O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio...

15
O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – SP: UM ESTUDO DE PERCEPÇÃO AMBIENTAL Marcela Maria Patriarca MINEO 1 , Geografia - Unesp Rio Claro/SP, [email protected] RESUMO A presença de edifícios históricos nos centros urbanos, quando aliados a um plano de conservação pelos órgãos competentes e à conscientização da população local, contribui para a geração de divisas através do turismo. Esses edifícios revalorizados passam a ter um novo significado dentro do espaço urbano, tornando-se referência nos novos trajetos que são incorporados ao cotidiano da população local e dos turistas. A conservação dos monumentos na área urbana deve-se atrelar a um planejamento que considere a percepção da população local sobre os significados e sentimentos que projetam nesses espaços, cumprindo o objetivo de manter a identidade e memória do povo que freqüenta e utiliza esses espaços. Na área central de Limeira-SP há alguns edifícios de relevada importância histórico-cultural que foram utilizados nessa pesquisa para demonstrar como estes são percebidos pela população local. Palavras-chave: espaço urbano, patrimônio arquitetônico, percepção ambiental. ABSTRACT The presence of historic buildings in the urban centers, when allied to a conservation plan by the competent organs and the awareness of the local population, contributes to the generation of funds through tourism. These revalued buildings begin to have a new meaning in the urban space, becoming a reference in the new paths that are incorporated in the daily live of the local people and the tourists. The conservation of monuments in the urban area has to be leashed to a plan that considers the perception of the local people on the meanings and feelings that they project on these spaces, maintaining the identity and memory of the people that utilizes these spaces. In the central area of Limeira – SP there are some buildings of relative historic and cultural significance that were used in this research to demonstrate how the locals conceive them. Key words: urban space, architectural patrimony, environmental perception. 1 Mestranda orientada pela Profa. Dra. Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro Oliveira e membro do Grupo de Pesquisa “Patrimônio Cultural e Território”.

Transcript of O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio...

Page 1: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – SP: UM

ESTUDO DE PERCEPÇÃO AMBIENTAL

Marcela Maria Patriarca MINEO1, Geografia - Unesp Rio Claro/SP, [email protected]

RESUMO

A presença de edifícios históricos nos centros urbanos, quando aliados a um plano de

conservação pelos órgãos competentes e à conscientização da população local, contribui para

a geração de divisas através do turismo. Esses edifícios revalorizados passam a ter um novo

significado dentro do espaço urbano, tornando-se referência nos novos trajetos que são

incorporados ao cotidiano da população local e dos turistas. A conservação dos monumentos

na área urbana deve-se atrelar a um planejamento que considere a percepção da população

local sobre os significados e sentimentos que projetam nesses espaços, cumprindo o objetivo

de manter a identidade e memória do povo que freqüenta e utiliza esses espaços. Na área

central de Limeira-SP há alguns edifícios de relevada importância histórico-cultural que

foram utilizados nessa pesquisa para demonstrar como estes são percebidos pela população

local.

Palavras-chave: espaço urbano, patrimônio arquitetônico, percepção ambiental.

ABSTRACT

The presence of historic buildings in the urban centers, when allied to a conservation plan by

the competent organs and the awareness of the local population, contributes to the generation

of funds through tourism. These revalued buildings begin to have a new meaning in the urban

space, becoming a reference in the new paths that are incorporated in the daily live of the

local people and the tourists. The conservation of monuments in the urban area has to be

leashed to a plan that considers the perception of the local people on the meanings and

feelings that they project on these spaces, maintaining the identity and memory of the people

that utilizes these spaces. In the central area of Limeira – SP there are some buildings of

relative historic and cultural significance that were used in this research to demonstrate how

the locals conceive them.

Key words: urban space, architectural patrimony, environmental perception.

1 Mestranda orientada pela Profa. Dra. Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro Oliveira e membro do Grupo de Pesquisa “Patrimônio Cultural e Território”.

Page 2: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

Introdução

A conservação de edifícios antigos está inserida numa política nacional recente de

preservação do patrimônio histórico-cultural, contribuindo para a expressão de nossa

identidade e tradição. No entanto, essa prática de preservação do passado, materializado no

território, acaba se adequando às leis de mercado do mundo capitalista global que se apropria

das formas e dos objetos como mercadorias para o consumo.

O espaço urbano, em suas múltiplas formas e fluxos, acaba por retratar e intensificar a

segregação e diferenciação sociocultural. Deste modo, os critérios de escolha dos edifícios e

monumentos a serem preservados quase sempre são feitos pela elite local que enxerga uma

oportunidade de manter e reafirmar seu status.

O edifício, nesta perspectiva, passa a ser uma mercadoria de consumo onde as relações e

vivências são superficiais e sem laços de afetividade e memória, já o monumento é uma

categoria do espaço que compartilha com a população local vínculos de percepção e

concepção do passado e do cotidiano.

A modernidade modificou a relação antiga entre produção e consumo na medida em que a

produção, enquanto resultado do trabalho, passou a ceder cada vez mais espaço para a criação

de novas necessidades baseadas na técnica e na ciência, aumentando o consumo. Assim, a

mercadoria passa a ter um tempo útil de vida curto, pois o que importa é seu desgaste, sua

destruição que promoverá a rápida substituição por novas invenções (BAUDRILLARD,

1995).

Para Lefébvre (1991), a obsolência da mercadoria torna necessária uma manipulação contínua

dos desejos por meio da publicidade, conseqüentemente o sistema produtivo não cria somente

objetos, mas estilos de vida, ideologias. O cotidiano, sem representar uma ruptura das relações

do poder, passa a ser regido pelo efêmero, pela mutação dos lugares e objetos enquanto

estratégia de lucro. Eis o grande paradoxo: nossa sociedade se vê dinâmica, flexível, mas ao

mesmo tempo mantém a estabilidade, a tradição.

Percebe-se que a intenção da produção, em escala global, não é a transformação da sociedade,

mas a manutenção das estruturas vigentes através da obsessão pelo consumo, gerando uma

falsa idéia de universalidade. A ilusão de universalidade entre classes sociais transforma as

contradições existentes em meras diferenciações, estancando possíveis revoluções efetivas

(BAUDRILLARD, 1995).

Page 3: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

Assim, o consumo é direcionado para as diferentes classes sociais, de acordo com suas

necessidades específicas, sem colocá-las em choque, e fomentando um sentimento de

pertencimento.

A cultura torna-se um discurso de direita que reforça a desigualdade social no cotidiano

através da qualificação de objetos e lugares enquanto eruditos, de qualidade, que possui

herança e tradição, contribuindo para a manutenção de sua dominação (LEFEBVRE, 1991).

Dentro desta mesma ótica, Baudrillard (1995, p. 59) defende que:

“No fundo de todas as aspirações, subjaz o refinado ideal de um estatuto de nascimento, de graça e excelência, assediando igualmente o mundo envolvente de objetos... Daí o prestígio muito particular do objeto antigo, sinal de hereditariedade, de valor infuso e de graça irreversível. É a lógica de classe que impõe a salvação por meio dos objetos, que é uma salvação pela graça avantaja-se sempre em valor à salvação pelas obras. É em parte ao que assistimos nas classes inferiores e médias, onde a “prova pelo objeto”, a salvação pelo consumo, se esfalta por atingir um estatuto de graça pessoal, de dom e predestinação. Mas este, seja como for, continua a ser privilégio das classes superiores que, por outro lado, comprovam a sua excelência no exercício da cultura e do poder”.

A presença do passado na área urbana é pontual, pois o que se observa nas cidades modernas

em suas múltiplas funções (trabalho, lazer, natureza, cultura), é uma massificação das formas

e ambientes que contribui para a alienação do espaço pelo sistema produtivo vigente

(BAUDRILLARD, 1995).

O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano

Segundo Carlos (1996), o espaço expõe suas particularidades quando deixa de ser assimilado

com o espaço mental e passa a ser identificado com o espaço físico, adquirindo a dimensão de

produto social, uma vez que possui relações sociais de produção. A produção do espaço

dentro do contexto global ganha sentido, uma vez que o mesmo é encarado enquanto produto

político, permitindo o controle das relações de dominação e a aplicação de estratégias

definidas na esfera do Estado. No entanto, o espaço não é somente palco da reprodução, mas

também da contrariedade uma vez que é a expressão do desejo, lugar de embate entre o poder

e oposição materializada nas ruas, prédios e fachadas (VIEIRA, S. G., 2002).

Para Oseki (1996) o produto-espaço não é algo em si, mas uma teia de relações se opondo às

outras mercadorias que tem na troca e consumos seus únicos fins e sentidos. A história do

espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa e razão dos modos de produção que,

por sua vez, produzem relações sociais, espaço e tempo como: espaço analógico

Page 4: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

(comunidades tribais), cosmológico (asiático), simbólico (medieval), perspectivo

(renascentista) e capitalista (dissociação entre forma e conteúdo).

O sistema capitalista tende a se apropriar do espaço existente e criar seu próprio “através e

pela urbanização, sob a pressão do mercado mundial. Sob a lei do reprodutível e do repetitivo,

anulando as diferenças no espaço e no tempo, destruindo a natureza e os tempos naturais”

(OSEKI, 1996 p. 114). Segundo o mesmo autor, o espaço do sistema capitalista-estatista tem

como características ser: homogêneo, quebrado e hierarquizado.

O edifício para Oseki (1996) é o símbolo do consumo e da hierarquia sócioeconômica na

medida em que é criado para ser visto e não vivido, possuindo estrutura, forma e função

próprias e assim, segregando os elementos da prática social e os unindo através da violência.

Já no monumento há o encontro entre a espacialidade, o percebido, o concebido e o vivido,

fazendo-se necessário em caso de opressão e repressão urbanísticas explícitas.

Segundo S. G. Vieira (2002) as relações capitalistas de produção não desaparecem, mas se

transformam e reaparecem em outras formas através de novos usos, valores e relações

construídas a partir da imagem e semelhança das primeiras. A revalorização de espaços

antigos tem o significado da reprodução, pois é ao mesmo tempo a utilização do passado e do

presente a partir de um uso diferente do que sustentou sua construção mantendo a essência do

lugar através de elementos de representação do Poder ou sua contestação.

O mesmo autor acredita que a globalização tem direcionado a sociedade para uma tendência à

homogeneização, no entanto, esse fato induz os lugares a reforçarem suas particularidades a

fim de sobreviverem. Desta forma, fica estabelecido o paradoxo da abolição do lugar e a

reafirmação dos lugares, trazendo à tona a revitalização do passado como alternativa para a

manutenção das singularidades dos lugares.

A tentativa de se preservar prédios e documentos históricos torna-se uma saída importante na

criação da identidade dos lugares num mundo que se torna cada vez mais global e

homogêneo. Esses espaços revitalizados se tornam mercadorias novas para o consumo,

adequados às relações de produção reproduzidas. O que se busca atualmente é a diferenciação

dos lugares através da conservação e preservação de seu patrimônio histórico-cultural,

valorizando assim o passado local, ou seja, as características que tornam o lugar singular e

contribuindo para a sua sobrevivência (VIEIRA, S. G., 2002).

A preservação do patrimônio histórico-cultural foi normalizada pela Assembléia do Congresso

Internacional de Arquitetura Moderna de 1933 na Carta de Atenas, que propunha a

conservação de edificações significativas em detrimento dos centros históricos ou quarteirões

Page 5: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

e edificações diferentes dos objetivados que deveriam ser devastados e suas áreas seriam

transformadas em campos verdes (COSTA, 2005).

A discussão sobre monumentos históricos ganha força em Veneza durante o II Congresso

Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos em 1964 originando a

Carta de Veneza. Em seu primeiro artigo fica definido monumento como sendo a criação

arquitetônica isolada, bem como, o sítio rural ou urbano que testemunham uma civilização

típica ou um acontecimento histórico de dimensões temporal e espacial, uma vez que, o

mesmo é inseparável da história e do meio em que se situa (GUTIERREZ; TELLES, 2000

apud CARLOS, 2005).

A preocupação com a preservação dos bens culturais surgiu no Brasil a partir de 1964, tendo o

patrimônio uma relação com o desenvolvimento do turismo. Surge assim a EMBRATUR

(Empresa Brasileira de Turismo) e o Conselho Nacional de Turismo para articular as

atividades ligadas ao turismo com o desenvolvimento econômico e cultural.

A definição de patrimônio histórico e artístico nacional consta nos Decretos-Leis nº 25/1937 e

149/1969 pela legislação federal e estadual, respectivamente, como sendo o “conjunto de bens

móveis e imóveis existentes no país, cuja conservação seja de interesse público, quer por sua

vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor

arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (VIEIRA, S. G., 2002. p. 188).

Os imóveis protegidos pelo Poder Público são de uma variedade muito grande como:

“... edificações singelas e monumentais, vilas de habitação popular, residências palacianas de refinada execução, logradouros e viadutos, capelas humildes e templos imponentes, marcos identificadores da intervenção humana na ocupação, estruturação e ordenação do espaço metropolitano” (S. G., VIEIRA, 2002. p. 188).

Segundo S. G. Vieira (2002) o tombamento corresponde à ação jurídica empenhada na

preservação do patrimônio, representando a supremacia do interesse público sobre o privado,

uma vez que o proprietário de um bem tombado deve mantê-lo em bom estado de

conservação. Um bem tombado é oficialmente reconhecido por sua representação cultural,

afetiva ou constitui-se em referências urbanas, ambientais e de memória, uma vez que passa a

integrar o patrimônio cultural.

O tombamento pode ser feito pela União, através do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN), pelo governo estadual, quando por intermédio do Conselho de

Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico (CONDEPHAAT), e

pelas administrações municipais quando utilizam legislação específica ou a legislação federal

em vigor (VIEIRA, S. G., 2002).

Page 6: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

Para Holanda (1995 apud CARLOS 2005), a preservação do patrimônio histórico-cultural, no

Brasil, visa consolidar nossa imagem política e cultural a partir de bens tombados que sejam

eficientes em expressar a identidade e tradição local. O passado materializado no território

pode, ainda, ser estudado e contribuir para a verificação e legitimação das estruturas vigentes

do país.

A preservação e conservação do patrimônio histórico-cultural não são comuns no Brasil

segundo Abreu (1996 apud VIEIRA, S. G., 2002) devido a pouca idade de nossas cidades e à

incorporação recente desses valores e concepções na nossa cultura. No entanto, o ideal de

preservação está presente em cidades novas preocupadas em assegurar a sobrevivência de

seus elementos históricos ou movidas pelo interesse no lucro advindo do turismo.

A resignificação que o patrimônio histórico cria na população local e nos turistas gera

diferentes percursos, trajetórias e lugares de acordo com as diferentes perspectivas e

necessidades, culminando em uma subordinação dos trajetos aos pontos, estabelecida pelo

patrimônio (LEITE, s.n.t. apud CARLOS, 2005).

A “política de patrimônio” está embasada da busca da tradição e no estabelecimento da

identidade de um povo e seu principal objetivo é a preservação dos monumentos e sítios

históricos (LEITE, s.n.t. apud CARLOS, 2005). Nessa política, em que os lugares adquirem

novos significados, os atores sociais devem ser conscientizados. No entanto, observa-se em

algumas cidades a ausência de engajamento público e privado com relação à conservação do

mesmo (BALAZINA, 2005 apud CARLOS, 2005).

Os bens que compõem o patrimônio histórico participam da modernidade global uma vez que

assumem a dimensão mercadológica ao direcionar práticas que agregam valor aos bens

culturais, gerando divisas ao comércio e turismo local (GUTIERREZ; TELLES, 2000 apud

CARLOS, 2005). Dessa forma cria-se o paradoxo da preservação pela manutenção do valor

histórico do patrimônio e a lógica do mercado em busca do desenvolvimento socioeconômico

a partir da apropriação e consumo dos lugares (CARLOS, 2005).

A percepção ambiental

A paisagem, segundo Collot (1978 apud FERREIRA, 2001) se define como espaço percebido,

onde o sujeito não se limita a receber passivamente os dados sensoriais, mas se organiza para

lhe dar um sentido, portanto a paisagem é também construída e simbólica. Já Machado (1988)

afirma que é o homem que vivencia as paisagens, atribuindo a elas significados e valores e

Page 7: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

todos esses aspectos estão ligados à percepção que o indivíduo tem do meio ambiente de

modo geral, e da paisagem de modo particular.

Para Machado (1988), cada pessoa vivencia, experencia e prefere paisagens com grande

heterogeneidade e o gosto pelas mesmas depende muito mais de nossas interações físicas para

com elas do que o consenso estético possa explicar. Para a mesma autora, a avaliação de uma

paisagem é afetada profundamente pela sociedade e pela cultura e ainda assim indivíduos com

culturas semelhantes e que falam a mesma língua percebem e experenciam diferentemente os

lugares e as paisagens.

A apreciação da paisagem é mais pessoal e duradoura quando está mesclada com lembranças

de fatos marcantes e perdura além do efêmero se combinam com o prazer estético e a

curiosidade científica (MACHADO, 1988).

Para Oliveira (1983, p. 1 apud MACHADO, 1994) “meio ambiente é tudo que rodeia o

homem, quer como indivíduo, quer como grupo, tanto o natural como o construído,

englobando o ecológico, o urbano, o rural, o social e mesmo o psicológico”. Assim, a

percepção do meio ambiente busca fornecer o conhecimento das percepções que diferentes

grupos de pessoas têm dos lugares e das paisagens que habitam e criam laços afetivos,

estando sempre aliada à atribuição de valores e tomada de decisões, seja analisada do ponto

de vista cognitivo ou afetivo (MACHADO, 1994).

Para Dasereau (1999), a percepção, no primeiro nível, consiste na apreensão sensorial, que

resulta na identificação de objetos naturais individualmente percebidos e na etapa seguinte,

ocorre a utilização seletiva dos recursos naturais.

Segundo Tuan (1980 apud MACHADO, 1988), a percepção é uma resposta dos sentidos aos

estímulos externos e uma atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente

registrados e outros são bloqueados, tendo valor para a sobrevivência biológica e para

propiciar algumas satisfações que estão enraizadas na cultura. Tuan (1980 apud FERREIRA,

2001) elaborou diversos conceitos que auxiliam na compreensão das relações do homem e o

meio que o circunda, como:

- Topofilia. Consiste nos sentimentos topofílicos por um determinado lugar, na medida em que

se valorizam determinados elementos deste meio, quer pelo nível de satisfação fornecido,

quer pela importância em seu cotidiano;

- Topofobia. É a noção de “medo da paisagem”, ou seja, na rejeição que nutrimos por

determinados lugares.

- Topocídio. Seria a eliminação deliberada de um determinado lugar.

Page 8: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

- Topo-reabilitação. Visa a reabilitação dos lugares, paisagens e conjuntos ambientais para

que o homem tenha uma melhor qualidade de vida, podendo introduzir e/ou preservar

novamente o valor de sua identidade cultural.

Segundo a teoria de Piaget, a percepção é o conhecimento que adquirimos através do contato

atual, direto e imediato com os objetos e com os movimentos, dentro do campo sensorial

sendo, portanto, individual, incomunicável e irreversível (OLIVEIRA; MACHADO, 2004).

Piaget define percepto como aquilo que percebemos, através de uma seleção segundo o

significado do objeto, a fim de atender as nossas necessidades e interesses. Já o concepto é o

que concebemos, é o produto do filtro da inteligência, segundo a lógica, para atender a

necessidade e o interesse. Assim, o percepto depende da contribuição do percebedor e o

concepto varia segundo idade, cultura e herança genética (OLIVEIRA; MACHADO, 2004).

Os sistemas sensoriais propriamente ditos são: auditivo, visual, gustativo, olfativo e tátil-

cinestésico, sendo que os órgãos e aparelhos que dispomos só podem reter apenas uma parte

da informação recebida. Já os sistemas sensoriais não-sensoriais são: memória, imagem

mental, cultura, personalidade, experiência, transmissão da informação, orientação geográfica

e leitura (OLIVEIRA; MACHADO, 2004).

Para Gibson (1974 apud MACHADO, 1988), em se tratando de percepção ambiental, o

sistema sensorial mais utilizado é a visão, sendo, então, necessárias as condições de luz e

olhos abertos, pois o objeto observado será projetado, formando a imagem retiniana em duas

dimensões e através do córtex cerebral, se dará a imagem mental recuperando a terceira

dimensão. A imagem formada é correlata (projeção complexa), ou seja, o objeto tem na

imagem um correlato e não uma cópia, assim a percepção é uma interpretação com o fim de

nos restituir a realidade objetiva através da atribuição de significado aos objetos percebidos.

Na teoria psicofísica da percepção de Gibson (1974 apud OLIVEIRA, MACHADO, 2004) há

uma distinção entre campo visual e mundo visual, sendo que, para a percepção ambiental o

mundo visual é o mais importante. O mundo visual é trabalhado mais com a percepção, sendo

contínuo, sem limites, fazendo com que o objeto seja percebido e conhecido sem esforço, a

cena vista é euclidiana, um objeto atrás do outro, não deformando com a locomoção.

Quanto aos critérios perceptivos, Bailly (1974 apud MACHADO, 1988), salienta que se deve

considerar a escala, os esquemas lógicos e as referências. Na escala, o homem é serve de

medida (mantendo-se a posição ereta, o movimento e a perspectiva) permitindo a ordenação e

estruturação da paisagem. Os esquemas lógicos são resultantes da cultura, educação e idade e

o funcionamento dos mesmos são de adaptação/aceitação e/ou inadaptação/rechaço. No

entanto, são as referências que permitem ao sujeito situar-se e orientar-se na paisagem.

Page 9: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

Para a Psicologia, a percepção é o ato no quais nossas sensações se organizam e reconhece um

objeto exterior, já a cognição é o conjunto de processos mentais no pensamento, na percepção

e no reconhecimento, estando voltado para a procura da razão das coisas. A cognição envolve

alguns estágios como: percepção, mapeamento, avaliação, conduta e ação, constituindo-se

num processo amplo, dinâmico e interativo onde cada estágio influi no seguinte (OLIVEIRA;

MACHADO, 2004).

Em se tratando de percepção e cognição, devem ser apontados três princípios norteadores das

pesquisas com o meio ambiente: estrutura; função considerando a biodiversidade, os fluxos

das espécies e da energia, a redistribuição e etc.; e transformação, levando em conta a

estabilidade e a dinâmica (OLIVEIRA; MACHADO, 2004).

Nossa maneira de viver, para Lowenthal (1982 apud MACHADO, 1988), determina nossa

percepção ambiental e por isso, há necessidade de pesquisar como as pessoas pensam e

sentem a respeito de seu meio ambiente, como percebem as paisagens, quais são os valores

que afetam suas atitudes e como isso influencia as instituições.

Segundo Machado (1988), as investigações sobre as necessidades e interesses dos usuários

sobre os lugares e as paisagens vivenciados vêm sendo valorizadas e os resultados devem ser

levados até os detentores de poder e autoridades para que possam introduzir modificações

neles. Para a mesma autora, essa atividade preenche a lacuna científica existente entre os

usuários e os planejadores, administradores, pesquisadores, técnicos e legisladores que

decidem, modificam e regulamentam sobre o uso dos lugares e das paisagens.

A percepção dos edifícios históricos em Limeira - SP

O município de Limeira está localizado na Região Administrativa de Campinas, estando a 154

km de distância da cidade de São Paulo, capital paulista. Segundo dados do IBGE (Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2006, o município de Limeira possui uma área total

de 581 km² contendo 279.554 habitantes.

A cidade de Limeira teve sua origem em 1826, devido à construção de uma estrada que ligaria

o Morro Azul à Campinas a fim de facilitar o escoamento da produção de açúcar dos

engenhos. Assim, iniciou-se a formação do Povoado de Nossa Senhora das Dores de Tatuiby

nas terras doadas do Capitão Luiz Manoel da Cunha Bastos ao Senador Vergueiro, fundando a

Fazenda Ibicaba. Esta fazenda foi pioneira no Estado de São Paulo e no Brasil pela utilização

da mão-de-obra imigrante européia em detrimento do trabalho escravo africano em meados do

século XIX, durante o ciclo do café, fazendo com que Limeira ficasse conhecida como “Berço

Page 10: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

da imigração européia de cunho particular” (SECRETARIA MUNICIPAL DA CULTURA,

2005).

Com a crise econômica mundial de 1929 a cafeicultura foi sendo substituída pela citricultura

fazendo com que a cidade ficasse conhecida como a “Capital da Laranja” durante a década de

1960. Atualmente, as principais atividades econômicas do município são a cana-de-açúcar e o

setor de jóias folheadas a ouro, sendo que este é responsável por quase metade da produção do

setor no Brasil (REDONDANO; et all, 2000).

O município de Limeira conservou alguns monumentos em sua área central que representam o

poder e a opulência da elite local durante os diferentes ciclos econômicos. A fim de subsidiar

um efetivo plano de conservação dos monumentos históricos de Limeira, essa pesquisa

realizou entrevistas de percepção com 150 pessoas que freqüentam o centro da cidade durante

os meses de Dezembro de 2006 a Março de 2007.

A entrevista consistiu em três partes: na primeira foi feito um cadastro do entrevistado onde

foram levantadas variáveis de escolaridade, profissão, bairro onde mora e etc; na segunda

parte, perguntamos o que o entrevistado entendia por conservação do patrimônio

arquitetônico; e na terceira parte foram apresentadas algumas fotos de monumentos históricos

no centro de Limeira - Igreja Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção (foto 1), a Estação

Ferroviária da Companhia Paulista (foto 2), o Palacete Levy – Casa da Cultura (foto 3), o

Centro Cultural (foto 4), a Gruta da Praça Toledo de Barros (foto 5) e o Edifício Prada (foto

6), o Teatro Vitória, a agência do Banco Nossa Caixa, e a Escola Estadual Brasil - onde o

entrevistado deveria escolher um prédio para ser conservado, justificando sua resposta.

Dentre os 150 entrevistados, 27% escolheram a Estação Ferroviária da Companhia Paulista

como sendo o monumento que mais precisa ser conservado, justificando essa escolha pelo

descuido em que o prédio se encontra, sua antiga função de transporte de passageiros e seu

valor histórico para o município.

Dos entrevistados que escolheram a Estação Ferroviária, 64% eram do sexo feminino; 55%

tinham entre 31 a 50 anos de idade; 44% eram assalariados; 45% tinham ensino superior

completo; 95% moravam em Limeira, sendo que destes: 42% moram a mais de 30 anos na

cidade e 69% moram na periferia; 71% utilizam o centro como passagem; 41% acham a

conservação de prédios históricos importante, mas não soube explicar o motivo; e 69%

disseram que nunca freqüentaram o prédio escolhido.

Page 11: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

Considerações finais

Concluímos que os questionários de percepção fornecem subsídios para um planejamento

urbano mais democrático, possibilitando a reestruturação de políticas públicas parciais.

Assim, torna-se viável a elaboração de um projeto de revitalização da Estação Ferroviária,

pois a mesma está deteriorada e seu espaço interno serve de abrigo para a criminalidade e o

vandalismo.

O espaço urbano reflete a organização socioeconômica desigual do modo de produção

capitalista, se fragmentando em setores que reproduzem a desapropriação da classe

trabalhadora e a dominação burguesa. Na cidade de Limeira, os edifícios históricos que se

encontram conservados são aqueles construídos pela e para a elite local que reafirma seu

status restaurando as fachadas dos prédios mesmo quando os mesmos adquirem novas

funções.

A atual pesquisa demonstrou que o prédio da Estação Ferroviária foi o favorito pelos usuários

do centro, pois o mesmo representa a classe trabalhadora que utilizava esse meio de transporte

num período histórico de grande desenvolvimento econômico e cultural na região e o cuidado

com esse espaço significa a manutenção de vínculos afetivos e da identidade da maioria da

população.

Bibliografia

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Lisboa: Edições

70, 1995.213 p.

BUSCH, Reynaldo Kuntz. História de Limeira. Instituto Histórico e Geográfico de São

Paulo. 2 ed. Limeira, 1967.

CARLOS, A. F. A. A mundialidade do espaço. In: MARTINS, J. de S. Henri Lefebvre e o

retorno à dialética. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 121-134.

COSTA, E. B. da. Política de Patrimônio e usos estabelecidos: o caso de Tiradentes - uma

cidade setecentista mineira. Iniciação Científica. Universidade Estadual Paulista Júlio de

Mesquita Filho, 2005.

DASEREAU, P. A Terra dos homens e a paisagem interior. Belém: NAEA/UFPA, 1999.

156 p.

FERREIRA, C. R. T. Avaliação da degradação ambiental urbana através da percepção

ambiental: o caso do alto da bacia do Limoeiro, Presidente Prudente – SP. Dissertação

Page 12: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

(Mestrado). Rio Claro: Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual

Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2001.

HEFLINGER JR, José Eduardo. 16 anos da revista Povo – Projeto Memória Limeirense

XI. Limeira: 2000. 1 ed.

LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana do mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.

MACHADO, L. M. C. P. A Serra do Mar Paulista: um estudo de paisagem valorizada. Tese

(Doutorado). Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista

“Júlio de Mesquita Filho”, Campus Rio Claro – SP, 1988. 312 p.

, L. M. C. P. Percepção do meio ambiente por estudantes universitários.

Cadernos Geográficos, Belo Horizonte, v. 5, n. 6, p. 27-39, dez.1994.

Acessado em 19/02/2006.

MARTINS, J. de S. As temporalidades na dialética de Lefebvre. In: MARTINS, J. de S.

Henri Lefebvre e o retorno à dialética. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 13-23.

OLIVEIRA, L. de; MACHADO, L. M. C. P. Percepção, cognição, dimensão ambiental e

desenvolvimento com sustentabilidade. In: VITTI, A. C.; GUERRA, A. J. T. (Orgs.).

Reflexões sobre a Geografia Física no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

OSEKI, J. H. O único e o homogêneo na produção do espaço. In: MARTINS, J. de S. Henri

Lefebvre e o retorno à dialética. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 109-119.

PREFEITURA MUNICIPAL DE LIMEIRA. Plano diretor de Limeira. Secretaria Municipal

de Planejamento e Urbanismo, Limeira – SP, 1998.

REDONDANO, D. C. (et all). Altas Municipal Escolar. 1 ed. Limeira: Sociedade Pró-

Memória de Limeira, 2000. p. 100.

VIEIRA, Ana Lúcia de Morais. Currículo e Arquitetura Escolar: Olhares Cruzados na

Educação Infantil. Tese (Doutorado). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,

2006. 188 p.

VIEIRA, S. G. O Centro vive - o espetáculo da revalorização do centro de São Paulo:

sobrevivência do capitalismo e apropriação do espaço. Tese (Doutorado). Programa de Pós-

Graduação em Geografia, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual

Paulista – Unesp, Campus Rio Claro, 2002.

Page 13: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

Anexos – Fotos de alguns dos monumentos do centro de Limeira – SP utilizados no

questionário.

Foto 1 - Igreja Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, construída em 1867 pela elite local que

queria se diferenciar do público que freqüentava a antiga Igreja Matriz (MINEO, 2006).

Foto 2 - Estação Ferroviária da Companhia Paulista, construída em 1876 para facilitar o

escoamento da produção cafeeira e o transporte de passageiros, sendo que hoje o prédio está

abandonado (MINEO, 2006).

Page 14: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

Foto 3 - Palacete Levy, construído pelo barão do café Capitão Sebastião em 1881, virou firma João

Levy e Irmão no início do século XX e atualmente é a sede da Secretaria Municipal da Cultura

(MINEO, 2006).

Foto 4 – Centro Cultural, construído em 1906 para abrigar a primeira escola pública de Limeira, o

Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira (MINEO, 2006).

Page 15: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – … · O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano ... espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa

Foto 5 - Gruta da Praça Toledo de Barros, construída em 1920 para servir de coreto e botequim é

atualmente apenas um local curioso para os transeuntes (MINEO, 2006).

Foto 6 - Edifício Prada, construído em 1932 para abrigar a fábrica de chapéus é atualmente sede da

Prefeitura Municipal de Limeira (MINEO, 2006).