Revista Dandara 2007

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DANDARA - No. 01 - 2007- 1 JORNALISTAS NEGRAS Pesquisa inédita revela a ausência dessas profissionais nas redações da Baixada Ministra Matilde Ribeiro e outras especialistas em questões raciais comentam a invisibilidade da mulher negra brasileira Jornalistas negras da região contam as vitórias e dificuldades de suas vidas profissionais e pessoais ANO 1 - No.1 - NOVEMBRO/2007

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DANDARA - No. 01 - 2007- 1

JORNALISTAS NEGRASPesquisa inédita revela a ausência

dessas profissionais nas redações da Baixada

Ministra Matilde Ribeiro e outras especialistas em questões raciais comentam a invisibilidade da mulher negra brasileira

Jornalistas negras da região contam as vitórias e dificuldades de suas vidas profissionais e pessoais

ANO 1 - No.1 - NOVEMBRO/2007

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EDITORIAL

EXPEDIENTE

Centro Universitário Monte Serrat (UNIMONTE)Faculdade de Comunicação Social e ArtesTrabalho de Conclusão de CursoGrande reportagem em formato de revistaNovembro de 2007Edição, reportagem, textos, projeto gráfico, diagramação e fotos: Carolina Santos, Elys Santiago e Vera OscarOrientador: Prof.Dr.Adelto Gonçalves

Visibilidade à ausência

Alegria e nostalgia são sentimentos que se fundem e nos invadem ao publicarmos esta grande reporta-gem em formato de revista. Alegria porque este TCC significa o fim de uma etapa muito importante em nos-sas vidas, em que, após quatro anos de estudos e sacrifícios, nos tornamos, finalmente, jornalistas. Nostalgia porque esse final de curso significa também o final de uma longa convivência com colegas e professores.

Ao término de nosso trabalho, conseguimos dar visibilidade à ausência, por mais estranha que esta afirmação possa parecer. Ausência de jornalistas negras nos veículos de comunicação da Baixada Santista, fato que, podemos afirmar, não chamava a atenção da maioria das pessoas. A pesquisa feita nas principais emissoras de TV, jornais e rádios da Região comprovou quantitativamente essa exclusão.

Além do resultado da pesquisa, esta grande reportagem traz também os perfis de algumas das poucas profissionais negras que se destacam ou se formaram em Santos. Elas nos mostram como conquistaram suas bem sucedidas vidas profissionais e vão além. Principalmente, essas mulheres falam de seus sentimentos e opinam sobre racismo, preconceito e discriminação em entrevistas che-ias de calor humano.

Já as especialistas dão um verdadeiro banho de conhecimento e domínio sobre as questões raciais e de gênero. Não é por acaso que ocupam cargos tão importantes. E, para completar, não poderíamos deixar de ouvir uma historiadora, a mais renomada da Baixada. Por isso, consideramos uma vitória o término desse trabalho e do curso, com a publicação desta revista. Principalmente pela especificidade do tema e pela dificuldade de abordá-lo.

Dandara, nome de nossa revista, significa “a mais bela”. Os historiadores não conseguiram provar, ainda, a veracidade do que se diz a seu respeito. Mas, o que se sabe é que Dandara foi esposa de Ganga Zumba, rei do quilombo de Palmares, antes de Zumbi. Conta-se que ela lutava a seu lado, escondendo escravos e defendendo o quilombo e que teria se suicidado em 1694 para não voltar à condição de escrava. A sonoridade da palavra ajudou na escolha do nome.

Caros leitores e leitoras, acompanhem-nos nessa reportagem. Vocês encontrarão nela subsídios para a formulação de idéias que visem a implantar no País a verdadeira democracia racial. Além disso, ao final da leitura, conhecerão muito mais sobre a realidade de um segmento que, apesar da invisibilidade, dá uma enorme contribuição na construção das riquezas do Brasil. As mulheres negras.

As editoras

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SUMÁRIO

Pesquisa: Na mídia da Baixada, mulheres negras não tem espaçoPágina 06

História: Mulher NegraPágina 08

Ping-Pong: Matilde RibeiroPágina 10

FrasesPágina 17

A nova geração: Kalinca NascimentoPágina 18

Sempre em Julgamento: Edna RolandPágina 23

História: Luta FeministaPágina 28

Um sonho que rompeu barreiras: Denize SierraPágina 30

Sem espaço no mercado: Alzira RufinoPágina 34

História: Movimento NegroPágina 37

Esforço dobrado: Eliane AntunesPágina 38

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Falta de oportunidade: Mary FranciscaPágina 42

Paixão pelo Jornalismo: Denise LimaPágina 46

Antropologia: Mas afinal, o que é raça?Página 50

História: Escravidão e QuilombosPágina 51

Benalva: pós-doutora, 1m53 e negra assumidaPágina 52

História: Educação, Religião e resistênciaPágina 56

História e Invisibilidade: Wilma TherezinhaPágina 57

Três em Uma: Iris CaryPágina 59

Ensaio: As jornalistas negras, onde estão?Página 61

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A ausência de jornalistas negras nos meios de comunicação da Baixada Santista já era conhecida. No entanto, não se sabia que apenas seis de 100

profissionais que atuam na região são negras. Até então, as duas pesquisas semelhantes re-alizadas – uma nacional feita pela Revista Im-prensa em 2001 e outra pela Fundação Palmares no início deste ano – não levaram em conta a questão de gênero.

Com o Trabalho de Conclusão de Curso “A in-serção da jornalista negra nos meios de comu-nicação da Baixada”, desenvolvido pelas alunas Carol Ferreira, Elys Santiago e Vera Oscar, do Centro Universitário Monte Serrat, (UNIMONTE), comprovou-se a exclusão desse segmento na mídia regional. Apenas 6% das 100 mulheres que trabalham nas redações dos 12 veículos da Baixada Santista que responderam à pesquisa são negras.

Foram enviados e-mails para 17 redações de rádio e TV de Santos e cidades vizinhas e a maioria respondeu. Os índices de atuação

das mulheres afro-descendentes obtidos são semelhantes a resultados de pesquisas feitas no País em outras áreas profissionais de prestí-gio social, assim como em áreas que, direta ou indiretamente, interferem na formação da opinião pública.

Foram estas as questões levantadas pela pesquisa: 1) Quantos jornalistas trabalham na redação desse veículo? 2) Desses profissionais, quantas são as mulheres? 3) Dessas mulheres, quantas são negras? 4) Das negras, quantas ocupam cargo de chefia?

Destaca-se a importante contribuição dos que responderam às questões, principalmente das emissoras de TV em que todas as consulta-das forneceram as informações solicitadas.

O editor-chefe da TV Tribuna, Eduardo Silva, recebeu as estudantes para responder pes-soalmente as questões. Segundo o jornalista, a ausência de profissionais negros na reda-ção da TV é motivo de preocupação por parte da direção da empresa. “Que eu me lembre, apenas dois jornalistas negros trabalharam na

Por Vera Oscar

têm espaço NÃONa mídia da Baixada, mulheres negras

P E S Q U I S A

Estudo inédito constata a quase total ausência de jornalistas negras nos veículos de comunicação da região. Em cargos de chefia, nem pensar

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TV Tribuna até hoje e um deles é o Abel Neto, atualmente na Rede Globo”.

Silva relata que, certa vez, recebeu de seu então chefe Carlos Manente, já falecido, a in-cumbência de contratar estagiários negros para trabalhar na TV. No entanto, não havia alunos negros nas classes em que dava aulas na Uni-versidade Católica de Santos (UniSantos). “Isso impressiona”, diz Silva reafirmando ser esta uma preocupação da empresa. “Mas de uma média de cinco jornalistas que procuram emprego aqui, diariamente, pouquíssimos são negros e mulheres negras menos ainda”, justifica.

Estes são os números da pesquisa: 17 veícu-los foram consultados e 12 responderam. São, no total, 200 profissionais, dos quais 100 são

mulheres, sendo 94 brancas e apenas seis ne-gras, nenhuma delas ocupando cargo de che-fia. Dessas 100 mulheres, 49 trabalham nas emissoras de TV e 51 nos jornais impressos e emissoras de rádio. Das negras, três trabalham em emissoras de TV e três nos outros veículos.

Esse trabalho é apenas o começo de um estudo que deve ser ampliado. Somente conhecendo-se a fundo a realidade é que se adquire condições de formular propostas, que promovam as mudanças sociais necessárias. Continuarão os veículos de comunicação, jor-nalistas, faculdades, professores, autoridades e a sociedade em geral ignorando esse resultado e, ao mesmo tempo, gritando por justiça?

6%Somente

das jornalistas no mercado de trabalho da região são negras.

NÚMEROS QUE IMPRESSIONAM

Mercado da região:

50% Jornalistas Homens

50% Jornalistas Mulheres

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NEGRAMulher

Vítima de dupla discriminação racial e de gênero, ela é hoje social, política e economicamente excluída

Falar sobre a mulher negra brasileira é falar de um segmento que tem sido, ao longo de mais de 500 anos de História, a maior vítima da desigualdade racial e de gênero existente

no País. Desigualdade que as conquistas do movi-mento feminista e do movimento negro não con-seguiram mudar substancialmente de forma a tirá-la da péssima situação sócio-econômica em que ainda vive.

Até a década de 80, as questões raciais não eram incluídas nos estudos sobre gênero e, as análises das condições de vida da população negra não levavam em conta que ser mulher potencializava a precariedade dessas condições. Em 1984, foram feitos os primeiros estudos cruzando essas duas vertentes. Surgia o Movi-mento de Mulheres Negras. Graças a esse movimento, hoje alguns institutos de pesquisa consideram gênero e raça em seus estudos.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançou, em abril, o Relatório Global sobre Direitos e Princípios Fundamentais do Trabalho, que mediu as condições trabalhistas no mundo entre 1995 e 2005. Segundo o documento, mesmo com o aumento de 40,8 % na participação das mulheres negras no mercado de trabalho do Brasil, estas continuam re-cebendo, em média, 50% dos rendimentos dos ho-mens brancos.

A mídia, que é considerada por muitos como o quarto poder, veicula e reforça valores, conheci-mento, crença e atitudes. Por isso, tem sido na última década, motivo de preocupação dos movi-mentos, principalmente o de mulheres negras. Esse Movimento tem questionado, dentre outras coisas, a não representação da diversidade racial do País na TV brasileira e o conseqüente padrão europeu de beleza por ela veiculado.

A forma como a TV brasileira retrata a mulher em geral e a mulher negra em particular é tam-bém muito questionada. Enquanto a mulher branca ocupa lugares sociais de destaque, à mulher negra

cabem, na maioria das vezes, posições subalternas ou de intenso apelo sexual. A quase totalidade das apresentadoras de TV é loira e, das pouquíssimas negras em destaque, uma é a Globeleza.

O racismo no atendimento à população negra, existente no Sistema Único de Saúde (SUS), admitido pelo próprio ministro da pasta em novembro de 2006 é, certamente, um dos fatores que comprometem a expectativa de vida das mulheres negras. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísica (IBGE), em 2000, as mulheres brancas ao nascer tinham uma expectativa de vida de 73,8 anos, enquanto entre as negras esse índice caía para 69,5 anos.

Resumindo: a mulher negra é maioria entre os analfabetos, os sem moradia, sem acesso à informáti-ca, os que ganham menores salários, enfim, entre os mais pobres em todas as regiões do País. Ao mesmo tempo, estão sub-representadas entre as jornalistas, médicas, advogadas, engenheiras, reitoras, profes-soras universitárias, parlamentares, governadoras. Em algumas dessas áreas, sua presença é pratica-mente nula.

Esta é apenas uma mostra da situação em que se encontra a mulher negra brasileira no início do século XXI.

Por Vera Oscar

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ASSIM SE PROMOVE IGUALDADE RACIAL.

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E N T R E V I S T A

Matilde RibeiroSegundo a secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, se para a mulher em geral já é difícil obter uma visão positiva nos meios de comunicação, para as negras é muito mais

Ela foi a primeira de sua família a cursar uma universidade. Tornou-se profissional da área de Serviço Social, formada pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. Ao mesmo tempo iniciou sua militância no movimento

negro, no movimento feminista e no Partido dos Trabalhadores (PT). Essa múltipla atuação a levou a interromper seu curso de doutorado para ocupar um dos cargos mais elevados dentro da administração pública do País, o de responsável pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), com status de ministra. “O que me trouxe a essa função foi o fato de ter dedicado minha capacidade de formulação teórica e política à organização social”, afirma. Em Brasília, em seu ga-binete na Esplanada dos Ministérios, a ministra Matilde Ribeiro concedeu a Dandara a seguinte entrevista:

Por: Vera OscarFotos: Vera Oscar

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Matilde Ribeiro: o desafio de ser ministra

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DANDARA – A senhora é hoje uma mulher negra que ocupa um dos cargos políticos mais impor-tantes do País. O que isso representa na sua vida? Matilde Ribeiro – Representa muita mudança pessoal e também política. Do ponto de vista pes-soal, nunca imaginei ocupar este cargo, até porque, nunca havia disputado nenhum cargo eletivo, nun-ca fui candidata a nenhuma função política. Mas, ao longo da minha vida, fui profissional de Serviço Social, militante do PT, do movimento negro e do movimento feminista, ao mesmo tempo. Fiquei fora da universidade durante algum tempo, mas voltei e fiz mestrado. Estava terminando o douto-rado quando vim para o governo federal. Então, o que me trouxe a essa função foi justamente essa junção de coisas, ou seja, o fato de ter feito tudo ao mesmo tempo, de ter dedicado a minha capaci-dade de formulação teórica e política à organiza-ção social. Primeiro surgiu a indicação para vir, em 2002, para o grupo de coordenação da campanha do presidente Lula; depois, veio a indicação para o governo de transição e, a seguir, para dirigir esta Secretaria. Foi tudo muito rápido e não deu tempo de pensar. Não deu tempo de pensar se era isso mesmo que seria bom para minha vida pessoal. O que eu pensei muito na época é que isso seria bom para o Brasil. Seria bom para esse processo efervescente de mudanças que estamos tendo a oportunidade de viver por dentro da administra-ção pública.

DANDARA – E a vida pessoal como fica?Matilde -- Está na geladeira, não estou casada no momento, não tive filhos e, daí, o fato de ter maior disponibilidade para o cotidiano desse trabalho, co-locando minha vida pessoal para segundo plano. Isso, de certa forma, faz parte do processo políti-co, mas não é uma coisa muito boa. A solidão da política é muito forte, pois pega a gente de chofre, porque não dá tempo de ver amigos, não dá tem-po de ir a uma loja comprar um par de sapatos. En-fim, não dá tempo de fazer as coisas do cotidiano. O aprendizado de estar ministra e de fazer parte desta engrenagem nos leva a um envolvimento muito intenso. As políticas de igualdade racial, as-sim como as políticas de gênero, não estão ainda bem estruturadas dentro da ação de política públi-

ca brasileira. Com isso, meus dias começam aqui antes das oito horas sem horário para terminar. Isso quando estou em Brasília. Porque também é inerente a essa função viajar pelo Brasil, represen-tar o governo federal em diversos momentos da vida política do País, formular políticas com entes estaduais e municipais, atuar com movimentos sociais. Enfim, tudo ocupa tempo e toma energia. Mas é um processo muito gratificante também, pois a gente pode atuar na formulação de leis e influenciar na política pública.

DANDARA – Cite um exemplo dessa política. Matilde – Não conhecia de perto o trabalho com as comunidades remanescentes de quilombos. Pude não só conhecê-lo mais de perto como também tornar uma das prioridades da Seppir a coordenação do programa Brasil Quilombola. Isso fez com que a gente passasse a ter um contato mais sistemático, mais cotidiano com essas comu-nidades. No entanto, o grande feito deste governo foi fortalecer e trazer o dia-a-dia dessas comuni-dades para dentro da política pública brasileira. En-tão, isso é uma prestação de contas e, sem dúvida, para quem tem histórico de militante isso tem um significado prático e simbólico muito importante. Assim, vale a pena perder horas de sono e vale a pena até não ter vida particular.

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DANDARA – Como a senhora avalia a mídia em relação à imagem da mulher em geral e da mulher negra por ela veiculada? Matilde – Na mídia, a mulher, como um todo, é tratada como coisa ou objeto, na maioria das vezes. Ao lado de uma garrafa de cerveja, há uma mulher dizendo: Tome essa cerveja. E essa mulher está mostrando o corpo, insinuando que é equi-valente àquele produto. O mesmo acon-tece com a propaganda de carros e outros obje-tos de consumo. Quando se trata de produtos de limpeza, a mulher é vista, apenas, como empr-egada doméstica, como dona-de-casa e assim por diante. Então, o marketing e a propaganda sempre tratam a mulher assimilando-a ao que se quer vender. Isso faz parte da visão capitalista de mundo em que as pessoas valem tanto quanto as coisas que elas representam.

DANDARA – E na mídia impressa acontece a mes-ma coisa?Matilde – Na imprensa escrita ou visual, quando tem por objeto a notícia ou a ve-iculação de idéias, as mulheres e os negros, em geral, não estão incluídos. E quando estão, geral-mente, é de maneira pejorativa, não garantindo os protaganismos da suas vidas, a partir de suas or-ganizações políticas ou do seu cotidiano. Por exemplo: tenho buscado nos jornais notícias sobre a II Conferência Nacional das Mulheres, que está acontecendo nesta sema-na, aqui em Brasília, e vejo que ela não aparece. Tem saído matérias sobre o trabalho das mulheres, sobre a Lei Maria da Penha, sobre a vida da mulher na política, mas como um fenômeno natural da sociedade. Não aparece a ação do governo, não aparece a ação do movimento organizado que trouxe cerca de 2.500 mulheres a esta cidade. Por isso, nós ainda temos muito que conquistar neste meio. Se para a mulher em geral já é difícil obter visão positiva na mídia, para as mulheres negras é muito mais. Caracteriza-se sempre um tipo de mul-her, a mulher negra a serviço da sociedade. Nos últimos tempos, principalmente neste ano, a mídia

tem se preocupado muito em fazer oposição às ações do governo, sobretudo no campo das ações afirmativas e também sobre a existência de quilom-bos. Os noticiários têm demonstrado muitas vezes essas comunidades como se o governo estivesse fazendo brotar um quilombo a cada esquina, sem considerar o histórico desses remanescentes. Questiona-se, por exemplo, se é papel de gover-no implantar ações afirmativas para a inclusão dos negros nas universidades públicas. Como se não fosse direito destes. Há um questionamento muito forte às políticas de cotas, às políticas ações afir-mativas nas universidades. A mídia no Brasil não tem por tradição em demonstrar as ações que são positivas para valorização dos grupos discrimina-dos no País e, quando isso aparece, é de maneira efêmera. Parte de um ou outro jornalista, um ou outro veículo que se importa com isso. Penso que cabe uma ação sistemática e continuada, inclu-sive de diálogo com esse setor, porque a inclusão social e a superação do racismo não estão para os negros e ponto. Cabe à sociedade como um

todo porque todo mundo sai ganhando com isso.

DANDARA – As poucas pesqui-sas existentes constatam um baixíssimo número de jornalis-tas negros e menor ainda de mulheres negras trabalhando nas redações dos veículos de comunicação. Qual seria a ação do governo ou dos movimentos

no sentido de aumentar o número de profissionais negras numa área tão importante como a mídia?Matilde – No momento, não vejo como ter uma ação direta, porque as escolhas para a vida uni-versitária passam muito pelo histórico de vida de cada pessoa e por suas condições pessoais. Mas, penso que uma forma indireta de ação é a própria existência das políticas voltadas para esta área, assim como também a garantia da represen-tação de homens e mulheres negros nas estrutu-ras de poder ou nas coordenações das políticas públicas. Não tenho dúvida de que a presença de Marina Silva, Dilma Rousseff, Nilcéa Freire, Marta Suplicy, Gilberto Gil, Benedita da Silva e a minha,

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dentro das estruturas de governo, inspira jovens e crianças a entender que a vida dos negros e das mulheres não está apenas para determinados tipos de trabalho. Para o trabalho pesado no caso dos negros, pesado no sentido de braçal onde o intelectual não esteja presente, porque trabalho pesado nós temos em todas as áreas, e para a vida doméstica, no caso das mulheres. Está claro que, havendo oportunidades, homens e mulheres se desenvolvem. Por isso, penso que a presença de negros como a desembargadora Neuza dos San-tos no Judiciário, como o ministro Joaquim Bar-bosa no Supremo Tribunal Federal, tudo isso faz diferença. A Zileide Silva, a Glória Maria, o Abel Neto, na Rede Globo tudo isso faz diferença. Porque, muitas vezes, quando ligamos a TV, de-pendendo do horário e do programa, temos a im-pressão de que estamos assistindo a um canal de outro país que não é o Brasil. Por isso, acho que a imagem, a simbologia combinada com a prática de uma política pública conseqüente muda a re-alidade aos poucos, mas muda.

DANDARA – Qual o impacto dessa forma de tra-balhar as questões raciais e de gênero, praticada pela mídia, na formação da identidade das crian-ças negras? Matilde – O impacto é negativo, porque não se destacam as boas experiências. Da forma como são estampadas as notícias, tem-se a impressão de que negro é sinônimo de ladrão e que mulher negra é sinônimo de prostituta. Não se mostram elementos que sejam similares à realidade da maioria da população negra cujo cotidiano é de gente que constrói o Brasil com sua energia posi-tiva. Isso não é demonstrado e as crianças são rotineiramente expostas a formas preconceituo-sas e discriminatórias que destroem a auto-es-tima e não contribuem para nosso processo de formação de cidadania.

DANDARA – A senhora é formada em Serviço So-cial pela PUC. Quantos negros e negras havia no seu curso? Matilde – Na época, na minha classe, havia pou-cos alunos negros. Mas curioso é que a maioria das assistentes sociais que hoje estão na militância

política é oriunda da PUC. Entraram em anos dife-rentes, passaram por processos políticos diferentes, mas há um grande número dessas profissionais que são negras, uma boa parcela na profissão. E um grande número que passou não apenas pela PUC, mas também pelo processo político pelo fato de a vida acadêmica estar inserida na militância do movimento negro. Inclusive, hoje, na categoria das assistentes sociais, por dentro das estruturas das instituições, é desenvolvida uma campanha contra o racismo e pela inclusão dos negros na so-ciedade. Fui protagonista juntamente com outras mulheres negras, na militância do serviço social, na formulação de teses para congressos, colocando componentes de gênero e raça como importantes para a vida da categoria. Assim, vinte e tantos anos depois, isso resulta em frutos como a própria or-ganização da classe dentro dessa temática. Penso que as escolhas profissionais, independentes de onde estão, têm frutos quando aliadas a um pro-jeto político. Na verdade, estudei Serviço Social quase por acaso porque fui a primeira pessoa de minha família a entrar para a universidade. Não ti-nha referência do que significava, na prática, a vida universitária, a realidade da vida acadêmica. Meus pais eram semi-analfabetos e eu sempre estudei em escola pública. Foi o estímulo do momento em que estudei porque terminei o Colegial com quase 18 anos de idade e, naquela época, entre 1967 e 1968, tive alguns professores que estimula-vam seus alunos a conhecer a realidade do Brasil. Eu tinha opção por estudar Psicologia, mas este era um dos cursos mais elitizados na ocasião, além de ser diurno, o que era um obstáculo porque eu precisava trabalhar, o que comecei a fazer muito cedo. Então, por analogia e por aproximação, es-colhi Serviço Social como sendo a possibilidade que me cabia e acabei gostando do curso. Não entrei na PUC diretamente, entrei nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), fiz o primeiro ano e depois fui para a PUC, num momento em que ela abriu um excedente de vagas para alunos de outras universidades. Na PUC, vivi também um momento bastante interessante, o do retorno do movimento estudantil à ação política. Além disso, havia professores muito aguerridos, como a hoje deputada federal Luiza Erundina e muito envolvi-

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dos não só com a formulação acadêmica, mas também com vivência política.

DANDARA – Qual a importância do projeto com as comunidades remanescentes de quilombos para a Seppir?Matilde – Esse é um projeto em que a Seppir tem a responsabilidade direta perante a administração pública federal. Passa aqui pela Secretaria todo o diálogo com o conjunto dos ministérios e a formu-lação dessa política, juntamente com estes. Somos um órgão catalisador para que essa política acon-teça e, por isso, ela se torna mais importante. Não nego que toda ação no campo da construção da igualdade racial seja extremamente importante. Mas na mesma medida em que eu estou comple-tamente envolvida com os trabalhos nos quilom-bos, também tenho tido o papel de sensibilização e de trato com os demais ministérios na estrutu-ração do Plano Trabalho Doméstico do Cidadão. Porque as empregadas domésticas, em nosso País, têm uma realidade que se assemelha à realidade dos quilombos, que é a de fazer parte do cotidiano da sociedade, de uma história invisível, sem ter di-reitos garantidos, e de ter seu trabalho visto como similar ao trabalho escravo. Assim, essa é outra política cuja estruturação estamos formulando junto com os outros ministérios. Destaco também nossa relação com o Continente Africano porque é extremamente importante que possamos valorizar essa iniciativa que é política dentro da adminis-tração pública, mas que é também uma escolha. O presidente Lula escolheu garantir a proximidade com o Continente africano e, nesse sentido, temos que não apenas acompanhá-lo nessas viagens,

mas também provocar uma maior adesão a es-ses conceitos que tratam da realidade de inclusão da população negra. Temas não nos faltam e até por isso temos que priorizar e tratar de maneira sistemática cada uma das áreas. Infelizmente, não dá para tratar de todos, não para tratar de 100% da demanda que parte do movimento social.

DANDARA – Está para ser aprovado o Estatuto da Igualdade Racial. Que impacto ele terá na vida da população negra em geral e das mu-lheres negras? Matilde - O Estatuto é um grande tratado que in-dica para a sociedade o recorte racial em todas as áreas da política pública brasileira, considerando a inclusão dos negros a partir das ações afirmati-vas. Este Estatuto favorecerá a criação de oportu-nidades para a presença nas políticas públicas da representação e participação dos negros, homens e mulheres, e alterará o ciclo cotidiano da socie-dade brasileira.

DANDARA – Em que sentido esse ciclo será al-terado?Matilde – Vou citar um exemplo: as universidades públicas. Até há pouco tempo, antes da experiên-cia das ações afirmativas, visitar uma universidade pública brasileira significava encontrar lá quase 100% de brancos fazendo seus cursos. Encontrava-se um ou outro negro, correndo o risco ainda de que fosse estrangeiro. Hoje, por meio das ações afirmativas e das cotas nas universidades, po-demos detectar um maior número de negros e um maior número de indígenas. E isso provoca, sem dúvida, uma mudança naquela instituição de

“Temos um orçamento pequeno, uma estrutura pequena e um trabalho

grandioso”

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ensino. Há uma lei que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira nos níveis médio e funda-mental. Essa lei fará com que daqui a alguns anos, ao se falar da História da Humanidade, coloque-se também a presença da África como parte da es-trutura do mundo. Além disso, trabalha-se a rela-ção da África e do Brasil não apenas a partir da ótica do tráfico de escravos, mas também a partir de uma relação mútua entre países em construção do desenvolvimento. O Estatuto deverá, entre ou-tras coisas, fortalecer essa perspectiva de visão na política pública e deverá contribuir para que o Es-tado brasileiro assuma o que foi o regime nefas-to da escravidão. Deverá assumir que hoje esse Estado vem expor uma contrapartida para que descendentes de africanos que construíram o Bra-sil sejam cidadãos. É justamente por isso que a Lei do Estatuto não passa facilmente na votação no Congresso Nacional, porque o Brasil ainda insiste em negar toda essa realidade.

DANDARA – Como tem sido o desempenho des-ses estudantes?Matilde – As avaliações feitas, por parte das universi-dades, têm sido muito positivas no sentido de que os alunos que entram pelo sistema de cotas têm rendi-mento igual ou melhor do que os alunos que entram pelo formato convencional até então adotado.

DANDARA – Que mudanças ocorreram no ambi-ente universitário em que essa política foi aplicada? Matilde – Tem-se também a avaliação de que o intercâmbio sócio-cultural com a diversidade, com a presença de brancos, negros e indígenas, tem sido salutar para o sistema educativo. Isso contradiz o que se previa, que era o possível acir-ramento entre os alunos e até ódio racial dentro das estruturas de ensino. Penso que o rumo está certo e que o que temos de fazer é intensificar, cada vez mais, os diálogos e as decisões para que haja a votação da lei de cotas. Para que, inclusive, as universidades possam ser dotadas de orça-mento para garantir esta nova forma de inserção, combinada com a visão de que o ensino tem que ser de qualidade, gratuito e para todos, conforme prevê nossa Constituição.

DANDARA – Diante de tudo isso, qual é, hoje, o maior desafio da Seppir? Matilde – O maior desafio é a sua própria existên-cia. Esta Secretaria foi criada por uma demanda dos movimentos sociais e justamente por isso ela está sempre sendo colocada na corda bamba. Toda vez que se fala em diminuição de gastos públicos e di-minuição de ministérios, sinaliza-se para esta estru-tura. Assim também ocorre quando se questiona a necessidade das ações afirmativas. Fala-se sempre que basta ter políticas econômicas bem estrutura-das para que todas as mudanças aconteçam. Essa a situação recorrente é sempre de questionamen-tos à estrutura e à ação desta Secretaria. No en-tanto, isso faz parte da dinâmica da administração pública e o maior desafio aqui, diário, é dar conta da multiplicidade de temas e demandas.

DANDARA – Como a Secretaria resolve esse pro-blema?Matilde – Temos, sem dúvida, que saber que nem tudo se pode fazer, apesar do cotidiano sempre nos puxar para uma agenda múltipla, uma agenda que não tem tamanho. Temos, muitas vezes, que dizer: Não, nós vamos por aqui. Temos sempre de considerar as prioridades. E as escolhas nunca são fáceis, pois temos que ficar entre o que se pode e o que deveria ser feito. Temos um orçamento pequeno, uma estrutura pequena e um trabalho grandioso. Diariamente funciona aqui a lógica da racionalidade, do espreme a barriga. Sempre pen-samos: Será que vai dar?

Máscara Africana tribal

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Frases“A mídia no Brasil não tem por tradição demon-strar as ações que são positivas para valoriza-ção dos grupos discriminados no País”. Matilde Ribeiro, ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial,

falando sobre a cobertura da imprensa à even-tos que tratam da luta por direitos.

“Sendo uma profissão em que a imagem física é projetada, como na TV, e que em outros casos o nome da profissional sempre aparece, acre-dito que a mulher negra enfrenta um processo de desqualificação e de competição ainda mais acirrado”.

Edna Roland, relatora oficial da II Conferência Mundial Contra o Racismo, sobre a inserção da jornalista negra nos veículos de comunicação.

“Estamos cada vez mais organizadas para de-fender nossas propostas, principalmente no sentido de aumentar a participação da mulher negra nos espaços de poder”.

Alzira Rufino, diretora da Casa de Cultura da Mulher, avaliando a organização das mulheres

negras na luta por seus direitos. “Quando a criança não se vê, principalmente na mídia, fica muito difícil atribuir a si valores positivos”.

Professora Mary Francisca do Careno, ao co-mentar a influência da mídia na educação.

“A história era escrita pelos homens e eles, de-liberada, ostensiva ou chauvinisticamente, ig-noravam as mulheres”.

Wilma Therezinha de Andrade, historiadora, sobre a falta de registros da participação das

mulheres negras nos quilombos.

“Então, decidi me aceitar do jeito que sou. As-sumi os cachos”.

Kalinca Nascimento, repórter, falando como foi assumir sua negritude na TV.

“Já não há aquela história de fingir que não existe racismo, quando, no resto do mundo, com raras exceções, se discute a importância da co-existência”.

Denise Lima, jornalista.

“A lição básica da minha mãe era aquela: por sermos negros, tínhamos queser mais estudiosos, limpinhos e educados”.

Iris Cary, jornalista, ao lembrar como era tratada a questão racial dentro de casa.

“Até você se descobrir, virar mulher e ver o que pode valorizar em você para ficar mais bonita, mais atraente é um percurso doloroso”.

Denize Sierra, jornalista, conta como foi tra-balhar o próprio preconceito.

“Você vê uma revista e só tem loira, loira, loi-ra, magra, magra, magra... E as mulheres nor-mais?”

Eliane Antunes, jornalista, criticando os padrões expostos na mídia

“Minhas primas me chamavam de negrinha exi-bida. O negro só não incomoda quando possuem cargos considerados inferiores, mas, quando compete por cargos maiores e se projeta, o pre-conceito é exposto”.

Professora Benalva Vitório

“ ”

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Ageração

nova

Kalinca Nascimento é uma das jornalistas negras com mais visibilidade nos veículos de comunicação da região

R E P O R T A G E M

Por: Elys SantiagoFotos: Elys Santiago

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A cor da pele nunca foi motivo de discrimi-nação em sua carreira profissional, mas sim a pouca experiência. Outro obstáculo enfrentado pela repórter, no início, foi a

dificuldade para assumir sua negritude, já que não havia jornalista negra na região em que pudesse se espelhar. Formou-se em 2003 pela Faculdade de Comunicação (Facos) da UniSantos, numa tur-ma de 80 alunos, em que apenas duas estudantes eram negras. “Chegar até o fim do curso foi uma luta”, conta a jornalista que, na época de facul-dade, chegou a exercer duas profissões para pa-gar as mensalidades.

E até hoje é assim. Trabalha como repórter do jornal Radar Local, na VTV, emissora afiliada à Rede TV, até às 12 horas e, à tarde, atua como pro-fessora de Educação Infantil em uma escola mu-nicipal de Cubatão. “Fiz magistério por influência de minha mãe e leciono desde a época da facul-dade”, diz. “Sou uma comunicadora, de qualquer forma”, afirma.

A oportunidade de trabalhar na VTV surgiu em 2005, após a terceira tentativa de passar no teste de seleção. Desde então, o dia-a-dia de Kalinca é frenético. Chega à emissora às 6 horas da manhã. Faz as rondas, ou seja, acompanha o andamen-to dos serviços público como os de transporte, trânsito, saúde pública, polícia e defesa civil. E, a partir das 7 horas, sai para fazer reportagens. “Dependendo da ronda, a pauta do dia cai. Um factual modifica qualquer rotina de TV”, explica. No final da manhã, volta à redação da VTV, faz os textos das reportagens, que, às vezes, são pro-duzidos na rua mesmo, grava o off e ajuda na edição da matéria.

No início da carreira, sentiu dificuldades na

adaptação de serviços devido à falta de experiên-cia. “Senti isso na pele e sinto até hoje, mas tra-balhar em TV é um constante aprendizado”, con-fessa. “Aprende-se na raça”.

Desde pequena, a jornalista sempre sonhou em trabalhar em TV. Na escola, gostava de falar em público, participar de peças teatrais, seminários e toda atividade em que pudesse se expressar em voz alta. “Por isso, resolvi fazer jornalismo, mas confesso que tenho mais habilidade em trabalhar em TV do que no jorna-lismo impresso”, explica.

Ela concluiu o Ensino Médio com ênfase em Magistério, em uma escola pública. Começou a trabalhar aos 14 anos para ajudar a mãe e o irmão nas despesas domésticas. “Meu primeiro emprego foi em uma locadora, perto de casa”, diz. “Tive que estudar à noite para poder trabalhar”.

O contato inicial na área de co-municação foi na extinta rádio Serra do Mar, quando ainda era estudante de Jorna- lismo. Trabalhou como re-cepcionista e, logo de-pois, ganhou o cargo de produtora. “Tra-balhei na parte de eventos, promoções e shows. Como era uma rádio FM, a única parte jornalís-tica eram as presta-ções de serviços, como o boletim das condições das balsas, estradas e previsão

Detalhe da folha de uma planta característica do oeste africano

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do tempo”, lembra. Após surgirem os boatos de que a emissora seria vendida, Kalinca apelou para o Magistério, dando aulas para crianças de 4 a 6 anos de idade. “Precisava pagar a faculdade de al-guma forma”, lembra.

Na mesma época em que trabalhava como professora em Praia Grande, surgiu uma vaga de estágio na assessoria de imprensa da Prefeitura de São Vicente. A partir daí, decidiu conciliar os dois empregos. “Durante um ano foi assim: dava aulas em Praia Grande, estagiava em São Vicente e estudava em Santos, uma loucura”, desabafa.

Identidade - “Em TV, as pessoas misturam muito o profissionalismo com o ego e vaidade. Cabelo, roupa e maquiagem devem estar impecáveis”, afir-ma Kalinca, que sofreu um pouco para se adaptar a tudo isso.

A falta de referência de outras jornalistas negras e a pouca variedade de produtos de beleza volta-dos para a pele negra fizeram com que Kalinca de-morasse para assumir sua identidade na TV. Tinha, por exemplo, receio de usar os cabelos crespos e toda semana passava horas no salão para escová-los. “Como não havia nenhuma profissional negra

em que me pudesse espelhar, decidi seguir os padrões de beleza das brancas”, justifica.

Mas essa percepção mudou depois de uma conversa com sua editora que a aconselhou a usar os cabelos crespos para fazer as gravações. “Com o tempo, descobri que sou referência para as estudantes negras que se formam hoje”, diz. “Então, decidi me aceitar do jeito que sou. As-sumi os cachos”.

A jornalista se sente à vontade em seu ambiente de trabalho. “Sou muito bem recebida quando chego em meu local de trabalho. Nunca senti prob-lema algum. Não vemos, mas sentimos quando não somos bem aceitos em algum lugar”, afirma.

Kalinca garante que nunca sofreu nenhum tipo de discriminação por causa da raça, mas por ter pouca experiência. “Quando comecei a ir para rua, percebia que alguns entrevistados e até repórteres de outras emissoras me olhavam torto”, lamenta.

Nega, neguinha, Glória Maria da Baixada, pérola negra e Globeleza são alguns apelidos que a jor-nalista ganhou no decorrer da profissão. “Apesar de alguns desses nomes serem estereotipados, vejo isso como um gesto de carinho”, diz.

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JulgamentoSempreemDe acordo com a psicóloga Edna Roland, a capacidade da jornalista negra é colocada à prova a todo momento

Por Vera OscarFotos: Carolina Ferreira

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Edna Roland: relatora oficial da III Conferência Mundial contra o Racismo

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Para a psicóloga Edna Maria dos Santos Ro-land, como acontece com qualquer outra profissional negra, a capacidade da jornalis-ta negra é colocada à prova todo o tempo.

“A princípio, somos incompetentes e temos que provar o contrário”, afirma, lembrando que essa é uma regra básica do mercado. “Sendo uma profis-são em que a imagem física é projetada, como na TV, e que em outros casos o nome da profissional sempre aparece, acredito que a mulher negra en-frenta um processo de desqualificação e de com-petição ainda mais acirrado”, diz.

Para a psicóloga, não deixar que profissionais negros apareçam é uma estratégia. “Porque a in-visibilidade é um elemento fundamental de ma-nutenção do racismo”, enfatiza a psicóloga que, hoje, é uma das intelectuais mais atuantes na luta contra o racismo e a discriminação às mulheres.

Nascida no Maranhão, Edna atua não somente no Brasil, mas em vários países participando da organização dos maiores eventos nacionais e in-ternacionais que tratam do combate ao racismo e a discriminação racial e de gênero. A mais impor-tante de suas participações foi como relatora da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discrimina-ção Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, que ocorreu em Durban, na África do Sul, em agosto-setembro de 2001.

Edna diz que não há problemas quando a mu-lher negra se destaca dançando, rebolando ou no entretenimento em geral. Mas, no caso de forma-dores de opinião, como jornalistas, por exemplo, diz, as dificuldades de inserção são sempre muito grandes. “Quando se trata de profissionais que têm possibilidade de influenciar a visão da socie-dade ou a forma como uma determinada questão vai ser focalizada, acredito que as barreiras são

ainda maiores”, afirma. Incansável na luta pela promoção da igualdade

racial e de gênero, Edna foi pioneira em várias ini-ciativas, dentre elas, a implantação do quesito cor no Sistema Municipal de Informação em Saúde, quando atuava como assessora da Secretaria Municipal de Saúde do município de São Paulo. Graças a essa iniciativa, São Paulo foi a primeira cidade do País a dispor de estatísticas de saúde desagregadas por cor e raça. No exercício desse cargo, participou também da criação do primeiro Serviço de Aborto Legal do Brasil.

Foi fundadora do Geledés – Instituto da Mu-lher Negra e da Fala Preta – Organização de Mu-lheres Negras, entidade que preside atualmente. Assessorou a delegação brasileira na Conferência Regional das Américas e na 2ª e 3ª Conferências Preparatórias à Conferência Mundial contra o Ra-cismo, em Genebra. Atualmente, é coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher e Combate ao Racismo da Prefeitura de Guarulhos.

Os meios de comunicaçãoPara Edna, a falta de estudos a respeito da pre-

sença da mulher negra nos meios de comunica-ção do Brasil dificulta uma análise mais aprofun-dada do assunto. De acordo com a coordenadora, os meios de comunicação são muito importantes na construção da igualdade racial. “São eles que fornecem a maior parte das informações, com as quais as pessoas orientam suas vidas, tomam de-cisões, moldam idéias e concepções”, diz.

Segundo ela, a força da mídia é tanta que, hoje, até alguns setores tidos como progressistas se contrapõem às solicitações do movimento negro e de mulheres negras sob sua influência. ”Isso, a meu ver, expressa o trabalho cotidiano da mídia,

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de solapamento das políticas de promoção da i-gualdade racial”.

Estratégia de açãoPara a psicóloga, os jovens negros e negras de-

veriam ser incentivados a cursar Jornalismo e dis-putar todos os espaços na produção, na redação e como repórteres. “Ter gente nossa lá, disputando a interpretação dos fatos a partir do nosso olhar, poderia produzir algumas mudanças na qualidade do que se veicula a nosso respeito”, afirma. “Pela importância da mídia na vida das pessoas, seria fundamental que se fizesse um estudo mais apro-fundado sobre a forma como o racismo se mani-festa especificamente nessa área”, acrescenta. “Ela é estratégica para que se alcance a igualdade racial no País”.

PioneirismoEdna foi primeira pesquisadora a estudar a

questão da mulher negra no Brasil. “Naquele tempo, os pesquisadores brasileiros juntavam brasileiros e as pesquisadoras feministas juntavam

mulheres, mas a situação da mulher negra não se tornava visível”, diz. Seu estudo começou em 1984, no Estado de São Paulo, utilizando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que trabalhavam apenas escolaridade e renda, aplicando as variáveis de sexo e cor. Assim, ficou evidenciada a realidade vivida pela mulher negra, que se encontrava, com acontece até hoje, em pi-ores condições em relação às outras mulheres e aos homens negros.

Para a pesquisadora, ter iniciado esse trabalho e verificar como a discriminação racial potencializa a de gênero e vice e versa é gratificante, porque possibilita melhores condições para se resolver o problema. “Penso que o cruzamento dessas duas variáveis cria uma realidade muito mais complexa e sofisticada”, diz. “Enfrentamos ao mesmo tempo dois sistemas de opressão: o racismo e o patriarca-do e, por isso, nosso processo de emancipação é bastante difícil”.

Relatora oficial É com entusiasmo que Edna fala sobre a III

Conferência Mundial Contra o Racismo, que aconteceu em 2001, em Durban, na África do Sul, do qual foi relatora oficial, designada pela Organização das Nações Unidas (ONU), re-alizadora da Conferência. Se-gundo ela, esse acontecimen-to foi um marco na luta contra o racismo. “Os historiadores dividirão a história do racismo, no Brasil, antes e depois de Durban”, diz.

Segundo Edna, a Conferên-cia colocou a questão racial na pauta das discussões no Brasil e no mundo. Para ela, “havia no Brasil um acúmulo de conceitos, de formação e de experiências, por parte da militância negra, que possibili-tou essa repercussão nacional e internacional”.

As políticas de ações afirma-

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tivas que visam a promover a igualdade racial, aplicadas hoje no Brasil, são baseadas no Plano de Ação de Durban, que as indica como forma de reparar os danos causados pelo racismo no mundo. Os avanços conquistados após a Con-ferência são reconhecidos pela profissional, para quem não se pode deixar de fazer comparações entre avanços e necessidades. “Se por um lado percebemos as conquistas dos últimos anos, por outro, percebemos também o quanto esses avanços representam diante das necessidades das mulheres negras brasileiras”, afirma.

“Hoje temos muito mais estudantes negros nas universidades. Milhares que entraram por esse sistema de cotas que ajudamos a tornar realidade, e isso eu falo com muita alegria”, ob-serva. Para ela, “isso é algo grandioso, depois de décadas de absoluto imobilismo, de absoluta ausência de políticas públicas no Brasil, voltadas para esse público”.

Cotas para negros e negras Edna ressalta que 30 universidades brasileiras

já aplicam o sistema de cotas para negros, mas lembra as dificuldades encontradas por esses jo-vens para se manterem estudantes. “Dá dó ver como as coisas são difíceis, mas, ao mesmo tem-po, importantes e significativas”, diz, emociona-da, sem conseguir conter as lágrimas: “Enquanto a gente reconhece isso, existem outros milhares que continuam sendo mortos e milhões ainda marginalizados”.

De acordo com Edna, indicadores sociais ainda não foram alterados significativamente de modo a produzir uma mudança qualitativa que possa ser percebida nas condições de vida maioria da população negra brasileira. “Mas é preciso com-parar as condições existentes hoje no País com o que havia antes e o que estamos conseguin-do conquistar com o que outros países estão ou não conseguindo”, adverte. “Comparativa-mente, acredito que, hoje, no Brasil, estamos na vanguarda e os outros países reconhecem isso”.

Como prova dessa afirmação, cita o fato de o País ter liderado a primeira e única avaliação da Conferência Mundial contra o Racismo, no ano passado. Essa avaliação, que foi em nível regional, abrangendo as Américas e Caribe, de-veria ter sido realizada pela ONU a nível mun-dial, dois anos após Durban. “Foi nossa ação que certamente, forçou a ONU a marcar para 2009 a primeira avaliação global da conferência”.

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ASSIM SE PROMOVE IGUALDADE RACIAL.

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Desenvolvimento sustentável; direito das mulheres à terra e moradia; cul-tura, comunicação e mídia não dis-criminatória; enfrentamento a todas

as formas de discriminação como racismo, se-xismo e lesbofobia; políticas que assegurem a igualdade de tratamento entre mulheres de diferentes idades e gerações. Esses foram os cinco novos eixos incorporados ao Plano Nacio-nal de Políticas para as Mulheres, na II Confer-ência Nacional, que reuniu 2,5 mil delegadas em Brasília, entre os dias 17 e 20 de setembro.

Criado em 2004, o Plano tem o objetivo de promover a igualdade entre homens e mu-lheres. Antes composto por quatro eixos – au-tonomia, igualdade no mundo do trabalho e ci-dadania; educação inclusiva não sexista, saúde das mulheres, direitos sexuais e reprodutivos; enfrentamento à violência contra as mulheres e gestão e monitoramento –, o Plano recebeu também novas propostas de ação, além das 199 já existentes.

As propostas desse documento demonstram o quanto falta para as mulheres conquistarem seus direitos. Ao mesmo tempo, comparativa-mente, dão idéia das dificuldades enfrentadas por elas em 1776, por exemplo, ao se manifesta-rem contra a opressão que sofriam. Neste ano, Abigail Adams (1744-1818) escreveu a seu mari-do, mais tarde presidente dos Estados Unidos, John Adams, ameaçando-o com uma rebelião feminina, caso suas opiniões não fossem ouvi-

das na elaboração das leis. Marie Olympe de Gouges (1748- 1793), que,

em 1789, participou ativamente da Revolução Francesa, foi morta na guilhotina por denun-ciar que os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, conquistados pela Revolução, eram aplicados somente aos homens. E escri-tora britânica Mary Wollstonecrafit (1759-1797) no século XVIII, e as brasileiras Nísia Floresta (1810-1885), Maria Firmina dos Reis (1825-1917, Luiza Mahim (1812), Chiquinha Gonzaga (1848-1935) foram também, mulheres que se rebe-laram contra o machismo.

Mas foi somente a partir do ano de 1922, com a fundação da Federação Brasileira pelo Pro-gresso Feminino, que o movimento feminista brasileiro tomou impulso. Em 1932, com a con-quista do direito ao voto, pelas brasileiras, essa organização viu concretizado um dos objetivos para os quais havia sido criada: a organização política das mulheres, que já acontecia em ou-tros países.

Em 1949, Simone de Beauvoir (1908-1986) es-creveu o livro O Segundo Sexo, hoje considera-do um marco na luta feminista. Mas foi somente na década de 60 com a publicação de A mística feminina, de Betty Friedman (1921-2006), que o feminismo, que havia sofrido decadência com a conquista do direito ao voto, ressurgiu nos Esta-dos Unidos e depois, em outros países.

No Brasil, isso aconteceu em 1975, com a instalação do Ano Internacional da Mulher, jun-

H I S T Ó R I A

LUTAFEMINISTA

Por Vera Oscar

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tamente com o renascimento do movimento democrático destruído pelo golpe militar de 1964. Vieram, então, várias outras conquistas como congressos feministas, luta por creche, o combate à violência de gênero, a luta pos sa-lários iguais aos dos homens, pelo direito ao aborto, e muitas outras.

Foi criado o SOS-Mulher que, em um ano, atendeu a mais de 700 casos de mulheres es-pancadas, dando visibilidade à violência do-méstica e sexual. Criou-se também o Conselho Estadual da Condição Feminina em São Paulo e, em 1985, foi inaugurada a primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher.

A intensa participação das mulheres na constituinte de 1988 resultou em conquistas de espaços, nunca antes ocupados por elas. Pela primeira vez, 26 mulheres foram eleitas depu-tadas federais, sendo uma delas negra. Foram reconhecidos os crimes de racismo e violência doméstica, e legalizados os direitos individuais, familiares e sociais das mulheres. Com a Cam-panha Mulheres sem Medo do Poder, em 1996, foi criada pela primeira vez um movimento de candidatas a cargos legislativos no País.

A criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, em 2003, pelo governo fede-ral, é considerada uma das maiores conquistas das mulheres brasileiras. Com o objetivo princi-pal de articular ações para que as políticas de gênero sejam transversais em todas as políticas implantadas pelos ministérios, seu papel é es-

sencial na luta das mulheres por seus direitos.Graças em grande parte a seu poder de arti-

culação, em setembro de 2006, foi aprovada a lei Maria da Penha. Essa Lei cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar con-tra a mulher, dispondo sobre a criação dos Juiza-dos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, altera o Código do Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, dentre outras providências.

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Um sonho que

R E P O R T A G E M

rompeu barreirasA jornalista Denize Sierra conta como foi mudar de profissão

na busca de um sonho e as experiências vividas na Capital e na Baixada Santista

Desde criança, Denize Sierra sonhava em ser jornalista. Em época de eleições, re-corda que pegava um antigo gravador e ia às ruas perguntar a quem passasse

quais haviam sido os candidatos escolhidos. Entre as brincadeiras com as primas, nada de querer brincar de boneca, sempre sugeria brincar de “entrevista”. Seus ídolos também eram incomuns. Em vez de apresentadoras infantis e atrizes de telenovela, ad-mirava jornalistas famosas como Márcia Mendes, Marisa Raja Gabaglia e Paula Saldanha.

Mas deixou seu sonho por um tempo na “gela-deira” para realizar o de seu avô: ter uma neta profes-sora. Como seus pais não eram formalmente casa-

dos nem chegaram a viver juntos, desde que Denize nasceu, os avós paternos responsabilizaram-se por sua criação. Como tinham uma situação financeira razoável, de classe média, planejaram e investiram na educação da neta que sempre gostou muito de estu-dar. “Eu pedia para ir para a escola e entrei com uma idade abaixo do que deveria, de tanta insistência”, afirma. “Pedia para ir, pois eu gostava da escola”.

Então, quando terminou o Ensino Médio, fez ves-tibular e foi cursar História na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. Tornou-se professora, mas só seu avô ficou realizado. Foi, então, que en-controu coragem para romper barreiras e mudar de profissão. Diferente da primeira faculdade em que

Por Carolina FerreiraFotos: Carolina Ferreira

Denize Sierra: gravador, seu brinquedo favorito

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tinha todos os custos pagos, agora ensinava História durante o dia para poder estudar Jornalismo à noite, também na PUC, de São Paulo. “O Jornalismo repre-sentou uma ruptura, porque eu já tinha uma profis-são”, diz. “Falavam-me que eu era professora e eu respondia não era aquilo o que eu queria ser, eu queria ser jornalista”, conta.

Denize descreve alguns motivos que a levaram à mudança de carreira. Um deles é a curiosidade aguçada, ter a chance de participar, vivenciar acon-tecimentos e tomar conhecimento de assuntos liga-dos a uma diversidade de áreas, específicas ou não. “Há um leque de coisas para se descobrir, principal-mente as histórias de vida das pessoas”, ressalta. “É o que mais me toca”.

Gostar de escrever também foi um incentivo, mas o salário de jornalista comparado aos dos pro-fessores na década de 90, época em que a profis-são passava por crises e greves, também foi estimu-lante. “Eu via professores muito desestimulados e ganhando mal. Então, o salário de jornalista com-pensava, sim”.

Ir atrás do que acreditava ter vocação foi difícil, mas valeu a pena. Ainda durante o curso, começou a trabalhar na TV Manchete, em São Paulo, e, mui-tas vezes, precisou faltar às aulas por conta do com-promisso profissional. Mas estudar no meio da efer-vescência cultural que existia na PUC na década de 90 a fez descobrir muitas coisas e descobrir-se tam-bém. Participou de projetos e seminários, fez curso de roteiro e percebeu uma nova e boa vertente para atuar: o Jornalismo Comunitário.

“Conheci a TV Viva, feita nas ruas por um pessoal de Olinda, que tratava de assuntos de interesse da comunidade”, conta. “As pessoas saíam de casa para ir à rua assistir”. Denize chegou a pedir um estágio, mas, como o grupo não tinha verba para pagar por seu trabalho e ela custeava seus estudos, acabou desistindo. Esse sonho teve de ficar para trás.

Oportunidades – Quando ingressou no merca-do, o cenário também era outro. Havia mais ofertas. “Entrei no mercado de trabalho sempre por meio de testes, por coincidências felizes que sempre aca-bam acontecendo”, diz. O primeiro trabalho foi no jornalismo impresso, em um jornal chamado Folha Dirigida, voltado para concursos, onde escrevia uma coluna sobre educação.

Em pouco tempo, ficou sabendo de testes na TV Manchete para selecionar produtores para o lança-mento de um programa com o costureiro Clodovil Hernandes, atualmente deputado federal. Concorreu, passou e, depois disso, não saiu mais da TV. Mas en-fatiza que sempre conseguiu empregos por meio de testes. “Sempre fui em busca de que eu queria e acho isso legal porque nesse meio há muita indicação, leva-se um currículo que não passa da recepção”.

Depois da falência da TV Manchete, a ainda estu-dante foi trabalhar na TV Cultura. Seu desempenho chamou a atenção de uma das repórteres do progra-ma Metrópolis, Miriam Portela, que a indicou para cobrir as férias de um produtor, mas como não sa-bia outros idiomas, principalmente o inglês, acabou não sendo contratada. “Depois disso, estudei dois anos de inglês, mas tive que parar por problemas financeiros”, conta com bom humor.

Já formada, trabalhou nos primeiros anos da Rede Mulher como produtora antes de voltar a morar na Baixada Santista. “Foi no momento em que os ca-nais regionais estavam abrindo, já existia a TV Tri-buna e ia começar o jornalismo na TV Brasil, onde me deram uma oportunidade”.

O jornalismo da TVB ficou no ar por pouco tem-po e a jornalista novamente foi na busca de outras produções. Trabalhou com os vídeos institucionais da primeira campanha da deputada federal Telma de Souza para a Prefeitura de Santos e, depois, por dez anos na Santa Cecília TV como editora de texto. Há menos de um ano, está na Record Litoral exer-cendo a mesma função.

Falta de identificação – Denize nunca sentiu dificuldades em se sentir inserida nos locais onde trabalhou e acredita que isso se deve à luta feminista de que sua geração foi fruto. Conta que em um dos locais em que trabalhou, a Santa Cecília TV, a maioria dos cargos de chefia pertencia a mulheres. “Todos os cargos hierarquicamente mais altos eram de mu-lheres, havia a chefe de redação, a editora, a subedi-tora e na edição de texto, só mulher também”.

Quanto a ser negra, há um fator que incomoda a jornalista: ter escolhido áreas de trabalho sempre exercidas por trás das câmeras. A jornalista conta que dificilmente se vê um jornalista negro fazendo reportagens de TV, principalmente nas regionais, e que, jornalistas negros que almejam essa função

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devem sofrer para conquistar uma vaga. “Agora, há a Kalinca Nascimento na VTV, mas, durante muito tempo, nos canais regionais não se via jor-nalista negra”.

Segundo ela, a TV exige padrões estéticos que impõem para a sociedade ser sempre representada por pessoas magras, altas e brancas. Denize critica a ausência de pessoas nos padrões reais da maioria dos brasileiros, que gera falta de identificação no público. “As pessoas falam que TV é imagem, TV é estética, mas acho que não é só isso, as pessoas querem se reconhecer, querem se ver”.

Aliás, para Denize, reconhecimento é um dos fatores difíceis de existir dentro das redações pela ausência de profissionais negros em cargos que re-querem maior qualificação. “Eu sentia falta de ver um jornalista negro, queria me reconhecer em ou-tras colegas e isso não acontecia. Ate na minha classe eu era a única estudante negra. Não havia nenhum outro estudante negro fazendo Jornalismo”.

A luta interior – Denize revela que precisou tra-balhar seu próprio preconceito para se aceitar, re-conhecer-se como uma mulher bonita e ter orgulho de sua origem. E a família ajudou muito. Criada pe-los avós paternos, descendentes de europeus, De-nize se inferiorizava ao se comparar com as primas, na maioria, loiras e de olhos claros. “Eu me sentia o patinho feio realmente. Pensava: por que eu nasci assim e elas brancas de olhos claros, cabelo liso?”.

Denize conta que esse sentimento de inferiori-dade não foi formado por intermédio de atitudes de parentes. ”Minha tia sempre conversava comigo e di-zia o quanto eu era bonita, que eu deveria valorizar

a minha cor, enxergar a beleza da minha raça”. Apesar de sofrer com a discriminação de colegas durante a infância, em especial na escola, o amadurecimento fez a jor-nalista trabalhar a auto-estima, reconhecer sua beleza e trabalhar contra os próprios preconceitos que faz muitas vezes os pró-prios negros se inferiorizarem. “Até você se descobrir, virar mulher e ver o que pode va-lorizar em você para ficar mais bonita, mais atraente é um percurso doloroso”, afirma.

Para a jornalista, a luta contra o racismo alcançou muitos avanços, mas de forma muito lenta. Ela acredita que um dos fa-tores que contribuem para isso é a pouca

cobertura da mídia sobre a questão. Como exem-plo, descreve o processo de reconhecimento do ne-gro como consumidor, que poderia receber maior incentivo por parte dos veículos de comunicação. “Mas as coisas vêm mudando aos poucos, sim!”, re-conhece. “Essa coisa da valorização, do black beau-tiful... acho que os meios de comunicação possuem um papel fundamental nisso”.

Para ela, um número maior não só de negros nos veículos de comunicação, mas de todas as pessoas que são excluídas social ou esteticamente, como um jornalista deficiente ou gordo, seria positivo para se conquistar uma sociedade mais evoluída. “Sou a favor da diversidade, pois a sociedade só ganha com isso”, diz, observando que a a intolerância é a questão mais crucial do nosso século XXI. “É em razão da intolerância religiosa, social e racial que os conflitos acontecem”, avalia.

Ao abordar a diversidade, Denize faz uma crítica à região por observar a juventude local escrava de padronizações, preconceitos e pensamento provinciano. Segundo ela, a maioria dos bares e boates da noite santista é freqüentada por pes-soas que não procuram alternativas nos padrões estéticos impostos; pelo contrário, excluem os que não se adequaram. “Não vejo esses jovens olha-rem para o diferente e acharem legal”, diz. “Se eu tivesse optado por ficar em São Paulo, acho que pessoalmente estaria mais realizada”, diz, lemb-rando que na Capital há mais diversidade de lu-gares de pessoas. “Quem sabe, eu já não poderia estar casada?”, conclui, com irreverência.

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ASSIM SE PROMOVE IGUALDADE RACIAL.

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Sem espaço no mercado

De acordo com a ativista Alzira Rufino, a mídia da Baixada Santista não dá oportunidade às jornalistas negras

Para Alzira Rufino, fundadora e presi-dente da Casa de Cultura da Mulher Negra, muitas das jornalistas negras for-madas em Santos acabam optando por

atuar em outras áreas por falta de oportunidades. “Cobro da mídia da Baixada Santista que dê opor-tunidade de trabalho às profissionais negras”, diz. Segundo ela, o mercado de trabalho em Santos e nas cidades da região, que já é limitado, é ainda mais para as mulheres negras em determinadas áreas – e a de jornalismo é uma delas. “Além disso, quando contratam estudantes de Jornalismo para estágio, é para captar anúncios”, denuncia.

De acordo com Alzira, muitas jovens recém-formadas acabam optando por ir para São Paulo em busca de trabalho, mas lá, não raro, encon-tram as mesmas dificuldades. “As Ongs de mu-lheres negras de lá deveriam dar a oportunidade do primeiro emprego para as jornalistas negras recém-formadas, mas, infelizmente, não estão fa-zendo isso”, reclama.

Para ela, outro problema está na formação dos profissionais: “As universidades não incluem em seus currículos questões de gênero”, diz. “Quanto às questões raciais, nem pensar”, acrescenta. “Al-guns poucos professores mandam seus alunos

Por Vera OscarFotos: Elys Santiago

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Fundadora e diretora da Casa de Cultura da Mulher Negra questiona a mídia

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pesquisarem aqui na Casa e, então, podemos ver como essas questões estão sendo trabalhadas por eles”, diz. Segundo a ativista, há professores que dizem que está tudo bem e que não existe racismo no País. “Eles acabam desconstruindo o que já conquistamos”.

A Casa de Cultura da Mulher Negra completou, em 2007, 22 anos de fundação e Alzira reconhece que ocorreram algumas mudanças significativas. Ela lem-bra que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Santos é a cidade da região com o maior número de pessoas que se declaram negras, ressaltando que isso demonstra que negros e negras estão assumindo mais sua negritude”. Ela aponta o fato de alguns partidos políticos e instituições incor-porarem a questão da mulher e racial em suas dis-cussões como mais uma conquista.

Alzira cita ainda outro avanço: a organização das mulheres negras para a 2ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em Brasília em agosto. “Estamos cada vez mais organizadas para defender nossas propostas, principalmente no sentido de aumentar a participação da mulher negra nos espaços de poder, como na política, por exemplo”, enfatiza.

Casa de Cultura – A importante contribuição da Casa de Cultura da Mulher Negra nessas con-quistas é destacada por Alzira, para quem a opção por trabalhar a informação com o lançamento da Revista Eparrei e do Boletim Eparrei on Line teve papel crucial. “A idéia de lançar a Revista Eparrei surgiu diante da falta de publicações que dessem visibilidade às mulheres negras e suas questões específicas”, diz.

Segundo Alzira, a história destas mulheres era apenas oral, não havendo nada publicado, com exceção da Revista Raça, que não aprofundava as questões raciais e de gênero. “Então, nossa

equipe pensou numa publicação que mostrasse as mulheres negras, não somente as artistas, mas também as anônimas que constroem o País, mas são invisíveis”. Ela conta, entusiasmada: “A Revista Eparrei começou com mil exemplares, mas, na próxima edição, virá com mais de seis mil”.

De acordo com Alzira, a Casa de Cultura da Mu-lher Negra distribui gratuitamente 600 exemplares e o restante é vendido por assinatura. A revista tem 70% de seu custo financiado por apoiadores e 30% pela entidade. Já o Boletim Eparrei on Line dis-tribui informações sobre as questões raciais e da mu-lher para uma rede de 85 mil pessoas do Brasil e exterior. Como política de ação afirmativa, 95% da equipe de comunicação da Casa de Cultura da Mulher Negra são de profissionais negras.

No entanto, o prestígio nacional e internacio-nal que a Casa desfruta hoje custou muito caro na época de sua fundação. “As pessoas vinham aqui procurar empregadas domésticas e os homens vi-nham à procura de garotas de programa”, diz Alzi-ra. Segundo a presidente da Casa, já havia algumas discussões sobre preconceito racial, mas sobre as especificidades da mulher negra nada se falava.

Segundo a fundadora da entidade, a mídia, os partidos políticos, os parlamentares e mesmo a sociedade não entendiam os objetivos da Casa. “Chegamos a sofrer ameaças por parte da vizi-nhança que pensava que estávamos abrindo uma casa de prostituição”, recorda Alzira. “Como já era difícil inserir os direitos da mulher nas discussões, falar da mulher negra era quase impossível”.

Aspectos sociais – Alzira reconhece que os problemas enfrentados pelas mulheres negras diminuíram um pouco, embora os índices das pesquisas mostrem que ela ocupam, em todos os aspectos sociais, os piores lugares na sociedade brasileira. “Mas, hoje, aqui na Baixada e no Brasil,

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nós, mulheres negras, estamos organizadas, monitorando as políticas públicas que atendem às nossas necessidades e denunciando a falta delas, nos três níveis de governo, com maior aceitação”, afirma.

Sobre a forma como a mídia veicula a imagem da mulher negra, Alzira avalia que existem poucas mudanças. “Uma vez ou outra, surge numa telenovela uma médica negra, mas, no geral, aparece-mos como escravas ou prostitutas”. Segundo ela, as mudanças nesse campo são poucas e lentas, mas existem pessoas e entidades observando essa questão. “A Casa de Cultura liderou uma campanha contra a mini-série JK, da Rede Globo, pela forma como apresentava a violência sexual sofrida pelas mulheres negras”, relata.

Para ela, apesar da luta pela promoção da igualdade racial ser coletiva, sua entidade desenvolve uma forma diferenciada de trabalhar. “Procuramos melhorar a formação de nossas profissionais, fornecendo bolsas de estudo para cursos de capacitação, entre outras coisas”, diz. Além disso, a Casa fornece cursos que não são exclusivos para mulheres negras, mas tem nelas seu público-alvo.

A entidade, que desenvolve uma forte política de captação de recursos para sua manutenção, se-gundo Alzira, está em busca de sua autonomia. “Estamos num processo de geração de renda, buscando não depender dos apoios financeiros dos projetos para sobreviver”, diz. “Por enquanto, não tenho condições de tocar a Casa de maneira completamente autônoma como gostaria”, lamenta. “Mas chega-remos lá”, garante, entusiasmada.

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Secretaria de Promoção da Igualdade Racial; políti-cas de ações afirmativas, dentre elas as cotas para negros; Lei 10.639 que obriga o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de

todo o País; Estatuto da Igualdade Racial, em tramitação no Senado – estes são alguns dos avanços conquistados pela organização política dos negros brasileiros.

Essas conquistas se deram porque, ao longo dos anos, a população afro-descendente percebeu que não bastava preservar a cultura, como vinha fazendo até então. Era necessário também sua organização política para lutar pelo

direito à educação, à inserção no mercado de trabalho e, principalmente, combater o racismo, a discriminação racial e o preconceito. Assim começou o movimento negro.

Em 1833, surgiu o primeiro jornal da imprensa negra brasi-leira chamado O Homem de Cor e, desde então, vários outros

foram criados para fortalecer o movimento abolicionista. Já no final do século XIX e início do século XX, os negros fundaram em todo

o País vários clubes recreativos. No entanto, foram os jornais que se destacaram como os primeiros veículos de mobilização política

da população negra. Dentre eles, destaca-se A Alvorada, fundado em 1907 por mulheres negras.

Mas, foi a partir de 1910 que a imprensa negra se fortaleceu com o surgimento, no Estado de São Paulo de vários outros informativos. Na dé-

cada de 20, foram fundados o jornal O Clarim e a entidade Frente Negra Brasileira, considerados pelos estudiosos como o mais importante veículo de comunicação negra da época e o maior movimento de massa da comunidade afro-descendente do País, respectivamente.

Várias outras iniciativas foram fortalecendo a luta contra o racismo no País. Dentre elas, a cria-ção da Associação José do Patrocínio em 1941, que examinava os problemas enfrentados pelas domésticas. Foi criado também em 1944 o Teatro Experimental do Negro, por Abdias Nascimento, que buscava a valorização do negro através da arte.

Nas décadas seguintes, muitas outras ações foram se multiplicando, em busca da tão sonhada igualdade racial. Mas a ditadura militar (1964-1985) desmobilizou e reprimiu o movimento negro, como fez com todos os outros. Com a redemocratização do País, os militantes negros que participaram ati-vamente desse processo fundaram o Movimento Negro Unificado (MNU). Esta entidade vem desde então, juntamente com outras, dando uma enorme contribuição na luta contra o racismo.

MovimentoNegro

Por Vera Oscar

H I S T Ó R I A

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Esforçodobrado

A jornalista Eliane Antunes diz que sempre teve que batalhar muito para conquistar

reconhecimento no mercado de trabalho na Baixada

Eliane Antunes nunca gostou de monotonia. Considera um pesadelo o tra-balho de escritório. Descreve-o como “mesmice do dia-a-dia”. Mesmo sem

apoio dos amigos, que conheciam sua timidez para se expressar, aos 12 anos de idade, sonhava em ser jornalista e trabalhar numa revista.

Nunca trabalhou para veículos impressos, mas há quase dez anos exerce a profis-são, atuando, na maior parte do tempo, na Santa Cecília TV, canal educativo que

pertence ao mesmo grupo da universidade em que se formou em 1998. “Televisão parece um bichinho que morde a gente, é muito difícil de largar”.

Ganhar experiência foi difícil. Considera o mercado regional pequeno para o número de jornalistas na ativa e para os jovens que se formam anualmente. Na luta por um es-

paço, trabalhou em rádio comunitária e assessoria de imprensa, passando por diversas funções na Santa Cecília TV. “Cheguei a trabalhar de graça”, diz. “Acho que Deus, minha

fé, ajudou muito”.Por ter visto diversos colegas desempregados devido à saturação de vagas, acredita que

a cor de sua pele não tenha influenciado nas dificuldades em conseguir um emprego, mas sim na conquista de reconhecimento profissional. Trabalhou como produtora de um

programa de esportes, passou para o noticiário Caderno Regional para fazer ronda (busca de informação por telefone em delegacias, hospitais, Corpo de Bombeiros, entre outros),

virou repórter e, há dois anos e meio, é editora de texto, cargo hierarquicamente superior aos outros citados, no qual ganha R$ 1.500 mensais.

Por Carolina FerreiraFotos: Carolina Ferreira

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Mas isso não foi bem uma promoção. Por cobrir férias de editores quando era repórter, foi remane-jada para não ser atingida por um corte de fun-cionários. “Nunca senti discriminação de colegas ou fontes de reportagens, mas sinto que as coisas demoram um pouco mais para acontecer”.

Também desconhece diferenças salariais entre homens e mulheres ou diferenças étnicas dentro da empresa, mas sente que por ser negra precisa ter esforço dobrado para se destacar. “Tenho que provar um pouco mais que os outros”, garante. Eliane se recorda de um caso: uma jornalista negra de uma grande rede de televisão que, segundo ela, foi demitida por demonstrar nervosismo em sua primeira reportagem. “Há vários repórteres famosos que gaguejam, erram e estão na mídia, mas ela não está mais”, exemplifica.

A editora encontrou um caminho para driblar as grandes cobranças. “Uso tudo que tenho a meu favor: a beleza negra, a boa forma e a simpatia e tento conquistar quem está a minha volta”.

Eliane pretende aprender idiomas. “Para poder melhorar, subir, não ficar aqui na Baixada”, diz. A jornalista reconhece que o mercado local a-tualmente paga muito pouco aos profissionais de TV, admitindo que a troca de emprego nos veícu-los da região só acabaria por baixar sua renda. Se fosse trocar de área de atuação, gostaria de trabalhar em uma assessoria de imprensa. “É o futuro de muitos jornalistas que iniciam na tele-visão. É a área onde se ganha melhor”, afirma, ressaltando que já recusou um trabalho paralelo como assessora de imprensa para sobrar tempo e dedicar-se à filha “carente”.

Menos trabalho, mais família – Hoje, Eliane recusa-se a ter dois empregos, mas, por muito tem-po, abdicou de ter filhos em função do trabalho. Apesar dos conselhos para não criar vínculos amo-rosos que poderiam acabar com um plano de car-reira fora da Baixada Santista, está casada há cinco anos. Com 29 anos, teve seu primeiro filho.

Hoje, com 31 anos, relata as dificuldades que passou pela demora em adiar a maternidade: so-freu um aborto na primeira tentativa. “Hoje, não aconselho ninguém a adiar planos pessoais”, diz. “Graças a Deus, deu tudo certo na gravidez de minha filha. Mas será que a espera compensou?”,

questiona.Atualmente, possui um horário flexível e os fins-

de-semana livres para curtir a vida em família e su-prir a carência da filha. Afirma abrir mão de muita coisa, principalmente de uma renda superior. “Ela só dorme comigo e me espera chegar em casa”, conta. “Tenho que estar sempre presente, pois ela é muito carente”.

Destino pela cor da pele – Pai e irmão bran-cos e uma mãe ruiva. Nas festas da empresa em que seu pai trabalhava, todos estranhavam o fato de Eliana ser negra. “Meu pai não perdia o bom humor, respondia que eu nasci à noite”, recorda. A cor de sua pele teve extrema relevância em seu destino. Se não fosse adotada com quatro dias de vida, talvez não tivesse futuro. Eliana foi gerada por meio de um adultério da mãe biológica, que é descendente de índios e casada com um homem branco. Segundo relatos que chegaram à jornalis-ta, sua mãe biológica saiu pelas ruas oferecendo-a para adoção. Ameaçava jogar a criança na rua, caso ninguém a aceitasse. Na época, sua mãe adotiva havia sofrido aborto e se sensibilizou com o drama.

Com cinco anos de idade, Eliana descobriu que era filha adotiva. Soube da história pela família bi-ológica, pela qual não aparenta alimentar rancor. Apesar de a raça ter sido decisiva em sua adoção, nunca teve a questão discutida em casa, mas afir-ma ter tido muita proteção da mãe adotiva contra a discriminação. “Ela ficou comigo e me defendia muito”, conta. “Se alguma amiga dissesse algo como “entra, neguinha”, ela ficava brava”.

O pai adotivo foi até a segunda série do ensino fundamental. Mesmo com pouco estudo, os pais adotivos pagaram um cursinho vestibular e a facul-dade de Eliane.

Estética como problema e solução – Apesar de não ter disputado muitas vagas de emprego ao longo da vida, a editora acredita que cultivar uma boa aparência, ser simpática, magra e estar “den-tro de alguns padrões estéticos” ajuda na aceita-ção. “Podem não gostar do fato de eu ser negra, mas ser magra e ter uma estética, aparência boa e simpatia pode compensar na hora de conseguir um emprego”.

Afirma que desde a infância tenta driblar o pre-

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conceito e que essa atitude acontece de for-ma natural, quase inconsciente. A preocupa-ção com o peso e a estética foi um problema em sua vida social durante a adolescência. “Além de ser mulher e negra, eu era gorda na adolescência”, lembra. “Com 13 anos, comecei a engordar e isso gera maior pre-conceito entre os jovens, não entre as meni-nas, mas entre os meninos”.

Eliana destaca que a estética pode ser prob-lema, mas também uma solução na luta con-tra a discriminação. Segundo ela, isso acon-teceria pela aceitação dos próprios negros e pela cobrança por uma abertura no mercado publicitário. “Há pouquíssimas imagens de negros em cartazes e outdoors em compara-ção com o número de negros existentes no País”, argumenta. “Você vê uma revista e só tem loira, loira, loira, magra, magra, magra... E as mulheres normais?”

Para a jornalista, o mercado precisa aceitar essa realidade e mudar. Segundo ela, a mu-dança deve acontecer não só para negros, mas também para os gordos, asiáticos e todos aqueles que estão fora do padrão europeu.

Reconhece que já houve avanços no uso da imagem do negro, que não é mais visto em papéis subalternos nas telenovelas bra-sileiras, mas ressalta que ainda falta muito para o fim da discriminação, pois posicionar o negro sem inferioridade na televisão ainda choca. “Quando há uma família de negros na novela é destaque em jornal, não ser só o empregado é destaque de jornal ainda”.

Para a jornalista, além do debate, deveriam existir mais ações que obrigassem o merca-do publicitário a mudar suas campanhas. Ela acredita que a imagem do negro na mídia ajudaria no combate ao preconceito, na visão da sociedade. “Se os negros parassem de consumir, de se adaptar ao mercado, mostrar-iam aos publicitários que eles precisam se adaptar”, diz. “Se o negro deixasse de com-prar, será que as agências de publicidade não teriam que produzir mais para a população afro-descendente?”, argumenta. Eliane Antunes dribla o preconceito desde criança

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ASSIM SE PROMOVE IGUALDADE RACIAL.

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Para a professora Mary Francisca do Careno, doutora em Lingüística pela Universidade Estadual de São Paulo, a mulher negra pre-cisa ter chance para mostrar seu talento.

“É necessário dar mais oportunidades para que a mulher negra mostre sua capacidade e competên-cia na TV e na mídia em geral, assim como em outros setores”, diz.

Segundo ela, os veículos de comunicação têm uma grande influência na formação das pessoas. “Por isso, é preciso que façamos o resgate e divul-gação da história de lideranças femininas negras, que contribuíram não somente, para a causa racial, mas em outras lutas, para que nossas meninas te-nham referências positivas”.

Mary diz que é necessário também que ho-mens, mulheres e crianças negros sintam-se repre-sentadas nos meios de comunicação. Preocupada principalmente com as crianças, diz: “Quando a criança não se vê, principalmente na mídia, fica muito difícil atribuir a si valores positivos”, diz. E

continua: “O que ela sente ao perceber que per-tence a um segmento que não é bem cotado pela sociedade?”

De acordo com a professora, uma forma de au-mentar o número de jornalistas negras na disputa por espaços nas redações seria a implantação efe-tiva de cotas para negros nas universidades. “Sou a favor das cotas, mas não de forma definitiva”, explica. “Precisamos ver por quanto tempo a gente vai precisar, mas a sociedade precisa acertar as contas com a gente”.

Mary, que criou e coordena o Núcleo de Estu-dos Indígenas e Afro-brasileiros (Neiab), da Uni-versidade de Ribeiro Preto (Unaerp), campus do Guarujá, onde leciona, nasceu em Lins, interior de São Paulo, e teve muitas dificuldades para estudar. Seu pai, que vendia amendoim nas ruas, dividia com sua mãe, empregada doméstica, o sustento da família. Ela cursou até o ensino mé-dio em escolas públicas, mas, como não havia à época universidade pública na região, teve de

Falta de oportunidadePara a professora Mary Francisca do Careno, a TV e a mídia em geral não

dão oportunidade para a mulher negra mostrar sua capacidade e competênciaPor Vera Oscar

Fotos: Divulgação

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Professora Mary se preocupa com a imagem do negro no livro didático

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optar por uma particular, para atender a sua de-terminação de ser professora.

Primeira da classe – Entusiasmada, conta: “Sempre quis ser professora, desde criança. Por isso, resolvi cursar Letras, só que não tinha din-heiro nem para a matrícula”. Mary fez um em-préstimo e conseguiu se matricular e, depois, para se manter no curso trabalhou em diversos setores da faculdade. “Só que eu era ótima aluna, sem-pre a primeira da classe, o a diretora me ajudou, dando emprego”.

Sempre com dificuldades, Mary fez mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, e depois prestou concurso e se tornou pro-fessora na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), onde lecionou por 17 anos. Durante esse tempo, fez doutorado em Lingüística e, nos anos de 1995 e 1996, pós-doutorado nos Estados Unidos na área de Sócio-Lingüística. Corajosa, ela afirma: “Diante das dificuldades para estudar, eu pensava: Tenho que entrar no curso, depois como vou fazer para me manter é outra coisa”.

Mary argumenta: “A ONU diz que um país só será

democrático quando puder demonstrar, através de seus quadros administrativos, políticos e em todos os segmentos da sociedade, a sua diversidade”. Por isso, segundo ela, os homens e mulheres afro-descendentes deveriam ocupar 45% dos quadros em todas as repartições, porque é esse o percen-tual que representam na população brasileira, se-gundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE).

Mary, quase sempre, era a única negra da classe ou do curso. “Na faculdade éramos duas; apenas, no mestrado e no doutorado, eu era a única”, di-zendo que, com isso, tem poucos amigos negros. “Só agora com o Neiab é que alguns acabaram se aproximando”. Segundo ela, alguns professores e funcionários de faculdade que não se sentiam negros hoje se assumem como tal. “Eles chegam para mim e dizem: “Puxa, professora, minha mãe é branca e meu pai é negro, mas sempre achei que pertencia ao grupo dos brancos”.

Para a professora, muitos negros desenvolvem uma espécie de couraça para se protegerem da discriminação. “Muitas vezes, preferimos pensar

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que determinada atitude não foi discriminatória, para não sofrer”. No entanto, nem sempre dá para ignorar esse tipo de comportamento, diz a professora. “Por exemplo: normalmente, o negro começa a incomodar de verdade, quando começa a competir e disputar espaço com o branco”, diz. “Aí, ele começa a perceber que é negro”.

Desconfiança – Durante o tempo em que deu aula no ensino fundamental a professora, nos primeiros dias, sentia a desconfiança das crianças e dos pais. “É assim: primeiro, você tem que mostrar competência, para depois ser aceita”. Mary con-fessa: “Nunca contei isso para ninguém, mas sen-tia medo de que as crianças não me aceitassem por ser negra”.

Também sofreu discriminação quando começou a dar aulas na Unesp. Segundo ela, algumas secre-tárias se admiraram pelo fato de ela ser professora da faculdade e questionaram sua competência. “As pessoas não olham o currículo, vêem apenas a cor de pele e isso me deixa muito mal”. À época, ela era a única professora negra da faculdade.

A imagem do negro no livro didático é uma grande preocupação da professora. Segundo ela, os livros em geral ainda retratam os negros até 1888 como escravos, não indo, além disso, embora a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do Ministério da Educação, venha agindo no sentido de mudar essa situação. Mary diz que o órgão briga bastante com as edi-toras. “E é preciso brigar mesmo porque há muito dinheiro em jogo e elas estão muito mais preocu-padas com a questão econômica do que com o res-gate da história”, denuncia.

De acordo com a professora, a quase ausência de negros em geral, sua história, cultura, e contribuição na construção do País, na programação das emis-soras de TV públicas brasileiras, constatada em re-cente pesquisa da Fundação Palmares, repete-se nos livros. Mas reconhece os avanços conquistados em pouco mais de cem anos, segundo ela, graças principalmente ao movimento negro.

Ela cita a Lei 10.639, que obriga o ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira em to-das as escolas do País, o Estatuto da Igualdade Racial

em votação no Senado, as políticas de ações afirma-tivas, dentre elas, as cotas, a criação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, como algumas das principais conquistas dos últimos cinco anos. Mas, ao mesmo tempo, questiona: “Por que essas e out-ras conquistas não estão nos livros didáticos?”

Discriminação na escola – Na opinião de Mary, não somente a família, mas igualmente a escola, é responsável pela estrutura da personalidade da cri-ança. “Em meus estudos, tenho constatado que a escola é o locus onde mais se tem discriminação e racismo”, diz. “Por ignorância dos professores ou porque não buscam respostas, sem se darem conta do quanto eles influenciam a vida dessas crianças, com palavras ou com silêncio”, acrescenta.

Falando sobre o núcleo de estudos que coorde-na, destaca dois projetos: a implantação de um nú-cleo do curso pré-vestibular Educação e Cidadania para Afro-descendentes e Carentes (Educafro), ini-ciado este ano, e a formação em questões raciais do professorado do Vale do Ribeira. Mary justifica a escolha do Vale porque foi naquela comunidade que desenvolveu seu trabalho de doutorado. “Devo algo às pessoas daquela comunidade porque foi com elas e através da palavra delas que consegui fazer meu doutorado”.

O trabalho no Vale do Ribeira tem, segundo Mary, duas vertentes. Uma consiste na formação dos pro-fessores, que atuam nas escolas da região, para resgatarem a história da maioria das comunidades remanescentes de quilombos, do Estado de São Paulo, que estão situadas nas 24 cidades daquela área. A outra consiste num curso de formação pre-sencial desses professores, que estudarão e darão aula ao mesmo tempo.

Durante as aulas, as crianças ouvirão as pessoas mais velhas das comunidades para o resgate da memória por meio dos depoimentos. “Esses causos virarão textos escolares e materiais didáticos especí-ficos para aquela região”, conta a professora. Dessa maneira, ela acredita que as crianças, ouvindo os mais velhos e participando da elaboração dos ma-teriais, vão se ver nessas histórias e nos desenhos que eles próprios irão fazer. “E vão se orgulhar de sua raça”, conclui entusiasmada.

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ASSIM SE PROMOVE IGUALDADE RACIAL.

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PaixãoJornalismopelo

Formada em 1972, quando o Curso de Comunicação ainda era mantido pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Sociedade Visconde de São Leopoldo (atual Unisan-tos), a jornalista Denise Lima foi a única negra da sua turma. Começou sua carreira no extinto jornal Cidade de Santos, quando ainda era estudante. Depois, lançou-se em

novos desafios, trabalhando na sucursal do jornal O Globo em São Paulo, e, anos mais tarde, como repórter especial em um projeto da Editora Abril. Já trabalhou no ramo do jornalismo empresarial e, atualmente, em parceria com uma amiga, mantém uma empresa de assessoria de imprensa, a Oficina da Palavra.

Por Elys SantiagoFotos: Elys Santiago

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Denise Lima: sempre querendo fazer o melhor a cada dia

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Jornalismo era um sonho de infância, que se tor-nou projeto profissional logo que Denise Lima ter-minou o antigo curso ginasial, concluído em escola pública. “Sempre estudei em escolas estaduais, fe-lizmente, num tempo em que eram disputadas pelo alto nível do ensino oferecido”, diz.

Mas o fascínio pela profissão começou mesmo na época em que sua família assinava a revista ilus-trada O Cruzeiro. Denise ficava admirada com as reportagens, imaginava-se naquele mundo cheio de notícias e descobertas. “Sempre li muito, esti-mulada por minha mãe. Ela havia cursado apenas o primário, mas gostava de Machado de Assis, veja só”, recorda a jornalista, que ainda tem o exemplar de Contos Fluminenses, editado pela Livraria Gar-nier, do Rio de Janeiro, o primeiro contato com a obra machadiana. “A escolha em fazer um curso de Comunicação foi a soma de muitos fatores: curiosi-dade, paixão pela língua portuguesa e pela leitura, a vontade de compartilhar informação e até um an-seio de transformação social”.

No jornal Cidade de Santos, ela chegou até o cargo de subsecretária de redação, mas queria vol-tar a fazer reportagens e, principalmente, “soltar as amarras que a mantinham em Santos e testar-se em grandes redações”. Em 1986, foi contratada como repórter especial na sucursal paulista do jornal O Globo e, quatro anos depois, convidada pela Editora Abril para participar do projeto Veja Regional, tam-bém como repórter especial. “Vendo as limitações encontradas pelas novas safras de jornalistas, sinto-me privilegiada”, afirma Denise, referindo-se a sua inserção no mercado de trabalho.

Mas a trajetória da jornalista foi muito além. Em 1992, recebeu um convite para ocupar na revista Visão o cargo de editora de Cultura. A experiência seguinte foi a de assessora de imprensa do Pro-

jeto Tietê e descobriu que essa também era uma atividade desafiadora e gratificante. Não demorou muito para que a convidassem para trabalhar numa agência de comunicação que estava se lançando no mercado já com uma importante carteira de clientes. “Foram seis anos bem movimentados até que, um dia, fazendo um balanço da vida profis-sional com uma grande amiga, tomamos a decisão de criar a nossa assessoria de imprensa, a Oficina da Palavra”, completa.

Sua rotina é típica de um profissional que trabalha em uma assessoria de imprensa: vive em função do cliente, planeja, atende às demandas que vão surgindo no dia-a-dia, antecipa-se às necessidades de cada um oferecendo serviços de acordo com as tendências do mercado em que atua, investe no relacionamento com os colegas das redações, entre outras tarefas. “Trabalho da manhã à noite, doação total, sempre querendo fazer melhor a cada dia. É uma rotina dura, mas, quer saber?, gosto!”, declara, com satisfação.

No entanto, a dedicação à profissão faz com que a jornalista abdique de projetos na vida pessoal. “Aos domingos, por exemplo, abro mão de um ci-nema, uma exposição de arte ou uma sessão de DVD em casa mesmo para criar projetos, repensar formas de atendimento”, diz. Deixa de dar priori-dades também a grandes projetos, como retomar os estudos ou fazer uma viagem longa, porque pensa em trabalho 24 horas por dia. “Sinceramente, não gostaria que fosse assim, queria ter o dom de con-ciliar e até o incentivo de outras pessoas para agir de outra forma”, diz. “Mas já me acostumei a agir assim e não consigo mudar mais”, desabafa.

Contato com a discriminação – A jornalista ad-mite que jamais alguém teve coragem de manifes-tar discriminação diretamente a ela, mas lembra de

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um caso ocorrido numa redação. Certo dia, quando acompanhava a diagramação de uma página, dando palpites, determinando tamanho e lugar da foto, per-cebeu a má-vontade do diagramador, mas fez valer o que queria. “Um colega contou-me que assim que me afastei o sujeito comentou: “Além de mulher, agora tenho de agüentar uma preta”. Ele já se sentia mal com a editora anterior, branca, e a minha chega-da foi demais para o coitado”, recorda.

Mesmo assim, ela não alterou sua forma de tra-balhar. E o curioso é que, na reunião de avaliação daquela edição da revista, o editor-chefe elogiou justamente aquela página, pelo tratamento inovador que valorizou texto e foto. “A resposta ao racismo veio de forma indireta e inquestionável”, justifica.

Questão racial sempre foi muito presente em sua vida. A mãe sofreu discriminação na escola e no tra-balho e sempre estimulou Denise e suas irmãs a en-frentar com altivez qualquer provocação, defenden-do a igualdade racial e seu espaço na sociedade.

Na sua infância, Denise lembra que foi vítima de ofensas e gozação por parte de colegas de classe e de crianças conhecidas. “Crianças conseguem ser muito cruéis quando querem atingir alguém e eu não esca-pei de provocações de um moleque da vizinhança e de uma colega de escola que, com certeza, vivia enciu-mada com as atenções que eu recebia da professora”. Foram as duas situações que mais a marcaram. “Mas sempre tinha uma resposta à altura, daquelas cabelu-das, que calava de imediato os inimigos”, lembra.

Nos tempos de estudante, acompanhava pela im-prensa a luta de Martin Luther King, o movimento dos Panteras Negras e a luta contra o apartheid na África do Sul. “No Brasil, essa questão é mais recen-te, até porque se praticava uma igualdade hipócrita, havia um racismo velado e de efeito muito pior,

porque dificilmente se podia comprovar, mesmo com o amparo da legislação”, diz, referindo à Lei Afonso Arinos, de 1951. Hoje, Denise ainda se inte-ressa pelo tema e procura ler tudo o que encontra sobre o assunto, mas não é ativista nem participa de qualquer organização com esse fim.

Questão racial no Brasil – Denise acredita que o fato de se admitir que há racismo no Brasil já é um grande avanço porque estimula o aprofundamento de discussões e a busca de mecanismos que asse-gurem aos negros o merecido espaço na sociedade e no mercado de trabalho. “Falo do sentimento de cidadania, da conscientização da igualdade, de fa-zer parte num país de tanta miscigenação”.

Não são de todas as políticas públicas que De-nise Lima é a favor. Ela não aprova, por exemplo, a política de cotas nas universidades. Segundo a jornalista, este sistema é um empurrãozinho para que os negros conquistem educação de nível su-perior. “Mais que a barreira racial, é a discrimina-ção econômica que aprofunda o fosso”, diz. Para Denise, os negros saem duplamente prejudica-dos, sem dúvida, porque a maioria vive na pobr-eza. “Defendo mesmo é um ensino público de qualidade para que as pessoas pobres, brancas ou negras sejam capacitadas e tenham a oportu-nidade de ascender na escala social”, completa.

Para Denise, a mídia está mais atenta à questão racial, promovendo o debate e a informação, além de denunciar abusos com maior freqüência. “Está cumprindo de alguma forma o seu papel social e vemos os reflexos disso no cotidiano”, diz. “Já não há mais aquela história de fingir que não existe racismo, quando, no resto do mundo, com raras exceções, se discute a importância da co-existên-cia”, finaliza.

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Raça é um termo que pode ser usado de muitas maneiras. Uma delas está relacio-nada ao fenótipo, conjunto de caracterís-ticas físicas, como, por exemplo, cor da

pele ou textura do cabelo, que permite identificar indivíduos como pertencentes a um certo grupo. Assim, fala-se da raça negra, da raça branca, etc. No Brasil, a palavra “cor” é usada como sinôni-mo nesse contexto. Este trabalho de conclusão de curso sobre a inserção da jornalista negra nos veículos de comunicação da Baixada Santista adota o fenótipo para classificar, pois é o meio mais seguro e evidente.

Este também é o critério usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) para realizar o censo brasileiro e todos os demais estudos que buscam conhecer a realidade da população, de acordo com a diversidade racial que a compõe.

O IBGE, com base em autodeclaração, usa a seguinte classificação de cor no censo que reali-za: branco, pardo, preto (e não negro), amarelo e indígena. Esses termos estão relacionados à pig-mentação da pele, cor e textura do cabelo, cor dos olhos, forma do nariz e espessura dos lábios, que conjuntamente compõem o caráter “cor”.

No Brasil, por exemplo, constatou-se que a maio-ria da população brasileira que se julga branca tem sangue negro e índio correndo em suas veias. Por outro lado, muitos negros possuem uma constitu-ição genética majoritariamente branca.

Além do conceito ligado à cor, raça também pode ser definida em outros aspectos. Na Biologia, raça se refere a populações geneticamente diferen-ciadas, isto é, uma subespécie. Mas alguns estudio-sos da genética atual defendem a hipótese de que raças humanas não existem.

Segundo o geneticista francês Albert Jacquard, a raça só tem uma definição permanente se as po-

pulações forem isoladas e suas características esti-verem estáveis durante várias gerações. Como isso não acontece mais, é impossível definir raça, a não ser arbitrariamente, o que tornaria uma classificação sem sentido.

Outra noção de raça conhecida é aquela refe-rente à origem ancestral geográfica, que pode ser africana, européia e asiática. Por exemplo: os ter-mos “preto” e “negro” têm sentido morfológico, enquanto “afro-descendente” relaciona-se com ancestralidade.

Segundo o sociólogo Oracy Nogueira, enquanto no Brasil a discriminação racial se dá pela aparência física das pessoas, nos Estados Unidos, o racismo de origem ancestral acontece primordialmente.

Raça X etniaAo contrário do que muitos pensam, os dois ter-

mos não significam a mesma coisa.Raça está ligada à morfologia e o fenótipo e et-

nia a aspectos sócio-culturais, históricos e psicológi-cos. Um conjunto populacional de raça “branca”, “negra” e “amarela” pode conter dentro de si diver-sas etnias. Etnia refere-se ao âmbito cultural. É um conjunto de indivíduos que, historicamente, tem algo em comum, como a língua, cultura, religião e dividem um mesmo território.

Fontes bibliográficas:NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca

e preconceito racial de origem. Anais do XXXI Con-gresso Internacional dos Americanistas. São Paulo: Anhembi, vol. 1, 1955, 409p.

JACQUARD, Albert. O homem e seus genes. São Paulo: Ática, 1997, 104p.

Site:SILVA, JR., Juarez C. da. Não queríamos ser racis-

tas. < Disponível em: http://www.afropress.com/colunista_2.asp?id=306. Acesso em: 10 out.2007.>

Mas afinal,O Que é Raça?

A palavra vem do italiano razza, que, por sua vez, veio do latim ratio, que significa sorte, categoria, espécie

Por Elys Santiago

A N T R O P O L O G I A

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A luta começou com os três milhões e meio de negros e negras que chegaram ao Brasil na condição de escravos. Este é o número aproximado de africanos, que so-

breviveram à longa travessia da África para o Brasil, mesmo com a morte, segundo historiadores, de 10 a 25% dos que embarcavam que não resistiam à viagem. No entanto, o fato de serem transforma-dos em mercadoria e negociados como animais não tirou dessas pessoas o sonho de liberdade. Por isso, foram desenvolvendo várias formas de re-sistência ao regime.

Mesmo oriundos de diversos países africanos, falando idiomas diferentes e separados de suas famílias, os escravos encontraram muitas manei-ras de se livrarem da escravidão. Desde o suicídio, a mais drástica, até a formação de quilombos, a mais conhecida. Os quilombos eram espaços onde se refugiavam não somente os negros fugi-tivos, como também, pessoas de outras raças que necessitavam de esconderijo.

O mais famoso deles foi Palmares fundado em 1600 durou quase 100 anos, chegando a abrigar cerca de 30 mil pessoas. Seu maior líder, Zumbi, é hoje reconhecido nacionalmente como herói da resistência negra. A data de sua morte, 20 de novembro, festejada como “O dia da Consciência Negra”, é feriado em diversos municípios e em al-guns Estados.

A cidade de Santos também teve quilombos: Garrafão, Pai Felipe e Jabaquara, o mais famoso deles. Este último teve como líder Quintino de Lac-erda, o primeiro vereador e presidente negro da Câmara Municipal de Santos.

A formação desses quilombos é considerada uma das mais eficientes maneiras de manutenção da cultura afro-brasileira, pois muitos dos descen-dentes dos fundadores vivem ainda hoje nessas comunidades. De acordo com o Projeto Brasil Qui-lombola, do governo federal, existem atualmente cerca de 2.842 comunidades quilombolas.

Se poucos são os registros sobre a vida nessas comunidades, informações a respeito da atuação das mulheres que nelas viviam são mais escassas ainda. O livro: Mulheres negras do Brasil, de Schu-ma Schumaher e Érico Vital Brasil, recentemente lançado, trouxe aos interessados pelo assunto e estudiosos em geral uma grande contribuição. Segundo os autores, as mulheres negras não so-mente ajudavam nas fugas, como também chega-ram a liderar alguns quilombos.

A abolição da escravidão em 1888, ao invés da liberdade, deu aos negros e negras três opções: ficar junto aos outros negros que já estavam li-bertos, trabalhando nas mesmas condições ante-riores; concorrer com os chamados trabalhadores nacionais, ou disputar com a mão-de-obra vinda da Europa. Assim, sem terem onde morar, ou con-tinuavam nas fazendas com salários aviltantes ou iam viver nas periferias das cidades onde a maioria da população afro-descendente vive até hoje.

Diante desse cenário, os afro-descendentes foram, ao longo dos anos, sobrevivendo aos obstáculos. Mesmo sentindo na pele o peso do preconceito, da discriminação e dos estereóti-pos negativos a eles atribuídos, construíram os caminhos que levaram o Brasil a reconhecer ofi-cialmente a existência do racismo.

Escravidão e quilombosPor Vera Oscar

H I S T Ó R I A

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BenalvaPós-Doutora, 1m53 e

negra assumidaAos 61 anos, depois de trabalhar em Portugal e em Moçambique, a professora diz que encontrou sua verdadeira vocação: formar jornalistas

Por Carolina FerreiraFotos: Carolina Ferreira

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Professora Benalva foi à África buscar suas origens

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Jornalista há mais de 37 anos, Benalva da Silva Vitório fez mais do que transmitir e informar fatos, fez parte deles. Com uma trajetória de vida divi-dida entre Brasil, Portugal e Moçambique, foi tra-balhar como professora de Jornalismo para trazer questionamentos, ao invés de respostas e provar que o caminho para vitórias profissionais ou pes-soais é a busca constante por conhecimento.

Benalva só entrou para a escola aos nove anos de idade. Enquanto esperava vaga em uma es-cola pública de Praia Grande, era alfabetizada pelas tias. Mesmo com pais semi-analfabetos e com uma vida modesta – o pai ganhava pouco e sustentava sete filhos –, sempre foi incentivada aos estudos.

Em 1970, concluiu o curso de Jornalismo, pa-gando as mensalidades com seu trabalho rea-lizado durante o dia. Fez parte da última turma do curso de Jornalismo da Faculdade de Filoso-fia, Ciências e Letras da Sociedade Visconde São Leopoldo, a-tual Universidade Católica de San-tos (UniSantos), antes da criação da Faculdade de Comunicação (Facos). Em 1971, ganhou uma bolsa de estudos e foi para a Universidade Téc-nica de Lisboa estudar Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas. A partir daí, começou a questionar o mundo, a conhecer suas origens e ter cada vez mais sede de conhecimento.

O fato é que, no terceiro ano em Portugal (1974), vivenciou a Revolução dos Cravos, que derrubou o governo de Marcello Caetano, herdeiro do di-tador Antônio de Oliveira Salazar. Perdeu a bolsa que havia sido concedida por um organismo do governo anterior e foi para a Fundação Calouste Gulbenkian concluir sua dissertação sobre a im-prensa após a Revolução dos Cravos.

Não demorou muito e estava na África, mo-rando em Moçambique e trabalhando na Univer-sidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Lá ficou por cinco anos, mas foram 17 longe do Brasil. “Voltei na época da redemocratização e fiquei quatro anos a reestudar o País como uma criança que nasceu na África”, conta. Ao chegar, entrou direto para o doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e, no ano passado, terminou seu pós-doutorado pela Universidade de Coimbra. “Tiran-do a graduação, continuei a estudar por meio de

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bolsas. Basta querer e empenhar-se para ter bons resultados”, afirma.

Jornalista de sala de aula – A escolha em trabalhar com Comunicação foi, talvez, pela falta de opção. Desejava estudar Psicologia, mas, como em Santos o curso não existia e seu salário não dava para custear um curso em São Paulo, esco-lheu fazer Jornalismo. “Escolhi Jornalismo porque sempre gostei de ler escrever e não me arrepen-do, pois adoro ser jornalista, embora não esteja diretamente na profissão”.

Ainda estudante, chegou a fazer estágio, na época obrigatório, no extinto jornal Cidade de San-tos. Depois de formada, Benalva trabalhou no jor-nal semanal Expresso, de Lisboa, como colunista política e no caderno internacional do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro.

Mais foi trabalhar na formação de futuros jor-nalistas que encontrou sua verdadeira vocação. Na sala de aula, a mulher de 1m53 vira um gigante para envolver os alunos e gerar questionamentos. Seus olhos brilham, trabalha muito a expressão corporal e sorri sempre que um aluno a interrompe com perguntas.

Apesar de não ser uma jornalista de redação, a professora garante que isso não a impede de es-crever e muito. Benalva é membro da Comissão da revista Leopoldianum (UniSantos) e de uma as-sociação do movimento sociocultural em Portugal, o Agir, que trabalha a questão da imigração, além de voluntária do projeto Lusoconto, da Associação Internacional de Países de Língua Portuguesa, e colaboradora da Revista da PUC, do Paraná.

Para ela, a liberdade em escrever sua opinião é a melhor forma de exercer a profissão. “Isso é o

que considero jornalismo: contextualizar os fatos, explicar para o leitor o que está acontecendo”.

A contextualização faz parte do que tenta pas-sar todos os dias nas salas de aula. A professora declara que vê na universidade muitos jovens em busca de um diploma, em vez de aprendizado. Nas aulas que ministra, tenta mostrar aos estu-dantes que esse não é o melhor caminho. “Quem não tem conhecimento não consegue nada, nem ser cidadão”.

Como docente, dá aulas e orientação de Tra-balho de Conclusão de Curso para Jornalismo, mas também ensina alunos dos cursos de Nutrição e Geografia e coordena a Faculdade da Terceira Idade na mesma instituição.

Aos 61 anos, esbanja energia para se dedicar à educação e possui grande organização para a divisão de seus horários. Afirma nunca ter abdi-cado de nada para se dedicar exclusivamente ao trabalho. Ainda hoje reserva tempo para a natação e caminhadas. “Vivo tudo o que tenho direito e ainda vou viver muito mais ainda”.

Algumas barreiras – A visibilidade e o status de alguns famosos da área não influenciaram a escolha. Pelo contrário, nos anos 60, o obstáculo para a inserção na área não era pela etnia e sim pelo sexo. “Naquela época, mulher não tinha um grande espaço nos meios de comunicação”, afir-ma. Benalva conta que, no ano em que entrou para a universidade, foi quando as primeiras mu-lheres começaram a trabalhar no jornal A Tribuna.

A jornalista recorda que teve de mentir para seu pai durante os seis primeiros meses de faculdade, dizendo que cursava Letras, ao invés de Jornalis-mo, por ser jornalista uma profissão mal vista so-

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cialmente. “Ele dizia que jornalista não tinha boa fama e que advogado era tachado de ladrão”, lembra. “Por isso, não queria as filhas com esses ofícios”.

Benalva afirma que foi dentro de uma redação que se sentiu discriminada pela primeira vez. Segundo ela, trabalhava no caderno internacional do Jornal do Brasil e ouvia piadas de seu editor por ter conquis-tado sucesso em Moçambique devido à precariedade de cultura e educação naquele país. “Ele me falou que em terra de cego quem tem um olho é rei”, recorda. “Era considerado um ótimo jornalista, mas não passava de um machista preconceituoso”.

Sua bagagem cultural também incomodou alguns familiares. Alguns parentes por parte de mãe, descendentes de portugueses, zombavam de seu crescimento profissional. “Minhas primas me chama-vam de negrinha exibida. O negro só não incomoda quando possui cargos considerados inferiores, mas, quando compete por cargos maiores e se projeta, o preconceito é exposto”, declara.

A ausência de discussão racial dentro de casa foi positiva em seu percurso. Benalva conta que, quando tinha 15 anos, seu pai a chamou para contar que seu avô era negro. A conversa feita de forma sigilosa poderia ter lhe transmitido sentimento de inferioridade, mas, ao contrário, a deixou feliz e com vontade de buscar sua origem. “Prometi a mim mesma que iria a África buscar minhas origens, fui e lá tive meu filho”.

Para a professora, o preconceito racial poderia ser chamado de preconceito sócio-econômico. “É pre-ciso dar condições para que essas pessoas estudem e vençam o preconceito com a competência e o conhecimento”, defende. A história da jornalista é uma prova de que esse pode ser um caminho. Aos colegas de trabalho que durante seu percurso a discriminaram por seu fenótipo, ela dá o seu recado: “Faço sombra para muita gente que não quer trabalhar, estudar, produzir e tem medo da sombra da Benalva de 1m53, negra assumida”.

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EDUCAÇÃO, RELIGIÃO E RESISTÊNCIA

Adquirir conhecimento foi mais uma forma de resistir encontrada pela população negra. Com o aprendizado da escrita e da leitura, homens e mulheres negros passaram a escre-ver manifestos em que pressionavam as autoridades diante das desigualdades existentes. O livro Mulheres negras do Brasil, de Schuma Schumaher e Érico Vital Brasil, destaca a

atuação de Maria Firmina dos Reis (1825-1917), escritora, poetisa e educadora como exemplo de exercício da resistência através da educação. Esses manifestos, porém, não foram suficientes para fazer com que os afro-descendentes al-cançassem a igualdade que tanto almejavam. Tampouco as mudanças ocorridas na educação na década de 30, com a elaboração do Manifesto da Educação Nova, que iniciou a organização e sistematização do ensino público, resultaram numa maior integração dos negros e negras no corpo docente das escolas. Dessa forma, mesmo a população negra representando a maior força de trabalho na construção das riquezas do País, sua contribuição é pouco reconhecida. Os negros e negras raramente ocu-pam posições de destaque ou cargos de decisão nas esferas públicas ou privadas. Apesar dos avanços conquistados na construção da igualdade racial no Brasil, a força do povo negro ainda não foi suficiente para melhorar substancialmente sua condição de vida e tirar a mulher negra da base da pirâmide social. A prática das religiões de matriz africana foi mais um dos elementos de preservação da cultura africana e de resistência à imposição da religião católica, por parte dos colonizadores. Através de atos litúrgicos, de acordo com suas etnias e divindades cultuadas, as sacerdotisas ou mães-de-santo transmitiam oralmente tradições milenares, numa exemplar forma de poder feminino, ainda hoje, exercido pelas mulheres nessas religiões.

Por Vera Oscar

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História e invisibilidadePara a historiadora Wilma Therezinha, a invisibilidade das mulheres se deve à visão machista de quem escrevia a história: os homens

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Por Vera OscarFotos: Elys Santiago

Maria Patrícia Fogaça é uma das pou-cas mulheres negras conhecidas na história de Santos. Maria Patrícia se destacava, em 1871, como parteira

e conselheira das famílias da região. O livro Mul-heres negras do Brasil, de Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil, a descreve como competente, sensível e dedicada, tendo por isso conquistado credibilidade e superado a discriminação racial. A parteira morreu em 1913 e seu enterro mo-bilizou toda a cidade. Para homenageá-la, um parque infantil leva, hoje, seu nome.

Para a historiadora Wilma Therezinha de An-drade, doutora em História Social pela Universi-dade de São Paulo e professora da Universidade Católica de Santos (UniSantos), a existência de poucos registros de mulheres como Maria Patrí-cia se deve, principalmente, à visão machista de

quem escrevia a História. “A história era escrita pelos homens e eles, deliberada, ostensiva ou chauvinisticamente, ignoravam as mulheres”, diz. Segundo ela, todas são ignoradas: “Tanto às brancas como às negras, eles não dão a mí-nima”, completa.

De acordo com a professora, Santos foi uma das cidades que se destacaram no período aboli-cionista por ter vários quilombos. “A existência desses quilombos que eu chamo de suburba-nos contribuiu diretamente para o processo de libertação”, conta. “Os mais conhecidos foram Jabaquara, Garrafão e Pai Felipe, mas não há registros sobre a participação das mulheres nessas comunidades”, diz a historiadora.

Wilma Therezinha menciona outra mulher ne-gra conhecida da época da abolição: “Chama-va-se Abrandina e vivia maritalmente com José

A pesquisadora Wilma Therezinha destaca Santos no período da abolição

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Teodoro dos Santos, Santos Garrafão, abolicionista”. Segundo a historiadora, Abrandina era con-hecida por seus dotes culinários e, também, por ajudar seu companheiro a esconder escravos fugitivos. Mais tarde, Garrafão fundou um quilombo que acabou levando seu nome.

Para Wilma Therezinha, essa invisibilidade é injusta porque, após a abolição, coube às mulheres o sustento da família. “Com o preconceito contra o trabalho herdado do branco, o negro, quando se libertou, não queria procurar trabalho”, diz. “Só se não se cansasse muito e ganhasse bem”, ressalva. E continua: ”Além disso, a mulher tinha muito mais facilidade de arrumar emprego do que o homem porque ela sabia cozinhar, lavar, costurar, tomar conta de criança”, diz.

Ela cita alguns outros registros de mulheres negras lembradas apenas como mães, ou compa-nheiras de algum santista ilustre. “Certamente, muitas dessas mulheres tiveram participação ativa na história da cidade, mas nada foi registrado”, diz. “No entanto, com os estudos de gênero, ini-ciados pelas mulheres, muitas coisas estão sendo descobertas e muitas serão”, declara.

Quanto à ausência de mulheres em áreas profissionais de maior destaque na sociedade e nos espaços de poder e decisão do País, a professora opina: “Estamos assistindo a um processo de valorização, um começo de inserção”, diz. “Na medida em que a mulher for sendo educada, for freqüentando faculdade e mostrando que tem capacidade, esse número vai aumentar”, acres-centa. E finaliza: “É uma questão de tempo e capacitação”.

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TRÊS em UMA

O cotidiano de Íris Cary é semelhante ao de toda dona-de-casa. As primeiras ho-ras do dia da jornalista são dedicadas ao lar. Por volta das 6 horas da manhã,

ela organiza o dia da família, prepara o almoço, co-loca roupa na máquina de lavar e leva suas filhas à escola. “Esta é só uma parte da minha rotina de trabalho não remunerado, igual à da maioria das mulheres”, compara.

Nunca traçou um plano de carreira. Mas, ao lon-go do tempo, fez?

trabalhos que considera interessante. Acredita que, por ser casada com um jornalista, a profissão faz parte dos projetos de vida. E vice-versa. “Embo-ra eu já tenha achado normal trabalhar treze horas por dia, hoje, não gostaria de me dedicar à profis-são em detrimento do convívio familiar”, afirma.

Sua experiência profissional começou por meio de um estágio em uma emissora de rádio, nos três últimos anos de faculdade. Devido ao saturamento do mercado de trabalho, resolveu sair de Santos. “Assim que peguei o diploma, decidi que trabalha-

ria em São Paulo”, lembra. Nessa mesma época, combinou de manter contato com um amigo que já trabalhava na Capital, que acabou por indicá-la para substituí-lo na assessoria de imprensa de um grande sindicato. “Foi uma tremenda sorte. Logo foram surgindo outras oportunidades em jornais impressos”, diz.

Em 1994, ficou grávida e voltou à cidade natal, já que São Paulo não iria garantir uma boa quali-dade de vida ao bebê. No período da gestação, só trabalhava como free lancer com horários flexíveis que permitiram dedicação à maternidade.

Quando estava planejando voltar ao batente diário, engravidou de novo. “Daí em diante, tra-balhei em campanha eleitoral, imprensa sindical, jornal semanal, rádio, revista, assessoria de impren-sa para empresa, para políticos”. A jornalista afirma que só não tem em seu currículo a experiência com web jornalismo. “Como dá para perceber, não houve dificuldade para entrar no mercado de trabalho. Fui entrando, sem pedir licença. Sem en-canação. E até hoje sobrevivo exclusivamente da

Iris Cary, jornalista da estatal Radiobrás, é uma das muitas mulheres que se desdobram para conciliar suas tarefas cotidianas. No caso dela, mãe, esposa e jornalista

Por Elys SantiagoFotos: Divulgação

R E P O R T A G E M

Íris Cary: questão racial deve ser discutida

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minha profissão”, orgulha-se.Hoje, Íris mora em Brasília com o marido, que

também é jornalista, e as duas filhas. Trabalha na Rádiobras, veículo de comunicação estatal. “Es-colhemos Brasília para trabalhar a viver. De certa forma, a distância e saudade da família, dos par-entes, dos amigos, são conseqüência da atual es-colha profissional”.

Na profissão, sentiu-se discriminada apenas uma vez, quando trabalhava num jornal diário, im-presso, na capital paulista. Ela havia marcado en-trevista com uma autoridade. O porteiro do prédio público em que o entrevistado estava duvidou de que ela estivesse ali como repórter. “Senti-me in-comodada de verdade”, diz. “Foi uma das poucas vezes na vida em que precisei apresentar a identi-ficação funcional. O mais curioso é que o porteiro era nordestino”, lembra.

Trajetória – Sua mãe trabalhou muito para atin-gir um patamar que se pode considerar de classe média. Foi assim que teve a oportunidade de estu-dar em uma das escolas particulares mais tradicio-nais de Santos. “Ela conseguiu dar uma boa educa-ção para mim e para os meus irmãos. E para fazer o curso de Comunicação Social consegui uma bolsa de estudo”, conta. Na sua turma, havia apenas três negros contando com ela. “Eram daquele tipo que se consideravam morenos”.

A escolha de ser jornalista surgiu em um teste vocacional que fez na adolescência. “Inicialmente, eu gostaria de ter cursado Psicologia. Mas desisti da idéia quando ouvi o diagnóstico: ansiosa, in-quieta, curiosa e questionadora”. Com essas ca-racterísticas, Iris acreditou que a Comunicação, em especial o Jornalismo, tinha muito a ver consigo.

Discussão racial não era um dos temas mais dis-cutidos na família, mas sabia desde pequena que tinha que se esforçar em dobro para conquistar o que almejava. “A lição básica da minha mãe era aquela: por sermos negros, tínhamos que ser mais estudiosos, limpinhos e educados”, recorda.

Nos tempo de adolescência, nunca passou por nenhuma situação de sofrimento, mas lembra de um comentário feito por aquela que considerava sua melhor amiga que a deixou um pouco inco-

modada. “Ela gostava muito de mim, apesar de eu ser negra”.

Afirmação – Segundo Iris, seu envolvimento com o movimento negro só começou quando co-nheceu seu atual marido. “Estávamos começando a namorar quando ele me convidou para assistir a uma palestra do sociólogo Florestan Fernandes. Esse foi um momento importante”, acredita.

Para a ela, cada um tem a obrigação de fazer o que for possível para que o mundo seja me-lhor. “Não imagino um mundo melhor sem que a gente discuta a questão racial. Nunca fui mili-tante, mas sempre colaboradora do movimento negro”, ressalta.

Atualmente, participa da Comissão de Jor-nalistas pela Igualdade Racial (Cojira), do Distrito Federal, criada em agosto de 2007, no âmbito do Sindicato dos Jornalistas. Iris explica que o objetivo dessa comissão é trabalhar relações raciais e jor-nalismo. “Considero importante essa mobilização porque os jornalistas não podem ficar de fora de uma discussão que, felizmente, está se ampliando e envolvendo os mais variados segmentos soci-ais”, opina.

A luta contra o racismo teve avanços, prin-cipalmente, em seu cotidiano. “A crescente preo-cupação com atitudes politicamente corretas, a legislação e a pressão exercida por segmentos do movimento negro vêm conseguindo pôr um freio na discriminação”, afirma. Para a jornalista, o re-conhecimento da eficácia das políticas afirmativas é outro ponto positivo. No entanto, reconhece que ainda há muito a ser feito. “O Estatuto da Igualdade Racial, por exemplo, precisa logo sair do papel”, acrescenta.

Iris aponta que os veículos de comunicação, principalmente a televisão, que exerce grande in-fluência sobre o imaginário, ainda têm uma dívida com os negros, tanto na publicidade quanto na dramaturgia e no jornalismo. “Há várias pessoas apontando esta realidade incontestável: ainda te-mos espaço restrito. Seja em se tratando de pôr a cara no vídeo ou na discussão de temas como crimes de racismo, direitos quilombolas, acesso à educação e, por aí vai”, constata.

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Professora universitária, assessora de im-prensa, repórter de TV e jornal impresso, secretária de governo, ministra. Todas tive-ram chance de estudar e são pós-gradua-

das, mestres, doutoras. Mas, por serem mulheres e, principalmente, negras, elas fazem parte de um reduzido grupo, exceção no País.

A quase totalidade vem de famílias muito hu-mildes com pais semi-analfabetos. Em seus rela-tos, falam com alegria das vitórias e das conquis-tas, mas falam também de preconceito, medo, solidão, racismo, discriminação. Sabem o tamanho de suas responsabilidades e cobram da sociedade e dos governos ações que promovam igualdade racial de gênero e social no Brasil.

É reduzido o número de jornalistas negras atuan-do nos veículos de comunicação da Baixada. Esse é o resultado da pesquisa realizada pelo grupo, que reproduz a histórica e cultural sub-representação da mulher nos espaços públicos e formadores de opinião no Brasil e no mundo. Sub-representação ainda maior, em se tratando de mulheres negras.

Quantas advogadas, médicas, engenheiras, reitoras, professoras universitárias, jornalistas e apresentadoras de TV negras conhecemos? Em certas ocasiões, triplamente discriminadas, as mu-lheres negras ficam à margem das conquistas so-cais e suas vidas se assemelham à do tempo colo-nial em que, escravizadas, eram submetidas a toda sorte de exploração e exclusão.

Pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, comprova que as mul-heres negras são discriminadas durante o pré-natal e o parto no atendimento público de saúde devi-do à cor de pele, idade e nível de escolaridade. Não existem registros de pesquisas semelhantes em outros Estados, mas podemos supor que essa situação se repita.

Seus filhos, que já nascem discriminados se per-tencerem ao sexo feminino, terão essa discrimi-nação potencializada. Essas meninas, na maioria, serão educadas para escolher determinadas profis-sões, tidas pela sociedade como próprias para

mulheres, sempre relacionadas ao cuidar e ao ser-vir. Se a situação econômica é fator preponderante na escolha do curso por aquelas que conseguem acesso à universidade, a educação machista ajuda a direcionar a escolha, reduzindo, ainda mais, o número de mulheres em geral no exercício de muitas profissões.

Várias reportagens desta edição descrevem a precária situação das mulheres negras em diver-sas áreas: saúde, trabalho, moradia, emprego, educação, acesso ao poder. Na área trabalhista, por exemplo, elas continuam sendo a maioria nas profissões de menor reconhe-cimento, com salários precá-rios e, muitas vezes, sem os mesmos direitos dos outros trabalhadores em geral.

Esta é a situação das empregadas domésti-cas, ocupação maciça-mente feminina e ma-joritariamente negra. De acordo com o Plano Na-cional de Amostra Domi-ciliar (PNAD), de 2005, os empregados domésticos somam 6,6 milhões no Bra-sil, dos quais 93,4 são mu-lheres. Essa categoria não tem os mesmos direitos tra-balhistas reservados às outras categorias e, na maioria, não possui carteira assinada.

Todas as profissões têm sua importância e na sociedade. No entanto, a de jornalista pela responsabilidade de transmitir informações e fornecer subsídios para a formulação de idéias torna-se fundamental na construção e manutenção da democracia. Não retratando a diversidade brasileira em seus quadros, e não dando a

As Jornalistas Negras, Onde Estão?E N S A I O

Vera Oscar (*)

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devida importância à desigualdade racial e de gênero exis-tentes, está a mídia cumprindo seu papel?

Aliás, esse é um questionamento presente em vários debates realizados pelos movimentos sociais. Até que ponto a mídia repro-duz, por ação ou omissão, preconceitos e estereótipos que acabam reforçando o machismo, o racismo e os vários tipos de preconceitos existentes no País? Outra pergunta se impõe: Qual a responsabili-dade das universidades e dos profissionais que já atuam na área pela invisibilidade de determinados segmentos e pela ausência de alguns temas na comunicação em geral?

Por tudo isso, o trabalho realizado por nós foi gratificante e, ao mesmo tempo, nos mostrou a enorme responsabilidade que es-tamos assumindo. Logo nos tornaremos jornalistas e entraremos também para o rol das poucas mulheres negras com grau univer-sitário no País. Nosso desafio é usar a profissão não somente para nossa subsistência, mas também como instrumento de transforma-ção da sociedade, que, sem igualdade racial, de gênero e social, jamais será verdadeiramente democrática. ____________________(*) Vera Oscar é assessora parlamentar da deputada estadual Maria Lúcia Prandi.

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