O Uso e as Sensações da Madeira no Espaço Interno

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O Uso e as Sensações da Madeira no Espaço Interno The Use and the Sensations of Wood in the Internal Space Peixe, Marco Aurélio; Arquiteto e Urbanista; Universidade Tecnológica Federal do Paraná [email protected] Licheski, Laís C.; Drª; Universidade Tecnológica Federal do Paraná [email protected] Resumo Este artigo refere-se à utilização da madeira no espaço interno e a análise da apreensão deste material pelo usuário. Foram estudadas e levantadas as propriedades desse material que propiciam a estimulação sensorial, e realizada a análise de quatro residências contemporâneas. Após, aplicou-se um questionário na tentativa de validar os conceitos abordados. O trabalho procura auxiliar o designer de interiores na identificação do conjunto adequado de meios práticos, estéticos e simbólicos relativos à percepção da madeira na configuração de efeitos sensoriais desejados para o espaço interno construído. Palavras-Chaves: madeira; sensações; design de interiores. Abstract This paper refers to the use of wood in the inner space and analysis of the seizure of this material by the user. Were studied and raised the properties of the material that provides sensory stimulation and performed the analysis of four contemporary houses. Afterwards, a questionnaire was applied in an attempt to validate the covered concepts. The work aims to help the interior designer in identifying the appropriate range of practical, aesthetic and symbolic ways for the perception of wood in the desired configuration of sensory effects in the internal space built. Key-words: wood; perception; interiors design.

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O Uso e as Sensações da Madeira no Espaço Interno The Use and the Sensations of Wood in the Internal Space Peixe, Marco Aurélio; Arquiteto e Urbanista; Universidade Tecnológica Federal do Paraná [email protected] Licheski, Laís C.; Drª; Universidade Tecnológica Federal do Paraná [email protected]

Resumo

Este artigo refere-se à utilização da madeira no espaço interno e a análise da apreensão deste material pelo usuário. Foram estudadas e levantadas as propriedades desse material que propiciam a estimulação sensorial, e realizada a análise de quatro residências contemporâneas. Após, aplicou-se um questionário na tentativa de validar os conceitos abordados. O trabalho procura auxiliar o designer de interiores na identificação do conjunto adequado de meios práticos, estéticos e simbólicos relativos à percepção da madeira na configuração de efeitos sensoriais desejados para o espaço interno construído. Palavras-Chaves: madeira; sensações; design de interiores.

Abstract

This paper refers to the use of wood in the inner space and analysis of the seizure of this

material by the user. Were studied and raised the properties of the material that provides

sensory stimulation and performed the analysis of four contemporary houses. Afterwards, a

questionnaire was applied in an attempt to validate the covered concepts. The work aims to

help the interior designer in identifying the appropriate range of practical, aesthetic and

symbolic ways for the perception of wood in the desired configuration of sensory effects in the

internal space built.

Key-words: wood; perception; interiors design.

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Introdução

A madeira é vista por muitos profissionais como um dos mais belos e aconchegantes materiais utilizados na arquitetura de interiores para revestimentos de pisos, paredes e tetos. Ela provou ser notavelmente imune a mudanças de tendências, sendo abundantemente utilizada em praticamente todos os períodos da civilização humana e é igualmente encontrada tanto em residências luxuosas como em modestas construções vernaculares.

Este artigo reporta-se à pesquisa sobre a madeira e suas propriedades que estimulam os sentidos humanos. Procura examinar como se dá a apreensão do material pelo usuário, quando utilizada como elemento de revestimento nos ambientes internos. Neste aspecto, busca classificar as esferas em que se dá a percepção da madeira: a prática, a estética e a simbólica.

Valer-se de um material que possui séculos de história na moradia humana, que é correto do ponto de vista ambiental, que possui uma gama praticamente infinita de formas, cores, padrões e texturas e que pode proporcionar sensações agradáveis, conforto e bem-estar ao usuário, configura-se em objeto essencial e de conhecimento imprescindível a qualquer profissional de design de interiores.

Metodologia

Para realização deste artigo, fez-se inicialmente um levantamento de características da madeira e efeitos que ela pode proporcionar ao usuário, a fim de obter dados para análise.

Através do estudo de periódicos e livros que fazem o estudo crítico de obras arquitetônicas, pretendeu-se reunir as principais características apontadas pelos autores no uso da madeira como um material capaz de ser funcional, de ampliar o prazer estético e ainda trazer valores simbólicos para o usuário. Com os Estudos de Caso de quatro obras arquitetônicas, que estabelecem um contraponto na utilização da madeira no design de interiores - projetos que apresentam características rústicas ou modernas, naturais ou cenográficas, entre outras - buscou-se registrar características sensoriais que ajudam a definir o caráter do ambiente, organizadas na forma de gráficos.

A partir disso, foi realizada uma apresentação para alunos do quarto ano do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná. Nela, foram abordados os conceitos desenvolvidos na pesquisa, mostradas as obras analisadas no estudo de caso e apresentadas amostras de material, com o intuito de verificar eventuais disparidades que se estabeleçam na percepção tátil e visual da madeira como material de revestimento na arquitetura de interiores.

Visando dar uma dimensão prática para os dados coletados, um instrumento de pesquisa na forma de questionário foi desenvolvido, testado e posteriormente aplicado aos estudantes. Nele foram analisados e interpretados os aspectos perceptivos que podem ser compreendidos, pretendidos ou proporcionados pelo uso de determinado tipo de madeira.

Funções prática, estética e simbólica da madeira

A dimensão subjetiva que leva uma pessoa a escolher um determinado tipo de material está associada a fatores como cultura, gostos e experiências individuais, que muitas vezes não se manifestam conscientemente. Esse conjunto de fatores corresponde ao que Löbach (2001)

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classificou como funções estéticas e simbólicas, complementares às funções práticas que os objetos possuem. Para o homem, é natural associar a madeira a funções práticas, cotidianas. De acordo com Löbach (2001, p. 58), “são funções práticas de produtos todos os aspectos fisiológicos do uso”.

Na condição de material de revestimento, as madeiras incorporam todo um conjunto de características técnicas e econômicas que dificilmente se encontram em outro material. Apresenta boas condições naturais de isolamento térmico e absorção acústica, é leve em peso e tem grande resistência mecânica, capaz de resistir tanto a esforços de compressão como de tração e não estilhaçar quando golpeada (BAUER, 2001, p. 437).

Material acessível e de fácil manuseio, pode ser trabalhada com ferramentas simples. Não exige dificuldades ou grandes esforços para o seu transporte, e pode ser reempregado diversas vezes na construção civil.

Outra facilidade que ela proporciona são as várias formas de encaixe e conexões entre as peças, possibilitando para o design de interiores uma grande variedade de usos possíveis. Pode ser produzida em peças de grandes dimensões que podem ser desdobradas em peças pequenas e delicadas (SEIDEL, 2008, p. 11).

Critérios econômicos desempenham importante função prática, já que a madeira apresenta um excelente custo-benefício. O custo inicial de aquisição e instalação é um pouco mais elevado, porém diminui ao longo da vida útil do material. Uma casa toda construída em madeira garante um canteiro de obras limpo e a construção é rápida (BAUER, 2001).

O revestimento de pisos provavelmente é a área para a qual grande parte do emprego da madeira é especificada. Um dos principais aspectos que contribuem para o seu uso é o conforto térmico que a madeira proporciona. O conforto dos pés está diretamente relacionado com o grau de elasticidade que um material de piso apresenta e, em menor grau, com o seu calor, o que confere à madeira uma condição de uso extremamente favorável (CHING, 2006).

Ainda conforme Löbach (2001, p. 60), “a função estética dos produtos é um aspecto psicológico da percepção sensorial durante o seu uso.” Essa função da madeira utilizada na arquitetura de interiores se estabelece nos processos sensoriais do usuário, promovendo uma sensação de bem-estar e contribuindo na sua identificação com o ambiente.

A madeira possui um apelo estético intenso para o usuário principalmente por lhe ser um material familiar. O uso sensorial de determinado objeto depende das experiências anteriores com as suas características estéticas e da percepção consciente das mesmas, tais como forma, cor e superfície (LÖBACH, 2001).

Outra característica estética determinante da madeira é a sua textura. De acordo com Schmid (2005) há dois tipos básicos de textura: a tátil, que é sentida através do contato direto com determinada superfície; e a visual, que é percebida pelos olhos. As madeiras, que naturalmente já apresentam uma infinidade de texturas e são ainda complementadas pela formas de acabamento dadas às suas superfícies, transformam-se em importante ferramenta de projeto ao gerar imagens mentais, emoções e sentimentos, através dos estímulos físicos captados pela pele.

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A composição das peças também pode ressaltar a percepção tátil do conjunto. É possível compor uma superfície com diferentes espessuras de madeira, criando texturas e sensações através do jogo de sombras e variações da luz natural ou artificial que pode incidir no local.

A perspectiva também afeta a percepção de um padrão no ambiente interno. Assim, “um padrão em pequena escala muitas vezes pode ser visto como uma textura fina ou um tom misto e não como uma composição de elementos individuais de projeto” (CHING, 2006, p. 284).

As madeiras variam de cor de espécie para espécie, de peça para peça. A intensidade da coloração varia do bege claro ao marrom escuro, quase preto. Existem ainda madeiras amarelas, avermelhadas e alaranjadas. A cor tende a alterar-se com o passar do tempo, escurecendo devido à oxidação causada principalmente pela luz. Também pode mudar com o tipo de acabamento dado à superfície da madeira (GIBBS, 2005).

Além de proporcionar uma infinidade de variações de tons e colorações, texturas e densidade, ainda pode haver uma grande variedade de formas. As dimensões físicas de comprimento, largura e profundidade da madeira utilizada determinam qual será a proporção que o material assumirá no ambiente em que será colocado (WILHIDE, 1997).

Outra importante característica estética que o uso da madeira proporciona ao ambiente interno é o aspecto cenográfico que o material traz, pela própria riqueza de significados que já lhe é inerente. A utilização da madeira na arquitetura de interiores possibilita a esta também uma vasta gama de significados simbólicos. “A realidade que é representada por um símbolo está presente no espírito humano pela presença deste símbolo.” (LÖBACH, 2001, p. 64).

A madeira é um material orgânico, caloroso, e sua utilização pode criar ambientes acolhedores, que refletem o caráter de lar. Um espaço no qual predomina o uso do material em geral é convidativo à permanência.

É através dos elementos estéticos, como forma, cor e tratamento de superfície, que a função simbólica se manifesta. Com a aplicação da madeira em seu aspecto rústico ou até mesmo na sua forma natural, pode-se dar um efeito simbólico ao ambiente que remete aos valores da vida no campo, da vida de pessoas simples (BELL e RAND, 2006). Mas um ambiente também pode remeter a valores aristocráticos, de status, de tradição, através da exploração do caráter de material nobre que a madeira apresenta.

Assim também, peças de madeira podem alterar o caráter de um ambiente. Peças finas e leves podem passar a sensação de uma obra efêmera, provisória, sujeita às ações do tempo. Já peças maciças, de grandes dimensões e secções, remetem a uma condição de robustez e de durabilidade (SEIDEL, 2008, p. 11).

Provavelmente, uma das características simbólicas mais facilmente associada ao uso da madeira é a tentativa da aproximação do homem e da arquitetura com o ambiente natural, mimetizando as características que são comuns ao seu universo. Já num contexto urbano, o seu uso pode ajudar a fazer do espaço interno um contraponto ao caos da metrópole urbana externa, criando naquele ambiente um simulacro que remete a valores naturais não comuns à realidade cotidiana.

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A percepção da madeira está sujeita a múltiplas associações, pelo simples fato de ela ter sido fartamente utilizada pelo homem. Cabe ao designer de interiores traçar uma imagem do estilo de vida dos futuros usuários do local para os quais irá elaborar determinado projeto e procurar refletir os valores pessoais e sociais e representar o tipo de vida dessas pessoas.

Estudos de caso A primeira residência analisada foi a Casa Cinza, em São Paulo, projetada pelo arquiteto

Isay Weinfeld em 2003. A orientação da aplicação da madeira nesse ambiente é claramente de ordem estética, revelando as intenções do arquiteto de criar artifícios cenográficos que impressionem o usuário, conduzindo-o por uma seqüência específica de experiências táteis, visuais e espaciais.

Uma característica marcante são as sensações que a textura da madeira proporciona. O arquiteto utilizou tábuas de madeira de tombamento para revestir o volume da cozinha (Figuras 1 e 2). A função estética deste volume contribui para a convidativa sensação de aconchego.

Quanto aos aspectos funcionais, o uso da madeira, auxiliado também pelo fato de não haver insolação incidente e bastante ventilação natural, ajuda a transformar o ambiente em um espaço agradável e convidativo à permanência, propiciando o conforto do usuário. O pé-direito, apesar de bastante elevado, é proporcional à escala do ambiente.

Quanto ao aspecto simbólico, nota-se na construção desse espaço a valorização do abrigo. A combinação de objetos, formas, volumes e texturas parece remeter ao caráter de exclusividade.

A função estética parece prevalecer na análise desta residência.

Figura 1 - vista externa

FONTE: BARRENECHE, 2008

Figura 2 - vista interna

FONTE: BARRENECHE, 2008

A segunda residência analisada é a Milhouse, em Schonen, no sul da Suécia, projetada

pelo grupo Wingardh Arkitektkontor e incorpora o programa de uma casa e de uma sauna, edificada como anexo numa propriedade rural destinada às férias da família.

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O projeto nasce do diálogo entre a arquitetura contemporânea e a excelência da carpintaria nórdica. Os arquitetos inspiraram-se nas características da madeira para projetar um refúgio do cotidiano para os usuários, estabelecendo um contato estreito com a natureza local (Figura 3).

A função estética se destaca através do uso dos materiais em estado quase natural, sem acabamento superficial marcante. O rigor na execução das peças confere elegância à construção. Seidel (2008) salienta a pormenorização perfeita, o uso de acabamentos de primeira qualidade e a combinação de materiais na execução da residência (Figura 4).

Quanto aos aspectos funcionais, o uso da madeira nos ambientes parece cumprir bem seu propósito. De tendência minimalista, os espaços desvelam somente o necessário, sem elementos em demasia para o cumprimento de suas funções.

A escala da edificação é reduzida, traduzindo-se em aconchego. Os ambientes são distribuídos em diferentes níveis para o convívio, propiciando ao usuário um local de conforto e prazer, e também para aproximá-lo da natureza. A simbologia dessa edificação se apresenta de forma bastante clara: um local que busca aproximar o homem da natureza, seja pelos materiais utilizados, seja pelo contato visual com o espaço externo.

O resultado geral da análise aponta para um grande equilíbrio na percepção do espaço, sem que haja alguma função predominante.

Figura 3 - vista externa

FONTE: BARRENECHE, 2008

Figura 4 - vista interna

FONTE: BARRENECHE, 2008

A terceira residência analisada é o Refúgio de Montanha, em Punta Del Este, Uruguai,

projetada pelo escritório Martín Gomez Arquitectos como uma residência de férias e estadias curtas para um jovem casal. Encontra-se em um bosque de pinheiros-bravos, a poucos metros da praia.

Compreende duas edificações: a casa principal, com dois pisos e em forma de torre e uma casa de hóspedes de um piso só. A ligação entre as duas construções é feita por um terraço parcialmente coberto por uma pérgula que, nos meses de verão, torna-se a sala de estar da casa (Figuras 5 e 6).

Devido à limitações de orçamento, os arquitetos utilizaram o pinheiro-bravo, espécie de pinheiro de madeira, clara, com abundantes nós, bastante durável, pesada e pouco flexível,

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recurso natural existente na região, o que facilitou o transporte de material. A madeira clara também maximiza a iluminação natural no interior da casa.

Quanto à estética, a evidência dos nós da madeira revela um aspecto heterogêneo e natural, marcado pelo ciclo de vida dá árvore que originou o material. O conjunto cria uma interessante textura visual, capaz de transmitir aos ambientes uma sensação de conforto e aconchego.

A função simbólica é representada pelo diálogo com o ambiente circundante, já que o material utilizado para erigir a obra é proveniente das mesmas árvores que compõem o seu entorno. Assim, cria-se a sensação da edificação como elemento pertencente ao local, em harmonia com o espaço natural. Outra característica simbólica é o aspecto rústico, que remete aos valores de um estilo de vida mais simples.

Na análise desta residência a função prática parece prevalecer.

Figura 5 –vista externa

FONTE: BARRENECHE, 2008

Figura 6 – vista interna

FONTE: BARRENECHE, 2008

A quarta e última residência analisada é a Casa do Riacho, em Petrópolis, projetada pelo

arquiteto James Lawrence Vianna e destaca-se pelo emprego de forma quase natural da madeira. A edificação está implantada na porção mais alta de um terreno cortado por um pequeno riacho, com a mata nativa como pano de fundo. O projeto está diretamente ligado a uma vertente da arquitetura brasileira que busca aliar tradição e modernidade, empregando técnicas vernaculares de construção com soluções de interiores que combinam leveza e cuidado nos detalhes (Figuras 7 e 8).

A construção consiste em três blocos de alvenaria com estrutura e fechamento com peças roliças de eucalipto tratado. O conjunto assume um aspecto artesanal devido à técnica construtiva e ao emprego de materiais naturais. Esta aproximação do homem com o espaço habitável destaca a função simbólica frente às demais. A obra tem um aspecto de robustez, passando a sensação de algo perene.

As características funcionais da edificação são eficientemente atendidas, apresentando ambientes agradáveis de casa de campo. Porém, o consumo de material é bastante elevado, visto a grande dimensão das secções das peças de madeira utilizadas.

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O projeto possui uma volumetria complexa, o que dificulta sua legibilidade para o usuário. Porém o arquiteto revela grande controle de formas e riqueza de elementos, combinando uma série de componentes da arquitetura moderna com elementos presentes na arquitetura tradicional.

A função simbólica parece se destacar nesta residência.

Figura 7 – vista externa

FONTE: BARRENECHE, 2008

Figura 8 – vista interna

FONTE: BARRENECHE, 2008

Pesquisa de campo

Para investigar a percepção da madeira no espaço interno, analisou-se a percepção visual e tátil percebida por uma amostra de trinta e seis estudantes de arquitetura. Para tanto, foi elaborado um instrumento de pesquisa.

Num primeiro momento foram apresentados aos participantes os estudos de casos, por meio fotográfico. Solicitou-se, ao término da exposição de cada estudo, o preenchimento de uma matriz de avaliação de diferencial semântico (tabela 1) com o objetivo indicar características da madeira que possuem maior peso para a determinação do caráter de cada residência. A matriz trabalha com dicotomias claras, na tentativa de atingir de forma direta a memória visual de cada respondente, e os descritores foram formulados com base nas informações levantadas pela pesquisa bibliográfica Tabela 1 - Modelo questão 1

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A seguir, os entrevistados realizaram um gráfico de funções para cada estudo de caso

mostrado através de imagens. Cada marcador do gráfico corresponde aos valores 1, 2 e 3, sendo 3 o maior valor possível (Figura 9). A área formada pelo triângulo resultante corresponde ao estímulo sensorial provocado pela obra em sua totalidade.

Essa etapa teve o intuito de atingir os valores, experiências, interesses e o imaginário do público.

Figura 9 - Modelo questão 2

Um segundo momento consistiu na experimentação de seis amostras de madeira Itaúba, permitindo o contato direto dos participantes com o material (Figura 10). Assim, procurou-se verificar se as amostras poderiam ser facilmente correlacionadas com os exemplos arquitetônicos apresentados, com uso da visão e do tato.

01: madeira serrada

02: lixada com selador

03: semi brilho

04: jateada

05: escovada natural

06: escovada branca

Figura 10 – Mostruário de madeiras para pesquisa de campo

FONTE: O autor (2009)

O grupo de respondentes atribuiu 3 palavras para descrever as sensações proporcionadas por cada amostra.

Na última etapa da pesquisa, solicitou-se aos participantes que, para cada amostra apresentada, fosse marcada a opção com a característica sensorial mais marcante. Foram

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colocadas duas opções referentes às qualidades táteis que o material possui, duas para a aparência que ele poderá assumir no espaço interno e outras duas relacionadas com o próprio caráter que representa (tabela 2). Tabela 2 - Modelo questão 4

Através do cruzamento dos dados de todas as questões, procurou-se estabelecer as características e os descritores sensoriais apontados na questão número três que melhor definem as funções práticas, estéticas e simbólicas da madeira.

Análise da percepção visual

Na primeira residência, a madeira foi percebida como um material quente, áspero e rugoso, heterogêneo, moderno, prevalecendo o caráter cenográfico. Houve equilíbrio na distribuição dos votos entre as opções apresentadas. Certamente, a composição do ambiente e a forma como a madeira foi trabalhada influenciaram a percepção dos participantes. A função estética prevaleceu sobre as demais, atingindo a média de 2,86 pontos nas respostas dos participantes, a mais alta entre os estudos de caso apresentados. As funções prática e simbólica alcançaram as médias de 1,5 e 1,64 pontos, respectivamente. O estímulo sensorial provocado pela residência nos respondentes alcançou a pontuação de 4,95, a mais baixa dentre todas as residências, o que pode indicar que as construções que se norteiam pelo aspecto mínimo na composição de seus ambientes podem encontrar mais dificuldades para provocar os sentidos dos usuários. Porém, o extremo cuidado estético nesta edificação foi reconhecido pelos observadores (Figura 11). As respostas indicam que o contexto no qual o material está inserido aproxima-o da artificialidade, embora suas características naturais estejam evidentes no tratamento da superfície da madeira.

Na segunda residência, percebeu-se a madeira como um material quente e liso, de superfície suave e composição homogênea, de aparência moderna e caráter mais natural do que cenográfico. A função estética destaca-se, obtendo o valor de 2,44 pontos; a função prática obteve uma média de 1,92; e a simbólica 2,0 pontos. A proximidade na proporção das respostas indica que o espaço é bastante equilibrado, e a avaliação do grupo gerou o valor de 5,8 pontos para os estímulos sensoriais provocados pela obra (Figura 12).

Na terceira residência, predominaram características da madeira que reforçam o caráter natural, percebida como um material quente, de superfície áspera e rugosa, de aparência rústica. Há igualdade na proporção da percepção da madeira como sendo heterogênea ou

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homogênea. Isto pode indicar que, apesar das peças do material isoladamente serem bastante distintas, a composição geral é homogênea. Prevaleceu a função prática, com 2,33 pontos, seguida pela simbólica, com 2,08 e pela estética, com 1,78 de média. A triangulação das respostas assumiu o valor de 5,5 pontos de estimulação sensorial (Figura 13).

Na quarta residência, destaca-se o caráter natural, totalizando 80,55% das respostas. A madeira foi percebida no espaço interno como um material quente, de superfície áspera e rugosa e aparência rústica. A homogeneidade leva pequena vantagem sobre a característica oposta. A função prática obteve a média de 1,92 pontos. Os participantes apontaram o predomínio da função estética, com 2,56 pontos. A função simbólica também se destaca (2,39 pontos). O resultado parece indicar que as referências e experiências do usuário facilitam a identificação naquele material das semelhanças com o ambiente natural. A resultante foi a melhor média geral, com 6,76 pontos (Figura 14).

Figura 11 – Casa 01

FONTE: O autor (2009)

Figura 12 – Casa 02

FONTE: O autor (2009)

Figura 13 – Casa 03

FONTE: O autor (2009)

Figura 14 – Casa 04

FONTE: O autor (2009)

Análise da percepção tátil

Os resultados obtidos pela aplicação da Questão 3 permitiram identificar os descritores recorrentes em cada amostra. A madeira foi citada como um material agradável em todos os casos e percebida como um material quente.

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Quando sua superfície se apresenta áspera e rugosa, a madeira é também citada como um material rústico. Entretanto, na amostra 4, a característica “moderno” aparece mais vezes, assim como “contemporâneo”, provavelmente em virtude de seu acabamento. Esta amostra também foi descrita mais vezes pelos estudantes como “bela”.

Nas amostras de número 3 e 6, a “artificialidade” citada por mais da metade dos participantes parece indicar a influência do acabamento do material. Nessas amostras, o aspecto natural da madeira não foi comentado. Na amostra 3, os descritores de superfície “lisa” e “brilhante” foram bastante citados. A amostra 6 também é a madeira considerada mais cenográfica dentre todas as apresentadas.

De acordo com as respostas dadas, a percepção da madeira como um material natural diminui de acordo com o aumento do acabamento superfícial.

A amostra 6 apresentou o maior número de características negativas, descrita como um material desagradável, irregular, sujo, feio, cansativo, confuso, esquisito, estranho, falso, incômodo e pobre.

Na questão 4 (Tabela 3), a amostra 1 novamente desperta a percepção da aparência rústica e o caráter natural do material, abrangendo quase a totalidade dos participantes. Na amostra 2, mais de 80% dos respondentes escolheram características que remetem a função prática. Na amostra 3, os votos ficaram divididos entre as características práticas e a aparência moderna do material.

Nenhuma característica se sobressaiu nas amostras 4 e 5. Na última amostra, grande parcela do grupo optou pelo caráter cenográfico do material, reforçando o que já havia sido apontado pela tabela de descritores sensoriais da madeira.

Tabela 3 - Resultados questão 4

Em linhas gerais, verificou-se que a percepção tátil das amostras de madeira relaciona-se à percepção visual dos exemplos arquitetônicos apresentados aos entrevistados. Constatou-se que a madeira é tida como um material agradável e quente, propriedades que se traduzem no gosto por este insumo e em sua grande aplicação na história da construção.

Percebeu-se que quanto maior o grau de acabamento dado à sua superfície, maior é a percepção de artificialidade que ela recebe. Assim, uma mesma espécie de madeira pode apresentar qualidades distintas, de acordo com o tipo de acabamento das peças.

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Considerações Finais

Entende-se que a tarefa do designer de interiores é criar espaços de vivência, propiciando conforto e harmonia para o ser humano. O designer deve compreender quais são as necessidades do cliente, seu estilo de vida, costumes e valores, o que demanda que cada trabalho seja de alguma forma único.

O bom projeto deve atender a preceitos funcionais. Deve também ter anseios estéticos que contribuam no surgimento das emoções através do que é considerado belo. E são aqueles que alcançam a dimensão do simbólico que realmente se destacam, propiciando uma experimentação única.

Dessa forma, examinar a percepção sensorial da madeira no espaço interno mostrou-se uma experiência tanto útil quanto gratificante. É um material belo por natureza, agradável, que propicia conforto térmico, acústico, visual, físico e psicológico. O acabamento em madeira é praticamente atemporal. Se bem empregada, pode ser destinada a uma grande diversidade de tipologias de projetos e clientes.

É relevante observar que a percepção do espaço é sinestésica e que a análise por meio de imagens é limitada. Deve-se também registrar que a experimentação tátil do material através de amostras pequenas não reflete as sensações que seriam vivenciadas no espaço arquitetônico construído. Porém, considerou-se que o prazer sensorial dialoga sensivelmente com a memória do usuário, e realizar a pesquisa com um material já assimilado, assim como com um público com conhecimento prévio sobre o assunto pode ter contribuído para que os resultados não se afastassem demasiadamente dos obtidos em ambiente real.

Apesar das limitações apontadas, a análise das entrevistas realizadas sob a luz da base teórica indicou a possibilidade de se ampliar o prazer sensorial através de intenções projetuais corretas, aumentando a relação afetiva do usuário com o espaço interno.

Referências

BAUER, L.A. Falcão. Materiais de construção: novos materiais para a construção civil Vol.2. 5. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 2001. BAXTER, Mike. Projeto de produto: guia prático para o design de novos produtos. 2. ed. Tradução: Itiro Iida. São Paulo: Edgard Blücher, 1998. BELL, Victoria Ballard; RAND, Patrick. Materials: for architectural design. London: Laurence King Publishing Ltd, 2006. CHING, Francis D.K. Arquitetura de Interiores Ilustrada. 2. ed. Tradução: Alexandre Ferreira da Silva Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2006. EDITORIAL BLUME. La madera. Barcelona: Editorial Blume, 1986.

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GIBBS, Nick. Guia essencial da madeira: um manual ilustrado de 100 madeiras decorativas e suas aplicações. Lisboa: LISMA – Edição e Distribuição de Livros Lda, 2005. LÖBACH, Bernd. Design industrial: bases para a configuração dos produtos industriais. Tradução: Freddy Van Camp. Rio de Janeiro: Edgar Blücher Ltda, 2001. SCHMID, Aloísio Leoni. A idéia de conforto: reflexões sobre o ambiente construído. Curitiba: Pacto Ambiental, 2005. SEIDEL, Florian. Architecture materials: madera, legno, madeira. Tradução: Bárbara Santos. Barcelona: LocTeam, 2008. WILHIDE, Elizabeth. Floors: a design source book. Londres: Ryland Peters & Small, 1997.