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Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(71): 79-99, dez. 2006. 79 1 Este trabalho é baseado na tese de doutorado A escuta e o corpo do analista, desenvolvida na PUC-SP, sob orienta- ção do Prof. Dr. Renato Mezan e com apoio do CNPq, e defendida em dezem- bro de 2005. Agradeço à Dra. Leda Codeço Barone o incentivo para a escrita deste artigo. * Psicanalista. Membro do Departamen- to de Psicanálise do Instituto Sedes Sa- pientiae. Doutora em Psicologia Clínica, PUC-SP. O CORPO DO ANALISTA: CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO, IMAGINAÇÃO 1 Eliana Borges Pereira Leite * RESUMO Este trabalho trata da presença de sensações e manifestações corporais entre os efeitos que a escuta produz no analista, acompanhando seus processos associa- tivos e de alguma maneira relacionados com o que acontece na sessão. Estes efeitos estão presentes especialmente na clínica dos chamados “casos difíceis” nos quais está em jogo a dificuldade de representar, mas também podem ocorrer em momentos críticos de qualquer análise, exigindo elaboração. Para examinar estas manifestações, é sugerida uma aproximação entre o trabalho do analista e o trabalho do ator, que tem no corpo seu instrumento principal. O método de Constantin Stanislavski oferece ao ator meios de construir as características físicas e psíquicas da sua personagem com naturalidade e é utilizado para um diálogo com as formulações de Freud sobre a prática psicanalítica, de modo a permitir uma reflexão sobre a presença do corpo do analista na dinâmica da sessão. Palavras-chave: Escuta. Corpo. Teatro. Figurabilidade. Que nome podemos dar a essas correntes invisíveis que usamos para nos comunicar uns com os outros? Algum dia, este fenômeno será objeto de pesquisa científica. Constantin Stanislavski (1936/2002) Este trabalho tem como ponto de partida uma questão que, com certa freqüência, aparece entre as considerações finais de artigos e livros que tratam da clínica psicanalítica. Não é raro que um autor, ao concluir suas reflexões sobre alguma categoria clínica, mencione como o contato com o paciente que a apresenta afeta a escuta do analista, de que maneira interfere em sua atenção flutuante e em seus processos associativos, e se refira à ocorrência de sensações e manifestações

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1 Este trabalho é baseado na tese dedoutorado A escuta e o corpo do analista,desenvolvida na PUC-SP, sob orienta-ção do Prof. Dr. Renato Mezan e comapoio do CNPq, e defendida em dezem-bro de 2005. Agradeço à Dra. LedaCodeço Barone o incentivo para a escritadeste artigo.* Psicanalista. Membro do Departamen-to de Psicanálise do Instituto Sedes Sa-pientiae. Doutora em Psicologia Clínica,PUC-SP.

O CORPO DO ANALISTA:CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO, IMAGINAÇÃO1

Eliana Borges Pereira Leite*

RESUMO

Este trabalho trata da presença de sensações e manifestações corporais entreos efeitos que a escuta produz no analista, acompanhando seus processos associa-tivos e de alguma maneira relacionados com o que acontece na sessão. Estes efeitosestão presentes especialmente na clínica dos chamados “casos difíceis” nos quais estáem jogo a dificuldade de representar, mas também podem ocorrer em momentoscríticos de qualquer análise, exigindo elaboração. Para examinar estas manifestações,é sugerida uma aproximação entre o trabalho do analista e o trabalho do ator, que temno corpo seu instrumento principal. O método de Constantin Stanislavski oferece ao atormeios de construir as características físicas e psíquicas da sua personagem comnaturalidade e é utilizado para um diálogo com as formulações de Freud sobre a práticapsicanalítica, de modo a permitir uma reflexão sobre a presença do corpo do analistana dinâmica da sessão.

Palavras-chave: Escuta. Corpo. Teatro. Figurabilidade.

Que nome podemos dar a essas correntes invisíveisque usamos para nos comunicar uns com os outros?Algum dia, este fenômeno será objetode pesquisa científica.

Constantin Stanislavski (1936/2002)

Este trabalho tem como ponto de partidauma questão que, com certa freqüência, apareceentre as considerações finais de artigos e livrosque tratam da clínica psicanalítica. Não é raro queum autor, ao concluir suas reflexões sobre algumacategoria clínica, mencione como o contato como paciente que a apresenta afeta a escuta doanalista, de que maneira interfere em sua atençãoflutuante e em seus processos associativos, e serefira à ocorrência de sensações e manifestações

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corporais como um efeito particular, um“algo mais” na comunicação analítica.Em geral, este efeito é relatado quando aproblemática examinada rompe as fron-teiras da neurose e faz pensar em dificul-dades de constituição e funcionamentodos processos de representação, mas tam-bém pode ocorrer em momentos maiscríticos de qualquer análise. Examinarmais de perto estas manifestações, tentarabordá-las com os recursos da metapsi-cologia, interrogar o modo pelo qual ocorpo do analista participa do seu trabalho— em sua dupla natureza de investigaçãoe clínica — poderiam ser propostas deuma reflexão que, no entanto, quase sem-pre permanece apenas sugerida.

O corpo do analista parece serresguardado por uma sorte de recatoinvestigativo, talvez o mesmo que levouFreud a colocá-lo fora de vista, mas taldisposição não o exclui nem faz dele umcorpo inerte. Quem ocupa a poltrona temna lembrança seus tempos de divã e sabe,certamente, como cada sinal, um movi-mento ou a quietude, a oscilação da voz eo silêncio, um suspiro, um bocejo, umolhar trocado na entrada ou na saída,qualquer traço físico ou manifestaçãopercebida ou imaginada no analista, podese tornar o motivo de muitas conjeturasque, mesmo silenciadas pelo paciente,alimentam o movimento da análise. Oocultamento à visão faz da presença doanalista uma virtualidade, faz do seu cor-po o cenário de múltiplas possibilidadesimaginárias e mobiliza o campo do afeto.Mas como acolhe e o que faz o próprio

analista do que se manifesta em seucorpo? Sobre esse tema pouco se fala,como se abordá-lo pudesse representaralguma concessão em relação aos princí-pios de um método que opera pela pala-vra. Entretanto, um analista habita umcorpo que faz parte da situação analítica,é parte do seu dispositivo, e não deixa delhe fazer certa exigência de trabalho comocondição inerente ao surgimento do pen-samento e da linguagem de que fará usona sessão.

Da escuta do corpo aocorpo em escuta

A psicanálise teve de se haver como corpo desde as suas origens. Foi peloque se manifestava em seus corpos queas histéricas chegaram a Freud e o guia-ram em suas investigações iniciais. Umcorpo-cenário, apresentando repetida-mente o roteiro de uma cena traumática,corpo reminiscente de uma sedução, nosprimeiros tempos entendida como um fatoda infância, mais tarde como uma produ-ção da fantasia. A concepção de umaparelho psíquico que recebe, representae transforma tanto as percepções doambiente quanto as sensações corporaisesteve presente no pensamento de Freuddesde muito cedo. Passando pela formu-lação da teoria das pulsões, das quais é afonte, o corpo percorreu um trajeto teóri-co no qual adquiriu diversos registros, atélhe ser atribuída, na segunda tópica, acondição de sede das experiências maisprimárias e fundamentais para a consti-

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tuição do ego. Embora privilegiasse inici-almente a perspectiva surgida na clínicadas neuroses — na qual o corpo temestatuto representacional e participa dosrecursos de expressão simbólica do con-flito psíquico — a reflexão freudiana, apartir das reformulações teóricas de 1920,abriu-se a possibilidades mais amplas,incluindo situações nas quais as manifes-tações pulsionais podem não encontrarrepresentação no psiquismo. Nessa pers-pectiva, o corpo pode ser capturado noextravio da pulsão e tornar-se o palco deum destino alternativo, o que lança algu-ma luz sobre uma variedade de manifes-tações inicialmente não abordadas pelaclínica psicanalítica e que hoje se encon-tram na ordem do dia.

A dificuldade de representar é odenominador comum do que, há mais deuma década, Julia Kristeva designou como“novas doenças da alma”, referindo-se aproblemáticas que se tornaram ainda maispresentes em nossos dias. Seria esta difi-culdade o sintoma de uma época, o produ-to de mudanças históricas, efeito da vidamoderna sobre as condições familiares eas dificuldades infantis? As somatizações,os estados-limites e os falsos-selves — e,poderíamos acrescentar, o pânico, as adi-ções e as depressões — seriam variaçõescontemporâneas de carências narcísicaspresentes em todas as épocas? Ou, poroutra perspectiva, esta dificuldade passaa se configurar a partir de uma mudançana escuta dos analistas que vem se refi-nando na apreensão de problemáticasantes não percebidas? De qualquer for-

ma, observa a autora, a dificuldade ou aincapacidade de representar pode mataro espaço psíquico. De várias maneiras, oanalista se vê hoje solicitado a restaurar,a fazer renascer este espaço, o que oconvoca a se engajar, como ocorreu comFreud, em um projeto de redescoberta dopsíquico (Kristeva, 1993/2002, pp.15-16).

A ampliação dos horizontes da clí-nica, a partir da revisão da teoria pulsio-nal, não só trouxe a possibilidade de aco-lher um leque mais amplo de patologiascomo deu origem a novos desenvolvi-mentos conceituais e solicitou a atençãodos analistas para situações em que sepode fazer necessária a flexibilização datécnica. Como André Green observa,além de implicar a coexistência de doismodelos no pensamento de Freud — oprimeiro baseado no sonho, o segundo napulsão — o advento da segunda tópicapromove uma mudança de paradigmaque permite antecipar a inclusão, no cam-po clínico, dos casos-limites e de outrasestruturas que colocam em xeque a téc-nica clássica (Green, 2001/2003, p. 486).A variedade de formulações que resul-tam desta ampliação dá testemunho davitalidade do pensamento psicanalítico,de sua capacidade de renovação, masnão deixa também de produzir algumainquietação. Por certo, cada analista seconstitui à sua própria maneira e percorreum caminho singular em sua formação.Porém, a multiplicidade de perspectivaspode chegar a dificultar o reconhecimen-to e a manutenção de referências comunsentre as várias práticas ditas psicanalíti-

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cas, bem como a elucidação de suasdiferenças.

É neste contexto que me parecepertinente e instigante retomar a vertenteindicada por Ferenczi, que tanto insistiuna importância de investigar os processosem jogo do lado do analista, para nelainscrever uma reflexão sobre o que sepassa com o corpo que ocupa a poltrona.A especificidade da escuta analítica — osprocessos que nela operam e a rupturaque ela efetua em relação à escuta médi-ca — é a marca de origem da psicanálise,seu selo de garantia, e se o corpo doanalista vem sendo cada vez mais menci-onado como uma superfície de repercus-são desta escuta, sujeita hoje à incidênciade formas de organização psíquica que sefazem sentir mais do que se dão a ouvir,talvez seja o caso de retirá-lo da penum-bra e de investigar mais de perto como elese inscreve e toma parte no desenrolar deuma análise.

Do ponto de vista metodológico,coloca-se de início a questão do investiga-dor que investiga a si mesmo, com a quala psicanálise convive desde que Freudcomeçou a analisar seus próprios sonhose deste procedimento inédito fez surgiruma concepção do aparelho psíquico euma teoria do seu funcionamento. A estaquestão, Daniel Widlocher responde ob-servando que é preciso reconhecer comodiferencial do método psicanalítico umaracionalidade que não repousa sobre osmesmos princípios que sustentam as ci-ências naturais. Os conhecimentos queela formula não são refutáveis e se ins-

crevem numa lógica prática, cuja vali-dade não resulta do seu valor de verdademas do seu valor de inteligibilidade. Ométodo psicanalítico tem como objeto “aaventura intrapsíquica que se estabeleceem cada cura” e se adapta a cada situa-ção intersubjetiva do vínculo entre o paci-ente e o analista, vínculo que não seconfunde com uma relação interpessoal,pois “diz respeito às induções recíprocasde dois aparelhos psíquicos em comuni-cação” (Widlocher, 2001/2003, pp. 52-53). O consenso sobre o valor de um novoconhecimento, de um modelo ou de umconceito gerado pelo método psicanalíti-co não é obtido por meio de replicaçãoexperimental ou pelo teste de sua adequa-ção a uma situação real, mas pela con-frontação das comunicações entre psica-nalistas de suas observações clínicas, namedida em que certos fenômenos podemser por eles identificados e definidos emtermos análogos. Na psicanálise, o julga-mento de inteligibilidade ocorre pela con-frontação de modelos, pelo questiona-mento do que pode faltar em um modeloem relação a outro e pelo constante exa-me da articulação entre a teoria, a clínicae a técnica que ele deve possibilitar(Widlocher, 2001/2003, pp.54-58). Inves-tigar os processos que se passam do ladodo analista, inclusive os que o afetamcorporalmente, poderia contribuir paraampliar a inteligibilidade do próprio funci-onamento do método, tão mais necessáriaquanto mais se defronta o analista comsolicitações que lhe exigem flexibilidadeem relação às modalidades de trabalho

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desenvolvidas no contexto da clínica dasneuroses.

Frente à necessidade de resgatarreferências e de detectar dificuldades evariações surgidas em conseqüência daampliação do campo, a situação clínica éo terreno natural de investigação e refle-xão. Algumas considerações de AndréGreen a respeito das características dacomunicação nesta situação oferecemindicações do modo pelo qual o corpo —tanto do paciente como do analista — énela incluído. Para Green, na análise ocorpo trabalha:

Ele se esforça para trabalhar e se comu-nicar na ordem do psiquismo inconscientee da fala. O mesmo ocorre no que se refereao analista — há pacientes que nos dãodor de cabeça, que provocam no analistaestranhas sensações, às vezes até mo-mentos de confusão, outros de irritação,angústia e até mesmo reações somáticas(Green, 1990, p. 67).

A situação analítica se caracterizacomo uma troca entre duas partes, analis-ta e analisando, que elegem o canal verbalcomo modo de comunicação. No entanto,a relação entre o modo de comunicaçãoescolhido, a natureza do que é comunica-do e o objeto da comunicação é problemá-tica, pois a linguagem exerce um impactotanto sobre a expressão do que se dá aconhecer do psiquismo do analisando quan-to sobre a recepção por parte do analista.Os planos de organização do aparelhopsíquico não são homogeneamente sensí-veis a este impacto, permitindo que fato-

res extraverbais produzam efeitos que secombinam com a linguagem. “A comuni-cação verbal (representações de pala-vras) é acompanhada pelas representa-ções de coisas, pelos afetos, pelos esta-dos do próprio corpo”, diz Green, acres-centando que os efeitos de sentido sedistribuem em diferentes registros, porta-dores, em diversos graus, de tensões quepodem perturbar a continuidade do dis-curso e provocar efeitos disruptivos. Dolado do analista, torna-se necessário “ummodo de atividade psíquica que desempe-nha o papel de receptor complementar: aregressão formal “ (Green, 2001/2003,pp.477-482).

Também pensando na especifici-dade da situação analítica, no que permitedistingui-la de outras práticas, CésarBotella chama a atenção para a importân-cia do funcionamento regressivo que unena sessão o psiquismo do analista e o dopaciente:

É da regressão e de suas particularida-des que dependem as dinâmicas que sus-citam e determinam os processos de mu-dança do tratamento; ela é essencial paraa apreensão dos acontecimentos, para alémdo que o procedimento e a técnica podemprever, e além da circularidade dos prelimi-nares teóricos (Botella, 2001/2003, p. 428).

O estudo das modalidades e daamplitude da regressão permite, segundoeste autor, que analistas de diversas ten-dências se situem uns em relação aosoutros, em função do modo de considerara regressão na prática de cada um. Botella

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retoma o roteiro da noção de regressão naobra de Freud, lembrando que ela é for-mulada em relação ao movimento retró-grado do trabalho do sonho, possibilitandoa transformação do conteúdo onírico emimagens de natureza alucinatória e confe-rindo a este conteúdo uma inteligibilidadesob a forma da figurabilidade. Emboraparcialmente inibida, a regressão não dei-xa de estar presente na vida diurna emdiversas situações, e é particularmentefavorecida pelas condições da sessãoanalítica. A importância da regressão for-mal, bem como da metapsicologia de1900, do modelo do sonho, ficou em partenegligenciada durante o período em que ofoco da investigação teórica privilegiou adinâmica das representações, como nostrabalhos metapsicológicos de 1915. En-faticamente, Botella defende a suarevalorização e a articulação dos doismomentos da metapsicologia, de modo apoder acolher tanto os processosrepresentacionais quanto os movimentospulsionais, o além da representação que,na clínica dos nossos dias, se manifestapela via regrediente e requer uma inteligi-bilidade pela figurabilidade (Botella, 2001/2003, pp.429-431).

Indo ao encontro das considera-ções de Widlocher, Botella também serefere à participação da via regredientena produção da teoria por Freud, tanto naprimeira tópica, a partir da análise dosseus próprios sonhos, quanto a partir de1920, quando fica claro que o sonho podeser algo além da realização de um desejoinfantil: “... foi no estudo da regrediência

do seu próprio pensamento que Freudpôde apreender os fundamentos desua teoria”. E acrescenta: “Isso nosparece essencial para captar a especifici-dade e a originalidade tanto da psicanálisequanto da pesquisa em psicanálise”(Botella, 2001/2003, p. 432). O contatoregressivo com as dificuldades de certospacientes em deixar de repetir suas expe-riências mais sofridas, a manifestação dareação terapêutica negativa, o interesserenovado pelo sonho, em particular osonho da neurose traumática, e pelo jogorepetitivo de seu neto com o carretelatraíram a atenção de Freud para proces-sos psíquicos que escapam ao regime doprincípio do prazer, distintos daquelescaracterísticos das lembranças recalca-das. A reflexão teórica transitou do cená-rio das representações para o movimentopulsional, sem que a via regrediente daescuta deixasse de ser o meio de apreen-der a clínica. Parafraseando Freud, Botellasugere: “As condições regressivas dasessão formam a via real que leva aoconhecimento dos processos inconscien-tes” (Botella, 2001/2003, p. 433).

Nas considerações destes três au-tores encontram-se entrelaçadas as ques-tões que me motivam a prosseguir nalinha de investigação que comecei a per-correr em trabalho anterior (Leite, 2001).Minha inquietação era — e, vale dizer,continua sendo — com os efeitos dasmudanças constatáveis na clínica con-temporânea sobre a prática da psicanáli-se, descrita por seu criador como métodode investigação e tratamento do mal-

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estar humano, sobre o modo de concebero dispositivo clínico, a situação psicanalí-tica e, em particular, a escuta do analista.Como modalidade de recepção do que sepassa com o analisando, esta escuta vemsendo solicitada a se transformar paraacolher as problemáticas que tomam for-ma na psicopatologia do nosso tempo.Frente a novas exigências, seria aindapossível afirmar e preservar a referênciaao sonho como paradigma da constituiçãoda situação psicanalítica e dos processosque caracterizam a escuta do analista eseu funcionamento psíquico, precedendoe alimentando suas intervenções na ses-são? Ao reconhecer o trabalho do corpoentre estes processos, seria ainda possí-vel manter a correspondência, sugeridapor Freud, entre o dispositivo analítico e oespaço em que se produz e se dá a ver osonho?

As respostas, a meu ver, sãoafirmativas. A referência ao sonho conti-nua a ancorar qualquer possibilidade decompreensão dos processos que emer-gem e se desenrolam na situação analíti-ca, por mais que esta esteja sujeita, emnossos dias, a condições que podem serbem diferentes daquelas que permitirama Freud realizar suas primeiras descober-tas. Tanto André Green como CésarBotella se referem à ampliação que asegunda tópica promove quanto ao alcan-ce do método psicanalítico, e ambos subli-nham o interesse renovado de Freud pelosonho, a partir do enigma do sonho repe-titivo da neurose traumática. É justamen-te este movimento em direção aos pro-

cessos mais primários de inscrição pulsio-nal que permite entrever, já na reflexãofreudiana, a possibilidade de uma trans-formação do modelo do sonho capaz derevelar outras faces de sua potência heu-rística e de lançar alguma luz sobre assolicitações com as quais os psicanalistasvêm se defrontando cada vez mais emseus atendimentos. Tanto quanto em seusprimórdios, a psicanálise se encontra hojeàs voltas com a tarefa de construir umainteligibilidade, como diz Widlocher, paraaquilo que a aplicação do seu métodopermite desvelar. A pesquisa, como osautores mencionados são unânimes emafirmar, é inerente à situação analítica,sendo suas marcas essenciais a especifi-cidade do envolvimento do analista nasituação, a natureza singular do vínculoque nela se instala, e o movimento regres-sivo que favorece a revelação do funcio-namento intrapsíquico. Face à multiplici-dade de novas formulações, é mais umavez na fecundidade dos modelos freudia-nos, nas suas potencialidades de renova-ção e desenvolvimento que se encontramas coordenadas que permitem navegarem meio à dispersão.

A ampliação do campo e a mudan-ça de perspectiva introduzida pela segun-da tópica tiveram efeitos significativossobre a situação analítica, que passou aser concebida em estreita relação com asdinâmicas mais inaugurais e delicadas davida psíquica, ou seja, com as condiçõesde possibilidade da ligação da pulsão àrepresentação. Em correlação com estamudança de ponto de vista, muda também

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a perspectiva pela qual levar em conta osonho como modelo do funcionamentopsíquico extensível à sessão, amplia-se oseu alcance. Se a psicanálise, num pri-meiro momento, atribuiu ao sonho suaimportância paradigmática como via re-gia para o inconsciente por meio da inter-pretação, a esta se acrescenta, na atua-lidade, a importância de considerar ascondições e vicissitudes da sua produ-ção, já que, como Freud percebeu ao sedefrontar com o sonho da neurose trau-mática, um longo caminho deve ser per-corrido para que seja possível sonhar. Sãoas marcas deste caminho, suas diversaspossibilidades, impasses ou impedimen-tos, a maior ou menor integração destesprocessos desde os primórdios da vidapsíquica, ou mesmo seu colapso, que cadaanalista é convocado a encontrar emcertas situações junto a cada analisando.Nestas condições, como observa Botella,é preciso que o analista tenha disponibili-dade para abrir sua escuta à regressãoformal, uma regressão de natureza aluci-natória, cujo alcance pode, por algunsmomentos, transpor os limites da repre-sentação. Numa formulação que vem aoencontro do meu pensamento, ele afirma:

É possível que nossa cientificidade seapóie no estudo do sonho... Se não noslimitarmos a considerar a análise, sua teo-ria e prática, como uma disciplina fundada

essencialmente, se não unicamente, naidéia de interpretar, mas também conside-rarmos as qualidades criadoras que sãoinerentes ao funcionamento psíquico,poderíamos, a partir delas, do seu estudonas sessões, começar a refletir sobre umateoria e uma prática na qual o modelo já nãoseria o da interpretação do sonho, mas oestudo dos processos criativos, constru-tores do psiquismo, na sessão como nopróprio sonho. O modelo seria o do traba-lho do sonho, a investigação das qualida-des que ele contém, além das que já descre-veu Freud (Botella, 2000, p. 233).

Por essa perspectiva, a figurabili-dade pode ser considerada não só como oprocesso de transformação dos pensa-mentos latentes em imagens visuais, comoFreud a definiu, mas também como otrabalho pelo qual a pulsão não ligadaencontra uma forma inicial de ingressarna dinâmica psíquica. Na situação analí-tica, o corpo se inscreve como uma super-fície de recepção e de passagem dapulsionalidade não ligada, uma interfacede afetação ativada na regressão aluci-natória do analista — que acompanha aregressão do analisando — e da qual sesustenta sua atividade figural de nome-ação e construção2.

O trabalho do sonho, Freud co-menta, tenta diversas vezes até chegar aser bem-sucedido. A angústia indica suainsuficiência, seus impasses, e pode até

2 Em A figura na clínica psicanalítica (2001) sustentei a hipótese de que a psicanálise é um método deconstrução e interpretação figural, tomando como referência a noção literária de figura, tal como é estudadapelo romanista Erich Auerbach, e buscando uma aproximação desta noção literária com a figurabilidadeque opera no sonho e na sessão analítica.

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interrompê-lo. Frente a certos impactos,o aparelho de sonhar pode não dar contada sua tarefa de representação, elabora-ção e preservação da atividade psíquica.No contexto da sessão, é a atualizaçãodestas situações que submete a escutaanalítica às experiências mais intensas,inclusive na forma de sensações corpo-rais. Tais experiências se caracterizampelo predomínio de registros extraverbaisde constituição do sentido que estão pre-sentes nesta comunicação, e sua investi-gação se inscreve no campo do estudodas modalidades e da amplitude da re-gressão, tema de interesse para uma pes-quisa dos fundamentos da prática psi-canalítica atual.

Também para Pierre Fédida é cadavez maior a importância de integrar ocorpo na reflexão psicanalítica em dire-ções diferentes daquelas inicialmenteindicadas pela histeria. Em suas palavras,“o aprofundamento psicanalítico da ques-tão do corpo mostra o que é feito docorpo do analista no tratamento, istoé, revela como na prática psicanalíticae psicoterápica muitas coisas são im-pressionadas sobre o corpo do analis-ta” (Fédida, 1999, p. 81). Referindo-se àsdificuldades no atendimento de patologiasgraves, como os estados-limites, os trans-tornos narcísicos e os comportamentosaditivos, ele observa que tais situaçõesdão testemunho da existência de proces-sos regressivos que remetem a forma-ções arcaicas da vida psíquica e a carên-cias vitais. “No entanto”, comenta, “ge-ralmente nada se diz das condições nas

quais o analista trabalha e se comunicacom seu paciente” (Fédida, 2000, p. 4).Interessado em promover um retornorevitalizador sobre a noção de regressão,Fédida sublinha a importância da percep-ção endopsíquica e das transformaçõescom as quais o analista opera em suaatividade interna, e de que este se dêconta do material psíquico de que se servepara escutar, construir e interpretar: “Amaterialidade deste material não é ape-nas uma produção do paciente, mas pro-cede, no essencial, da capacidade aluci-natória do analista, na forma hipnóide dasua atenção flutuante” (Fédida, 2000, p. 7).

Numa perspectiva que dá desta-que aos processos criativos presentes nopsiquismo e também converge para umarevalorização da figurabilidade, encon-tra-se a discussão desenvolvida porCornelius Castoriadis, em um dos seusúltimos trabalhos, sobre a antinomia quemarca a obra de Freud quanto ao tema daimaginação. Na leitura crítica oferecidapor este instigante pensador, destaca-se oparadoxo de que Freud, autor de umaobra na qual se poderia dizer que a imagi-nação tem um lugar central e constitutivoda psique, faz todo empenho em apresen-tar as produções psíquicas, em especial afantasia e o sonho, como uma simplesrecombinação de coisas vividas e escuta-das, de maneira a encobrir e minimizar aforça criadora que lhes dá origem. Aotratar do trabalho do sonho, Freud dárelevo especial, entre os processos pri-mários, às operações de deslocamento econdensação, afirmando, ao mesmo tem-

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po, que o sonho não pensa, não calcula,não julga, mas se limita a transformar.Para Castoriadis, esta é uma posiçãoambígua. Como ele assinala, tal transfor-mação não é de uma coisa qualquer emoutra coisa qualquer. Portanto, há notrabalho do sonho alguma forma de julga-mento, de pensamento, assim como emqualquer atividade criativa — seja ela amúsica, a escrita, ou qualquer outra —,pois nenhuma obra surge somente dapura inspiração. Na mesma medida, acolocação em imagens em que consiste aconsideração pela figurabilidade tambémestá sujeita a alguma lógica própria, umtrabalho criador, sem o qual o sonho nãoseria interpretável. A figurabilidade nãoé uma operação coadjuvante do so-nho, mas uma de suas condições, ecomo questão em aberto é análoga à dadelegação pela qual se constitui o repre-sentante da pulsão. O infigurável se tornafigurável ou figurado de alguma maneira.No entender de Castoriadis, pelo trabalhocriador e indeterminável da imaginação(Castoriadis, 1991/1999, pp. 264-265).

A criação corresponde “à obriga-ção e ao trabalho permanente da psiquede dar figurabilidade ao que, por si só,não tem figura para a psique”(Castoriadis, 1991/1999, pp. 266-267).Avançando em sua proposição de confe-rir à imaginação o papel instituinte dohumano e do social, Castoriadis indicauma direção ainda mais radical:

Devemos postular, “para trás” do in-consciente freudiano, ou “abaixo” dele

(ou do Id) um não-consciente que é ocorpo vivo, como corpo humano animado,em continuidade com a psique. (...) Há umapresença do corpo vivo a ele próprio,inextrincavelmente misturada com o queconsideramos habitualmente como os“movimentos da alma” propriamente di-tos. E há homogeneidade substantiva, fla-grante, evidente e incompreensível entre apsique e o soma da pessoa singular (...)Étambém sob este ângulo que deveríamosconsiderar a idéia de uma imaginação sen-sorial e, mais geralmente, corporal(Castoriadis, 1991/1000, p. 273).

Uma imaginação corporal, uma fi-gurabilidade que nasce no corpo — emmúltiplas sensações viscerais, cinesté-sicas, táteis, acústicas, visuais — e que,no silêncio da sessão, movimenta o funci-onamento psíquico do analista em suaatividade de construção de uma lingua-gem singular em cada análise. Comocomeçar a desvelar um espaço tão íntimo?

O ator e o analista:uma aproximação possível

Não raro, ao procurar um ponto departida para abordar uma questão, Freudrecorria a outros campos da cultura comos quais tentava estabelecer contrapontos,analogias, paralelismos que lhe permitis-sem construir caminhos de pensamentoaté chegar ao que seria próprio da psica-nálise. Muitas vezes a ciência e a literatu-ra foram parceiras deste trabalho de cons-trução da teoria. Em algumas oportunida-des, foi na arte teatral que encontrou os

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recursos para refletir sobre certas proble-máticas constitutivas do humano. Perso-nagens do teatro, Édipo e Hamlet, emparticular, foram tomados como modelosde conflitos fundamentais da vida psíqui-ca. No, entanto, não se encontra na obrade Freud uma reflexão a respeito dotrabalho do ator, da singularidade do seulugar, nenhuma tentativa de análise sobreos processos que poderiam estar em jogoquando o ator constrói e desempenha umpapel, no exercício do seu ofício. A natu-reza do trabalho do ator e o que nele semovimenta a partir do seu encontro como texto que irá pôr em cena são questõesque não parecem tê-lo instigado, ao con-trário do que ocorreu em relação ao es-pectador e ao autor — o escritor criativo,o poeta —, sobre os quais algumas hipó-teses foram elaboradas.

Os recursos do teatro como arte,seus meios de expressão, embora nãoinvestigados diretamente, estão presen-tes no pensamento de Freud, que deles seapropria — como faz com elementos deoutros campos, a física, a geologia —para tecer comparações, construindometáforas e adotando os termos que lheparecem próprios para expressar seupensamento e dar materialidade à teoria.Nos escritos de Freud, como observaOctave Mannoni, “pode-se dizer que, commuita freqüência, a vida psíquica é todaela comparada a um teatro com seu palco,seus bastidores e seus personagens”(Mannoni, 1988/1992, p. 8). O exemplomais imediato desta aproximação é, semdúvida, a conhecida descrição do sonho

em termos de uma outra cena.As considerações de Mannoni con-

tribuem para um exame mais atento daaproximação entre o teatro, o sonho e asituação analítica, aproximação mediadapela referência a um espaço, um disposi-tivo com seus elementos e transforma-ções. O sonho, considerado por Freudcomo uma manifestação cifrada cuja in-terpretação desvela o desejo inconscien-te, dá origem inicialmente ao modelo doaparelho psíquico que toma a forma deum instrumento óptico com suas opera-ções e efeitos, e este se estende à própriasessão analítica. Porém, nesta concep-ção, apresentada no capítulo VII da In-terpretação dos sonhos, o analista figu-ra como intérprete ou decifrador de umtexto enigmático, um tradutor. Acompa-nhando as primeiras descobertas de Freud,num artigo em que examina o parentescoentre o sonho e a transferência, Mannoninos lembra que, em uma primeira fase, àépoca dos Estudos sobre a histeria, atransferência foi entendida unicamentepor meio do deslocamento e da repetição,como um obstáculo à recordação e aotrabalho da análise. O deslocamento,mecanismo essencial na compreensão dosonho, é o elemento comum aos doisfenômenos, e “a transferência (sobre oanalista) na cura ainda é apenas um casoparticular da transferência do desejo in-consciente sobre uma outra representa-ção suscetível de se substituir a algum outroobjeto” (Mannoni, 1969/1973, p. 160).

É com a análise de Dora, iniciadaalgum tempo depois da redação de A

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interpretação dos sonhos, que se impõea Freud uma ampliação da compreensãoda transferência e da sua relação com osonho. O que se torna necessário admitiré que a transferência traz para o terrenodo jogo da análise, ou seja, para a cenaanalítica, o que está representado e enco-berto na cena do sonho: “Em todo caso”,comenta Mannoni, “nada seria compre-ensível se não fosse preciso admitir queDora chega com um roteiro já constituído;os papéis já estão escritos e prontos paraser distribuídos, o cenário instalado, coma porta por onde, se nada mudar, elasairá” (Mannoni, 1969/1973, p. 162). Oequívoco de Freud foi não ter reconheci-do o papel que lhe havia sido designado. Oacting out de Dora lhe ensinou que, alémdo deslocamento entre representações,há na análise um espaço para a ação noqual a transferência se manifesta comoum script, e isso finalmente o leva, subli-nha Mannoni, “a tratar a cena do sonho, oteatro do acting out e o ‘terreno do jogo’da transferência como projeções do mes-mo espaço” (Mannoni, 1969/1973, p. 163).Já não basta que o analista se considerecomo um intérprete dos deslocamentos,um decifrador de enigmas. O percurso danoção de transferência indica-lhe umaoutra posição, na qual ele está implicadono próprio desenrolar do roteiro que seatualiza na cena analítica, e na qual se põeem jogo o reconhecimento ou não de umpapel, o que pode decidir, como Freudaprendeu, os rumos de uma análise.

De Dora até nossos dias, a clínica,na medida em que ampliou suas frontei-

ras, não cessou de se defrontar com oalcance desta implicação que ultrapassaem muito a concepção relativamente res-trita na qual Freud pensava, de início,poder manter a prática analítica. Nestesentido, J.-B.Pontalis observa que, a parda extensão que acabou tomando a noçãode contratransferência, da qual Freudpouco se ocupou, merece atenção a ma-neira como os analistas se referem hojeao que sentem no atendimento de seuscasos difíceis, com expressões como “pa-ralisado’’, “petrificado”, “bombardeado”,“indefeso”, para nomear sensações deimpotência e de falta de recursos experi-mentadas no próprio corpo. E esclarece:

Ocorre que, na dupla função que oconstitui como analista — intérprete eobjeto-suporte da transferência — a se-gunda vem ocupar todo o espaço, masmudando radicalmente de sentido: o ana-lista já não é exatamente um simples supor-te, que permaneceria diferenciado de quemele é em sua realidade, mas é efetivamentevisado. Os efeitos são sentidos nele, ge-ralmente após certo tempo, física e mental-mente, estando este “e” a mais, pois ele sesente tão paralisado nos movimentos doseu corpo quanto em seu “movimento”associativo (Pontalis, 1974/1977, p. 211).

Estar em cena como analista éviver, com freqüência, situações nas quaisé intensa a pressão para deixar de sê-lo.É expor-se aos efeitos da transferênciaou de além dela, vindos dos limites doanalisável. Questões que colocam emjogo o exercício do ofício e cuja investiga-

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ção talvez tenha a ganhar com o recursoàquele elemento do teatro em que Freudnão se deteve: o trabalho do ator. Entre asduas situações, a do teatro e a da análise,qualquer aproximação tem necessaria-mente um limite, pois não se trata para oanalista de atuar, pelo menos não nosentido de personificar física e intencio-nalmente um papel, passando à ação.Mas há também uma tensão, pois ele orecebe, até mais de um em cada análise,e isso o afeta, exige um trabalho deelaboração, talvez como cada novo per-sonagem solicite do ator um preparo euma construção antes de entrar em cena.Os destinos desta elaboração são dife-rentes para um e outro. Contudo, atécerto ponto do caminho, talvez suas expe-riências sejam semelhantes. O ator em-presta aos personagens suas emoções, ecom elas seu corpo. Talvez, no que eletem a dizer sobre sua prática e seu méto-do, seja possível encontrar indicaçõesque, tanto por afinidades quanto por con-trastes, contribuam para construir umacompreensão da presença do corpo doanalista em sua escuta.

Uma referência fundamental paraqualquer tentativa de aproximação aotrabalho do ator, tal como o conhecemoshoje, é a obra de Constantin Stanislavski.O grande mestre do teatro fundou, junta-mente com Vladimir Danchenco, em 1897,o Teatro de Arte de Moscou, companhiaà qual dedicou toda a sua carreira, tendosido seu diretor por quarenta anos. Atuouno palco até 1928, quando adoeceu gra-vemente. Recuperado, mas incapacitado

para se movimentar em cena, continuou adirigir, ensinar e escrever até sua morte,em 1938. Seu primeiro livro, A prepara-ção do ator, foi publicado em 1936, nosEstados Unidos, antes de ser editado naprópria Rússia. Foi, portanto, contempo-râneo de Freud, e estas poucas indica-ções sobre sua vida, bem como a naturezae a importância da sua obra, ajudam alançar alguma luz sobre a ausência deuma reflexão sobre o ator nas referênciasfreudianas ao teatro. Antes de Stanislavski,o teatro tradicional, a não ser por rarosatores mais intuitivos, caracterizava-sepela adaptação de recursos de oratória,por uma técnica que hoje seria classifica-da como convencional, declamatória eartificial. Foi a partir da ruptura por eleproposta que se tornou possível ao ator ouso de sua emoção e uma elaboraçãocriativa na composição da personagem.

Stanislavski nunca pretendeu esta-belecer teorias, pois considerava sua arteuma busca sempre ativa de novas formas,para a qual é necessária uma formaçãoampla do ator nos planos intelectual, espi-ritual, físico e emocional. Receoso de queseu pensamento fosse tomado como umconjunto de regras, hesitou durante muitotempo em dar-lhe forma escrita. Em suaobra mais importante, o mestre russotransmite sua experiência e dá a conhe-cer um método que permite ao ator mo-derno livrar-se de artificialismos e cons-truir as características do seu persona-gem com independência e naturalidade.A imaginação, juntamente com o queStanislavski designa como estado interi-

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or de criação, e a memória das emo-ções são alguns dos recursos de que oator deve se valer em seu trabalho, recur-sos que são desenvolvidos ao longo da suapreparação — caberia dizer formação— e nos quais, naturalmente, o corpo estáimplicado. Explicando a jovens atores aimportância da imaginação, ele diz:

Nossa arte requer que a natureza intei-ra do ator esteja envolvida, que ele seentregue ao papel, tanto de corpo quantode espírito. Deve sentir o desafio à ação,tanto física quanto intelectualmente, por-que a imaginação, carecendo de substân-cia ou corpo, é capaz de afetar, por reflexo,a nossa natureza física, fazendo-a agir(Stanislavski, 1936/2002, p. 103).

Certamente não dispunham destaformação os atores que Freud viu nospalcos de Viena em sua juventude, o quetalvez o tenha impedido de vê-los comoartistas criativos, no mesmo sentido emque, já psicanalista, veio a considerar opoeta, o romancista ou o dramaturgo,capazes de explorar as suas própriaspaixões humanas e dar a elas formaspassíveis de serem compartilhadas. E,ainda que fosse este o caso, mesmo apósseus revezes com Dora e a ampliação danoção de transferência seria muito poucoprovável que, em relação ao trabalho doanalista, Freud pudesse tomar o ator como

um duplo, como chegou a se referir aoescritor, na carta dirigida ao poeta ArthurSchnitzler, em 14 de maio de 19223. Pre-ocupado em inscrever a psicanálise nocampo da ciência, ele relutava em admitiralgum parentesco desta com a arte. Se ofez, cautelosamente, em relação à litera-tura, foi por admirar a sensibilidade degrandes escritores para observar e retra-tar a complexidade da alma humana e nãopor reconhecer a presença da criativida-de e da imaginação no trabalho analítico,que definia como um método de investi-gação e tratamento. A afinidade que per-cebia entre o escritor e o psicanalistarepousava sobre o reconhecimento dascaracterísticas literárias dos seus própri-os escritos. Assim, para que possa serpensada uma aproximação, ainda queexploratória, entre o trabalho do ator e odo analista, é necessário, transpondo aambigüidade de Freud quanto às afinida-des entre a psicanálise e a arte, conside-rar as transformações ocorridas tanto naconcepção do trabalho do ator — que setornou efetivamente criativo e pessoal apartir da ruptura promovida por Stanis-lavski — como do lado do analista, com opassar dos anos cada vez mais confronta-do com as exigências da clínica além doslimites imaginados por seu criador.

A proposta é convidativa, porémultrapassaria os limites deste artigo.

3 Esta carta não se encontra nas Obras Completas de Freud. Noemi Moritz Kon, em seu livro, Freud eseu duplo (S. Paulo: EDUSP/FAPESP, 1996, pp.128-129) , emprega a versão transcrita por Jones em Avida e a obra de Sigmund Freud (Rio de Janeiro: Imago, 1989, vol. 3, pp.430-431), e relaciona outras obrasem que esta carta é citada parcial ou integralmente.

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A título de indicação do que estaaproximação pode propiciar, vale adian-tar que a leitura de A preparação doator revela pontos de vista que, nascidosda experiência do teatro, são muitas ve-zes convergentes com os da psicanálise,desconhecida por Stanislavski. Para odiretor, o ator deve ter por objetivo utilizarsua técnica para fazer da peça uma rea-lidade teatral, termo que evoca, no leitoranalista, o estatuto da realidade na clínicae a concepção de realidade psíquica for-mulada por Freud. Sua concepção deimaginação é a de um processo em ativi-dade permanente, tanto na vigília quantono sono, semelhante às concepções freu-dianas sobre a atividade da fantasia nodevaneio e no sonho. Ao criar a vida físicade uma personagem, o ator, segundo aconcepção de Stanislavski, cria tambémsua vida psíquica, uma vez que o elo entreo corpo e a alma é indivisível. A açãofísica é inerente a momentos emocionaisintensos, e é através de ações e sentimen-tos tirados de sua vida real e transferidosao personagem que o ator cria sua vidafísica e psíquica. A memória emocionaldo ator consiste na sua capacidade deevocar sentimentos já experimentados eé um elemento essencial do seu processode criação. Ao utilizar suas emoções, oator irá encontrar, entre suas lembrançaspessoais, aquelas mais especiais, que lhepermitam expressar sentimentos análo-gos aos do seu papel. Assim, a qualidadedo desempenho de um papel depende dorepertório emocional que cada ator con-segue encontrar em si mesmo, e que deve

desenvolver através de um constantetrabalho interior. Cada ator precisa re-alizar um trabalho de descoberta de suascaracterísticas humanas, boas e más,mesmo quando estas não se manifesta-ram em sua vida, num processo que evo-ca o da análise do analista.

Como Stanislavski em relação aoteatro, Freud também hesitou em escre-ver e divulgar trabalhos sobre a técnica,vendo com ceticismo o valor que taisescritos poderiam ter para os jovens ana-listas. No seu entender, a enorme diversi-dade de constelações psíquicas fazia obs-táculo à fixação de regras, sendo maisimportante o conhecimento dos funda-mentos da terapia psicanalítica. Strachey,na introdução aos escritos técnicos de1911-1915, ressalta que Freud nunca dei-xou de insistir em que o domínio da técni-ca tinha como condição a experiênciaadquirida na clínica e, principalmente, naanálise pessoal do próprio analista. Umaleitura da obra freudiana que busque ras-trear o lugar do corpo no dispositivo ana-lítico indica, desde o início, seu reconheci-mento de que todos os processos aními-cos, tanto os pensamentos como, e demodo muito especial, os afetos, são acom-panhados por manifestações corporais(Freud, 1890/2001a, p. 118). Por obser-var que, enquanto escuta seus pacientes,seu corpo está sujeito a gestos e expres-sões involuntárias que acompanham seusprocessos inconscientes é que Freud de-cide ocultá-lo, colocando a poltrona àcabeceira do divã (Freud, 1913/2001d, p.135). Inventa, assim, um dispositivo que

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visa tanto a evitar a contaminação datransferência pelas interpretações quepossam ser dadas pelos pacientes aossinais corporais observáveis no corpo doanalista quanto a prover este último dareserva necessária ao trabalho interiorpelo qual tais sinais possam encontrar seulugar na análise. A posição da poltronaem relação ao divã, a retirada do analistado campo de visão do paciente, se justifi-ca pela presença do corpo em suaescuta, em estreita relação com seuspensamentos inconscientes. Ao escreverseu artigo “Sobre a dinâmica da transfe-rência”, em 1912, Freud já tem em menteque, como o sonho, a transferência é daordem de uma experiência presente, atu-alizada, alucinatória, e já não supõe que oanalista possa se manter na posição detradutor-intérprete, como lhe parecia ini-cialmente. Em torno dos fenômenos trans-ferenciais, cria-se um campo no qual sepolarizam a tendência a atuar e o tra-balho de discernir, e é preciso reconhe-cer que aí o analista se depara comgrandes dificuldades. No entanto, “não sedeve esquecer que estas nos prestam oinestimável serviço de tornar atuais emanifestas as moções de amor escondidase esquecidas dos pacientes, pois, em defini-tivo, nada pode ser vencido in absentia ouin effigie” (Freud, 1912/2001c, p. 105). Nacenografia da análise, o corpo do analista seoculta, mas tem sua parte de experiência,talvez tão intensa quanto a do ator noencontro com o seu papel.

Tanto para o ator quanto para oanalista o corpo é parte de um processo

de construção de sentidos. No caso doator, a técnica inclui, a partir do estudo dapeça, um uso intencional da imaginação eda memória pessoal, para despertar tantoas sensações como a emoção e suasmanifestações corporais que irão forne-cer consistência à vida física e às açõesdo seu personagem. Para o analista, poroutro lado, a solidão obtida por meio deseu recolhimento é a condição de umatécnica que dispensa toda a intenção, e naqual a atenção flutua à deriva na escuta.Em lugar das circunstâncias criadas porum autor, que no caso do ator orientam aatenção e despertam a atividade imagina-tiva, é a fala do analisando que, inadver-tidamente, toca e desperta a memória, aimaginação, os pensamentos inconscien-tes, as sensações e manifestações corpo-rais do analista, e estas não se destinam afundamentar uma ação física, mas à re-constituição da dimensão inconscientepresente nas palavras vindas do divã.Não é dado ao analista o tempo de conhe-cer previamente — como um ator queestuda seu texto — o roteiro transferen-cial que se apresentará na fala do pacien-te nem o lugar que nele lhe será designa-do. Porém, o dispositivo analítico é conce-bido por Freud de modo a permitir oespaço e o tempo de uma recepção reser-vada, cujo instrumento é o inconsciente ena qual o corpo está naturalmente impli-cado. O corpo do analista fornece seuespaço a uma cena psíquica, revelando,por vezes de maneira contundente, suaintensidade e natureza, os afetos que elatransporta. Mas o trabalho a ser efetuado

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pelo analista prossegue num palcointeriorizado, afastando-se, neste aspec-to, do trabalho do ator.

A arte do analista

“Com efeito, o instrumento aními-co não é fácil de tocar”, escreve Freud,preocupado em deixar claro, já em 1905,que a psicanálise requer de quem a prati-ca o conhecimento profundo dos seusfundamentos, para dar suporte a umatécnica que não se reduz à aplicaçãodireta de alguns procedimentos (Freud,1905/2001b, p. 251). Mas isso não é tudo,a julgar pelas referências à atividade doanalista como a “arte da interpretação”(Freud, 1923/2001e, p. 235). Ainda quetendo no horizonte sua aspiração científi-ca, Freud deixa aparecer, aqui e ali, pormeio de sua linguagem metafórica — quenão se contenta em recorrer apenas aimagens emprestadas do campo da ciên-cia — indícios de uma força de atraçãoque mantém por perto, mas a uma distân-cia cautelosa, a arte e seus modos deprodução. A imaginação, a fantasia e aespeculação criativa são admitidas emcertos momentos, sempre acompanha-das por argumentos que as inscrevemcomo recursos provisórios mas necessá-rios para o avanço da investigação e dadescoberta científica.

Aproximar o trabalho do ator e o doanalista é uma tentativa que, talvez de ummodo um tanto atrevido, não só procuratirar proveito desta “licença artística”,uma certa flutuação que Freud introduz

nas bordas da investigação psicanalítica,como também procura fazê-la trabalharem benefício de uma elucidação do quepode estar nos bastidores da cuidadosaformulação dos princípios que sustentama técnica. O que ali se encontra, o quepermanece sombreado, semi-oculto nocenário da análise, é o analista em pes-soa. A regra da abstinência orienta a suaconduta, diz respeito à sua atitude, masnão se aplica aos seus processos psíqui-cos. Ao contrário, ela interpõe um espa-ço/tempo para que estes processos pos-sam ser empregados, justamente, comoinstrumento do ofício. A análise pessoal éo suporte essencial deste emprego, per-mitindo ao analista afinar o instrumento,regulá-lo para, na medida do possível,elaborar o que inevitavelmente o implicae discernir como isso o informa sobre opaciente e sobre a situação analítica.Estar à cabeceira de um divã é ir aoencontro do que a fala do paciente podefazer ressoar nos recantos de si mesmo,é se deixar surpreender por movimentosinesperados do pensamento, e também doafeto e do pulsional não pensado, quefazem aparição no corpo.

A arte do analista põe em cena oseu próprio inconsciente e obtém suamatéria-prima das múltiplas dimensõesda memória, dos afetos, dos traços deexperiências de uma vida real. Comparti-lha, assim, das mesmas fontes que ali-mentam o “estado interior de criação”, noqual, como ensina Stanislavski, germina otrabalho do ator. Daí, a meu ver, o interes-se e o envolvimento que os ensinamentos

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do mestre do teatro podem despertar noanalista que o lê. E também a inquietaçãoque impõe a essa leitura um movimentooscilante e uma certa tensão — entre oinevitável reconhecimento de semelhan-ças e a necessidade de demarcar diferen-ças —, evocando a formulação de Freudpela qual as dificuldades do analista secolocam entre a tendência a atuar e otrabalho de discernir. Em proporçõesdiferentes, esta polaridade está presen-te nos dois ofícios. Se a técnica, notrabalho do ator, se apropria da tendên-cia a atuar e faz dela o meio de expres-são necessário à vida física do papel, oator encontra seus limites na direçãoque lhe é dada pelo autor. Sua liberdadede atuar encontra nas circunstânciasda peça tanto os elementos de criaçãoquanto a fronteira que não pode trans-por, pois não lhe é permitido mudar atrama, decidir com pessoa pelo perso-nagem. Quanto ao analista, se o traba-lho de discernir lhe propõe como condi-ção a abstinência, seu recolhimento napoltrona não exclui a presença da ima-ginação e do afeto, bem como do corpoque os experimenta e fornece suasimpressões tanto à atividade associati-va, ao trabalho de sonho e de interpre-tação, quanto ao que o precede, à cons-trução necessária de certas passagensde uma vida psíquica. Uma análise éuma obra aberta.

Freud admitia a presença da imagi-nação — especulação criativa — na cons-trução da teoria, assim como reconheciaem seus escritos o parentesco com a

narrativa literária e no escritor a sensibi-lidade compartilhada em relação à almahumana. Uma aproximação ao trabalhodo ator, tal como é dado a conhecer porStanislavski, talvez lhe parecesse hoje umrecurso possível para investigar mais deperto a experiência do analista em traba-lho. Como dois fios que ora se cruzam orase afastam sem se amarrar, os dois ofíci-os têm pontos de contato mas mantêmentre si um intervalo, dado pelos diferen-tes destinos do corpo. Intervalo que, namedida do possível, cada analista é con-vocado a reconhecer e sustentar no inte-rior da sua prática, sempre que a fala deum paciente o afeta e desperta sua ten-dência a atuar na reciprocidade ou naidentificação, no equívoco de tomar-secomo pessoa pelo personagem ausente aquem se destinam as demandas transfe-renciais ou ainda outras, mais arcaicas. Aarte do analista reside em acolher a ver-dade do afeto reeditado na situação ana-lítica sem sobrepor sua pessoa ao destina-tário e, quase sempre, em acolher a dorsem nome do evento traumático. Susten-tar o intervalo, fazendo do corpo o espaçode recepção e transposição das impres-sões para o palco do sonho. Fazer docorpo a matéria da figurabilidade.

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SUMMARY

The analyst’s body: clinic, investigation, imagination

This work deals with the presence of sensations and other bodily manifestationsamong the effects that listening produces in the analyst, following his associativeprocesses and somehow related to what happens during the session. This effect showsup specially in those cases in which the difficulty to represent is at stake, but it may alsohappen in any analysis, in critical moments. To investigate these effects, an approachis suggested with the actor’s work, whose body is the main instrument. ConstantinStanislavski’s method provides the actor a way to built physical and psychological traitsof a character as naturally as possible and is employed in a dialogue with Freud’s advicesabout psychoanalytical practice so as to elucidate the presence of the analyst’s bodyin the session.

Key words: Listening. Body. Theater. Figurability (Representability).

O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

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RESUMEN

El cuerpo del analista: clínica, investigación, imaginación

Este trabajo trata de la ocurrencia de sensaciones y manifestaciones corporalesentre los efectos que el processo de escuchar produce en el analista, acompañandosus procesos asociativos y de alguna manera relacionados con lo que acontece en lasesión. Estos efectos están presentes especialmente en la clínica de los llamados“casos difíciles” en los cuales está en juego la dificultad de representar, pero tambiénpueden ocurrir en momentos críticos de cualquier análisis, exigiendo elaboración. Paraexaminar estas manifestaciones, se sugiere una aproximación entre el trabajo delanalista y el trabajo del actor, que tiene en el cuerpo su instrumento principal. El métodode Constantin Stanislavski ofrece al actor medios de construir las característicasfísicas y psíquicas de su personaje con naturalidad y es utilizado para un diálogo conlas formulaciones de Freud sobre la práctica psicoanalítica, de modo a permitir unareflexión sobre la presencia del cuerpo del analista en la dinámica de la sesión.

Palabras-clave: Escuchar. Cuerpo. Teatro. Figurabilidad.

Eliana Borges Pereira LeiteAv. São João, 323/12

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Recebido em: 30/08/06Aceito em: 02/10/06