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O fazer sociológico na reflexão de Florestan Fernandes Lucia Lodo 1 1 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, Paraná.

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O fazer sociológico na reflexão de Florestan Fernandes

Lucia Lodo1

1 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, Paraná.

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RESUMO

O fazer sociológico na reflexão de Florestan Fernandes é uma

questão interna que norteia todo o pensamento social brasileiro. A análise de

Florestan Fernandes servirá como ponte para se pensar (ou tentar pensar) a

história do pensamento social brasileiro e o fazer sociológico. Assim, a

sociologia brasileira fornecerá o instrumento teórico metodológico para este

trabalho. Para tanto, será reconhecido e ratificado o rico e vasto campo para se

pensar e se fazer sociologia no Brasil, por intermédio da teoria sociológica

nacional (Florestan Fernandes). Os questionamentos do sociólogo vão estar

não apenas no plano científico, ou seja, onde se apresentam como objeto de

estudo empírico, estarão, sobretudo, nas dúvidas que vão nortear a postura e o

papel do sociólogo, os quais são aqui denominados de fazer sociológico.

Assim, a reflexão de Florestan Fernandes vai servir como ponto de partida para

o exercício da interrogação sociológica. O conhecimento sociológico exige

imaginação e coragem, conforme afirma Celso Furtado, no que diz respeito às

Ciências Sociais em geral. (FURTADO, 2003, p.03) Vão ser rastreadas as

dualidades que norteiam o agir e o fazer, sociológico. Assim, o regional e o

global, o particular e o universal, a razão e o sentido vão estar,

necessariamente, se encontrando. As ações do sociólogo são interpretadas em

vista de sua inserção no processo amplo e global. A dupla preocupação que o

sociólogo está imerso: a de estudioso da sociedade e a de indivíduo que está

mergulhado num mundo estérico, onde existe uma procura por uma identidade

que já fora perdida, é o grande desafio que o cientista social enfrenta hoje. A

agitação do mundo é uma agitação que gira em torno do debate sociológico.

Assim, as múltiplas dimensões do papel do sociólogo na sociedade brasileira

contornam um indivíduo, que é o sociólogo voltado para uma coletividade

nacional, desenvolvendo interrogações que questionam as inquietudes mais

fundas, ou seja, as que mobilizam, por excelência, a condição de sociólogo: a

inquietação.

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(Re)ativar a vontade e a capacidade de exercer a interrogação

sociológica, exercitar a análise, a responsabilidade, a imaginação, implicam o

fazer sociológico, isto é, o intuito de permitir à sociologia um saber em

transformação que é um construtor da auto consciência crítica da realidade

social. Esse saber mutante e reflexivo é dinâmico, contemporâneo e sensível à

tradição e dá legitimidade ao fazer sociológico, pois cada geração reconhece

sua temporalidade e nela demarca suas diferenças com as ansiedades da

geração anterior, havendo, porém, uma compreensão sociológica das

transformações em curso, em que os velhos problemas não descartam os

novos ideais. Ambos caminham juntos como questões inacabadas.

O fazer sociológico se encontra presente na reflexão de Florestan

Fernandes, assim, ele procura estabelecer um plano de condicionamento social

do conhecimento sociológico. O presente estudo se aterá a uma pesquisa

sobre o fazer sociológico, na obra de Florestan Fernandes. Será trabalhado o

debate sobre o papel do sociólogo no processo de mudança social no país.

Portanto, será construído um quadro histórico-social e cultural no qual está

colocado em um dado momento, a discussão sobre a necessidade de a

sociologia responder à questão da sociedade brasileira. Esse debate versará

sobre o modo do sociólogo preencher sua função dentro de uma estruturação

social ímpar em vista das especificidades da história social nacional.

A discussão versará sobre a peculiar história do país, ou seja, as

preocupações teóricas metodológicas serão buscadas nas particularidades da

sociedade brasileira. Por isso se lançará mão das reflexões construídas no

pensamento social brasileiro.

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No epígrafe do livro Fundamentos Empíricos da Explicação

Sociológica (1967), Florestan Fernandes, esclarece o seguinte:

Em uma ciência imatura, como a sociologia, a reflexão metodológica é muito, mas necessária, porque é o único meio de defendê-la dos desvios que a incitam, continuamente, que provenham outros campos. (FERNANDES, 1976, p.57)

Observa-se assim, em Florestan Fernandes uma trajetória, uma

obstinação, por um quadro conceitual rigoroso que fundamente a sociologia no

Brasil. Dessa maneira, há uma construção de um âmbito da sociologia frente a

outros campos. (ARRUDA, 2001, p.236). O debate travado por Florestan

Fernandes aponta não somente para as distinções no modo de conceber o

desenvolvimento da reflexão sociológica no Brasil, mas, sobretudo, para as

disputas entre as concepções que constroem a hegemonia de orientações.

(ARRUDA, 2001, p.236).

A realidade brasileira deve ser trabalhada, investigada com

conceitos e técnicas que, sendo científicos são universais. Tal fenômeno leva o

sociólogo à pretensão de compreender por opção e convicção, a diversidade

sócio-cultural da nação, contribuindo para o conhecimento e visão da realidade,

num esforço contínuo do desvendamento dos espaços sociais, materiais e

simbólicos mesmo conscientes de que faz parte do seu ofício reconhecer o

caráter complexo, ambíguo e inesgotável do social.

A partir de 1930 a sociologia brasileira vai tomando corpo. E o

fazer sociológico passa a ser amplamente discutido. Verifica-se, assim, uma

modalidade singular de interpretação nos primeiros teóricos. Daí a necessidade

de um processo de reconstrução histórica das primeiras interpretações que

visavam entender a realidade brasileira.

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A multiplicidade de questões a cerca do papel do sociólogo no

Brasil vão ser pautadas pela sociedade em mudança. Cabe assim à análise

sociológica revelar a relação do sociólogo com a sociedade. Onde ele atue com

o seu trabalho intelectual, pela sua formação profissional, na coletividade,

percebendo as especificidades que envolvem cada sociedade. Logo, para

Fernandes, o sociólogo para exercer o ofício necessita de responsabilidade e

de imaginação que permitam pensar a sociologia como um saber de

transformação. Saber este que é reflexivo, porque atualiza as novas e velhas

indagações.

Os desafios do saber e do fazer sociológico têm enfrentado e

vencido, ao longo da sua trajetória de institucionalização, inúmeros percalços.

A tradução dos processos sociais na sua complexidade se concretiza

nas diversas dimensões, por uma formulação única que congrega as análises

mais distintas que se veiculam intimamente ao tratamento dado à questão das

diferenças.

A sociologia não se apresenta na forma de modelos, respostas

mecânicas e fixas, mas no sentido de contribuir para o conhecimento e a

compreensão da realidade social. Para tanto, o sociólogo se põe ao “ofício” do

reconhecimento das várias facetas que englobam o social.

Portanto, pretende-se realizar uma releitura acerca do fazer

sociológico de Florestan Fernandes. Uma questão que norteia todo o

pensamento social brasileiro, na qual a ampla e contínua leitura e análise de

Florestan Fernandes servirão como ponte para debruçar sobre a história do

pensamento social brasileiro e sobre os debates do fazer sociológico, isso

constitui um desafio que exige um entendimento dotado de responsabilidade

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com a sociologia brasileira e com as condições de formação e de

desenvolvimento da profissão de sociólogo.

O aspecto fundamental da obra sociológica de Florestan

Fernandes e de sua influência seminal na constituição do que veio a ser

chamado a "escola sociológica de São Paulo”, que, juntamente com ele, fez um

gigantesco esforço de interpretação do Brasil, por meio de um labor intelectual

e militância política fecunda. Florestan Fernandes discordava dessa

designação porque temia a suposição que seus assistentes não tivessem a

liberdade intelectual, para produzir cientifica e autonomamente. É neste breve

contexto (que posteriormente será mais bem situado) que Florestan Fernandes

vai questionar as interpretações que os cientistas sociais faziam da sociedade

e de seus rumos. A consciência científica da sociedade vai ser permeada pelo

compromisso com a compreensão sociológica das transfigurações e

transformações do capitalismo em curso.

A sociologia de Florestan Fernandes (...) é, ao mesmo tempo, uma forma de consciência social da sociedade brasileira, como também o é a obra dos outros integrantes da “escola sociológica de São Paulo”. Nesse sentido, é uma sociologia mediada pela concepção de que toda sociologia, deve ser, ao mesmo tempo, uma sociologia do conhecimento. Como observou Ianni: ‘Em Florestan Fernandes o pensamento é pensado o tempo todo’. As suas contribuições históricas e teóricas estão permeadas pela reflexão e pela crítica sobre as relações entre o pensamento e o pensado. (MARTINS, 1998, p.15)

Para tаnto, ao tratar do fazer sociológico em Florestan Fernandes,

é necessário se pensar em uma certa instrumentalização de sua própria

sociologia. Sociologia sua, porque dá a caracterização única de uma

interpretação e de um comprometimento com a sociedade e com a sociologia

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no Brasil. Fazendo disso a sociologia instrumento de sua prática, da sua

profissão, do seu trabalho e de defesa da própria sociologia enquanto ciência.

Partindo disto, o sociólogo e a sociologia vão ser a porta de

entrada para as possíveis indagações, a fim de superar o patamar de uma

sociologia profissional ressentida, em busca de uma sociologia na qual o

sociólogo com a formação profissional participa e põe o trabalho intelectual

deles, como e enquanto sociólogos, em interação com as expectativas e as

preocupações da coletividade. Mas, para isso, é indispensável certo

amadurecimento intelectual que tenha a capacidade de reagir com o mínimo de

energia intelectual.

A sociologia de Florestan Fernandes parece uma construção, muito bem

feita, e nada melhor que uma vocação de engenheiro para realizá-la. Florestan

Fernandes tem um texto duro, áspero, de difícil assimilação. Pode-se

interpretar isto de vários modos. Pelo lado mais fácil e elitista. Ao separar a

Sociologia da Literatura a separou também da narrativa que buscasse clareza,

simplicidade. "Ciência" não deve ser de leitura fácil. Seu compromisso com o

fazer ciência, com tornar a Sociologia uma disciplina científica, implicava fugir

do senso comum, romper com os preconceitos, na melhor tradição

durkheimiana. (MARTINS, 1998, p.35)

A "ética da responsabilidade científica" em Florestan Fernandes é

entendida como a necessidade de extrair conseqüências práticas das

pesquisas sociológicas. Em A sociologia numa era de revolução social, ele

expõe com clareza a necessidade de combinação dos papéis de cientista e de

cidadão:

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A conexão de sentido, que nos compelia a ver nossos papéis na sociedade brasileira, à luz da responsabilidade intelectual ativa, crítica e militante (...) todo sociólogo digno desse nome deve saber ajustar-se à situação e, em conseqüência, sua capacidade de contribuir para o conhecimento sociológico de uma realidade tão imperativa. (FERNANDES, 1976, p.34)

O autor em questão reconhece que as concepções de mundo

agem sobre o horizonte intelectual do pesquisador, influenciam a escolha do

objeto de investigação e se fazem presentes na utilização dos resultados.

Entretanto, acreditava que nada disto deveria afetar o compromisso com o

conhecimento científico. A pesquisa empírico-indutiva deveria ser resguardada

de objetivos externos e garantida por padrões científicos de caráter universal.

Assim, se mostra um ajustamento entre a mente humana do

sociólogo e o seu horizonte cultural, de modo que o mesmo não descarte as

contribuições das outras disciplinas. Ao contrário, o cientista social deve

incorporá-las e com elas estabelecer um diálogo. Ainda mais, partindo de uma

realidade histórico-social que detém na sua herança, um antigo país colonial

marcado por uma escravidão, que pede um apoio-auxílio da história e,

sobretudo, da antropologia.

É por estas “marcas” do passado que a sociologia brasileira se

impõe num plano enraizado, apoiado pala criatividade teórica e pela própria

pesquisa metodológica. distinta da sociologia colonizada. Uma sociologia que

se dedica a temas importados como “estranhos” perante a própria realidade

social. Uma sociologia oposta àquela que Florestan Fernandes propunha.

A sociologia pode revelar os (des)caminhos históricos inerentes a

cada situação social e a cada situação de classe, essenciais para orientar

racionalmente a ação social e política. Porém, a sociologia não se separa da

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sociedade, assim, segundo Fernandes, a sociedade não se separa da

consciência social; “só vê sociologicamente quem quer algo socialmente”

(FERNANDES, 1976, p.61). Desse modo, a concepção de mudança vai ocorrer

em torno do eixo que compreende a ação transformadora como uma idéia de

intervenção para a superação dos entraves representados pela herança

colonial.

Portanto, é neste (breve) sentido que vai ser construído uma

proposta para se refletir hoje, o fazer sociológico. As condições de atuação

para este fazer, que se dá ao oficio de sociólogo contemporâneo, estando

circunscrito dentro de uma realidade cada vez mais propulsora para a máquina

famigerada do capitalismo, em que engloba sentidos, valores, ações distintas e

contraditórias dentro de uma realidade, no mínimo, desafiadora para o

sociólogo. Já que este possui todo um aparato simbólico, teórico e

metodológico para se pensar e se fazer a sociologia no Brasil. Porém, tendo

em vista uma sociedade em que seus valores e idéias se transfiguram com o

passar dos minutos, onde o novo já está sendo reciclado e o clássico

estruturado como eterno. Assim, a realidade desafia, mais do que nunca, o

sociólogo, pois ele está imerso nesse mar de complexidade, cabendo assim á

ética sociológica desvendar e construir um valor de responsabilidade para o

momento, e para essa situação histórica, política, econômica e principalmente,

social, que é ímpar e que se depara com ela continua e reiteradamente.

Os desafios são as principais companhias em que os sociólogos

se debruçam, independentemente do seu momento e de sua época. O que

distingue são as peculiaridades, são as particularidades, são as singularidades

da própria sociedade em análise e em questão momentânea. Mas, este

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“instantâneo” de cada sociedade é que será de singular importância para este

estudo, já que trataremos de um momento especial à obra de Florestan

Fernandes; ou seja, de 1930 a 1976. A escolha desse período foi delitimitada a

partir da rica importância da década de 1930 para o cenário nacional, acoplada

à formação do curso de ciências sociais e a institucionalização da profissão de

sociólogo no Brasil. Percorrendo até 1976, com a republicação de sua obra

Sociologia numa era de Revolução Social, que servirá para delimitar os

bloqueios e os retardamentos acerca do fazer sociológico.

Assim, os problemas que se tentará responder, ao longo dessa

pesquisa, são os seguintes: no que consiste o fazer sociológico na obra de

Florestan Fernandes? De que modo a sua discussão, em torno da profissão de

sociólogo, revela um novo padrão científico de análise na sociologia brasileira?

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FAZER SOCIOLÓGICO: MÚLTIPLOS DESAFIOS.

O INTUíTO DA NATUREZA SOCIOLÓGICA DA SOCIOLOGIA.

A ciência não é uma perseguição desalmada de informação objetiva. É uma atividade humana criativa, onde seus gênios agem mais como artistas do que como processadores de informações.

As mudanças que ocorrem nas teorias não são simples resultados derivados de novas descobertas, mas um trabalho de imaginação criativa influenciado por forças contemporâneas sociais e políticas (...) não devemos julgar o passado através das lentes anacrônicas de nossas

próprias convicções – aclamando como heróis cientistas que julgamos certos mediante critérios que não tem nada a ver com as preocupações deles. (GOULD, 1999, p. 199)

A natureza Sociológica da Sociologia (1980) e A Sociologia

numa Era de Revolução Social (1976) vão servir de fonte para resgatar em

Florestan Fernandes o caráter específico da formação sociológica e o sentido

peculiar da sociologia como profissão.

Ao tratar da natureza da sociologia, Florestan Fernandes, vai

retomar a discussão de uma certa condição da natureza humana. Já que se

trata de um ser humano que se utiliza instrumentalmente desta ciência para

compreensão de um mundo que é coletivo, onde as fachadas o instiga para o

que tem por trás delas. As certezas dos cientistas sociais são constantemente

recicladas.

A sociologia não se limita ao estudo das condições de existência social dos seres humanos. Todavia, essa constitui a porção mais fascinante ou importante de seu objeto e aquela que alimentou a própria preocupação dos fenômenos sociais. Ora, ao se falar do homem, como objeto de indagações específicas do pensamento, é impossível fixar, com exatidão, onde tais indagações se iniciam e quais são os seus limites. Pode-se, no máximo, dizer que essas indagações começam a adquirir consistência científica no mundo moderno, graças à extensão dos princípios e do método da ciência à investigação das condições de existência social dos seres humanos. (FERNANDES, 1960, p. 273)

Esta preocupação de certos indivíduos se ocuparem da

sociologia como profissão e não como uma atividade imemorial. e/ou como

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necessária ao espírito humano, nos remete a uma indagação sociológica à

cerca da transformação que é tida como necessária para determinados

homens. Transformação porque, ao transformar qualquer atividade humana em

material de estudo sociológico, o sociólogo vai transferir ao “social, como objeto

de estudo de investigação” (BERGER, 2000, p.36) a responsabilidade pela

mudança, pelos obstáculos e pelas resistências. O cientista social é um tipo de

agente social específico, ou seja, um indivíduo que no contexto atual pode se

tornar suspeito, pois vai tratar com “padrões universais, que são cada vez mais

contestadores como instrumentos de um ocidente imperialista” (JACOBY,

2001, p.151).

A sociedade não vai poder conferir ao sociólogo sossego e

segurança, pois o coloca sempre numa posição que o projeta no âmago dos

grandes processos históricos em efervescência. Florestan Fernandes vai

articulando, assim, os condicionantes sociais e as escolhas individuais na

busca por uma concepção da sociologia enquanto esclarecimento sociológico

da sociedade brasileira. Ele realiza um exercício da sociologia como uma

“vocação intima” ou de estranha embriaguez. Toda postura pode ser até

ridicularizada por todos que vivem fora do ambiente (científico?), já que se trata

de um exercício contínuo de desmistificação.

Fazer do conhecimento sociológico um instrumento de ação. E o que pretendiam modificar não era a natureza humana em geral, mas a própria sociedade em que vivem (...) a Sociologia constitui um produto cultural das fermentações intelectuais provocadas pelas revoluções industriais e político-sociais, que abalaram o mundo ocidental moderno. (FERNANDES, 1960, p. 273 e 274)

E vai ser na fusão dos problemas sociais com a formulação

sociológica que o sociólogo poderá a dar a sua contribuição ao entendimento

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da recriação das desigualdades sociais. Portanto, a atividade de pensar não vai

ter condição de dissociar-se do compromisso de elevar a condição humana.

Pois a sociologia é um corpo de objetos de estudos que demarcaria uma

necessária relação da disciplina com outros domínios de conhecimento,

especialmente, a literatura e a antropologia.

“Todo sujeito percebe o mundo exterior e as próprias tendências

egoístas através de categorias de pensamento herdadas da sociedade em que

vive” (FERNANDES, 1960, p.275). Florestan Fernandes reconhece a herança

cultural. Para ele, a história cultural brasileira é mais marcada por influências

que vêm de fora, do que por continuidades e descontinuidades internas.

Porém, em face disto, em nenhum momento, ele reconhece a dita “neutralidade

científica”. O importante, para este autor, é frisar a relevância do “fazer ciência”,

através da implementação da sociologia e da investigação sociológica, a qual

exige um rigoroso raciocínio científico.

A questão está em saber como ele se comportará diante da proclamada “neutralidade ética do cientista”. De fato, não existe tal neutralidade e ela é incompatível com o raciocínio científico, que exige, preliminarmente, a rejeição consciente de toda e qualquer contaminação que os idola posam levar à explicação científica e ao uso racional de suas descobertas. Aí está, em seu sentido mais elementar, o caráter intrinsecamente revolucionário do raciocínio científico e por que a “neutralidade ética” acaba se impondo como uma condição de controle externo da ciência e da tecnologia científica pelos idola consagrados pelo capitalismo e pelo monopólio burguês do poder. (FERNANDES, 1977, p. 129)

E como realizar tarefa tão difícil? Pode-se dizer que é “uma luta

para vida inteira”, diria Celso Furtado, já que é um desafio infinito de

compreensão do tipo de organização econômico, político, cultural e social.

Assim, ratifica-se, cada vez mais, a necessidade de ruptura com os

desconhecimentos das singularidades da cultura brasileira, ou seja, da

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formação da sociedade nacional. Algo que se aproxima daquilo que Manuel

Bomfim, no início do século XX, dizia estar buscando, ou seja, uma reflexão

que vai procurar entender a origem nacional, sustentada por uma idéia de força

contra o olhar aniquilador (e desanimador) dos europeus.

A explicação sociológica exige, como requisito essencial, um estado de espírito que permitia entender a vida em sociedade como estando submetida a uma ordem, produzida pelo próprio concurso das condições, fatores e produtos da vida social. Por isso, tal estado de espírito não é anterior ao aparecimento da Sociologia, como representa uma etapa necessária à sua elaboração. No mundo moderno, pelo que se sabe, ele se constituiu graças à desagregação da sociedade feudal e à evolução do sistema capitalista de produção, com sua economia de mercado e a correspondente expansão das atividades urbanas. É que estes dois processos históricos-sociais se desenrolaram de modo a ampliar, continuamente, as esferas da existência nas quais o ajustamento dinâmico às situações sociais exigia o recurso crescente a atitudes secularizadas de apreciação dos móveis das ações humanas, do significado dos valores e da eficiência das instituições. (FERNANDES, 1960, p.275)

A realidade histórica tem uma importância ímpar para esta

reflexão, pois o sociólogo possui elementos para intervir no curso da história. E

esta intervenção vai ser “barrada” por fatores consideráveis que competem

apenas ao sociólogo, ou seja, “ele pode aderir à castração da ciência e à

corrupção da tecnologia científica, ou repudiá-la, especialmente, se ele for um

investigador e não um ‘funcionário’” (FERNANDES, 1977, p. 128). E aclopado a

isso, o cientista social pode também lançar mãos de “armas erradas” que

podem ser ofertadas pelo inimigo comum inevitável: a cobiça, a alienação, o

comodismo ou a herança peculiar da dominação patrimonalista. Há, então, um

risco do sociólogo tornar-se incapaz de transcender a ordem constituída, num

papel meramente de instrumento de adequação técnica de meios e fins de uma

dada sociedade.

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Por cobiça, a maioria por alienação, por comodismo ou porque não podiam deixar de ser conservadores, minados pelo cerco familiar e por uma solidariedade classe que deita raízes em quatrocentos anos de dominação escravista e patrimonalista. (FERNANDES, 1977, p. 216)

A atividade do sociólogo não pode se restringir ao “universo do

discurso”. O ambiente analisado também é marcado por ambivalência de

atitude e de comportamento. O fazer sociológico deve buscar de um novo

equacionamento e uma nova solução dos dilemas históricos. (FERNANDES,

1977, p. 219)

Cultura autentica impõe uma interação responsável entre o intelectual e o seu tempo e o seu meio ou seu tempo, mediadas pelas tarefas que nascem do crescimento interno daquela cultura e de sua irradiação pela sociedade. (FERNANDES, 1977, p. 217)

Porém, a própria situação cultural brasileira e do seu contexto

histórico específico já leva a uma certa forma de “ditadura dos costumes e do

império conservador do poder” (FERNANDES, 1977, p. 218). Isto exige,

portanto, da natureza sociológica uma postura que se aproxima de um tipo de

engajamento direto para que se defina claramente a concepção de participação

cultural, de democratização da cultura e de responsabilidade do intelectual.

(FERNANDES, 1977, p.219)

A questão da natureza sociológica exige o estabelecimento de

uma relação entre o conhecimento sociológico e a formulação política de forma

mecânica. De forma mecânica porque se exige um tipo de responsabilidade

diversificada. Uma responsabilidade que possa sugerir as diferentes

perspectivas que acabam por submetê-la aos mais diferentes compromissos.

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Todavia, tal responsabilidade, no cenário nacional, apenas aumenta na medida

em que a sociologia se desenvolve como disciplina e ganha autonomia relativa.

A sociedade brasileira precisa de nós, contudo, como livra-se de estruturas de poder obsoletas, que entraram em conflito frontal com as nossas tentativas de um audacioso “salto para frente”. (FERNANDES, 1977, p. 213)

A sociologia se determina a partir de uma ordem que é prática,

pois possui um sentido prático, que vai em direção a um esforço contínuo para

que o avanço represente um novo ponto inicial e, principalmente, para que

possa exercitar um tipo de reflexão que seja crítica, porém, madura e profunda

quanto às relações sociais no Brasil.

Para Fernandes, a contribuição científica da sociologia e a sua

utilidade se evidenciam a partir da interação do sociólogo com a sociedade, por

meio de uma imaginação sociológica criativa e criadora, o cientista vai

conferindo pesquisa sociológica e ao próprio sociólogo um papel onde ele

possa ser ativo no desenrolar da história do mundo.

Por sua vez, parece cada dia mais claro que o sociólogo não tem outra alternativa, para desobstruir seu campo de trabalho intelectual, se não o de enfrentar os riscos envolvidos por esse tipo de ruptura. As pressões deformadoras, que impõem a esterilização da imaginação sociológica, com temas sem significado científico e histórico, não podem ser contrabalançadas e vencidas de outra maneira. Somente por essa via será possível restabelecer a ligação dinâmica entre sociologia e história, recolocando-se a sociologia nos quadros e nos rumos da revolução social que está reconstruindo as bases materiais e morais da civilização fundada na ciência e na tecnologia científica. (FERNANDES, 1977, p.131)

Há uma contribuição do sociólogo no entendimento do modo de

recriação e de perpetuação das desigualdades sociais. Não está dissociado da

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“atividade de pensar” o “compromisso de elevar a condição humana”

(BASTOS, 2004, p.04). Há necessidade de um sólido projeto teórico que

estimule a busca de novas formulações para novos e velhos problemas sociais

e sociológicos. Isso deve ser feito sem justificar a indiferença, a ignorância ou o

alheamento do sociólogo. É preciso ainda reconhecer, fomentar a utopia como

dimensão inseparável da produção social.

Não haveria lugar para os grandes debates de idéias, para o momento da utopia (aqui entendida no sentido mais lato de reflexão sobre os problemas da convivência não imediatamente práticos, embora praticáveis), que, todavia contribui para mudar o mundo (e não só para compreendê-lo e interpretá-lo), ainda que em tempos mais longos, em prazos que escapam a quem vive no e para o cotidiano (BOBBIO, 1997, p.105).

A sociologia é então, conforme diz Octávio Ianni, “uma ciência

que sempre se pensa, ao mesmo tempo em que se realiza, desenvolve,

enfrenta impasses, reorienta” (IANNI, 1990, p. 92). As atividades da sociologia

são tentativas (diárias) de dar conta de problemas da vida de grupos humanos

na nova realidade da cidade moderna. Trata-se da identificação de conjunturas

em que graves acontecimentos (des) organizam os padrões convencionais de

relacionamentos dos grupos que compõem a sociedade considerada.

Trata-se, portanto, de uma preocupação no sentido histórico-

social da disciplina em questão. Um tipo especial de atenção porque revela o

seu sentido inerente ou pretendido, já que se identifica com uma gama de

relações sociais nas quais as expressões são concebidas e realizadas.

Exigindo do sociólogo uma atenção única às suas inter-relações, porque esse

profissional, especificamente, estará analisando os aspectos constituidores da

sociedade na qual está inserido.

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A desconfiança é uma arma que deve ser exposta para, até

mesmo, servir de escudo perante o maior contato do sociólogo com um

determinado grupo, envolvendo, assim, valores e desejos. Portanto, a natureza

sociológica se funda numa posição em que, primeiramente, o sociólogo terá o

outro no seu alvo maior, porque precisa das grandes diferenças para assinalar

problemas da realidade e do pensamento. O contato com as diferenças vai

promover um fim comum, um aperfeiçoamento mútuo da sociologia com o seu

objeto de estudo, ou seja, com a sociedade.

O CARÁTER DO TRABALHO DO SOCIÓLOGO: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DA OBRA A SOCIOLOGIA NUMA ERA DE REVOLUÇÃO SOCIAL.

Considerar impositivas as obrigações do sociólogo em relação ao sistema de interesses e de valores da nação a que deve lealdade, e, ao mesmo tempo, negligenciar as obrigações dele, relacionadas com o sistema de normas e de valores do saber científico. (FERNANDES, 1976, p.68)

A sociologia é vista por Florestan Fernandes como um produto

orgânico da cultura capitalista. Produto este, que ele aborda de um modo que

faz ser possível extrapolar tal cultura e construir métodos e técnicas de uso

universal. Uma construção universal porque se trata de uma ciência e sendo

ciência é universal. A realidade brasileira é retomada como ponto básico do

desenvolvimento interpretativo, o que busca alcançar os princípios explicativos

capazes de revelar a sociedade nacional pelo viés de suas relações, de seus

traços, de seus valores. Estes últimos podem estar explícitos ou implícitos na

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própria sociedade nacional. Isso tudo tem o intuito de constituir e ampliar um

sistema universal de explicação sociológica.

Sem trair a causa da "cultura" e sem deixar, de fato, de se

preocupar com o povo brasileiro. Para Florestan Fernandes, o fundamental era

pensar nos fatos não separando brutalmente as atividades da "inteligência" da

causa da cultura e da causa do povo. A causa da cultura e a causa do povo

sob certos aspectos que são, para Fernandes, uma só. Não sendo possível

dissociar uma da outra, ou, mais precisamente, a causa do povo implica a

causa da cultura. O sociólogo tem que considerar isto, se quiser evitar a

tomada errada de posições. E se quiser, de fato, defender a causa do povo, é

necessário dar uma importância desequilibradora à causa da cultura.

Ver o Brasil em sua especificidade é também procurar interpretá-lo pelo eixo dos seus modelos de ação, paradigmas pelos quais podemos pautar nosso comportamento e marcar nossa identidade como brasileiros. É buscar entender nossas irmandades e associações populares, sempre voltadas para o alto e fora do sistema, onde, com certeza, encontram seu lugar ao sol. É, enfim descobrir que, ao contrário dos Estados Unidos, nunca dizemos “iguais, mas separados”, porém “diferentes, mas juntos”, regra de ouro de um universo hierarquizante como o nosso. (DAMATTA, 1997, p. 18)

Florestan Fernandes procura trabalhar as questões

relacionadas à condição imanente do sociólogo como cidadão. Afloram os

dilemas, ainda como “dilemas morais”, do sujeito interessado socialmente e do

cientista devotado à verdade; oscilando entre tais pólos, embrenhando-se e

esgueirando-se por entre um espinhal de problemas referentes àquela

condição, o pensador enfrenta os desafios de construir uma sociologia que não

seja meramente técnica.

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O sociólogo é cientista e, ao mesmo tempo, cidadão – membro de uma categoria social constituída por pessoas devotadas aos fins da ciência e membro de uma comunidade nacional. Queira ou não, seu comportamento e modo de ser são influenciados por atitudes, valores e ideais científicos, extracientíficos e, até, anticientíficos (FERNANDES, 1976, p.92).

Por mais difíceis que fossem as condições, haveria ainda

refúgios seguros para a objetividade sociológica, Florestan Fernandes

reconhecia o peso da determinação social no pensar, ainda que relutante em

extrair todas as conseqüências sociais e políticas das opções. A defesa dos

padrões, em tensão com o engajamento social, apoiava-se em articulações

complexas donde emergiam as tensões que marcavam a concepção de

trabalho sociológico.

Portanto, lançam-se esforços para supor um tipo de preparação

intelectual muito rigorosa e planejada. E para Florestan Fernandes, isto foi

encarado como tarefa, ou seja, numa atitude dedicada em aprender este

“ofício” tal como o operário que escolhe e vai construindo as próprias

ferramentas. Não porque é um improvisado, mas porque essas são as

condições em que se lança à tarefa de conhecer, de desvendar, de agir, de

pensar.

Os sociólogos brasileiros devem desenvolver seu talento, por

menor que ele seja e enfrentar as dificuldades, por maiores que elas sejam.

Todos os cientistas estarão sendo ameaçados por um capitalismo que possui

suas particularidades e singularidades. Em sociedades, como a brasileira, é

mais difícil a utilizações da sociologia, da economia, da antropologia. Suas

descobertas exigiriam planejamento racional e democrático, condições que

poucas sociedades humanas oferecem.

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O “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda, o qual é

norteado por conservantismo, obscurantismo e intolerância no seu

comportamento, está também vivo, de alguma forma no sociólogo brasileiro. A

mentalidade conservadora também está presente de alguma forma no fazer

sociológico.

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A temática aqui escolhida para o desenvolvimento deste

trabalho é, integralmente, polêmica, já que indaga severamente, a partir da

concepção de Florestan Fernandes, sobre o papel do sociólogo no processo de

transformações sociais em curso. Em contrapartida, este trabalho fez emergir

um exercício acadêmico, o qual exigiu o ato de “debruçar” sobre um tema que

norteia as mais amplas atitudes do sociólogo, que são difíceis e desafiadoras.

Toda essa discussão pode levar a um desafio que não foi, nem ao menos,

citado ao longo deste texto: a coerência.

A coerência que faz uma ligação recíproca entre pensamento e

ação. Ou seja, a harmonia entre o que se produz e o que se pratica. Ao longo

desse exercício, o olhar de estranhamento se transformou num forte aliado,

pois, ao passo que se construía um esqueleto teórico, as inquietações

aumentavam, posto que se trata de um outro que está sendo analisado. Assim,

se fez necessário pensar em minha própria prática para uma suposta

verificação das práticas sociológicas. Um desafio que se encontra alojado no

bojo das inquietações objetivas e subjetivas. Uma tarefa dúbia, a qual norteia

todo um ambiente particular, extremamente parcial e repleto de valores e

relações pessoais. O exercício da atitude do sociólogo está repleto de

“paixões” que não podem ser consumidas no processo de abstração, porque a

cotidianidade não estará apenas no âmbito das palavras. O fazer sociológico

se compõe tanto no agir, quanto no pensar.

A “auto-crítica constante” de Florestan Fernandes deve ser

constantemente incorporada para que haja o mínimo dessa dada coerência

entre o agir e o pensar.

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A escolha pela reflexão de Florestan Fernandes teve o intuito de

se guiar a partir do pensamento social brasileiro e pela sociologia enquanto

ciência que luta pelo reconhecimento profissional do sociólogo no Brasil. O fato

de ser pautado pelo pensamento sócio-cultural brasileiro implica

reconhecimento de outros autores que também trataram da temática, como é o

caso de Costa Pinto e de Guerreiro Ramos. Não os descartando, mais sim,

demonstrando a suas respectivas importâncias.

O fazer sociológico é um tipo de esforço intelectual e político.

Impressiona que este esforço deve ser perseguido e desenvolvido

constantemente pelo sociólogo. Isto é, de forma criativa e original, de modo a

produzir uma grande significação teórica na sociologia. Para tanto, é

necessário ter em mente que as explicações dadas pelos clássicos são

fundamentais. Mas, se aplicada diretamente à sociedade brasileira, perde esse

significado.

Florestan Fernandes vai percorrer um caminho fundado na

criatividade e na originalidade, indo além do puro ecletismo que tanto o acusam

(é como se esse ecletismo fosse um critério para uma desclassificação). Ele vai

retomando conceitos universais, criticando e adaptando os mesmo a realidade

brasileira.

Florestan Fernandes, diante do quadro histórico-cultural, que

aqui fora construído (1930 a 1976), estabelecia que ao sociólogo cabia um

papel crítico e inovador perante a sociedade, marcado pela responsabilidade

social e voltado para diagnosticar saídas. Papel crítico porque o conhecimento

sociológico lança bases para novas atitudes. O mapeamento acerca do objetivo

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da realidade social brasileira seria capaz de tentar vencer as resistências,

provocando assim, novas atitudes nos grupos sociais, nos indivíduos.

Uma espécie de taquigrafia social, isto é, uma forma de se

tornar visíveis “sinais” tido como convencionais, e que norteiam a formação

social nacional. Sinais convencionais estes que podem estar no fato de ter a

presença de elementos arcaicos e modernos (relação entre os opostos) na

realidade social brasileira. Ressalta, portanto, a importância da história,

juntamente, com as peculiaridades da formação social. E o instrumento

taquigráfico se apresenta na forma de uma imaginação sociológica.

O diagnóstico do sociólogo brasileiro tentará revelar a realidade

social a partir de um conhecimento crítico capaz de produzir mudanças neste

processo. Um desafio constante pela recriação da vida social.

O fazer sociológico se encontra, portanto, em um campo em

que o raciocínio vai se confrontar com as incertezas e com as intenções

deliberadas para travar a mudança. Assim, o sociólogo que tiver dimensão de

artista, ou seja, paciência e sensibilidade de artista tentará ultrapassar os

obstáculos que minam as possibilidades de mudança.

Possibilidades humanas ainda ocultas; e por essa razão devemos perfurar as muralhas do óbvio e do evidente, da moda ideológica do dia cuja trivialidade é tomada como prova de seu sentido. Demolir tais muralhas é vocação tanto do sociólogo quanto do poeta, e pela mesma razão: o emparedamento das possibilidades desvirtua o potencial humano ao mesmo tempo em que obstrui a revelação do seu blefe. (BAUMAN, 2001, p.232)

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