Principais textos em conjunto
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ABRANCHES, Mônica. Colegiado Escolar: espaço de participação da comunidade. São Paulo: Cortez, 2003 - (Capítulos 1, 4 e conclusões).
Este livro analisa a participação da comunidade no processo de
gerenciamento da educação pública, por meio da experiência de gestão colegiada
nas escolas públicas, no momento em que há um crescimento de experiências
inovadoras na administração escolar.
Trabalhou-se com a hipótese de que a descentralização e a participação
social são canais democráticos que permitem um aprendizado político e o exercício
da cidadania.
A proposta era identificar as formas de atuação de pais e alunos nos
colegiados escolares, e qual o tipo de aprendizado político estes constroem,
investigando como respondem ao serem chamados para ocuparem e realizarem a
tarefa de gerenciar as decisões públicas no âmbito da educação.
A presença mais ativa dos pais na educação de seus filhos melhora a
qualidade dos serviços e o gerenciamento escolar, proporciona condição de trabalho
mais favorável (para os professores e funcionários) e aumento de satisfação dos
educandos.
A gestão colegiada proporciona a oportunidade do exercício da participação e
do incremento do processo de democratização, iniciando um momento novo para a
Escola Pública.
Através da participação nos Órgãos Colegiados aprendemos a eleger o
“poder”, a fiscalizar, a desburocratizar e a dividir responsabilidades.
Capítulo 1
Democratizando as relações sociais na educação: participação e descentralização
Os anos 80 foram marcados pela luta em prol da redemocratização das relações
sociais e políticas no país. Caracterizou-se como um período de debates, em todas
as áreas, de temas como universalização de direitos, descentralização, participação.
Consolidando esta trajetória, a Constituição de 1988 estabeleceu bases
jurídicas para a elaboração de uma ‘nova versão’ de cidadania: é o início da
chamada cidadania política, que transcende os limites da delegação de poderes da
democracia representativa, aproximando-se da democracia participativa.
Participação da sociedade civil nas discussões públicas, possibilitando a
concretização de uma dinâmica que permita o aprendizado e o amadurecimento
político da comunidade a partir da efetivação de estruturas participativas.
É a partir da Constituinte que a descentralização apresenta-se como palavra
de ordem no setor político e administrativo, demarcando uma nova ordem na
sociedade brasileira, garantindo-lhe o direito de formular e controlar políticas
públicas.
A tensão entre a centralização, implantada pelo poder autoritário, e a
descentralização determina a redefinição do papel do Estado na sociedade
brasileira: começa a melhor distribuição de competências entre o poder central e os
poderes regionais e locais.
A descentralização caracteriza-se como exigência frente à incapacidade do
Estado em responder às demandas da população, principalmente no que se refere
às necessidades sociais básicas.
É preciso considerar que, se de um lado a descentralização pode representar
um mecanismo de participação que permite o retorno do poder à sociedade civil, por
outro, pode caracterizar-se como uma forma de reforçar o aparelho de dominação,
encobrindo uma relação autoritária.
Cabe, aqui, uma reflexão sobre a descentralização também como estratagema
estimulado pelas políticas neoliberais, amparadas pelo discurso da ‘modernização’,
que objetiva diminuir a ação estatal na área do bem-estar social, com a intenção de
reduzir as despesas públicas neste setor.
A professora Rosa Helena Stein completa essa idéia, descrevendo a intenção
do processo de descentralização que é o de “neutralizar as demandas sociais,
desconcentrando os conflitos e envolvendo a população na busca de soluções para
seus próprios problemas”.
Como contraponto às teses neoliberais organizam-se os Novos Movimentos
Sociais, que contribuem para a elaboração de novas alternativas de uma efetiva
partilha do poder entre o Estado e as coletividades locais.
É preciso ressaltar que nas estratégias de descentralização, como
transferência de poder do Estado para as organizações da sociedade civil, estão
presentes:
O processo de participação comunitária;
A aproximação do poder público das reivindicações da sociedade;
A simplificação das estruturas burocráticas - que aprisionam as
iniciativas do governo; e
As ações que sugerem a democratização do poder público,
contemplando novas experiências governamentais e reconhecendo
novos atores políticos.
Juan Cassassus, analisando os processos de descentralização educacional
na América Latina, define todos eles como desconcentração, ou seja, como um
processo de repasse de atribuições administrativas para esferas inferiores ao poder
central. É necessário enfatizar que a desconcentração não possibilita uma
verdadeira autonomia administrativa.
Entende-se a municipalização como a passagem progressiva de serviços e
encargos que possam ser desenvolvidos mais satisfatoriamente pelos municípios. O
município é a unidade político-administrativa que oferece melhores condições para a
prática da participação popular na gestão da vida pública.
Partindo dessas análises, podemos concluir que as práticas políticas
descentralizadas e participativas deveriam ter como objetivo principal possibilitar, de
forma mais direta e cotidiana, o contato entre os cidadãos e as instituições públicas,
de modo que estas possam considerar os interesses e as concepções de
interlocutores coletivos.
Portanto, o processo de descentralização que concordamos, pressupõe a
existência da democracia, da autonomia e da participação. Estas categorias são
entendidas, aqui, como medidas políticas das relações de poder, que implicam a
existência de um pluralismo, entendido como ação compartilhada do Estado e da
sociedade na produção de bens e serviços públicos que atendam às necessidades
básicas dos cidadãos.
A descentralização só existe no momento em que as decisões locais
possuem uma certa autonomia e emanam de uma coletividade. O processo de
descentralização estimula a participação social, mediante o deslocamento dos
centros decisórios. A descentralização, por outro lado, só se torna possível pela
participação.
Portanto é necessária a existência de pré-condições para que a
descentralização viabilize processos de participação popular:
Garantia de acesso às informações necessárias para a gestão;
Garantia de assento aos segmentos menos poderosos da sociedade
na composição de conselhos.
Transparência dos processos de gestão e tomada de decisões.
É na busca de novos espaços e de renovação da forma de atuação da
sociedade civil no âmbito público, que compreendemos a participação da
comunidade em espaços como a escola pública, procurando discutir a construção de
uma nova estratégia de participação ante as diretrizes e ações do Estado.
O próprio conceito de gestão autônoma e colegiada em setores públicos,
principalmente no sistema de ensino público, vem inspirando-se em teorias
organizacionais recentes e em inovações administrativas empresariais, frutos de
novas formas de organização dos interesses econômicos e da inserção da
sociedade em uma nova divisão internacional do trabalho e em uma rígida
segmentação entre as classes sociais.
A crise do setor público educacional relaciona-se à forma como o Estado vem
administrando o ensino público: centralização, desarticulação, gigantismo do sistema
– que demanda uma grande estrutura burocrática.
O modelo administrativo centralizado não permite uma gestão direta,
necessária para agilizar a solução de problemas na escola. A falta de transparência
e informações de ordem financeira e orçamentária permite a persistência do
clientelismo e do favoritismo político.
O fato é que, com o amadurecimento do processo de redemocratização do
País, em conjunto com os processos de reestruturação da economia e de
reorganização do Estado, gera-se uma demanda de envolvimento da sociedade civil
e de suas entidades representativas.
O aparelho do Estado tornou-se mais receptivo à participação popular e os
grupos populares vêm sendo reconhecidos como interlocutores necessários quando
da implantação de políticas sociais. Entretanto, a redemocratização do aparelho
estatal é um processo longo, que requer mudanças concomitantes em várias redes
de influência política e que marca uma certa falta de sincronismo, tanto na promoção
de políticas participativas quanto na ação da sociedade organizada e dos
movimentos sociais.
Nesse sentido a sociedade civil deve se preparar para responder à
institucionalização da participação e repensar sua atuação como indutora de
mudanças na ‘nova cultura política popular’; deve criar espaços autônomos de
organização.
A participação popular passa a ser componente obrigatório de um projeto
alternativo de transformação do poder público. Uma nova estrutura estatal poderá
surgir dos conselhos, articulando a democracia representativa e a democracia direta.
A responsabilidade deliberativa, aliada a situações normativas e
controladoras, impõe às novas estruturas de participação um significativo papel na
construção do exercício da democracia participativa.
A participação poderá estabelecer um modo de conviver capaz de socializar o
universo político, incorporando-o aos indivíduos envolvidos nos mecanismos de
definição e de execução dos princípios diretivos da comunidade. Os atores sociais
passam a ter um papel ativo nas decisões sobre elaboração, execução e controle
das políticas públicas.
A participação social vai, ainda, depender do grau de organização dos atores
sociais, da identificação e agrupamento dos interesses e dos recursos de poder que
esses atores sociais dispõem.
Partindo dessas observações, pode-se afirmar que espaços de convivência e
de participação que geram conflitos, que permitem o cruzamento de informações e
trocas de experiências, podem caracterizar novos espaços públicos que,
possivelmente, viabilizam processos efetivos de aprendizado e amadurecimento
político para a constituição de uma participação efetivamente qualitativa.
A oportunidade da participação em setores e decisões de ordem pública,
coletiva, faz com que os indivíduos estabeleçam contato com problemas políticos
governamentais, conflitos entre o poder público e a sociedade civil e com as
demandas comunitárias, acima de reivindicações individuais e particulares.
Isto resulta no envolvimento dos atores sociais com novos significados no
âmbito político e social, estabelecendo uma noção de identidade coletiva, necessária
à participação social e à concretização do processo democrático.
A participação será qualitativa à medida que se estabelece uma constância na
prática de participar dos atos corriqueiros dos indivíduos e em seus grupos sociais.
É no dia-a-dia que o sujeito se depara com escolhas e cria sua própria
história. É o cotidiano o lugar no qual se exercitam a crítica e a transformação do
próprio meio.
Valorização do espaço público como o lugar da ação, da liberdade,
reafirmada pela oportunidade da palavra viva e da ação vivida no mundo público e
da sua crença na democracia participativa; como lugar do aprendizado político, que
incentiva a elaboração de experiências democráticas no cotidiano dos indivíduos, e
na esperança da educação como formadora de cidadãos ativos.
Segundo a filósofa Hannah Arendt, a história do mundo moderno é uma
caracterização da dissolução do espaço público, pois esta se caracteriza como uma
sociedade despolitizada, marcada pela indiferença em relação às questões públicas
e pelo individualismo.
O mundo comum é uma construção que necessita dessa forma específica de
sociabilidade que só o espaço público pode instituir, pois este se manifesta de
maneira real apenas quando as coisas podem ser vistas por várias pessoas, numa
variedade de aspectos, sem mudar de identidade, ou seja, quando todos
compartilham um mesmo espaço e podem trocar experiências, confrontar conceitos
e discutir temas comuns.
Garantir a existência do espaço público significa garantir a presença de todas
as opiniões possíveis para que os homens possam se orientar em um mundo que é
caracterizado pela ‘pluralidade’ de agentes, pela contingência dos acontecimentos e
pela imprevisibilidade dos efeitos da ação que cada qual realiza.
Arendt nos apresenta, ainda, o espaço público como um lugar da visibilidade
e do aparecimento, onde a singularidade de cada indivíduo pode ser reconhecida e
apreendida pelos outros. Trata-se de definir o espaço público como um lócus que só
pode ser construído pela ação e pelo discurso entre os indivíduos.
O diálogo é o que possibilita aos homens revelarem as questões públicas a
todos os outros, é pela palavra que podemos construir uma interação política. E a
ação é a capacidade dos homens de produzir fatos e eventos em um espaço no qual
é garantido o seu aparecimento para outros homens, e portanto, de caráter político.
Agir é tomar iniciativas, decisões, é falar, solicitar o assentimento e o acordo
do outro, é provocar diversas reações. É agente porque provoca reações e também
é paciente porque recebe as conseqüências de suas ações.
Capítulo 4 - Gerir a educação: um aprendizado para a comunidade
Os indícios recolhidos em documentos, em entrevistas e nas observações feitas
em experiências colegiadas, foram transformados em categorias com as quais
pudemos separar e trabalhar três temas básicos:
As concepções e avaliações a respeito da descentralização e dos
órgãos colegiados, bem como as propostas e estratégias para sua
concretização;
A participação dos pais representantes da comunidade na gestão
colegiada, suas posições mediante o trabalho coletivo e a identificação
das suas respostas ao serem chamados para gerenciar as decisões
públicas na educação; e
O aprendizado político adquirido pelos representantes da comunidade
no processo participativo, especificando como se dá e qual tipo de
aprendizado eles absorvem e constroem ao longo desta experiência.
4.1 Descentralização da escola e a implantação dos órgãos colegiados
As atas dos colegiados revelaram que os temas das discussões percorrem
três níveis distintos de decisões: questões financeiras, administrativas e
pedagógicas.
As demandas partem da escola, em pauta apresentada pela diretora e
presidente do colegiado. São mínimas as reivindicações dos representantes dos
pais trazidas para as reuniões.
Nas questões financeiras, apesar de haver prestações de contas, observa-se,
que a direção já apresenta uma planilha de gastos e de um valor predefinido para a
contribuição dos pais, submetendo-os somente à aprovação.
Somente sobre os problemas relativos aos pais e alunos é que os
representantes da comunidade se pronunciam mais ativamente, trazendo outros
pais envolvidos e solicitando a presença de vários professores ou técnicos da
Secretaria da Educação para as discussões.
Quanto às questões pedagógicas, elas estão totalmente monopolizadas pelos
professores e pelos diretores, e poucas vezes são colocadas. Quando a comunidade
participa, como na elaboração do projeto político-pedagógico e do regimento interno
da escola, verifica-se que a tarefa dos pais se restringe à distribuição e recolhimento
de questionários entre a comunidade. O levantamento de resultados e a elaboração
do projeto são feitos somente pelos representantes da escola.
O serviço burocrático das resoluções tomadas nos colegiados é quase
totalmente entregue aos pais. O corporativismo dos representantes da escola é
evidente. A comunidade é mais capaz de discutir abertamente e de ceder.
É evidente a centralização. Mas a garantia da presença de pais nessas
decisões já tem provocado mudanças, que vão lapidando as relações entre a escola
e a comunidade. Os pais apresentam-se bastante interessados em participar das
discussões e opinar sobre os problemas trazidos pela escola. Mas percebe-se que
ficam inibidos pela postura de superioridade dos professores e pela própria falta de
preparo para defender suas posições.
Observa-se a constituição de lideranças nos vários segmentos representados,
com destaque para aqueles que vêm trazendo uma experiência anterior de
participação em grupos religiosos, em grupos de jovens, associações,...
A preocupação com a representatividade é ponto de conflito de poder entre as
pessoas, chegando até mesmo a determinar conflitos pessoais e dificuldade de se
instalar um espírito de coletividade.
Além disso, os pais têm procurado se inteirar da vida escolar de seus filhos,
assumindo uma atitude mais responsável. Compreendem a descentralização como
oportunidade de conhecer os processos da escola, como estabelecimento de uma
abertura para as reivindicações e como um espaço democrático no qual todos
possam participar, independentemente de sua cultura, instrução e classe social.
O grupo da escola é unânime em afirmar que a descentralização significa
dividir as responsabilidades da escola com a comunidade e permite aos
representantes dos pais entrar em contato com as dificuldades por que passam a
escola e os professores, sensibilizando-os para ajudar no que for necessário. É
apresentada, também, uma preocupação com a tomada de decisões respaldada
pela comunidade e a garantia de uma abertura para suas reivindicações.
Esse processo, no entanto, abre espaço para pessoas oportunistas, que
pensam nesta participação como um cargo de poder e aproveitam-se disso. Alguns
membros da comunidade também apontam a continuidade do processo de
centralização nas decisões, principalmente nas mãos do(a) diretor(a), que pode
incentivar ou boicotar o processo.
Os obstáculos são reais e a consciência de sua existência já garante um
passo rumo às mudanças. As experiências colegiadas encontram-se no caminho
certo. Falta, ainda, o espírito democrático, um sentimento de coletividade.
Apesar das descrições um pouco inseguras, o colegiado vem associado a
categorias como: união, trabalho conjunto, organização, integração, aproximação,
ajuda e garantia de direitos.
O grupo da escola apresenta o colegiado como a instância que vai propiciar a
divisão de tarefas e atividades escolares com os pais, a partir de um trabalho
conjunto de todos os participantes deste órgão.
Isso pode representar um problema na construção política da participação,
pois não estamos entendendo a participação como processo colaborativo e, sim,
como ocupação de espaços políticos e garantia de direitos.
O colegiado vem se concretizando como um espaço capaz de expressar
diferentes interesses do poder público e da comunidade e, como tal, permite a
circulação de valores, de articulação de argumentos diferenciados e a formação de
várias opiniões.
Hannah Arendt diria que o colegiado representa um simulacro de espaço
público, pois permite ações no âmbito coletivo. O significado da vida pública justifica-
se a partir da definição de que o mundo é comum a todos e que ocupamos espaços
diferentes nele; e a importância de sua garantia para os indivíduos é que ser visto e
ouvido por outros é fundamental, pelo fato de que todos vêem e ouvem de ângulos
diferentes.
É nessa diversidade que os indivíduos se comunicam, se revelam e se
constroem como sujeitos, porque agem e transformam suas ações em palavras. E é
nesse processo que as informações circulam e as diferentes concepções se
chocam, possibilitando que os indivíduos mantenham contato com diferentes
aspectos das relações humanas (políticos e sociais) que influenciam na sua
formação.
Nessa perspectiva, analisando o processo de descentralização das escolas
públicas e considerando toda a dinâmica funcional e de relações humanas que o
envolve, pode-se compreender a implantação dos colegiados como um processo
educativo, pois, os indivíduos, por sua inserção e participação nos assuntos da
escola e da educação, vão se educando.
4.2 Participação da comunidade nas decisões da escola
É possível verificar a presença maciça dos representantes de pais às reuniões.
Isso reflete o compromisso com a representatividade e assume uma forma de
ocupação do espaço aberto para a comunidade.
Também pode ser verificado que os representantes da comunidade, na sua
maioria, demonstram insegurança no momento das discussões; geralmente falam
pouco. Aqueles que se comunicam mais terminam por liderar o grupo, o que gera
problema de centralização de poder de decisão.
Os pais se mostram mais ativos e participantes quando as resoluções são
concretas e configuradas em tarefas. Apresentam mais dificuldades nas decisões
que precisam de análises e discussões mais políticas ou pedagógicas.
Parece consenso que as dificuldades surgidas encontram soluções na
solidariedade dos indivíduos e nas atitudes cooperativas que caracterizam uma
responsabilidade de todos por todos. Um dado importante é a consciência de que
“se você não participar você não pode exigir” e que “sozinho você não é ninguém”.
Apesar dessa aproximação entre a escola e a comunidade, muitos pais ainda
assumem a posição de repassar a responsabilidade dos filhos para os professores,
e compreendem a escola como um organismo separado da comunidade, com
responsabilidade única de ensinar conteúdos. Assumem a tradicional atitude de
reclamar com o diretor e a fazer comentários negativos fora da escola.
A falta de informação é apontada como um grande obstáculo à participação e
inspira estratégias de mobilização que levem aos pais as vantagens de se participar
da escola. Outro problema é a faltas de articulação da comunidade com seus
representantes.
A efetiva participação da comunidade nas decisões dos assuntos públicos nos
parece, por vezes, utópica, se pensarmos nos inúmeros desafios que ainda devem
ser superados, principalmente porque estamos tratando da construção de sujeitos, o
que requer mais atenção e mais trabalho, além da paciência para romper toda a
resistência e a falta de conhecimento e informação dos indivíduos.
Mas, se acreditarmos que esse processo é possível e que se vincula à luta
pelos direitos sociais, podemos contar com a sua realização por meio de um
trabalho efetivo de preparação política da comunidade, dando-lhe a oportunidade de
ver, ouvir, falar e exercitar sua cidadania.
Consolidar o processo de participação da comunidade na escola como uma
possível ocupação de espaços públicos, está vinculado à garantia de uma
construção coletiva. Cabe um alerta: COLABORAÇÃO NÃO É PARTICIPAÇÃO.
Participação abrange o poder, enquanto a colaboração pode situar-se apenas na
prestação de serviços ou como aval de situações já tomadas. No processo
participativo, todos têm sua palavra a dizer diante das orientações de ações
pedagógicas e administrativas da escola.
Cada pessoa pode se sentir construtora de um todo, que vai fazendo sentido
à medida que a reflexão atinge a prática e esta vai esclarecendo a compreensão, e à
medida que os resultados práticos são alcançados em determinado objetivo.
Para Arendt a participação pressupõe ação política, que determina uma
motivação dos indivíduos por meio de princípios, de um movimento para e pelo
coletivo, e pela busca do alcance da cidadania. A consolidação da democracia está
diretamente ligada à participação efetiva dos diversos atores sociais no espaço
público.
Quanto ao seu caráter de aprendizado político, a experiência participativa
apresenta dimensões diversas:
A participação não se aprende sem a prática de si mesma;
A participação não se assimila pela leitura ou por meio de palestras;
A participação, enquanto o assumir a condição de sujeito, de luta por
direitos e pelo bem-estar comum, representa a elaboração da eficácia
coletiva, condição de exercício da cidadania.
Participar não que dizer mais, ao cidadão, delegar seus poderes, mas de o
exercer, em todos os níveis da vida e em todas a etapas da vida. E isso é processo,
te caráter dinâmico, e supõe consciência, responsabilidade e espírito crítico.
Para promover a participação nas instâncias sociais há uma obrigação do
emprego de uma metodologia adequada para iniciar o processo, que considere os
riscos e conflitos que a vivência da participação proporciona.
4.3 Do aprendizado político adquirido na experiência colegiada
Hipótese: a inserção dos indivíduos em estruturas colegiadas propicia um
aprendizado político que vai, progressivamente, capacitando-os a novas formas de
participação, mais qualitativas, e motivando a sua inserção em outras instâncias.
Acredita-se que o exercício da participação em assuntos públicos põe os
indivíduos em contato com a estrutura do poder, suas dinâmicas e estratégias de
atuação, e com a realidade dos recursos disponíveis e suas possibilidades. Permite
a vivência da correlação de forças, a identificação da necessidade de organização e
articulação política para a conquista de espaços no grupo.
Os indivíduos que estão repetindo sua participação no colegiado apresentam
mais segurança em suas posições, fazem o papel de articuladores do grupo e
assumem uma postura mais crítica em relação aos temas discutidos.
A construção de um espírito de grupo também é evidente, principalmente
quando os pais reconhecem o trabalho que estão realizando como uma tarefa para o
coletivo e demonstram a preocupação com o repasse de informações para a
comunidade e do respaldo desta para a tomada de decisões. A representatividade,
que gera a responsabilidade por outros, requer satisfações para o grupo.
Verificamos ainda a construção de um sentimento de coletividade no
reconhecimento de que existe uma interdependência entre as pessoas para alcançar
objetivos comuns e da idéia de que nas trocas e conflitos, entre o grupo, novas
experiências podem ser apreendidas.
O crescimento político dos indivíduos também é revelado, associando a
experiência de participação no colegiado a um tipo de ‘capacitação’ para futuras
inserções em outras instâncias político-sociais.
Várias possibilidades de aprendizado a partir do exercício da participação, da
prática do conflito e da troca de experiências entre os indivíduos podem ser
identificadas nas estruturas colegiadas e indicar uma preparação deles para a
concretização de uma democracia realmente participativa.
O exercício da cidadania requer dos homens o seu aparecimento no espaço
público por meio da ação e do discurso. É neles que os homens podem mostrar
quem são e apresentam-se ao mundo humano.
Nessa perspectiva é que a participação deve ser incentivada, para que os
homens ocupem espaços públicos que possibilitem a elaboração de um espírito
coletivo. Nesse processo surge a possibilidade do aprendizado político: o
reconhecimento da responsabilidade dos indivíduos em prol de um mundo comum e
do bem-estar coletivo.
Conclusões: analisar os resultados e criar possibilidades
O escopo principal deste trabalho foi em torno da possibilidade de um
aprendizado político da comunidade em um espaço escolar no qual a participação
comunitária vem se consolidando por meio de órgãos colegiados.
A gestão colegiada, incluindo a participação comunitária, é um movimento
com avanços e recuos na construção de sua trajetória na educação. Nessa dinâmica
oscilante, verifica-se um processo de aprendizado político dos envolvidos nas ações
colegiadas.
É por meio da participação efetiva, da compreensão da representatividade, do
compromisso com o coletivo e do assumir a responsabilidade pelo bem comum, que
os participantes vão se relacionando, informando e, conseqüentemente, se
politizando.
Para a comunidade, participar da gestão da escola significa integrar-se e
opinar a respeito dos problemas e soluções do ensino; pode significar,
potencialmente, toda uma apreensão política e organizacional; representa a
possibilidade de uma mudança na visão de gerir a escola, não esperando respostas
prontas; significa, enfim, passar a pensar a escola como um órgão público de fato,
que deve ser dirigido pelo coletivo, envolvido com seus princípios e serviços, e não
somente controlado e fiscalizado.
Para isso deve-se entender que participar não se restringe à ação de ajuda
material e humana que os pais ou a comunidade oferecem à escola, doando
recursos ou trabalhando em sus projetos, de modo passivo. É preciso entender essa
presença como mecanismo de participação política como uma possibilidade real de
tomar decisões.
A participação se apresenta em um todo heterogêneo, no qual os interesses e
as expectativas em relação à escola são diferenciados, o que indica o desafio de
lidar com projetos políticos diversos. A questão é estabelecer o ‘hábito’ das relações
democráticas em todas as instâncias nos quais os assuntos públicos estejam
envolvidos.
“O poder corresponde à capacidade humana não apenas de agir, mas de agir
em comum acordo. O poder nunca é propriedade de um indivíduo, pertence a um
grupo e existe somente enquanto o grupo se mantém unido. Quando dizemos que
alguém está no poder queremos dizer que está autorizado por um certo número de
pessoas a atuar em nome delas. No momento em que o grupo que deu inicialmente
origem ao poder desaparece, o seu poder desaparece também”. (Hannah Arendt)
Com o advento da municipalização, o espaço democrático é possível e o
poder de decisão sobre os rumos da educação pôde se instalar próximo à
comunidade, o que permitiu uma abertura para a participação de todos os
segmentos sociais envolvidos com a escola nas discussões sobre a educação
pública. Por meio dos órgãos colegiados a escola tem a oportunidade de
transformar-se em um espaço de exercício de cidadania e democracia da localidade.
O colegiado deve existir para criar políticas de atuação sobre o orçamento, o
pessoal, o programa escolar, as parcerias, e, principalmente, promover ações que
permitam a interação entre a escola e a comunidade dentro de uma perspectiva
política.
É preciso ressaltar que, em geral, em nossas escolas públicas ainda são
significativamente ausentes as relações humanas horizontais, de solidariedade e
cooperação entre as pessoas. Prevalecem as relações hierárquicas de mando e
submissão.
É necessária a existência de um trabalho que integre a todos. A consciência
de interesses sociais comuns e mais amplos.
Para que os pais se interessem em participar, é preciso que se sintam
respeitados, valorizados e bem-aceitos na escola. É imprescindível que tenham
consciência de que são sujeitos.
As condições de vida das camadas populares terminam por secundarizar a
importância da participação diante da falta de tempo e do cansaço, por exemplo,
depois de um dia pesado de trabalho.
A informação também é fundamental. A escola é um serviço público e a
população tem o direito de saber sobre ele. O grau de informação do indivíduo irá
torna-lo mais ou menos participativo.
Para haver uma participação constante dos indivíduos, é preciso um clima de
aceitação mútua das possibilidades e limitações pessoais dos elementos do grupo
Isto implica o respeito ao estágio de consciência do grupo, se considerarmos o
processo de participação como um componente educativo.
Apesar dessas propostas estarem embutidas de estratégias do Estado para
‘transferir’ as responsabilidades e ônus pelas políticas públicas à sociedade civil,
conclui-se que esta pode fazer destas estratégias um aliado político, já que será
possível ocupar os espaços de decisão nos assuntos públicos da educação.Essa
conquista pode estabelecer uma dinâmica de politização para as classes populares.
Trata-se de reformular um novo projeto político que sobreponha a democracia
representativa e alcance uma democracia participativa. A emergência da
participação popular toma força como resultado da construção de uma identidade
comunitária que retoma o movimento de reação contra a injustiça social e pela
cidadania. A dinâmica de participação que envolve os colegiados escolares pode ser
um pequeno embrião.
“ a participação, quando existe de fato, é necessariamente educativa. Em
outras palavras, a participação educa, porquanto propicia níveis cada vez mais
elevados de consciência e organicidade. Na medida em que produz essa
participação consciente e orgânica do grupo comunitário, dar-se-ão ações concretas
de transformação social e, dessa maneira, consegue-se influir, direta ou
indiretamente, na transformação da realidade”. (Francisco Gutiérrez)
A experiência da gestão colegiada traria aos seus participantes a
possibilidade de desenvolver um aprendizado político e social de suas relações
pessoais, institucionais e comunitárias. Têm a oportunidade de se preparar, se
formar e informar para intervir em outros níveis sociais.
A prática de participação no colegiado escolar seria, para a comunidade, uma
‘escola ‘ da qual há muito tempo já se desligou. Uma escola responsável pelo ensino
da participação social, da informação e da formação para a cidadania e do espírito
coletivo das relações sociais.
A escola precisa entender que não é um espaço somente para conteúdos e
habilidades, mas que também tem responsabilidade sobre a formação política de
quem utiliza seus serviços, considerando que, hoje, é uma instituição que está
recebendo todos os tipos de problemas sociais (droga, violência, fome,...) que são
reflexos de nossa condição e condução política.
1. AQUINO, Júlio Groppa (org.). A desordem na relação professor- aluno: indisciplina, moralidade e conhecimento. In: Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996.
Esta coleção tem por objetivo debater os dilemas do cotidiano escolar
presentes na atividade educacional contemporânea. Busca-se um conjunto de
leituras possíveis em torno de uma mesma temática, visando reunir diversos
referenciais teóricos e soluções alternativas para os problemas em foco. Atinge-se
assim um panorama atualizado e abrangente, tanto das questões relevantes prática
escolar atual quanto das novas perspectivas para o seu enfrentamento.
APRESENTAÇÃO
Há muito os distúrbios disciplinares deixaram de ser um evento esporádico e
particular no cotidiano das escolas brasileiras para se tornarem, talvez, um dos
maiores obstáculos pedagógicos dos dias atuais. Claro está que, salvo o
enfrentamento isolado e personalizado de alguns, a maioria dos educadores não
sabe ao certo como interpretar e/ou administrar o ato indisciplinado. Compreender
ou reprimir? Encaminhar ou ignorar?
Diante das encruzilhadas do trabalho diário, todos parecem, em alguma
medida, marcados por uma cisão fundamental: de um lado, a autoridade e o controle
absoluto de outrora foram substituídos por uma crescente perplexidade e,
conseqüentemente, um certo desconforto pedagógico; mas, de outro, a linha
divisória entre indisciplina e violência pode se tornar muito tênue, esgarçando os
limites da convivência social. Por onde ir? O que fazer?
Não apenas professores diretores e orientares, mas também pais e os próprios
alunos, com o termo, tornaram-se reféns do emaranhado de significados e valores
que a indisciplina escolar comporta. Como entendê-la, enfim, para além da
“naturalidade” com que é processada no dia-a-dia?
Por se tratar de um tema bastante recorrente na prática diária dos
protagonistas escolares, é curioso que ele seja infreqüente na literatura
especializada – talvez pelo fato mesmo de ser um tema transversal àqueles
usualmente visitados pelos teóricos da área educacional. É possível constatar, pois,
que a indisciplina (como problema teórico e prático) em geral é tratada de maneira
imediatista, sem o circunstanciamento conceitual necessário. Visando abrandar essa
flagrante lacuna bibliográfica, a presente coletânea de textos foi planejada e
organizada principalmente na tentativa de contribuir para o aprofundamento do
debate acerca da temática.
São ao todo, dez textos inéditos, redigidos de forma concisa mas substancial
por docentes/pesquisadores da realidade brasileira. Dessa forma, psicológicos,
psicanalistas, filósofos e pedagogos encaram o problema, oferecendo-lhe múltiplas
abordagens teóricas e propondo soluções alternativas para sua compreensão e
manejo.
Trata-se, portanto de um esforço multidisciplinar com o intuito de promover
uma análise abrangente do tema à luz de alguns referenciais teóricos
contemporâneos e imprescindíveis que, até o momento, não tinham efetivado uma
interlocução imediata com a questão da indisciplina na escola. E isso, vale ressaltar,
em torno de um determinado recorte teórico tomado como contrapondo da questão
disciplinar, bem como a partir do campo conceitual que subsidia tal recorte. Por
exemplo, a questão do poder em Foucault, ou da moralidade em Piaget, ou ainda da
infância na psicanálise; e assim por diante.
O resultado: todos os autores tiveram de desdobrar em direção a uma
articulação factível com o tema da indisciplina.
Outro aspecto que interliga os diferentes textos: é a tentativa de retirada do
ônus disciplinar exclusiva do aluno. :Visou-se analisar a indisciplina escolas sobre
diferentes ângulos.
Em vez de perseguir abstratamente uma “teoria geral” da educação tomamos
um problema pontual das práticas escolares concretas e, a partir dele, propusemos,
de fato, maneiras diversificadas de compreender a tarefa educacional e o papel da
escola.
Um último aspecto que identifica os textos é o de que todos os autores são
professores das universidades estaduais públicas de São Paulo: um esforço de
interpenetração dos diferentes níveis de ensino; promovendo assim, a extensão do
trabalho teórico-conceitual (que em tese deve acontecer privilegiadamente no
interior das práticas universitárias) para os níveis básico e médio, e tentando
atenuar, quem sabe, o desnível estrutural que há entre eles.
Julio R. Groppa Aquino - Mestre e doutor em Psicologia pelo Instituto de
Psicologia da USP, professor da Faculdade de Educação da USP e autor de
Confrontos na sala de aula : uma leitura institucional da relação professor-aluno
(Summus, 1996).
O autor inicia o texto com uma poesia de ADÉLIA PRADO
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
Nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.
ADÉLIA PRADO
Eu to aqui pra que? Será que é pra aprender? Ou será
que é pra aceitar me acomodar e obedecer?
Assim inicia uma canção de imensa difusão entre jovens e crianças, de
Gabriel O Pensador, intitulada sintomaticamente “Estudo Errado”
Independentemente da crueza do argumento, as questões colocadas pelo
“pensador” rapista vêm corroborar algumas inquietações comuns aos educadores e
aos teóricos: o que estaria acontecendo com a educação brasileira atualmente?
Qual o papel da escola para a sua clientela e seus agentes? Afinal de contas, sua
função primordial seria a de veicular os conteúdos classicamente preconizados ou
tão-somente conformar moralmente os sujeitos a determinadas regras de conduta?
Alguns, mais zelosos de suas funções, não tardariam a responder que o
papel essencial da escolarização é atender a dimensões imediatamente epistêmica
do ensino, isto é, a escola estaria a serviço da apropriação, por parte da criança e do
adolescente, dos conhecimentos acumulados pela Humanidade. Outros se
remeteriam a uma dimensão socializante da escola, definindo-a como ensaio,
preparação do jovem cidadão para o convívio em grupo e em sociedade. Outros,
ainda, lembrariam a dimensão profissionalizante da educação, assegurando-lhe a
tarefa de qualificação para o trabalho.
Tendo em mente esta tríade funcional historicamente atribuída à instituição
escolar, não nos é possível passar ao largo dos eventos espasmódicos de
indisciplina (e até mesmo de violência), que atravessam o espaço escolar
contemporâneo, sem nos espantar. Turbulência e/ou apatia nas relações, confrontos
velados, ameaças de diferentes tipos, muros, grades...O quadro nos é familiar e dele
não precisamos de maiores configurações.
A visão, hoje quase romanceada, da escola como lugar de florescimento das
potencialidades humanas parece ter sido substituída, às vezes, pela imagem de um
campo de pequenas batalhas civis; pequenas, mas visíveis o suficiente para
incomodar. O que fazer?
Para aqueles preocupados com a problemática da indisciplina, o
aprofundamento das discussões exige, sem dúvida, um recuo estratégico do
pensamento. Quais os significados da indisciplina escolar? E quais os recursos
possíveis de enfrentamento do tema quando tomado como objeto de reflexão e/ou
problema concreto? Mãos à obra, então.
Em torno da circunscrição do tema
Embora o fenômeno da indisciplina seja um velho conhecido de todos , sua
relevância teórica não é tão nítida. E o pouco número de obras dedicadas
explicitamente à problemática vem confirmar este dado. Um tema, sem dúvida, de
difícil abordagem.
Os relatos dos professores testemunham que a questão disciplinar é,
atualmente, uma das dificuldades fundamentais quanto ao trabalho escolar.
Segundo eles, o ensino teria como um de seus obstáculos centrais a conduta
desordenada dos alunos, traduzida em termos como: Bagunça, tumulto, falta de
limite, maus comportamentos, desrespeito às figuras de autoridade etc.
Outro dado significativo refere-se ao fato de a indisciplina atravessar
indistintamente as escolas pública e privada. Enganam-se aqueles que a supõem
mais ou menos presente apenas em determinado contexto. Vale lembrar que,
embora diferentes significados sejam atribuídos à problemática e até mesmo os
próprios objetivos educacionais subjacentes a ambas possam ser distintos, elas
parecem sofrer o mesmo tipo de efeito. Não se trata, pois, de uma espécie de
desprivilegio da escola pública; muito pelo contrário.
A indisciplina seria, talvez o inimigo número um do educador atual cujo
manejo as correntes teóricas não conseguiriam propor de imediato, uma vez que se
trata de algo que ultrapassa o âmbito estritamente didático-pedagógico, imprevisto
ou até insuspeito do ideário das diferentes teorias pedagógicas. É certo, pois que a
temáticas disciplinar passou a se configurar enquanto um problema interdisciplinar,
transversal á Pedagogia devendo ser tratado pelo maior numero de áreas em torno
das ciências da educação. Um novo problema pede passagem.
Decorre disto que, apesar de o manejo disciplinar ter sempre estado em foco
de um modo ou de outro nas preocupações dos educadores, o que teria acontecido
com as práticas escolares a ponto de a indisciplina ter se tornado um obstáculo
pedagógico propriamente?
Nossos antecessores talvez nunca tenham cogitado isto, uma vez que as
prescrições disciplinares eram consideradas disciplinares eram consideradas uma
decorrência inequívoca do exercício docente. Ora, o mundo mudou, nossos alunos
mudaram. Mudou a escola? Mudamos nós?
Estas tantas questões nos levam, enfim, a considerar a indisciplina como um
sintoma de outra ordem que não a estritamente escolar, mas que surte no interior da
relação educativa. Ou seja, ela não existiria como algo em si, um evento pedagógico
particular, e , no caso, antinatural ou desviante do trabalho escolar.
Da mesma forma que não é possível supor a escola como uma instituição
independente ou autônoma em relação ao contexto sócio histórico (isto é, às outras
instituições), não é lícito supor que o que ocorre em seu interior não tenha
articulação aos movimentos exteriores a ela . Claro esta também que as relações
escolares não implicam um espelhamento imediato daquelas extra-escolares. Vale
dizer que é mais um entrelaçamento, uma interpenetração de âmbitos entre as
diferentes instituições que define a malha de relações sociais do que uma suposta
matriz social e supra-institucional, que a todos submeteria.
Em termos analógicos, as instituições seriam como peças do tabuleiro social
que vão desenhando novas configurações e, portanto, múltiplos sentidos no vazio do
tabuleiro quando tomado como algo em si. Abstenhamo-nos, pois, de supor a escola
como donatária imediata de um social abstrato, encarado como um terceiro em
relação às instituições. Ele, o decantado “social”, também é efeito, e nunca causa
primeira.
Posto isto, as leituras possíveis do fenômeno findam por implicar uma análise
transversal ao âmbito didático-pedagógico. Vejamos como isto pode se dar de
acordo com dois olhares distintos sobre o tema: um sócio-histórico, tendo como
ponto de apoio os condicionantes culturais, e outro psicológico, rastreando a
influência das relações familiares na escola.
O olhar sócio-histórico: a indisciplina como força legitima de resistência
Se admitirmos que as práticas escolares são testemunhas (e sempre
protagonistas) das transformações históricas, isto é que seu perfil vai adquirindo
diferentes contornos de acordo com as contingências sócio-culturais, temos que
admitir também que a indisciplina nas escolas vela algo interessante sobre os
nossos dias. Vejamos por quê.
Texto do início do século (1922): Recomendações Disciplinares – ideais
disciplinares de então – Naturalidade com que o trato de indisciplina era previsto:
Não há creanças refractárias á disciplina, mas somente alumnos ainda não
disciplinados. A disciplina é factor essencial do aproveitamento dos alumnos e
indispensável ao homem civilizado. Mantêm a disciplina, mais do que o rigor, força
moral do mestre e o seu cuidado em trazer constantemente as crenças interessadas
em algum assumpto útil.
Os alumnos se devem apresentar na escola minutos antes das 10 horas,
conservando-se em ordem no corredor da entrada, para dahi descerem ao pateo
onde entoarão o cantico.
Formandos dois a dois dirigir-se-hão depois ás suas classes acompanhados
das respectivas professoras, que exigirão delles se conservem em silencio e entrem
nas salas com calma, sem deslocar as carteiras.
Deverão andar sempre sem arrastar com os pés, convindo que o façam em
terça, evitando assim balançar do braços e movimentos desordenados do corpo.
Em classe a disciplina deverá ser severa:
- os alumnos manterão entre siilencio absoluto;
- não poderá estar de pé mais de um alumno;
- a distribuição do material deverá ser rápida e sem desordem;
- não deverão ser atirados ao chão papeis ou quaesquer cousas que
prejudiquem o asseio da sala;
- sempre que se retire da sala, a turma a deixará na mais perfeita ordem.
No recreio a disciplina é ainda necessária para que elle se torne agradável aos
alumnos bem comportados:
- deverão os alumnos se entregar a palestras ou a diversões que não
produzam alarido;
- deverão merecer attenção especial os alumnos que se excederem em
algazarras com prejuízo da tranqquillidade dos demais.
- Serão retirados do recreio ou soffrerão a pena necessária os alumnos que
gritasrem, fizerem correrias, damnificarem as plantas ou prejudicarem o
asseio do pateo com papeis, cascas de fructas, etc.;
- Deverão os alumnos no fim do recreio formar com calma sem correrias,
pois que o toque de campainha é dado com antecedência necessária.
Deverão os alumnos lavar as mãos e tomar água no pavimento em que
funccionar a classe a que pertençam.
Não poderão tomar água nas mãos; a escola fornece copos aos alumnos
que não trazem o de seu uso.
Deverão ter todo o cuidado para não molhar o chão, ainda mesmo juncto ás
pias e talhas.
Ao findarem os trabalhos do dia, cada classe seguirá em forma e em silencio
até a escada da entrada, e só descida esta, se dispersarão os alumnos. (Braune
apud Moraes, 1922, pp. 9-10)
Note-se que as correções disciplinares se fazem necessárias principalmente
no que tange ao controle e ordenação do corpo e da fala. O silêncio nas aulas é
absoluto e, fora delas, contido,. Os movimentos corporais, por sua vez, são
completamente esquadrinhados: sentados em sala, e em filas fora dela.
A um educador menos avisado, esta descrição do cotidiano escolar poderia
evocar um certo saudosismo de uma suposta educação de antigamente. Quase
sempre idílica, esta escola do passado é, ainda para muito, o modelo almejado. Ora,
não é difícil constatar que aquela disciplina era imposta à base do castigo ou da
ameaça dele; segundo a autora, de acordo com as “penas necessárias”. Medo,
coação, subserviência. É isto que devemos saudar?
Também é possível deduzir que a estrutura e o funcionamento escolares de
então espelhavam o quartel, a caserna; e o professor, um superior hierárquico. Uma
espécie de militarização difusa parecia, assim, definir as relações institucionais como
um todo.
É presumível, portanto, que as relações escolares fossem determinadas em
termos de obediência e subordinação. O professor não era só aquele que sabia
mais, mas que podia mais porque estava mais próximo da lei. Sua função precípua,
então, passa a ser a de modelar moralmente os alunos, além de assegurar a
observância dos preceitos legais mais amplos, aos quais os deveres escolares
estavam submetidos.
Ora, com a crescente democratização política do país e, em tese, a
desmilitarização das relações sociais, uma nova geração se criou. Temos diante de
nós um novo aluno, um novo sujeito histórico, mas, em certa medida, guardamos
como padrão pedagógico a imagem daquele aluno submisso e temeroso. De mais a
mais, ambos, professor e aluno portavam papéis e perfis muito bem delineados: o
primeiro, um general de papel o segundo um soldadinho de chumbo. É isto que
devemos saudar?
Outro lado problematizador deste mito da escola de outrora refere-se ao fato
de ela ser um espaço social pouco democrático. Aliás, o direito à escolaridade
básica de oito anos é uma conquista social muito recente na história do país; basta
lembrarmos os exames de admissão de antes do início dos anos 70.
No caso do Estado de São Paulo, relata um dos protagonistas da reforma da
época: “O problema maior [da expansão maciça do ensino ginasial] consistiu na
resistência de grande parcela do magistério secundário que encontrou ampla
ressonância no pensamento pedagógico da época. Raros foram os que tomaram
posição na defesa da política de ampliação de vagas, embora todos, como sempre,
defendessem a democratização do ensino. A alegação de combate, já tantas vezes
enunciada, era sempre a mesma: o rebaixamento da qualidade do ensino” (Azanha,
1987, p.32).
É possível afirmar, portanto, que esta escola de outrora tinha um caráter
elitista e conservador, destinando-se prioritariamente às classes sociais
privilegiadas. Ou melhor, o acesso das camadas populares à escola era obstruído
pela estruturação escolar da época.O que os dias atuais atestam, no entanto, é que
as estratégias de exclusão, além de continuarem existindo, sofisticaram-se. Se antes
a dificuldade residia no acesso propriamente, hoje o fracasso contínuo encarrega-se
de expurgar aqueles que se aventuram neste trajeto, de certa forma, ainda elitizado
e militarizado.
Novamente é possível constatar que guardamos uma herança pedagógica
alheia aos novos dias. Salvo raras exceções, os parâmetros que regem a
escolarização ainda são regidos por um sujeito abstrato, idealizado e desenraizado
dos condicionantes sócio-históricos. As próprias teorias psicológicas e suas
derivações pedagógicas, em geral, sacralizam a naturalidade com o este sujeito
universal é pensado. Sempre como se todos fossem iguais em essência e em
possibilidades.
“A idéia de uma essência humana pré-social concebe a personalidade
humana individual como um caso particular da personalidade humana básica, o que
pressupõe que cada indivíduo possui características que são universais e
independem de influência do meio social (...). Daí a idéia corrente de ajustamento
social aplicado à Psicologia e Educação. Os padrões de comportamento a serem
ensinados ou modificados correspondem à perspectiva da classe dominante, que os
torna universais e, portanto, compulsórios.” (Libâneo,1984,p.158,grifos do autor).
A partir disto geralmente confunde-se democratização com deterioração do
ensino. A qualidade do ensino,principalmente publico, teria decaído pelo simples fato
de ter se expandido para outras camadas sociais.
Ora, nunca é demais relembrar o artigo 205 da carta constitucional que
reza:”a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”(Constituição da Republica Federativa do Brasil, 1988,p.38).
E destes preceitos não podemos abrir mão em favor das supostas qualidades
de uma educação de antigamente. Escolarização, vale ressaltar, já é exercício de
cidadania.
Quais significados, então, poderíamos subtrair dos fenômenos que rondam
esta nova escola, incluída ai a indisciplina? Ela pode estar indicando o impacto do
ingresso de um novo sujeito histórico, com outras demandas e valores, numa ordem
arcaica e despreparada para absorvê-lo plenamente. Nesse sentido, a gênese da
indisciplina não residiria na figura do aluno, mas na rejeição operada por esta escola
incapaz de administrar as novas formas de existência social concreta, personificadas
nas transformações do perfil de sua clientela.
Indisciplina, então, seria sintoma de injunção da escola idealizada e gerida
para um determinado tipo de sujeito e sendo ocupada por outro. Equivaleria, pois,a
um quadro difuso de instabilidade gerado pela confrontação deste novo sujeito
histórico a velhas formas institucionais cristalizadas. Ou seja, denotaria a tentativa
de rupturas, pequenas fendas em um edifício secular como é a escola,
potencializando assim uma transição institucional, mais cedo ou mais tarde, de uma
modelo autoritário de conceber e efetivar a tarefa educacional para um modelo
menos elitista e conservador.
Desde este ponto de vista sócio-histórico, a indisciplina passaria, então, a
ser força legitima de resistência e produção de novos significados e funções, ainda
insuspeitos, à instituição escolar.
Vejamos, agora, como o mesmo fenômeno pode ser interpretado de acordo
com outro referencial.
O Olhar psicológico: a indisciplina como carência psíquica infra-estrutural
Numa perspectiva genericamente psicológica, a questão da indisciplina estará
inevitavelmente associada a idéia de uma carência psíquica do aluno. Entretanto,
vale advertir desde já que o fenômeno não poderá ser pensado como um estado ou
pré disposição particular, isto é, um atributo psicológico individual (e, no caso,
patológico), mas de acordo com seus determinantes psicossociais, cujas raízes
encontram-se no advento, no sujeito, da noção de autoridade.
Desse ponto de vista o reconhecimento da autoridade externa (do professor,
no caso) pressupõe uma infra-estrutura psicológica, moral mais precisamente,
anterior à escolarização. Esta estruturação refere-se à introjeção de determinados
parâmetros morais apriorísticos , tais como: permeabilidade a regras comuns,
partilha de responsabilidades, cooperação, reciprocidade, solidariedade, etc. Trata-
se, pois, do reconhecimento da alteridade enquanto condição sine qua non para
convivência em grupo e, conseqüentemente, para o trabalho em sala de aula.
É queixa bastante comum dos educadores que o aluno atual carece de tais
parâmetros, em maior ou menor grau. É o aluno acometido por
agressividade/rebeldia,ou apatia/indiferença, ou, ainda, desrespeito/falta de limites –
eventos estes quase sempre representados como supostos índices de insalubridade
moral, além de obstáculos centrais do trabalho pedagógico.
Claro que não há possibilidade de escolarização sem esta condição
apriorística: a disponibilidade do sujeito com seu semelhante, e, em ultima instância
para com a cultura da qual o professor seria um porta voz privilegiado, um elemento
de conexão desta com aquele. Também é óbvio que não há possibilidade de a
escola assumir a tarefa de estruturação psíquica previa ao trabalho pedagógico; ela
é de responsabilidade do âmbito familiar, primordialmente.
Nesse sentido, a estruturação escolar não poderá ser pensada apartada da
familiar. Em verdade, são elas as duas instituições responsáveis pelo que se
denomina educação no sentido amplo. Só que o processo educacional depende da
articulação destes dois âmbitos institucionais que não se justapõem. Antes, são
duas dimensões que, na melhor das hipóteses, complementam-se, articulam-se.
O que a indisciplina, desde este ponto de vista estaria revelando então? Que
se trata, supostamente, de um sintoma de relações familiares desagregadoras,
incapazes de realizar a contento sua parcela no trabalho educacional de crianças e
adolescentes. Um esfacelamento do papel clássico da instituição família, enfim.
Chegamos, assim, a um impasse: a educação,no sentido lato, não é de
responsabilidade integral da escola. Esta é tão-somente um dos eixos que compõem
o processo como um todo. Entretanto, algumas funções adicionais lhe vem sendo
delegadas no decorrer do tempo, funções estas que ultrapassam o âmbito
pedagógico e que implicam o (re) estabelecimento de algumas atribuições
familiares. Vejamos um exemplo concreto disto.
Em outro estudo por nós realizado (Aquino, 1995),a partir das representações
de professores e alunos de diferentes escolas (publicas e privadas) diferentes níveis
de ensino (primeiro, segundo e terceiro graus) sobre a relação professor-aluno,
constatamos que a educação escolar contemporânea parece, na maioria das vezes,
ter sucumbido a uma profunda demanda de normatização da conduta alheia.
Isto significa que raras são as vezes em que a escola é representada como
espaço de (re)produção cientifica e cultural nas expectativas de seus agentes e
clientela. Ao contrário , a normatização atitudinal parece ser op grande sentido do
trabalho escolar – o que não deixa de causar perplexidade, uma vez que o objetivo
crucial da escola (a reposição e recriação do legado cultural) parece ter sido
substituído por uma atribuição quase exclusivamente disciplinarizadora.
Desta forma, as práticas pedagógicas concretas acabam acabam sendo
abarcadas por expectativas nitidamente moralizadoras. Ou seja, constatou-se que,
no plano das representações, despende-se muito mais energia com as questões
psíquicas/morais do aluno do que com a tarefa epistêmica fundamental.
Concluímos, então, que “talvez deva-se a isto o inegável fato de, não raras
as vezes, o discurso dos teóricos e o dos protagonistas concretos evocam
insatisfação, descontentamento, quando não um excesso de críticas e de atribuição
de culpa (frutos evidentes de um superávit de boas intenções e de um déficit de
possibilidades concretas), confundindo-se, assim,a imagem do espaço escolar com
a de um estado de danação ou de calamidade. Portanto, fugazes são as passagens
onde se constata que a escolarização , como prática social concreta ou objeto
teórico, não tenha sucumbido a propostas moralizantes, com vistas a um suposto
aperfeiçoamento e/ou salvação da condição humana. E o teor normativo das
relações, bem como o caráter messiânico dos textos, são provas disto, em que
quase sempre se visa o aprimoramento da conduta tanto daquele que ensina
quanto daquele que aprende.
“Intercambia-se, assim, o caráter essencialmente exegético do ato de pensar
por uma suposta ascese do ato de conhecer. Em certo sentido, a escola imaginada
por seus protagonistas e seus teóricos teria como finalidade última a edificação de
uma espécie de assepsia moral que, por sua vez, capacitasse o sujeito para o
conhecimento, para a profissão ou para a vida – o que afirmamos ser inverossímil e,
portanto, insustentável” (Aquino, 1995, p.258).
Ale do mais, cumpre-nos pontuar que investir numa suposta sedimentação
moral do aluno exigiria um entendimento comum do que viria a ser esta infra-
estrutura psíquica – o que não é exatamente um consenso teórico, muito menos
empírico. A tarefa docente, ao contrário, é razoavelmente bem definida, isto é,
encerra-se no conhecimento acumulado. Por este motivo, a grades curriculares do
primeiro e segundo graus refletem os campos clássicos das ciências e das
humanidades. É esta a tarefa e a razão docentes, e não são pouca coisa!
Caso contrário, quais as decorrências possíveis?
Primeiro: o desperdício da força de trabalho qualificada, do talento
profissional específico de cada educador. Segundo: o desvio de função, pois
professores deveriam ater-se a suas atribuições didático-pedagógicas. Terceiro: a
inevitável quebra do contrato pedagógico, o que implica, a nosso ver, um
comprometimento de ordem ética, uma vez que a proposta de trabalho educacional
raramente se cumpre de maneira satisfatória, gerando assim um estado aberto de
ambigüidades e insatisfação – tão fácil de constatar atualmente...
Disto tudo decorre que parece haver uma crise de paradigmas em curso, quer
no interior das relações familiares, que no corpo das ações escolares – o que
significa uma perda de visibilidade sobre os grandes sentidos sociais da educação
como um todo.
É muito comum ouvirmos dos alunos frases do tipo; Pra que eu tenho que
estudar isso? Pra que serve isto? Eu vou usar isto algum dia?
Independentemente de qualquer argumento contrário, temos que reconhecer
que alguém à margem da escolarização não pode (e nem mesmo sabe) aceder ao
status de cidadão na sua plenitude. Seus direitos mesmo que em tese sejam iguais
aos dos outros, na prática serão mais escassos. O acesso pleno à educação é ,sem
dúvida, o passaporte mais seguro da cidadania, para além de uma sobrevivência
mínima, à mercê do destino, da fatalidade enfim.
Das implicações das diferentes leituras
Há alguns pontos recorrentes em nosso trajeto até aqui que valeriam a pena
ser dissecados. Vejamos por quê.
Se, do ponto de vista sócio histórico, a escola é palco de confluência dos
movimentos históricos (as formas cristalizadas versus as forças de resistência), do
ponto de vista psicológico ela é profundamente afetada pelas alterações na estrutura
familiar. De ambos os modos, a indisciplina apresenta-se como sintoma de relações
descontínuas e conflitantes entre o espaço escolar e as outras instituições sociais
No primeiro caso, o recurso principal para a análise da indisciplina é o do
autoritarismo historicamente subjacente à estruturação institucional escolar. No
segundo, o eixo argumentativo desdobra-se em torno do conceito de autoridade
enquanto infra-estrutura psicológica para o trabalho pedagógico.
Se na análise sócio-histórica pudermos subtrair uma conotação positiva, de
legitimidade para o fenômeno da indisciplina, uma vez que tratar-se-ia de um conflito
salutar entre forças sociais antagônicas, já não se poderia dizer o mesmo da leitura
psicológica. Nesta, a indisciplina seria indício de uma carência estrutural que se
alojaria na interioridade psíquica do aluno, determinada pelas transformações
institucionais na família e desembocado nas relações escolares. De uma forma ou
de outra, a gênese do fenômeno acaba sendo situada fora da relação concreta entre
professor e aluno, ou melhor, nas suas sobredeterminações
Ora, não é possível admitir que a indisciplina se refira ao aluno
exclusivamente, tratando s-e de um problema de cunho psicológico/moral.Também
não é possível creditá-la totalmente à estruturação escolar e suas circunstâncias
sócio-histórica. Muito menos atribuir a responsabilidade às ações do professor,
tornando-a um problema de cunho essencialmente didático-pedagógico.
A nosso ver, a indisciplina configura um fenômeno transversal a estas
unidades conceituais (professor/aluno/escola) quando tomadas isoladamente como
recortes do pensamento. Ou melhor, indisciplina é mais um dos efeitos do entre
pedagógico, mais uma das vicissitudes da relação professor aluno, para onde
afluem todas essas “desordens” anteriormente descritas.
Nesse sentido, vale a pena recordar Bohoslavsky pontuando que “o motor da
aprendizagem, interesse autêntico da pedagogia desde a antiguidade, deveria ser
tomado em seu sentido etimológico literal como um ’estar entre’, colocando o
conhecimento não atrás do cenário educativo, mas em seu centro, situando o objeto
a ser aprendido entre os que ensinam e os que aprendem” (Bohoslavsky, 1981,
p.324, grifo do autor).
A relação do professor-aluno torna-se, assim, o núcleo concreto das práticas
educativas e do contrato pedagógico – o que estrutura os sentido cruciais da
instituição escolar.
A relação professor-aluno como recorte
Por que tomar, a partir de agora, a relação professor-aluno como foco
conceitual no que se refere aos encaminhamentos da problemática disciplinar?
Porque não é possível conceber a instituição escola como algo além ou
aquém das relações concreta entre seus protagonistas. Ao contrário, a relação
instituída/instituinte entre professor e aluno é a matéria-prima a partir da qual se
produz o objeto institucional.
Objeto institucional é aquilo do que a instituição se apropria reclamando a
soberania e a legitimidade de sua posse ou guarda (Albuquerque, 1978). Trata-se
de algo imaterial e inesgotável (imaginário) que só pode se configurar enquanto fruto
de uma instituição especifica. Exemplo: conhecimento na escola, salvação na
religião, direito no judiciário etc.
Tais objetos não existiriam senão enquanto efeitos do conjunto de práticas
concretas entre os protagonistas principais de determinada instituição, práticas estas
ora divergentes, ora complementares, mas sempre suportadas pela rede de
relações entre seus atores concretos – mais comumente os agentes e a clientela, e
mais esporadicamente o mandante e o público.
Agentes institucionais são aqueles que teriam a prerrogativa de posse ou
guarda do objeto, enquanto a clientela seria, aqueles que carentes do objeto,
posicionam-se nas relações como alvo da ação dos agentes. Por exemplo:
professores e alunos, sacerdotes e fiéis, médicos e pacientes etc.
Desta forma, objetos como o conhecimento, o direito e a saúde, entre outros,
não existiriam aprioristicamente, mas seriam produzidos mediante a ação concreta
dos protagonistas institucionais por eles responsáveis. Para tanto, dois são os
requisitos fundamentais de tal ação: a repetição e legitimação. No caso da
educação, a escola torna-se seu lugar autorizado pelo fato mesmo de ser o espaço
onde ela é pratica continuamente e, portanto, referendada aos olhos de todos que a
praticam. Trata-se pois, de uma delegação de legitimidade e autoridade à escola
sobre o fazer educacional, tornando-a o lugar privilegiado da tarefa educativa.
Escola, desde o ponto de vista institucional, equivaleria basicamente à
práticas concretas de seus agentes e clientela,tendo a relação professor-aluno como
núcleo fundamental. Isto significa “conceber as instituições enquanto práticas sociais
que, em sua particularidade, existem pela ação dos que cotidianamente a fazem e
pelo reconhecimento desse fazer como uno, necessário, justificado” (Guirado, 1986,
p.14).
A partir das definições acima, não é possível imaginar que a saída para a
compreensão e o manejo da indisciplina resida em alguma instância alheia à relação
professor-aluno, ou que esta permaneça sempre a reboque das determinações
extra-escolares. Abstenhamo-nos, pois, de demandar uma ação mais efetiva da
família, uma melhor definição social do papel escolar, ou mesmo um maior abrigo
das teorias pedagógicas.
A saída possível está no coração mesmo da relação professor-aluno, isto é,
nos nossos vínculos cotidianos e, principalmente, na maneira com que nos
posicionamos perante o nosso outro complementar. Afinal de contas, o lugar de
professor é imediatamente relativo ao de aluno, e vice-versa. Vale lembrar que,
guardadas especificidades das atribuições de agente e clientela, ambos são
parceiros de um mesmo jogo. E o nosso rival é a ignorância, a pouca perplexidade e
o conformismo diante do mundo.
Alguém haveria de perguntar: o que fazer quando o aluno não apresenta a
infra-estrutura moral para o trabalho pedagógico? É muito difícil supor que o aluno
não traga esses pré-requisitos em alguma medida. Ao contrário, é mais provável que
faltem a nós as ferramentas conceituais necessárias para reconhecê-los e, por
extensão presentificá-los na relação.
Mas mesmo se concordássemos com a suspeita de uma carência moral do
aluno, haveríamos também de admitir que, através do legado específico de seu
campo de conhecimento, o professor pode criar condições de sedimentação desta
infra-estrutura quando ela se apresentar de maneira ainda fragmentária. Se o
professor pautar os parâmetros relacionais no seu campo de conhecimento, ele será
capaz de (re)inventar a moralidade discente.
Isto significa que o que deve regular a relação é uma proposta de trabalho
fundada intrinsecamente no conhecimento. Por meio dela, pode-se fundar e/ou
resgatar a moralidade discente na medida em que o trabalho do conhecimento
pressupõe a observância de regras, de semelhança e diferenças, de regularidades e
exceções.
Nesse sentido , a matemática é moralizadora; as línguas, as ciências e as
artes também o são se entendermos moralidade como regulação das ações e
operações humanas nas sucessivas tentativas de ordenação do mundo que nos
circunscreve.
Este tipo de entendimento é congruente a uma declaração interessantíssima
de Stephen Hawking, um dos físicos mais eminentes da atualidade, sobre a relação
entre ciência e moralidade: “Não podemos deduzir como alguém vai se comportar a partir das leis da física. Mas poderíamos desejar que o pensamento lógico, que a física e a matemática envolvem, guiasse uma pessoa também em seu comportamento moral.” (Hawking, 1995, p.135)
O pensador propõe o Modi operandi lógico-conceituais subsjacentes á física
e à matemática como norte para o comportamento moral humano, e não o próprio
campo das leis físicas e matemáticas. Trata-se dos modos de pensamento ai
envolvidos e não necessariamente dos conteúdos deles decorrentes.
Pois bem, este trabalho de incessante indagação, inspiração no traçado
científico, não requer que o aluno permaneça estático, calado, obediente. O trabalho
do conhecimento, pelo contrário, implica a inquietação, o desconcerto, a
desobediência. A questão fundamental está na transformação desta turbulência em
ciência, desta desordem em uma nova ordem...
Por uma nova ordem pedagógica.
Tendo como premissa a proposta de que a relação professor-aluno se paute
no estatuto do próprio conhecimento, é possível entrever que a temática disciplinar
deixe de figurar como um dilema crucial para as práticas pedagógicas, ou então, que
adquira novos sentidos mais produtivos. A isto denominamos nova ordem
pedagógica. O curioso é a necessidade da qualificação “nova” quando esta ordem
nada mais é que o restabelecimento da função epistêmica autêntica e legítima da
escola.
Crianças e jovens, por incrível que pareça, são absolutamente ávidos pelo
saber, pelo convite à descoberta, pela ultrapassagem do óbvio desde que sejam
convocados e instigados para tanto. Tudo depende, pois da proposta por meio da
qual o conhecimento é formulado e gerenciado nesse microcosmo que é cada sala
de aula. Entretanto, a tarefa é intrincada pois pressupõe sempre um recomeço, a
cada aula, cada turma, cada semestre.
Guardadas as devidas proporções, é lícito afirmar que não importam tanto os
aparatos técnico-metodológico de que o professor dispõe, mas a compreensão
mesma de mundo mediada por modos específicos de conhecer (aqueles do seu
domínio especifico), pois cada campo comporta um objeto e modos de conhecer
particulares. Em linhas gerais vale muito mais a tarefa de (re)construção de um
determinado campo conceitual, do que sua assunção imediata e inquestionável.
Desta forma, o trabalho educacional passa a ser não só a transmissão ou
mediação das informações acumuladas naquele campo, mas a (re)invenção do
próprio modo de angariá-las:o olhar da matemática, da história, da biologia, da
literatura etc.
O papel da escola, então passa a ser o de fermentar a experiência do sujeito
perante a incansável aventura humana de desconstrução e reconstrução dos
processos imanentes à realidade dos fatos cotidianos, na incessante busca de uma
visão mais dilatada de suas múltiplas determinações e dos diferentes pontos de vista
sobre eles. Isto, a nosso ver, define o conhecimento no seu sentido lato.
Toda aula pode tornar-se uma espécie de roteiro do traçado de determinado
campo conceitual muito além da mera narrativa dos produtos deste traçado, que
geralmente se dá sob a forma de um conjunto de informações, fórmula, axiomas e
leis já prontas. O objetivo da educação escolar torna-se, assim, mais uma disposição
para a (re)construção dos campos epistêmicos das diferentes disciplinas, do que a
reposição de um pacote de informações perenes, estáveis.
É preciso,pois reinventar continuamente os conteúdos, as metodologias, as
relações. E isto também é conhecimento.
Além do mais, o trabalho do aluno passa a se assemelhar ao do professor na
medida em que este tem que se haver necessariamente com a criação de
condições propícias para colocar em movimento um determinado modus operandi
conceitual, sempre de acordo com a concretude de seus alunos, do espaço escolar
e dos vários condicionantes que relativizam sua ação. Trata-se da invenção
pedagógica obrigatória àqueles que tomam seu ofício como parte efetiva de suas
vidas.
O aluno é obrigado, assim, a fazer funcionar esta grande engrenagem que é o
pensamento lógico, independentemente do campo específico de determinada
matéria ou disciplina, uma vez que a todas elas abrange. A partir daí, o barulho, a
agitação, a movimentação passam a ser catalisadores do ato de conhecer, de tal
sorte que a indisciplina pode se tornar, paradoxalmente, um movimento organizado,
se estruturado em torno de determinadas idéias, conceitos, proposições formais.
É presumível, portanto, que uma nova espécie de disciplina possa despontar
em relações orientadas desta maneira: aquela que denota tenacidade,
perseverança, obstinação, vontade de saber. Um outro significado muito mais
interessante para o conceito de disciplina, não?
Anteriormente, disciplina evocava silenciamento, obediência, resignação.
Agora, pode significar movimento, força afirmativa, vontade de transpor os
obstáculos. “Importante é que o aluno experimente o obstáculo, que sinta o difícil –
só assim verá a necessidade de adequar-se, de limitar-se aos processo que a
matéria sugere. Deste modo, o obstáculo é formativo, como o é para o artista. Sem
o obstáculo, sem o difícil, a necessidade de disciplina não se manifesta, e toda
possibilidade de estranhamento é frustrada” (Guimarães, 1982, p.38)
Disciplina torna-se, então, vetor de rebeldia para consigo mesmo e de
estranhamento para com o mundo – qualidades fundamentais do trabalho humano
de conhecer.
Esta guinada na compreensão e no manejo disciplinares vai requerer, enfim,
uma conduta dialógica por parte do educador, pois é ele quem inaugura a
intervenção pedagógica. E não há a possibilidade de ação docente sem
agenciamentos de diferentes tipos, uma vez que não se trata de um trabalho
solitário; muito pelo contrário. Em suma, o ofício docente exige a negociação
constante, quer com relação aos objetivos e até mesmo aos conteúdos
preconizados – sempre com vistas à flexibilização das delegações institucionais e
das formas relacionais.
Isto não significa render-se às demandas imediatas do aluno, mesmo porque,
muitas vezes, elas não são sequer formuladas. Significa, no entanto, assumir o
aluno como elemento essencial na construção dos parâmetros relacionais que a
ambos envolve, posto que da definição destes parâmetros depende a assunção do
contrato que deve balizar a relação – condição sine qua non para a ação
pedagógica.
Quais, enfim, os quesitos principais deste tipo de construção negociada ?
Em primeiro lugar, o investimento nos vínculos concretos, abdicando, na
medida do possível, dos modelos idealizados de alunos, de professor e da própria
relação, e potencializando as possibilidades e chances efetivas de cada qual. Uma
vez que o conhecimento só se realiza com e pelo outro, a relação professor-aluno
torna-se o núcleo e foco do trabalho pedagógico. Afinal de contas, professor e aluno
instituem-se duplamente no decurso das práticas escolares cotidianas, não se
tratando portanto, de uma sobredeterminação de um pólo institucional ao outro. É
mais um interjogo instituinte (plástico até) que estrutura o fazer escolar, e não uma
suposta natureza imutável do trabalho educativo.
Em segundo, a fidelidade ao contrato pedagógico . É imprescindível que seja
razoalvelmente claro para ambas as parte, e que se restrinja ao campo do
conhecimento acumulado, mesmo que as cláusulas contratuais tenham que ser
relembradas todos os dias, em todas as aulas.Vale mais a pena a exaustão do que a
ambigüidade!
E, por fim, a permeabilidade para a mudança e para a invenção. É certo que o
professor também tem que reaprender seu ofício e reinventar seu campo de
conhecimento a cada encontro. Deste modo. É provável que as questões de cunho
técnico-metodológico acabem perdendo sua força ou eficácia, uma vez que elas
pressupõem como interlocutor sem pré o mesmo sujeito abstrato e, portanto,
ausente. O aluno concreto (aquele do dia-a-dia), de forma oposta, obriga-nos a
sondar novas estratégias, experimentações de diferentes ordens.
Desta forma, o lugar do professor pode tornar-se também um lugar de
passagem, de fluxo da vida. Se não, o aluno desaparece, torna-se platéia silenciosa
de um monólogo sempre igual, estático, à espera...
CANDAU, V.M.; SACAVINO, S.; MARANDINO, M. e MACIEL, A. Direitos humanos, educação e cidadania, In: Oficinas pedagógicas de direitos humanos, Petrópolis,RJ: Vozes, 1995, pp. 95 – 125
O texto consiste na segunda parte do livro "Oficinas Pedagógicas de Direitos
Humanos" e revela o referencial teórico do livro e do próprio Programa Direitos
Humanos, Educação e Cidadania mantido pelo Projeto Novamerica. As autoras
iniciam levantando a contradição entre a consciência cada vez maior acerca dos
direitos humanos e a sua constante violação. O desrespeito crescente e sistemático
em relação aos direitos humanos se constitui no desafio e no apelo para a
construção de práticas que invertam esta situação. Na primeira subdivisão do texto é
anunciado os Princípios Fundamentais na concepção dos direitos humanos como
um conceito e uma perspectiva de trabalho. O 1º princípio anunciado poderia ser
entendido como um apelo ao nosso dia-a-dia, ou seja, a luta pelos direitos humanos
trava-se na vida cotidiana, nos atos e gestos mais simples e corriqueiros. Este
princípio afasta qualquer possibilidade de se entender os direitos humanos como
uma simples elaboração teórica distante da vida e da prática cotidiana. O 2º princípio
enunciado é a consciência histórica em relação aos direitos humanos, ou seja,
reconhecer que a conquista dos direitos humanos é um processo histórico. É
apresentado então um quadro esquemático que demonstra como surge as primeiras
noções do conceito até a chamada 4ª geração dos direitos humanos com a Carta da
Terra - Rio, 1992 (pp. 100/101). O quadro é importante para perceber a evolução do
conceito e que a sua construção histórica se dá através de lutas e conquistas da
humanidade firmadas juridicamente, mesmo antes de se ter cunhado mais
especificamente o termo. O 3º princípio apresentado consiste na afirmação de que
"a percepção dos direitos humanos que cada pessoa tem está muito condicionada
pelo lugar social que ela ocupa na sociedade" (p. 103). Ao enunciar este princípio, o
texto constata que o lugar social da maioria dos latino-americanos é uma situação
de extrema pobreza. Com alguns dados conhecidos, traça-se o perfil da
desigualdade na América Latina nesta "década perdida" - 1980 (p.103). Porém, a
luta pelos direitos humanos não é só daqueles que se encontram nas estatísticas de
fome e miséria. É sobre isto que versa o 4º princípio. Na luta pelos direitos humanos
há os que são sujeitos por viverem "na carne" o desrespeito e a violação e há os que
podem livremente se tornarem solidários. Nisto se consiste o quarto princípio: na luta
pelos direitos humanos, uns são sujeitos e outros parceiros. O 5º princípio, revela
que a luta pelos direitos humanos afeta profundamente nossa relação conosco
mesmo, com os outros, com a natureza e com a transcendência. A vida pessoal,
comunitária e social daquele que se envolve na defesa de seus direitos ou se
solidariza com quem tem seus direitos violados é profundamente redimensionada.
Isto permite um referencial de mudança e construção de uma nova pessoa. O 6º
princípio trata-se de anunciar que na América Latina a luta pelos direitos humanos
tem como principal compromisso a luta pelos direitos dos pobres. Dar voz e vez a
maioria pobre de nosso continente é o compromisso que evoca da realidade que
vivemos. A 2ª subdivisão do texto traz a afirmativa de que "a promoção dos direitos
humanos passa obrigatoriamente pela educação em suas diferentes formas,
inclusive a escola"(p. 109). A partir desta premissa as autoras revelam que é preciso
superar um modelo de escola que mantém e reproduz as desigualdades sociais.
Deve-se buscar uma escola que forme crianças e jovens construtores ativos de sua
própria cidadania. Na seqüência São apresentados os Eixos Articuladores da
proposta metodológica. Como veremos eles estão intimamente relacionados com os
Princípios Fundamentais já apresentados. O 1º eixo é a vida cotidiana. Chama-se
atenção para a necessidade de saber compreender o dia-a-dia. Para transformar a
realidade é preciso ser capaz de ler os fatos simples da vida e sensibilizar-se
radicalmente com o valor da vida humana. Tendo como referência a obra de Sime,
1991*, apresenta-se 3 características básicas para se educar nos direitos humanos
na centralidade da vida cotidiana, são elas: a) rebelar-se, indignar-se contra toda
violação dos direitos humanos, superando a indiferença; b) Admirar-se e valorizar
toda expressão de afirmação da vida; c) afirmar uma pedagogia que trabalhe a
dimensão ética da educação. O 2º eixo é o compromisso de educar para a
cidadania. As autoras definem que cidadania não é apenas o cumprimento de
deveres e direitos, mas a ação político-social de cada um individualmente e da
comunidade que denuncia toda violação dos direitos individuais e sociais
promovendo e protegendo a vida. O 3º eixo trata-se de repensar a prática educativa,
buscando uma ação dialógica, participativa e democrática que supere todo
autoritarismo reafirmando a democracia. O 4º eixo trata da dignidade humana. De
acordo com o texto, numa sociedade onde o desrespeito a vida é crescente, se faz
necessário assumir o compromisso de promover ações que nos levem a uma
sociedade que tenha como princípio a afirmação da dignidade de toda pessoa
humana. Ao final, o texto levanta as Dimensões que compõem todo este processo
de construção do saber. São elas: ver - nesta dimensão procura-se sensibilizar os
participantes com a realidade que os cerca; saber - é a dimensão do
aprofundamento teórico; celebrar - dimensão do prazer, da alegria, da emoção;
comprometer-se - é a ação concreta, a participação, o envolvimento que brota a
partir das descobertas feitas no decorrer de todo processo. Os Princípios
Fundamentais, os Eixos Articuladores e as Dimensões da proposta pedagógica são
vivenciados em um local privilegiado por esta dinâmica - as Oficinas Pedagógicas de
Direitos Humanos
O CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA
A CONCEPÇÃO CONSTRUTIVISTA DA APRENDIZAGEM ESCOLAR E DO
ENSINO
Escola, cultura e desenvolvimento
A existência da instituição escolar é algo tão inerente à nossa sociedade e à
nossa maneira de viver que, às vezes, não nos perguntamos por que há escola ou
damos a essa pergunta respostas um pouco simples ("para guardar as crianças e
distraí-Ias", "para reproduzir a cultura estabelecida"). Não vamos entrar em uma
análise - mesmo breve - daquilo que a escola significa nas sociedades ocidentais,
mas gostaríamos de frisar que, assim como não podemos entender o desenvolvi-
mento humano sem cultura, dificilmente poderemos entendê-Io sem considerar a
diversidade de práticas educativas por meio das quais podemos ter acesso e
interpretamos de forma pessoal essa cultura, práticas essas em que cabe incluir as
escolares. Mediante essas práticas tenta-se assegular uma intervenção planejada e
sistemática, destilada a promover determinados aspectos do desenvolvimento de
meninos e meninas.
É evidente que por meio da escola - e da família, dos meios de comunicação -
entramos em contato com uma cultura determinada, e que nesse sentido
contribuímos para a sua conservação. A preocupação com uma escola alienante e
estática em sido uma constante entre pensadores de diversas disciplinas, que
chamaram a atenção para esse perigo, por outro lado extensivo a outros âmbitos
educacionais e, naturalmente, a outras instituições sociais.
No tocante à escola, negar seu caráter social e socializado r parece bastante
absurdo; na realidade, essa é uma das razões da sua existência. No tocante ao
aluno, já estão longe as explicações que o inseriam em um plano reativo, até pas-
sivo, diante do que lhe é oferecido como objeto de aprendizagem. Nessas
explicações, era razoável o amor de uma escola fundamentalmente alienante e
conservadora. A educação escolar promove o desenvolvimento na medida em que
promove a atividade mental construtiva do aluno, responsável por transformá-Io em
uma pessoa única, irrepetível, no contexto de um grupo social determinado. Os
bebês aprendem muitas coisas no seio da família; seus pais realizam esforços
notáveis para ensinar-Ihes determinados aspectos cruciais para seu des-
envolvimento. A ninguém ocorre contrapor a função educadora dos pais ao papel
ativo da criança em sua aprendizagem.
A concepção construtivista da aprendizagem e do ensino parte do fato óbvio
de que a escola torna acessíveis aos seus alunos aspectos da cultura que são
fundamentais para seu desenvolvimento pessoal, e não só no âmbito cognitivo; a
educação é motor para o desenvolvimento, considerado globalmente, e isso também
supõe incluir as capacidades de equilíbrio pessoal, de inserção social, de relação
interpessoal e motoras. Ela também parte de um consenso já bastante arraigado em
relação ao caráter ativo da aprendizagem, o que leva a aceitar que esta é fruto de
uma construção pessoal, mas na qual não intervém apenas o sujeito que aprende;
os "outros" significativos, os' agentes culturais, são peças imprescindíveis para essa
construção pessoal, para esse desenvolvimento ao qual aludimos.
No sentido exposto, este referencial explicativo permite integrar posições que
às vezes se contrapõem muito; não contrapõe o acesso à cultura ao
desenvolvimento individual. Pelo contrário, entende que este, mesmo tendo uma
dinâmica interna (como demonstrou Piaget), adota cursos e formas dependentes do
contexto cultural em que a pessoa em desenvolvimento vive; entende que esse
desenvolvimento é inseparável da realização de certos aprendizados específicos.
Pela mesma razão, não contrapõe construção individual à interação social; constrói-
se, porém se ensina e se aprende a construir. Em definitivo, não contrapõe a
aprendizagem ao desenvolvimento, e entende a educação - as diversas práticas
educativas das quais um mesmo indivíduo participa - como a chave que permite
explicar as relações entre ambos.
Aprender é construir
A aprendizagem contribui para o desenvolvimento na medida em que
aprender não é copiar ou reproduzir a realidade. Para a concepção construtivista,
aprendemos quando somos Capazes de elaborar uma representação pessoal sobre
um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender. Essa elaboração
implica aproximar-se de tal objeto ou conteúdo com a finalidade de apreendê-Io; não
se trata de uma aproximação vazia, a partir do nada, mas a partir das experiências,
interesses e conhecimentos prévios que, presumivelmente, possam dar conta da
novidade. Poderíamos dizer que, com nossos significados, aproximamonos de um
novo aspecto que, às vezes, só. parecerá novo, mas que na verdade poderemos
interpretar perfeitamente com os significados que já possuíamos, enquanto, outras
vezes, colocará perante nós um desafio ao qual tentamos responder modificando os
significados dos quais já estávamos providos, a fim de podermos dar conta do novo
conteúdo, fenômeno ou situação. Nesse processo, não só modificamos o que já
possuíamos,' mas também interpretamos o novo de forma peculiar, para poder
integrá-Io e torná-Io nosso.
Quando ocorre este processo, dizemos que estamos aprendendo
Signficativamente, construindo um significado próprio e pessoal para um objeto de
conhecimento que existe objetivamente. De acordo com o que descrevemos, fica
claro que não é um processo que conduz à acumulação de novos conhecimentos,
mas à integração, modificação, estabelecimento de relações e coordenação entre
esquemas de conhecimento que já possuíamos, dotados de uma certa estrutura e
organização que varia, em vínculos e relações, a cada aprendizagem que
realizamos.
Um exemplo simples permitirá ilustrar esse processo. Quando lemos um
documento sobre os conteúdos escolares que diz que eles são integrados não só
por fatos e conceitos, mas também por conteúdos de procedimento e de atitude, em
geral não nos limitamos a registrar essa afirmação, mas tentamos compreendê-Ia.
Para isso, contrastamos com esta idéia nossa visão de "conteúdo escolar" que pode
estar mais ou menos próxima da nova afirmação, em um processo que nos leva a
identificar os aspectos discrepantes, a estabelecer relações entre os que não o
parecem, a explorar ao máximo nosso conhecimento prévio para interpretar o novo,
para modificá-Io e para estabelecer novas relações que permitam ir mais além.
Seguindo com o exemplo, talvez um professor perceba que muitos desses "novos"
conteúdos já estavam presentes em sua escola, e que sua novidade reside mais no
rato de ser preciso torná-Ios mais explícitos, isto é, planeja-Ios ensiná-Ios e avaliá-
Ios. Outro professor, por sua vez, pode viver um conflito para discernir entre os
conteúdos de procedimento e as estratégias por ele utilizadas para ensinar os
alunos; inclusive pode ocorrer que sua compreensão o leve a confundir ambas as
coisas, sem estar consciente disso.
Nos dois casos, parece evidente que a experiência pessoal e os
conhecimentos de cada um determinam a interpretação que realizam. Ela também
depende das características do próprio conteúdo.. Simplesmente frisaremos que a
noção de aprendizagem significativa não é sinônimo da de aprendizagem finalizada
(e, aliás, será isso possível?); a aprendizagem é significativa na medida em que
determinadas condições estejam presentes; e sempre pode ser aperfeiçoada. Na
mesma medida, essa aprendizagem será significativamente memorizada e será
funcional, útil para continuar aprendendo. A significatividade e a funcionalidade da
aprendizagem nunca são uma questão de tudo ou nada.
Uma construção peculiar: construir na escola
No âmbito escolar, essa intensa atividade mental - e com freqüência também
externa, observável - que caracteriza a aprendizagem adquire algumas
características peculiares, que convém estudar mais de perto. Em primeiro lugar, e
embora as crianças aprendam na escola coisas que talvez não estavam previstas,
não se pode negar que aí estão para aprender algumas outras, e que estas são
bastante identificáveis. Os conteúdos escolares constituem um reflexo e uma
seleção (cujos critérios sempre são discutíveis e revisáveis) daqueles aspectos da
cultura cuja aprendizagem considera-se que contribuirá para o desenvolvimento dos
alunos em sua dupla dimensão de socialização - na medida em que os aproximam
da cultura do seu meio social - e de individualização, na medida em que o aluno
construirá com esses aspectos uma interpretação pessoal, única, na qual sua
contribuição é decisiva.
Enjeitados por muito tempo, após épocas de hegemonia absoluta na
estruturação da tarefa educacional, os conteúdos aparecem no referencial da
concepção construtivista como um elemento crucial para entender, articular, analisar
e inovar a prática docente.
Entretanto, convém lembrar que esses conteúdos, sejam eles quais forem, já
estão elaborados e fazem parte da cultura e do conhecimento, o que faz com que a
construção dos alunos seja uma construção peculiar. Com efeito, constrói-se algo
que já existe, o que naturalmente não impede a construção - no sentido que lhe
damos: atribuir significado pessoal -, embora obrigue que ela se realize em um
determinado sentido: justamente aquele que aponta a convenção social em relação
ao conteúdo concreto. Ou seja, não se trata de os alunos somarem
aproximadamente como está estabelecido, ou colocarem a letra "agá" em que Ihes
pareça melhor. Embora, obviamente, possam, em seu processo, "inventar" formas
de somar muito interessantes, que podem levá-Ias a resultados inesperados;
embora possam usar a ortografia de maneira sumamente criativa e pouco
convencional, é óbvio que essa construção pessoal deve ser orientada no sentido de
aproximar-se do culturalmente estabelecido, compreendendo-o e podendo usá-Io de
múltiplas e variadas formas.
Esta é uma das razões pelas quais a construção dos alunos não pode ser
realizada solitariamente: porque nada garantiria que sua orientação fosse a
adequada, que permitisse o progresso. A outra razão, muito mais importante, é que
de forma solitária não seria assegurada a própria construção. Como se descreve no
capítulo 5, a concepção construtivista assume todo um conjunto de postulados em
torno da 'consideração do ensino como um processo conjunto, compartilhado, no
qual o aluno, graças à ajuda que. recebe do professor, pode mostrar-se
progressivamente competente e autônomo na resolução de tarefas, na utilização de
conceitos, na prática de determinadas atitudes e em numerosas questões.
É uma ajuda porque é o aluno que realiza a construção; mas é
imprescindível, porque essa ajuda, que varia em qualidade e quantidade, que é
contínua e transitória e que se traduz em coisas muito diversas - do desafio à
demonstração minuciosa, da demonstração de afeto à correção - que se ajustam às
necessidades do aluno, é que permite explicar que este, partindo de suas
possibilidades, possa progredir no sentido apontado pelas finalidades educativas,
isto é, no sentido de progredir em suas capacidades. E isso acontece dessa forma
porque essa ajuda situa-se na zona de desenvolvimento proximal do aluno, entre o
nível de desenvolvimento efetivo e o nível de desenvolvimento potencial, zona em
que a ação educativa pode alcançar sua máxima incidência.
Dessa maneira, a criança vai construindo aprendizagens mais ou menos
significativas, não só porque possui determinados conhecimentos, tampouco porque
os conteúdos sejam estes ou aqueles; e os constrói pelo que foi dito e pela ajuda
que recebe de seu professor, tanto para usar sua bagagem pessoal quanto para ir
progredindo em sua apropriação. Na verdade, poderíamos afirmar que essa ajuda, a
orientação que ela oferece e a autonomia que permite, é o que possibilita a
construção . de significados por parte do aluno.
O motor de todo esse processo deve ser buscado no sentido a de atribuído
pelo aluno; no sentido intervêm os aspectos motivacionais, afetivorelacionais que se
criam e entram em jogo a propósito das interações estabelecidas em tomo da tarefa.
Considerar a importância desses aspectos não pressupõe, a nosso ver, depositá-Ios
exclusivamente no aluno; pelo contrário, requer uma reflexão sobre o que faz com
que emerjam em sentido mais ou menos positivo, reflexão que não pode deixar à
margem o impacto das expectativas dos alunos em relação ao que vai suceder em
um processo de ensino em relação aos resultados que presumivelmente serão
obtidos. O segundo capítulo se ocupa das relações entre o sentido e o significado na
aprendizagem e, em uma perspectiva um pouco mais ampla, das relações entre
âmbito cognoscitivo e o afetivo-relacional. na perspectiva de que, em uma lógica
construtivista, é a pessoa. considerada globalmente, que aprende. e esse
aprendizado também repercute globalmente na pessoa, naquilo que sabe e em sua
forma de ver-se e de relacionarse com os demais.
Em síntese, na concepção construtivista, assume-se que na escola os alunos
aprendem e se desenvolvem na medida em que podem construir significados
adequados em tomo de conteúdos que configuram o currículo escolar. Essa
construção inclui a contribuição ativa e global do aluno, sua disponibilidade e
conhecimentos prévios no âmbito de uma situação interativa, na qual o professor
age como guia e mediador entre a criança e a cultura, e dessa mediação - que adota
formas muito diversas, como o exige a diversidade de circunstâncias e de alunos -
depende em grande parte o aprendizado realizado. Este, por último, não limita sua
incidência às capacidades cognitivas, entre outras coisas porque os conteúdos da
aprendizagem, amplamente entendidos, afetam todas as capacidades: repercute no
desenvolvimento global do aluno.
OS PROFESSORES, A ESCOLA E A CONCEPÇAO CONSTRUTIVISTA
Começamos este capítulo com uma reflexão sobre as teorias ou referenciais
explicativos úteis para tomar as decisões que caracterizam o ensino. De uma forma
sumária, e talvez na ordem diferente da utilizada em nosso discurso inicial. podemos
agora assinalar que tais referenciais:
a)Devem permitir responder, ainda que em nível geral, às perguntas que,
abertamente ou encobertas por outras mais concretas, todos os professores se
fazem: Que significa aprender? O que ocorre quando um aluno aprende e quando
não aprende? Como se pode ajudá-Io?
b) Devem partir de uma consideração sobre a natureza social e socializadora
do ensino,consideração que não pode ficar simplesmente como uma declaração de
princípios. A nosso ver, e como já mencionamos, isso leva a caracterizar os
conteúdos do ensino em sua relação com a cultura, e também a estruturar a
construção pessoal do aluno no seio da interação social de caráter educativo.
c) Devem incluir em seus princípios o conceito de diversidade, inerente à
tarefa de ensinar, e que, como vimos, define aquilo que se entende como "ensino de
qualidade".
A essas características cabe acrescentar agora que os referenciais
explicativos sobre a aprendizagem e o ensino deveriam integrar as contribuições da
psicologia e da pedagogia, em torno das quais há um certo consenso - por exemplo,
em torno do princípio construtivista -, bem como aquelas que, sem ser totalmente
compartilhadas, não são contraditórias entre si. Não se trata de fazer um amálgama
de princípios daqui e dali que "fiquem bem", mas de partir de um elemento
estruturador neste caso, o caráter social e socializador da educação escolar e seu
impacto sobre o desenvolvimento pessoal - que permita fazer uma leitura integrada
das diversas contribuições, obrigando, ao mesmo tempo, sem dúvida, a elaborar
novas hipóteses e princípios.
Em nossa opinião, a concepção construtivista da aprendizagem escolar e do
ensino preenche esses e outros requisitos, que a tornam potencialmente útil para a
análise, melhoria e prática do ensino (só faltaria, depois de chegar até aqui, opinar o
contrário!). Embora todos os capítulos deste livro corroborem essa opinião em um
aspecto particular, convém justificá-Ia agora, brevemente, de uma perspectiva mais
global.
A concepção construtivista oferece ao professor um referencial para analisar
e fundamentar muitas das decisões que toma no planejamento e no decorrer do
ensino - por exemplo, dela são extraídos critérios para comparar materiais didáticos;
para elaborar instrumentos de avaliação coerentes com o que se ensina; para
elaborar unidades didáticas etc. Paralelamente, proporciona critérios para
compreender o que acontece na aula: por que um aluno não aprende; por que essa
unidade cuidadosamente planejada não funcionou; por que, às vezes, o professor
não tem indicadores que lhe permitam ajudar seus alunos.
Não há por que limitar o uso desses critérios de análise, fundamentação e
melhoria àquilo que faz um determinado professor. A concepção construtivista é um
referencial útil para a reflexão e tomada de decisões compartilhada, que pressupõe
o trabalho em equipe de uma escola; como referencial, é ainda mais útil quando
esse trabalho for articulado em torno das grandes decisões que afetam o ensino e
que estão sistematizadas nos Projetos Curriculares das Escolas. A discussão e o
consenso em torno do que se ensina, quando e como se ensina e se avalia, exige
referenciais que, por um lado, ajudam a justificar de modo coerente as decisões
tomadas e, por outro, permitem recorrer às contribuições de outras disciplinas - por
exemplo, às didáticas específicas; à análise sociológica- em posse de certos
critérios que, sem dúvida, repercutirão em sua compreensão e contextualização e
evitarão as posturas acríticas e um tanto ingênuas com que muitas vezes são
aplicadas.
Na medida em que a concepção construtivista explica como se produz a
aprendizagem graças à intervenção de outros, pode ser um elemento útil para o
estabelecimento de rotinas de trabalho conjunto das equipes de professores e de
assessoramento, nas quais sem dúvida se estabelecem processos de
aprendizagem, embora com características um pouco diferentes das existentes na
aula. Contudo, alguns dos princípios que enunciamos brevemente e que são
tratados em profundidade em outros capítulos parecem adequados para a interação
no seio da equipe: partir daquilo que se possui, se sabe ou se faz; estabelecer
objetivos e planos de trabalho compartilhados que pressuponham desafios
atingíveis; encontrar um sentido para a tarefa conjunta; poder oferecer e receber
ajuda; proceder a revisões periódicas daquilo que foi realizado.
A nosso ver, é no âmbito da situação de ensino/aprendizagem - seja na sala
de aula, seja em sua abordagem na própria equipe - que a concepção construtivista
mostra sua maior potencialidade; é lógico que assim seja, pois foi elaborada para
esse âmbito. Mas inclusive nesse âmbito é óbvio que não é uma explicação
onipotente: pode e deve ser complementada com contribuições de outras disciplinas,
que colaboram no empenho de conseguir um ensino mais ajustado às necessidades
dos alunos e professores, mais eficaz, de maior qualidade.
Como vemos, a concepção construtivista proporciona certos critérios que
todo professor e corpo docente necessitam para levar a cabo uma educação
fundamentada e coerente; além disso, a partir desses critérios, permite interpelar
outras disciplinas, cuja incidência poderá deixar de ser uma questão de moda, às
vezes anedótica - pois quando se adota uma proposta sem critério suficiente e sem
poder conjugá-Ia com outras decisões tomadas, o mais provável é que da seja
seguida rigidamente ou logo seja abandonada por outra, mais atraente, mas também
escassamente analisada -, para converter-se em fonte de reflexão e inovação para o
ensino.
Por outro lado, embora seguindo uma linha de raciocínio similar, já vimos que
avançar no sentido de um ensino de qualidade não é apenas uma questão dos
professores: diz respeito à natureza e às características do currículo, ao apoio das
autoridades educativas, às possibilidades de formação permanente e à organização
das escolas.
Focalizando um desses aspectos, está claro que os conhecimentos de
Teorias da Organização, de Teoria Geral dos Sistemas e da Comunicação podem
contribuir muito para a estruturação e o funcionamento das escolas e para a
obtenção de melhorias na qualidade do ensino. A respeito, é interessante refletir
sobre o rato de que a forma de distribuir os espaços, o tempo, a elaboração dos
horários, a distribuição dos grupos, não são questões meramente técnicas; na
medida em que essas variáveis podem influenciar notavelmente no desenvolvimento
do ensino, não seria impróprio pensar em uma forma de abordagem construtivista da
organização. Perguntas como "Esta distribuição de horários nos permite um
acompanhamento dos alunos para que possamos atendê-Ios adequadamente?,
Facilita o trabalho interdisciplinar?", para dar apenas um exemplo, mostram que a
organização perfeita não é a que parece perfeita no papel, mas a que facilita a tarefa
educativa, organização que, certamente, também deve ser razoável no papel.
Enfim, os critérios proporcionados pela concepção construtivista podem e
devem orientar também o apoio que as autoridades educativas dão à escola, apoio
na organização, na formação, na assessoria... S6 abordando de forma integrada a
ação educativa ela poderá responder às múltiplas expectativas que nela se
depositam.
CONCLUSÃO
É claro que a concepção construtivista não serve igualmente para tudo que
configura uma escola nem para todas as tarefas de um professor. Também está
claro que, mesmo naquelas para as quais parece mais adequada - as formativas,
em sua dimensão individual e coletiva -, não é uma aproximação exclusiva nem
excludente. Parece-nos que sua utilidade está em permitir formular determinadas
perguntas nucleares para a educação, permitir respondê-Ias a partir de um
referencial explicativo articulado e coerente, e oferecer critérios para enriquecer
respostas que requerem informações mais específicas.
Mas a concepção construtivista é útil por algo mais. Porque se explicita,
contribuindo assim para o exercício de comparação com as "teorias" dos
professores. Porque não é um referencial excludente, mas aberto, na medida em
que ainda deve aprofundar muito em seus próprios postulados e na medida em que
necessita enriquecer-se, em geral e para cada situação educativa concreta, com
contribuições de outras disciplinas. E, se nos for permitido, porque é uma
aproximação otimista, que parte daquilo que se possui e entende que, deste ponto
de partida, é possível ir progredindo à medida que as condições o permitam, e
porque aponta o sentido em que essas condições devem ser estabelecidas.
FRANCO, Creso, FERNANDES, Cláudia e BONAMINO, Alícia. Avaliação na escola e avaliação da educação: possibilidades e desafios. In CANDAU, Vera Maria(org.). Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 167-188.
A década de 90 foi marcada pela emergência da prioridade do tema da
avaliação. No âmbito educacional, a referida prioridade expressou-se em dois veios
principais: as propostas relativas à avaliação de sistemas educacionais e as
iniciativas voltadas para a superação do caráter excludente da avaliação tradicional.
Muito embora ambos os veios guardem estreita relação com as políticas públicas,
deve ser observado que a interação entre a avaliação de sistemas educacionais e as
propostas de avaliação continuada tem sido pequena. Tipicamente, essa relação
limita-se ao estímulo à implantação de propostas de ciclos e avaliação continuada a
partir da evidência de que a distorção idade-série tem alimentado o fracasso escolar.
O presente capítulo focaliza o Ensino Básico e analisa a situação atual da
avaliação em relação àqueles veios principais acima identificados.
A avaliação na LDB
A importância dada à avaliação pela nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - Lei 9394/96 - é inédita, a ponto de ser apresentada por Cury
como um dos eixos centrais da atual LDB, que “vai da negação de um sistema
nacional de educação à afirmação de um sistema nacional de avaliação”. Cury está
se referindo ao artigo 9º da lei, que estabelece em um de seus itens a atribuição da
União de “assegurar o processo nacional de avaliação do rendimento escolar no
ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino,
objetivando a definição de prioridades e a melhoria do ensino”.
A interpretação do significado do texto legal não pode prescindir de
considerações acerca da função que pode ser desempenhada por avaliações de
sistemas de ensino em diversos contextos. Embora as experiências internacionais e
as propostas de acadêmicos e políticos envolvidos com avaliação sejam muito
diversas, dois tipos de papéis têm sintetizado as diferentes propostas e práticas. No
primeiro deles, prioriza-se a construção ou definição de políticas baseadas em
evidências (evidence based policies), atribuindo-se à avaliação o papel de produtora
de evidências (Goldstein: 1998). O segundo papel prioriza a avaliação como indutora
de reformas (assessment based reforms), abordagem que, em muitos casos - mas
não em todos -, está associada a propostas de incorporação de mecanismos de
mercado pelas redes de ensino e escolas (Linn: 1995; Gentili:1996). A análise do
texto legal não permite que se conclua pela vinculação da lei a uma das tendências
apontadas. Com efeito, se a menção ao objetivo de “definição de prioridades” pode
ser interpretada como associada à noção de políticas baseadas em evidências, o
texto é ambíguo em relação a como o objetivo de “melhoria do ensino” se vincula à
avaliação. Seria por meio da adoção das já mencionadas políticas baseadas em
evidências? Ou pela vinculação direta da avaliação a adoção de mecanismos de
mercado? Ou por ambas as alternativas?
Em trabalho que focaliza o processo de institucionalização do SAEB (Bonamino
e Franco: 1999), mostramos como o sistema de avaliação da educação brasileira
afasta-se do paradigma da reforma baseada em avaliação e aproxima-se ora do
paradigma das políticas baseadas em evidências ora de paradigma que pode ser
chamado de políticas justificadas por 'evidências', localizando-se a diferença entre
esses dois últimos paradigmas no modo como eles se relacionam com a pesquisa e
as evidências. Em um dos casos, pesquisas e evidências fundamentam políticas; no
outro, políticas pré-definidas buscam justificar-se por meio de estratégias seletivas
em relação a pesquisas e evidências.
O segundo aspecto referente à avaliação tratado na LDB é a avaliação do
aluno. Como no caso da avaliação dos sistemas educacionais, nossa análise do
texto legal busca identificar as novidades introduzidas na lei, examina até que ponto
e de que modo essas novidades relacionam-se com políticas e práticas correntes
nas redes de ensino e tematiza essas políticas e práticas com o intuito de interpretar
as orientações e possibilidades abertas pelo texto legal.
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece, no inciso V
do artigo 24, as seguintes diretrizes para a avaliação na escola:
A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com
prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao
longo do período sobre os de eventuais provas finais;
b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso
escolar;
c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação
do aprendizado;
d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos
ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados
pelas instituições de ensino em seus regimentos.
Além da repetição literal de aspectos da Lei 5692/71, como no caso do
disposto no item (a) do inciso transcrito, a Lei 9394/96 trata como possibilidade
aquilo que era equacionado praticamente como exceção no âmbito da legislação
precedente. Este é o caso da aceleração de estudos, aspecto objeto de muitas
iniciativas ao longo das décadas de 80 e, principalmente, de 90. A menção aos
estudos paralelos de recuperação também está no rol de práticas consagradas que
foram incorporadas ao texto legal. Note-se que, embora práticas de recuperação
paralela estejam presentes na escola desde a 1º metade da década de 70, a
legislação anterior não especificava o caráter paralelo dos estudos de recuperação.
Observe-se também que, embora inciso transcrito mencione a possibilidade de
promoção escolar mediante verificação do aprendizado, o tema da progressão e
classificação dos alunos em séries, ciclos ou etapas é objeto de outras
especificações, no inciso II do mesmo artigo 24:
A classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino
fundamental, pode ser feita:
a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série
ou fase anterior, na própria escola;
b) por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;
c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita
pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e
permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do
respectivo sistema de ensino.
O aspecto relevante a ser destacado aqui refere-se ao item (c), que permite a
inscrição de alunos em séries ou etapas compatíveis com seu grau de
desenvolvimento e experiência. Isso contrasta com o modo pelo qual a LDB de 1971
concebia a possibilidade de progressão do aluno. De acordo com a legislação
anterior, “verificadas as necessárias condições, os sistemas de ensino poderão
admitir a adoção de critérios que permitam avanços progressivos dos alunos pela
conjugação dos elementos idade e aproveitamento” (Lei 5692/71, artigo 14). Note-se
duas mudanças relevantes: o desenvolvimento e a experiência do aluno tomam o
lugar do aproveitamento e o texto atual contempla situações mais abrangentes que o
anterior, por permitir a progressão e classificação dos alunos independentemente de
escolarização anterior.
Finalmente, devem ser consideradas as prescrições legais para a organização
do ensino básico e examinadas suas conseqüências para a avaliação na escola. O
artigo 23 da atual LDB regulamenta a organização da educação básica:
A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos
não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios,
ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo
de aprendizagem assim o recomendar.
Neste aspecto, a atual legislação difere bastante das anteriores e da cultura
prevalente, que considera a organização em séries como a regra e arranjos
diferenciados como exceção à regra. O contraste é enfatizado pela noção de que
são aceitáveis todas as formas de organização que estejam a serviço do interesse
do processo de aprendizagem. Em especial, deve ser observado que a lei faz
menção à organização por ciclo e por idade, possibilidades de estruturação da
educação básica que enfatizam a importância da avaliação continuada. Com efeito,
a avaliação continuada e a adoção de ciclos longos no ensino fundamental
redundam em sistema estruturado por idade, aspecto que não passou
desapercebido, já na década de 50, por Almeida Júnior (1957), autor que enfatizava
que a adoção desse tipo de estruturação para o ensino precisava vir acompanhada
por uma série de mudanças pedagógicas e culturais.
A avaliação continuada e ciclos guardam uma estreita relação, uma vez que
uma escolarização organizada em ciclos não deveria pressupor a interrupção da
mesma ao final de cada ano letivo. For outro lado, deve ser considerado que a
origem recente de boa parte das atuais propostas de avaliação continuada está
associada à progressão contínua mesmo que a escolaridade não seja organizada
em ciclos, como ocorreu, por exemplo, na metade da década de 90 no município de
Niterói.
A conjugação da proposta de ciclos com avaliação continuada dentro de cada
ciclo só passou a ter repercussão nacional no âmbito dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN). Portanto, os PCN trazem elementos de continuidade com a
organização escolar por ciclos e como a avaliação continuada, aspectos
posteriormente valorizados na LDB promulgada em 1996. O processo que originou a
primeira versão dos PCN iniciou-se no final de 1994, portanto quase dois anos antes
da promulgação da Lei 9.2324/96. Embora não estritamente coetâneos, ambos os
instrumentos são convergentes nas tentativas de garantir a organização do ensino
em ciclos e a adoção de formas contínuas e cumulativas de avaliação do
desempenho do aluno. Os PCN propõem uma organização por ciclos no Ensino
Fundamental, estendendo para todo o Ensino Fundamental as experiências da
década de 80 com os ciclos básicos de alfabetização. Para os PCN, “Os
conhecimentos adquiridos na escola requerem tempos que não são
necessariamente os fixados de forma arbitrária, nem pelo ano letivo, nem pela idade
do aluno. As aprendizagens não se processam com a subida de degraus regulares,
mas por avanços de diferentes magnitudes. Embora a organização da escola seja
estruturada em anos letivos é importante que em uma perspectiva pedagógica a vida
escolar e o currículo possam ser assumidos e trabalhados em dimensões de tempo
mais flexíveis”. Ainda de acordo com os PCN, o ciclo corresponderia melhor “ao
tempo de evolução das aprendizagens e a uma organização curricular mais coerente
com a distribuição dos conteúdos ao longo do período de escolarização”.
O conceito de ciclo tem sido mobilizado para operacionalizar o ideal de uma
escola inclusiva, estando associado à possibilidade de que os percursos traçados
por cada estudante possam ser mais individualizados.
A reorganização da escolaridade não tem valor, a não ser que permita a mais
alunos aprenderem melhor. Importa, sobretudo, que ela represente um progresso
sensível para os alunos em dificuldade, pois aqueles que têm êxito sem dificuldade
na organização atual da escola não justificam sua reforma. Em contrapartida, uma
reorganização que vise aos menos favorecidos não deve(m) penalizar os bons
alunos. As possibilidades de ciclos e avaliação continuada contribuírem para um
sistema educacional inclusivo e democrático estão, portanto, além do que poderia
ser equacionado em termos legais ou em documentos com propostas curriculares.
Propostas e práticas de avaliação continuada
As estatísticas educacionais brasileiras mostram que a experiência da
repetência de série ao longo do processo de escolarização está longe de ser uma
exceção. As conseqüências deste quadro são extremamente graves, já que as altas
taxas de repetência contribuem para abaixar o moral de grande parcela dos alunos,
geram mais repetência via aumento da distorção idade/série, consomem improdu-
tivamente partes consideráveis dos já insuficientes recursos financeiros dos
orçamentos da educação e transformam a escola em instância de exclusão social.
Tal situação tem levado pesquisadores em educação e gestores de redes de ensino
a proporem estratégias que objetivam superar a situação vigente. Abordagens neste
sentido são revistas e avaliadas abaixo.
A primeira abordagemConsiste em investir na melhoria das condições de ensino com o objetivo de
aprimorar a performance educacional dos alunos e, por esta via, conter os altos
índices de repetência, melhorando a produtividade das redes de ensino. Ações
deste tipo estão sintonizadas com o posicionamento de técnicos ligados ao Banco
Mundial, os quais têm expressado o ponto de vista de que, ao menos nos países em
desenvolvimento, “alguns tipos de investimentos podem induzir economia de
recursos em montante substancialmente maiores que o investimento efetuado”. Ao
especificarem os tipos de investimento mais efetivos para os países em
desenvolvimento, os autores têm indicado como áreas prioritárias aquelas
diretamente associadas às práticas pedagógicas, em especial livros didáticos.
Com relação à melhoria da performance dos alunos a partir de investimentos
em insumos educacionais, a pesquisa detectou modesto resultado positivo apenas
no estado do Piauí. Quanto à melhoria da taxa de promoção, os resultados foram
negativos nos três estados estudados, o que sugere que melhoria nas taxas de
promoção é um objetivo ainda mais difícil de ser alcançado do que melhoria na
performance dos alunos. Este tipo de achado está em sintonia com resultados de
Fletcher (comunicação pessoal), os quais evidenciam que os esforços educacionais
feitos em Minas Gerais não tiveram reflexos na melhoria da taxa de promoção de
alunos.
A segunda estratégiaUtilizada pelos gestores para lidar com a repetência é a adoção de medidas
normativas de promoção via avaliação continuada. Segundo Mainardes (1999), o re-
ferido tema chegou ao Brasil através de eventos promovidos pela UNESCO e
implementou-se um primeiro ciclo de experiências de promoção automática nos
estados de São Paulo (1968-72), Santa Catarina (1970-84) e Rio de Janeiro (1979-
84). A adoção das referidas políticas de não reprovação foi baseada em
diagnósticos gerais sobre os problemas da repetência, os quais não estavam
articulados com visões pedagógicas que interpretassem as causas dos altos índices
de repetência, nem com propostas desenhadas para a superação do problema.
Referindo-se a essas experiências, Cunha (1991: 218) afirmou que “onde a
promoção automática foi adotada sem outras medidas complementares, a qualidade
do ensino caiu irremediavelmente, como foi o caso de Santa Catarina e do Rio de
Janeiro”.
Em uma avaliação geral do tema, pode-se afirmar que, apesar das medidas de
caráter político - como a organização de fóruns para debate da proposta de política
educacional - e de caráter pedagógico - tais como veiculação de material didático e
de fundamentação pedagógica, assessorias pedagógicas e tentativas de viabilizar
espaços no calendário escolar para discussões - as propostas de implementação do
Ciclo Básico geraram resistência por parte dos professores e se descaracterizaram
(Neubauer-da-Silva e Davies 1993:27). O estudo do progresso de coortes que
passaram pelo Ciclo Básico nos diferentes estados indica que as estratégias
adotadas não superaram o problema da seletividade sócio-econômica no ensino de
1º grau como um todo.
Para alguns, como Neubauer-da-Silva e Davies (1993), em artigo intitulado “É
Proibido Repetir”, as propostas baseadas na não reprovação constituem-se em
opção importante para uma educação não excludente e oferecem uma alternativa à
cultura da repetência. Considerando-se que, apesar dos problemas mencionados
em relação à implantação do Ciclo Básico, as gestões que introduziram o Ciclo
Básico foram administrações pelo menos relativamente bem-sucedidas, não é difícil
compreender que experiências como o Ciclo Básico tenham sido utilizadas em
outros contextos ou mesmo inspirado políticas mais ousadas de avaliação
continuada. Essas políticas acionam mecanismos que, em conjunto com diversas
medidas de caráter pedagógico e estrutural, estendem a promoção sem reprovação
até a 8ª série do ensino fundamental ou impõem em severas restrições à
possibilidade de reprovação do aluno antes da 8ª série. Muito embora o caso mais
divulgado tenha sido a recente regulamentação de mecanismos deste tipo pela
Secretaria Estadual de Educação e pelo Conselho Estadual de Educação de São
Paulo (Camargo: 1999), há diversas propostas deste tipo recém-implantadas ou em
gestação.
As evidências consideradas, acerca da repetência e das políticas de avaliação
continuada, nos levam a um cenário complexo. De um lado, as informações
disponíveis acerca do efeito da melhoria do ensino nas taxas de promoção indicam
que, diante de melhorias, os professores optam, ao menos em um primeiro
momento, por modificar seus padrões de aprovação, o que redunda na tendência de
manutenção de taxas de repetência elevada mesmo quando há progressos no
processo de ensino e aprendizagem. Neste contexto, faz-se necessário que os
gestores de redes de ensino acionem mecanismos específicos de minimização da
repetência, não bastando confiar em que melhorias na qualidade de ensino reflitam-
se automaticamente em mais altas taxas de aprovação. De outro lado, as expe-
riências de avaliação continuada têm gerado conflitos dispersivos no seio da escola,
mesmo quando implementadas em contextos favoráveis. Isto indica que a
generalização de propostas de avaliação continuada em condições menos
favoráveis tende a trazer mais problemas do que soluções.
O tema da resistência de professores a reformas educacionais foi abordado por
Castro e Carnoy (1997:35), autores que enfatizam que a reforma educacional “pode
ter um impacto positivo na qualidade do ensino, mas o impacto é maior quando os
principais atores, inclusive os professores, apóiam a reforma”. No caso das
propostas de avaliação continuada, o problema concentra-se, de um lado, na
ineficiência das propostas de superação do caráter excludente da escola a partir de
medidas gerais voltadas para a melhoria da qualidade da educação e, de outro lado,
na resistência por parte dos professores e no desvio de racionalidade gerados pelas
propostas que limitam o poder de decisão dos professores quanto à aprovação ou
reprovação de seus alunos.
Avaliação: para onde vamos?A cultura da promoção dos alunos e da inclusão social, em contraste com a
cultura da repetência e da exclusão social, tem marcado muitos dos esforços de
política educacional Como conseqüência, o percentual da população que tem
conseguido atingir o fim da escola fundamental e média tem aumentado bastante,
embora fique aquém do conseguido por muitas das nações que, como a nossa, só
no século XX começaram a dedicar-se sistematicamente a montar sistemas
educacionais para todos. O otimismo com a melhoria do percentual das titulações é
muitas vezes refreado pela desconfiança de que o aumento das titulações tenha
sido obtido ao preço da deterioração do nível de ensino. Ainda que aceitemos
provisoriamente que o nível correspondente a determinado grau de ensino possa ter
caído, permanece em aberto qual é o balanço geral da situação brasileira face à
eventual queda do nível correspondente a determinados graus de ensino e ao
aumento dos níveis de escolaridade da população. Encerramos apontando alguns
impasses cuja resolução parece-nos associada às possibilidades de que os ciclos, a
avaliação continuada e a avaliação de sistemas educacionais possam ter uma
contribuição efetiva no fortalecimento da educação pública brasileira.
Muito embora a origem do tema da avaliação continuada remonte a meados do
século XX, as atuais propostas envolvendo avaliação continuada e ciclos guardam
relação direta com as propostas desenvolvidas durante a década de 80, no contexto
da redemocratização do país.
A despeito de tensões recorrentes, quando acionada no âmbito de políticas
públicas consistentes e abrangentes, a avaliação continuada tem sido um importante
mecanismo de superação da exclusão social, até porque as políticas que focalizam
a melhoria das condições de ensino e aprendizagem sem especificar medidas
relativas à avaliação não têm sido bem-sucedidas quanto à melhoria das taxas de
aprovação. Recentemente, vários estados e municípios tomaram ou estão tomando
iniciativas voltadas para a adoção de ciclos longos e avaliação continuada no ensino
fundamental e mesmo no ensino médio. Neste capítulo, já apresentamos uma série
de razões para valorizarmos essas iniciativas, desde que situadas dentro de um
conjunto de medidas mais amplas. No entanto, é necessário apontar para um
problema ainda em aberto, que merece atenção especial dos pesquisadores e dos
gestores de sistemas de ensino. Desde 1983, temos acumulado experiências
ininterruptas com ciclos e avaliação continuada. Neste período, quase a totalidade
de iniciativas esteve concentrada no primeiro segmento do então ensino de 1º grau,
freqüentemente nos dois anos iniciais da escolarização. Apenas eventualmente
estendeu-se a avaliação continuada até o equivalente à 8ª série. Nesses casos,
houve resistência redobrada por parte de professores, o que parece estar associado
ao perfil e cultura profissional diferenciados dos professores que atuam no segundo
segmento. Por isso, os gestores educacionais envolvidos com a adoção de ciclos e
avaliação continuada ao longo de todo o ensino fundamental precisarão considerar
não só que se trata de uma mudança de paradigma na organização do ensino mas
que essa mudança envolve tensões que estão associadas à própria identidade
profissional dos professores, em especial a dos professores do segundo segmento
do ensino fundamental e do ensino médio. O eventual desprezo deste aspecto tende
a comprometer as chances de que ciclos e avaliação continuada possam contribuir
para as políticas de inclusão social.
Quanto à avaliação de sistemas educacionais, a atual LDB é a primeira
legislação que especifica a atribuição da União em promover a avaliação dos
sistemas educacionais. Esse aspecto da legislação foi influenciado por contexto
favorável à avaliação das atividades públicas e pela própria preexistência de um
sistema nacional de avaliação da educação básica e de alguns sistemas estaduais
de avaliação das redes de ensino. A partir de 1994, na gestão do Ministro Paulo
Renato Souza, a avaliação dos sistemas educacionais ganhou prioridade dentro das
políticas públicas do Ministério da Educação, o que viabilizou condições para o
aprimoramento e fortalecimento deste tipo de avaliação. Muito embora o sistema
brasileiro de avaliação da educação evite o paradigma em que a avaliação funciona
como indutora das reformas, a avaliação brasileira não limita-se a produzir
elementos para a formulação de políticas educacionais, funcionando também como
elemento de justificação de políticas pré-formuladas. Transformação positiva deste
quadro implica em dar à avaliação dos sistemas educacionais o status de prioridade
de Estado, em contraste com a atual situação de prioridade de governo. O estudo
das implicações associadas à mencionada mudança de prioridades está além das
possibilidades do presente trabalho mas vale a pena ressaltar que seria necessário
considerar aspectos tais como o papel do Conselho Nacional de Educação no que
se refere à avaliação de sistemas educacionais, a relação da União com as demais
esferas do poder público e as condições necessárias para que o INEP, enquanto
órgão responsável pela avaliação, possua uma cultura de órgão de Estado.
CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, violência e cotidiano escolar. In: Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 137-166.
O fenômeno da violência na sociedade atual, especialmente nas grandes
cidades, vem adquirindo cada vez maior visibilidade social, particularmente a partir
dos anos 80, e sendo objeto de preocupação tanto por parte do poder público e dos
cientistas sociais, como da sociedade brasileira em geral.
É neste contexto que as questões relativas às relações entre escola e
violência vêm emergindo com especial dramaticidade entre nós. Algumas
manchetes recentes de jornais do país evidenciam esta realidade:
“Aluno acusa professor de agressão na escola.”
“Escola depredada atrai o tráfico.”
“Uma forma de exibicionismo: a explosão de bombas nas escolas.”
“Unidos na bagunça: alunos indisciplinados e mal educados atormentam os
professores das escolas de classe média.”
Este trabalho parte de três afirmações fundamentais:
- primeira: não se pode dissociar a questão da violência na escola da
problemática da violência presente na sociedade em geral; miséria, exclusão,
corrupção, desemprego, concentração de renda e poder, autoritarismo,
desigualdade, entre outras chagas de nossa sociedade, estão articulados à questão
da violência através de uma teia ampla de relações; violência social e violência
escolar estão relacionadas mas esta relação não pode ser vista de modo
mecanicista e simplista;
- segunda: sendo assim, a problemática da violência só pode ser
compreendida partindo-se de sua complexidade e multicausalidade, não podendo
ser reduzida às questões relativas à desigualdade e exclusão social, criminalidade,
crise do Estado e das políticas públicas, especialmente na área social, falta de ética,
etc.; o fenômeno da violência apresenta não só uma dimensão estrutural, mas
também uma dimensão cultural, ambas intimamente articuladas, exigindo-se
mutuamente;
- terceira: as relações entre violência e escola não podem ser concebidas
exclusivamente como um processo de “fora para dentro”; a violência presente na
sociedade penetra no âmbito escolar afetando-o, mas também como um processo
gerador no próprio interior da dinâmica escolar: a escola também produz violência.
O que se entende por violência?
Pergunta aparentemente simples, encerra grande complexidade e dificuldade.
Não é fácil definir ou conceituar o que se entende por violência.
Neste trabalho nos basearemos numa perspectiva ampla, teremos como
referências fundamentais Jurandir Freire Costa (1991) e Marilena Chauí (1999).
Para Jurandir Freire Costa :
Violência é o emprego desejado de agressividade com fins destrutivos.
Agressões físicas, brigas, conflitos podem ser expressões de agressividade
humana, mas não necessariamente expressões de violência. Na violência a ação é
traduzida como violenta pela vítima, pelo agente ou pelo observador. A violência
ocorre quando há desejo de destruição.
Quanto à professora de filosofia da Universidade de São Paulo, em recente
artigo, publicado na Folha de S. Paulo de 14 de março deste ano sobre o tema da
violência, contrapõe ética e violência e assim caracteriza a violência:
1) tudo o que age usando força para ir contra a natureza de algum ser (é
desnaturar); 2) todo o ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade
de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da
natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma
sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma
sociedade define como justo e como um direito. Conseqüentemente, violência é um
ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza
relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e
pelo terror (Caderno Mais, p.3).
A violência não pode ser reduzida ao plano físico, mas abarca psíquico e
moral. Talvez se possa afirmar que o que especifica a violência é o desrespeito, a
coisificação, a negação do outro, a violação dos direitos humanos. É nesta
perspectiva que queremos nos aproximar da trama que enreda cotidiano escolar e
violência.
Escola e violência: o que pensam professores e jovens.Um estudo realizado em 1997 e 1998, evidenciou que a problemática das
diferentes manifestações da violência no cotidiano escolar é extremamente
complexa e multidimensional. Destacaremos alguns aspectos que nos parecem
especialmente significativos na perspectiva de construir caminhos, de trabalhar na
prática pedagógica as diversas questões que a violência coloca, conscientes dos
limites da ação escolar, assim como das redes visíveis e invisíveis que vinculam a
sociedade e as diferentes formas de violência nela presentes ao dia-a-dia das
escolas.
Para os professores/ (as), a violência está aumentando nas escolas não
somente do ponto de vista quantitativo como também qualitativo. Hoje, ela apresenta
grande diversificação e, em muitos casos, cresce em intensidade. Em segundo
lugar, para a grande maioria destes atores, trata-se de uma realidade que nas suas
manifestações intra-escolares se apresenta como reflexo da violência social.
Neste sentido, é um fenômeno fundamentalmente derivado, cuja dinâmica se
origina na sociedade e se reflete na escola, seu dinamismo é de “fora” para “dentro”.
Os/as professores(as), em geral, tem dificuldade de identificar formas de violência
geradas pela própria escola, não vêem a cultura escolar como fonte de violência.
Os tipos de violência assinalados como estando mais presentes no dia-a-dia
da escola são as ameaças e agressões verbais entre os alunos e alunas, e entre
estes e os adultos. No entanto, apesar de menos freqüentes, também se dão as
agressões físicas, algumas com graves conseqüências.
Um fenômeno novo e de especial dramaticidade é o assedio das escolas pelo
narcotráfico. Trata-se de uma realidade cada vez mais presente, particularmente nas
escolas públicas situadas em zonas periféricas das grandes cidades, consideradas
de risco do ponto de vista social. Trata-se de um tema extremamente difícil que
coloca, muitas vezes, a direção das escolas e o corpo docente em situações-limite,
em que o medo, o sentido de impotência e o desânimo imperam.
Através das observações sistemáticas de campo, ocorridas num período de
12 meses, analisou o enraizamento do narcotráfico nas populações onde atua,
permitindo-lhe um alto nível de controle sobre elas. Os mecanismos de dominação
dos narcotraficantes disseminam, nos locais sob seu controle, uma prática que vai
atingir, principalmente, os jovens e seus movimentos.
Assim, segundo a autora:
A idéia central a ser problematizada é a de que ações como a dos grupos em
questão operam uma ruptura na lógica da instituição escolar, violando um de seus
princípios fundamentais, que faz da relativa descontinuidade entre a escola como
instituição social e o meio imediato em que se insere uma das condições básicas de
sua eficácia. Sejam quais forem as funções que se pretenda obter da escola, impõe-
se a necessidade de sua relativa autonomia (p.206).
A autora concluiu perguntando se o Estado e a sociedade terão capacidade
de dar condições de cidadania a esta juventude, questão em que a escola tem papel
fundamental:
A questão fundamental, então, é se Estado e sociedade serão capazes do
esforço necessário para alçar esses jovens às condições de cidadania compatíveis
com as exigências atuais, considerando toda a complexidade de que se reveste
esse processo em sociedades em que coexistem diferentes lógicas sociais (...),
fazendo da escola uma das instâncias fundamentais para a instauração desse
processo ou, ao contrário, se multiplicar-se-ão as práticas sociais voltadas para a
consolidação de uma juventude cada vez mais segregada, socializada de forma
sistemática ou intermitente por acontecimentos e grupos sociais particulares, como
as quadrilhas, as seitas religiosas, os bailes, os DJs, cuja ação – através de
gincanas e, mais recentemente, de programas televisivos – busca instituir formas de
contenção e redirecionamento das práticas de grupos que fazem do exercício da
violência um estilo de vida.
Outro aspecto, intimamente relacionado com os anteriormente mencionados,
que permeia todos os depoimentos, é a afirmação do desenvolvimento de uma
cultura da violência, que se alastra e favorece todo um processo de banalização e
naturalização de diferentes formas de violência. Este fenômeno, segundo Peralva
(1997), se constrói em torno de duas lógicas complementares:
De um lado, a encenação ritual e lúdica de uma violência verbal e física; de
outro, engajamento pessoal em relações de força, vazias de qualquer conteúdo
preciso, exceto o de fundar uma percepção do mundo justamente em termos de
relação de força. Nos dois casos, o que está em jogo é a construção e a auto-
reprodução de uma cultura da violência.
Para a autora, esta construção só é possível porque ocorre à margem do
mundo dos adultos e traduz a debilidade do controle exercido pelos adultos sobre o
universo juvenil, sua capacidade (...) de fundar, no interior do colégio, um modelo de
ordem.
Este fenômeno também pode ser visto como fruto da crise do processo
civilizatório pela qual passamos, é estimulado pela mídia, especialmente por vários
programas de televisão aos quais as crianças e adolescentes são particularmente
adeptos, e está muito presente nas grandes cidades. Tal realidade provoca
situações que as pessoas, incluídas as crianças e os jovens, terminem por ter, como
afirma uma professora, a violência escondida na pele, o que faz com que situações,
algumas vezes as mais comuns, mobilizem comportamentos de grande
agressividade e distintas reações violentas. Quanto mais a luta pela sobrevivência
se acentua, mais esta cultura da violência se desenvolve. No caso brasileiro, é
possível afirmar que uma cultura marcada pela violência acompanha toda sua
história, multiplicando-se, ao longo do tempo, as formas de autoritarismo, exclusão,
discriminação e repressão. Não se trata, portanto, de uma realidade nova.
Outra questão muito presente na configuração da problemática das
manifestações da violência no universo escolar é a violência familiar.
Cárdia (1997) assinala, com muita propriedade, a relação entre a violência
urbana, a violência familiar e a vida escolar do(as) alunos(as). Mais uma vez, as
condições de vida – moradia, saúde, trabalho, etc. – são uma forte condicionante de
tal problemática, aliada ao estresse da vida nas grandes cidades e aos conflitos da
dinâmica familiar.
Quanto ao tema das depredações, pichações, da manutenção do ambiente
físico das escolas, da “ecologia escolar”, constitui outra dimensão que pode ser
encarada como manifestação de violência. Muitas vezes tais ocorrências,
associadas às agressões e ao assédio de gangues e galeras às escolas, provocam
medo, sentimento de impotência e angústia nos (as) educadores(as).
Na enumeração das diversas formas de violência vivenciadas, as questões
sociais tiveram grande destaque. Durante a dinâmica, foram inúmeras vezes
mencionadas as más condições de vida das populações pobres, a falta de um bom
policiamento e segurança, o desemprego, etc. Outro ponto muito discutido foi o porte
de armas, tanto de policias e soldados que abusam do poder da patente e da força
de ter uma arma de fogo na mão, quanto da população civil que anda cada vez mais
armada.
Quem está com medo está fraco.
A situação política foi mencionada com a falta de iniciativa do governo, a
corrupção, etc.
Eles/elas, geralmente, sugeriram “saídas” onde a iniciativa pública e a
iniciativa privada deveriam agir conjuntamente.
As dificuldades dos relacionamentos interpessoais também foi outro
importante ponto mencionado. As brigas em bailes funk que se relacionam com o
tráfico e com os grupos rivais, bem como as brigas promovidas por lutadores em
boates e bares cariocas foram percebidos como um grande problema que
geralmente envolve jovens.
Outra questão mencionada com força foi o abuso de poder dos “mais fortes”,
sejam estes/as os/as mais velhos/as, os/as familiares, as autoridades da escola.
Também foram lembrados: a banalização da violência pelos veículos de
comunicação, principalmente a TV, a discriminação sexual, a violência contra a
mulher e contra a criança na família ou na sociedade e a agressão aos semelhantes
com palavras e atitudes, por motivos banais do cotidiano.
Os/as jovens demonstram acreditar que, embora a violência seja um sério
problema em nossa sociedade, é possível solucioná-lo. Apresentaram inúmeras e
variadas iniciativas neste sentido e afirmaram que um investimento maior por parte
do governo, das ONGs e da iniciativa privada no campo da educação permitiria uma
maior conscientização das pessoas a respeito da vida em sociedade, produzindo um
futuro menos violento.
Os/as jovens narraram fatos, envolvendo a violência, que viveram ou
presenciaram no seu cotidiano, como também aqueles referidos à violência social,
como a desigualdade social, a omissão do governo, a violação dos direitos
humanos, a banalização da violência, levantando um debate sobre a
responsabilidade social de cada indivíduo na sociedade.
Na medida em que esses pequenos atos passam a ser considerados normais
devido à sua freqüência, acaba-se banalizando a violência, o que contribui para
formar hábitos e atitudes que cada vez mais são influenciados pela agressão e pelo
desrespeito ao outro. A maior violência é o conformismo com a banalidade,
afirmaram.
Apresentaram diferentes propostas para eliminar ou minimizar a
violência,chamando a atenção para falas conhecidas sobre a violência, aquilo que
se escuta no dia-a-dia, como: estupra mas não mata; bandido bom é bandido morto;
é coisa de maluco, mas a polícia vai ter que prender a própria polícia; quando
punimos alguém estamos saciando nosso desejo de punir.
Apontaram a importância educacional e social de um investimento para que
as pessoas se tornem mais conscientes, cumprindo seus deveres de cidadãos, e
aprendam a pensar e medir seus atos, evitando futuros marginais e marginalizados.
Violência e cotidiano escolar: questão de segurança ou de proposta político-pedagógica?
Como tentamos neste trabalho evidenciar, a problemática da violência escolar
é complexa, multidimensional e multicausal, provocando nos educadores e na
sociedade em geral um clima de insegurança, angústia, perplexidade e medo.
Diante desta situação, é possível distinguir duas lógicas para promover a busca de
soluções.
A Primeira, sem dúvida a mais freqüente, é enfrentá-la privilegiando-se ou
colocando ênfase nas medidas de caráter policial, repressivo e punitivo. A
“segurança” passa a ser o foco das soluções propostas.
É importante se ressaltar que a questão da segurança já então se
apresentava como indissociável de uma proposta político-social mais ampla.
Segundo a opção neste nível, admitia diferentes tratamentos.
Passando a questão da violência na escola, e pelas idéias de Spósito, que
analisa principalmente no nível estadual, o problema da violência no Estado de São
Paulo passa a ser tratada cada vez mais apenas como problema da área de
segurança pública e cada vez menos apresentou desafios de natureza educativa.
Iniciativas típicas desta perspectiva são as rondas escolares, a instalação de
alarmes ligados a distritos policiais, etc. A violência escolar passa a ser vista,
inclusive pelos educadores, como, principalmente, responsabilidade da polícia
militar.
Infelizmente, é esta tendência a privilegiar o enfoque centrado na segurança
no tratamento do tema que vem tomando corpo e se afirmando entre nós em muitas
administrações estaduais e municipais.
Quanto à perspectiva político-pedagógica, os/as professores (as) indicaram
vários caminhos para enfrentar com determinação os desafios de superar a violência
escolar: o “resgate do aluno” como sujeito do processo educativo, as práticas
participativas e de diálogo nas diferentes instâncias escolares – da sala de aula aos
conselhos de escola -, os espaços sistemáticos de reflexão coletiva dos(as)
professores(as) sobre a prática educativa e seus problemas concretos, a
intensificação de atividades extraclasse, como esporte, teatro, excursões, grupos de
música, etc., o estímulo à participação dos alunos e alunas em diferentes órgãos e
atividades da escola, a integração da escola na dinâmica comunitária, etc. É no
contexto pedagógico que devem ser situadas, sempre com uma consciência lúdica
dos próprios limites da ação educativa.
Consideramos ser necessário promover, em todos os âmbitos da vida,
individual, familiar grupal e social, uma cultura de direitos humanos.
Nesse sentido, as organizações e movimentos, além de denunciar as
violações dos direitos humanos e promover ações visando sua proteção e defesa,
expandiram o horizonte de suas inquietações e o espaço social de sua atuação.
Desde então, adquirem especial relevância as atividades de promoção e educação
em direitos humanos.
A educação em direitos humanos é na América Latina uma prática jovem.
Espaço de encontro entre educadores populares e militante de direitos humanos,
começa a se desenvolver coincidentemente com o fim de um dos piores momentos
da repressão política na América Latina e conquista certo nível de sistematização na
segunda metade da década e dos 80.
Trata-se de procurar reforçar processos de democratização e humanização
para que penetrem e transformem os diferentes âmbitos sociais em que se
desenvolvem as sociedades latino-americanas.
Toda proposta de educação em direitos humanos tem que estar informada
por uma tomada de posição que explicite o marco filosófico e ideológico do qual se
parte.
A síntese abaixo revela posturas fundamentais para a autora:
Os direitos humanos aparecem, para nós, como uma utopia a promover e
plasmar em diferentes níveis e espaços da sociedade. Como tais, se apresentam
como um marco ético-político que serve de crítica e orientação (real e simbólica) das
distintas práticas sociais (jurídicas, econômicas, educativas, etc.) na luta
permanente por uma ordem social mais justa e livre.
Nesse sentido, os vemos paradigmáticos, isto é, como modelo e/ou critério
exemplar a partir do qual podemos ler nossa história e nosso porvir como povos (In:
Magendzo: 1994, p.164).
Segundo Sime (1991), devem ser considerados:
Deve ser uma pedagogia de indignação e que diga não à resignação. Não
queremos formar seres insensíveis, e sim capazes de indignar-se, de escandalizar-
se diante de todas as formas de violência, de humilhação. A atividade educativa
deve ser um espaço onde expressamos e compartilhamos a indignação através dos
sentimentos de rebeldia contra o que está acontecendo.
O segundo aspecto que assinala Sime é a pedagogia de admiração diante de
toda expressão de afirmação da vida.
A educação em direitos humanos favorece a capacidade de perceber essas
buscas concretas e cria espaços onde se socializam tais experiências, além de
construí-las e implementá-las.
Esta pedagogia da admiração é um convite a criar espaços para partilhar a
alegria de viver. Alegramo-nos porque vamos descobrindo que existem pequenos
germes de um cotidiano novo, porque nos admiramos ao ver como mudamos e ao
ver como os demais mudaram ou querem mudar. A admiração contribua para a
vitória da vida.
Segundo Sime, o terceiro aspecto inerente a uma proposta educativa, cujo
eixo central está na vida cotidiana, trata de afirmar uma pedagogia que promova
convicções firmes e se expresse na forma de trabalhar a dimensão ética da
educação.
A convicção do valor supremo da vida é a coluna vertebral do nosso projeto
de sociedade, de homem e de mulher novos. Nossa opção pela vida é o que unifica
nossa personalidade individual e nossa identidade coletiva. Mas também existem
outros valores que propomos como convicções, que dão consistência ética à mística
pela vida: solidariedade, justiça, esperança, liberdade, capacidade crítica.
A educação em direitos humanos está referida radicalmente a esta vontade
de afirmação da vida.
Os educadores são profissionais de cunho cultural e sócio-político.
Devemos defender o direito à vida, a uma vida digna e a ter razões para viver
deve ser defendido e promovido para todas as pessoas, assim como para os
diferentes grupos sociais e culturais. Essas dimensões as concebemos de maneira
integrada e tem de ser trabalhadas de forma conjunta. Elas são: ver,saber, celebrar,
comprometer-se, sistematizar e socializar.
A educação em direitos humanos trabalha permanentemente o ver, a
sensibilização e a conscientização sobre a realidade. Articular o local, o contexto
latino-americano e a realidade mundial é outra de suas exigências fundamentais.
Junto com o ver, profundamente vinculado a este, está o saber socialmente
construído sobre os direitos humanos, além do saber que emerge da prática
cotidiana e os saberes sociais de referência.
A educação em direitos humanos deve ser uma prática que proporcione
prazer, alegria e emoção, devendo carregar a dimensão afetiva como componente
imprescindível.
Estas conquistas se dão a partir da ação do envolvimento, da participação em
ações, grupos, campanhas, movimentos e iniciativas concretas, enquanto
construção de práticas coletivas e a participação em organizações e movimentos da
sociedade civil. Estas práticas devem estar sistematizadas no processo educativo.
Escola e sociedade civil, órgãos governamentais e organizações não-
governamentais devem somar esforços nesta perspectiva. Lutar contra as causas
estruturais da violência e afirmar a vigência dos direitos humanos – civis, políticos,
sociais, econômicos, culturais, ambientais, etc, no nível das práticas sociais e
culturais, constitui um elemento fundamental para criar condições de
desenvolvimento dos processos de humanização e democratização da nossa
sociedade.
Depoimento de uma professora:
É tudo muito difícil e não sabemos por onde caminhar. Só sei que me recuso a ser
derrotada. Já até saí de sala dizendo que não voltava mais. Mas eu retorno a cada
dia e tento fazer sempre novos recomeços. A violência, seja aqui em sala de aula,
seja lá onde for, não vai me derrotar. Espero que não derrote também os alunos. Aí,
a derrota seria geral.
HENRI WALLONIZABEL GALVÃO - EDITORA VOZES
A COMPLEXA DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
No desenvolvimento humano podemos identificar a existência de etapas
claramente diferenciadas, caracterizadas por um conjunto de necessidades e de
interesses que lhe garantem coerência e unidade. Sucedem-se numa ordem
necessária, cada uma sendo a preparação indispensável para o aparecimento das
seguintes.
O estudo da criança contextualizada possibilita que se perceba que, entre os
seus recursos e os de seu meio, instala-se uma dinâmica de determinações
recíprocas: a cada idade estabelece-se um tipo particular de interações entre o
sujeito e seu ambiente. Os aspectos físicos do espaço, as pessoas próximas, a
linguagem e os conhecimentos próprios a cada cultura formam o contexto do
desenvolvimento. Conforme as disponibilidades da idade, a criança interage mais
fortemente com um ou outro aspecto de seu contexto, retirando dele os recursos
para o seu desenvolvimento. Com base nas suas competências e necessidades, a
criança tem sempre a escolha do campo sobre o qual aplicar suas condutas. O meio
não é, portanto, uma entidade estática e homogênea, mas transforma-se juntamente
com a criança.
A determinação recíproca que se estabelece enfie as condutas da criança e
os recursos de seu meio imprime um caráter de extrema relatividade ao processo de
desenvolvimento. Não obstante esta permeabilidade às influências do ambiente e da
cultura, o desenvolvimento tem uma dinâmica e um ritmo próprios, resultantes da
atuação de princípios funcionais que agem como uma espécie de leis constantes.
Mais adiante explicaremos quais são esses princípios.
FATORES ORGÂNICOS E FATORES SOCIAIS
Os fatores orgânicos são os responsáveis pela seqüência fixa que se verifica
enfie os estágios do desenvolvimento, todavia, não garantem uma homogeneidade
no seu tempo de duração. Podem lei seus efeitos amplamente transformados pelas
circunstâncias sociais nas quais se insere cada existência individual e mesmo por
deliberações voluntárias do sujeito. Por isso a duração de cada estágio e as idades
a que correspondem são referências relativas e variáveis, em dependência de
características individuais e das condições de existência.
Mais determinante no inicio, o biológico vai, progressivamente, cedendo
espaço de determinação ao social. Presente desde a aquisição de habilidades
motoras básicas, como a preensão e a marcha, a influência do meio social toma-se
muito mais decisiva na aquisição de condutas psicológicas superiores, como a
inteligência simbólica.É a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento os
instrumentos para sua evolução. O simples amadurecimento do sistema nervoso
não garante o desenvolvimento de habilidades intelectuais mais complexas. Para
que se desenvolvam, precisam interagir com "alimento cultural", isto é, linguagem e
conhecimento.
Assim, não é possível definir um limite termina para o desenvolvimento da
inteligência, nem tampouco da pessoa, pois dependem das condições oferecidas
pelo meio e do grau de apropriação que o sujeito fizer delas. As funções psíquicas
podem prosseguir num permanente processo de especialização e sofisticação,
mesmo que do ponto de vista estritamente orgânico já tenham atingido a maturação.
RITMO DO DESENVOLVIMENTO
O ritmo pelo qual se sucedem as etapas é descontinuo, marcado por
rupturas, retrocessos e reviravoltas. Cada etapa traz urna profunda mudança nas
formas de atividade do estágio anterior. Ao mesmo tempo, condutas trpicas de
etapas anteriores podem sobreviver nas seguintes, configurando encavalamentos e
sobreposições.
A psicogenética walloniana contrapõe-se às concepções que vêem no
desenvolvimento urna linearidade, e o encaram como simples adição de sistemas
progressivamente mais complexos que resultariam da reorganização de elementos
presentes desde o início. Para Wallon, a passagem de uru a outro estágio não é
uma simples ampliação, mas uma reformulação. Com freqüência, instala-se, nos
momentos de passagem, uma crise que pode afetar visivelmente a conduta da
criança.
Segundo a perspectiva walloniana o desenvolvimento infantil é um processo
pontuado por conflitos. Conflitos de origem exógena, quando resultantes dos
desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos
adultos e pela cultura. De natureza endógena, quando gerados pelos efeitos da
maturação nervosa. Até que se integrem aos centros responsáveis por seu controle,
as funções recentes ficam sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues a
exercícios de si mesmas, em atividades desajustadas das circunstancias exteriores.
Isso desorganiza, conturba, as formas de conduta que já tinham atingido certa
estabilidade na relação com o meio.
Coerente com seu referencial epistemológico, para o qual a contradição é
constitutiva do sujeito e do objeto, Wallon vê os conflitos como propulsores do
desenvolvimento, isto é, como fatores dinamogénicos. Esta concepção quanto ao
significado dos conflitos repercute na atitude de Wallon diante do estudo do
desenvolvimento infantil, fazendo-o dirigir aos momentos de crise maior atenção.
A exemplo das características que identifica no desenvolvimento, a descrição
que Wallon faz dos estágios é descontinua e assistemática.. Na maior parte de seus
escritos, elege um tipo de atividade como foco principal e procede mostrando suas
características em diferentes idades e delineando suas relações com outros tipos de
atividades. Podemos conhecer melhor os focos escolhidos percorrendo os títulos de
algumas de suas obras mais importantes. Em Origens do caráter na criança, Wallon
privilegia a análise do comportamento emocional, em Origens do pensamento na
criança enfoca o desenvolvimento da inteligência discursiva e em Do ato ao
pensamento centra-se na passagem da motricidade para a representação.
São em menor número os trabaJI10s nos quais se encontra uma visão de
conjunto da psicogênese da pessoa. É o caso de alguns artigos e do livro A
evolução psicológica da criança, obra de síntese que oferece uma abordagem mais
sistemática do desenvolvimento nos vários campos nacionais, do nascimento até
aproximadamente os sete anos.
Wallon vê o desenvolvimento da pessoa como uma construção progressiva
em que se sucedem fases com predominância alternadamente afetiva e cognitiva.
Cada fase tem um colorido próprio, uma unidade solidária, que é dada pelo
predomínio de um tipo de atividade. As atividades predominantes correspondem aos
recursos que a criança dispõe, no momento, para interagir com o ambiente. Para
uma compreensão mais concreta desta idéia, passemos a uma descrição das
características centrais de cada um dos cinco estágios propostos pela psicogenética
walloniana.
No estágio impulsivo-emocional que abrange o primeiro ano de vida, o
colorido peculiar é dado pela emoção, instrumento privilegiado de interação da
criança com o meio. Resposta ao seu estado de imperícia, a predominância da
afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, as quais intermedeiam
sua relação com o mundo físico; a exuberância de suas manifestações afetivas é
diretamente proporcional a sua inaptidão para agir diretamente sobre a realidade
exterior.
No estágio sensório-motor e projetivo que vai até o terceiro ano, o interesse
da criança se volta para a exploração sensório-motora do mundo físico. A aquisição
da marcha e da preensão possibilitam-lhe maior autonomia na manipulação de
objetos e na exploração de espaços. Outro marco fundamental deste estágio é o
desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo "projetivo"
empregado para nomear o estágio deve-se à característica do funcionamento mental
neste período: ainda nascente, o pensamento precisa do auxilio dos gestos para se
exteriorizar, o ato mental "projeta-se" em aios motores. Ao contrário do estágio
anterior, neste predominam as relações cognitivas com o meio (inteligência prática e
simbólica).
No estágio do personalismo, que cobre a faixa dos três aos seis anos, a
tarefa central é o processo de formação da personalidade. A construção da
consciência de si, que se dá por meio das interações sociais, re-orienta o interesse
da criança para as pessoas, definindo o retomo da predominância das relações
afetivas.
Por volta dos seis anos, inicia-se o estágio categorial que, graças à
consolidação da função simbólica e à diferenciação da personalidade realizadas no
estágio anterior, traz importantes avanços no plano da inteligência. Os progressos
intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e
conquista do mundo exterior, imprimindo às suas relações com o meio
preponderância do aspecto cognitivo.
No estágio da adolescência a crise pubertária rompe a "tranqüilidade" afetiva
que caracterizou o estágio categorial e impõe a necessidade de uma nova definição
dos contornos da personalidade, desestruturados devido às modificações corporais
resultantes da ação hormonal.
Este processo traz à tona questões pessoais, morais e existenciais, numa
retomada da predominância da afetividade.
Como vimos, há momentos predominantemente afetivos, isto é, subjetivos e
de acúmulo de energia, sucedem outros que são predominantemente cognitivos, isto
é, objetivos e de dispêndio de energia. É o que Wallon chama de predominância
funcional. O predomínio do caráter intelectual corresponde às etapas em que a
ênfase está na elaboração do real e no conhecimento do mundo físico. A
dominância do caráter afetivo e, conseqüentemente, das relações com o mundo
humano, correspondem às etapas que se prestam à construção do eu.
Na sucessão dos estágios há uma alternância entre as formas de atividade
que assumem a preponderância em cada fase. Cada nova fase inverte a orientação
da atividade e do interesse da criança: do eu para o mundo, das pessoas para as
coisas. Trata-se do principio da alternância funcional. Apesar de alternarem a
dominância, afetividade e cognição não se mantém como funções exteriores uma à
outra. Cada uma, ao reaparecer como atividade predominante num dado estágio,
incorpora as conquistas realizadas pela outra, no estágio anterior, construindo-se
reciprocamente, num permanente processo de integração e diferenciação.
Assim temos, no primeiro estágio da psicogênese, uma afetividade impulsiva,
emocional, que, se nutre pelo olhar, pelo contato físico e se expressa em gestos,
mímica e posturas. A afetividade do personalismo já é diferente, pois incorpora os
recursos intelectuais (notadamente a linguagem) desenvolvidos ao longo do estágio
sensório-motor e projetivo. É uma afetividade simbólica, que se exprime por palavras
e idéias e que por esta via pode nutrida. A troca afetiva, a partir desta integração
pode se dar à distância, deixa de ser indispensável a presença física das pessoas.
Em seguida, integrando os progressos intelectuais realizados no estágio
categorial, a afetividade toma-se cada vez mais racionalizada - os sentimentos são
elaborados no plano mental, os jovens teorizam sobre suas relações afetivas.
Esta construção recíproca explica-se pelo principio da h1teglaçào funcional.
Este é um princípio extraído do processo de maturação do sistema nervoso, no qual
as funções mais evoluídas, de amadurecimento mais recente, não suprimem as
mais arcaicas, mas exercem sobre elas o controle. As funções elementares vão
perdendo a autonomia conforme são integradas pelas mais aptas para adequar as
reações às necessidades da situação. No caso das funções psíquicas, o processo é
semelhante ao das funções nervosas: as novas possibilidades que surgem num
dado estágio não suprimem as capacidades anteriores. Dá-se uma integração das
condutas mais antigas pelas mais recentes, em que estas últimas passam a exercer
o controle sobre as primeiras. Enquanto não se consolida essa integração, as
funções ficam sujeitas a aparições intermitentes, submetendo-se a Iongos períodos
de eclipse depois de ter se manifestado uma, ou mesmo valias vezes durante um
curto período.
Outra característica das funções psíquicas desintegradas é exercerem-se
desajustadas de objetivos exteriores, entregues a exercícios de si mesmas. Para ter
uma idéia mais clara dessa noção, basta pensarmos no caso da criança que está
aprendendo a andar. É capaz de repetir inúmeras vezes o mesmo percurso sem ter
por finalidade chegar a nenhum lugar, totalmente absorta em explorar os vários
efeitos de sua capacidade recém-adquirida. Ou ainda a cena da criança que,
aprendendo a falar, repete muitas vezes a palavra recém-aprendida, independente
desta estar ou não adaptada ao contexto do diálogo. Esse tipo de ação que não tem
oblativo nas circunstâncias exteriores é chamada de jogo funcional, e é considerada
o tipo mais primitivo de atividade lúdica.
A integração funcional não é definitiva, mesmo que as capacidades já tenham
se subordinado aos centros de controle, podem ser provisoriamente desintegradas.
Isso explica os freqüentes retrocessos por que é marcado o desenvolvimento. Esses
retrocessos, entendidos como o reaparecimento de formas mais arcaicas de
atividade, ao facilmente observáveis na relação da criança com tarefas escolares.
Na atividade de desenho, por exemplo, a atitude de uma criança que, mesmo já
dominando sofisticados recursos de representação gráfica, vez por outra rabisca. No
processo de alfabetização, a criança que já constituem a hipótese alfabética, mas,
vez por outra, escreve com base em hipóteses anteriores - silabicamente, por
exemplo.
O ritmo descontinuo que Wallon assinala ao processo de desenvolvimento
infantil assemelha-se ao movimento de um pêndulo que, oscilando anua pólos
opostos, imprime características próprias a cada etapa do desenvolvimento. Assim,
se pensarmos na vida adulta, vemos que esse movimento pendular continua
presente. Faz-se visível no permanente pulsar a que está sujeito cada um de nós:
ora mais voltados para a realidade exterior, ora voltados para si próprio; alternando
fases de acúmulo de energia, a fases mais propicias ao dispêndio.
ATITUDE DIANTE DA TEORIA
As contribuições da teoria de Wallon à educação são numerosas, quer nos
apoiemos sobre as idéias pedagógicas explicitadas pelo próprio autor, quer façamos
uma leitura mais livre das implicações de sua psicologia genética.
Em suas idéias pedagógicas, Wallon propõe que a escola reflita acerca de
suas dimensões sócio-políticas e aproprie-se de seu papel no movimento de
transformações da sociedade. Propõe uma escola engajada, inserida na sociedade
e na cultura, e, ao mesmo tempo, uma escola comprometida com o desenvolvimento
dos indivíduos, numa prática que integre a dimensão social e a individual.
Sua psicologia genética, se utilizada como instrumento a serviço da reflexão
pedagógica, oferece recursos para a construção de uma prática mais adequada às
necessidades e possibilidades de cada etapa do desenvolvimento infantil. A
abrangência de seu objeto de estudo sugere que a educação deve ter por meta não
somente o desenvolvimento intelectual, mas a pessoa como um todo.
Destacando o papel do meio social no desenvolvimento infantil, concebe a
escola como meio promotor de desenvolvimento, indicando direções para a
organização do ambiente escolar.
A perspectiva dialética que emprega rio estudo dos fenômenos psíquicos
instiga, no professor, uma atitude critica e de permanente investigação sobre a
prática cotidiana. Inspira um professor que diante dos conflitos, não se contenta com
respostas-padrão ou fórmulas estereotipadas e mecânicas, mas busca
compreender-Ihes o significado desvelando a complexa trama dos fatores que os
condicionam.
Ao entrar em contato com a obra de Wallon, o leitor certamente descobrirá
novas facetas desta teoria tão abrangente e dinâmica e, em conseqüência,
vislumbrará outras vias de reflexão sobre a problemática educativa.
Nesse momento de redescoberta da teoria de Wallon, vale a pena alertar
para o equivoco de se ter diante dela, uma atitude de simples adesão. Nada mais
contrário ao sentido das idéias de Wallon e à sua atitude não-dogmática, do que ele-
ger sua teoria como matriz única e suficiente para pensar a educação, acreditando
serem suas idéias capazes de esgotar a complexa problemática educativa.
O próprio Wallon, na elaboração de sua teoria psicológica, reconheceu a
insuficiência dos recursos vindos da psicologia, indo buscar elementos em outros
campos do conhecimento.
O que dizer, então, da insuficiência da psicologia como recurso teórico para a
educação, campo multidisciplinar por definição?
TEXTO SELECIONADO
Nada melhor do que lei algo escuto diretamente pelo autor que estudamos
pala termos uma idéia mais precisa das peculiaridades de seu raciocínio e do estilo
de seus textos. Pensando nisto, selecionamos o artigo as etapas da evolução psi-
cológica da criança, que Wallon escreveu com base em seu livro A evolução
psicológica da criança, em 1947. Transcrevemos duas panes do texto original - "as
glandes etapas do desenvolvimento da criança" e "conclusão" - que representam
quase a sua totalidade.
Do ponto de vista do raciocínio, o artigo selecionado é exemplar. Deixa patente
o enfoque globalizante que Wallon dirige para a criança e faz transparecer a
mobilidade de seu pensamento.
Contudo, do ponto de Vista do estiro, o artigo selecionado não é muito
representativo da peculiaridade do autor. Texto claro como poucos, traz uma
apresentação sistemática e organizada dos estágios, num procedimento jgualmente
raro.
AS GRANDES ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
1. As primeiras semanas da vida são inteiramente dominadas por funções
de ordem fisiológica, vegetativa: além da respiração, contemporânea do nascimento,
são o sono, a fome e um sentimento confuso do próprio corpo (sensibilidade proprioceptiva).
O ato de nutrição é que reúne e orienta os primeiros movimentos ordenados
da criança. Mas suas gesticulações difusas não se restringem a esse campo. Do
ponto de vista motor, a evolução consiste na análise e na resolução progressivas
dessas contorções, dessas contrações globais, desses sistemas "sincinésicos" em
movimentos mais bem diferenciados e mais bem adaptados.
2. A partir de três meses, a criança começa a estabelecer ligações entre
seus desejos e as circunstâncias exteriores; o reflexo condicionado se torna possível. Desde então, e mesmo anteriormente, aparece o sorriso, manifestação
notável, aliás interpretada diferentemente por diferentes observadores (Ch. Bühler,
Valentine). Deve-se ver nele o indício do despertar da criança a seu meio humano.
Enquanto o pequeno anima fica muito cedo em contato direto com a natureza, o
filhote do homem fica muito tempo sob a dependência imediata do meio humano.
3. A idade de seis meses, a gama de que a criança dispõe para traduzir
suas emoções é bastante rica para dar-lhe uma vasta superfície de troca com o
meio humano: período emocional. de participação humana: intuicionismo fecundo.
Foi possível dizer, a propósito do adulto, que a emoção era um distúrbio, um
acidente, uma espécie de degradação da atividade. Mas isso não é verdadeiro para
a afiança que está num estágio do desenvolvimento humano em que a emoção é
uma manifestação plenamente normal. Conhece-se toda a importância dos
movimentos emocionais entre os primitivos, e a ação deles é metodicamente refor-
çada pelas práticas da dança, das cerimônias, dos ritos. Nesse estágio, a emoção
estabelece um vínculo muito forte entre os indivíduos do grupo, cuja coesão garante.
Sem estabelecer um paralelismo muito acentuado entre a história da espécie e o
desenvolvimento do indivíduo, cumpre admitir que a criança, nessa idade, está num
estágio emocional inteiramente análogo. Mais tarde, ela terá de distingüir sua
pessoa do grupo, terá de delimita-Ia por meios mais intelectuais: por ora, trata-se de
uma participação total, de uma absorção no outro, profundamente fecunda.
4. Depois dos nove meses, aparece uma nova etapa por um movimento de inversão ou de oscilação de que veremos outros exemplos: Etapa sensório-motora (e não mais emocional) que cobrirá o segundo ano.
Estabelecem-se, entre as sensações e os movimentos, .as ligações
necessárias. Nessa época, a voz apura o ouvido, e o ouvido modula a voz; a mão
que a criança desloca e segue com os olhos distribui os primeiros pOntos de
referência no campo visual.
Após um período em que a criança leva os objetos à boca para explora-I os,
porque apenas as sensações de sua boca são bastante diferenciadas para informa-
Ia sobre a forma e a matéria dos objetos (período do "espaço bucal" de Stem), a
criança fica capaz de apalpar utilmente com a mão; período do "espaço próximo" ao
qual sucederá, uma vez adquirida a marcha, o "espaço locomotor".
O segundo ano é a época da marcha e da aquisição da linguagem.
Aprendendo a andar, a criança vai libertar-se da sujeição, em que estava até então,
ao seu meio familiar; isso aparece de uma maneira concreta quando a criança se
diverte em fugir dos braços que lhe são estendidos.
É extrema a importância desse progresso: até ai, a criança, levada no colo ou
no carrinho, conhecia diversos espaços parciais justapostos, não coordenados.
Deslocando-se de um lugar para outro, ela pode construir, com sua atividade, um
espaço único no qual pode alcançar ou ultrapassar cada objeto, ir e vir, meio
continuo e homogêneo, e não mais somente ambiente fortuito do momento.
A linguagem é de início subjetiva, optativa; mas é também realista, pois a
palavra pela qual a criança se interessa vivamente é para ela algo muito diferente
que um símbolo ou um rótulo posto no objeto, é um equivalente do objeto, o próprio
objeto sob um de seus aspectos essenciais.
Com a linguagem aparece a possibilidade de objetivação dos desejos. A
permanência e a objetividade da palavra permitem à criança apartar-se de suas
motivações momentâneas, prolongar na lembrança uma experiência, antecipar,
combinar, calcular, imaginar, sonhar. A linguagem, com a marcha, abre à criança um
mundo novo, mas de outra natureza: o mundo dos símbolos.
5. A crise de personalidade por volta dos três anos, marcada por um novo
movimento de alternância, por um ensimesmamento da criança, para um novo
esforço de libertação. Esforço voluntarista, idade negativista do NÃO, do EU, do
MEU.
Aos dois anos ainda, a criança era incapaz de diferenciar-se do outro; num
jogo, por exemplo, ela desempenha dois papéis ao mesmo tempo, assumindo
sozinha todo o diálogo; ela parece confundir-se com as pessoas de seu meio e, se
ameaçam sua mãe, ela se refugia em seus braços, como se ela própria estivesse
ameaçada.
Aos três anos, ao contrário, emerge a necessidade de auto-afirmação, de
impor seu ponto de vista pessoal, às vezes com intemperança sistemática. A criança
se entrega, como respeito aos adultos, a uma espécie de esgrima, jogo destinado a
fazer triunfar seu caprichinho ou sua oposição.
Se essa crise ocorre de modo precoce demais ou exclusivo demais, traduz
certa dureza, a insensibilidade da criança às repercussões que tem no outro o
desenvolvimento de sua atividade; mas se suas manifestações são minguadas
demais, isso traduz uma grande maleabilidade mental, uma inconsistência de
conduta, uma impotência de experimentar, adorar ou prosseguir algo, a não ser sob
a influência de outrem.
Nessa idade, a criança fica mais ciosa da propriedade. Faz com que ponham
seu nome no objeto possuído, quer guardar para si seus brinquedos, enfim, sente o
matiz particular expresso pela palavra emprestar (distinção entre propriedade e uso
ou posse).
6. A idade da graça (Homburger). Por volta dos quatro anos, a criança torna-
se atenta às suas atitudes, ao seu comportamento. Desenvolve o gesto
compassadamente para si mesma, conferindo-lhe uma espécie de valor estético. .
Então surge a timidez; a criança fica atenta ao efeito que pode produzir no
outro, à imponência de seu pane, por uma espécie de narcisismo motor.
Seu nome, sua idade, seu domicilio se lhe tomam uma imagem de sua
pequena personagem, da qual faz, aliás, como que uma testemunha de seus
próprios pensamentos.
Já apta para observar, ele se dispersa menos e prossegue com mais calma e
perseverança uma ocupação empreendida.
Pela mesma época, aparece a necessidade de imitação. A criança tenta
imitar para tomar o lugar do outro, para proporcionar-se o espetáculo de seu eu
enriquecido pelo outro, assim, a imitação tem o caráter de uma rivalidade com o
adulto que a criança gostaria de excluir.
Observemos, de passagem, que os psicanalistas consideram esse período
particularmente decisivo na formação da personalidade. As relações afetivas entre a
criança e seu meio familiar adquirem uma forma precisa. O ciúme pode aparecer,
notadamente em relação ao pai, sentido a um só tempo como um rival e como um
modelo e, de um modo mais geral, símbolo do Outro.
Nessa idade, a criança ainda tem grandes exigências afetivas, tem sede de
solicitude e deve ser cercada de uma atmosfera de ternura: a disciplina da escola
maternal não pode apresentar a frieza objetiva que assumira na escola primária. Do
ponto de vista intelectual, a criança tomou-se capaz de classificar e distribuir os
objetos conforme certas categorias genéricas: cores, formas, dimensões, etc.
Mas sua personalidade não está inteiramente diferenciada. Em sua família,
ela se pensa sempre dentro de uma constelação de pessoas na qual não sabe
distinguir muito bem sua própria pessoa do lugar que ela ocupa entre os outros.
Assinalaram com aceno a importância, para a formação da personalidade, da forma
da constelação familiar (número de filhos) e do lugar ai ocupado por tal criança (que,
por exemplo, se conduzirá como "primogênito" a vida inteira).
7. A idade escolar. Depois dos 6 anos, com uma nova reviravolta, o
interesse da criança vai voltar-se sobretudo para as coisas. A idade da entrada na
escola primária marca uma etapa importante: assim como a atmosfera de ternura é
natural à escola maternal, assim também se mostra superada na escola primária. A
criança mais lenta e delicada, a "queridinha", é caçoada e até duramente maltratada
pelos colegas, espécie de iniciação a um clima mais viril. Os colegas o põem na
linha, por uma exigência da sociedade escolar, que traduz uma grande maturidade
das crianças dessa idade.
Por outro lado, as vicissitudes da vida escolar vão possibilitar a diferenciação
da personalidade da criança. Até então engastado na constelação familiar, ela vai,
dai em diante, continuamente, passar de uma situação para outra: ora mocinho e ora
bandido, primeiro na corrida, mas último em história..., ela distingue a noção de uma
personalidade constante através dessas permutas perpétuas. É por isso que os
jogos que acarretam mudanças de papel têm a preferência das crianças dessa
idade; e essa instabilidade transposta para o plano intelectual prepara o caminho
para um pensamento ou um desenvolvimento menos subjetivos.
Na escola maternal, a monotonia das ocupações é a regra; a criança
persevera em seu esforço até esgotar o interesse; na escola primária, a criança é
capaz de mudar de ocupação e de interesse em hora fixa e por imposição.
No plano intelectual, o penado de 7 a 12 anos é aquele em que o sincretismo
recua ante a análise e a síntese: as categorias intelectuais dissolvem e pulverizam
aos poucos o global primitivo. A criança se aproxima da objetividade da percepção e
do pensamento dos adultos.
Do ponto de vista social, a criança se liberta das constelações puramente
afetivas, é com vistas a tarefas determinadas que se agrupa com colegas,
escolhendo, por exemplo, uns colegas para tal jogo, outros para o trabalho.
Entre companheiros, as conversas se reduzem a discussões sobre as
aventuras comuns.
Dar resulta uma diversidade e uma reversibilidade de relações de cada um
com cada um, da qual cada um tira a noção de sua própria diversidade conforme as
circunstâncias, mas também de sua unidade fundamental através da diversidade
das situações.
8. A época da puberdade parece pôr em xeque essa objetividade
conquistada. Sem estendermo-nos longamente sobre essa crise essencial, podemos
dizer que, no plano afetivo, o Eu volta a adquirir uma importância considerável; e, no
plano intelectual, a criança supera o mundo das coisas, para atingir o mundo das
leis.
CONCLUSÃO
Nenhuma dessas etapas jamais é completamente superada e, em certas
afeições, assiste-se à ressurgência de estágios mais antigos.
De etapas em etapas, o desenvolvimento psíquico da criança mostra, através
das diversidades e das oposições das crises que o pontuam, uma espécie de
unidade solidária, tanto no interior de cada fase como entre todas elas.
É contra a natureza tratar a criança fragmentariamente. Em cada idade ela
constitui um conjunto indissociável e original. Na sucessão de suas idades, ela é um
único e mesmo ser em metamorfose. Por ser. feita de contraste e de conflitos, sua
unidade será ainda mais suscetível de ampliação e de enriquecimento.
LA TAILLE, IVES DE & OLIVEIRA, MARTA KOHL DE & DANTAS, LA TAILLE, IVES DE & OLIVEIRA, MARTA KOHL DE & DANTAS, TEORIAS PSICOGENÉTICAS EM DISCUSSÃO. SÃO PAULO: SUMMUS. 1992
A linguagem humana, sistema simbólico fundamental na mediação entre
sujeito o objeto de conhecimento, tem para Vygotsky, duas funções básicas: a de
intercâmbio social e a de pensamento generalizante...
A linguagem favorece processos de abstração e generalização.
Vygotsky focaliza seu interesse pela questão dos conceitos no processo de
formação de conceitos, isto é, como se transforma ao longo do desenvolvimento o
sistema de relações e generalizações contido numa palavra.
Para estudar o processo de formação de conceitos, Vygotsky utilizou uma
tarefa experimental na qual apresentava-se aos sujeitos vários objetos de diferentes
cores, formas, alturas e larguras, cujos nomes estavam isentos na face anterior de
cada objeto. Esses nomes designavam “Conceitos artificiais”, isto é, combinações de
atributos rotulados por palavras não existentes na língua natural. Os objetos eram
colocados num tabuleiro diante do sujeito e os experimentados virava um dos
blocos, lendo seu nome em voz alta. Este bloco era colocado, com o nome visível,
numa parte separada do tabuleiro e o experimentador explicava que esse era um
brinquedo de uma criança de cultura, que havia mais brinquedos desse tipo entre os
objetos do tabuleiro e que a criança deveria encontrá-los.
Ao longo do experimento, conforme a criança escolhia diferentes objetos
como instância do conceito em questão, o pesquisador ia interferindo e revelando o
nome de outros objetos, como forma de oferecer informações adicionais à criança. A
partir dos objetos escolhidos, e de sua seqüência, e que Vygotsky propôs um
percurso genético do desenvolvimento do pensamento conceitual.
Divide o percurso em 3 grandes estágios, subdivididos em fases:
1º) A criança forma conjuntos sincréticos, agrupando objetos com
base em nexos vagos, subjetivo e baseados em fatores
percentuais como a proximidade espacial, por exemplo os
nexos são instáveis e não relacionados aos atributos
relevantes dos objetos;
2º) Chamado de “pensamento por complexos” – em um complexo
as ligações entre seus componentes são concretos e factuais,
e não abstratas e lógicas, as ligações factuais subjacentes aos
complexos são descobertos por meio da experiência direta.
Assim, qualquer conexão factualmente presente pode levar à inclusão de um
determinado elemento em um complexo esta é a diferença principal entre um
complexo e um conceito.
A formação de complexos exige a combinação de objetos com base em sua
similaridade, a unificação de impressões dispersas.
3º) A criança agrupa objetos com base num único atributo, sendo
capaz de abstrair características isoladas da totalidade da
experiência concreta, o que levará à formação dos conceitos
propriamente ditos.
O percurso genético não é linear; é como se houvesse duas linhas genéticas,
duas raízes independentes, que se unem num momento avançado do
desenvolvimento para possibilitar a emergência dos conceitos genuínos.
A questão dos conceitos concretiza as concepções de Vygotsky sobre o
processo de desenvolvimento: “o indivíduo humano, dotado de um aparato humano
que estabelece limites e possibilidades para seu funcionamento psicológico, interage
simultaneamente com o mundo real em que vive com as formas de organização
dessa realidade pela cultura. Essas formas culturalmente dadas serão ao longo do
processo de desenvolvimento internalizadas pelo indivíduo e se constituirão no
material simbólico que fará a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento”.
Vygotsky distingue os conceitos “cotidianos” ou “espontâneos” (experiência
relatada), desenvolvidos no decorrer da atividade prática da criança e interações
sociais imediatas do tipo de conceitos dos chamados “conceitos científicos”, que são
aqueles adquiridos por meio do ensino, como parte de um sistema organizado de
conhecimentos, onde as crianças são submetidas a processos deliberados de
instrução escolar.
Pode se dizer que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança é
ascendente, enquanto o desenvolvimento dos seus conceitos científicos é
descendente, para um nível mais elementar e concreto.
Vygotsky afirma “embora os conceitos científicos e espontâneos se
desenvolvam em direções opostas, os dois processos estão intimamente
relacionados. E preciso que o desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha
alcançados um certo nível para que a criança possa absorver um conceito científico
correlato. Por exemplo, os conceitos históricos só podem começar a se desenvolver
quando o conceito cotidiano que a criança tem passado estiver suficientemente
diferenciado – quando a sua própria vida e a vida dos que a cercam puder adaptar-
se a generalização elementar “no passado e agora”, os seus conceitos geográficos e
sociológicos devem se desenvolver a partir do esquema simples “aqui e em outro
lugar”, ao forçar a sua lenta trajetória para cima, um conceito cotidiano abre o
caminho para um conceito científico e seu desenvolvimento descendente. Cria uma
série de estruturas necessárias para a evolução dos aspectos mais primitivos e
elementares de um conceito, que lhe dão corpo e vitalidade. Os conceitos
científicos, por sua vez, fornecem estruturas para o desenvolvimento ascendente
dos conceitos espontâneos da criança em relação à consciência e ao uso
deliberado. Os conceitos científicos desenvolvem-se para cima por meio dos
conceitos científicos”?
As concepções sobre o processo de formação de conceitos científicos
remetem a idéia mais gerais a cerca do desenvolvimento humano.
Em primeiro lugar, a particular importância da instituição escola nas
sociedades letradas; os procedimentos de instrução deliberada que nela ocorrem
são fundamentais na construção dos processos psicológicos dos indivíduos dessas
sociedades.
“A intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam
espontaneamente”.
A importância da intervenção deliberada de um indivíduo sobre os outros
como forma de promover desenvolvimento articula-se com postulado básico de
Vygotsky a aprendizagem é fundamental para o desenvolvimento desde o
nascimento da criança.
“O processo ensino-aprendizagem que ocorre na escola propicia o acesso
dos membros imaturos da cultura letrada ao conhecimento construído e acumulado
pela ciência e a procedimentos metacognitivos, centrais ao próprio modo de
articulação dos conceitos científicos”.
Diferentes culturas produzem modos diversos de funcionamentos
psicológicos, assim, as diferenças qualitativas no modo de pensamento de
indivíduos provenientes de diferentes grupos culturais estariam baseadas no
instrumental psicológico advindo do próprio modo de organização das atividades de
cada grupo.
“A construção de uma concepção que constitua uma síntese entre o homem
enquanto corpo e o homem enquanto mente, objetivo específico do projeto
intelectual de Vygotsky e seus colaboradores, permanece um desafio para a
pesquisa e a reflexão contemporâneas, sendo uma questão central nas
investigações sobre o funcionamento psicológico do homem”.
O PROBLEMA DA AFETIVIDADE EM VYGOTSKYMarta Kohl de Oliveira
Vygotsky menciona que um dos principais defeitos da psicologia tradicional é
a separação entre os aspectos intelectuais, de um lado, e os volitivos e afetivos, de
outro, propondo a consideração da unidade entre esses processos.
Além dos pressupostos mais gerais de sua teoria, várias são as “portas de
entrada”, em sua obra, que permitem uma aproximação com a dimensão afetiva do
funcionamento psicológico.
Em primeiro lugar escreveu textos sobre questões ligadas a essa dimensão
(emoção, vontade, imaginação, criatividade) e um longo manuscrito sobre emoções.
Em segundo lugar, escreveu comentários sobre psicanálise, tema também
explorado por seu colaborador A. R. Luria.
As idéias de Vygotsky a respeito da consciência é tão central em sua
concepção das relações entre efeito e intelecto, bem como suas idéias sobre alguns
outros conceitos específicos, que têm uma ligação mais direta com a dimensão
afetiva do funcionamento psicológico do homem.
Consciência toma a dimensão social da consciência como essencial, sendo a
dimensão individual derivada e secundária.
O processo de internalização, de construção de um plano intrapsicológico a
partir de material interpsicológico, de relações sociais, é o processo de formação da
consciência.
Para Vygotsky “a internalização não é um processo de cópia da realidade
externa num plano interior já existente; é mais que isso, um processo em cujo seio
se desenvolve um plano interno da consciência”.
É clara a ligação com os postulados básicos de sua abordagem
(fundamentação marxista): o funcionamento sócio-histórico do funcionamento
psicológico do homem; a importância da mediação; a idéia de que a organização
dos processos psicológico é dinâmica e que as conexões interfuncionais não são
permanentes.
A consciência seria a própria essência da psique humana, constituída, por
uma inter-relação dinâmica e em transformação ao longo do desenvolvimento entre
intelecto e afeto, atividade no mundo e representação simbólica, controle dos
processos psicológicos, subjetividade e interação social.
SUBJETIVIDADE E INTERSUBJETIVIDADE
“A cultura não é pensada por Vygotsky como um sistema estático ao qual o
indivíduo se submete, mas como um “palco de negociações em que seus membros
estão em constante processo de recriação e reinterpretação de informações,
conceitos e significados...”
Assim, o indivíduo ao tomar posse do material cultural, o torna seu e passa a
utilizá-lo como instrumento pessoal do pensamento e ação no mundo.
O processo de internalização, que corresponde à própria formação da
consciência, é também um processo de constituição da subjetividade a partir de
situações de intersubjetividade.
Envolve a construção de sujeito absolutamente únicos com trajetórias
pessoais singulares e experiências particulares em sua relação com o mundo e,
fundamentalmente, com as outras pessoas.
Sentido e Significado – as questões anteriores remetem-nos à questão da
mediação simbólica, e conseqüentemente, à importância da linguagem no
desenvolvimento psicológico do homem.
Conforme Vygotsky “é no significado que a unidade das duas funções básicas
da linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante.”
“... o significado propriamente dito refere-se ao sistema de relações objetivas que se
formou no processo do desenvolvimento da palavra, constituindo num núcleo
relativamente estável de compreensão da palavra, compartilhando por todas as
pessoas que a utilizam. O sentido refere-se ao significado da palavra para cada
indivíduo, composto por relações que dizem respeito ao contexto de uso da palavra
às vivências afetivas do indivíduo”.
O DISCURSO INTERIOR
A forma internalizada da linguagem – ”discurso interior”, é um discurso sem
vocalização, uma espécie de diálogo interno consigo mesmo; voltado interno para o
pensamento, com a função de auxiliar o indivíduo em suas operações psicológicas.
Diferencia-se da fala exterior, é fragmentado, abreviado, contém quase só
núcleos de significação, consistindo numa espécie de “dialeto pessoal”,
compreensível apenas pelo próprio sujeito.
A função do discurso interior é apoiar os processos psicológicos mais
complexos: processos de pensamento, de auto-regulação, de planejamento da ação
de monitoração do próprio funcionamento afetivo-volitivo.
DO ATO MOTOR AO ATO MENTAL A GÊNESE DA INTELIGÊNCIA SEGUNDO WALLON
Heloysa Dantas
O grande eixo é a questão da motricidade; os outros surgem porque Wallon
não consegue dissociá-lo do funcionamento da pessoa.
A psicogênese da motricidade se confunde com a psicogênese da pessoa, e
a patologia do movimento com a patologia do funcionamento da personalidade.
O ato mental – que se desenvolve a partir do ato motor – passa em seguida a
inibi-lo, sem deixar de ser atividade corpórea. Do relevo dado à função tônica,
resulta a percepção da importância de um tipo de movimento associado a ela, e que
é normalmente ignorado, obscurecido pelo movimento prático.
“Antagonismo, descontinuidade entre o ato motor e ato mental, anterioridade
da modificação do meio social em relação ao meio físico: este são elementos
essenciais à compreensão da concepção Walloniana”.
A seqüência psicogenética de aparecimento dos diferentes tipos de
movimento acompanha a marcha, que se faz de baixo, para cima, do
amadurecimento das estruturas nervosas.
– predominância dos gestões instrumentais, práticos, no cenário
do comportamento infantil – começa a se estabelecer no 20
semestre de vida;
– o amadurecimento cortical torna aptos os sistemas necessários
à exploração direta sensório-motora da realidade: a marcha, a
capacidade de investigação ocular sistemática;
– início do primeiro ano: o ser está à mercê das suas sensações
internas, viscerais e posturais;
– o reflexo da preensão serão substituído por volta do 20
trimestre, por uma preensão voluntária (preensão palmar, depois
a preensão em pinça aos 9 meses);
– a competência do uso das mãos só está completa por volta do
final do primeiro ano – define a mão dominante;
– competência visual: primeiro trajetórias mais simples,
horizontais, depois as verticais, próximo ao final do primeiro ano,
as circulares;
As competências básicas de pegar e olhar ainda não bastam para a
exploração autônoma da realidade, descompassadas da possibilidade de andar.
Wallon realiza aí o corte que dá entrada do período sensório-motor, e, com ele à
etapa dominantemente prática da motricidade.
Quase ao mesmo tempo, a influência ambiental, aliada ao amadurecimento
da região temporal do córtex, dará lugar à fase simbólica e semiótica.
Entram em cena movimento de natureza diversa, veiculadores de imagens:
são os movimentos simbólicos ou ideomovimentos (expressão peculiar de Wallon –
movimento que contém idéias).
O processo ideativo é inicialmente projetivo. Projeta-se em atos, sejam eles
mímicos, na fala, ou mesmo nos gestos da escrita.
O controle do gesto pela idéia inverte-se ao longo do desenvolvimento.
A transição do ato motor para o mental, ruptura e descontinuidade que
assinalam a entrada em cena de um novo sistema, o cortrial, pode ser
acompanhada na evolução das condutas limitativas (longe de ampliar esta noção
para alcançar a chamada imitação sensório-motora ou pré-simbólica).
Wallon restringe o termo imitação sensório-motor ou pré-simbólica às suas
formas superiores, corticais, porque supõe nas outras a ação de mecanismos mais
primitivos.
Distingue, desta forma, os “contágios” motores, ecocinesias, ecolalias,
ecoprascias, simples mimetismo, da chamada imitação diferida, onde a ausência do
modelo torna inquestionável a sua natureza simbólica.
A irritação realiza a passagem do sensório-motor ao mental.
A reprodução dos gestos do modelo acaba por se reduzir a uma impregnação
postural: o ato se torna simples atitude. Este congelamento corporal da ação
constituiria o seu resíduo último antes de se virtualizar em imagem mental.
À seqüência que leva ao sinal do símbolo, Wallon acrescenta o “simulacrio”,
representação do objeto sem nenhum objeto substitutivo, pura mímica onde o
significante é o próprio gesto.
“A imitação dá lugar à representação que lhe fará antagonismo: enquanto ato
motor, ela tenderá a ser reduzida e desorganizada pela interferência do ato mental”.
A inteligência ocupa lugar de meio, de instrumento colocado à disposição da
ampliação do desenvolvimento da pessoa.
Sujeito e objeto, afetividade e inteligência, construindo-se mutuamente,
alternam-se na preponderância do consumo de energia psicogenética.
Correspondente ao primeiro ano de vida, dominam as relações emocionais
com o ambiente e acabamento da embriogênese: trata-se de uma fase de
construção do sujeito, onde o trabalho cognitivo está latente e ainda indeferenciado
da atividade afetiva.
Com a função simbólica da linguagem, imagina-se pensamento discursivo,
que mantém com a linguagem uma relação de construção recíproca. As primeiras
manifestações se obteve a partir dos cinco anos, revestidas de características que
sintetizou com nominação de sincretismo.
Depois da latência cognitiva que acompanha os anos pré-escolares,
ocupados com a tarefa de reconstruir o eu no plano simbólico, a inteligência poderá
beneficiar-se com o resultado da redução do sincretismo da pessoa.
A função da inteligência, para Wallon, reside na explicação da realidade.
Explicar supõe definir: são estas, pois, as duas grandes dimensões em torno das
quais se organizam os diálogos que compõem sua investigação.
Para Wallon, explicar é determinar condições de existência, entendimento que
abraça os mais variados tipos de relações: espaciais, temporais, modais, dinâmicas,
além das causas strictu sensu. Ele é seqüência da opção epistemológica
Walloniana: para sua concepção dialética da natureza, tudo está ligado a tudo, além
de estar em permanente devir.
Entre cinco e nove anos de idade, Wallon constatou uma tendência à redução
do sincretismo e o aparecimento de uma forma diferenciada de pensamento a que
chamou de “categorial”. Ela contém aquilo que para Wallon é a sua condição: a
qualidade diferenciada da coisa em que se apresenta, tornada “categoria” abstrata,
exigência “sine qua non” para a definição, e, por conseguinte, para a elaboração do
conceito.
Esta é a mais fundamental de todas as diferenciações que se processam: só
ela permitirá a atribuição das qualidades específicas de um objeto, tornando-o
distinto dos outros, sem carregar consigo os demais atributos do objeto em que
aparece. Enquanto ela não se processar, o pensamento binário permanecerá ao
sabor das contradições, corolário Inevitável do sincretismo.
Wallon recusa persistentemente dar o passo que transforma sincretismo em
egocentração: às explicações autocentradas, contrapõe outras de tendência inversa,
encontrando na extrema instabilidade, e não em um eixo firmemente autocentrado, a
característica maior da ideação infantil.
“A palavra carrega a idéia como o gesto carrega a intenção”.
A linguagem, capaz de conduzir o pensamento, é também capaz de nutri-lo e
alimentá-lo, estruturam-se reciprocamente: produto da razão humana, ela acaba no
curso da história, por se tornar sua fabricante; razão constituinte é razão constituída,
conclusão inevitável que resulta de vê-Ia em perspectiva histórica.
A AFETIVIDADE E A CONSTRUÇÃO DO SUJEITO NA PSICOGENÉTICA DE WALLON
Heloysa Dantas
A dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção
da pessoa quanto do conhecimento, na psicogenética de Henry Wallon. Ambos se
iniciam num período que ele denomina impulsivo-emocional e se estende ao longo
do primeiro ano de vida.
A sua teoria da emoção tem nítida inspiração darwinista. A emoção constitui
uma conduta com profundas raízes na vida orgânica.
A caracterização que Wallon apresenta da atividade emocional é complexa e
paradoxal: ela é simultaneamente social e biológica em sua natureza; realiza a
transcrição entre o estado orgânico do ser e a sua etapa cognitiva, racional, que só
pode ser atingida através da mediação cultural, isto é, social.
A consciência afetiva é a forma pela qual o psiquismo emerge da vida
orgânica: corresponde à sua primeira manifestação. Pelo vínculo imediato que
instaura com o ambiente social, ela garante o acesso ao universo simbólica da
cultura, elaborado e acumulado pelos homens ao longo da história.
“Esta posição na ontogênese ilustra o significado de que o psiquismo é uma
síntese entre o orgânico e o social: ela indica precisamente o momento em que ela
ocorre e permanece como conduta em que estão nítidos os dois componentes”.
A existência de fenômenos deste tipo faz com que, para Wallon, a melhor
atitude metodológica a ser utilizada pela psicologia seja o materialismo dialético.
A toda alteração emocional corresponde uma flutuação tônica; modulação
afetiva e modulação muscular acompanham-se estreitamente.
A análise Walloniana põe a ver três diferentes entradas para a obscura região
em que se formam e reduzem as manifestações passionais; uma de natureza
química, central; outra de tipo mecânico-muscular, periférica, e outra ainda de
natureza abstrata, representacional.
Em sentido geral, a emoção pode ser descrito como potencialmente
anárquica, explosiva imprevisível. Está aí a razão pela qual é tão raramente
enfrentada pela reflexão pedagógica.
No seu momento inicial, a afetividade reduz-se praticamente às suas
manifestações somáticas, vale dizer, é pura emoção.
Depois que a inteligência constrói a função simbólica, a comunicação se
beneficia alargando seu raio de ação. Ela incorpora a linguagem em sua dimensão
semântica, primeiro oral, depois escrita. A possibilidade de nutrição afetiva por estas
vias passa a se acrescentar às anteriores. Instala-se a forma cognitiva de vinculação
afetiva.
A construção do sujeito e a do objeto alimentam-se mutuamente; a
elaboração do conhecimento, depende da construção do sujeito nos quadros do
desenvolvimento humano concreto.
Nos momentos dominantemente afetivos do desenvolvimento o que está em
sujeito, que se fé em pela interdição com outros sujeitos; naqueles de maior peso
cognitivo, é o objeto, a realidade externa que se modela, à custa da aquisição das
técnica elaboradas pela cultura.
Ambos os processos são sociais, embora em sentidos diferentes: no primeiro,
social é sinônimo de interpessoal: no segundo, é ,o equivalente de cultural.
A PSICOLOGIA DA CRIANÇA Jean Piaget
O desenvolvimento mental da criança surge como sucessão de 3 grandes
construções. Cada uma delas prolonga a anterior, reconstituindo primeiro num plano
novo, para ultrapassá-la em seguida e cada vez mais amplamente.
A construção de esquemas-sensórios motores prolonga e ultrapassa em
seguida a cada vez mais amplamente.
A inteligência sensório-motora é essencialmente ser prática (alcançar, objetos
afastados, escondidos, etc). Apóia-se em construções que se efetuar
exclusivamente em percepções e movimenta (coordenação sensório-motora das
ações), sem a intervenção da representação ou o pensamento. Apresenta 6(seis)
estádios. E no curso do 5º estágio (+- cerca do 11º e 12º meses) acrescenta às
condutas precedentes uma reação essencial: a procura de meios novos por
diferenciação dos esquema conhecidos. No último estágio a criança torna-se capaz
de encontrar meios novos, através de combinações interiorizadas, que redundam
numa compreensão súbita ou insight.
A percepção constitui um caso particular das atividades sensório motoras. Ela
depende do aspecto figurativo do conhecimento do real ao passo que a ação no seu
conjunto é inicialmente operativa e transforma o real.
Ao cabo do período sensório-motor, entre 1 ano e meio e 2 anos surge uma
função fundamental para a evolução das condutas ulteriores, que consiste em poder
representar alguma coisa por meio de um “significante” diferenciado e que só serve
para essa representação: linguagem, imagem metal, gesto simbólico, etc. E a função
semiótica ou simbólica (aparecem a imitação, o jogo simbólico, o desenho, as
imagens mentais, a memória e a estrutura das lembranças = imagens, a linguagem).
A função semiótica apresenta notável unidade, a despeito da espantosa
diversidade das suas manifestações.
“Consiste sempre em permitir a evocação representativa de objetos ou
acontecimentos não percebidos atualmente. Mas, reciprocamente, se possibilita,
dessa maneira, o pensamento, fornecendo-lhe ilimitado campo de ação, em
oposição as fronteiras restritas da ação sensório-motora e da percepção, só progride
sob a direção e graças às contribuições desse pensamento ou inteligência
representativa.. .”
Assim, nem a imitação, nem o jogo, nem o desejo, nem a imagem, nem a
linguagem, nem mesmo a memória se desenvolvem ou organizam sem o socorro
constante da estruturação própria da inteligência.
No sub período pré-operatório de 2 a 7-8 anos ao sub período de remate, 7-8
a 11-12, desenrola-se um grande processo de conjunto, que pode ser caracterizado
como passagem da centração subjetiva em todos os domínios (cognitivo, lúdico,
afetivo, social e moral), à descentração a um tempo cognitiva, social e moral.
“O jogo, domínio de interferência entre os interesses cognitivos e afetivos,
principia, no decorrer do sub-período de 2 a 7-8 anos, pelo apogeu do jogo
simbólico, que é uma assimilação do real ao eu e a seus desejos, para evoluir em
seguida na direção de jogos de construção e de regras, que assimilam uma
objetividade do símbolo e uma socialização do eu”.
A afetividade amplia a sua escala à proporção da multiplicação das relações
sociais.
Os sentimentos morais e evoluem no sentido de um respeito mútuo e de uma
reciprocidade cujos efeitos de descentração são mais profundos e duráveis.
As trocas sociais dão lugar a um processo de estruturação gradual ou
socialização que passa de um estado de não coordenação ou de não diferenciação
relativa, entre o ponto de vista próprio e o dos outros, a um estado de coordenação
de pontos de vista e de cooperação nas ações e informações.
Desde o nível de 11-12 anos, o pensamento formal nascente reestrutura as
operações concretas, subordinando-as a estrutura novas, cujo desdobramento se
prolongará durante a adolescência e toda a vida ulterior.
Entre 11-12 a 14-15 anos, o sujeito consegue libertar-se do concreto e situar
o real num conjunto de transformações possíveis. A última descentração
fundamental que se realiza no termo a infância, prepara a liberação do concreto em
proveito de interesses orientados para o inatual e o futuro.
Um conjunto de síntese ou estruturações (pensamento formal e a
combinatória, combinações proposicionais, etc) , embora novas, prolongam direta e
necessariamente as precedentes, preenchendo algumas de suas lacunas. Não se
trata de superposição, mas sim de sínteses ou estruturações.
“...A diferença essencial entre o pensamento formal e as operações concretas
é que estas estão centradas no real, ao passo que aquele atinge as transformações
possíveis e só assimila o real em função desses desenvolvimentos imaginados ou
deduzidos. Ora, tal mudança de perspectiva é tão fundamental do ponto de vista
afetivo quanto do ponto de vista cognitivo, pois o mundo dos valores também pode
permanecer aquém das fronteiras da realidade concreta e perceptível ou, ao
contrário, abrir-se para todas as possibilidades inter-individuais ou sociais”.
A autonomia moral, que principia no plano inter-individual no nível de 7 a 12
anos adquire e com o pensamento formal, uma dimensão a mais no manejo do que
se poderia denominar os valores individuais ou supra individuais.
A indisciplina e o sentimento de vergonha. TAILLE, Yves de La. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO, Júlio Groppa (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 7a ed. São Paulo: Summus, 1996.
Síntese eloborodo por Loro B. Miloni
A pergunta que intrigava vários autores no começo do século XX era: por que
as crianças obedecem? Hoje, a questão se inverteu: por que as crianças não
obedecem, nem a seus pais, nem a seus professores?
Pode-se cair no moralismo ingênuo, e tratar a indisciplina em sala de aula
como decorrência da falta de valores de nosso tempo; mas de quais valores? Há
ainda o reducionismo, que pode ser psicológico (reduz a indisciplina ao jogo de
mecanismos mentais isolados do contexto social, cultural e histórico) ou sociológico
(atribui causas gerais a todo comportamento humano).
O tema é ambíguo: de fato, o que é disciplina? E indisciplina? Se enten-
dermos por disciplina comportamentos regidos por um conjunto de normas, a
indisciplina se traduz de duas formas: a revolta contra essas normas ou o
desconhecimento delas. O segundo caso é que mais parece comum hoje.
A disciplina na sala de aula pode equivaler à boa educação: o aluno bem-
comportado pode sê-Io por medo do castigo ou por conformismo. Mas, afinal, isso é
desejável?
Para Kant, a disciplina é condição necessária para arrancar o homem de sua
condição selvagem, ou seja, educá-Io para ser homem. Permanecer quieto num
banco escolar é necessário para a criança aprender a controlar seus impulsos e
afetos. Contrários a essa teoria, autores como Piaget apostaram numa
"autodisciplina", não imposta de fora, mas desenvolvida pela busca pessoal de
equilíbrio.
A tese central do presente texto é tratar a indisciplina em sala de aula como
decorrência do enfraquecimento do vínculo entre moralidade e sentimento de
vergonha.
A vergonha
Segundo Sartre, o sentimento de vergonha pura se origina do fato do sujeito
se saber objeto do olhar, da escuta, do pensamento dos outros, independente de
haver um julgamento negativo ou não. Portanto, a vergonha é um sentimento
inevitável.
Dados levam a crer que o sentimento de vergonha surge por volta dos 18 meses de
idade, quando a criança toma consciência de si, e uma de suas "tarefas" será lidar
com essa vergonha, associando-a a certos valores. É natural que a criança busque
ter de si um valor positivo, uma boa imagem. Assim, o medo da vergonha negativa
será uma forte motivação.
Num primeiro momento de desenvolvimento, o olhar alheio, especialmente o
dos pais, será todo-poderoso: os motivos de orgulho e vergonha serão impostos
pelos outros. Os juízos alheios têm grande peso e formarão a primeira camada da
imagem que a criança terá de si. Pouco a pouco, a autonomia se fortalecerá: os
olhares alheios perdem seu poder "totalitário" e são, eles mesmos, julgados pela
criança, que passará a ter seus próprios critérios. Além disso, os olhares sofrerão
uma redistribuição: os amigos começarão a ter tanta ou mais importância que os
pais. Finalmente, o sentimento de vergonha não mais dependerá somente da
publicidade dos atos: a criança poderá sentir vergonha sozinha, perante seus
próprios olhos.
Vergonha e moral
A vergonha é um sentimento que nos remete a dois controles: externo (com
origem e continuidade na exposição ao juízo alheio) e interno (atribuição de valor,
construção da imagem de si). Não há motivos para banir a vergonha da esfera
moral, reservando-a apenas a sentimento de culpa:" ambos os sentimentos vêm
juntos, cada um com sua função e especificidade.
Autores como Freud e Piaget concordam em situar a origem da moralidade
na relação da criança com seus pais; sua obediência é motivada pelo medo da
"perda do amor", que se traduz em medo de perder a proteção, a confiança e a
estima das pessoas que a amam. Desde cedo, o medo de "passar vergonha"
perante os olhos da pessoa amorosa é motivação forte que explica a obediência da
criança pequena. Nessa fase, o controle é essencialmente externo, por isso é tão
importante o segredo, o "fazer sem ser visto". A seqüência "bem-sucedida" do
desenvolvimento moral será o estabelecimento de um controle interno
(autocontrole), uma obediência que não dependa mais exc1usivamentedo olhar dos
pais e de outras pessoas”.
A vergonha pode seguir vários caminhos, sendo a moral um deles. A qua-
lidade da interação social determina em grande parte o quanto a moralidade vai se
associar à imagem que cada um faz de si. Neste processo, o olhar alheio tem
grande responsabilidade".
Vergonha e sociedade
Segundo teorias de Sennett, Freire Costa e Bruckner, o homem pós-moderno
sofre as tiranias da intimidade: interessa-se apenas pela sua personalidade, seus
impulsos, afetos e idiossincrasias; não lhe interessa a sociedade, apenas seu
pequeno grupo de amigos; desdenha a participação política e empenha-se em
garantir a sua liberdade, medida pela capacidade de consumo e orgasmo. . "
No entanto, não se pode dizer que esse homem contemporâneo seja imoral;
ele não o é. Porém, restringe muito o espaço de sua ação moral (o espaço íntimo,
singular, local), reluta em assumir valores que pareçam contradizer sua busca de
prazer (a expressão do que ele acredita ser a sua autenticidade) e tende a pensar
ser a moral assunto de foro íntimo. Como exemplo, pode se observar o lugar
atrofiado que hoje ocupa o sentimento de honra: a personalidade social e o
desempenho de papéis na sociedade foram para segundo plano.
Segundo Maria Amélia Vitale, "a vergonha perdeu seu caráter de sentimento
moral no trato das questões de espaço público, não mais regula a ação do cidadão
frente à opinião pública". Obviamente os sujeitos ainda sentem vergonha, mas a
associam a seus fracassos pessoais e demais "decepções do homem individualista".
O binômio moral/vergonha se enfraquece.
A indisciplina na sala de aula
Toda moral pede disciplina, mas nem toda disciplina é moral. Antes de
condenar a indisciplina, é necessário analisar a razão de ser das normas impostas e
dos comportamentos esperados (não se pode exigir a mesma conduta a alunos de 8
anos e a adolescente de 13 ou 14 anos).
Existe um vínculo entre disciplina em sala de aula e moral: tanto uma quanto
a outra colocam o problema da relação do indivíduo com um conjunto de normas.
Além disso, vários atos de indisciplina traduzem-se pelo desrespeito, seja do colega,
do professor, ou da própria instituição escolar. Propõem-se alguns itens de reflexão:
1- Se a análise do enfraquecimento da relação vergonha/moral for correta,
certos comportamentos indisciplinados relacionados a valores morais explicam-se
facilmente. Assim, se o essencial da imagem que os alunos têm de si (e querem que
os outros tenham dele) inclui poucos valores morais, e seu "orgulho" se alimenta de
outras características, é comum se esperar que sejam pouco inclinados a ver valor
na dignidade alheia, e a considerar seus atos de desobediência como
correspondente a uma imagem positiva de si (afIrmação da dignidade através da
revolta contra auto- . ridade). Os alunos, desse modo, não sentirão nem orgulho,
nem vergonha de sua indisciplina: não sentirão nada. O olhar de reprovação do
professor não surtirá efeito: seus cenários são outros, suas platéias são outras.
2 - Análises sociológicas mostram que o homem contemporâneo só se
interessa pelo privado e peIo íntimo. Há um descaso pelo espaço joga-se lixo nas
ruas, por exemplo) e a vergonha moral leva em conta os olhares de sua esfera
íntima, o "olhar público" toma-se ilegítimo. Ou o professor se impõe por suas
características pessoais (íntimas), ou nada consegue, já que sua função pública
(como professor) é desprezada pelos alunos.
3 - O papel das motivações (conscientes e inconscientes) foi uma grande
descoberta da psicologia, mas muitas vezes acabou por legitimar um novo
despotismo: o despotismo do desejo. Os alunos acham normal não freqüentar as
aulas que consideram maçantes, a despeito da qualidade intelectual da matéria
dada e do professor: é a esfera íntima que dá as cartas.
4 - O espírito da sociedade atual consiste na vergonha de ser velho e no
orgulho de ser ou parecer jovem: "nossa época prefere as crianças aos sábios",
segundo Comte-Sponville. A faIru1ia agora se organiza em função das crianças, e
não mais dos adultos. A escola se tomou um templo da juventude e não mais o
templo do saber.
5 - Muitos não têm orgulho de ser alunos, nem vergonha de nada saberem,
pois, na citação de Bruckner, "nossa época cessou de reverenciar o estudo e a
instrução. Seus ídolos estão em outros lugares (...) e não existe quase mais nada da
vergonha que assolava, há pouco tempo, o mau aluno, o ignorante. Pelo contrário,
ei-Ios que reinam na mídia, novos reis preguiçosos, que, longe de enrubescerem de
não saber nada, se orgulham disto. (...) Não satisfeitos ém ridicularizar a escola e a
universidade, pretendem suplantá-Ia e provar que o sucesso e o dinheiro não
passam mais por esses templos do conhecimento".
Concluindo, a indisciplina em sala de aula não se deve essencialmente a
"falhas" psicopedagógicas, pois o que está em jogo é o lugar que a escola ocupa na
sociedade, o lugar que a criança e o jovem ocupam, o lugar que a moral ocupa. A
solução para essa situação não é fazer o aluno passar vergonha, ser humilhado. Ao
contrário: é reforçar no aluno o sentimento de sua dignidade como ser moral.
Resta à escola lembrar e fazer lembrar aos seus alunos e à sociedade sua
finalidade principal: preparar para o exercício da cidadania. E para ser cidadão são
necessários sólidos conhecimentos, memória, respeito pelo espaço público, um
conjunto mínimo de normas de relações interpessoais, e um diálogo franco entre
olhares éticos. Não há democracia se houver desprezo total pela opinião pública.
PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA. Emilia Ferrero, Ana
Teberosby
Capítulo I: Introdução
O objetivo deste livro é explicar os processos e as formas mediante as quais as
crianças aprendem a ler e escrever, o caminho que a criança irá percorrer para
compreender as características o valor e a função da escrita. Não tem pretensão de
criar métodos, mas sim interpretar o processo do ponto de vista de quem aprende.
1- A situação educacional na América Latina.
O fracasso educacional nas aprendizagens iniciais é um fato constatável por
qualquer observador.
a) Do fato da população compreendida entre 07 e 12 anos, em 70, 20%
encontravam-se fora do sistema educacional;
b) De toda população escolarizada 53% não chegam a 4ª série;
c) 2/3 (dois terços) dos repetentes localiza-se nos primeiros anos escolares,
60% dos alunos egressos da escola repetiram o ano uma vez ou mais.
As causas do fracasso têm sido apresentadas como absenteísmo escolar,
repetência, deserção escolar. Temos que avaliar estas explicações pois na verdade
o que ocorre é uma seleção social. No lugar de deserção deveríamos chamar de “
expulsão encoberta”
Não se trata de afirmar que a seleção se dá por ação intencional do docente
individualmente, e sim do papel social do sistema educativo.
2- Métodos tradicionais de ensino de leitura.
O problema de aprendizagem tem sido colocado pelo docente como uma
questão metodológica, buscam melhores e mais eficazes métodos para ensinar a ler
e escrever:
a) Métodos sintéticos – partem de elementos menores que as palavras;
b) Métodos analíticos-partem da palavra ou de unidades maiores.
O método sintético insiste, fundamentalmente na relação entre oral e escrito,
entre som e grafia. Vai das partes (letras) para o todo.
Posteriormente, desenvolve-se o método fonético, propondo que se parta do oral.
A unidade mínima do som da fala é o fonema.
Todas tratam a aprendizagem da leitura e escrita como sendo uma questão
mecânica, porque se concebe a escrita com transcrição gráfica da linguagem oral.
Estes métodos são associacionista e descuidam de aspectos da linguagem oral.
a) a competência lingüística da criança;
b) suas capacidades cognitivas.
3- A psicolingüística contemporânea e a aprendizagem da leitura e da escrita.
A aquisição da linguagem oral pela criança segundo os associacionistas se dá
pela imitação e se adquire a partir do reforço seletivo para as emissões vocálicas
das crianças que correspondem ao modelo convencional.
Nossa atual visão é radicalmente diferente: a criança reconstrói por si mesma a
linguagem, tomando seletivamente a informação que lhe provê o meio. Sua falta
busca regularidades e os erros que comete indicam o grau de generalização que ela
está fazendo no processo.
Esses erros são chamados “erros construtivos”, isto é, respostas que se separam
das respostas corretas mas que, longe da impedir alcançar estas últimas, permitem
acertos posteriores.
O modo de conceber a aquisição da linguagem oral influi no modo de pensar a
aquisição da leitura e escrita.
A criança chega à escola com um notável conhecimento da sua língua.
Classicamente se pensou que para escrever corretamente era preciso pronunciar
corretamente as palavras.
Embora a linguagem escrita seja uma representação da fala não corresponde a
transcrição desta, se constituindo um outro sistema de representação.
4- A pertinência da teoria de Piaget para compreender os processos de aquisição
da leitura e escrita.
O sujeito que conhecemos da teoria de Piaget é um sujeito que procura
ativamente compreender o mundo que o rodeia e não espera passivamente que se
transmita a ele.
Os métodos condutistas já mencionados, ignoram o postulado por Piaget e
tratam a escrita e leitura como algo a ser transmito. Qual é a justificativa para rituais
(ma-me-mi-mo-mu) para se aprender a ler e escrever?
A teoria de Piaget nos permite introduzir a escrita enquanto objeto de
conhecimento, e o sujeito da aprendizagem, enquanto sujeito cognoscente. O
caminho em direção ao conhecimento objetivo não é linear: não nos aproximamos
dele juntando passo a passo, mas sim através de grandes reestruturações globais.
Para psicologia associacionista todos os erros se parecem e devem ser
corrigidos. Para teoria piagetiana é chave do poder distinguir entre os erros aquele
que constituem pré-requisitos para obtenção de respostas corretas. São erros
constritivos.
Entre a concepção do sujeito da aprendizagem como receptor de um
conhecimento recebido de fora para dentro, e a concepção desse mesmo sujeito
como um produtor de conhecimento, há um grande abismo. Esta é a diferença que
separa as concepções condutistas da concepção piagetiana.
5- Características das investigações realizadas.
As investigações tem por objeto estudar o processo de construção dos
conhecimentos no domínio da língua escrita sob dois aspectos:
a) identificar os processos cognitivos subjacentes à aquisição da língua escrita;
b) descobrir que tipo de conhecimento a criança possui ao iniciar a
aprendizagem.
Os princípios básicos que guiaram a construção do projeto experimental foram:
a) não identificar leitura com decifrado;
b) não identificar escrita com cópia de modelo;
c) não identificar progressos na conceitualização com avanços nos decifrados
ou na exatidão da cópia.
Capítulo II
Os Aspectos Formais do Grafísmo e sua Interpretação:
Letras, Números, Sinais de Pontuação
As características formais que se deve ter um texto para permitir um ato de
leitura.
Na investigação para o ato de leitura as crianças apontam que a presença de
letras por si só não é condição suficiente para que algo possa ser lido, é preciso que
exista uma quantidade suficiente de letras e que haja variedade de caracteres.
A – Quantidade suficiente de letras
A criança tem uma exigência de uma quantidade mínima de caracteres
independente de ser números ou letras.
A mesma letra pode receber várias denominações, conforme ela esteja no
contexto. Para o adulto é óbvio que uma letra seja sempre a mesma em qualquer
contexto, mas com as crianças isso não ocorre.
B – Variedade de caracteres
Se todos caracteres são iguais, ainda que haja um número suficiente de letras,
não pode oportunizar um ato de leitura.
2 – A relação entre números e letras e o reconhecimento de letras individuais.
As relações entre números e letras têm 03 (três) momentos importantes:
No começo - letras números se confundem não porque têm semelhanças
gráficas marcadas, mas sim porque a linha divisória é estabelecer o que separa o
desenho da escrita. O seguinte é quando separa letras que servem para ler e
números que servem para contar. O terceiro momento é de conflito, quando entrará
na escola e o docente questionará: “quem pode ler esta palavra” e “quem pode ler
este número?” Que número pode ser lido, apesar do não ver letras é um conflito
para criança.
A – Desenho e Texto.
A maioria das crianças faz distinção entre texto e desenho, indicando que um
serve para olhar e outro para ler.
B – Letras: Reconhecê-las e saber nomeá-las.
1- O nível mais elementar está representado por crianças que reconhecem no
máximo uma ou duas letras, em particular do próprio nome.
2- Muito próximos deste estão aqueles que conhecem alguns nomes de letras,
mas aplicam sem consistência.
3- Num nível superior localizamos as crianças que reconhecem e nomeiam de
uma maneira estável as vogais (pelo menos 3 delas) e que identificam
algumas consoantes, dando-lhe um valor silábico, derivado do nome a que
pertence.
4- O nível seguinte está constituído por aqueles que nomeiam corretamente
todas as vogais e algumas consoantes ainda que lhe dê valor silábico,
derivado do nome a que pertence.
5- O nível superior está constituído por aquelas crianças que conhecem
praticamente todas as letras por seu nome e eventualmente são capazes de dar
o nome e o valor sonoro, ou os distintos valores sonoros que pode admitir uma
mesma letra.
C – Números e Letras.
3 – Distinção entre letras e sinais de pontuação.
Os sinais de pontuação se localizam no terreno de conhecimentos
socialmente transmitidos, não dedutivas.
Uma investigação sobre a distinção dos sinais tem os seguintes níveis:·
(a) Não existe diferenciação entre sinais de pontuação e letras;
b) Existe um início de diferenciação limitado ao ponto, dois ponto, hífen e
reticências (“pontinhos”, “risquinhos”)
c) Há diferenciação inicial que consiste em distinguir 02 classes de sinais de
pontuação: os que têm uma semelhança gráfica com letras e/ou números e que
continuam se assemelhando a eles, e outros que não são nem letras e números
mas as crianças não sabem o que podem ser;
d) Há diferença nítida entre letras e sinais de pontuação;
e) Não somente há diferença nítida, como também há uma tentativa de
empregar.
4 – Orientação espacial da leitura
Da esquerda para direita, de cima para baixo. As crianças de 04 anos não
têm esta representação convencional.
As crianças de 06 anos localizam a orientação convencional.
Capítulo III
Leitura com Imagem
1- A escrita como objeto substituto:
Neste capítulo abordaremos o problema das relações entre o desenho e a
escrita.
Dentro da perspectiva da escola piagetiana, o desenho, sendo uma imitação
gráfica, reprodução de um modelo, implica a função semiótica entendida como
possibilidade de diferenciar significante de significados. A função semiótica
aparece por volta dos 02 anos.
A escrita também é um objeto simbólico, é um substituto (significante) que
representa algo.
2- Leitura de palavras:
As respostas poderiam ser classificadas do seguinte modo:
a) Texto e desenho, estão diferenciados.
b) O texto é considerado etiqueta do desenho, nele está escrito nome do objeto
desenhado, há diferenciação entre texto e desenho;
c) As propriedades do texto fornecem indicadores que permitem sustentar a
antecipação do texto.
3- Leitura de orações:
A interpretação pode ser atribuída tanto ao desenho como ao texto.
A partir das análises e interpretações que são feitas pelas leituras das crianças
podemos propor a seguinte progressão genética:
1) Desenho e escrita são indiferenciados. Os textos são predizíveis pelas
imagens. Desenho e texto são um todo indissociável.
2) O texto é tratado como uma unidade, independente de suas características
gráficas. A escrita representa o nome do objeto desenhado ou oração
associada a imagem.
3) Início de consideração de algumas propriedades gráficas do texto. A escrita
continua sendo “predizível” a partir da imagem.
4) Busca de correspondência termo a termo, entre fragmentos gráficos e
segmentações sonoras.
4- Leitura na criança escolarizada
As crianças possuem conceitualizações sobre a natureza, da escrita muito antes
da intervenção do ensino sistemático porém, além disso, essas conceitualizações
não são arbitrários, mas sim possui uma lógica interna que as torna explicáveis e
inacessíveis sob um ponto de vista psicogenético.
a) Leitura de palavras
Os tipos de respostas derivam dos critérios utilizados pelas crianças pré-
escolares, ainda que a distribuição quantitativa não seja a mesma. Umas confundem
imagem e texto, outras concebem texto como “etiqueta” do desenho e por último um
grupo considera as propriedades do texto para confirmar a antecipação feita sobre a
imagem.
b) Leitura de oração
1- Divórcio entre decifrado e sentido:
a) sentido sem decifrado;
b) decifrado sem sentido;
c) tentativa de relação entre decifrado e sentido.
2- Conflito entre decifrado e sentido:
a) primazia do decifrado;
b) primazia do sentido;
c) oscilações entre decifrado e sentido.
Capítulo IVLeitura sem Imagem: A Interpretação dos fragmentos de um texto
1- As separações entre palavras da nossa escrita.Este capítulo trata-se de indagar as possibilidades da criança trabalhar com texto
escrito, quando não se apresenta acompanhado da imagem.
Além de letras e sinais ou pontuação, fazemos uso de outro sinal gráfico que são
espaços em branco entre grupos de letras. O espaço em branco não corresponde a
pausas reais, mas separam entre si elementos de um caráter sumamente abstrato,
que a escrita definirá a sua maneira como sendo palavra.
A criança não espera encontrar transcritas todas as palavras da mensagem oral,
pois tem a concepção de uma escrita diferente da nossa: o texto serve para
provocar ou sugerir uma emissão oral. A progressão genética, caracteriza-se da
seguinte forma:
1º- somente os substantivos estão representados
2º- os substantivos e os verbos são representados
3º- os artigos também são representados
2- O ponto de vista da criança: Precisa ou não precisa separar?
Quando propomos, a algumas crianças que se negam a efetuar cortes do texto,
uma situação forçada:
• Alguns propõem fazer as “separações” acima e abaixo do texto
ou nos extremos, mas de nenhuma maneira dentro do texto;
• Outros propõem um número arbitrário de separação que logo
não sabem interpretar;
• Outros propõem separar letra por letra;
• Outros propõem separações em duas partes.
3- A leitura de uma oração depois de efetuar uma transformação.
A possibilidade de deduzir o resultado da operação efetuada em um determinado
texto reflete o nível de desenvolvimento alcançado pela criança na conceitualização
da escrita. Chegar a conceber que a escrita representa as palavras emitidas e que a
ordem de emissão são os pré-requisitos indispensáveis para que consigam
transformar os textos.
4- Interpretação geral
A linha evolutiva que podemos extrair dos resultados apresentados é a seguinte:
1) Durante toda a evolução – e até o nível mais próximo `as conceições adultas
– a escrita não é considerada como uma réplica do enunciado oral, como uma “
imagem especular” do ato oral. Pelo contrário, a escrita é considerada como
provendo indicações que permitem construir um enunciado de acordo com as regras
da própria gramática interna, porém que não o reproduz em todos os seus detalhes.
Em suma, a leitura aparece como um ato de construção efetiva.
2) Num primeiro nível, a criança espera que a escrita represente unicamente os
objetos e personagens dos quais se fala (ou seus nomes). Em outras palavras,
espera que somente o conteúdo referencial da mensagem esteja representado, mas
não a mensagem em si mesma enquanto forma lingüística. Esta concepção
encontra obstáculo ao aplicar-se ao objeto de conhecimento – isto é, a própria
escrita na sua realidade concreta -, já que o texto propõe maior número de
fragmentações do que de personagens citados. Uma maneira de resolver o conflito
consiste em introduzir, para os fragmentos “sobrantes”, os nomes de outros tantos
objetos que constituiriam a decoração ou o cenário da ação referida na oração.
3) Alternativamente – e no mesmo nível de desenvolvimento – a criança pode
centrar-se na forma lingüística como tal, porém lhe será difícil conceber que a
oração – unidade sintática, de entonação e de significado – possa fragmentar-se de
acordo com a maneira que o texto propõe. De fato, não consegue nenhum recorte
da oração que possa aplicar-se às fragmentações efetivas, e não achará contradição
entre localizar a oração que possa aplicar-se as fragmentações efetivas, e não
achará contradição entre localizar a oração inteira ou somente uma das palavras
dessa oração em qualquer das partes do texto.
4) Fazendo “ponte” entre a centralização no conteúdo referencial da
mensagem ou a centralização na forma lingüística, achamos as respostas que – no
mesmo nível de desenvolvimento – situam a oração inteira em um dos fragmentos
de escrita, e nos restantes optam por ler outras orações, congruentes com a oração
inicial. “ Ponte” entre as anteriores porque, a) a oração aparece novamente como
uma unidade que não pode representar-se fragmentadamente; e porque, b) ao
introduzir novas orações como parte da leitura do texto, se introduzem também
novos referentes.
5) Um passo importante parece dar-se quando a criança supõe que também
o verbo pode estar representado na escrita (ou, o que seria mais correto, quando
supõe que não somente os objetos mas também a relação entre eles pode ser
representável). Porém, na medida em que uma relação pura é irrepresentável
enquanto tal, independentemente dos termos dessa relação, a criança não
consegue conceber que o verbo possa estar representado enquanto elemento
independente. Daí as respostas absolutamente insólitas que consistem em situar em
fragmentos independentes, ambos os substantivos, e a oração inteira ou o predicado
inteiro nos fragmentos restantes, o que equivale, aparentemente, a supor que os
substantivos estão representados duas vezes (uma vez, de maneira independente e,
outra, acompanhando o verbo). Entretanto, cremos que não é esse o pensamento
da criança deste nível. Nossa hipótese (hipótese altamente especulativa no
momento, mas sustentada em algumas indicações extremamente sugestivas, e que
trabalhos futuros deverão refutar ou confirmar) é que a criança espera encontrar no
texto não uma representação de sua estrutura lógica. Em outras palavras, que
depois de passar pela etapa em que a escrita é considerada como uma espécie de
desenho – que não difere do desenho senão, talvez, porque o que desenha são os
nomes dos referentes e não suas características figurais – e, antes de chegar a
supor que a escrita representa – ainda que imperfeitamente – os sons distintivos da
fala, a criança passa por uma etapa onde a suposição básica (ainda que talvez não
a única) consiste em supor que o que se indica no texto é o valor particular dos
argumentos e da relação que os vincula. Porém, como a criança não conhece
nenhuma linguagem formal, ocorre que, necessariamente, expressa tanto a relação
como seus termos com elementos lexicais; e o que é atribuído ao texto é, ao mesmo
tempo, o enunciado, tanto como as relações lógicas implicadas.
6) Sendo a articulação entre a escrita como representação dos referentes e a
escrita como representação das palavras do enunciado, ou a passagem própria com
suas características específicas pelas relações lógicas como ponte entre o
referencial e o fonológico, o certo é que o nível que acabamos de analisar abre as
portas a uma nova concepção, que pareceria marcar-se pela suposição de que: o
que escrevemos são as palavras pronunciamos, na sua ordem de emissão.
Entretanto, esta suposição não resolve todos os problemas senão que supera
alguns, fazendo surgir, de imediato, outros novos. O problema principal que resolve
é o da escrita do verbo como fragmento independente. Os novos problemas que
coloca são relativos à escrita daqueles elementos da linguagem que, para a reflexão
de uma criança deste nível, não constituem palavras: nós temos demonstrado que
isso é assim para os artigos, e supomos que há de ser também para as conjunções,
e talvez para (algumas) preposições. A noção de palavra que tem uma criança de 5-
6 anos distancia-se muito de coincidir com a definição do adulto. E a escrita segue
sendo, ainda neste nível, uma escrita de alguns dos elementos da linguagem oral
(das palavras que a compõem – segundo a definição da criança), sobre a qual é
possível operar uma tradução oral. É somente quando passamos ao nível oral, que
funcionam as restrições próprias ao sistema da língua , e somente ali onde se
acrescentarão os artigos, que a escrita não necessita representar, já que o gênero
dos substantivos está relatizado à entrada lexical correspondente (em outros termos,
que não necessitamos ter uma reapresentação escrita do artigo porque já “sabemos”
que tal substantivo é masculino, e tal outro feminino).
7) Finalmente a criança, ainda sem saber decifrar (e um docente
seguramente diria, sem saber ler!) chega a situar todas as palavras escritas
corretamente, guiando-se por uma dupla suposição: que inclusive os elementos da
linguagem sem conteúdo pleno (as “palavras-nexo” ou os juntores) estão escritos, e
que a ordem de escrita corresponde, termo a termo, à ordem de emissão.
8) Em toda essa evolução, há um problema que persiste e que adotará
diferentes formas, segundo os níveis, sem deixar de constituir um mesmo problema:
o da correspondência termo a termo entre os fragmentos observáveis no texto
escrito e as distintas fragmentações que podem operar-se sobre o enunciado,
conforme o ponto de vista que se adote sobre ele. Problema da colocação em
correspondência entre elementos considerados como unidades que não é privativo
da escrita porém que tampouco é alheio a ela. A correspondência termo a termo
engendra, como é bem sabido, algumas das estruturas lógicas fundamentais. Que
tenha muito que ver com a gênese da noção de número é algo que a
psicopedagogia da matemática terminou por aceitar. Porém que tenha muito a ver
com a noção de sistema da escrita, é algo que pareceria necessitar de uma
justificativa. Nossa resposta é simples: a compreensão do sistema de escrita e um
processo de conhecimento.
Capítulo V
Atos de Leitura
Um adultos faz diariamente uma série de atos de leitura diante da criança, sem
transmitir-lhes sua significação. Como a criança sabe que o adulto esta lendo.
1- Interpretação da leitura silenciosa.
As crianças levantaram as seguintes hipóteses sobre a interpretação dos atos de
leitura.
a) Inicialmente, a leitura não pode ser concebida sem voz;
b) A leitura se faz independente da voz, se diferencia do folhear;
c) Os atos de leitura silenciosa se definem em si mesmos, e os gestos, a direção
do olhar, o tempo e o tipo de exploração são índices que demonstram uma
atividade de leitura silenciosa.
2- Interpretação da leitura com voz.
No caso da leitura com voz a criança centrava a atenção em dois aspectos:
procedência oral ou escrita do enunciado e viabilidade de pertencer a certo tipo de
texto impresso.
Classificamos os níveis de interpretação de a possibilidade de interpretação de
leitura.
Nível 1 – Incapacidade de antecipar o conteúdo de uma mensagem em função
da identificação do portador de texto.
Primeiro a criança se centraliza nas propriedades formais do ato de leitura.
Depois há um início de centralização no conteúdo temática do enunciado.
Nível 2 – Possibilidade de antecipar os conteúdos segundo uma classificação
dos distintos portadores de texto.
Capítulo VI
Evolução da Escrita
Imitar o ato de escrever é uma coisa, interpretar a escrita produzida é outra.
Como as crianças escrevem é uma coisa, interpretar a escrita produzida é
outra.
(1) pedindo que escrevessem o nome próprio; (2) o nome de um amigo;
(3) contrastando situações de desenhar e escrever; (4) pedindo que
escrevessem palavras com as quais se começa a aprendizagem escolar
(mamãe, papai, menino); (5) sugerindo que experimentassem escrever outros
palavras; (6) sugerindo que escrevesse uma oração.
Os resultados com crianças de 4-6 anos, nos ajudaram a definir 5 níveis
sucessivos.
Nível 1 – Neste nível escrever é reproduzir os traços típicos da escrita que a
criança identifica como a forma básica da escrita
Nível 2 – A hipótese central deste nível é que para poder ler coisas diferentes
(isto é, atribuir significados diferentes) deve haver uma diferença objetiva nas
escritas (quantidade mínima de letras/variedade de caracteres).
Nível 3 – Este nível esta caracterizado pela tentativa de dar um valor sonoro a
cada uma das letras que compõem uma escrita. Cada letra vale uma sílaba.
É a chamada hipótese silábica:
a) a criança supera a etapa de uma correspondência global entre a forma escrita e a expressa oral atribuída;b) pela primeira vez a criança trabalha claramente com a hipótese de que
a escrita representa partes sonoras da fala.
Nível 4 – Passam da hipótese silábica para a alfabética a criança abandona a
hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise que vá “mais
além” da sílaba pelo conflito entre a hipótese silábica e a exigência de quantidade
mínima de grafias.
Nível 5 – A escrita alfabética constitui o final desta evolução. Ao chegar neste
nível, a criança já franqueou a “barreira do código” , compreendeu que cada um
dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba, e
realiza sistematicamente uma análise sonoro dos fonemas das palavras que vai
escrever. Isso não significa que não terá mais dificuldades. Ela ainda terá que
enfrentar as barreiras ortográficas.
1- O nome próprio
A escrita do nome própria tem um papel muito importante no desenvolvimento da
escrita dotada de significação.
Parece funcionar como a primeira forma estável de escrita dotada de
significação.
2- Como relação a aquisição da língua escrita ainda é preciso considerar:
• Enquanto o docente segue um programa, utilizando uma metodologia igual para
todas as crianças, nem todas avançam no mesmo ritmo;
• As que chegam, finalmente, a aprender a escrever durante o ano escolar são
aquelas que partiram de níveis bastante avançados na conceitualização
enquanto que as que se situam em níveis iniciais de conceitualização não
aprenderam;
• Não se dão saltos bruscos na aprendizagem. Todos passam pelos níveis de
conceitualização descritos;
• Os métodos tradicionais, tal como existem, dirige-se apenas para crianças que já
percorreram um longo caminho antes de entrar na escola;
• Não se encontram diferenças muito marcantes entre crianças escolarizadas com
relação aos pré escolares.
Capítulo VII
Leitura, Dialeto e Ideologia
Em lugar de se corrigir a pronúncia dos alunos para evitar dificuldades de
leitura e escrita, sustentamos que a “ pronúncia correta” ignora as variantes
dialetais, impõe a norma da fala da classe dominante (a norma real ou idealizada) e,
ao fazê-lo introduz um conteúdo ideológico desde o próprio início da aprendizagem
da leitura, sendo necessário portanto respeitar estas diferenças e trabalhá-las.
A escola deverá, então corrigir a pronúncia de seus alunos? Respondemos que:
1- Não se deve confundir variedade dialetal com pronúncia defeituosa. Uma
coisa é a persistência de uma forma infantilizada ou de pronúncias ou de
construção do próprio dialeto, que não deve ser rejeitado.
2- É impraticável a escola propor-se a homogeneizar a fala em função da
escrita;
3- Finalmente, pode ocorrer que a política educacional decida pela
conveniência de permitir a todas as crianças o acesso a um modo de falar
que facilite a inserção social futura. Não se trata de discutir se esta
alternativa é justificável, mas sim que neste caso, trata-se de ensinar uma
nova forma de falar, um novo dialeto.
Capítulo VIII Conclusões
A escola se dirige a quem já sabe, admitindo, de maneira implícita, que o método
está pensado para aqueles que já percorreram, sozinhos, um longo e prévio
caminho. O êxito da aprendizagem depende, então, das condições em que se
encontre a criança no momento de receber o ensino. As que se encontram em
momentos bem avançados de conceitualização são as únicas que podem tirar
proveito do ensino tradicional e são as que aprendem o que o professor se propõe a
ensinar-lhes. O resto, é as que fracassam, às quais a escola acusa de incapacidade
para aprender ou de “dificuldade na aprendizagem “, segundo uma terminologia já
clássica (talvez haveria que precisar a definição em termos de dificuldades para
aprender o que o professor se propõe e ensinar, nas condições em que se ensina.)
Porém, atribuir as deficiências do método à incapacidade da criança é negar que
toda a aprendizagem supõe um processo, é ver déficit ali onde somente existem
diferenças em relação ao momento de desenvolvimento conceitual em que se
situam. Isso porque,
1-Nenhum sujeito parte de zero ao ingressar na escola de primeiro grau, nem
sequer as crianças de classe baixa, os desfavorecidos de sempre. Aos 6 anos, as
crianças “sabem” muitas coisas sobre a escrita e resolvem sozinhas numerosos
problemas para compreender as regras da representação escrita. Talvez não
estejam resolvidos todos os problemas, como a escola o espera, porém o caminho
se iniciou. Claro que é um caminho que difere fundamentalmente do processo
suposto pela escola. E difere porque os problemas e as formas de resolução são –
como demonstramos – o fruto de um grande esforço cognitivo. Enquanto que escola
supõe que: é através de uma técnica, de uma exercitação adequada que se supera
o difícil transe da aprendizagem da língua escrita.
2- A leitura clássica “leitura mecânica, compreensiva, expressiva” para a leitura e
a exercitação na cópia gráfica supõe que o segredo da escrita consiste em produzir
sons e reproduzir formas. Isto é, reduzem o sistema a um intercâmbio de sinais
auditivos e visuais em sinais gráficos. A prática cotidiana da escola compõe seu
horário durante um ano com ditado, cópia, decifrado, desenho, voltando a começar,
cada vez, tudo de novo. A rotina da prática responde a proposições metodológicas
tributárias de concepções empiristas da aprendizagem.
3- O sujeito a quem a escola se dirige é um sujeito passivo, que não sabe, a
quem é necessário ensinar e não um sujeito ativo, que não somente define seus
próprios problemas, mas que além disso constrói espontaneamente os mecanismos
para resolvê-los. É o sujeito que reconstrói o objeto para dele apropriar-se através
do desenvolvimento de um conhecimento e não da exercitação de uma técnica. É o
sujeito, em suam, que conhecemos graças à psicologia genética. Quando podemos
seguir de perto esses modos de construção do conhecimento, estamos no terreno
dos processos de conceitualização que diferem dos processo atribuídos por uma
metodologia tradicional. Isto está claramente exemplificado pelos dados dos sujeitos
escolarizados que temos apresentado. Os processo de aproximação do objeto
seguem caminhos diferentes dos propostos pelo docente. A ignorância da escola a
respeito dos processos subjacentes implica: pré-suposições atribuídas às crianças
em que:
a) “a criança nada sabe”, como o que é subestimada, ou
b) “a escrita remete, de maneira óbvia e natural, à linguagem”, com o que é
superestimada, porque, como temos visto, não é uma pré-suposição natural para a
criança e isto é assim, porque:
• parte-se de uma definição adulta do objeto a conhecer e se expõe o problema
sob o ponto de vista terminal. Além disso, porém, a definição do que é ler e do que
é escrever, está errada. Acreditamos que, à luz dos conhecimentos atuais, a escola
deve revisar a definição desses conceitos. Assim como também deve revisar o
• conceito de “erro” . Piaget mostrou a necessária passagem por “erros
construtivos” em outros domínios do conhecimento. A leitura e a escrita não podem
ser uma exceção: encontramos também muitos “erros” no processo de
conceitualização. É óbvio que, tratando de evitar tais erros, o professor evita que a
criança pense. No outro extremo, temos erros produtos do método, resultado da
aplicação cega de uma mecânica. É necessário diferenciar os dois tipos de erros e
compreender o processo: ambas as tentativas levariam a uma reexposição do
problema da patologia da aprendizagem. Com efeito, a partir de que modelos se
podem definir uma dificuldade de aprendizagem? Segundo que definição de erro?
Isto obriga também a revisar o conceito de “maturidade” para a aprendizagem, assim
como a fundamentação das provas psicológicas que pretende medi-la. E, finalmente,
é necessário que nos coloquemos também.
• os critérios de avaliação de processos assim como a concepção sobre a
preparação pré-escolar para a aprendizagem da leitura e escrita. Ambas são
dependentes de uma teoria associonista, ambas estão pensadas em termos de
performance na destreza mecânica da cópia gráfica e o decifrado.
Em resumo, a leitura e a escrita se ensinam como algo estranho à criança e de
forma mecânica, em lugar de pensar que constitui num objeto de seu interesse, do
qual se aproxima de forma inteligente. Como disse Vygotsky (1978) “às crianças se
ensina traçar letras e fazer palavras com elas, mas não se ensina a linguagem
escrita como tal”. E logo acrescenta: “É necessário levar a criança a uma
compreensão interna da escrita e conseguir que esta se organize mais como um
desenvolvimento do que como uma aprendizagem” .
Se, como dissemos, antes, a concepção da escrita como cópia inibe a verdadeira
escrita, a concepção de leitura como decifrado não somente inibe a leitura mas cria
ainda outros problemas. Pela via das correspondências fonema-grafema chega-se
muito rapidamente ao problema da “boa (ou correta) pronúncia”, aquele que é a que
permite alcançar a língua escrita, aquela que é propriedade das classes dominantes
dentro de uma sociedade. A escola opera uma seleção inicial entre os que
aprenderão a ler mais rapidamente – porque já falam como “devem falar” – e os que
deverão mudar de dialeto para aprender a ler. As conseqüências desta
discriminação lingüística não foram ainda avaliadas em profundidade, à parte das
conseqüências pedagógicas evidentes. Atuando desta maneira, a escola não
contribui para aumentar o número dos alfabetizados; contribui, mais precisamente,
para a produção de analfabetos.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Síntese da obra
Este livro está a favor da educação, da Escola e da profissão docente. Diante
daqueles que insistem que a “escola seja um aparelho reprodutor do Estado”, ou
que ressaltam a ignorância dos docentes porque não respondem a suas reformas,
parte do princípio de que a Escola continua sendo a instituição que pode possibilitar
à maior parte dos cidadãos, sobretudo aos mais desfavorecidos, melhores
condições de vida.
È um convite à transgressão das amarras que impedem o indivíduo de pensar
por si mesmo, de construir uma nova relação educativa baseada na colaboração em
sala de aula, na escola e com a comunidade. Um convite a soltar a imaginação, a
paixão e o risco para explorar novos caminhos que permitam que as escolas deixem
de ser formadas por compartimentos fechados, horários fragmentados, arquipélagos
de docentes e passem a converter-se numa comunidade de aprendizagem, onde a
paixão pelo conhecimento seja a divisa, e a educação de melhores cidadãos, o
horizonte ao qual se dirigir.
Introdução – Sobre limites, intenções, transgressões e desafios.
As páginas deste livro respondem com entusiasmo à idéia de que a
educação na Escola contribui para a socialização dos indivíduos e para que possam
ser melhores, pois entendemos que ela continua sendo a instituição que pode
possibilitar à maior parte dos cidadãos, sobretudo os mais desfavorecidos, melhores
condições de vida.
Inicialmente, o autor pretendia fazer a mudança da Escola, com a noção de
projeto de trabalho utilizando o conceito de globalização do conhecimento, mas
como a noção de globalização tomou significado ligado à economia, esse nome foi
substituído por aprender para compreender .
O autor pretende propor uma proposta transgressora para a educação
Escolar, sendo que o termo “transgressão” aparece como um aspecto que define a
intenção de mudar.
As transgressões propostas são as seguintes:
• e
m primeiro lugar transgredir a visão da educação Escolar baseada nos “conteúdos”,
apresentados como “objetos” estáveis e universais e não como realidades
socialmente construídas que, por sua vez, reconstroem-se nos intercâmbios de
culturas e biografias que têm lugar em sala de aula;
• e
m segundo lugar pretende transgredir a visão da aprendizagem vinculada ao
desenvolvimento e conhecida como construtivismo, pois ao explicar como são
produzidos alguns aspectos da aprendizagem, ela reduz, simplifica e desvirtua a
complexa instituição social que é a Escola;
• e
m terceiro lugar procura-se transgredir a visão do currículo centrado nas disciplinas,
entendidas como fragmentos empacotados em compartimentos fechados e que
oferecem ao aluno algumas formas de conhecimentos que nada têm a ver com os
problemas dos saberes de fora da Escola;
• e
m quarto lugar a transgressão se dirige à Escola que desloca a necessidade dos
alunos à etapa seguinte da Escolaridade, entendendo que a finalidade da infância é
chegar à vida adulta e que o desenvolvimento da inteligência tem que chegar à
etapa das operações formais;
• a
quinta transgressão diz respeito à perda de autonomia no discurso dos docentes, à
desvalorização dos seus conhecimentos e à sua substituição por discursos
psicológicos, antropológicos ou sociológicos que pouco respondem ao que acontece
no cotidiano da sala de aula.
• fi
nalmente, a sexta transgressão diz respeito à incapacidade da Escola repensar-se
de maneira permanente, de dialogar com as transformações que acontecem na
sociedade, nos alunos e na própria educação.
Capítulo I – Um mapa para iniciar um percurso
Minhas quietações e a minha experiência compartilhada com outros
educadores, incluindo aí os educadores da UFMG em 1997, começaram a gestar o
caminho que me leva a abordar novos problemas e à necessidade de repensar a
educação e a função da Escola.
Uma questão que me intrigou muito foi feita por alguns professores de uma
escola de Barcelona: Estamos ajudando nossos alunos a globalizar, a estabelecer
relações entre as diferentes matérias, a partir do que fazemos em sala de aula?
Tentar responder a esta questão nos levou a uma colaboração que durou 4
anos com questionamentos a partir de uma dupla perspectiva: a organização dos
conhecimentos escolares no currículo da Escola e as concepções do ensino e da
aprendizagem em aula.
A intuição mostra que, na Escola, produz-se o que Berstein denomina de
”processo de recontextualização”, o qual consiste na dexcontextualização do
discurso científico de sua fonte original mediante a relação, simplificação,
condensação e elaboração para que se transforme num “discurso instrucional”, que
depois será convertido em “discurso regulador” na medida em que cria “uma ordem,
una relação e uma entidade específicas”.
No processo que estou tentando reconstruir, também foram objeto de
atenção os diferentes significados com que os professores dotavam sua prática,
particularmente com respeito a duas noções:
a) a globalização, como perspectiva que trata de explorar as relações entre
os problemas objeto de pesquisa em diferentes campos do conhecimento, e
b) a importância de saber interpretar como aprendem os alunos.
Interessava comprovar que é possível organizar um currículo escolar não
por disciplinas acadêmicas, mas por temas e problemas nos quais os estudantes se
sentissem envolvidos, aprendessem a pesquisar ( no sentido de propor-se uma
pergunta problemática, procurar fontes de informação que oferecessem possíveis
respostas) para depois aprender a selecioná-las, ordená-las, interpretá-las e tornar
público o processo seguido.
Aprendi ao longo desse trabalho que as ideologias contidas nas reformas
educacionais realizadas pela senhora Tatcher no ensino inglês , estabelecendo um
currículo nacional em substituição ao planejamento de um currículo autônomo que
cada escola tinha até então, favorecerem a homogeneização criando marcos
curriculares mais estreitos e falsamente abertos, na medida em que introduzem na
avaliação “nacional” dos conteúdos como prova de aprendizagem dos alunos.
Várias circunstâncias constituíram um grito de alerta sobre vários fatos que
depois tiveram importância na minha forma de agir e interpretar os processos de
reforma acontecidos nos últimos anos, assim como na minha atitude diante dos
projetos de trabalho. Por um lado, intuí que as inovações educativas promovidas
pelos professores nas escolas, quando são institucionalizadas e oficializadas podem
chegar a cair na rotina. Também vislumbrei e agora vejo com mais clareza, que o
dia que os projetos de trabalho acabarem por ser oficializados, convertendo-se
numa prescrição administrativa, como parece que tentam algumas reformas
educativas e perseguem as editoras de livros-texto, começarei a questioná-los,
talvez olhe para outro lado, para evitar, com isso que se “coisifiquem”, como
aconteceu com outras inovações educativas.
A importância dos nomes
A proposta de projetos de trabalho, além de conectar-se com uma tradição
educativa que tratava de vincular o que se aprende na Escola com as preocupações
dos alunos, as questões controversas (que refletem que não existe “uma” ou “a”
interpretação dos fenômenos), os problemas que estabelece a realidade fora da
escola e de fazer com que os alunos chegassem a ser protagonistas da
aprendizagem, tinha presente a utilização que , em diferentes campos profissionais,
fazia-se desse termo.
Diversos profissionais fazem de “projeto” um procedimento de trabalho que
diz respeito ao processo de dar forma a uma idéia que está no horizonte, mas que
admite modificações, está em diálogo permanente com o contexto, com as
circunstâncias e com os indivíduos que, de uma maneira ou outra, vão contribuir
para o processo.
Em nenhum momento os projetos de trabalho se apresentaram como uma
recuperação de uma maneira de organizar os conhecimentos escolares. Sempre
reconhecemos que, tanto em Educação quanto em qualquer campo do
conhecimento, é necessário considerar o “lugar” de onde viemos, as idéias e as
experiências que nos influenciam, não para copiá-las, mas sim para reinterpretá-las.
Nesta reflexão sobre a Escola e sua função levamos em conta que a
problemática atual é diferente daquela que embasou as teorias educacionais do
passado. Isto exigiu uma releitura crítica e interpretações alternativas das diferentes
experiências estudadas
Do ponto de vista dessas diferenças foram levados em conta os seguintes
aspectos:
• Al
gumas idéias educativas e alguns conhecimentos psicopedagógicos que
destacavam a importância dos saberes e das experiências prévias e os processos
dos alunos que assimilam o papel da transferência e da compreensão como
indicadores da aprendizagem.
• A
relação entre o currículo escolar e os problemas reais que são apresentados pelas
disciplinas fora da Escola, nas Ciências, nas Humanidades ou nas Artes e nesses
campos que não entram na seleção do currículo escolar, mas que permitem
interpretar e abordar espaços de conhecimentos transdisciplinares e criar novos
objetos de estudo. Campos relacionados com a construção as subjetividade, o
estudo das transformações na sociedade e na natureza...
• O
papel do diálogo pedagógico, da pesquisa e da crítica como atitude dirigida a
favorecer a aprendizagem na aula, junto à postura ideológica de que a função da
Escola não é encher a cabeça dos alunos de conteúdo, mas, sim, contribuir para
formá-los para a cidadania e oferecer-lhes elementos para que tenham
possibilidades de construir sua própria história, diante da que vem determinada pela
sua condição de gênero, etnia, classe social ou situação econômica.
• A
tentativa de procurar e organizar com os professores uma Educação para a
compreensão que, naquele momento, queria dizer favorecer uma atitude
globalizadora, que vinculasse a construção da subjetividade (dos docentes e dos
alunos) com as interpretações do mundo oferecidas pelas áreas disciplinares, ou
pelos temas e problemas em tono dos quais se organize o currículo.
È necessário ressaltar também o valor da indagação crítica como estratégia
de conhecimento, uma vez que a incorporação à aula das indagações sobre
problemas reais, próximos à preocupações e idéias dos alunos, enriquece
sobremaneira o contexto curricular, e é o melhor caminho para ensinar a alguém a
pensar (a aprender compreensivamente), uma vez que a pesquisa, permite observar
o contexto social do qual procedem e analisar as diferentes estratégias ou percursos
que possam tomar no momento de buscar versões dos fatos que lhe permitam
interpretar a realidade.
Aprender para compreender e agir
Outro componente fundamental do livro é a noção de Educação para a
compreensão que se contrapõe à noção de memorização ou repetição pelo aluno do
que lhe é ensinado pelo professor. A Educação para a compreensão, organiza-se a
partir de dois eixos que se relacionam: como se supõe que os alunos aprendem e a
vinculação que esse processo de aprendizagem e a experiência da Escola têm em
sua vida.
Nesta perspectiva a educação escolar não é preparação para o futuro, mas
sim um olhar para o presente do aluno com a sua experiências e as necessidades
que têm em cada período escolar, pois o futuro é mutável e ninguém sabe como
será. Um artigo publicado no jornal Liberation mostra que 90% dos conhecimentos
que necessitarão os alunos que hoje estão na primeira série do Ensino Fundamental
quando terminarem a educação básica(em 10 anos) ainda não foi produzido.
Por isso, o que os alunos aprendem não se pode organizar a partir de
temários decididos por um grupo de especialistas disciplinares, mas, sim, a partir de
conceitos ou idéias-chave que vão além das matérias escolares e que permitem
explorá-las para aprender a descobri relações, interrogar-se sobre os significados
das interpretações dos fatos e continuar aprendendo. Isso faz com que as
disciplinas escolares não sejam um porto de chegada, mas uma referência, um farol
que assinala uma costa para orientar-se numa exploração mais ampla e incerta.
Outra idéia que dá sentido à educação para a compreensão é a que propõe
que aquilo que se aprende teve ter relação com a vida dos alunos e dos
professores, ou seja, deve ser interessante para eles. Essa visão do conhecimento é
uma forma de teoria ou ideologia para interpretar a realidade, que se encontra
limitada, em boa parte, pela persistência do currículo acadêmico organizado por
disciplinas.
È necessário questionar as representações únicas da realidade. Por que se
considera uma determinada visão como natural? Por que se excluem outras
interpretações da realidade? É preciso pois, questionar a idéia de verdade e de
objetividade e as visões unilaterais que propõem um único ponto de vista como
interpretação de um fenômeno.
Ensinar o aluno a interpretar os fatos seria a parte central de um currículo
que, adota um enfoque para a compreensão, onde se tenta enfrentar o duplo desafio
de ensinar os alunos a compreender as interpretações sobre os fenômenos da
realidade, a tratar de compreender os “lugares” desde os quais se constroem e
assim “compreender a si mesmos”.
Com tudo isso, o que se pretende é ampliar o “horizonte de conhecimento”,
que no contexto da Escolas é tanto dos alunos como dos professores, sejam quais
forem as bagagens individuais de cada um dos atores. Para continuar aprendendo é
necessário um conhecimento prévio, mas sua natureza não precisa ser
exclusivamente acadêmica, mas pode ser também do senso comum, fruto da
experiência cotidiana ou relacionada a outros conhecimentos organizados, mas não
necessariamente científicos.
Não se deve pois de fixar verdades sagradas, universais e estáveis, e sim
tentar encontrar o que há por trás do que parece natural e nos coloca numa atitude
de incerteza frente ao papel que as diferentes linguagens têm nas disciplinas, nas
matérias, etc...
A investigação tem que ir além do reducionismo psicológico e disciplinar,
pois é mais fácil escrever um livro baseado em formas fragmentárias de
conhecimento, mas sob o rótulo do “rigor científico”, ou avaliar o aprendido mediante
uma prova de respostas múltiplas, a aplicação de um algoritmo ou a contestação a
uma pergunta cuja resposta única e verdadeira o docente ou o livro já tem, do que
desenvolver materiais que ajudem a conectar a experiência individual dos
estudantes com os conceitos e os problemas da pesquisa nas disciplinas, e desses
com suas vida.
Quando as escolas organizam o currículo por projetos e a atividade
docente de maneira diversificada , agrupando os alunos a partir dos temas ou
problemas que vão pesquisar, faz com que os alunos vão aprendendo a organizar e
orientar seu processo de aprendizagem em colaboração com o professor e com
outros alunos.
Globalização, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade – Aprender a
compreender e interpretar a realidade
Quando se fala de globalização faz-se do ponto de vista e de perspectivas
diferentes, mas o eixo comum é a busca de relações entre as disciplinas no
momento de enfrentar temas de estudo, podemos dizer que à conclusão que a
noção e a prática da globalização ( que não é o mesmo que interdisciplinaridade) se
situa em torno de pelo menos 3 eixos:
a) como forma de sabedoria, como um sentido do conhecimento que se
baseia na busca de relações que ajude a compreender o mundo no qual vivemos a
partir de uma dimensão de complexidade.
b) como referência epistemológica que restabelece “o pensamento atual
como antropológico e histórico chave”, o que o leva a abordar e pesquisar
problemas que vão além da compartimentação disciplinar.
c) como concepção do currículo que adota formas tão díspares como a que
coloca a globalização na seqüência de programação desde a qual se podem
relacionar conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, partindo da educação
para a compreensão por meio dos projetos de trabalho.
Por isso tudo, chame-se globalização ou transdisciplinaridade o que se
destaca das diferentes versões é que apontam outra maneira de representar o
conhecimento escolar, baseada na interpretação da realidade, orientada para o
estabelecimento de relações entre a vida dos alunos e professores e o
conhecimento disciplinar e transdisciplinar ( que não costuma coincidir com o das
matérias escolares) vão elaborando.
Capítulo II – A transdisciplinaridade como marco para a organização de um currículo
integrado
Neste capítulo, o autor trata de revisar e questionar a “verdade sagrada” da
organização do currículo acadêmico a partir das disciplinas ou da sua transmutação
em conhecimento escolar através das didáticas especiais, com a finalidade de
abordar alguns problemas enfrentados pela Educação, principalmente dos pré-
adolescentes, que parecer encontra-se numa difícil encruzilhada, devido à
persistência em adotar a organização do currículo por disciplinas como resposta
única às necessidades educativas de todos os alunos que cursam a educação
básica, muitos dos quais em dificuldades para conectar-se com essa organização
acadêmica .
Uma das grandes dificuldades da Escola hoje, aprece com a extensão da
escolaridade às grandes camadas populacionais, o que implica em ensinar para
todos o que antes era ensinado para alguns poucos, num quadro que não tem a
homogeneidade do passado, mas sim grande diversidade social, cultural e
lingüística.
Procurando responder àqueles que acham que o currículo tradicional já não
é necessário e nem responde às finalidades da educação básica em relação à vida
contemporânea, vamos analisar uma série de “lugares” nos quais se podem localizar
algumas referências necessárias às mudanças para repensar a Educação: nas
formas de representar no presente; na organização dos saberes e na função da
escola.
Uma situação social em processo de mudança
Nos tempos atuais a sociedade pós-moderna manifesta a existência de uma
nova consciência artística e cultural, e a consciência de radicais transformações em
nossa existência e em suas condições históricas que podem ser caracterizadas,
entre outros aspectos, pelos abaixo:
• A sociedade globalizada referente à questão da desregulação da economia.
• A homogeneização das opções políticas e econômicas ditadas pelo FMI.
• A transnacionalização e transculturização dos valores culturais pelos meios de
comunicação.
• As transformações no emprego exigindo flexibilidade, capacidade de adaptação
e atitudes de colaboração.
• A progressão geométrica no volume de produção da informação que faz com o
excesso dela mude as nossas cabeças;
• A primazia do imperativo tecnológico como fator determinante e essencial para a
evolução da humanidade.
• A necessidade de um processo permanente de aprender sempre, não só durante
a escolarização, mas também durante a vida.
Estes aspectos trazem para a Escola uma série de desafios que terá que
responder, entre os quais destacamos: a necessidade de selecionar e estabelecer
critérios de avaliação; decidir o que aprender, como e para quê; prestar atenção ao
internacionalismo, e o que traz consigo de valores de respeito, solidariedade e
tolerância; o desenvolvimento das capacidades cognitivas de ordem superior:
pessoais e sociais e saber interpretar as opções ideológicas e de configuração do
mundo.
A transdiciplinaridade
Na prática da pesquisa em Ciências e na tecnologia, poderemos notar que
há uma crescente aproximação transdisciplinar no momento da organização dos
grupos e projetos de pesquisa. A transdisciplinaridade se caracteriza pela definição
de um dos fenômenos de pesquisa que requer: a formulação explícita de uma
terminologia compartilhada por várias disciplinas e uma metodologia compartilhada
que transcende as tradições de campos de estudo que tenham sido concebidas de
maneira fechada. Gera-se então a cooperação, a qual se dirige para a resolução de
problemas, criando a transdisciplinaridade pela construção de um novo modelo de
aproximação da realidade do fenômeno que é estudado.
Uma concepção transdisciplinar do conhecimento deve fazer referência a
um marco global de trabalho que guia os esforços de resolução de problemas dos
diferentes indivíduos; tem a ver com o fato de que a solução de um problema
compreende, ao mesmo tempo, conhecimentos empíricos e teóricos; tem a ver com
a comunicação dos resultados que procura estar vinculada ao processo de produção
e aos agentes participantes e com a característica do problema que é móvel, dúctil,
inclusive instável.
Levando em conta essas características, deveria aperfeiçoar-se uma
organização do ensino na Escola bastante diferente da que acontece na atualidade.
Ao mesmo tempo que parece possível estabelecer um paralelismo entre o
planejamento transdisciplinar na pesquisa e no ensino da interpretação num
currículo integrado.
Uma proposta para começar a abordar a perspectiva transdisciplinar em
educação deveria começar a perguntar-se sobre o por quê de terminadas disciplinas
e, não outras, estarem no currículo; com que função as disciplinas entraram no
currículo.
A necessidade de enfrentar a mudança da Escola
Parece que existem muitos sinais de mudança na sociedade e nos saberes
a que a Escola parece resistir em responder. Cabe-nos perguntar “em que direção
deveriam ir os caminhos na educação escolar?
Estudos da UNESCO mostram que a educação escolar, se encontra em
meio a uma série de tensões que é preciso superar: “entre o global e o local, o
espiritual e o material, o universal e o particular, a tradição e a modernidade, o lago
e o curto prazo, o desenvolvimento dos conhecimentos e de sua capacidade de
assimilação, a necessidade de compartilhar e o princípio de igualdade de
oportunidades”.
A rápida mutação da economia e da técnica torna inútil a formação
orientada exclusivamente para a formação profissional, já que a evolução dos
conhecimentos e das técnicas e a própria transformação das empresas torna
rapidamente obsoleto o seu conteúdo. Diante disso o papel do sistema educativo
consistiria em ajudar cada aluno a adquirir uma série de sabres e competências
gerais básicas, inculcar-lhes a capacidade de adaptar-se às mudanças e, sobretudo,
a aptidão, o gosto por aprender e reaprender a vida toda.
Estas constatações vindas de fora da escola apontam na mesma direção
das nossas preocupações ao escrever este livro: precisamos de uma escola que
forme indivíduos com uma visão mais global da realidade, que vincule a
aprendizagem a situações e problemas reais, que trabalhe a partir da pluralidade e
da diversidade, preparando para aprender toda vida...
É preciso pois repensar o saber escolar pois, o que se ensina hoje na
escola já está filtrado e selecionado, e pode estar longe do que preocupa as
disciplinas a que se faz referência, ou aos problemas que os distintos saberes se
propõem na atualidade, isto sem falar da distância entre o currículo escolar e o
mundo cultural das crianças e dos adolescentes.
Trabalhando de forma tradicional muitas vezes nos parece muito valioso o
que fazemos, porque os alunos participam, ativamente, mas o que aprendem com
isso? O que aprendem deles mesmos e do mundo que os rodeia? Onde situar a
complexidade compreensiva nas diferentes atividades que realizam? A essas e
outras perguntas tratamos de dar respostas quando desenvolvemos um projeto de
trabalho.
O currículo integrado como marco
Frente à experiência fragmentada que possibilita a formação atual dos
estudantes, o denominado currículo integrado pretende organizar os conhecimentos
escolares a partir de grandes temas-problemas que permitem não só explorar
campos de saber tradicionalmente fora da escola, mas também ensinar aos alunos
uma série de estratégias de busca, ordenação, análise, interpretação e
representação da informação, que lhes permitirá explorar outros temas e questões
de forma mais ou menos autônoma
O CURRÍCULO INTEGRADO DE CARÁTER DISCIPLINARArgumentos contra Argumentos a favor
A integração das várias matérias numa só
lição leva a redução dos conteúdos
Consegue-se um maior envolvimento dos
alunos.Há limitações dos professores no momento
de ensinar o currículo integrado de Ciências e
História, por exemplo.
Favorece a organização escolar pois os
alunos não ficam expostos às interrupções de
aulas.Há desperdício de tempo. Evita a repetição de temas e conceitos.Exige uma maior dedicação dos professores Há comunicação e intercâmbio entre os
professores o que contribui para a melhoria
da qualidade do ensinoO tempo de preparação toma muito tempo
dos professores diminuindo o
acompanhamento da aprendizagem do alunoFalta ordem para a compreensão das
diferentes disciplinas
A finalidade da organização dos conhecimentos em experiências
substantivas de aprendizagem num currículo integrado não é favorecer a
capacidade de aprender conteúdos de maneira fragmentada, e sim interpretar os
conhecimentos que se encontram nessas experiências.
Interpretar é decifrar. Significa decompor um objeto em seu processo
produtivo, descobrir sua coerência e outorgar aos elementos e às fases obtidas
significados intencionais, sem perder nunca de vista a totalidade que se interpreta.
Interpretar significa ainda interessar-se pelas diferentes versões dos fenômenos,
por suas origens e pela busca das forças que criaram suas interpretações. Todo
esse processo leva a uma grande discussão cultural que deve ser o eixo de um
currículo transdisciplinar.
Diferenças entre o currículo disciplinar e transdisciplinar
Centrado nas matérias Problemas trandisciplinares
Conceitos disciplinares Temas ou problemasObjetivos e metas curriculares Perguntas, pesquisaConhecimento canônico ou
estandardizado
Conhecimento construído
Unidades centradas em conceitos
disciplinares
Unidades centradas em temas ou
problemasLições ProjetosEstudo individual Grupos pequenos que trabalham por
projetosLivros-texto Fontes diversasCentrado na Escola Centrado no mundo real e na
comunidadeO conhecimento tem sentido por si
mesmo
O conhecimento em função da pesquisa
Avaliação mediante provas A avaliação mediante portfólios,
transferênciasO professor como especialista O professor como facilitador
Elfand oferece uma alternativa para levar à prática o currículo
transdisciplinar baseado na noção de “rede” e centrado na exploração de idéias
chaves e diferente da noção de currículo em espiral defendida por Bruner. As idéias-
chave seriam estações de conexão entre as diferentes disciplinas, servindo de
linhas de transporte metropolitano, as quais seriam os temas objeto de pesquisa dos
alunos. Depois de explorar cada projeto de trabalho ou tema de pesquisa, ele será
transcrito pelo professor para ordenar o que os alunos possam ter aprendido,
vinculá-lo ao currículo da Escola e dialogar com os critérios do currículo básico que
exista no país.
Levar em conta uma perspectiva transdisciplinar do saber na organização
do currículo implica que os alunos possam aprender, entre outras, as seguintes
estratégias de interpretação:
a) questionar toda forma de pensamento único, o que significa introduzir a
suspeita e questionar a realidade baseada em verdades estáveis e objetivas;
b) reconhecer, diante de qualquer fenômeno que se estude, as concepções
que o regem, a realidade que representam e as representações que tratam de influir
nela;
c) incorporar uma visão crítica que leve a perguntar-se a quem beneficia
essa visão dos fatos e a quem marginaliza;
d) introduzir, diante de qualquer fenômeno, opiniões diferenciadas, de
maneira que o aluno comprove que a realidade se constrói a partir de pontos de
vista diferentes e que alguns se impõem diante de outrem=s, nem sempre pela força
dos argumentos, mas também pelo poder de quem os estabelece;
e) colocar-se na perspectiva de um “certo relativismo” no sentido de que
toda realidade responde a uma interpretação, e que as interpretações não são
inocentes, objetivas, nem científicas, e sim interessadas, pois amparam e vinculam
visões do mundo e da realidade que estão conectadas a inetresses que quase
sempre têm a ver com a estabilidade de um status quo e com a hegemonia de
certos grupos.
A opção pela transdisciplinaridade vinculada ao currículo integrado é uma
possibilidade diante da situação de incerteza e desconcerto de muitos docentes para
responder à mudança que hoje têm lugar na sociedade, os saberes, os alunos e a
própria educação escolar. Mas há outras possibilidades. Que tudo continue como
está, com o que se continuaria favorecendo a exclusão de muitas crianças e
adolescentes que não se adaptam à atual concepção da Escola.Ou, como já se
ouve em algumas vozes, que se volte ao ensino tradicional, centrado nas formas
reprodutoras, baseadas na informação estável e de caráter universal que o
professorado transmite aos alunos.
A transdisciplinaridade vinculada ao currículo integrado implica criar novos
objetos de conhecimento para fazer do conhecimento algo efetivo que permita
continuar aprendendo e converta, de novo, a atividade do ensino numa aventura
social e intelectual. Os projetos de trabalho podem servir como facilitadores dessa
travessia.
Capítulo III – Os projetos de trabalho e a necessidade de mudança na educação e
na função da Escola
Os projetos de trabalho constituem um lugar, entendido em sua dimensão
simbólica, que pode permitir:
a) Aproximar-se da identidade dos alunos e favorecer a construção da
subjetividade, longe de um prisma paternalista, gerencial ou psicologista, o que
implica considerar que a função da Escola NÃO é apenas ensinar conteúdos, nem
vincular instrução com aprendizagem.
b) Revisar a organização do currículo por disciplinas e a maneira de situá-lo
no tempo e no espaço escolares, através de uma proposta que não seja uma
representação do conhecimento fragmentada, distanciada dos problemas que os
alunos vivem e necessitam responder em suas vias, mas, sim solução de
continuidade.
c) Levar em conta o que acontece fora da Escola, nas transformações
sociais e nos saberes, a enorme produção de informação que caracteriza a
sociedade atual, e aprender a dialogar de uma maneira critica com todos esses
fenômenos.
É muito importante que se tenha um ponto de partida. A Escola e o mundo
mudaram e qualquer que seja a teoria educacional com que se quer trabalhar, ela
precisa ser atualizada par os novos tempos em que vivemos, pois a realidade e os
problemas para os quais se trata de dar resposta não coincidem, agora, com os que
enfrentavam Dewey no inicio do século 20, Bruner nos anos 60,
Os projetos de trabalho supõem um enfoque de ensino que trata de
ressituar a concepção e as práticas educativas na Escola, para dar resposta às
mudanças sócias que se produzem nos alunos de hoje e na função da educação, e
não readaptar uma proposta do passado e atualizá-la.
É preciso mudar a escola porque os tempos estão mudando. A cada dia se
guardam aproximadamente 20 milhões de informações técnicas, e um leitor é capaz
de ler 1.000 palavras por minuto e que necessitaria de um mês e meio, lendo 8
horas por dia, para poder ler a informação recolhida num só dia.
A edição do fim de semana do New York Times contém mais informação do
que aquela a qual uma pessoa média poderia ter acesso ao longo de sua vida na
Inglaterra no século XVII, o que leva a estabelecer como prioridade ensinar a
interpretar a informação e relaciona-la criticamente com outras fontes.
Os projetos e seus significados na história da escolaridade
Vamos estudar as diferenças existentes entre as práticas atuais dos
projetos e as que foram propostas em outras épocas. A Escola e as práticas
educativas fazem parte de um sistema de concepções e valores culturais que faz
com que determinadas propostas tenham êxito quando se conectam com algumas
das necessidades educacionais e educativas.
Nos anos 20 o método de projetos foi utilizado para aproximar a Escola da
Vida diária, visando que o aluno não sentisse diferença entre a vida exterior e a vida
escola, e por isso os projetos devem estar próximos à vida, conforme dizia Fernando
Sainz em 1931.
No início do século 20 Dewey e outros autores esboçaram algumas idéias
que sustentam a primeira versão dos projetos: partir de uma situação problemática;
levar adiante um processo vinculado ao mundo exterior ã Escola e oferecer uma
alternativa ã fragmentação das matérias.
Dewey denominou de operações construtivas àquilo que foi ganhando
espaço em sala de aula e tornaram-se conhecidos por projetos. Elas devem possuir
quatro condições: a) o interesse do aluno, ainda que seja fundamental, não basta,
se não se define que tipo de objetivo e atividade contém; b) atividade que deve ter
algum valor intrínseco, excluindo-se as atividades meramente triviais; c) apresentam
problemas que despertam a curiosidade dos alunos; d) deve-se contar com uma
considerável margem de tempo.
A partir desses princípios, e seguindo Dewey, o Método dos Projetos não é
uma sucessão de atos desconexos, e sim uma atividade coerentemente ordenada,
na qual um passo prepara a necessidade do seguinte, e na qual cada um deles,se
acrescenta ao que já se fez e o transcende de um modo cumulativo.
Desde seu início considera-se que não há uma única maneira de realizar o
Método dos Projetos, mas algumas possibilidades são colocadas: a) globais, nas
quais se fundem todas as matérias desenvolvendo projetos complexos em torno de
núcleos temáticos como a família, as lojas, as cidades; b)por atividades: de jogo,
para adquirir experiência social e na natureza e com finalidade ética; c)por matérias
vinculadas às disciplinas escolares; d)de caráter sintético. Fala-se também de
projetos simples e complexos, relacionados com as matérias ou com a experiência
próxima, breves ou extensos.
Nos anos 60, Bruner estabeleceu que o ensino deveria centra-se em
facilitar o desenvolvimento de conceitos-chave a partir da estrutura das disciplinas e
que os projetos ou o trabalho por temas constituiriam uma alternativa para abordar
essa proposta na sala de aula.Essa visão dá ênfase a “que” ensinar e situa os
projetos num currículo interdisciplinar, dado que é possível verificar que várias
disciplinas tem pontos chaves em comum. Bruner desenvolveu também a idéia do
Currículo em Espiral, que diz que o primeiro encontro dos alunos com as idéias-
chave se realiza de uma maneira primitiva e depois durante a escolaridade vai
sendo abordado de maneira cada vez mais complexa.
Estas idéias atraíram o interesse de muitos educadores, pois indicavam
que a aprendizagem nas primeiras idades prepara para a aprendizagem posterior o
que significava uma mudança importante na consideração cumulativa do currículo e
no que se podia ensinar no Ensino Fundamental. Propugnavam ainda que qualquer
matéria podia ser ensinada de maneira efetiva em qualquer etapa de
desenvolvimento, implicando uma revolução nas concepções tanto do aluno como
aprendiz como dos conteúdos de ensino. Enfatizava a organização do currículo a
partir de idéias chave e estruturas das disciplinas, levando em conta a maneira de
representar essas idéias partindo de uma perspectiva de desenvolvimento.
Nos anos 80, dois fenômenos se destacam por sua influência na educação
escolar. O impacto da denominada revolução cognitiva na forma de entender o
ensino e a aprendizagem e as mudanças sobre o conhecimento e o saber derivado
das novas tecnologias de armazenamento, tratamento e distribuição da informação.
Esses dois fatos, aliados ao controle da economia pelos mercados
financeiros e as mudanças das relações no mundo do trabalho acarretaram
mudanças na educação escolar e explicam porque os projetos voltam a ser objeto
de interesse.
A perspectiva que teve maior eco foi marcada pela relevância da visão
construtivista sobre a aprendizagem, e em particular a idéia de que o conhecimento
existente na aprendizagem exerce uma poderosa influência em como se adquire
um novo conhecimento. Um segundo aspecto diz respeito a importância que se dá
ao contexto de aprendizagem e a situar os conteúdos em relação à cultura na qual
deverá ser utilizado.
Por último é necessário destacar o papel que têm hoje as estruturas
metacognitivas como forma de pensar sobre o planejamento, organização e
pesquisa sobre a informação, e como reelaboração das decisões e das ações
consideradas importantes no processo de aprendizagem dos alunos.
Tudo isto faz com que o conteúdo das disciplinas necessite ser configurado
e apresentado por meio de uma variedade de linguagens(verbal,escrita,gráfica e
audiovisual) para abrir aos estudantes os processos de pensamento de ordem
superior necessários para que compreendam e apliquem o conhecimento a outras
realidades.
A necessidade de abordar a complexidade do conhecimento escolar
Algumas das visões anteriormente apresentadas estão relacionadas com a
revisão do sentido do saber escolar e destacam a importância da compreensão da
realidade pessoal e cultural por parte de professores e alunos.
Com os projetos de trabalho pretende-se: a) estabelecer as forma de
“pensamento atual como problema antropológico chave”; b) dar um sentido ao
conhecimento baseado na busca de relações entre os fenômenos naturais, sociais e
pessoais que nos ajude a compreender melhor a complexidade do mundo em que
vivemos e planejar estratégias para abordar e pesquisar problemas que vão além da
compartimentação disciplinar.
Por tudo isso, os projetos de trabalho e a visão educativa a qual se
vinculam convidam a repensar a natureza da Escola e do trabalho escolar, pois
requerem uma organização da classe mais complexa, uma maior compreensão dos
temas em que os alunos trabalham, o que faz com que o docente atue mais como
guia do que como autoridades.
Os projetos de trabalho podem contribuir para que os estudantes adquiram
as capacidades relacionadas com:
- a autodireção: pois favorece as iniciativas para levar adiante, por si
mesmo e com outros, tarefas de pesquisa;
- a inventiva – mediante a utilização criativa de recursos, métodos e
explicações alternativas;
- a formulação e resolução de problemas, diagnóstico de situações e o
desenvolvimento de estratégias analíticas e avaliativas;
- a integração, pois favorece a síntese de idéias, experiências e informação
de diferentes fontes e disciplinas;
- a tomada de decisões, já que será decidido o que é relevante e o que se
vai incluir no projeto;
- a comunicação interpessoal, posto que se deverá contrastar, as próprias
opiniões e pontos de vista com outros, e tornar-se responsável por elas.
A psicologia cognitiva de caráter construtivista trata de compreender as
funções mentais de ordem superior em termos de processo e construção simbólica.
Essas funções desempenham um papel estratégico em como a mente se relaciona
com a informação e em como, mediante processos de interação social, vai
transformando em conhecimento pessoal.
A influência de Vigotsky é fundamental nesse planejamento, na medida em
que esse autor destacou a importância das relações sociais no desenvolvimento das
atividades mentais complexas e o papel que os marcos de internalização, de
transferência e da zona de desenvolvimento proximal ocupam no processo de
construção do conhecimento.
Prawat indica que ao avaliar o processo de aprendizagem de um indivíduo
deve ser levado em conta o conhecimento base que possui, as estratégias que
utiliza para aprender e a sua disposição para a aprendizagem. O mesmo autor
estabelece uma distinção entre uma visão do construtivismo como “resolução prática
de problemas”e uma visão centrada na “problematização” como ponto de arrancada
para organizar e compreender as possibilidades de cada situação de ensino e
aprendizagem.
Diferente das visões cognitivas que dão ênfase ao produto final, isto é, na
assimilação da informação de maneira eficaz, a proposta de Prawat ressalta a
importância do processo de acomodação do conhecimento à situação problemática
proposta.Nessa perspectiva o papel das idéias chaves torna-se essencial para
possibilitar uma situação de aprendizagem.
A perspectiva da compreensão entende que o aluno entra num processo de
construção do significado sobre o qual pode aprender, que vai além da situação
concreta e que se instaura como atitude frente à aprendizagem. O papel do
professor é o de intérprete desse processo e de facilitador de novas experiências
que levem os alunos a outras situações e problemas.
Para que isto aconteça, os projetos de trabalho devem deixar de ser
considerados como métodos, pois não se limitam à aplicação de uma fórmula e de
uma série de regras e eles não podem ser considerados como método porque:
a)não há uma seqüência única e geral para todos os projetos; b)o desenvolvimento
de um projeto não é linear nem previsível; c)o professor também pesquisa e
aprende; d)não pode ser repetido; e)choca-se com a idéia de que se deva começar
do mais fácil para o mais difícil; f)questiona a idéia de que se deve começar pelo
mais próximo( a casa, o bairro,etc), da mesma maneira que já não se ensinam
primeiro as vogais, depois as consoantes, as sílabas, as palavras a frase;
g)questiona a idéia de que se deva ir pouco a pouco para não criar lacunas de
aprendizagem; h)questiona a idéia de que se deva ensinar das partes ao todo, e
que, com o tempo o aluno estabelecerá relações.
Ao falar de projetos de trabalho o autor está interessado no ensino para a
compreensão e na mudança da escola, para favorecer a compreensão dos alunos
de si mesmos e do mundo que lhes rodeia. Na cultura contemporânea, uma questão
fundamental para que um indivíduo possa compreender o mundo em que vive é que
saiba como ter acesso, analisar e interpretar a informação. Na educação escolar
supõe-se que se deva facilitar esse aproveitamento, num processo que começa,
mas nunca termina, pois sempre podemos ter acesso a formas mais complexas de
dar significado à informação.
Ensinar mediante projetos não é fazer projetos
Neste ponto podemos que os projetos de trabalho fazem parte de uma
tradição na escola que busca estabelecer uma pesquisa de realidade e trabalho
ativo par ao aluno, mas não se pode confundi-lo com Unidade Didática, Centro de
Interesse ou Estudo do Meio.
O que têm em comum os projetos de trabalho com outras estratégias de
ensino:
• V
ão além dos limites curriculares ( tanto das áreas como dos conteúdos)
• I
mplicam a realização de atividades práticas.
• O
s temas selecionados são apropriados aos interesses e ao estágio de
desenvolvimento dos alunos.
• S
ão realizadas experiências de primeira mão como visitas, presença de
convidados na sala de aula, etc.
• D
eve ser feito algum tipo de pesquisa.
• N
ecessita-se trabalhar estratégias de busca, ordenação e estudo de
diferentes fontes de informação.
• I
mplicam atividades individuais, grupais e de classe, em relação com as
diferentes habilidades e conceitos que são aprendidos.
Todas as características acima elencadas, de uma maneira ou de outra
estão presentes nessas modalidades de ensino, porque se encontram numa
tradição educativa que recolhe propostas da Escola Nova e estão relacionadas com
o papel da atividade e do estudo do próximo, vinculando-se a Dewey e a Bruner.
Hernandez diz que a existência de uma seqüência de passos conforme
abaixo é uma primeira condição para a caracterização de um projeto de trabalho:
• P
arte-se de um tema ou de um problema negociado com a turma.
• In
icia-se um processo de pesquisa.
• B
uscam-se e selecionam-se as fontes de informação.
• E
stabelecem-se critérios de ordenação e de interpretação dos fatos.
• E
stabelecem-se relações com outros problemas.
• R
epresenta-se o processo de elaboração do conhecimento que foi
seguido.
• R
ecapitula-se (avalia-se) o que se aprendeu.
• C
onecta-se com um novo tem a ou problema.
O que aparece como distintivo, nessa hipotética seqüência, é que a
aprendizagem e o ensino se realizam mediante um percurso que nunca é fixo, mas
serve de fio condutor para a atuação dos docentes em relação aos alunos.
Apresentamos abaixo algumas característica do que não é um projeto de
trabalho:
1. Um percurso descrito por um tema.
2. Uma representação do que sabe o professor que é protagonista das
decisões sobre a informação e que é o único que encarna a verdade do
saber.
3. Um percurso expositivo sem problemas e sem um fio condutor.
4. Uma apresentação linear de um tema, baseada numa seqüência estável
e única de passos e, vinculada a uma tipologia de informação.
5. Uma atividade na qual o docente dá as respostas sobre o que já sabe.
6. Pensar que os alunos devam aprender o que queremos ensinar-lhes.
7. Uma representação de matérias escolares.
8. Converter em matérias de estudo o que nossos alunos gostam e o que
lhes apetece.
As principais características do que poderia ser um projeto de trabalho são
as seguintes:
1. U
m percurso por um tema-problema que favorece a análise, a interpretação crítica
(como contraste de pontos de vista).
2. O
nde predomina a atitude de cooperação, e o professor é um aprendiz, e não um
especialista (pois ajuda a aprender sobre temas que irá estudar com os alunos).
3. U
m percurso que procura estabelecer conexões e que questiona a idéia de uma
versão única da realidade.
4. C
ada percurso é singular, e se trabalha com diferentes tipos de informação.
5. O
docente ensina a escutar; do que os outros dizem, também podemos aprender.
6. H
á diferentes formas de aprender aquilo que queremos ensinar (e não sabemos se
aprenderão isso ou outras coisas).
7. U
ma aproximação atualizada aos problemas das disciplinas e dos saberes.
8. U
ma forma de aprendizagem na qual se leva em conta que todos os alunos podem
aprender, se encontrarem o lugar para isso.
9. P
or isso, não se esquece que a aprendizagem vinculada ao fazer, à atividade manual
e à intuição é uma forma de aprendizagem.
Para insistir em que não se trata de uma metodologia didática, e sim de
uma maneira de entender o sentido da escolaridade baseado no ensino para a
compreensão, gostaria de apontar algumas de suas implicações. Nessa maneira de
conceber a educação, os estudantes participam num processo de pesquisa que tem
sentido para eles e elas (não porque seja fácil ou porque gostem dele) e em que
utilizam diferentes estratégias de pesquisa; podem participar no processo de
planejamento da própria aprendizagem e são ajudados a serem flexíveis,
reconhecer o outro e compreender seu próprio entorno pessoal e cultural.
A finalidade do ensino é promover, nos alunos, a compreensão dos
problemas que investigam. Compreender é ser capaz de ir além da informação
dada, é poder reconhecer as diferentes versões de um fato e buscar implicações
além de propor hipóteses sobre as conseqüências dessa pluralidade de pontos de
vista.
Como acontecia anteriormente os projetos de trabalho não são uma fórmula
perfeita que se adapta a todas as ideologias, necessidades e trajetórias
profissionais, mas é importante ressaltar que eles implicam um olhar diferente sobre
o aluno, sobre o seu próprio trabalho e sobre o rendimento escolar.
Constituem um planejamento de ensino e aprendizagem vinculado a uma
concepção de escolaridade em que se dá importância não só à aquisição de
estratégias cognitivas de ordem superior, mas também ao papel do estudante como
responsável por sua própria aprendizagem. Significa enfrentar o planejamento e a
solução de problemas reais e oferece a possibilidade de investigar um tema partindo
de um enfoque relacional que vincula idéias-chave e metodologias de diferentes
disciplinas.
Uma pequena recapitulação
Recapitulando, podemos ver que os projetos de trabalho se apresentam não
como um método ou uma pedagogia, mas sim como uma concepção da educação e
da Escola que leva em conta:
• A
abertura para os conhecimentos e problemas que circulam fora da sala de aula e
que vão além do currículo básico.
• A
importância da relação com a informação que, na atualidade, se produz e circula de
maneira diferente da que acontecia em épocas recentes; os problemas que estudam
os saberes organizados; o contraste dos pontos de vista e a idéia de que a realidade
não é senão para o sistema ou para uma pessoa que a defina. Daí a importância de
se reconhecer os “lugares” dos quais se fala, as relações de exclusão que se
favorecem e de construir critérios avaliativos para relacionar-se com essas
interpretações.
• O
papel do professor como facilitador (problematizador) da relação dos alunos com o
conhecimento, processo no qual o docente atua também como aprendiz.
• A
importância da atitude de escuta; o professor como base para construir com os
alunos experiências substantivas de aprendizagem. Uma experiência substantiva é
aquela que não tem um único caminho, permite desenvolver uma atitude
investigadora e ajuda os estudantes e dar sentido a suas vidas (aprender deles
mesmos) e às situações do mundo que os rodeia. Nesse sentido, o diálogo, com a
gênese dos fenômenos desde uma perspectiva de reconstrução histórica aparece
como fundamental.
• A
função dos registros sobre o diálogo pedagógico que acontecem em sala de aula e
em diferentes cenários, para expandir o conhecimento dos alunos e responsabilizá-
los pela importância que tem aprender dos outros e com os outros.
• A
organização do currículo não por disciplinas e baseada nos conteúdos como algo
fixo e estável, mas sim a partir de uma concepção do currículo integrado, que leve
em conta um horizonte educativo (planejado não como metas, mas sim, como
objetivos do processo) para o final da escolaridade básica. Esse horizonte educativo
se perfila em cada curso e se reconstrói em termos do que os alunos podem ter
aprendido ao final de cada projeto, oficina ou experiência substantiva. O currículo
assim se configura como um processo em construção. O que leva ao intercâmbio
entre os docentes e anão fixar o que se ensina e se pode aprender na Escola de
uma maneira permanente.
• F
avorece-se a autodireção do aluno a partir de atividades como o plano de trabalho
individual, o planejamento semanal ou quinzenal do que acontece na sala de aula.
• Si
gnifica que a avaliação faz parte das experiências substantivas de aprendizagem na
medida em que permita a cada aluno reconstruir seu processo e transferir seus
conhecimentos e estratégias a outras circunstâncias e problemas.
Os projetos assim entendidos apontam outra maneira de representar o
conhecimento escolar baseado na aprendizagem da interpretação da realidade,
orientada para o estabelecimento de relações entre a vida dos alunos e professores
e o conhecimento que as disciplinas( que nem sempre coincidem com o das
disciplinas escolares) e outros saberes não disciplinares vão elaborando. Tudo isso
para favorecer o desenvolvimento de estratégias de indagação, interpretação e
apresentação do processo seguido ao estudar um tema ou um problema, que, por
sua complexidade, favorece o melhor conhecimento dos alunos e dos docentes de si
mesmos e do mundo em que vivem.
Capítulo IV – A avaliação como parte do processo dos projetos de trabalho
Uma das finalidades dos projetos é promover formas de aprendizagem que
questionam a idéia de verdade única, ao colocar os alunos diante de diferentes
interpretações dos fenômenos está-se questionando plenamente a visão de
avaliação baseada na consideração da realidade como algo objetivo e estável. Com
isso o papel da avaliação passa a fazer parte do próprio processo de aprendizagem,
e não é um apêndice que estabelece e qualifica o grau de ajuste dos alunos com a
resposta única que o docente define.
Partindo-se de uma perspectiva ampla, entende-se por avaliação a
realização de um conjunto de ações encaminhadas para recolher uma série de
dados em torno de uma pessoa, fato, situação ou fenômeno, com fim de emitir um
juízo sobre o mesmo.
Podemos distinguir três fases no processo de avaliação: avaliação inicial,
avaliação formativa e avaliação recapitulativa.
Na avaliação inicial, pretende-se detectar os conhecimentos que os
estudante já possuem quando começa um curso ou o estudo de um tema. Com ela,
os professores podem posicionar-se diante do grupo para planejar melhor seu
processo de ensino. Esse tipo de avaliação condiciona muitas vezes as expectativas
posteriores dos professores, pois lhes leva a rotular as possibilidades dos alunos de
aprender. No entanto, pode constituir-se numa prática recomendável se for inserida
num modelo de ensino e aprendizagem que se estruture a partir do conhecimento
de base dos estudantes.
A avaliação formativa é a que se supõe que deveria estar na base de todo
processo de avaliação. Sua finalidade não é de controlar e qualificar os estudantes,
mas, sim ajuda-los a progredir no caminho do conhecimento, a partir do ensino que
se ministra e das formas de trabalhos utilizadas em sala de aula. Esta avaliação
implica, para os professores, uma tarefa de ajuste constante entre o processo de
ensino e o de aprendizagem para se ir adequando a evolução dos alunos e para
estabelecer novas pautas de atuação em relação às evidências sobre sua
aprendizagem.
A avaliação recapitulativa se apresenta como um processo de síntese de
um tema, um curso ou um nível educativo, sendo o momento que permite
reconhecer se os estudantes alcançaram os resultados esperados, adquiriram
algumas das destrezas e habilidades propostas em função das situações de ensino
e aprendizagem planejadas. Na prática, esse tipo de avalição se associa, sobretudo,
com a noção de êxito ou fracasso dos estudantes na aprendizagem e serve como
passagem para provar oficialmente os conhecimentos adquiridos.
Nos projetos de trabalho, com a avaliação, o que se pretende é estimular a
capacidade de pesquisa, parece adequado que os estudantes possam
aplicar(transferir) os conhecimentos que aprenderam para situações reais e de
simulação, e não responder apenas a enunciados verbais, visuais ou numéricos de
caráter reprodutivo. Mais do que medir, avaliar implica entender, interpretar e
avaliar. Para isso é necessária uma múltipla abertura por parte dos docentes:
conceitual, para dar entrada na avaliação de resultados não previstos e
acontecimentos imprevisíveis; investigadora, para dar lugar ao levantamento de
evidências tanto do processo como dos resultados; metodológica, para introduzir
procedimentos informais frente à inflexível estratégia formal, o que implica passar do
monismo ao pluralismo metodológico; ético-política, para recolher o caminho que vai
da avaliação burocrática à democrática.
Além disso, a avaliação nos projetos leva em conta que, durante a última
década, produziu-se uma série de mudanças nas concepções sobre o ensino e a
aprendizagem que teve uma série de repercussões importantes no momento de se
apresentar novas visões e práticas sobre a avaliação. Tais mudanças podem ser
configuradas da seguinte maneira:
- da preocupação sobre como recordar informação, passou-se ao interesse
sobre como transferi-la a outras situações;
-de destacar a importância de saber aplicar fórmulas previamente
aprendidas ou memoriza-las para resolver problemas, passou-se à necessidade de
planejar-se problemas e encontrar estratégias para resolve-los;
- a importância dos resultados se transformou no interesse pelos processos
de aprendizagem dos alunos;
- a valorização da quantidade de informação, da recitação de memória e da
erudição está dando lugar a destacar a importância do saber como capacidade para
buscar de forma seletiva, a ordenar e interpretar informação, para dar lhe sentido e
transforma-la em conhecimento.
As propostas de mudança nas práticas avaliativas, de forma mais ou menos
explícita, foram reconhecidas pela maioria das propostas de inovação curricular
realizadas desde os anos 70. O que nem sempre se reflete na maneira de abordar a
organização dos conhecimentos na Escola. Essas propostas prestavam atenção
especial na forma de avaliar a aprendizagem com a finalidade de:
- dar conta e estar em consonância com as finalidades educativas;
- repensar uma prática de avaliação que centrava toda a tensão e o sentido
da aprendizagem na atuação dos alunos diante de uma prova ou exame parcial ou
final;
- destacar a importância de não confundir a avaliação com a qualificação e
a habilitação.
O portfólio como instrumento de avaliação nos projetos de trabalho
O portfólio é uma modalidade de avaliação que tem origem no campo da
arte. Arquitetos, desenhistas e artistas recolhem, selecionam e ordenam amostras
de sua trajetória profissional para poder apresentá-los em um suporte físico (o
portfólio), de maneira que o destinatário possa apreciar os marcos mais
significativos do seu percurso, ao mesmo tempo em que se adquire uma visão
global do mesmo.
No Ensino Fundamental, Médio e Superior, é possível realizar um processo
de seleção e ordenação de amostras que reflitam a trajetória de aprendizagem de
cada estudante, de maneira que, além de evidenciar seu percurso e refletir sobre
ele, possam contrasta-lo com as finalidades de seu processo e as intenções
educativas e formativas dos docentes. A função do portfólio se apresenta, assim,
como facilitadora da reconstrução e da reelaboração por parte de cada estudante de
seu próprio processo ao longo de um curso ou de um período de ensino.
A utilização do portfólio como recurso de avaliação é baseada na natureza
evolutiva do processo de aprendizagem, oferecendo aos alunos e professores a
oportunidade de refletir sobre o progresso dos estudantes em sua compreensão da
realidade, ao mesmo tempo em que possibilita a introdução de mudanças durante o
desenvolvimento do programa de ensino.
Capítulo V – Três projetos de trabalho como exemplos, não como pauta a seguir
Neste capítulo o autor justifica algumas dificuldades quando são
apresentados exemplos de projetos de trabalho, pois trata-se de uma experiência
única, vivenciadas por um determinado grupo de pessoas, numa determinada
circunstância e portanto não pode ser considerada neutra e não pode ser tomado
com receita a ser repetida.
Todo projeto implica que a aprendizagem se concebe numa produção ativa
de significados em relação aos conhecimentos sociais e à própria bagagem do
aprendiz. Ao tornar público uma experiência realizada são descritas algumas
possibilidades, mas certamente outras poderiam ser incorporadas.
Capítulo VI – As informações nos servem para aprender e nos provocar novas
interrogações
Um projeto pode ter diferentes leituras e vai envolvendo as pessoas na
medida em que se desenvolve, podendo surpreender pela curiosidade que vai
despertando nas famílias dos educandos.
No exemplo citado neste capítulo o projeto se inicia quando a pequena Alice
de 4 anos, relata na sala de aula, que tinha ido ao zoológico com os pais no final de
semana, para se despedir de Ulisses, uma orca gigante, que iria para muito longe,
para San Diego nos Estados Unidos
A partir desse relato e o acompanhamento da notícia através do jornal
converteu-se num projeto de trabalho, que levou as crianças a estudarem as orcas,
a geografia do percurso de Ulisses, os meios de transporte, etc. passando do
episódico à generalização. Acompanhou-se todo o processo de transferência da
orca de Barcelona até San Diego e como reagiu ao seu novo habitat, envolvendo
todos os alunos e seus familiares. Tudo foi registrado no portfólio.
A leitura atenta do projeto permite ver que vários conteúdos de diferentes
matérias foram abordados, mas não foi necessário ir buscá-los pois eles
apareceram naturalmente.
Capítulo VII – “Eu aprendi o que queria dizer um símbolo”
O projeto narrado neste capítulo narra a experiência de um projeto de
trabalho realizado com crianças da 1ª série do ensino fundamental, que nasceu a
partir da visita a museu de Barcelona para visitar as obras do pintor espanhol El
Greco. A visita ao museu foi precedida por um vídeo assistido pelas crianças,
quando fizeram anotações.
O mundo no século XVI foi trazido à tona com a observação das obras do
pintor, a partir da qual surgiram novas interrogações, passeou-se pela história e
geografia da vida de EL Greco e se acompanhou na imprensa a repercussão das
visitas das escolas ao museu. Na visita ao museu surgiu a necessidade de
identificar os símbolos presentes nas obras do pintor e sues significados.
Foram analisadas as influências que marcaram a obra do artista e também
se fizeram comparações com obras de outros artistas.
Capítulo VIII – Ter saúde é viver de acordo com nós mesmos
Este projeto nasceu a partir de uma lista de 25 respostas sobre por que
contaminamos o planeta? As respostas da aluna Gemma que disse “ Suponho que
temos que prejudicar a nós mesmos para fabricar alimentos úteis”, deram origem ao
projeto intitulado “a saúde: viver de acordo com nós mesmos”.
Foram debatidos diferentes pontos de vista sobre o que é saúde, a relação
entre a saúde física e a saúde psíquica, as situações que criam preocupações às
crianças e meninas da Quinta série, a tensão e o estresse, e o que está
acontecendo comigo?
Do projeto da saúde partiu-se para um novo caminho: a nutrição. Foram
estudados o que é nutrição, o cardápio semanal da merenda escolar, a receita de
uma alimentação natural e uma breve história da alimentação.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
Objetivo dos PCN
Propiciar aos sistemas de ensino, particularmente aos professores, subsídios
à elaboração e/ou reelaboração do currículo, visando à construção do projeto
pedagógico, em função da cidadania do aluno.
Processo de elaboração dos PCN
Os documentos apresentados são resultados de longo trabalho, que contou
com a participação de muitos educadores brasileiros tendo a marca de suas
experiências e de seus estudos, e foram produzidos no contexto das discussões
pedagógicas atuais. Inicialmente foram elaborados documentos, em versões
preliminares, para ser analisados e debatidos por professores que atuam em
diferentes graus de ensino, por especialistas da educação e de outras áreas, além
de instituições governamentais e não-governamentais. Quando se tratou dos PCN
de 1ª a 4ª série, foram realizados seminários estaduais.
Objetivos dos PCN de 1ª a 4ª série
Têm como objetivo estabelecer uma referência curricular e apoiar a revisão
e/ou a elaboração da proposta curricular dos estados ou das escolas integrantes dos
sistemas de ensino.
Objetivos dos PCN de 5ª a 8ª série
Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados procurando-se, de
um lado, respeitar diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e, de
outro, considerar a necessidade de construir referências nacionais, comuns ao
processo educativo em todas as regiões brasileiras. Com isso, pretende-se criar
condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de
conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao
exercício da cidadania.
Objetivos dos PCN do Ensino Médio
Esses Parâmetros são o resultado de meses de trabalho e de discussão
realizados por especialistas e educadores de todo o país. Foram feitos para auxiliar
as equipes escolares na execução de seus trabalhos. Servirão de estímulo e apoio à
reflexão sobre a prática diária, ao planejamento de aulas e sobretudo ao
desenvolvimento do currículo da escola, contribuindo ainda para a atualização
profissional. Ao entregá-los a você, reafirmamos a nossa confiança na sua
capacidade de atuar para transformar positivamente a educação em nosso país e
aguardamos por novas contribuições e sugestões, que permitirão a revisão
permanente desses documentos.
COMPOSIÇÃO DOS PCN 1ª A 4ª
Compõem os Parâmetros os seguintes módulos:
• Introdução • Língua Portuguesa • Matemática • Ciências Naturais • História e Geografia • Arte • Educação Física • Apresentação dos Temas Transversais e Ética • Meio Ambiente e Saúde • Pluralidade Cultural e Orientação Sexual
Introdução
A elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais constituem o primeiro
nível de concretização curricular. São uma referência nacional para o ensino
fundamental; estabelecem uma meta educacional para a qual devem convergir as
ações políticas do Ministério da Educação.
O segundo nível de concretização diz respeito às propostas curriculares dos
Estados e Municípios. Os Parâmetros Curriculares Nacionais poderão ser utilizados
como recursos para adaptações ou elaborações curriculares realizadas pelas
Secretarias de Educação, em um processo definido pelos responsáveis em cada
local.
O terceiro nível de concretização refere-se à elaboração da proposta
curricular de cada instituição escolar, contextualizada na discussão de seu projeto
educativo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais e as propostas das Secretarias
devem ser vistos como materiais que subsidiarão a escola na constituição de sua
proposta educacional. O quarto nível de concretização curricular é o momento da
realização da programação das atividades de ensino e aprendizagem na sala de
aula. É quando o professor, segundo as metas estabelecidas na fase de
concretização anterior, faz sua programação, adequando-a àquele grupo específico
de alunos.
Língua Portuguesa
A primeira parte faz uma breve apresentação da área e define as linhas gerais
da proposta. Aborda questões relativas à natureza e às características da área, suas
implicações para a aprendizagem e seus desdobramentos no ensino. Apresenta os
objetivos gerais da Língua Portuguesa, a partir dos quais são apontados os
conteúdos relacionados à Língua Oral, Língua Escrita e Análise e Reflexão sobre a
Língua. O último tópico dessa parte apresenta os critérios de avaliação para o
ensino fundamental. A segunda parte detalha a proposta, para as quatro primeiras
séries do ensino fundamental, em objetivos, conteúdos e critérios de avaliação, de
forma a apresentá-los com a articulação necessária para a sua coerência.
Matemática
A primeira parte do documento apresenta os princípios norteadores, uma
breve trajetória das reformas e o quadro atual de ensino da disciplina. A seguir, faz
uma análise das características da área e do papel que ela desempenha no currículo
escolar. Também trata das relações entre o saber, o aluno e o professor, indica
alguns caminhos para "fazer Matemática" na sala de aula, destaca os objetivos
gerais para o ensino fundamental, apresenta blocos de conteúdos e discute
aspectos da avaliação.
A segunda parte destina-se aos aspectos ligados ao ensino e à aprendizagem
de Matemática para as quatro primeiras séries do ensino fundamental. Os objetivos
gerais são dimensionados em objetivos específicos para cada ciclo, da mesma
forma os blocos de conteúdos, critérios de avaliação e algumas orientações
didáticas.
Ciências Naturais
Enfatiza o papel das Ciências Naturais, suas transformações, situando o
homem como indivíduo participativo e parte integrante do Universo. A primeira parte
desse documento apresenta um breve histórico das tendências pedagógicas
predominantes na área, debate a importância do ensino de Ciências Naturais para a
formação da cidadania, caracteriza o conhecimento científico e tecnológico como
atividades humanas, de caráter histórico e, portanto, não-neutras. Também expõe a
compreensão de ensino, de aprendizagem, de avaliação e de conteúdos que norteia
estes parâmetros e apresenta os objetivos gerais da área.
A segunda parte contempla o ensino de Ciências Naturais, direcionada às
quatro primeiras séries do ensino fundamental, fornecendo subsídios para seu
planejamento. Apresenta objetivos, conteúdos, critérios de avaliação e orientações
didáticas.
História e Geografia
São apresentados princípios, conceitos e orientações para atividades que
possibilitem aos alunos a realização de leituras críticas dos espaços, das culturas e
das histórias do seu cotidiano. O documento está organizado em duas partes. Cada
uma delas pode ser consultada de acordo com o interesse mais imediato:
aprofundamento teórico, definição de objetivos amplos, discernimento das
particularidades da área, sugestões de práticas, possibilidades de recursos
didáticos, entre outros. Na primeira parte, analisam-se algumas concepções
curriculares elaboradas para o ensino de História do Brasil e apontam-se as
características, a importância, os princípios e os conceitos pertinentes ao saber
histórico escolar. Também estão explicitados os objetivos gerais da área para o
ensino fundamental. São eles que sintetizam as intencionalidades das escolhas
conceituais, metodológicas e de conteúdos, delineados na proposta. Na segunda
parte, são apresentados os eixos temáticos para as primeiras quatro séries e os
critérios que fundamentam as suas escolhas. São discutidas, ainda, as articulações
dos conteúdos de História com os Temas Transversais. A seguir, encontram-se os
princípios de ensino, os objetivos, os eixos temáticos e os critérios de avaliação
propostos. Os conteúdos são apresentados de modo a tornar possível recriá-los,
considerando a realidade local e/ou questões sociais contemporâneas.
O documento de Geografia propõe um trabalho pedagógico que visa à ampliação
das capacidades dos alunos, do ensino fundamental, de observar, conhecer,
explicar, comparar e representar as características do lugar em que vivem e de
diferentes paisagens e espaços geográficos. A primeira parte descreve a trajetória
da Geografia, como ciência e como disciplina escolar, mostrando suas tendências
atuais e sua importância na formação do cidadão. Apontam-se os conceitos, os
procedimentos e as atitudes a serem ensinados, para que os alunos se aproximem e
compreendam a dinâmica desta área de conhecimento, em termos de suas teorias e
explicações.
Na segunda parte, encontra-se uma descrição de como pode ser o trabalho
com essa disciplina para as primeiras quatro séries, apresentando objetivos,
conteúdos e critérios de avaliação.
Arte
Aborda conteúdos gerais de Arte que têm como pressupostos a clarificação
de alguns critérios, que também encaminham a elaboração dos conteúdos de Artes
Visuais, Música, Teatro e Dança e, no conjunto, procuram promover a formação
artística e estética do aprendiz e a sua participação na sociedade. O conjunto de
conteúdos está articulado dentro do contexto de ensino e aprendizagem em três
eixos norteadores: a produção, a fruição e a reflexão. A produção refere-se ao fazer
artístico e ao conjunto de questões a ele relacionados, no âmbito do fazer do aluno e
dos produtores sociais de arte. A fruição refere-se à apreciação significativa de arte
e do universo a ela relacionado. Tal ação contempla a fruição da produção dos
alunos e da produção histórico-social em sua diversidade. A reflexão refere-se à
construção de conhecimento sobre o trabalho artístico pessoal, dos colegas e sobre
a arte como produto da história e da multiplicidade das culturas humanas, com
ênfase na formação cultivada do cidadão. Os três eixos estão articulados na prática,
ao mesmo tempo que mantêm seus espaços próprios. Os conteúdos poderão ser
trabalhados em qualquer ordem, segundo decisão do professor, em conformidade
com o desenho curricular de sua equipe.
Educação Física
O documento de Educação Física traz uma proposta que procura
democratizar, humanizar e diversificar a prática pedagógica da área, buscando
ampliar, de uma visão apenas biológica, para um trabalho que incorpore as
dimensões afetivas, cognitivas e socioculturais dos alunos. Incorpora, de forma
organizada, as principais questões que o professor deve considerar no
desenvolvimento de seu trabalho, subsidiando as discussões, os planejamentos e as
avaliações da prática da Educação Física nas escolas.
Apresentação dos Temas Transversais e Ética
O conjunto de temas aqui proposto (Ética, Meio Ambiente, Pluralidade
Cultural, Saúde e Orientação Sexual) recebeu o título geral de Temas Transversais
e indicam a metodologia proposta para sua inclusão no currículo e seu tratamento
didático.
São apresentados os critérios para defini-los e escolhê-los:
• Urgência social
• Esse critério indica a preocupação de eleger como Temas Transversais
questões graves, que se apresentam como obstáculos para a concretização
da plenitude da cidadania, afrontando a dignidade das pessoas e
deteriorando sua qualidade de vida.
• Abrangência Nacional buscou contemplar questões que, em maior ou menor
medida, e mesmo de formas diversas, fossem pertinentes a todo o país.
• Possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental Esse critério
norteou a escolha de temas ao alcance da aprendizagem nessa etapa da
escolaridade, em especial no que se refere à Educação para Saúde,
Educação Ambiental e Orientação Sexual, já desenvolvidas em muitas
escolas.
• Favorecer a Compreensão da realidade e a participação social
Os temas eleitos, em seu conjunto, devem possibilitar uma visão ampla e
consistente da realidade brasileira e sua inserção no mundo, além de desenvolver
um trabalho educativo que possibilite uma participação social dos alunos.
Meio Ambiente e Saúde
A primeira parte aborda a questão ambiental a partir de um breve histórico e
apresenta os modelos de desenvolvimento econômico e social em curso nas
sociedades modernas. Discorre sobre o reconhecimento, por parte de organizações
governamentais e lideranças nacionais e internacionais, da importância da educação
ambiental, enfatizando as noções comumente associadas ao tema. Ao final dessa
primeira parte, encontram-se os objetivos gerais do tema Meio Ambiente para todo o
ensino fundamental.
A segunda parte, referente aos conteúdos, critérios de avaliação e
orientações didáticas, é dirigida para as primeiras quatro séries.
O conhecimento sistemático relacionado ao meio ambiente e ao movimento
ambiental são bastante recentes. A própria base conceitual - definições como a de
meio ambiente e de desenvolvimento sustentável, por exemplo - está em plena
construção. De fato, não existe consenso sobre esses termos nem mesmo na
comunidade científica; com mais razão, pode-se admitir que o mesmo ocorra fora
dela. Justamente pelo fato de estar em pleno processo de construção, a definição de
muitos desses elementos é controvertida. Assim, considerou-se importante a
apresentação, como uma referência, de três noções centrais: a de Meio Ambiente, a
de Sustentabilidade e a de Diversidade. Concepções sobre saúde ou sobre o que é
saudável, valorização de hábitos e estilos de vida, atitudes perante as diferentes
questões relativas à saúde perpassam todas as áreas de estudo escolar, desde os
textos literários, informativos, jornalísticos, até os científicos.
A organização do trabalho das áreas em torno de temas relativos à saúde
permite que o desenvolvimento dos conteúdos possa se processar regularmente e
de modo contextualizado. O tratamento transversal do tema deve-se exatamente ao
fato de sua abordagem dar-se no cotidiano da experiência escolar e não no estudo
de uma "matéria".
Pluralidade Cultural e Orientação Sexual
O documento de Pluralidade Cultural trata da diversidade étnica e cultural,
plural em sua identidade: índio, afro-descendente, imigrante, urbano, sertanejo,
caiçara, caipira, enfatizando as diversas heranças culturais que convivem na
população brasileira, oferecendo informações que contribuam para a formação de
novas mentalidades voltadas para a superação de todas as formas de discriminação
e exclusão.
O que se coloca, portanto, é o desafio de a escola se constituir num espaço
de resistência, isto é, de criação de outras formas de relação social e interpessoal
mediante a interação entre o trabalho educativo escolar e as questões sociais,
posicionando-se crítica e responsavelmente perante elas.
COMPOSIÇÃO DOS PCNS DE 5ª À 8ª SÉRIES
Os Parâmetros de 5ª à 8ª séries são compostos pelos seguintes documentos:
• Introdução
• Língua Portuguesa
• Matemática
• Ciências Naturais
• História
• Geografia
• Arte
• Educação Física
• Língua Estrangeira Moderna
• Temas Transversais
• Projeto Pró-Leitura na Formação do Professor • Projeto Pró-Matemática na Formação do Professor
• Referenciais para Formação de Professores
Introdução
Neste volume, a primeira parte é dedicada à análise de aspectos da
conjuntura nacional e mundial e à necessidade de fortalecimento da educação
básica. A segunda parte destina-se a apresentar os Parâmetros Curriculares
Nacionais, seus propósitos e sua estrutura. A terceira parte procura trazer
contribuições para o processo de elaboração e de desenvolvimento do projeto
educativo da escola. A quarta pretende provocar a necessidade de conhecer melhor
os alunos do ensino fundamental. Na quinta e última parte, é feita uma análise sobre
o uso das Tecnologias da Comunicação e da Informação, tão importantes no mundo
contemporâneo. Esses assuntos, tratados neste documento de introdução aos
Parâmetros Curriculares Nacionais, visam apresentar uma concepção geral, que
será retomada específicamente nos documentos de áreas e temas transversais.
Língua Portuguesa
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa configuram-se
como síntese dos avanços conquistados nas últimas décadas, a partir das
discussões a respeito das diferentes propostas para o ensino de Língua Portuguesa
(LP).
O domínio da linguagem se constitui como condições de possibilidade de
plena inserção social. É por meio da linguagem que os indivíduos se comunicam,
têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, produzem cultura.
Desta forma, ao ensinar LP a escola assume para si a responsabilidade de contribuir
para assegurar aos seus alunos o acesso aos saberes da fala e da escrita
necessários para que cada um seja capaz de interpretar os diferentes textos que
circulam, de assumir a palavra, de produzir textos eficientes nas mais diversas
situações.
Nessa perspectiva, os PCN de LP constituem-se em uma referência para
contribuir com técnicos e professores no processo de revisão e elaboração de sua
prática.
O presente documento se organiza em duas partes, na primeira, faz-se a
apresentação da área e definem-se as linhas gerais da proposta. Em sua introdução,
analisam-se alguns dos principais problemas do ensino da língua e situa-se a
proposta em relação ao movimento de reorientação curricular nos últimos anos.
Abordam-se, também, a natureza, as características e a importância da área.
Finalmente, indicam-se os objetivos e conteúdos propostos para o ensino
fundamental.
Na segunda parte, dedicada ao terceiro e quarto ciclos, caracterizam-se
ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa nestes ciclos, definem-se objetivos e
conteúdos, apresentam-se orientações didáticas, especificam-se relações existentes
entre o ensino de Língua Portuguesa e as tecnologias da comunicação e, por fim,
propõem-se critérios de avaliação.
Matemática
Apresenta uma breve análise dos mais recentes movimentos de reorientação
curricular e de alguns aspectos do ensino de Matemática no Brasil, apontando duas
grandes questões: a necessidade de reverter o quadro em que a Matemática se
configura como um forte filtro social na seleção dos alunos que vão concluir, ou não,
o ensino fundamental e a necessidade de proporcionar um ensino de Matemática de
melhor qualidade, contribuindo para a formação do cidadão. Indica a Resolução de
Problemas como ponto de partida da atividade Matemática e discutem caminhos
para "fazer Matemática" na sala de aula, destacando a importância da História e da
Matemática e das Tecnologias da Comunicação. Apresentam os objetivos em
termos das capacidades a serem desenvolvidas em cada ciclo, assim como os
conteúdos para desenvolvê-las. São apontadas as possíveis conexões entre os
blocos de conteúdos entre a Matemática e as outras áreas do conhecimento e suas
relações com o cotidiano e com os Temas Transversais. A avaliação em suas
dimensões processual e diagnóstica é tratada como parte fundamental do processo
ensino-aprendizagem por permitir detectar problemas, corrigir rumos, apreciar e
estimular projetos bem-sucedidos. Na parte final do documento discutem-se
algumas orientações didáticas relativas a conceitos e procedimentos matemáticos,
analisando obstáculos que podem surgir na aprendizagem de certos conteúdos e
sugerindo alternativas que possam favorecer sua superação.
Ciências Naturais
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Naturais são dirigidos aos
educadores que têm como objetivo aprofundar a prática pedagógica de Ciências
Naturais na escola fundamental, contribuindo para o planejamento de seu trabalho e
para o projeto pedagógico da sua equipe e do sistema de ensino do qual faz parte.
A primeira parte, voltada para todo o ensino fundamental, apresenta um breve
histórico das tendências pedagógicas na área, debate relações entre ciências e
cidadania, caracteriza Ciência e Tecnologia como atividades humanas. Também
expõe as concepções de ensino, de aprendizagem, de avaliação e de conteúdos
que norteiam estes parâmetros, bem como os objetivos gerais para todo o ensino
fundamental. Os conteúdos são apresentados em quatro eixos temáticos: Terra e
Universo, Vida e Ambiente, Ser Humano e Saúde, Tecnologia e Sociedade, levando-
se em conta conceitos, procedimentos e atitudes que compõem o ensino desses
temas no ensino fundamental. Toda a segunda parte é voltada à apresentação e à
discussão do ensino e aprendizagem de Ciências Naturais, conteúdos e critérios de
avaliação para terceiro e quarto ciclos. É na parte final do documento que o
professor encontra orientações sobre a organização de unidades e projetos, sobre
temas de trabalho interdisciplinares em Ciências Naturais, sobre a problematização
de conteúdos, sobre fontes de informação: observações, trabalhos de campo,
experimentações, textos diversos e informática.
História
Este documento está organizado em duas partes. Na primeira parte estão
algumas das concepções curriculares elaboradas para o ensino de História no
Brasil; características, importância, princípios e conceitos pertinentes ao saber
histórico escolar; objetivos gerais de História para o ensino fundamental; critérios
para as escolhas conceituais, métodos, conteúdos e articulações com os Temas
Transversais.
Na segunda parte são apresentadas propostas de ensino e aprendizagem
para as últimas quatro séries do ensino fundamental, os objetivos para os ciclos, os
conteúdos e os critérios de avaliação. Traz também orientações didáticas nas quais
se destacam alguns pontos importantes da prática de ensino, sem esgotá-los. São
sugeridos métodos e recursos à reflexão de professores e alunos, sobre o
conhecimento histórico e suas relações com a realidade social. a bibliografia apenas
referencia autores utilizados para a redação deste documento e que fundamentam
os conceitos históricos e os procedimentos de ensino e de aprendizagem
apresentados.
Geografia
O documento de Geografia propõe um trabalho pedagógico que visa à
ampliação das capacidades dos alunos do ensino fundamental de observar,
conhecer, explicar, comparar e representar as características do lugar em que vivem
e de diferentes paisagens e espaços geográficos. A primeira parte do documento
contém uma contextualização geral da área no ensino fundamental, descrevendo a
trajetória da Geografia, como ciência e como disciplina escolar. Na Segunda parte,
encontram-se orientações para o trabalho com a área no ensino fundamental,
apresentando objetivos, eixos temáticos e conteúdos e critérios de avaliação. Ao
final, o documento traz uma série de indicações sobre a organização do trabalho
escolar do ponto de vista metodológico e didático.
Arte
A primeira parte do documento tem por objetivo analisar e propor
encaminhamentos para o ensino e a aprendizagem de Arte no ensino fundamental.
Na segunda parte estão destacadas quatro linguagens: Artes Visuais, Dança,
Música e Teatro.
A proposição sobre aprender e ensinar arte tem por finalidade apresentar ao
professor uma visão global dos objetivos, critérios de seleção e organização dos
conteúdos e orientações didáticas e de avaliação da aprendizagem de arte para todo
o ensino fundamental.
As duas partes formam um conjunto de modo a oferecer aos educadores um
material sistematizado para as suas ações e subsídios para que possam trabalhar
com a mesma competência exigida para todas as áreas do projeto curricular.
Educação Física
O documento de Educação Física traz uma proposta que procura
democratizar, humanizar e diversificar a prática pedagógica da área, buscando
ampliar, de uma visão apenas biológica, para um trabalho que incorpore as
dimensões afetivas, cognitivas e socioculturais dos alunos. Incorpora, de forma
organizada, as principais questões que o professor deve considerar no
desenvolvimento de seu trabalho, subsidiando as discussões, os planejamentos e as
avaliações da prática de Educação Física.
Apresenta ainda a síntese dos princípios que norteiam a Educação Física no
ensino fundamental, localiza as principais tendências pedagógicas e desenvolve a
concepção da área, situando-a como produção cultural. Indicam objetivos,
conteúdos e critérios de avaliação. Os conteúdos são apresentados segundo sua
categoria conceitual, procedimental e atitudinal, organizados em blocos
interrelacionados e são explicitados como possíveis enfoques da ação do professor.
Contempla, também, aspectos didáticos gerais e específicos da prática pedagógica
em Educação Física que podem auxiliar o professor nas questões do cotidiano das
salas de aula e serve como ponto de partida para as discussões.
Língua Estrangeira Moderna
Este documento procura ser uma fonte de referência para discussão e
tomada de posição sobre ensinar e aprender Língua Estrangeira nas escolas
brasileiras.
Duas questões teóricas ancoram os Parâmetros de Língua Portuguesa:
• visão sociointeracional da linguagem - indica que, ao se engajarem no
discurso, as pessoas considerem aqueles a quem se dirigem ou quem se
dirigiu a elas na construção social do significado.
• visão sociointeracional da linguagem - é compreendida como uma forma de
se estar no mundo com alguém e é, igualmente, situada na instituição, na
cultura e na história.
Temas Transversais
O conjunto de temas aqui proposto - Ética, Meio Ambiente, Pluralidade
Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo - recebeu o título geral de
Temas Transversais, indicando a metodologia proposta para sua inclusão no
currículo e seu tratamento didático. Muitas questões sociais poderiam ser eleitas
como temas transversais para o trabalho escolar, uma vez que o que os norteia, a
construção da cidadania e a democracia, são questões que envolvem múltiplos
aspectos e diferentes dimensões da vida social. Para defini-los e escolhê-los foram
estabelecido os critérios:
• Urgência Social - Esses critério indica a preocupação de eleger como Temas
Transversais questões graves, que se apresentam como obstáculos para a
concretização da plenitude da cidadania, afrontando a dignidade das pessoas
e deteriorando sua qualidade de vida.
• Abrangência nacional - Por ser um parâmetro nacional, a eleição dos temas
buscou contemplar questões que, em maior ou menor medida e mesmo de
formas diversas, fossem pertinentes a todo o país. Isso não exclui a
possibilidade e a necessidade de que as redes estaduais e municipais e
mesmo as escolas, acrescentem outros temas relevantes à sua realidade.
• Possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental - Esse critério
norteou a escolha de temas ao alcance da aprendizagem nessa etapa da
escolaridade. A experiência pedagógica brasileira, ainda que de modo não
uniforme, indica essa possibilidade, em especial no que se refere à Educação
para a Saúde, Educação Ambiental e Orientação Sexual, já desenvolvidas em
muitas escolas.
• Favorecer a compreensão da realidade e a participação social - A finalidade
última dos Temas Transversais se expressa neste critério: que os alunos
possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questões que
interferem na vida coletiva, superar a indiferença e intervir de foram
responsável. Assim os temas eleitos, em seu conjunto, devem possibilitar
uma visão ampla e consistente da realidade brasileira e sua inserção no
mundo, além de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma
participação social dos alunos.
Diante disso optou-se por integrá-las no currículo por meio do que se chama
de transversalidade: pretende-se que esses temas integrem as áreas convencionais
de forma a estarem presentes em todas elas, relacionando-as às questões da
atualidade e que sejam orientadores também do convívio escolar.
Projeto Pró-Leitura na Formação do Professor
Objetivo Geral
O Pró-Leitura visa a profissionalização dos professores aliando pesquisa
universitária, formação docente e prática pedagógica, na área da aprendizagem da
leitura o que implica uma renovação tanto da formação inicial quanto da formação
continuada, tanto da formação teórica quanto da formação prática.
Composição do Projeto
Constitui-se de documento de referência básica, a partir do qual os estados
norteiam suas propostas de trabalho. O referido Projeto apresenta seis eixos de
desdobramento:
1. A definição de novos currículos;
2. A aprendizagem contínua da leitura;
3. A ligação com a pesquisa universitária;
4. A implantação e a movimentação de bibliotecas escolares;
5. Avaliação e regulação do Projeto e;
6. O desenvolvimento de políticas de formação e leitura.
O Pró-Leitura busca criar uma rede de intercâmbio entre os centros de
formação, as escolas do ensino fundamental e as universidades:
• facilitando a circulação das informações;
• observando e avaliando competências e;
• melhorando as estruturas de oferta de leitura na escola.
O Projeto está implantado em 18 estados e conta com um Comitê Assessor.
O Pró-Leitura inscreve-se no programa de Cooperação Educacional Brasil-
França. Foi concebido e vem sendo conduzido conjuntamente pelo MEC e pela
Embaixada da França.
Projeto Pró-Matemática na formação do Professor
Objetivo Geral
O PRÓ-MATEMÁTICA destina-se a fortalecer a formação dos educadores em
Matemática e em Educação Matemática, mediante a redefinição dos conteúdos e
dos procedimentos pedagógicos adotados nos cursos de magistério e de uma
estratégia de estreita articulação entre teoria - prática docente - pesquisa.
Composição do Projeto
Constitui-se de documento de referência básica, a partir do qual os estados
norteiam suas propostas de trabalho. O Pró-Matemática enfatiza a reflexão sobre os
conteúdos e procedimentos da formação e da articulação entre teoria, a prática
docente e da pesquisa, nas quais se envolvam professorandos, professores do
ensino fundamental e da educação infantil, professores e formadores e professores
universitários.
O Projeto está implantado em 14 estados e conta com um Comitê Assessor.
Este Projeto inscreve-se no programa de Cooperação Educacional Brasil-França.
Foi concebido e vem sendo conduzido conjuntamente pelo MEC e pela Embaixada
da França.
Referenciais para a Formação de Professores
Objetivo dos Referenciais para Formação de Professores
Os referenciais têm como objetivo promover a reflexão e, ao mesmo tempo,
orientar transformações na formação inicial e continuada de professores.
Composição do Referencial
Este referencial compõe-se de um único volume, que se apresenta com as
seguintes partes:
Parte I - trata do panorama atual da formação.
Parte II - discute concepções sobre a natureza do trabalho pedagógico.
Parte III - propõe objetivos e principais âmbitos de conhecimento
necessários à formação de professores.
Parte IV - aponta critérios para a organização curricular das escolas de
formação inicial e de programas de formação continuada.
Concepções sobre a Formação de Professores
Do ponto de vista do modelo de formação profissional, o documento aponta
uma tendência no sentido de: promover transformações necessárias nas instituições
responsáveis por formar professores de modo a assegurar desenvolvimento e
diferentes competências profissionais; assegurar condições adequadas de trabalho,
remuneração e incentivos que tornem o magistério uma opção atraente.
A formação preconizada pelo documento enfatiza o processo contínuo e permanente
de desenvolvimento, o que pede: do professor, disponibilidade para a aprendizagem;
da formação, que o ensine a aprender; e, do sistema escolar, no qual ele se insere
como profissional, condições para continuar aprendendo. Aponta também que a
formação deve contemplar todos os segmentos da educação básica com os
mesmos fundamentos educacionais gerais e mais as suas especificidades - a
educação infantil de zero a três e de quatro a seis anos, o ensino fundamental
regular e suas variações: o trabalho na creche, a educação de jovens e adultos, as
classes multisseriadas nas escolas do campo, a educação indígena, assim como os
conhecimentos necessários à inclusão de alunos com necessidades especiais.
A proposta apresenta possibilidades de como contribuir para promover a
profissionalização, na perspectiva do desenvolvimento profissional permanente
articulando as ações de formação, a avaliação da atuação profissional e a
progressão na carreira, para implementação de uma cultura de responsabilidade por
parte de todos os envolvidos: secretarias de educação, agências formadoras e
professores.
São também previstas ações que podem constituir-se em possibilidades que
cada sistema de ensino poderá implementar adequando-as à sua realidade, assim
como criar outras a partir de suas experiências. Procura colocar num quadro único
um conjunto dessas ações de modo a dar visibilidade às suas especificidades e, ao
mesmo tempo, suas conexões.