do que o caminho que conduz ao objeto. Pode decorrer disto o erro capital de tentar
demonstrar a falcia na concluso, ao invs de reconhecer que existe uma diferena entre as
premissas psicolgicas. extremamente difcil para todo tipo racional reconhecer esta
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situao que parece solapar a validade de seu princpio entregando-o ao seu oponente. O tipo
introvertido sofre tambm com a desvalorizao dos fatores subjetivos e com a
supervalorizao da objetividade que ocorre na viso de mundo ocidental.
A sensao na atitude introvertida se baseia na parcela subjetiva da percepo.
Pode-se compreender melhor o que acontece ao se contemplar obras de arte que reproduzem
objetos exteriores. A mesma paisagem ser reproduzida de diferentes maneiras por pintores
diversos. Tal fato se d no apenas ao se considerar a habilidade do pintor, mas pelo modo
diferente de ver concernente a cada um deles, devido participao maior ou menor do fator
subjetivo (Jung, 1991: 371). O fator subjetivo da sensao influencia da mesma maneira
como o faz nas outras funes. Trata-se de uma disposio inconsciente que modifica a
percepo dos sentidos na sua origem, tirando o carter de objetividade. na arte que este
fator subjetivo vai exercer sua fora com mais intensidade, pois o indivduo no se ocupa do
objeto, mas sim com a percepo subjetiva causada pelo mesmo (p: 371-372).
Na percepo subjetiva corre uma impresso psquica atravs da qual so
reconhecidos elementos de uma ordem psquica superior. Trata-se de pressuposies ou
disposies coletivo-inconscientes, imagens mitolgicas, possibilidades primitivas de
representaes de carter profundo. So imagens primordiais que apresentam um mundo
psquico espelhado (p: 372). Segundo Jung, a sensao introvertida transmite uma imagem
que no reproduz o objeto externo, mas cobre-o com o sedimento de antiqssima e ao
mesmo tempo futura experincia subjetiva, a mera impresso dos sentidos que se desenvolve
para o fundo da riqueza intuitiva (p: 372-373). Enquanto a percepo extrovertida apreende
o momentneo e o manifesto das coisas, a percepo introvertida capta aquilo que nelas
imemorial.
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O tipo sensao introvertida possui certas peculiaridades. um tipo irracional
porque no escolhe o julgamento por meio da razo. No fluxo dos acontecimentos ele se
orienta por impresses intensas captadas pela parcela subjetiva da sensao (p: 373). Isto
pode ser constatado quando o indivduo em questo um artista produtivo. H uma
aparncia de autodomnio devido ausncia de relacionamento com o objeto. Na verdade,
acontece que o objeto inconscientemente desvalorizado, privado de sua atrao prpria,
que substituda por uma reao subjetiva. Jung sugere que se pergunte ao tipo sensao
introvertido qual a razo da existncia de pessoas e objetos se o que essencial acontece sem
que este se de conta de que tais objetos existem (1991: 373). Para este tipo, a expressividade
artstica torna-se o meio fundamental de exteriorizao no mundo. Caso isso no ocorra o
mundo objetivo se transforma numa fico, levando o indivduo para um fechamento em si
mesmo. Isto pode gerar uma neurose obsessiva com traos histricos camuflados por
sintomas de esgotamento.
Na atitude introvertida, a intuio se volta para objetos interiores, ou seja,
para elementos do inconsciente. A relao que se estabelece entre estes e a conscincia
semelhante a que aconteceria se estes fossem objetos exteriores. So imagens subjetivas de
coisas que no se encontram na experincia externa, mas que so contedos do inconsciente
coletivo. Estes contedos aparecem como produtos de sua essncia que no acessvel ao ser
humano se no for pela funo intuitiva que lhe peculiar. A intuio introvertida se dirige
para o que foi libertado internamente para o exterior. Isto significa que a nica origem
possvel para estes elementos o inconsciente. Ela recebe um impulso da sensao para agir
imediatamente, procurando ver por trs dos fatos e percebendo assim o quadro interior que
provocou o fenmeno expressado. Esta imagem fascina a ao intuitiva que se demora nela
procurando conhecer detalhes. O quadro visto muda e se desenvolve e depois desaparece.
Este processo tem sua origem em camadas do fundo da conscincia. Para a intuio as
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imagens que se formam tm o status de coisas ou objetos. O tipo intuio introvertido no
consegue se fixar nas imagens para estabelecer uma conexo delas consigo mesmo (p: 376-
377). Para Jung, estas imagens so possibilidades de concepes capazes de dar novo
potencial energia psquica, sendo indispensvel para a vida psquica da coletividade. a
viso dos profetas, segundo o entendimento do autor, podendo ser explicada por sua relao
com os arqutipos que representam o decurso legtimo de todas as coisas experimentveis
(p: 377).
O primado da intuio introvertida cria um tipo especial, que o sonhador ou
visionrio mstico. Pode tambm ser o artista criativo e produtivo. Ou simplesmente o que
Jung chama de fantasista, que se contenta com a contemplao pela qual se deixa fascinar. O
aprofundamento da intuio causa um afastamento natural da realidade, tornando o indivduo
um estranho para as pessoas que o cercam. Seu julgamento enfraquecido pelo primado de
uma funo irracional permite que ele vislumbre fracamente sua participao como ser
humano e a totalidade das vises que tem. Por isso tem dificuldade em trazer para a vida
prtica as imagens que poderiam ser vlidas para o cotidiano.
Os tipos irracionais introvertidos so quase inacessveis ao julgamento
externo, devido sua dificuldade de externalizar o material de sua vivncia interior. Sua
atividade principal est voltada para o interior. Externamente ocorrem apenas manifestaes
indiretas de suas funes inferiores que so relativamente inconscientes. Desta forma eles
seguem incompreendidos pelo carter fragmentrio e