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Integração das TIC na educação: o caso do Squeak Etoys

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  • Universidade do MinhoInstituto de Educao

    Antnio Lus Valente de Sousa Teixeira

    Integrao das TIC na educao: o caso do Squeak Etoys

    Maro de 2011

  • Universidade do MinhoInstituto de Educao

    Antnio Lus Valente de Sousa Teixeira

    Integrao das TIC na educao: o caso do Squeak Etoys

    Tese de Doutoramento em Estudos da Criana Especialidade de Tecnologias de Informao e Comunicao

    Trabalho realizado sob a orientao doProfessor Doutor Antnio Jos Osrio

    Maro de 2011

  • DECLARAO

    Nome: Antnio Lus Valente de Sousa Teixeira

    Endereo electrnico: [email protected]

    Telefone: 919684425

    Nmero do Carto de Cidado: 05932572

    Ttulo da tese: Integrao das TIC na educao: o caso do Squeak Etoys

    Orientador: Professor Doutor Orientador: Antnio Jos Meneses Osrio

    Ano de concluso: 2011

    Doutoramento em Estudos da Criana - Tecnologias de Informao e Comunicao

    AUTORIZADA A REPRODUO INTEGRAL DESTA TESE APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

    Universidade do Minho, 01/03/2011

    Assinatura: ________________________________________________

  • iii

    Agradecimentos

    Nos meus pais, a quem nunca agradeci por me terem premiado com a escola, homenageio

    os sacrifcios que fizeram para que fizesse o meu caminho. Aos meus irmos agradeo o apoio e

    incentivo de sempre, ao tio Augusto, a persistncia, determinao, integridade, coerncia e

    exemplo de Homem frente do tempo. tia Emlia, agradeo o apoio de muitos anos e a

    serenidade que discreta e insondavelmente foi meu refgio espiritual e desagravo pelo tempo

    que subtra minha famlia mais prxima. Mariana e ao Pedro: obrigado por me emprestaram

    um bocadinho da vossa infncia!

    Estou grato ao Lus e Joaninha, filhotes exemplares no respeito, incentivo e compreenso.

    Obrigado Manela, companheira, amiga e me sem defeitos, a quem no tenho o direito de pedir

    desculpa.

    Obrigado professora Fernanda, amiga de h quarenta anos, pela disponibilidade e ajuda!

    Agradeo Joana Osrio, Teresa Lopes e Ana Francisca, que me acompanharam em

    algumas etapas e aos meus colegas, alunos e amigos que participaram anonimamente nesta

    viagem!

    Agradeo ao Professor Paulo Dias o apoio, incentivo e a facilitao de condies, no tempo

    em que trabalhei profissionalmente sobre sua coordenao.

    Ao meu supervisor, Professor Antnio Osrio, agradeo, para alm dos ensinamentos, da

    viso rasgada e do estilo de orientao, a disponibilidade e o facto de ter utilizado a sua

    personalidade humanista em meu proveito. Obrigado, Professor!

  • iv

    (esta pgina foi propositadamente deixada em branco)

  • v

    Integrao das TIC na educao: o caso do Squeak Etoys

    Resumo

    Na Sociedade em Rede, da Informao, do Conhecimento, Digital ou simplesmente

    Sociedade, as Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC) tm um papel determinante no

    desenvolvimento humano e na qualidade de vida dos cidados. A importncia das TIC tal, que

    a sua integrao rpida e global em todas as reas de actividade tem sido um instrumento

    poderoso ao servio dos movimentos de libertao dos povos. Em Portugal, as diversas

    iniciativas governamentais no mbito da acessibilidade tecnolgica e o investimento em infra-

    estruturas e equipamentos tm impactos sectoriais distintos. Na educao, a integrao das TIC

    tem enfrentado desafios complexos e difceis de transpor, em virtude da sua desfigurao como

    veculo de inovao e da baixa literacia tecnolgica dos professores. Em consequncia, a escola

    atrasa-se cada vez mais em relao aos outros sectores da sociedade, posicionando-se

    praticamente na etapa inicial da utilizao das tecnologias, utilizando-as fundamentalmente na

    sua dimenso funcional. Por outro lado, certas polticas de investimento nacional no domnio das

    TIC tm sido desequilibradamente direccionadas para os recursos fsicos em desfavor dos

    recursos culturais e educativos, provocando uma overdose de equipamentos e uma mngua de

    contedos, ou nas palavras de Rubem Alves, uma Feira de Utilidades muito rica e uma Feira de

    Fruies muito pobre.

    Inconformado com a escassez de oportunidades de aprendizagem com as TIC que a escola

    proporciona s crianas para cultivarem o seu potencial criativo, procurei estudar factores

    facilitadores da integrao dos recursos digitais na educao, numa perspectiva natural,

    sustentvel e potenciadora do desenvolvimento da criana. Convicto de que as crianas so

    naturalmente criativas e de que so capazes de programar os seus prprios brinquedos e

    brincadeiras digitais, recorri a estratgias diversificadas de utilizao do Squeak Etoys como

    linguagem de programao de computadores, para compreender como que este software pode

    contribuir para a fruio das TIC, no sentido da Educao Romntica de Rubem Alves. Decidi

    utilizar o Squeak Etoys para abordar a problemtica da integrao das TIC por se tratar de um

    ambiente multimdia de autor, de cdigo fonte aberto, construdo com bases pedaggicas

    inspiradas no construtivismo de Piaget e Papert. Neste trabalho de investigao, ao longo de

  • vi

    quase cinco anos, utilizei metodologias qualitativas, que me permitem ter uma viso holstica da

    integrao das TIC, assentando a investigao na minha prpria histria de vida, em

    apontamentos de investigao-aco e no estudo de mltiplos casos de utilizao do Squeak

    Etoys em ambientes formais e no-formais de aprendizagem, envolvendo crianas, jovens

    estudantes universitrios e professores do ensino obrigatrio.

    O estudo mostrou que as crianas e os adultos valorizam as TIC de formas

    substancialmente diferentes, tanto no domnio da fruio dos objectos ou recursos, como da sua

    utilizao funcional. Os conceitos de interaco manifestam-se tambm sob diferentes

    perspectivas nestes dois grupos. As crianas tendem a preferir recursos digitais com interaces

    mais complexas, multidireccionais e hipertextuais, ao passo que os adultos tendem a produzir

    recursos menos interactivos, unidireccionais e de navegao linear. Da investigao emerge um

    conjunto variado de factores que influenciam a integrao das TIC na educao, merecendo

    destaque a necessidade de a) desenvolver as atitudes dos professores e das lideranas

    educativas face inovao, incluindo mudanas na valorizao, no papel das TIC e nas prticas

    educativas; b) reconfigurar a resilincia dos professores atravs de metodologias de integrao

    das TIC que incluam projectos de rpida aplicabilidade nos contextos de interveno; c)

    promover o desenvolvimento de actividades inovadoras na escola, combinando sustentabilidade

    e disrupo de modo a permitir integrar as TIC e assegurar a durabilidade temporal das

    estratgias e das novas prticas, promovendo, simultaneamente, rupturas de dentro para fora; d)

    incentivar a cooperao entre os diversos participantes no processo educativo, induzindo o

    desenvolvimento de comunidades de interesse e estabelecendo sistemas de ajuda que impeam

    que as dificuldades tcnicas provoquem o fracasso das iniciativas de integrao das TIC.

  • vii

    ICT integration in education: the case of Squeak Etoys

    Abstract

    In the Network Society, Information Society, Knowledge Society, Digital Society, or simply

    Society, Information and Communication Technologies (ICT) play a crucial role in human

    development and quality of life. This importance is so obvious that its global and fast integration

    in all areas of activity has been a powerful instrument to the liberation movements. In Portugal

    the various government initiatives in the context of technological accessibility and investment in

    infrastructures and equipment have different impacts. In education, for example, the integration

    of ICT has faced complex challenges, which are difficult to overcome because of its

    misrepresentation as a vehicle for innovation and low technological literacy of teachers.

    Consequently, the school is retarding in relation to other sectors of society placing it almost at the

    initial stage of use of technologies, using them primarily in its functional dimension. Moreover,

    some national policies for investment in ICT have been uneven directed to the physical resources

    instead of cultural and educational resources, causing an overdose of equipment and a dearth of

    content, or in the words of Rubem Alves, a very rich Fair Shopping and a very poor Enjoyments

    Fair.

    Dissatisfied with the lack of learning opportunities with ICT that the school provides the

    children to cultivate their creative potential, I tried to study influencing factors of digital resources

    that facilitate its integration in education, in a natural and sustainable perspective which can

    boost the childs development. Convinced children are naturally creative and are able to program

    their own 'toys' and 'digital games'. I have used a variety of strategies to use Squeak Etoys as a

    programming language, in order to understand how this software can contribute to the enjoyment

    of ICTs according to the idea of Romantic Education presented by Rubem Alves. I decided to use

    Squeak Etoys to study the integration of ICT in education because it is an open source and free

    multimedia environment, built on pedagogical bases inspired by constructivism of Piaget and

    Papert. In this research work, over nearly five years, I used qualitative methods, which allowed

    me to have a holistic view of ICT integration, basing the research on my own life history, in

    episodes of action research and in the study of multiple cases of Squeak Etoys usage in formal

  • viii

    settings and non-formal learning, engaging children, young university students and school

    teachers of compulsory education.

    The study showed that children and adults appreciate ICT in substantially different ways both

    in the enjoyment of objects or features, such as its functional use. The concepts of interaction

    also have different perspectives between these two groups. Children tend to prefer digital

    resources built on more complex interactions, multidirectional and hypertext navigation, while

    adults tend to produce resources, which are less interactive, unidirectional and with linear

    navigation. The findings point to a variety of factors that can facilitate the integration of ICT in

    education, with special attention to the need a) to develop the attitudes of teachers and

    educational leaders facing the innovation, including changes in valuation and in the role of ICT in

    educational practices, b) reconfigure teacher resilience through integration methodologies of ICT

    projects of rapid applicability in intervention contexts, c) promote the development of innovative

    activities in school, combining sustainability and disruption that allow integrating ICT ensuring

    temporal durability of strategies and new practices, while promoting breaks from the inside out,

    d) encourage cooperation between the various participants in the educational process, inducing

    the development of communities of interest and establishing support systems that help to

    prevent the failure of technical tools causes the failure of ICT integration initiatives.

  • ix

    ndice

    Lista de abreviaturas ............................................................................................................... xii

    Glossrio e desambiguao de termos ..................................................................................... xv

    Lista de figuras ....................................................................................................................... xvii

    Lista de quadros ....................................................................................................................... xx

    1 descoberta das TIC na educao ........................................................................................ 1

    1.1 Questo de investigao ................................................................................................. 3

    1.2 Motivao pessoal e contexto ....................................................................................... 11

    2 O mundo das TIC na educao ............................................................................................ 39

    2.1 Convergncia tecnolgica ............................................................................................. 39

    2.2 Caracterizao das TIC ................................................................................................. 45

    2.2.1 Emergncia .......................................................................................................... 45

    2.2.2 Fascnio ............................................................................................................... 50

    2.2.3 Equvocos, crenas e desafios .............................................................................. 52

    2.3 Integrao das TIC ....................................................................................................... 54

    2.3.1 Nas funes sociais .............................................................................................. 56

    2.3.2 No ambiente familiar ............................................................................................. 58

    2.3.3 Na educao ......................................................................................................... 61

    2.4 Incorporao do paradigma new life ..................................................................... 67

    2.4.1 Continuum analgicodigital ............................................................................... 71

    2.4.2 Continuum consumoproduo .......................................................................... 72

    2.4.3 Continuum aprenderaprender ........................................................................... 75

    2.5 O Squeak ..................................................................................................................... 80

    2.5.1 Identidade ............................................................................................................. 81

    2.5.2 Ecologia ................................................................................................................ 86

  • x

    2.5.3 Interoperatividade ................................................................................................. 89

    2.5.4 Acesso em linha .................................................................................................... 90

    2.5.5 Squeaklndia ........................................................................................................ 92

    2.6 Sntese ....................................................................................................................... 97

    3 Um mundo para as TIC na educao o contributo do Squeak Etoys .............................. 101

    3.1 Metodologia ............................................................................................................... 102

    3.1.1 Design ................................................................................................................ 102

    3.1.2 tica ................................................................................................................... 106

    3.1.3 Investigao-aco .............................................................................................. 109

    3.1.4 Histria de vida ................................................................................................... 111

    3.1.5 Estudo de Caso ................................................................................................... 120

    3.1.6 Instrumentos ...................................................................................................... 126

    3.2 Apresentao dos Casos e Resultados ........................................................................ 127

    3.2.1 Caso 1: O Squeak na formao de Professores (cursos de curta durao)............ 128

    3.2.2 Caso 2: E-Learning, auto-formao Squeak .......................................................... 133

    3.2.3 Caso 3: Utilizao do Squeak por alunos do Ensino Bsico e Secundrio ............. 142

    3.2.4 Caso 4: O Squeak na formao inicial de Professores .......................................... 145

    3.2.5 Caso 5: Parque Aventuras Digitais ....................................................................... 155

    3.2.6 Caso 6: O Squeak na formao ps-graduada de Professores .............................. 169

    3.2.7 Caso 7: Pilotagem Squeak na Escola Primria ..................................................... 172

    3.3 Anlise ....................................................................................................................... 191

    3.3.1 Identidade Squeak .............................................................................................. 193

    3.3.2 Potencial criativo ................................................................................................. 197

    3.3.3 Caractersticas dos Projectos ............................................................................. 201

    3.3.4 Limitaes .......................................................................................................... 206

    4 Consideraes finais .......................................................................................................... 209

  • xi

    4.1 Problemas e limitaes .............................................................................................. 211

    4.2 Sugestes para investigao futura ............................................................................. 213

    4.3 Concluso .................................................................................................................. 213

    4.3.1 Desenvolver atitudes face inovao .................................................................. 214

    4.3.2 Superar dificuldades ........................................................................................... 215

    4.3.3 Alimentar a disrupo ......................................................................................... 221

    4.3.4 Estimular a cooperao ....................................................................................... 223

    5 Referncias ....................................................................................................................... 227

  • xii

    Lista de abreviaturas

    1CEB 1. Ciclo do Ensino Bsico

    2D Bidimensional

    3D Tridimensional

    a.C. Antes de Cristo

    ADN cido Desoxirribonucleico

    APS Associao Portuguesa de Sociologia

    BD Banda Desenhada

    BMP Bitmap Image File

    CCUM Centro de Competncia da Universidade do Minho

    CD/DVD Compact Disc/Digital Versatile Disc

    CRIE Computadores, Redes e Internet nas Escolas (equipa de misso)

    CS Counter Strike (jogo electrnico)

    DAPP Departamento de Avaliao Prospectiva e Planeamento

    DESE Diploma de Estudos Superiores Especializados

    DGIDC Direco-Geral de Inovao Curricular

    DIB Device Independent Bitmap

    DLL Dynamic-link library

    EB1 Escola Bsica do 1. Ciclo do Ensino Bsico

    EB23 Escola Bsica do 2. e 3. Ciclo do Ensino Bsico

    EDUTIC Unidade para o Desenvolvimento das TIC na Educao

    ERTE/PTE Equipa de Recursos e Tecnologias Educativas/Plano Tecnolgico da Educao

    FCCN Fundao para a Computao Cientfica Nacional

    FTP File Transfer Protocol

    GIF Graphics Interchange Format

    GPA Grade Point Average

    GPS Global Positioning System

    GTA Grand Teft Auto (jogo electrnico)

    HTML Hypertext Markup Language

    HTTP Hypertext Transfer Protocol

    IBM-PC IBM Personal Computer

    IDE - Integrated Development Environment

  • xiii

    IEEE Institute of Electrical and Electronics Engineers

    ISP Internet Service Provider

    JPG e JPEG Joint Photographic Experts Group

    LAN Local Area Network

    LHC Large Hadron Collider

    Lic. Licenciatura

    LMS Learning Management System

    MSI Misso para a Sociedade da Informao

    MCTES Ministrio da Cincia, Tecnologia e Ensino Superior

    ME Ministrio da Educao

    MIDI Musical Instrument Digital Interface

    MP3 Moving Picture Experts Group Audio Layer 3

    MP4 ISO/IEC Moving Picture Experts Group Layer 4

    MPEG Moving Picture Experts Group

    MS-DOS Microsoft Disk Operating System

    MTLU Multimedia Teaching and Learning Unit

    NTIC Novas Tecnologias de Informao e Comunicao

    NUTS III Unidade Territorial Estatstica de nvel 3

    OLPC One Laptop per Child

    OS Operating System

    p Pgina

    PAD Parque Aventuras Digitais

    PC Personal Computer

    PDF Adobe Portable Document Format

    PHP Hypertext Processor

    PIPSE Programa Interministerial de Promoo do Sucesso Educativo

    PNG Portable Network Graphics

    pp. Pginas

    PTE Plano Tecnolgico para a Educao

    RAM Random Access Memory

    RCTS Rede Cincia, Tecnologia e Sociedade

    RSS Really Simple Syndication

  • xiv

    SO Sistema Operativo

    TDT Televiso Digital Terrestre

    TIC Tecnologias de Informao e Comunicao

    uARTE Unidade de Apoio Rede Telemtica Educativa

    UE Unio Europeia

    UMIC Agncia para a Sociedade do Conhecimento

    USB Universal Serial Bus

    VGA - Video Graphics Array

    VM Virtual Machine

    WYSIWYG What You See Is What You Get

    XO Childrens Machine

  • xv

    Glossrio e desambiguao de termos

    Termos Explicao

    Aldus PageMaker Primeiro programa para Edio Electrnica criado em 1985 para o Macintosh

    por Paul Brainard, fundador da Aldus. Em 1986 foi lanada uma verso para os

    computadores IBM.

    FarmVille FarmVille um jogo social em Flash constituindo um simulador de uma quinta

    em tempo real, desenvolvido pela Zynga, uma empresa de So Francisco,

    Califrnia. O FarmVille ganhou enorme projeco depois de ter sido

    disponibilizado na rede social Facebook.

    Google Maps Google Maps um servio Web de pesquisa e visualizao de mapas e imagens

    de satlite da Terra, disponibilzado pela Google, e.g. http://maps.google.pt.

    iPhone um Smartphone desenvolvido pela Apple.

    iPod uma marca da Apple, referindo-se a uma srie de leitores de udio digital. O

    "POD" a sigla de "Portable On Demand" e o "i" significa pessoal, "eu".

    iPad um dispositivo em formato Tablet produzido pela Apple, apresentado em 2010.

    Magalhes um computador porttil da famlia dos Netbooks, costumizado em Portugal

    pela parceria JP S Couto/Prolgica, baseado no modelo Classmate da Intel,

    destinado a ser usado por crianas do 1. Ciclo do Ensino Bsico. Recebeu esta

    designao em honra do navegador quinhentista Ferno de Magalhes.

    Mashups um stio Web que combina dados originados em mltiplas fontes, permitindo

    ao utilizador ter uma experincia de navegao mais envolvente e significativa.

    Moodle o acrnimo de Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment,

    Moodle uma plataforma de E-Learning, tambm identificada por Course

    Management System (CMS), Learning Management System (LMS) ou Virtual

    Learning Environment (VLE). O conceito foi criado em 2001 pelo investigador

    australiano Martin Dougiamas no mbito do seu projecto de doutoramento na

    Curtin University of Technology, Austrlia (Dougiamas & Taylor, 2009).

    MS Works Ou Microsoft Works, uma suite de produtividade domstica produzida pela

    Microsoft, com menores capacidades que o Microsoft Office. composta por um

    processador de texto, uma folha de clculo, uma base de dados muito acessvel

    e um mdulo de comunicaes. Entre 1986 e 1993 foram lanadas 3 verses

    MS Works para DOS.

    Mundo No Squeak Etoys todo o espao ou ambiente de trabalho da interface que pode

    ser utilizado para colocar objectos.

  • xvi

    Termos Explicao

    Netbooks A designao netbook usa-se para descrever um tipo de computadores portteis

    com peso e dimenses reduzidas e de baixo custo.

    newbie Ou noob ou n00b um termo ingls para significar algum sem experincia ou

    com poucos conhecimentos informticos, principalmente nas redes sociais,

    fruns e jogos em linha. O mesmo que novato.

    News um software de edio electrnica existente em finais da dcada de 1980. Era

    executado em MS-DOS.

    Plug-in Ou plugin um conjunto de componentes de software que se adicionam a

    software mais vasto para lhe conferir determinadas caractersticas novas.

    Pop-up uma janela ou caixa de dilogo que ao abrir se sobrepe pgina Web ou

    interface que a accionou.

    Projectos/

    Projectos Squeak

    So os ficheiros com extenso .pr que guardam os documentos multimdia

    produzidos em Squeak Etoys.

    QBasic QBasic um IDE e um interpretador da linguagem de programao estruturada

    Basic, baseado em QuickBASIC (Quick Beginner's All-purpose Symbolic

    Instruction Code), com o qual muitas vezes confundido.

    Scrooge McDuck Ou Uncle Scrooge, conhecido em Portugus por Tio Patinhas, uma

    personagem criada por Carl Barks, cujo carcter avarento se inspira em

    Ebenezer Scrooge, personagem principal do Conto de Natal "A Christmas Carol"

    de Charles Dickens, publicado em 1843. Na figura de um pato antropomrfico,

    Scrooge McDuck foi apresentado pela primeira vez em 1947 e popularizado pela

    Walt Disney (fonte: Wikipdia).

    Second Life um ambiente virtual tridimensional criado em 1999 por Philip Rosedale que

    simula em alguns aspectos a vida real e social do ser humano (fonte:

    lindenlab.com/).

    Segway um meio de transporte de duas rodas que funciona a partir do equilbrio do

    indivduo que o utiliza (fonte: Wikipdia).

    SixthSense 'SixthSense' uma interface gestual vestvel que aumenta o mundo fsico nossa

    volta com informao digital permitindo utilizar gestos naturais para interagir com

    essa informao (fonte: www.pranavmistry.com/projects/sixthsense/).

    Smartphone um telemvel avanado com sistema operativo aberto no qual os utilizadores

    podem integrar programas informticos personalizados.

    Street View um recurso Web associado ao Google Maps e ao Google Earth que permite a

    visualizao de imagens panormicas de 360 na horizontal e 290 na vertical.

  • xvii

    Termos Explicao

    Em algumas cidades o utilizador pode colocar-se virtualmente ao nvel do cho e

    deslocar-se nas ruas com realismo muito elevado.

    Tablet um dispositivo para comunicao e utilizao pessoal, com ecr tctil e

    formato de uma pequena prancha. Habitualmente permite o acesso a redes de

    informao (e.g. Internet e GPRS), organizao pessoal, reproduo multimdia e

    jogos.

    Touchpad um dispositivo sensvel ao toque utilizado nos computadores portteis para

    substituir o rato.

    Youtube O Youtube um stio Web fundado em 2005 por Chad Hurley, Steve Chen e

    Jawed Karim, que permite que os utilizadores carreguem e partilhem vdeos em

    formato digital (fonte: Wikipdia).

    Facebook uma rede social iniciada em 2004, pelas mos de Mark Zuckerberg, Dustin

    Moskovitz, Eduardo Saverin e Chris Hughes, na Universidade Harvard (fonte:

    Wikipdia).

    Lista de figuras

    Fig. 1 Ecr do jogo Pac-Man .............................................................................................. 14

    Fig. 2 Ecr de incio do QBasic ......................................................................................... 16

    Fig. 3 Pgina do stio Web da Universidade de Derby, em 1997 ........................................ 19

    Fig. 4 Ecr de um dos contos base de Para Gostar de Ler ......................................... 21

    Fig. 5 Ecr de entrada no SPAC Espao e estrutura .............................................. 22

    Fig. 6 Ecr inicial da actividade Conta comigo ....................................................... 23

    Fig. 7 Ecr de trabalho do Scribere .................................................................................... 24

    Fig. 8 HangMan. Dois ecrs do jogo de palavras, 2001 ...................................................... 25

    Fig. 9 Prottipo de livro de endereos, 2001 ...................................................................... 26

    Fig. 10 Dois ecrs do jogo Memorix, 2002 ......................................................................... 26

    Fig. 11 Pgina principal da actividade Gaud, visto daqui .......................................... 27

  • xviii

    Fig. 12 Ecr inicial da actividade A Minha rvore Favorita .......................................... 28

    Fig. 13 Esquema bsico de funcionamento do curso Pequenos Artistas ..................... 29

    Fig. 14 Ecr inicial do curso em linha Pequenos Artistas ............................................ 30

    Fig. 15 Ecr inicial da actividade o meu Dia da Europa .............................................. 31

    Fig. 16 Verso Portuguesa da actividade Casas Tradicionais da Europa .............................. 32

    Fig. 17 Um ecr do curso de Banda Desenhada ................................................................ 33

    Fig. 18 Ecr da verso 3.8 do Squeak ............................................................................... 34

    Fig. 19 Ecr inicial do Squeak Etoys costumizado para o projecto Squeaklndia ................. 36

    Fig. 20 Na escola no ano 2000, segundo a viso de Villemard, em 1910 ................... 46

    Fig. 21 Mquina de testes de inteligncia de Pressey ........................................................ 47

    Fig. 22 Esquema da Halcyon, mquina para ensinar a falar (Skinner) ................................ 48

    Fig. 23 Actividades integradoras das TIC (Uden, Richards & Gaevi, 2008) ...................... 61

    Fig. 24 C+S o degredo (graffiti na parede de uma escola EB23) .............................. 70

    Fig. 25 4 Fases da instruo eficaz de Merrill..................................................................... 79

    Fig. 26 Esboo do hipottico computador FLEX ................................................................. 81

    Fig. 27 Crianas com os seus Dynabook. Esboo de Alan Kay ............................................ 82

    Fig. 28 Maqueta do Dynabook idealizado por Alan Kay ....................................................... 82

    Fig. 29 Um objecto e o seu visualizador (Etoys) .................................................................. 84

    Fig. 30 Ecr de um projecto simulando um percurso labirntico ........................................ 85

    Fig. 31 Representao esquemtica de um projecto Squeak .............................................. 87

    Fig. 32 Tira de aces Squeak composta por trs mosaicos ............................................... 87

    Fig. 33 Todo o sistema Squeak, num computador com SO Windows .................................. 89

    Fig. 34 O Squeak, plug-in a correr no Internet Explorer 7.0................................................. 91

    Fig. 35 Esquema simblico do design da investigao realizada ....................................... 106

  • xix

    Fig. 36 Ecr da pgina do wiki do projecto Squeaklndia ................................................. 133

    Fig. 37 Pgina frontal da plataforma Moodle, utilizada no projecto Squeaklndia .............. 134

    Fig. 38 Ecr parcial do curso autnomo de iniciao ao Squeak....................................... 139

    Fig. 39 Ecr da galeria de projectos Squeak na plataforma Moodle .................................. 141

    Fig. 40 Espao de treino em linha com propostas de Projectos simples ............................ 142

    Fig. 41 Robs da srie Kit Robtico SAR - Roboparty 2007 e 2008 .................................. 144

    Fig. 42 Roamer ou tartaruga de solo........................................................................ 144

    Fig. 43 Ecr inicial tradicional do Squeak ......................................................................... 146

    Fig. 44 Primeira proposta de ecr inicial alternativo do Squeak ........................................ 147

    Fig. 45 Ecr inicial do Squeak actual, distribudo pelo projecto Squeaklndia .................. 148

    Fig. 46 Captura de ecr de um Projecto que aborda a roda dos alimentos ........................ 149

    Fig. 47 Ecr de um Projecto inovador de abordagem iniciao musical ......................... 149

    Fig. 48 Ecr de um Projecto Squeak realizado por uma aluna .......................................... 150

    Fig. 49 Ecr de Projecto com hiperligao a outros subprojectos ...................................... 153

    Fig. 50 Paraso Warrock (Frederico, 14 anos) ................................................................. 161

    Fig.51 The Universe (Helena, 13 anos) ............................................................................ 163

    Fig. 52 Ovnis (lvaro, 12 anos) ........................................................................................ 163

    Fig. 53 Animao: Noite e Dia (Tristo, 9 anos) ............................................................... 164

    Fig. 54 A Felicidade (Alfredo, 14 anos) ............................................................................. 166

    Fig. 55 A histria do Esquilo (Henrique, 11 anos) ............................................................ 167

    Fig. 56 Projecto: O Dirio de Duas Malucas (Andreia e Teresa, 13 anos) .......................... 168

    Fig. 57 Pac-Man (Eugnio, 13 anos) ................................................................................ 169

    Fig. 58 Ecrs de um Projecto colaborativo Professor - Aluno de Ed. Especial .................... 171

    Fig. 59 Ecrs de um Projecto colaborativo com aluno de Ed. Especial .............................. 171

  • xx

    Fig. 60 Ecr inicial do Squeak, verso Squeaklndia para Magalhes ............................... 173

    Fig. 61 Ecrs do jogo Grand Theft Auto ............................................................................ 175

    Fig. 62 Ecrs do jogo Counter Strike em linha (CS) .......................................................... 175

    Fig. 63 Manual Squeak (capa, aberto em pirmide e folha de registo) .............................. 178

    Fig. 64 Captura de ecr do Projecto com objectos que traam o seu percurso ................. 180

    Fig. 65 Pginas do Livro criado e ilustrado pelos alunos, no Squeak ................................. 182

    Fig. 66 Ecr da actividade exploratria DrGeo II ............................................................... 183

    Fig. 67 Alunos construindo o Tangram com o DrGeo ........................................................ 184

    Fig. 68 Ecr do Projecto Agenda, na fase final ......................................................... 185

    Fig. 69 Ensaio de um Projecto para auxiliar o clculo do tempo de uma viagem ............... 186

    Fig. 70 Dirio: 27-03-09 (Eduardo, 9) .............................................................................. 187

    Fig. 71 Projectos: No datado (Elisa, 10) ......................................................................... 189

    Fig. 72 Crculo simplificado de Bloom ............................................................................. 201

    Fig. 73 Aqurio animado (Paula, 9 anos, PAD)................................................................. 202

    Fig. 74 Trs momentos de uma simulao de navegao espacial com Joystick .............. 203

    Fig. 75 Jogo de conduo Nave Espacial (Tiago, 11 anos, PAD) ............................... 204

    Fig. 76 Alunos do 1. Ciclo usando o Magalhes no intervalo das actividades lectivas ...... 219

    Lista de quadros

    Quadro I Formas de Convergncia das TIC (Singh & Raja, 2010) ....................................... 41

    Quadro II IDH e acesso s TIC em alguns pases da OCDE ............................................... 56

    Quadro III Evoluo do papel dos consumidores (Prahalad & Ramaswamy, 2000) .............. 73

    Quadro IV Enquadramento operacional do design da investigao (March & Smith, 1995) 103

  • xxi

    Quadro V Mtodos de obteno de informao (Zelditch, 2006) ....................................... 105

    Quadro VI Questes ticas a acautelar na investigao (McNiff et al, 1996) ...................... 110

    Quadro VII Linhas da investigao autobiogrfica (Bullough Jr. & Pinnegar, 2001) ............ 118

    Quadro VIII Validade da investigao do auto-estudo (Feldman, 2003) .............................. 119

    Quadro IX Caractersticas do Estudo de Caso (Gerring, 2007) ......................................... 123

    Quadro X Caracterizao sumria dos casos de estudo (CEDEFOP, 2008) ....................... 127

    Quadro XI Cursos de Vero realizados em 2007 para divulgar o Squeak ........................... 129

    Quadro XII Distribuio dos formandos por grupos etrios ............................................... 136

    Quadro XIII Distribuio por NUTS III dos formandos dos cursos em linha ........................ 136

    Quadro XIV Profisso dos formandos inscritos nos cursos em linha .................................. 137

    Quadro XV Palavras usadas como motivao para a inscrio no curso ............................ 138

    Quadro XVI Caractersticas dos Projectos dos alunos em 2008/2009 ............................. 152

    Quadro XVII Caracterizao dos alunos participantes na pilotagem Squeak ....................... 174

    Quadro XVIII Dimenses (D) de anlise dos Casos estudados (C) ..................................... 192

    Quadro XIX Chave de leitura das fontes de informao utilizadas na anlise ..................... 193

  • xxii

    (esta pgina foi propositadamente deixada em branco)

  • 1

    1 descoberta das TIC na educao

    A infncia um ambiente imaculado de tempos fabulosos, uma idade geradora, a mais

    perfeita das idades humanas. A infncia vive sempre connosco mas a educao mata a infncia

    com o seu carcter uniformizador, filtrante, educador (Pascoaes, 1999, 2001). "Quantas vezes,

    nos meus sonhos, me vejo ainda como estpido menino, incapaz de decorar a gramtica,

    perante meu tio padre Sertrio, tambm um santo, mas professor, a fitar-me rspido por cima

    dos vidros, em aro de oiro, das lunetas? Quem no teve assim um padre-mestre, um homem

    vestido de luto, a empecer-lhe atravs da sua infncia madrugante?" (Pascoaes, 2002, p. 80).

    Teixeira de Pascoaes no tinha os professores em grande considerao, principalmente porque

    estava convencido que eles no permitem que as crianas vivam a sua infncia, no as deixam

    inventar, ser criativas, livres, enfim ser crianas para sempre. claro que por vezes h exageros

    nas palavras dos poetas, mas tambm h muita razo, muitas verdades subtis, que pela sua

    subtileza nem sempre levamos na devida conta.

    Ao longo da minha experincia de professor primrio, tentei no usar o manto com que

    Pascoaes vestiu os professores, principalmente os professores primrios, ou mestre-escola,

    conforme nos ajuda a compreender Jos Carlos Casulo, na obra dedicada filosofia da

    educao em Teixeira de Pascoaes (Casulo, 1997). A minha viso da escola e da educao

    bem menos ntida que a do poeta-filsofo, mas tambm tenho a perspectiva de que algumas

    intervenes educativas so demasiado condicionadoras do crescimento da criana, tendendo

    formatao de um determinado tipo de adulto, de um modelo uniforme, estatstico. Mas se a

    infncia pode viver connosco para sempre, cabe-nos a ns, professores, uma responsabilidade

    significativa na sua preservao e desenvolvimento. Com a prevalncia das tecnologias na

    sociedade, julgo que ainda mais urgente reflectir sobre este problema. Por isso, este trabalho

    procura estudar o caso do Squeak Etoys enquanto ambiente de autor que possibilita a

    descoberta e a compreenso de estratgias que facilitem a integrao das TIC na educao da

    criana de uma forma natural, potenciadora e sustentvel.

    A designao Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC) uma das mais indefinidas

    expresses que usamos actualmente: quando falamos genericamente de TIC, falamos no

    abstracto, de um conjunto de tecnologias que pode ser radicalmente diferente e ter funes

    tambm muito distintas, segundo cada um dos interlocutores. Frequentemente tomamos por

  • 2

    equivalentes as designaes TIC, Novas Tecnologias de Informao e Comunicao (NTIC) e

    Tecnologias de Informao (TI). Por isso, talvez seja adequado clarificar o conceito TIC, utilizado

    no mbito deste trabalho.

    O Dictionary of Computing (Collin, 2004), por exemplo, regista o termo Information

    Technology (IT, em Portugus: TI) como sendo "a tecnologia envolvida na aquisio,

    armazenamento, processamento e distribuio da informao por meios electrnicos, incluindo

    a rdio, a TV, o telefone e os computadores". Adrian Shepherd integra na famlia das TIC os

    computadores, os discos compactos (CD) e respectivos leitores, a Internet, os telemveis, os

    leitores de DVD, a televiso digital e os servios digitais de rdio (Shepherd, 2007). Em 1998,

    por necessidade de classificao das actividades econmicas, os pases membros da

    Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) concordaram definir o

    sector das TIC como uma combinao de indstrias de manufactura e de servios que

    capturam, transmitem e apresentam informao electronicamente (OECD, 2002) associando

    manufactura as funes de informar, processar e comunicar a informao, incluindo a sua

    transmisso e apresentao, utilizando o processamento electrnico para detectar, medir e/ou

    gravar fenmenos fsicos ou controlar processos fsicos. indstria de servios foi associada a

    funo de processar a informao e comunicar por meios electrnicos. Para Craig Blurton, as

    TIC so "um conjunto diversificado de ferramentas tecnolgicas utilizadas para comunicar e

    criar, disseminar, armazenar e gerir informao (Blurton, 1999, p. 46). No incio da dcada de

    1990, aprendi a chamar-lhes Novas Tecnologias e, confesso, que ainda me sinto inclinado a

    pensar que essa era uma boa designao, na medida em que, ao falar das TIC, hoje, no

    falamos rigorosamente das mesmas TIC de h cinco ou dez anos atrs. Contudo, considerando

    que a definio de Blurton a que est mais prxima do conceito que utilizo, doravante

    referir-me-ei apenas s TIC suportadas pelas tecnologias digitais, ou seja, s novas tecnologias

    de informao e comunicao suportadas por computador, com aplicao na educao.

    Neste captulo, para alm de ter apresentado o propsito, vou ainda delimitar a questo de

    investigao e explicar as motivaes do trabalho a que me propus.

  • 3

    1.1 Questo de investigao

    Em Portugal, o Plano Para a Sociedade da Informao apresentado em 2003 (Conselho de

    Ministros, 2003b), reconhecia claramente que as TIC desempenham um papel fundamental na

    sociedade.

    A realizao do potencial oferecido pelo desenvolvimento da Sociedade da

    Informao contribuir para melhorar as qualificaes e o conhecimento dos

    portugueses, aumentar a produtividade e competitividade das empresas,

    modernizar o aparelho do Estado e dinamizar a sociedade civil (...) atravs da

    massificao do acesso e utilizao segura da Internet em banda larga, da

    utilizao de novas formas de aprendizagem em todos os nveis de ensino, da

    disponibilizao de servios pblicos electrnicos, da orientao dos servios de

    sade para o cidado, da concretizao de novas formas de criar valor

    econmico e da disponibilizao de contedos atractivos e teis (UMIC, 2003,

    p1).

    Ainda que alguns autores defendam que a sociedade actual no uma verdadeira

    sociedade da informao mas a sociedade do capitalismo informacional por oposio ao

    capitalismo corporativo das primeiras dcadas do sculo XX (Webster, 2002), a verdade que a

    nossa dependncia da informao e dos recursos digitais que nos permitem aceder-lhe est

    cada vez mais entranhada em ns mesmos. No samos de casa sem o telemvel, um

    concentrado tecnolgico que incorpora um pouco de cada meio de comunicao de h duas ou

    trs dcadas atrs, mas muito mais eficaz. Com ele enviamos e recebemos mensagens escritas,

    ouvimos mensagens udio gravadas, consultamos a nossa agenda diria, acedemos caixa de

    correio electrnico, damos uma vista de olhos pelas edies em linha dos jornais dirios,

    consultamos o saldo bancrio, as notas escolares dos filhos, os resultados da lotaria, pagamos

    as propinas, a gua, a electricidade, os impostos e vemos um clip do filme que estreia no fim-de-

    semana com a naturalidade dos assduos frequentadores das salas da stima arte Entramos

    no automvel com Via Verde e, despreocupados, rolamos de cidade em cidade num frenesim

    interminvel No final do ms o relatrio das nossas viagens chegar por e-mail com a

    descrio pormenorizada das entradas e sadas nas portagens dos percursos dirios No

    emprego ou na escola as TIC so j parte do mobilirio pelo que no estranhamos que o

  • 4

    Ambiente de Trabalho imite perfeitamente um portal da Internet ou um catlogo de produtos

    sedutores que no temos a certeza de precisar. Os cones, as ligaes, as pastas e todas as

    ferramentas dispersas ou organizadas por categorias, do-nos a sensao de poder comandar o

    mundo. Sintonizamos uma rdio na Internet ou transferimos um podcast, vemos o Youtube ou

    um artigo multimdia do semanrio preferido e entramos na nossa rotina.

    De vez em quando assalta-nos a desconfiana de que esquecemos uma porta aberta em

    casa e acedemos ao stio da empresa de segurana com videovigilncia. Afinal est tudo em

    ordem. Perdo! H uma mensagem no Smartphone indicando de que algo entrou na

    lavandaria Procuramos um amigo ou um vizinho que esteja prximo e pedimos-lhe por

    telemvel que discretamente indague o que aconteceu Chegados a casa, descobrimos que

    todo o alarido foi provocado por um gato furtivo que se introduzira pela garagem quando o

    comando sem fios fez deslizar a porta de entrada. O aborrecimento de um dia perdido por causa

    de um gato compensado pelo prazer de poder planear uma escapadinha de fim-de-semana,

    aproveitando as tarifas reduzidas de uma companhia low cost. O destino est de tal forma

    documentado no stio Web da agncia promotora, com imagens tridimensionais, panormicas

    interactivas do hotel, hiperligaes para o Google Maps onde Mashups e RSS agregam

    informaes variadssimas, imagens de alta definio obtidas por satlite e fotografias dos locais

    mais tursticos partilhadas por outros viajantes, que podemos seleccionar os principais pontos de

    interesse e traar os melhores percursos com o Street View. Quando l chegarmos, guiados pelo

    confivel GPS do nosso Tablet, vai custar-nos reconhecer que nunca l estivramos

    Esta inocente fico serve para introduzir a viso de uma sociedade envolvida pelas TIC, de

    tal forma natural que muitas vezes no damos pela sua presena, pelo menos at falharem. Aos

    Game Boy de 1990 e aos brinquedos robotizados que repetiam ininterruptamente um tema

    musical do top ou clichs do quotidiano infantil, sucederam os leitores portteis MP3 e MP4, as

    consolas de jogos em linha com acelermetro e reconhecimento de movimentos tridimensionais,

    os telemveis inteligentes de ecr tctil com acesso Internet e jogos interactivos em rede, com

    GPS, capazes de fazer videochamadas, de gravar vdeo e de sintonizar televiso em alta

    definio, por exemplo. Qualquer deles suficientemente pequeno para viajar incgnito nos

    bolsos do mnimo bluso ou mochila escolar e, ao mesmo tempo, suficientemente potente

    para suplantar o mais avanado computador da nossa infncia. No podemos estranhar,

    portanto, que [guiadas] por instintos de independncia e frustradas pela dependncia na

  • 5

    aprendizagem, as crianas [estejam] a agarrar apaixonadamente a chave para a liberdade da

    aprendizagem (Papert, 1997, p. 26).

    A observao das crianas no seu habitat mostra que muitas so atradas pelas novas

    tecnologias de uma forma quase impulsiva, apesar de a escola ter dificuldades para as integrar

    nas aprendizagens e dessa forma colaborar na edificao do homo sapiens digital de Prensky.

    Contudo, com um melhor conhecimento das estruturas e dos mecanismos neuronais e

    hormonais e os utenslios lgicos dos computadores, com as super-redes interligadas entre todos

    os pontos da Terra e arredores, de esperar que os homens consigam inflectir o seu destino

    (Caillaud, 1999, p. 204), ainda que, como refere Joo Pedro da Ponte na introduo a A

    Famlia em Rede, [para] Papert, o efeito positivo ou negativo das tecnologias uma questo

    em aberto, dependendo muito da aco consciente e crtica que venha a ser feita pelos seus

    utilizadores (Papert, 1997, p. 8). A escola tomou-se numa entidade tcnica permeada por vias

    'tcnicas' de pensamento, mesmo quando no usa qualquer 'tecnologia', como referiam Papert e

    Harel (Papert & Harel, 1991), sendo necessrio libert-la da sua forma tcnica e o professor do

    seu papel tcnico, para que a educao progrida. Esta paradoxal afirmao, evidencia uma

    escola que se tornou tecnocntrica na medida em que se submeteu a currculos fechados

    ditados ao professor e que o professor, por sua vez, passou a cumprir a sua funo de 'tcnico'

    que executa as tarefas que lhe so propostas. Perante um quadro to desanimador, [creio] que

    o nico caminho plausvel para uma educao humanista num futuro prximo, envolve o uso

    extensivo de computadores. A tecnologia pode enfraquecer o tecnocentrismo. Uma infra-

    estrutura tecnolgica forte permite uma metodologia menos tcnica no sistema (Papert & Harel,

    1991, p. 18).

    Os projectos de reforma que se tm sucedido em Portugal apontam quase invariavelmente

    para a urgncia de integrar as TIC nas actividades educativas. Os recentes programas e.escola

    (Conselho de Ministros, 2008, 2011) e e.escolinha (ME, 2008), no dissociam do acesso ao

    equipamento o acesso rede por banda larga, reforando a importncia das TIC e da Internet na

    formao dos cidados portugueses, visando evitar a ciso social digital. A respeito da Internet,

    Sherry Turkle afirmara que [] outro elemento da cultura do computador que contribui para

    encararmos a identidade como multiplicidade. [Na Internet], as pessoas tm a possibilidade de

    construir uma personalidade alternando entre muitas personalidades diferentes (Turkle, 1997,

    p. 263). Hoje, apesar da capacidade das redes e da integrao convergente de quase todos os

    media na mesma interface, continua a ser pertinente e at urgente a principal proposio

  • 6

    construtivista que Peter Sutherland (1997) apontava, segundo a qual a criana forma a sua

    verso da realidade atravs de um processo activo de construo do seu prprio conhecimento,

    a partir das suas experincias peculiares. Vygotsky (1991) fora um pouco mais profundo na

    maneira de entender a relao entre sujeito e objecto, afirmando que no processo de construo

    do conhecimento o sujeito no apenas activo, mas interactivo e, na troca com outros sujeitos e

    consigo prprio, vai interiorizando conhecimentos, papis e funes sociais, que lhe permitem

    produzir conhecimento e a prpria conscincia. Partindo destes pressupostos, Vygotsky define a

    existncia de uma Zona de Desenvolvimento Prximo que deve ser considerada na prtica

    pedaggica, como sendo "a distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma

    determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento

    potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em

    colaborao de companheiros mais capazes" (Vygotsky, 1991, p. 112). Quando algum no

    consegue realizar sozinho determinada tarefa, mas o faz com a ajuda de outros parceiros mais

    experientes, est a revelar o seu nvel de desenvolvimento prximo, que j contm aspectos e

    partes mais ou menos desenvolvidas de instituies, noes e conceitos. Integrar, tem sido

    pedra de toque da nossa existncia enquanto seres aprendentes e, em relao s TIC, acredito

    que tambm no podemos dissociar a sua integrao do carcter humano, embora associ-las

    criatividade implique reconhecer as suas potencialidades e vicissitudes.

    Como referia Papert, todas as crianas que tm em casa um computador e uma forte

    cultura de aprendizagem so agentes de mudana na escola (Papert, 1997, p. 223), logo,

    incluir no processo de aprendizagem o sentido de aprender a pensar e a reflectir um objectivo

    que tem que ser realizado nos contextos do sculo XXI, sob pena de perpetuarmos uma escola

    que traumatiza as crianas porque as obriga a deixarem de aprender para se deixarem ensinar,

    como reconheceram, apesar do exagero da ideia, Seymour Papert e Paulo Freire nos debates

    sobre o futuro da escola (Moreno & Rosso, 1995) realizados em 1980, na Pontifcia

    Universidade Catlica de So Paulo, no Brasil. Manifestando tambm preocupaes sobre a

    forma como a escola interfere na aprendizagem das crianas, Piaget (1965) referia que as

    funes essenciais da inteligncia consistem em compreender e inventar, ou, por outras

    palavras, em levantar estruturas estruturando a realidade, no sentido do andaimamento cognitivo

    de Wood, Bruner e Ross, (1976) necessrio aprendizagem. Reportando-se s TIC, Yelland e

    Masters afirmam que o andaimamento cognitivo, afectivo e tecnolgico beneficia a

    aprendizagem que as crianas realizam atravs da partilha de estratgias e da articulao de

  • 7

    raciocnios entre si. Ento, quais so as estratgias que se manifestam como factores de

    sucesso na integrao das TIC na educao das crianas? Qual o lugar dos computadores na

    construo do conhecimento a partir da resoluo de problemas? A respeito desta ltima

    interrogao, Bruner afirma-se convicto de que o professor necessita de uma vasta quantidade

    de competncias para levar o aluno a descobrir por si mesmo como andaimar as tarefas,

    assegurando que apenas so deixadas sem soluo as partes da tarefa que a criana pode

    realizar, numa clara aluso necessidade de equilibrar o desafio com a descoberta, que

    tambm se aplica integrao das TIC na educao. Quanto s mudanas que os

    computadores podem provocar na forma como as pessoas aprendem, Papert, cr no se tratar

    de simples mudanas curriculares ou de resultados de testes. Incluem alteraes nas relaes

    humanas, mais fortemente ligadas aprendizagem, relaes intrafamiliares entre geraes,

    relaes entre professores e alunos e relaes entre pares com interesses comuns (Papert,

    1997, p. 42).

    Actualmente, as oportunidades de educao informal e as actividades de complemento

    curricular, entre outras, ocupam quase o mesmo tempo que as actividades formais no percurso

    escolar das crianas. Em Portugal, as crianas do ensino primrio permanecem no mnimo 8

    horas dirias na escola, conforme definido pela iniciativa do Ministrio da Educao conhecida

    como Escola a Tempo Inteiro (ME, 2006a). H escolas que promovem a integrao das TIC

    em actividades extracurriculares e de complemento curricular, apoiadas pelo Estado, pelas

    Autarquias ou por Associaes de Pais, no entanto, as mesmas escolas no conseguem ter o

    mesmo nvel de oferta nas actividades curriculares obrigatrias (cf. Departamento da Educao

    Bsica, 2004; ME, 2006b). A verificar-se que uma das maiores contribuies do computador

    a oportunidade para as crianas experimentarem a excitao de se empenharem em perseguir

    os conhecimentos que realmente desejam obter (Papert, 1997, p. 43), no estar a escola a

    negligenciar a sua misso? Podemos assentar esta suspeita em reflexes de Papert:

    A aprendizagem tem adquirido m fama, devido a prticas empobrecedoras da

    escola e mesmo actuao de pais que adoptam insistentemente a divisa de

    Agora aprende. Podes brincar mais tarde. No entanto, uma das melhores

    coisas que o computador pode fazer consiste na inverso desta perspectiva e

    na restaurao do tipo de satisfao em aprender que se observa numa criana

    em idade pr-escolar, ou num cientista. Ambos esto sempre a aprender, so

    conscientes disso e adoram (Papert, 1997, p. 82).

  • 8

    Ao pretender com este trabalho de investigao contar e analisar o meu percurso em busca

    das TIC na educao, assumo a sua importncia como evidente e comprovada por muitos

    investigadores na aprendizagem das crianas. Com Papert (Papert, 1980, 2005; Papert &

    Solomon, 1971) aprendemos a pensar sobre como pensar sobre tecnologia e aprendizagem, os

    micro mundos e a cultura matemtica dos computadores, a criar um relacionamento mais

    pessoal e menos alienatrio com o conhecimento e a inovar procurando encontrar com os

    computadores coisas melhores para as crianas fazerem e melhores formas de as levar a

    pensar sobre formas diferentes de elas prprias fazerem essas coisas. Em Sherry Turkle (Turkle,

    2005; Turkle & Papert, 1990) encontramos a diversidade nas prticas com os computadores

    que a construo social nega, usando abordagens concretas e pessoais do conhecimento que

    esto longe dos esteretipos culturais da matemtica formal e perto da relao entre o pintor e a

    sua tela. As TIC catalisam mudanas, no apenas no que fazemos, mas na forma como

    pensamos sobre o pensamento humano, a emoo, a memria e a compreenso, colocando os

    computadores na fronteira entre o inanimado e o animado. Alan Kay (Kay, 1972, 2002, 2007a;

    Kay & Goldberg, 1977, 2003) ofereceu-nos o computador pessoal antes de o termos sequer

    imaginado e tornou-o porttil, flexvel e acessvel s crianas. Props-nos um conceito de

    relacionamento pessoal e dinmico com os media. Tornou-nos autores de TIC e reensinou-nos a

    aprender fazendo, com o Squeak Etoys. Gavriel Solomon (Salomon & Gardner, 1986; Salomon &

    Perkins, 1996) ajuda-nos a desmistificar o papel das TIC e alerta para o facto de que os alunos

    usam estratgias prprias, activas, e construes intelectuais prvias na abordagem das

    tecnologias que lhes advm de experincias e assumpes anteriores. Mitchel Resnick (Resnick,

    2007; Resnick & Rusk, 1996) aponta-nos conscincia o fosso que estamos a cavar entre ricos

    e pobres, considerando ricos os que tm acesso e pobres os que no tm acesso s TIC. Avisa-

    nos para os desafios do mundo digital em que nos envolvemos e prope o "pensamento criativo

    em espiral", processo pelo qual imaginamos o que queremos fazer, criamos projectos com base

    nas nossas ideias, brincamos com as nossas criaes, partilhamos ideias e criaes com outros

    e reflectimos sobre as nossas experincias, chegando assim imaginao de novas ideias e de

    novos projectos com TIC. Nicholas Negroponte (Negroponte, 1995; Negroponte, Resnick, &

    Cassell, 1999) apresenta-nos a sua viso sobre o futuro das tecnologias digitais na mediao

    social. Especular sobre como podem e como devem evoluir as TIC e antev o impacto que tero

    nas nossas vidas. A digitalizao, entre muitas outras vantagens, permite corrigir deficincias de

    comunicao e comprimir dados, facilitando a nossa mobilidade e o acesso informao, ao

  • 9

    mesmo tempo que transfere os maiores desafios do campo tcnico para o campo criativo e

    desloca o poder/dever de censura/crtica da esfera de aco do emissor para a do receptor.

    Profissionalmente, encontrei nas TIC funes de suporte educativo pouco exploradas e,

    admitindo que esse reconhecimento pouco mais era que uma suspeita, no deixei de lhe

    dispensar ateno particular. Intrigava-me que no ambiente que me rodeava se utilizassem

    tecnologias que a escola ignorava ou mantinha guardadas nos armrios e arrecadaes. No

    escondo o fascnio que as mquinas sempre me provocaram mas, nos rdios a pilhas, nos

    gravadores de cassetes udio ligados ao Sinclair Spectrum e ao televisor a preto e branco do

    incio de 1980, havia algo mais que o fascnio da curiosidade. Desperdiado nessas tecnologias,

    havia uma espcie de poder desafiador de que procurei apropriar-me quando me iniciei na

    profisso de educar. Em busca dessa apropriao, tenho seguido por caminhos desconhecidos

    e, em rigor, no sei bem se cheguei a algures, mas a conscincia de que deveria ter uma viso

    mais clara sobre os meus empreendimentos e sobre as razes que me guiaram, desaguou neste

    projecto de trabalho em que actuo como criador de contedos digitais, como investigador, ou

    com ambas as funes.

    Enquanto professor, tenho procurado integrar as TIC nas actividades educativas de uma

    forma natural, contextualizada, ponderada e flexvel, seguindo um design participado pelos meus

    alunos, no espectro das sugestes de Allison Druin (Druin et al., 2002; Druin & Solomon, 1996;

    Druin, Stewart, Proft, Bederson, & Hollan, 1997), evitando o tecnocentrismo criticado por Papert

    (Papert, 1987, 1990), visando obter nveis mais elevados de eficcia, contento e eficincia. Por

    gostar de aprender, tenho uma atitude proactiva em relao minha prpria aprendizagem, mas

    costumo resistir a desperdiar tempo e esforo com o que no me d prazer estudar. Admito

    que, em abstracto, considere que aprender agradvel, quando o acto de aprender tem

    finalidade, objectivos, mtodo e acontece com equilbrio entre o esforo e o resultado. Gosto

    muito de ensinar e, da mesma forma que sucede com o aprender, o ensino tem que ir alm de

    ensinar, de servir conhecimento. Considero maador o exerccio de tentar ensinar quem no

    quer aprender e, referindo-me a mim prprio, tambm considero que para querer aprender

    necessrio mais do que a obrigao e do que a oportunidade de aprender, preciso ligar as

    duas coisas com o interesse ou com a motivao. Neste sentido dialctico de aprender e

    ensinar, utilizar as TIC tem sido uma experincia enriquecedora, com inmeros obstculos, uns

    difceis de transpor, outros inultrapassveis, mas a maioria vencidos pela persistncia que

    costumo empregar nos meus empreendimentos, com a ajuda de outros, conhecidos ou

  • 10

    annimos e com algum destemor e audcia para experimentar. Desde que, em 1995, passei a

    ter acesso regular Internet, habituei-me a procurar ajuda nas comunidades de utilizadores em

    linha para os meus problemas com as TIC. Por ter sido normalmente bem sucedido, valorizo

    muito a partilha, das dificuldades e das respectivas solues.

    Retomando as reflexes de Papert (1997, p. 35), assinalando que as crianas esto para a

    programao de computadores como os peixes para a gua, ou que entram na programao

    como os patos na gua (Papert, 1996, p. 12), especialmente se a abordagem for adequada,

    preocupa-me que a escola no preste suficiente ateno a essa realidade. Como referia

    Pascoaes (2001, pp. 64, 87), a infncia uma recordao de Deus a materializar-se em jogos

    e brinquedos e todos somos originariamente uma criao da nossa fantasia, que a escola

    tem a responsabilidade de alimentar para que as crianas se faam gente sem perder a infncia.

    Afinal, a investigao confirma a importncia das TIC na aprendizagem, as crianas interessam-

    se activamente pela utilizao das TIC, h professores genuinamente preocupados com a sua

    integrao na educao, mas nada acontece. Desejando contribuir para mudar este panorama

    tentarei colaborar na construo de uma escola mais significativa e acolhedora das necessidades

    das crianas convicto de que as TIC me tm ajudado a ser melhor profissional e mais igual

    como cidado. adopo de uma atitude de procura contnua, deliberada e mais interrogativa

    sobre o efectivo potencial das TIC procuro agora acrescentar alguma reflexo, questionando:

    Que factores influenciam a integrao natural, equilibrada e coerente das TIC na educao?

    Como facilitar a integrao natural, sustentvel e coerente das TIC na educao da criana?

    Na expectativa de procurar respostas a estas questes, organizo esta dissertao em torno

    de uma narrativa centrada na primeira pessoa, porque creio que serei mais autntico se contar a

    histria da minha relao pedaggica com as TIC e as estrias e as preocupaes que me

    trouxeram. F-lo-ei em quatro captulos principais, contextualizando a motivao pessoal no

    primeiro captulo, onde tambm enfatizo a minha histria profissional e a relao de confiana e

    cumplicidade que estabeleci com as Tecnologias de Informao e Comunicao, por assim

    dizer, a origem das minhas questes de investigao, na esperana de que sejam teis para

    outros profissionais e investigadores.

    No segundo captulo apresento de forma relativamente sucinta e simples algumas

    perspectivas da utilizao das TIC na educao e nos contextos formais, no-formais e informais

    envolventes da educao das crianas. No final desse captulo fao uma referncia especial ao

  • 11

    Squeak, que se tornou ferramenta essencial ao projecto de investigao a que me propus, mas

    tambm abordo a integrao das TIC em vrios exerccios de cidadania, com o paradigma "new

    life" no horizonte.

    Dedico o terceiro captulo ao contributo do Squeak na construo de um Mundo para as TIC

    na educao, estudando casos de integrao das TIC em actividades de aprendizagem, em que

    denominador comum a utilizao do Squeak Etoys. Apresento sete casos de utilizao deste

    sistema de desenvolvimento em contextos formativos que cobrem momentos formalmente

    organizados e outros de utilizao informal do software. A intencionalidade o trao comum que

    gostaria de destacar em todos os casos. Este captulo apresenta uma estrutura que poderia ser

    dividida em vrias outras. Numa fase inicial equacionei a sua diviso numa parte destinada s

    questes metodolgicas e de design da investigao e outra descrio e anlise dos casos

    estudados, contudo, mais tarde conclu que seria melhor no fragmentar o texto e essa

    determinao levou-me a juntar o design investigacional, os casos e a sua anlise.

    O quarto captulo destina-se s consideraes finais que o trabalho merece, abordando a

    algumas limitaes do estudo, sugestes de investigao para o futuro, que me pareceram

    pertinentes e as concluses deste projecto de trabalho.

    1.2 Motivao pessoal e contexto

    Em 1990 usei o computador para programar as minhas actividades de professor primrio,

    para fazer os planos de aula, registar os progressos dos meus alunos e produzir as fichas de

    informao que se entregavam aos pais ou encarregados de educao. O computador tinha

    ento a funo de meu secretrio que, embora inicialmente tornasse as tarefas mais

    demoradas, me ajudava a realiz-las com maior eficcia e muito melhor esttica. Aprendi de

    forma absolutamente autnoma a criar bases de dados simples, para registo da informao do

    aproveitamento e progresso dos alunos. A sua utilizao dava-me uma maior conscincia de

    justia nas avaliaes porque me permitia registar os mesmos itens para todos usando uma

    escala de apreciao comum. A consulta das bases de dados acabava por levar-me ao

    questionamento e reviso de alguns aspectos da aprendizagem dos meus alunos. Por outro

    lado, essas ferramentas libertavam-me da tarefa rotineira de reescrever manualmente, em cada

    dia, um conjunto de objectivos curriculares definidos pelo Ministrio da Educao. Considerava

  • 12

    esse tempo de cpia manuscrita uma perda de tempo que, simultaneamente, me cansava,

    desiludia e desinspirava enquanto professor da escola primria. Para alm de o plano dirio

    raramente poder ser executado como fora pensado, em virtude das circunstncias ou

    acontecimentos imprevisveis que ocorriam na turma, era uma espcie de castigo antecipado e

    inconsequente. Dessa tarefa obrigatria, talvez s aproveitasse o desenvolvimento da rotina de

    planear, no a competncia, j que era mais valorizado o facto de ter ou no sido cumprido o

    plano do dia anterior do que o registo e a anlise dos acontecimentos dirios.

    Utilizava um computador com disco rgido de trinta megabytes que tinha sido adquirido em

    finais de Dezembro de 1989, com apoio de um banco privado que nessa altura estava a

    implantar-se em Portugal. Sim, com apoio financeiro, porque, nessa altura, um sistema

    computacional com as caractersticas mnimas de funcionalidade, um monitor policromtico VGA

    e uma impressora de agulhas bem melhor que as impressoras de margarida , custava o

    equivalente a dez dos meus salrios mensais. Uma fortuna! Um rombo nas economias da casa e

    uma extravagncia incompreensvel para alguns familiares e para a maioria dos meus colegas de

    profisso. Diziam-me que, com aquele dinheiro, faria umas frias de sonho fora do pas e, em

    vez disso, ia ter que aprender a usar o computador para no fazer nada com ele. Que gozo!

    Senti-me, de facto, um tanto louco e irresponsvel, at porque j tinha um filhote a caminho

    da escola e, provavelmente, esse desperdcio iria comprometer a sua qualidade de vida futura.

    Mas, na realidade, via naquela mquina endeusada ou demonaca, um excelente substituto para

    a mquina de escrever que usava desde a adolescncia, enquanto secretrio dos meus colegas

    de turma para bater mquina as resmas de sebentas gatafunhadas por alguns dos melhores

    professores que tive e que, entretanto, tinha levado para a sala de aula para possibilitar que os

    meus alunos escrevessem de facto os caracteres impressos exigidos na aprendizagem da

    escrita. Custava-me dizer-lhes que tinham que escrever, manuscritamente, a letra de imprensa

    para se habituarem a identific-las nos livros. Custava-me ainda mais ter que improvisar o

    desenho de uma pgina inteira de texto ou as questes para os testes que dava aos alunos,

    seguindo as boas prticas que a comunidade docente mais experiente me apontava.

    Vivia-se ento, uma poca que marcou a reforma educativa em Portugal. O Programa

    Interministerial de Promoo do Sucesso Educativo (PIPSE), criado por resoluo do Conselho

    de Ministros (Presidncia do Conselho de Ministros, 1987), comeara a trazer os computadores

    para a escola, promovendo a formao de professores em Informtica. Dizia-se! Ainda que a

  • 13

    oferta no fosse massificada, sobravam sempre lugares nas turmas que se organizavam sob a

    orientao das primeiras empresas de informtica que apareceram na provncia.

    O projecto Meios Informticos no Ensino Racionalizao Valorizao Actualizao (ME,

    1985) conhecido pelo acrnimo MINERVA, que se iniciara em 1986, tinha uma funo de

    suporte e promoo das TIC mas, em alguns pontos do pas, tinha-se circunscrito aos crculos

    de influncia dos respectivos plos, geralmente nas capitais distritais. Em 1988, regressado

    escola, depois de um destacamento na Educao de Adultos onde tive o primeiro contacto

    profissional com os computadores de ecr verde, tinha feito alguns contactos na tentativa de

    obter para a escola em que leccionava o apoio de um dos plos MINERVA, mas as respostas

    foram negativas. No era possvel! Demoveram-me dessa inteno argumentos de que a escola

    estava geograficamente muito distante.

    Percebi claramente que a interioridade constitua um grande obstculo no acesso s TIC e

    que teria de encontrar formas alternativas para no ficar excludo. Assustava-me a condenao

    perptua rudeza da escola primria que conhecia das aldeias por onde tinha j passado.

    Inscrevi-me ento num curso de informtica, MS-DOS, numa software-house que, aos olhos dos

    professores do meu tempo, liderava os avanos tecnolgicos na minha terra. Frequentei todos os

    minutos do curso, dado em ritmo caracolado em honra dos dees que me acompanhavam. No

    final do curso chegaram as frias e resolvi explorar o mago da mquina. Abri cada programa

    que consegui descobrir, li os manuais de fio a pavio e cheguei concluso de que, realmente,

    aquilo era pouco mais que uma mquina de escrever muito cara!

    Entretanto a empresa formadora resolveu abrir uma loja de informtica para vender ao

    pblico e esse local passou a ser o meu espao de lazer. Todos os minutos sobrantes da vida de

    um professor em incio de carreira, com a mania dos computadores, eram passados a

    bisbilhotar as novidades dos catlogos e em tertlias com outros clientes com manias

    semelhantes s minhas. Um dia queixei-me de que, afinal, o computador no tinha muito mais

    que o Pac-Man (Fig. 1), e que o Wordstar era muito engraado mas limitado para o uso que lhe

    queria dar. Mil vezes me arrependi de ter gasto aquela exorbitncia num caixote de lata feito na

    Malsia. Foi ento que algum me falou do Works. Diziam-me que tinha base de dados e um

    programa de desenho. Est-se mesmo a ver que s descansei quando obtive a caixinha de

    disquetes com o programa. Foi a que verdadeiramente percebi que o computador talvez no

    fosse nada do que parecia. Do MS Works ao Boeing, um fabuloso gerador de grficos

  • 14

    tridimensionais apresentado em 1987 (Walkenbach, 1987) e ao News, um editor de texto de que

    desconheo a origem, mas que identifico como rudimentar sistema de edio electrnica, que

    permitia incluir imagens, texto e alguns grafismos, foi um pulinho.

    Fig. 1 Ecr do jogo Pac-Man

    Em 1991 tinha j inserido todo o programa do ensino primrio numa base de dados do

    Works e produzia os meus planos de aula dirios mesclando, na vspera, a base de dados no

    editor de texto. Entretanto, resolvi tambm um grave problema de que as impressoras padeciam

    ao no imprimirem os caracteres especiais portugueses como o c cedilhado ou as letras com

    til, quando descobri como configurar a impressora para funcionar no modo Proprinter,

    combinando o alinhamento de um grupo de micro interruptores que se alojavam na retaguarda

    da Philips Proprinter. A informao estava toda nos manuais, mas quem que os lia? Passei a

    imprimir e a arquivar os meus planos dirios, os meus testes e as fichas de informao que

    entregava aos pais no final do trimestre e esperava, ansioso, pela visita do Inspector que me

    haveria de pedir esses documentos, com aquela pose repressora que punha histricas as

    minhas colegas mais velhas. Queria perceber se estava ou no a ser bom professor, se poderia

    continuar assim ou se seria melhor descer do Olimpo e fazer como via fazer, tomando como

    lema de vida a mxima do desenrascado. Finalmente chegou o dia. O Inspector foi escola e

    quis ir minha sala de aula. Pediu-me tudo: processos de alunos, planos e avaliaes. Fui ao

    armrio do fundo da sala, abri a portinhola envidraada, retirei o dossier de argolas e entreguei-

    lho. Perguntou-me o que era, como se eu no estivesse j a contar com esse inqurito e enfiou

  • 15

    literalmente a cara naquelas folhas de papel contnuo separadas pelo picotado. Algum tempo

    depois saiu. Apanhei-o ainda na porta e perguntei-lhe o que que tinha a dizer, que reparo fazia

    ao meu trabalho e o que que me aconselhava, entre outras perguntas de circunstncia. Tive

    resposta pronta: Meu caro, na sala de aula, o professor quem sabe disse com segurana e

    sem qualquer laivo de superioridade. O inspector no sabe nada! concluiu. Estranhei e

    perguntei se poderia continuar a usar aquele sistema de trabalho. Sim, disse-me, mas era

    melhor que a informao aos pais fosse feita em impressos prprios que a delegao escolar

    mandava para a escola.

    Aquela exigncia consumiu-me alguns dias na explorao do modelo impresso e na procura

    da soluo para fazer coincidir a impresso nas quadrculas, mas no fui derrotado. Alguns

    meses mais tarde comecei at a ser contactado por colegas de profisso, que vinham de

    localidades afastadas procura do programa de computador que fazia os planos de aula. Ainda

    hoje no sei como essa rede foi construda, mas sei que era uma rede de interesses, ou

    comunidade, como se denomina agora, que servia de motivo para se passarem horas de

    conversa sobre o futuro dos computadores na escola, as suas potencialidades e os seus

    desafios. E foi por esse caminho que descobri a msica sintetizada que, em tempos, me

    subtraiu largas horas de sono e da companhia familiar. Contudo, em relao educao, sentia-

    me numa ilha deserta. minha volta poucos usavam o computador e menos ainda o usavam

    para trabalhos da escola, era mais para jogar e fazer os testes que depois se policopiavam.

    Outros, nem isso faziam, argumentando que a impressora era um perifrico sem interesse e

    caro, logo no tinham tal aparato. Convenci-me que teria que aprender mais sobre esse mundo

    misterioso dos computadores e folheei cada jornal procura dos anncios de cursos que as

    Universidades costumavam colocar. Procurava um que inclusse computadores e que me

    aceitasse como aluno, uma vez que, nesse tempo os professores primrios no existiam no

    sistema educativo: no eram bacharis nem licenciados. Aos olhos da sociedade no sabiam

    fazer mais nada do que dar aulas na primria, s acediam Universidade em virtude do curso

    do Magistrio Primrio se houvesse vagas supervenientes. A designao professor ou professora

    primria carregava um sentido pejorativo que, para alm de injusto, me irritava solenemente.

    Em 1993 matriculei-me na Universidade do Minho, num curso que conferia o Diploma de

    Estudos Superiores Especializados (DESE) em Novas Tecnologias e Imagem. Apesar de decorrer

    a mais de sessenta quilmetros do meu local de trabalho e de funcionar em horrio ps-laboral,

    tinha absoluta conscincia de que era a que iria encontrar os outros ndios que me ajudassem

  • 16

    a descobrir a tribo a que pertencia. O primeiro contacto com os colegas da turma deixou-me

    uma mistura estranha de sensaes. Alguns tinham uma experincia de utilizao dos

    computadores bastante inferior minha, enquanto outros falavam de computadores e de

    programas informticos que nunca tinha visto nem sonharia existirem. Nessa altura senti-me

    bastante perplexo porque temi que me tivesse enganado novamente. Afinal, aquele curso, talvez

    no me desse o que eu esperava das novas tecnologias. Essa crena assediou-me

    frequentemente porque, do ponto de vista tecnolgico, os contedos curriculares pareceram-me

    relativamente escassos, embora o curso acabasse por me permitir construir uma viso mais

    consciente da funo das TIC na educao, para alm de validar as competncias que j tinha

    na utilizao tecnolgica do computador. Tinha umas noes de programao em QBasic (Fig.

    2), sabia usar rudimentarmente uma base de dados e interrog-la. Sabia utilizar uma folha de

    clculo, incluindo a famosssima Lotus 123, utilizava com bastante confiana o processamento

    de texto, sendo meus favoritos o MS Works, o Aldus PageMaker e o News.

    Fig. 2 Ecr de incio do QBasic

    Tenho que confessar que nessa altura no tinha noo de que o software era pirateado.

    Mas o procedimento de aquisio era simples: comprvamos as disquetes e os amigos

    passavam-nos os programas copiados. Descobri bastante mais tarde que esse procedimento era

    um acto ilegal.

    O DESE foi como que um detonador da minha paixo pela tecnologia educativa.

    Ocorriam-me inmeras ideias para a sua aplicao e sentia-me como que a recomear um

    percurso interrompido, algures no tempo. Talvez no meu tempo de liceal inconformado,

  • 17

    idealista, utpico. Os computadores falavam a minha linguagem e, quando a programao visual

    com Toolbook me passou pelas mos, foi como se o Big Bang tivesse ocorrido de novo. Vi ali,

    muitas das ferramentas que me ajudaram a compreender finalmente Piaget. O Toolbook passou

    a ser uma espcie de extenso da minha mente, um lpis mgico com que experimentei

    estratgias e abordagens educativas que me pareciam coerentes, facilitadoras da aprendizagem

    e da minha funo profissional. Foi atravs desse rido software, duplicado entre colegas, que

    descobri Vygotsky e Ausubel e Brunner e Skinner. Confesso que simpatizei mais com os

    primeiros.

    Algum tempo depois, em 1994, tive a oportunidade de estudar em Inglaterra, no mbito do

    programa Erasmus. Tinha ento trinta e dois anos, mas vivia a minha adolescncia em termos

    de atitude perante o conhecimento. Tanta coisa nova que estava a descobrir por causa daquele

    incmodo computador, que ainda soprava ruidosamente, todas as noites, no meu escritrio! Foi

    por essa altura que me falaram de Seymour Papert e que descobri parte do seu trabalho,

    mergulhando na biblioteca da Universidade de Derby, que estava aberta noite, aos sbados,

    domingos e feriados. Fantstico! No, no se podia copiar, ou seja fotocopiar livro algum. Que

    espanto! Tinha uma certa dificuldade em perceber como que todos aqueles alunos estudavam.

    E aquela biblioteca? Arrasadora na organizao, na dimenso, no nmero de volumes, na

    sofisticao e na burocracia... Tiveram que me fazer um carto de leitor, avalizado pelo

    Professor Graham Littler, dean da faculdade, para que pudesse passar o prtico, uma vez que

    no era aluno regular da Universidade.

    No primeiro ms de estadia em Derby, a nica coisa que me fez sentir um Portugus

    orgulhoso foi um guia turstico (Hill, 1992), coordenado por Hans Hffer, que reproduzia na

    contra-capa uma minscula imagem do pormenor da ponte de S. Gonalo, na minha terra natal,

    com a singular legenda de serenity. Ufa! Era mesmo o que precisava. Vou falar em Portugus

    com este livro - pensei alto, j que as libras se tornavam escassssimas para falar mais amide

    com a famlia que ficara em Portugal. Durante o dia, passava o tempo entranhado no PC que me

    tinham atribudo no Multimedia Teaching and Learning Unit (MTLU). Nas horas de cio,

    consumia a biblioteca, escrevia as minhas notas e ia-me convencendo de que nada na minha

    vida profissional voltaria a ser como dantes.

    Tive a sorte de tomar contacto com escolas equivalentes s nossas escolas primrias, de

    perceber como se organizavam para trabalhar em equipa, como misturavam o trabalho de

  • 18

    pintura e recorte em papel com os Acorn Atom, os computadores que os professores ingleses

    me tinham tentado convencer a usar assim que cheguei, porque eram muito mais evoludos que

    os PC e que os Mac, argumentavam veementemente. Esses computadores, estranhos, com

    drive de disquetes no teclado, ao estilo dos Amiga e Commodore que tambm conhecia, com

    capacidade de sntese de voz e possibilidade de actualizao modular do hardware, deixaram-me

    simultaneamente fascinado e intrigado porque, em Portugal, tinham-me dito que no valia a

    pena aprender nada com eles, uma vez que aquela arquitectura de computadores no existia em

    mais nenhum pas europeu.

    Regressado ao MTLU, e razo de ser do meu Erasmus, deram-me uma tarefa inicial que

    consistia em aprender a utilizar o Authorware, software de autor, e fazer uma pequena aplicao

    com essa ferramenta num determinado perodo de tempo. Na minha opinio, o software era

    poderosssimo e tinha tudo o que eu j havia descoberto no Asymetrix Toolbook, mas as pessoas

    que me podiam ensinar a us-lo no tinham formao de base na rea da educao e fizeram

    questo de me alertar imediatamente de que apenas poderiam ajudar-me nos aspectos tcnicos.

    Esses especialistas do multimdia eram tcnicos da medicina e da psicologia clnica, os nicos

    autorizados a usar computadores IBM-PC para a produo de contedos didcticos, que

    depois eram vendidos a outras Universidades e centros de investigao no Reino Unido e no

    estrangeiro. Cumpri a tarefa realizando o dobro do trabalho e apresentei o que me pediram em

    Ingls e em Portugus. Esse facto, no s mostrou que estava apto a programar com

    Authorware, como contribuiu muito para elevar a minha auto-estima e para que me integrasse

    mais facilmente no grupo constitudo, quase exclusivamente, por investigadores estrangeiros.

    Certo dia, uma das investigadoras, a menina Wells, foi junto de mim e disse-me que eu

    tinha uma mensagem no meu computador, que deveria l-la.

    Mensagem? No meu computador? Onde?

    Que vergonha, s hoje tenho esse discernimento, quando estava a sentir-me por cima, havia

    de vir algum dizer que me tinha sido atribudo um endereo de email e que atravs dele

    receberia mensagens e que tambm podia enviar mensagens para outras pessoas? Achei muito

    engraado ter uma mailbox, mas no conhecia um nico endereo de email. Posso at

    confessar que no sabia bem como que isso funcionava nem reconhecia aquele a especial.

    Mas, depois de aprender a usar a caixa de mensagens, l vi um convite para um barbecue,

    vegetariano, numa morada prxima.

  • 19

    Fig. 3 Pgina do stio Web da Universidade de Derby, em 1997

    Espantoso! Como que ningum me tinha falado disto antes? Foi, certamente a minha

    interrogao imediata. Alguns dias depois, David Garrett, um bilogo australiano, investigador do

    MTLU e apreciador de Trincadeira 1

    1 Trincadeira uma casta de uva tinta da famlia das vitis vinifera, cultivada essencialmente no Alentejo, na regio do Douro e no Ribatejo (cf. Wikipdia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trincadeira)

    , deu-me o seu endereo de email. Foi o primeiro

    correspondente por email da minha vida e o nico durante uns meses. No restante tempo de

    permanncia em Derby criei uma aplicao multimdia mais consistente, baseando-me no

    imaginrio infantil da poca e na personagem de Scrooge McDuck, o forreta do Tio Patinhas. A

    aplicao supunha um anncio que McDuck tinha colocado no jornal para recrutar um Guarda

    para a Casa Forte do banqueiro, ou seja, um contabilista para trabalhar com uma mquina

    nova de fazer trocos. Segundo esse anncio virtual, o candidato teria que passar uma bateria de

    testes de reconhecimento das moedas e fazer a sua converso para valores correspondentes. O

    utilizador era confrontado, no primeiro ecr, com uma mensagem que lhe pedia o nome, a idade

    e a aceitao das regras. Depois iam-se explorando as actividades de troca de valores e