Maquina de Pinball - Clara Averbuck
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MQUINA DE PINBALL
Clarah Averbuck
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CONRAD EDITORA
Rua Simo Dias da Fonseca, 93 AclimaoSo Paulo SP 01539-020
Tel.: 11 3346.6088 / Fax: 11 [email protected]
www.conradeditora.com.br
Copyright 2002, Clarah Averbuck
Copyright desta edio 2002, Conrad Editora do Brasil Ltda.
FOTOSDECAPA: Bruno Furnari
CAPA: Marcelo Ramos
PRODUOGRFICA: Ed Wilson Dias
ASSISTENTEDEPRODUO: Ansio Arruda
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Averbuck, ClarahMquina de Pinball / Clarah Averbuck. -- So Paulo : Conrad
Editora do Brasil, 2002.
ISBN 85-87193-74-0
1. Romance brasileiro I. Ttulo
ndices para catlogo sistemtico:1. Romances : Sculo 20 : Literatura brasileira 869.9352. Sculo 20 : Romances : Literatura brasileira 869.935
02-3101 CDD-869.935
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QUE MULHER!
Este um livro que nos leva a deix-lo saltar dentro de nossa cabea
por culpa exclusiva dessa mulher chamada Clarah Averbuck. Seu
deslocamento de esprito, sua forma enganadora que se aproveita das
conquistas das lnguas e mostra um livro em que you can love her /
you can love me at the same time e ao mesmo tempo pode tudo, como
sair, beber, chegar em casa e descolorir o cabelo com blondor. Grande
idia. Agora sou loira.
Que mulher essa que chega em Londres e em meia pgina conclui
o que centenas de PHDs escreveram em milhares de pginas para passar
em mestrados que ela manda tomar no cu com uma sabedoria invejvel
e indiscutvel.
Uma mulher que, conforme seu estado, escreve at sobre turfe, gas-
tronomia, dieta, astrologia, horscopo, inventa signo novo.
Que tipo maravilhoso de violncia verbal de agora que ousa uma
paz ou limpinha e sbria, ou sujinha e bbada. Que coragem de ser livre
est condenada a ser livre sartreanamente e ir sem medo ao conheci-mento das coisas para contrabalanar o terrvel que ser homem com
a maravilha que ser homem. Mas no uma Castaeda qualquer;
::prefcio::
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uma fria potica da altura de um Rafael Alberti que no invoca nunca
o cu. O cu est vazio.
Talentos assim aparecem para repetir Unamuno quando ele dizia
numa exposio de quadros acadmicos: Esse repugnante bom gosto,essa inveno de espritos covardes.
Este livro d uma lio maior para enfrentar a vida sem covardia.
uma literatura que explode o Frusciante, o Bob Forrest, o John Fante e
Bunker Hill. Uma literatura com a altura potica tambm de Whitman,
porque essa mulher tem o corpo e a alma omnvara, ave, peixe, homem,
mulher, o um que so dois quando dois so um, espao, nexo, sexo,
Califrnia, So Paulo, Nova York e tudo o mais...
Difcil ver uma contemporaneidade mais potica em brasilidade. um
livro que os que sabem ver as coisas e os que no sabem ver as coisas lero
como alimento indispensvel para devorar seus contentamentos.
Antonio Abujamra
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Para Joo, o Gato. No teria sobrevivido ao inferno
sem voc, meu gatinho lindo, meu amor felpudo,
que dorme comigo todas as noites e morre de cimes
de seus rivais humanos. Prrrr, Joo. Ns, gatos, j
nascemos pobres, porm, j nascemos livres.
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Para Jazzmo,
Para James,
Para Jules,
Para John,
Para Jlio,
Para o outro John,
Para todos os homens da minha vida.
Eu amo vocs. Ou amei. Ou vou amar. Mas por favor,
parem de ter nomes com jota seno o pessoal no vai
levar a dedicatria a srio.
Para meus pais, Hique e Heloiza, por no se arrepen-
derem de ter me colocado no mundo, mesmo tendo
que pagar meu aluguel s vezes. Eu acho.
Para Diego. Dont fall on me.
Para Pedro Ivo, Emiliano, Arturo, Jimi e PJ, os felinos
mais amados do planeta.
Para Auro, Dan e Mateus. Luv ya, boys.
Para Anne, minha garota.
Para Desire, minha parceira no crime.
Para Mariana E. Messias e Mariana Bandarra,
minhas soulsisters. Men come and go, but friends
are forever.
Para os The Strokes, por serem to fodidamente
bons.
No cabe mais ningum aqui, mas vocs sabem
quem so.
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Let the truth be known / Ive got to walk around in my own tennis shoes / Let the
truth be known / I have to learn to live in this world on my own / Let the truth be
known / Nobody showed me how supposed to go.
Bob Forrest The Bicycle Thief
Planeta: Terra. Cidade: So Paulo. Como todas as metrpoles, So Paulo
encontra-se hoje em desvantagem na sua luta contra o maior inimigo do
homem: a poluio. Caralho, que cidade suja.
Minha pele est podre. No tive espinhas nem durante a adolescn-
cia, salvo uma ou outra no perodo maldito do ms, sempre nas extre-midades do rosto. Agora tem trs bem no meio da bochecha. Mas no
pense que descobri no espelho, porque aqui simplesmente no existe
luz suficiente para isso. Meu cabelo tambm est um horror por causa
desta gua ridcula. Lembra daquele peixe fluorescente de trs olhos de
um episdio dos Simpsons? Pois seria bem mais fluorescente e teria uns
cinco ou seis olhos espalhados pelo corpo se dependesse dessa gua
idiota. Sim, sou mulherzinha. Uso maquiagem, salto agulha, piercingno umbigo e esmalte com glitter. E sou feliz assim. Mulherzinha. Mas
com bolas.
::1::
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Bolas. Camila, voc emagreceu! Abenoado seja o Dr. Boleta, que
me d folhas e mais folhas de receita azul. Quem tem azul tem tudo.
Mas no quero tudo, s anfetaminas. Cloridrato de Anfepramona, vulgo
Inibex ou Hipofagin, uma ddiva na vida de pessoas que no gostamde dormir ou neurticas depressivas sem dinheiro para comer. Todas as
alternativas esto corretas.
H um ms eu tinha TV a cabo, geladeira, forno de microondas, con-
tour pillow, liquidificador, videocassete, lava-louas, cablemodem, sacada
e namorado. Agora, moro em um quarto onde no cabe um homem adulto
deitado no cho. Acredite, eu testei. Durmo em um colchozinho na sala,
junto com Julian, o gato que achei no meu terceiro dia de cidade. Amo
gatos. Os outros dois ficaram na minha ex-casa. Trs, na verdade, mas
na partilha de bens o namorado ficou com um deles e com os bonequi-
nhos dos Beatles, nico motivo de briga at agora, fora as traies que
nos levaram ao trgico fim. Minhas, que fique claro. Porque preciso me
apaixonar toda hora, ou no consigo produzir porra nenhuma. Por isso
meu ex-namorado, de quem eu realmente gostava, no quis mais saber
de mim: no sou capaz de ficar com uma pessoa s. Consigo amar uma
s pessoa e essa pessoa era ele, mas preciso de novidade constante. De-
pois de dois anos ele no quis mais saber e me expulsou de casa. O que
fazer? Tentar explicar? No adianta, ningum entenderia, nem eu. Agora
o amor da minha vida esta semana s se refere a mim como a farsante
e cobra a fortuna que devo a ele. Suspiro. Love is suicide.
Tenho duas opes: ou sofro como um co abandonado, choro, choro,
choro e espero passar, ou saio por a me divertindo dentro do possvel
e comendo pessoas. Nada de canibalismo aqui: estou falando de sexo.
Sentir algo que no seja dor bom nessas horas.
Constantemente tenho ataques de quero ir pra casa, mas so absolu-
tamente inteis e o que d pra fazer encher a cara e encarnar o Vicente
Celestino ou o Lupicnio Rodrigues ou os dois o que pode ser ainda
mais deprimente quando voc se d conta de que eles sofriam melhor
e voltar cambaleando para o meu quartinho de empregada sem janela.
Eu e Julian dormamos felizes e mais de uma vez aquele gatinho salvoua minha vida. Em momentos de depresso extrema, quando pensava em
voar da janela do 11oandar e virar uma panqueca gosmenta no asfalto,
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Julian vinha para perto e ficava me olhando. Tenho certeza de que ele
sabia o que se passava na minha cabea e me pedia pra ficar. Quem iria
cuidar do pobre gatinho se eu virasse lasanha? Os malacos que moravam
comigo? Nunca. Ento eu desistia e ficava olhando pro p.Com o tempo, acostumei a passar a manh com o maldito sol na
cara. A janela da sala no tinha cortinas. Realmente no fazia a menor
diferena.
Pro diabo com isso tudo, ficou pra trs e minha frente tem uma
cidade inteira com as pernas abertas. O fato de no ter um puto centavo
no bolso no me preocupa. Sempre dou um jeito de arrumar dinheiro.
Me viro tendo minhas boletas, meus CDs, meu computador e alguma
linha telefnica. Sim, porque ficar sem pegar e-mails inconcebvel.
No imagino como algum podia suportar a espera de uma carta que
viria de carruagem ou navio ou motoquinha ou bolsa de carteiro. As
possibilidades de extravio eram enormes. Acho que preferiria passar a
vida viajando a esperar cartas de pessoas longnquas. Provavelmente,
me apaixonaria perdidamente por um sujeito que vi de relance no cais
do porto da Escandinvia e passaria o resto da vida tentando ach-lo.
Qualquer coisa fcil no tem a menor graa. E difcil no significa lento,
demoras me corroem, quero tudo na hora. nisso que d ser filha nica
de pais roqueiros. Ou hippies. Ou zen, depende da poca. Agora eles
fazem meditao e me mandam livros sobre os processos de Pluto e a
Era de Aqurio.
Posso estar fodida e sem dinheiro, mas rock de graa. Ultimamente
s escuto Strokes, banda que alguns incrdulos pouco visionrios duvi-
davam que fosse estourar. Pra mim era bvio, virei f desde que ouvi o
primeiro single, The Modern Age, simplesmente genial, meses antes que
qualquer um por aqui tivesse idia de quem seriam os rapazes. Agora
virou hype. Tudo bem, eles merecem. Ento, para os fodidos, rock e miojo.
Mas miojo light, porque no quero virar uma pra. J basta ser pobre, se
tambm inventar de ficar gorda vai ser foda. Um conselho: nunca cozinhe
de culos. Voc, eu no sei, mas tenho essa mania de enfiar a cara na
panela para ver como andam as coisas ali dentro e meus culos sempreacabam embaados. Isso tambm acontece diante de pratos fumegantes
e canecas de ch. Humilhante.
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Camila Chirivino, 22 anos, largou a faculdade de Jornalismo e de
Letras pela metade, gosta de gatos, chocolate, vodca, homens magros
e sem plos, olhos escuros, jazz e rock. Por enquanto, tudo que voc
precisa saber.
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Give me a lover that wont give me troubles, some sexy dreams to chew on these bubbles.
Perry Farrell Porno For Pyros
Incrvel como as pessoas parecem interessantes quando voc est casado
e totalmente sem graa quando est solteiro. Um horror, parece at que
fumei maconha. Quando fumo maconha, todas as pessoas se tornam
escrotas, seus poros aumentam, elas suam, tm cheiro de cheetos e
parecem caricaturas de si mesmas. J perdi o teso mais de uma vez
por causa dessa erva maldita. Cada um com os seus problemas. O meu
agora era achar algum minimamente interessante, e no estou falando
de sexo. Aquela histria de comer pessoas s um analgsico. No
quero isso, no quero isso. Definitivamente, no quero isso. Groupie
por groupie, prefiro um que me d colo. Colo, preciso de colo.
Da srie coisas que no devo fazer nos prximos seis meses: voltar para
Porto Alegre. Porque ia querer andar de mos dadas com ele. Porque ia
querer acordar na nossa cama, com os nossos gatos e o cheiro dele e as
costas macias dele que eu nunca mais vou ver. Porque ia querer almoarcom ele, sair com ele, voltar pra casa com ele. Porque ia querer voltar
pra casa com ele ou voltar pra casa sozinha e encontr-lo deitado na
::2::
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cama e ouvi-lo usar nosso apelido de casal. Porque ia querer voltar pra
casa. E eu no tenho mais casa. No adianta, no aprendo, no entendo
que amor di. Amor vai sempre doer. E a Elza Soares d de relho em
qualquer falsa diva brasileira. Olha, no por mal, mas essas donas quese acham divas deveriam lavar cala jeans no tanque durante o inverno.
A Marisa Monte deveria lavar lenol com sabo de coco. Sabe? Esfregar
mancha em camisa branca e ainda ter que passar cala com pregas.
Favor descer do pedestal.
Impressionante tambm como no tem rdio nesta cidade. S lixo.
Se pego algum reclamando quando tocar Red Hot Chili Peppers, juro
que bato com uma p. Depois de muita procura fui obrigada a ouvir
Bon Jovi, a coisa menos pior que encontrei. Sou suspeita: eu era poser,
eu era jovem, meus pais estavam separados. Gostava do Rachel Bolan,
baixista punk-poser-glam do Skid Row. Na verdade, eu queria ser o
Rachel Bolan. Mentira, eu tinha certeza de que era o Rachel Bolan. Eu
disse que era jovem. Conheci Ramones por causa dele. E quer saber?
Pelo menos naquela poca os roqueiros comiam mulher. Sim, porque nos
anos 80 eles eram gays e danavam com a parede e sofriam e agora eles
so bonzinhos e delicados e sensveis e sofrem. No d, no d. Homem
tem que ser homem e conseguir ser mais mulher que eu. E a que entra
o Homem Glam, que merece at uns itlicos e uns negritos.
O Homem Glam
Eu estava nesta festa. E essa festa estava cheia de gente estrate-
gicamente descabelada e moderninha. E eu l no cantinho, com meu
usque e meu gelo. J mencionei que amo gelo? Adoro ficar mastigando
e lambendo e botando e tirando da boca. O chato que os voyeurs
tambm adoram e ficam vesgos olhando. Tinha uns dois ou trs em volta.
Um saco, no se pode nem chupar gelo em pblico que os punheteiros
se manifestam.
Ento, do meio da massa de modernos, surgiu o Homem Glam.
Palpitaes.Ele vestia uma cala de couro e um casaco de oncinha. De oncinha!
E no parecia ter ficado duas horas na frente do espelho. Muito pelo
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contrrio, parecia estar com aquela roupa h trs dias. Magro. Lnguido.
Descabelado e com o nariz empinadinho. Se eu soubesse desenhar um
homem que no parecesse um bonequinho da forca, seria algo prximo
a ele. Ah, o Homem Glam. Ele bebia cerveja. Eu mordia gelos porquemeu usque e meu dinheiro tinham acabado. Ele parecia ter sado do
Maxims h trinta anos. Saiu de um show do New York Dolls pra dar
uma mijada na rua e acabou ali dentro. Deus existe.
Vamos l, Camila. Think, McFly. Bole uma estratgia. Ele est bbado,
no pode ser to difcil. L vem ele. Vamos, garota, faa valer a fortuna
que custou aquele usque barato.
Oi.
Ahnnmmmm... Ele disse oi.
Oooi.
Soei pattica. Meu oi estragou tudo. Agora vou apelar.
Tudo bem? Desculpe a falta de sutileza, mas voc o homem mais
sexy que j vi.
No, eu no fiz isso. Ok, agorano pode ficar pior.
R, obrigado, que vergonha... Voc tambm linda.
, no foi to ruim assim. Mas a gente sempre pode arruinar tudo
bem rapidinho.
Se casssemos e tivssemos filhos, e nossos filhos tivessem filhos,
ns seramos glammother e glamfather.
Senhoras e senhores, conheam a pior cantada do universo.
Glam, ? Eu estava mesmo pensando em usar maquiagem...
Maquiagem. Ele queria usar maquiagem. Quero casar agora. Casar e
ter filhos com esse nariz lindo dele. Voc entendeu. Filhos. Casar. Anjos
cantam. O mundo lindo. Maquiagem. A nica coisa mais sexy do
que uma mulher acordando com os olhos borrados de lpis preto um
homem acordando com os olhos borrados de lpis preto. E descabelado.
Casar agora.
O Homem Glam pediu licena e desceu. Me abandonou. E isso que
eu tambm era linda. Claro, ele era glam e blas, por que ficaria ali com
uma pessoa que passa cantadas deste nvel? Droga. E nem dinheiropra encher a cara eu tinha. Pobre tem que se foder mesmo. Opa, no.
T voltando. Com bebida. Vindo pra c. Sorrindo. Casar agora. Lindo.
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Nariz lindo. Me pegou pela cintura. Voc sabe tudo sobre um homem
quando ele te pega pela cintura. E eu vi que era bom. Ento chegamos
na minha casa e fiquei muito constrangida. Porque durmo na sala, j
disse. E ele era lindo e eu queria ter uma cama King Size pra caber tudoo que queria fazer com aquele cara. E nem cama tinha. Colcho. Um
colcho ridculo com desenhos de bssolas e ncoras. E um lenol do
Frajola. Vergonha. De repente vamos l pra casa no parecia uma idia
to genial. Ora, l pra casa. Que casa? Por acaso estava me referindo
quele quartinho especialmente projetado para que as empregadas
no fizessem sexo? Azar, ele estava ali comigo. E foi na sala mesmo e
comeou a voar roupa e puta que pariu whatta man e uh, ele no tem
plos e tem costelas e mmmaaaagro, uh, whatta man whatta man
whatta man. Beijos, muitos beijos e mos e pele e oh, deus. Parou tudo.
Ele disse que no iria conseguir.
Meninos, agora todos prestem muita ateno no que vou dizer:
BROXAR NO TO RUIM COMO VOCS IMAGINAM. NO .
mais ou menos como se a nossa pussy no abrisse na hora em que
deveria estar molhada e penetrvel e quentinha. Entendo a frustrao
de vocs, juro. Mas vocs tambm tm que entender que pau no tudo
na vida e que se vocs ficarem parando s porque tem uma coisa mole
pendurada no meio da pernas, a sim que estraga tudo. Keep goin? Dont
stop, dizem as vadias na faixa 20 do Usually Just A T-shirtdo Frusciante,
que foi lanando junto com oNiandra LaDese que pouca gente nota que
so dois discos. At a 12 tem nome, at a 25 so untitled #1, #2 e assimpor diante. Perspiccia, por favor. Ento ouam as va-dias. Keep goin?
Dont stop. A no ser que tenham perdido o teso na broxada. Enfim,
entendam: pior pra vocs do que pra ns, ou pelo menos pra mim. Se
o cara for especial, deixa para depois, e se no for s uma trepada a
menos. Eu s queria ter pau na hora de mijar e de gozar na boca. Ejacular
longe deve ser uma coisa legal, hein? Mas vou dormir agora. O homem
glam est muito, muito triste porque broxou. Que saco. Virar pro lado edormir e acordar e deixar claro que ele tem que ir embora logo. Existem
pessoas para dormir com e para acordar com. Eu dormi com ele.
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Acordei e fui tomar caf. No, caf jeito de falar. Na verdade era
leite em p com Nescau. No tomo leite, tenho nojo. Coisas em p so
mais limpinhas. Nojo uma coisa engraada: engulo porra mas no tomo
leite nem encosto em queijo. At como, mas no toco. A no ser quando na loua, trabalho sujo que sempre acabo tendo que fazer.
Moro com um menino que amo. Amo muito, meu amigo, meu irmo
que briga comigo porque sacudi as pipocas e o queijo foi pro fundo e
que ri quando uso tomara-que-caia e diz que a pea mais engraada
do guarda-roupas feminino. Mas amor nenhum ameniza a irritao de
ver duas semanas de loua fossilizando na pia. Morar com homem
uma merda, eles no sabem lavar as prprias meias e ficam esperando
que suas mes se materializem para limpar o cho e dobrar as roupas e
esfregar as meias e tirar os cabelos do ralo. No d. Mas tudo bem, lavar
a loua no das piores tarefas domsticas. Tendo som alto e podendo
cantar e levantar as mozinhas ensaboadas e usar a colher de pau como
microfone, tudo fica bem. Stone Temple Pilots, Shangri La Dee Da. Bom
pra caralho, como todos os outros. Tem esta msica, Hello Its Late, que
me fez chorar copiosamente. It kills me just because it cant be erased
were married. Married. Married. Bu. Were married. E de repente me
dei conta de que aquele p na bunda monumental foi a melhor coisa que
poderia ter acontecido. Sou solteira. Solteira! Livre. Were not married.
Meu ex-namorado tinha alianas, iramos casar, assinar contrato, papel,
negcio, ainda por cima foi idia minha, onde eu estava com a cabea?
Amor no contrato. Ufa, foi por pouco.
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All the advice I shunned, and I ran / Where they told me not to run, but I sure had
fun, so / Im gonna fuck it up again / Im gonna do another detour / Unpave my
path / And if you wanna make sense / watcha looking at me for / Im no good at
math / And when I find my way back / The fact is I just may stay, or I may not /
Ive acquired quite a taste / For a well-made mistake / I wanna mistake why cant
I make a mistake?
Fiona Apple
Ento, me apaixonei irremedivel e irreversivelmente. Conheci este cara
que escrevia bem pra caramba, tocava guitarra, usava saia e, dizem,pintava os olhos. Interessantssimo. Flertamos loucamente e estvamos
quase efetivando o crime quando chegou o amigo dele. E me apaixonei
pelo amigo dele, ca de quatro, fiquei completamente louca pelo cara.
E ele por mim. Lindo. No consegui mais nem dormir sem a mo dele
na minha cintura, sem beij-lo de manh quando acordava e fumava
o primeiro cigarro. Lindo. E francs. E morava no Rio de Janeiro. Em
questo de dias, me vi com uma muda de roupa e quatro CDs embar-cando para o Rio de Janeiro s 5 da manh. Rio de Janeiro. Isso longe
demais. Ainda no assimilei que agora moro a 1.200 quilmetros da
::3::
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minha casa. Na minha cabecinha o Rio longe, do outro lado do pas,
inalcanvel, inacessvel, quente. E lindo. Pedras e favelas e pessoas
brotando de todos os lados. Pessoas feias. E lindas. Parte da paisagem.
Entendo todos os gringos que abandonam suas vidas perfeitas em pasesfrios e bem-sucedidos para andar sem meias no Rio. O Rio uma mulata
gostosa que fode to bem a ponto de deixar os homens todos loucos e
eles largam suas mulheres e filhos e empregos e vo pra l comer camaro
e tomar caipirinha. Lindo. Tudo lindo demais, Henri e o Rio e nossos
olhos rindo uns dentro dos outros e nossos beijos macios e nosso sexo
perfeito e nosso sono abraadinho e quentinho na cidade mais linda do
mundo. Tudo lindo, tudo indo muito bem. Bem demais, meu sensor de
auto-sabotagem apitou e resolvi estragar tudo. Henri tinha passado a
noite em claro e foi dar uma dormidinha enquanto eu encontrava uma
amiga. E chegaram os outros. E comecei a beber caipirinhas de morango.
E foram chegando mais outros e nada dele. Uma hora de atraso. Duas,
trs. Celular desligado. Cinco caipirinhas de morango. Ningum em
casa. O mundo girando, as ondas batendo na beira da praia, o Rio de
Janeiro lindo e nada do Henri. Ento bebi mais, tirei a roupa, caminhei
pra dentro do mar e agarrei o amigo dele que no usava saia nem ma-
quiagem coisssima nenhuma. Agarrei, fodi, dormi junto com o melhor
amigo dele. Que amigo. Que papelo. Foi bom. Bela trepada, mas no
valia um milsimo de Henri. Eu apaixonada s fao merda. Como os
amigos dos caras sim, como, mulheres comem e homens so comidos,
sem discusso aqui, at porque voc no pode discutir, se fodeu, r e
choro e vomito e tiro a roupa, um horror.
Volta a fita. Dezessete anos. Meu primeiro amor, aquele que sempredi muito e que me fez chorar e emagrecer dez quilos e perder a dignidade
e ficar magrinha e doente e sofrendo debaixo da mesa do meu quarto.
Para variar, o alvo do meu amor morava em outra cidade: Maring, no
interior do Paran. Longe. Puxava os erres e parecia o Chico Bento e se
borrava de medo de mim. Mas meu medo diferente e eu fui l e ns
ficamos juntos e tinha a lua redonda e linda e os olhos dele redondos e
lindos e os beijos dele e a barriguinha apertvel dele e era ele e eu disseno me deixe nervosa, no me largue, no me mate de raiva nem me
pea perdo enquanto tocava Mundo Livre S/A no rdio do bar deca-
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dente. E teve uma festa. E ele fez tudo isso. No posso ir a uma festa em
circunstncias normais que j fao merda. Se estiver apaixonada ento,
fora de questo. Mas fui. Fui apaixonada a uma festa num stio. Um stio,
percebe? No tinha como dar certo. Cheguei e me deram essa bebidademonaca chamada Flor da Montanha, que tinha gosto de metanol com
borracha queimada e asfalto e leo. O aviso NO TOMA TUDO veio
meio tarde, gritado em unssono pelos nativos depois que virei um copo
inteiro. Bastou para que eu passasse mal, rolasse na lama vermelha,
fizesse strip, chorasse, me declarasse, tentasse me atirar no poo arte-
siano, o diabo. Acabei a noite em uma praa com jogadores gticos de
RPG que tinham a mais absoluta das certezas de que eram vampiros e se
penduravam de cabea pra baixo em rvores tentando ficar confortveis
e acabando roxos. Loucuuuuuuuuuuuura, amizade. E eu deitada no
banco da praa chorando e escondendo a cara no colo do meu melhor
amigo porque sabia que tinha estragado tudo e que no tinha volta e
que eu era uma idiota. Quando acordei, no sabia onde estava. Cad
o Jlio? Foi embora, Camila. O Jlio foi embora. Para sempre. Quando
digo que s fao merda quando me apaixono, realmente falo srio. E a
merda sempre proporcional ao tanto que gosto do sujeito. Volta a fita,
17 anos, primeira vez que disse nunca mais vou me apaixonar. Agora
no tenho mais essas viadagens. Quero me apaixonar, sim. Para isso
que sirvo e isso que me faz sentir viva.
Nunca mais vou conseguir ouvir jazz sem lembrar dele. E quando
ouvir jazz sozinha, vai doer, porque vou saber que ele est com outra
pessoa ou sozinho. No importa, ele no vai estar comigo. Dorzinha.
Queria ele lindo dormindo na minha cama e acordando e acendendo
um cigarro. Lindo. Paixo e dor caminham de mos dadas, mas que se
foda a dor. Eu quero ele. Quero ele e s ele agora. Mas agora no d.
Ento resolvi dar um pulinho ali em Londres.
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Tomorrow Is My Turn / No more doubts, no more fears / Tomorrow is my turn when
my luck is returning / All these years Ive been learning to keep my fingers from
burning / Tomorrow is my turn to receive without giving / Make life worth living /
Now its my life Im living / My only concern for tomorrow is my turn.
Dr. Nina Simone
O detalhe que eu tinha exatas 200 libras, praticamente nada no pas
da rainha velha e perfumada. Ento, resolvi ver shows dos Strokes a
j citada melhor banda que surgiu nos meus ltimos vinte anos , e
tentar vender a pauta para algum jornaleco ou revisteca. Pretendia ver
trs shows, mas Murphy o da lei, voc sabe estava no meu vo e me
fez perder dois deles. Palavras-chave: festival, lama, ingleses caridosos,
esmalte descascado, desconforto, barraca, frio, calor, frio, chuva, calor,
frio, trs dias sem banho e um beijo no menino mais bonito da Inglaterra.
E olha que difcil, porque os ingleses so lindos e cool e gentlemen e
lindos. Quase todos. Boa parte deles. Quase todos.
Pretendia ficar dez dias. No terceiro, acabaram-se minhas libras.Todas. Que se foda, estou na Inglaterra, pego trens de graa e as pes-
soas tm narizes empinados e me deixam ficar na casa de seus tios em
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Liverpool e me do outro menino lindo e me deixam dormir em seus
chos e me do dinheiro e so italianos, irlandeses, dinamarqueses,
franceses e todos dizem que sou linda e ningum tenta me comer. Todos
so gentlemen. Nem todos. Homens, eu amo homens, homens de todosos pases. Me chamem de pretty e stunning e smashing. Continuem fa-
lando com seus sotaques maravilhosos de todos os lugares do mundo.
Ah, Itlia. John Fante. Sempre amei ler, desde pirralha. Chorava muito
em um conto chamado O Pinheirinho. No lembro de quem , deve ser
Andersen, Perrault, um desses a que escreviam historinhas com moral.
Bem, assim: um pinheirinho filhote sonha em ser mastro de navio
quando for um pinheiro, igual aos outros da floresta. Um dia, a alegria
acaba. Ele cortado e tirado de l ainda pequeno. O Pinheirinho, j so-
frendo porque no chegou a crescer, vai para uma loja de artefatos natal
e comprado por uma famlia que o enfeita e o deixa feliz. Ele brilha
por uma noite, mas depois esquecido no poro e acaba queimado na
lareira. Que triste fim para o pobre Pinheirinho!
Vamos combinar: isso traumtico. Eu chorava tanto quando lia essa
histria que risquei tudo e fiz coraes em volta do pinheirinho e escrevi
protegido pelo meu corao. Depois, fiquei velha e chorei de novo. E
foi por causa do John Fante, talo-americano cheio de feeling, dolo do
Bukowski e simplesmente o melhor escritor do mundo pelo menos do
meu lado da cama, seja qual for o lado ou quem quer que esteja no outro.
E o Arturo Bandini, que era o Fante disfarado de personagem, amava
esta mulher que se chamava Camilla, Camilla Lopez. Era eu. No, no
era, Camilla tinha dois eles e era uma vaca, eu no tenho nem sou. Mas
ele amava Camilla como poucos homens sabem amar. Ele sabia, John
Fante sabia amar mulheres e cachorros e escrevia com tanta paixo que
s poderia ser italiano. E ela tinha o meu nome e eu chorei quando ele
jogou o livro no deserto no Pergunte ao P, livro da minha vida.
Graas a deus que italianos se reproduzem como coelhos, assim a
chance de ter mais um Fante talentoso era maior. E ele veio e se chama
Dan Fante e se disfara de Bruno Dante e est para o Fante Pai como o
Clube da Lutaest para Laranja Mecnica. A semente vive. O filho tobom quanto o pai. Pau no cu dos escritores pasteurizados e sem sen-
timento e com frmulas que fedem a desinfetante. Quero vida e a vida
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no tem frmula. Quero dor e entranhas e sentimento. Quero verdade.
Quero saber que Arturo Bandini e Bruno Dante sentiram tudo aquilo.
Quero sentir junto. Quero que seja verdade, autobiografia disfarada de
fico. Bruno Dante fala da morte de seu pai, amputado e cego em umacama de hospital com um corao que, ao contrrio dos outros rgos,
se recusa a parar, porque ali que est toda a vida. Corao. O corao
de Jonathan Dante, John Fante, meu John Fante, no queria parar de
jeito nenhum e seu filho o amava naquela contradio de amor aos gritos
e tapas que no podem ser dados em um moribundo. E ainda tinha a
bebida e a mulher e o amante e a tentativa de suicdio e a internao e
a falta de dinheiro. A vida de Dan Fante. Algumas pessoas no precisam
de fico. Quero casar com um Fante e ter filhos Fantinhos. Quero um
italiano. Tem esta italiana linda aqui comigo agora, lendo meu Fantinho
e tomando notas. No posso casar com ela porque j casada e grvida
e no vai ter dinheiro para sustentar o filho do cara que me levou para
casa do Uncle Phil em Liverpool e que tem este amigo maravilhoso e
ingls e anal retentivo que perdeu o interesse em mim ou teve medo e
para quem em questo de horas e uma dormidinha passei de very pretty
e very good kisser para dumb, porque desci na estao com eles quando
foram expulsos do trem pelo sujeito rude e ruivo e gordo porque no
tinham bilhete enquanto eu tinha o meu que no valia mas com lbia
poderia talvez quem sabe valer mas eu no quis tentar porque queria
ficar com eles, queria ficar com ele, mas ele no queria ficar comigo
ento que fosse tomar naquele cu apertado de ingls. Malditos ingleses
anal retentivos, me mostrem alguma coisa que no seja esta porra desta
polidez. Vocs devem ter lceras o tempo todo, cncer, cirrose, parem
de ser controlados e frios, gritem, chorem, ela t grvida, vocs esto
fodidos, no est tudo bem, ouviu? OUVIU? Ento me escuta, inglesinho
de terno, me mostra o que tem a dentro, ningum to frio, no pode,
o corao de vocs no como o meu e da Francesca e do Fante, meu
corao no vai parar quando todos os meus rgos estiverem podres,
meu corao ainda vai bater porque eu deixo, porque quero que ele
bata, porque tenho sangue quente, porque sou brasileira, italiana, soubrasileira e italiana, Chirivino, Fante, Piazza, ns choramos e gritamos e
corremos e nos descontrolamos, descontrolem-se, vocs no imaginam
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como faz bem perder o controle s vezes. Fala, Carl, me fala do seu pai,
da sua me, da sua primeira namorada, chora, grita, se desespera, fode
sem pensar, enfia o dedo inteiro em mim, me beija com a lngua toda,
solta o freio e vai embora, sai da minha frente com esses olhos azuisagora que no quero mais te ver. Nunca mais. Eu te devo uma, voc me
deve uma. Estamos quites. Ento este outro menino apareceu e era a
cara do Nicky Wire e tocava baixo numa banda ruim e glam. Equivo-
cado. Maravilhoso, nariz perfeito, olhos pretos, cabelo caindo na cara
e ossos dos quadris salientes. Queria ser um rockstar e ficava bravinho
porque eu dizia que ele no deveria pensar nisso e tinha que tocar sem
se preocupar em virar hype. Os outros gostarem apenas conseqncia
da mistura de competncia e sorte. Ele acabou me arrastando para este
pub no fim de Londres onde nenhuma alma falava ingls. L estavam
eles, tocando maquiados e montados e de plataforma para meia dzia de
irlandeses bbados que danavam pulandinho pra trs. Bem deprimente.
Olhava aquilo e pensava em ingls, porque j estava pensando em ingls
quelas alturas, theyll never make it. Eles querem ser grandes, querem
ser maiores do que os outros. Ningum precisa disso, ningum tem que
querer ser grande s por ser grande. Primeiro tem que amar o que faz,
fazer com o culho de quem no deve nada, no tem que provar nada a
ningum, tem que fazer porque ama e precisa, seno vira trabalhar em
banco, quero ser caixa e funcionrio do ms e depois gerente e depois
dono do banco, banco, lanchonete, billboard, passarela, tudo a mesma
coisa, tudo a mesma merda se no feito com sentimento.
De uma maneira ou de outra, sempre vou parar no cu dos lugares.
Toda vez que digo estar hospedada em Kings Cross, os inglesinhos levamas mos cabea e dizem you dont wanna be there, mas I wanna be
there, timo, legal e divertido e ningum vai me assaltar porque sou
grande e assustadora e, se me assaltarem, vo se dar mal porque no
possuo libras e, se me estuprarem, vou agradecer, porque j deu pra
notar que os ingleses no gostam muito de sexo. Quinze dias sem comer
ningum, preciso de sexo, meus mamilos endurecem quando penso na
minha ltima trepada e minhas mos descem pela barriga procurandoum lugar quentinho e molhado e sempre est quentinho e molhado ali.
Houve a possibilidade de pegar o homem que mais cobicei em toda a
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minha vida, mas no quero falar sobre isso. Mesmo. Quero sim. Estava
sentada no pub e ele surgiu com os amigos e me olhou e eu olhei e
fodeu. Bateu. Tupush. Tudo que sei que ele passava por mim e fazia
heeeeeey e era lindo de doer e de fazer sorrir, toda vez que ele apareciaeu sorria porque ele era lindo. Lindo. Sorriso lindo. Me arrastou para
o show da sua banda, pagou bebidas, fez piadinhas e me deu abraos
apertados e beijinhos quase na boca na hora de ir embora. Travei. Ele ia
embora, beijo de despedida como meia-foda, no d, no d. Woooow,
eu queria aquele rapaz, queria muito como nunca quis nenhum rapaz
na minha vida, muita tenso imaginando aquela boquinha carnudinha
dele na minha boquinha carnudinha nossas bocas so iguais e deli-
rando. Porque delirar era a nica possibilidade no momento, j que ele
estava acompanhado de uma garota um bilho de vezes mais bonita e
magra e maquiada e arrumada do que eu. E burra como um bloco de
cimento. Eles eram americanos e estavam tocando pela primeira vez
na Inglaterra. Ela era modelo. No, ela era supermodel. Foda-se. Que
merda. Foda-se. s um homem. s um homem.Certo, no estava
conseguindo me convencer. Fiquei conversando com os amigos dele e
bebendo e bebendo e bebendo e l pelas tantas a supermodel-cimento
foi embora para estar descansada na sesso do catlogo de lingerie no
dia seguinte. Vaca. Linda. No pude deixar de imaginar a magricela com
pepinos nos olhos em sua sute. Eles eram de Nova York e eu disse que
tinha decidido morar l durante a adolescncia e que era a cidade mais
foda do planeta. Its written, ele disse me olhando e sorrindo de ladinho.
Oh, cus. Eles eram muito, muito bons. Tpica banda de Nova York, bem
no estilinho Velvet-Strokes que eu adoro. Ele me olhava de perto, muitoperto. Ele me olhava do palco. Aquela voz rouca e aqueles lbios, Jesus
fucking Chriiiiiiiiist... No. Seriedade. Seriedade! Manter a compostura.
Mas ele no manteve a dele e ficou me secando desde o momento em
que bateu os olhos em mim. Porra. Eles iam embora em algumas horas
fazer show em Cambridge. Lindo. O homem mais lindo que j cheguei
perto. E ele me olhava e quando eu olhava e via ele me olhando ele fazia
cara de quem queria deixar claro que estava me olhando. Foda. Quandoalgum decidiu tirar uma foto, ele me agarrou. Me abraou apertado,
colocou todos os braos minha volta e eu botei a mo na perna dele. A
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menina da cmera demorou pra ajustar o foco. E ns agarrados. Achando
timo. Take the fucking picture. She did. Agarradinhos em um sof, eu e o
homem mais lindo do mundo. No peguei. Preciso mais do que algumas
horas e um beijo de despedida. Beijos de despedida so para fins. Deixapra prxima. Sabia que teria uma prxima. E se no rolasse eu tinha ele s
pra mim na minha cabea.
E o menino lindo nmero trs tocando no pub decadente e me olhando
do palco. Aparentemente, a ltima moda na Inglaterra era me olhar do
palco. Palhaada. Doze horas sem comer, sem cigarros e sem boletas pela
primeira vez em cinco anos. No desespero, tomei remdios coloridos para
gripe que levei para alguma emergncia. Bem, no era exatamente o tipo
de emergncia que imaginei, mas v l. Uma laranja e uma amarela. Agora
era continuar juntando os restos que os ingleses bbados esqueciam nas
mesas. Decadncia to-tal. Pra acabar a noite, levei o menino equivocado
comigo para o hotel. Oh, well. Um nada. Cala a boca e fica sendo bonito,
voc foi feito para ser visto, boneca de porcelana, cala a boca, no ri no
fala no respira que me d nojo. Vai embora. X. Putinha, uma putinha
linda e lnguida e deslumbrada, uma putinha vazia que no sabe por
que est aqui. Sai do meu quarto, sai da minha cama, no encosta no
meu sabonete. Vai embora. No quero mais isso, quero ir pra casa, quero
comer coraes no Brasil, quero a Anne e o Julian e a minha cama que
d dor nas costas e meus tnis e meu analista e meu computador e meus
amigos afofveis e as festas e as pessoas que me odeiam e inventam boatos
estpidos. Quero ir pra casa, quartinho, que seja, quero ir para aquele
lugar onde esto as minhas coisas no Brasil. Quero meu gato, meu colcho
desconfortvel. Agora. Mas agora no d, que inferno, esperar dias e diaspelo prximo vo de pobre, ficar no hotel com americanos incompetentes
que me chamam de hard to get e tentam me comer e eu louca por sexo
mas nem to louca assim porque aquele sujeito tinha o nariz igual ao do
Beavis e poxa, ainda tenho os meus dedos que sempre quebram um galho.
Single room, dois beliches, muita baguna. Durmo dias e dias a fio. Sem
anfetaminas. Sem dinheiro para comprar anfetaminas. Sem dinheiro para
comer mas comendo porque os bronzeados do restaurante indiano quetoca Dr. Dre e Enigma na frente do hotel gostam de mim e me alimentam.
Comendo e dormindo em Londres, isso no a minha vida.
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No vai aproveitar, Camila? Mas estou aproveitando, oras. Querem o
qu, que eu veja o Big Ben? Pra qu? s um relgio. Legal mesmo foi me
perder sem dinheiro pra pegar metr nem nibus e caminhar pra caralho
e me enfiar em becos que me fizeram pensar wooooow, isto Londres.Porque Londres isso, beco, ruela, nego que passou em Kings Cross
com a gangue e me deu um tapa na bunda e eu at ri porque foi filme
demais. essa neurose deles com incndio que at se entende porque as
casas so grudadas e de madeira e se uma pega fogo o quarteiro inteiro
vai junto e essa chuvinha gelada e londrina que todo mundo conhece
mesmo sem ver. Minha Anne vem morar ali do lado e vou morrer sem ela
e quero morar aqui um tempo e depois vou pra Los Angeles que preciso
conhecer porque tem o Frusciante e o Bob Forrest e a casa em Y do John
Fante e Bunker Hill e depois eu vou pra Nova York que onde me sinto
em casa e quero morar desde os 16 anos e estudar cinema. Agora nem sei
se quero mais estudar cinema. Sei que quero estudar em Nova York ou
Londres ou qualquer lugar, porque me recuso a fazer faculdade s pra ter
o idiota do diploma de jornalista. S consigo estudar por objetivos mais
nobres do que um pedao de papel.
No tenho amigos em Londres. Sozinha, meu namoradinho do Texas
foi embora (s conheci texanos naquele lugar, eles estavam por todos os
lados) e ele nem usava wrangler nem chapu nem cinto feio nem nada e
era macio e tinha as costas pintadinhas e era jovenzinho mas nem parecia
e foi meu namoradinho por alguns dias que pareceram meses. James, sweet
James. James foi embora e fiquei sozinha e vou encher a cara de chocola-
te. Gorda, ficar gorda e no caber nas roupas e parar de me depilar e de
cortar o cabelo e de escovar os dentes e de tomar banho. Mentira. Vou fugir pra Nova York. pra isso que serve carto de crdito. Depois, vejo
como vou pagar. Agora empacotar as coisas, entrar no trem pra Heatrow
e voar para a terra da liberdade e lar dos bravos.
Acorda, Camila. Voc no tem nem dinheiro para chegar em Stansted
e pegar o vo de pobre de volta para o Brasil.
Depois de muito mendigar, consegui as 14 libras que precisava para
chegar ao aeroporto. Sete para o nibus, 7 para o txi at o ponto denibus, que acabaram virando 5 depois de mais mendigagem. Sobraram
2 libras inteiras s pra mim. Uma fortuna.
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Cheguei no aeroporto l pelas 5 da manh e vi toneladas de pessoas
sem sapatos usando suas malas como travesseiros e dormindo no cho.
, elas bem que poderiam usar alguma espcie de desodorante naqueles
ps fedorentos e europeus deles. Argh! O cheiro estava insuportvel eresolvi ir atrs de kit kats. Deixei minhas malas debaixo de uns franceses
adormecidos sabia que eram franceses porque fediam mais do que os
outros peguei minhas 2 libras, botei no bolso e fui, saltitante e alegre.
Kit-kat, kit-kat, kit-kat. Voc j teve necessidade fsica de algo frvolo?
Eu tenho o tempo todo e isso me faz entrar constantemente na neura
da gravidez, um inferno. Mas apenas uma neura remota, porque no
posso ter filhos. No funciona, o doutor disse. Pouqussimas chances.
Deu pau. Sem trocadilhos. Kit-kat, kit-kat, kit-kat. Ah, a alegria de sentir
o gosto daquele chocolate divino. Voltei caminhando devagar, mastigan-
do devagar, deixando derreter devagar. Quando cheguei perto de onde
estavam os franceses, notei uma certa balbrdia. Muita gente em volta.
Vai ver os franceses estavam mortos, o que explicaria perfeitamente o
cheiro. No, os franceses estavam de p. No bom, no bom. Finalmente
cheguei perto o suficiente para perceber que os filhos da puta neur-
ticos cercaram minha mala achando que era uma bomba. Neurticos.
As malas abandonadas sero recolhidas e destrudas, avisava a voz da
moa com sotaque fortssimo. No cu. Sa dando pulinhos at o guarda
tatuado muito tatuado e dizendo EI EI EI, MEU! Minhas malas!
A vontade era xingar toda a famlia real desde o incio dos tempos, mas
respirei muito fundo enquanto Seu Guarda me passava um pito sobre
segurana. Que inferno. Que neura. Oquei, Seu Guarda, estou indo
embora, fui ali , ali, comprar um chocolate inocente, o senhor enten-
de? No, ele no entendia, foi programado para certos procedimentos.
Vai merda, seu neurtico ruivo filho da puta. Yes, sir. Im sorry, sir.
Tomar no cu, sir. Thank you, sir. Ir embora sempre ir embora, mas
seria bom ficar longe desses neurticos. Foi o que pensei at embarcar
no vo de pobre e ter a memria refrescada por uma criana hiperativa
e sua me relapsa. Tec-tac-tec-tac-tec-tac abrindo e fechando a mesinha
atrs de mim, puxando meu cabelo e batucando no cinto de segurana.De repente, a me passava de relapsa a histrica e dava um tapa na
nuca do moleque e os outros passageiros todos sendo mal-educados
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no caminho e falando alto. Brasileiros tambm so neurticos, mas
no com incndios ou bombas ou terroristas ou estrangeiros. A neurose
chegar primeiro, pegar o melhor lugar antes, ultrapassar a qualquer
preo no trnsito, furar a fila, sentar na janela, chegar antes. Neurosede no ser passado para trs, em todos os sentidos possveis. Bando de
espertinhos. Tambm, o que se pode esperar de um pas que, alm de
ter sido colonizado por Portugal dizem que l as piadas de portugus
acontecem ao vivo , quer ser o Estados Unidos? S poderia dar nisso.
Sim, temos aqui uma patriota.
Dezessete horas em um avio. Minhas mucosas nasais transformadas
em carne-de-sol por causa do ar condicionado. Trs pratos de frango ao
curry e a aeromulher me olhando estranho. Quatro doses de Courvousier,
sono, poltrona desconfortvel, dor nas costas. O-p, chegamos.
Ol, realidade. Ol, apartamentinho. Ol, Matilda. Ol, Julian. Ol,
sof-cama desconfortvel. Ol, hspedes novos. Ol, dvidas. Ol,
realidade.
Fui recebida com uma agradvel notcia: meu amigo no mais habi-
tava aquela casa. Foi demitido e voltou para sua cidade natal, de onde
nunca queria ter sado. Em seu lugar, estavam dois estranhos. Um deles,
total estranho. O outro, um estranho conhecido que j estava l quan-
do eu sa. Seu nome at deu origem a uma expresso, que significava
chegar na casa dos outros e no sair nunca mais. J fazia dois meses e,
pelo jeito, tomou a coroa na minha ausncia e achava-se no direito de
me dar ordens. Me mandou sair do computador porque ele queria usar.
Certo. Minha casa.
Tudo bem morar em quarto de empregada e dormir na sala, mas
dividir o colcho era demais para mim. Inclua-me fora dessa.
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This is your life. It doesnt get any better than this.
Tyler Durden
O problema : como? Sobrevivo de free lances e caixas e caixas de kit
refugiado mandadas por minha me, quando ela pode. E ela nem sem-
pre pode. E eu ainda tinha o meu nen para sustentar. Julian. Preferia
passar fome e comprar pacotinhos de Whiskas para ele do que ver meu
filho miando desesperadamente e tentando escalar minha perna como
se fosse uma rvore. Gatos fazem essas coisas quando tm fome.
Ento recebi um telefonema de uma garota que trabalhava em uma
revista e gostava do que eu escrevia, avisando que tinha uma vaga de
reprter l e que adoraria que eu fosse falar com o chefe. Whoooooooa!
Caiu do cu, era o que eu precisava para me salvar da desgraa financeira.
Tinha litros de contas a pagar, mas preferia ignor-las. Carto de crdito
no dinheiro, mas no entra na minha cabea que um dia preciso pagar
o que gastei. Simplesmente evito pensar nisso.
Infelizmente, desta vez meu pai no permitiu at porque os carteseram dele, j que os meus estavam bloqueados e ele tentou ajudar e
ser legal e me mandou pagar. Mandou, bravo. Sim, ele hippie mas
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tambm italiano. No queira ver um Chirivino bravo. Nem uma Chi-
rivina. Eu no quero, nunca quis. Fui atrs do emprego com o rabinho
entre as pernas, j me considerando contratada. A revista era algo entre
cool, pretensioso e equivocado, com algumas coisas legais e outras dedar pena. Marcar entrevista, mandar currculo, portflio. Os meus eram
bons, eu sabia. Escrevia em vrios jornais e revistas, fiz roteiro de te-
leviso, documentrio e fui publicitria, sem contar meus escritos, que
se espalhavam como a peste pela internet. Entrevista, conversar com
o editor. Muitos cigarros, mos suando. Falei um monte de merda, me
enrolei, disse que no gostava da revista e interrompi o cara umas doze
vezes. Eu no ia conseguir. Ele ficou de ligar no outro dia. No ligou. Nem
no outro. Nem no dia depois daquele. Eu obviamente no ia conseguir.
Finalmente, no quarto dia, o editorzinho meigo da revista cool ligou
para dizer que eu no era exatamente o que ele procurava. Quando ele
disse isso, imediatamente parei de prestar ateno e continuei lendo a
resenha do Hefner naNME. , banda boa. I took her love for granted
um hino, fora os hinos mesmo, ao cigarro, ao servio postal e ao caf
e bebida. Sem contar que o nome veio de Hugh Hefner, o homem
que tem a vida que todos gostaramos de ter. Ora, no sou exatamente
o que a revista precisa. Tomar no senhor seu cu, editor careta. Ficou
com medo? Medo de ousar? No era uma revista moderna? Tudo bem,
senhor editor, contrate ento um reporterzinho recm-sado da frma,
bem fresquinho, terminou a faculdade de jornalismo h pouco, essa
merda de faculdade no importa qual, todas so a mesma merda de
onde todo mundo sai formadinho e bonitinho e suuuperpreparado para
o mercado editorial. Ahan. Just another brick in the wall, isso que o
senhor quer para sua revista moderna e cool e ousada, senhor editor?
Acho que no. Acho que o senhor nunca vai achar algum melhor do
que eu em toda sua vida.
Camila?
Sim?
Voc est ouvindo?
Claro. Olha, te mandei os meus textos mais legais. No o quetenho de mais padro, entende? J fiz reportagens bem caretas. Posso
te mandar.
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Manda, Camila, manda. Adorei os textos, no entenda mal, voc
tem muito estilo, mas acho que no exatamente o que procuramos.
We dont need no education, p pn, p, p nn, we dont need
no thought control, p, pn, p, pnn. Vou mandar, ento.
Manda, Camila, manda. Voc pode colaborar com a revista... Voc
gosta de msica, n? Escrever sobre msica.
Negrinho, no estado em que estou, escrevo at sobre turfe. Gastro-
nomia. Dieta. Astrologia. Fao horscopo, invento signo novo. Canguru,
que pula de dia 15 em dia 15. Borboleta. Castor. Texugo.
, msica, literatura, cinema, cultura em geral. Isso o que mais
me interessa. Vou mandar os outros textos.
Manda, Camila, manda. , preciso desligar, mas manda os textos.
Vai tomar no cu.
Mas ele j tinha desligado. Ainda bem.
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And you still want me / I know because the smile thats on your lips its for me / They
were meant for me to kiss and you were meant to love me darling.
The Kinks
Parece que o tempo na Inglaterra no foi suficiente para que Henri
esquecesse completamente as merdas que fiz e que aconteceram. Ao
contrrio do que ele acredita, merdas acontecem. Ele diz que no no
mundo dele, mas sim acontecem, porque agora, querendo ou no, fao
parte do mundo dele.Henri. Aiai, Henri.
Algumas vezes tive vontade de mand-lo enfiar aquele arzinho blas
no cu, mas logo passava e ele ficava lindo de novo. Homens so babes,
isso fato. Eles babam at quando tentam no babar. Ele lindo, o mais
lindo, mais foda, mais inteligente, tem os olhos mais verdes e brilhantes
e eloqentes do universo inteiro. D pra ver os pensamentos dele por ali.
Nunca gostei de olhos verdes, mas os dele so os mais lindos porque sodele. Era adepta do movimento antiplos, mas os dele so perfeitos porque
so dele. Ele pode tudo. Qualquer coisa. Lindo.
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Tudo em dois dias: farpas, identificao, fascnio, seis horas de ni-
bus, um abrao que disse tudo, beijos, beijos, beijos. Muitos beijos.
Flash-back. Dezessete anos. Paixo adolescente, acho que o sujeito
perfeito e tenho vontade de me acoplar nele e dormir junto pra sempree comer pipoca no cinema e passear no sol e ver os patinhos no parque
e andar de pedalinho e esperar anoitecer e olhar o cu. Oquei, a parte
do cu eu posso esquecer. Estou em So Paulo, no tem cu aqui. Mas
eu queria olhar o cu e as estrelinhas e ver a lua sorrindo. Isso eu vi, a
lua sorriu pra mim, pra ns. E a gente se beijou e se beijou e foi lindo e
ele cheio de medos de que eu tentasse ser o que ele acha que tento ser
e pedindo para que eu fosse eu mesma. Eu sou, sempre.Menino, voc no sabe quem sou. Eu tambm no sei quem voc
, mas no quero adivinhar errado e deixo para o tempo me contar. Ele
conta tudo, sempre. E nunca mente. Menino, pra de me rotular e de
me dizer quem sou. Eu sei quem sou.
Pra tudo e me d um beijo, esquece tudo. Auto-sabotagem. Dessa
vez era srio e o pnico de ter jogado tudo fora, bitucas de cigarro apaga-
das e amassadas e despejadas no lixo, tomou conta de mim de tal formaque s conseguia respirar curtinho e pensar que merda, que merda, pra
qu? Porque sim. Porque esta a minha chance de me redimir de tudo
pra mim mesma, de mostrar que posso andar na linha, mesmo que ela
fique em cima de um muro de dois metros. Fazer as coisas como elas
tm que ser uma vez, pela primeira vez, sem manchas.
Pra de tentar provar que no tem que me provar nada e que eu
tenho que parar de tentar te provar alguma coisa. Pra tudo. Gniosno se acham gnios e, quando se acham, so muito chatos. Qualquer
um genial s vezes, eu e voc tambm, mas no somos gnios e tenho
certeza de que voc tem certeza de que . Pra de me julgar, menino.
Por0que voc um menino igual a mim. E quanto mais tenta me mos-
trar que no tem o que provar e que s quer o fcil, mais se enrola. E
no adianta ficar bravo com o mundo, ele te leva pra onde quiser. Ele te
trouxe pra c, pra perto de mim, pra dentro da minha casa, pra dentro daminha cabea. E voc no vai sair fcil, voc no vai sair, est trancado
a dentro, morando a dentro.
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Pra. Pra tudo.
Pra de cagar regra sobre como devo fazer o que fao. Pra!
No me julga. No me olha com pena nem desprezo. Voc no pode
me olhar com pena ou desprezo porque, sem saber, faz exatamente amesma coisa que eu e conta que superou tudo na terapia. Yeah, right. Se
tivesse superado, no precisaria dizer e acenderia o milsimo cigarro com
ar de superioridade. Esquece, desce da, te vejo aqui do meu lado, no
quero saber se voc foda e lindo e se vai me dar mais uma chance. Se
no der, no vai ser apenas problema meu, no s virar as costas como
quem desiste do restaurante porque caro ou demorado ou porque o
garom botou o dedo no nariz. Somos dois. A merda foi minha, admito,me ajoelho, no consigo nem chorar porque seria ridculo e exagerado
fazer isso na sua frente. Mas conto. Digo que chorei, e chorei mesmo,
choro dodo, travado, com pessoas de voz aguda que me olham de cima
a baixo na casa escura e enorme e gelada e cheia de morangos e comidas
e pessoas e longe de voc.
Longe nada. Longe agora, longe quando voc ignora minha ten-
tativa de redeno. Fui pra te ver. Vou de novo, desisto de tudo, talvezme arrependa mas desistiria de tudo, trabalho, brao, perna, mo. Eu
quero voc. Mas no tenho, no vou ter porque voc fugiu com a maldita
garrafa de vodca. Vodca. Bebida. Sou mesmo uma idiota, adolescente
descontrolada que fez a maior merda, a coisa mais errada, escolhida
inconscientemente a dedo para tornar tudo mais difcil e irreversvel e
dolorido, porque o drama me move, me mexe, me empurra pra frente
ou pro lado ou pra cima ou pra onde quer que eu tenha que ir. Dez diasme tiraram cinco anos em minutos. Dez dias duraram meses. Dois dias
duraram meses. Cinco anos duraram meses e voltei ao ponto de partida.
O que posso fazer agora alm de esperar sentada, comportada, com as
pernas cruzadas e um cigarro na mo? Nada. Esperar. No adianta correr
porque voc mais rpido. Sentada esperando, quem diria. Foda-se o
drama, eu quero voc. Me diz como. Me diz logo. Eu quero voc.
No adianta, ele quer tempo, diz ter nojinho quando imagina seu me-lhor amigo gozando dentro de mim bbada e molhada de mar. E o amigo
ficando puto porque me arrependi e diz que tentei me matar s porque
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entrei no mar totalmente sem noo. Homens, eu os amo mas eles fodem
com a minha cabea. No entendo. Entendo, claro. Mas no entendo.
Ou entendo e quero tornar as coisas mais fceis e perdoveis para mim
mesma. Argh. Preciso dar um jeito de arrumar o caos que eu sou.
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Oh my lover / My sweet cherrie pie / You can love her / You can love me at the same time.
PJ Harvey
Sair, sair, beber, encher a cara com meu amigo, voltar pra casa e encon-
trar meu gato degladiando-se com Matilda a planta de um dos caras
que habita minha pseudocasa , procurar apartamento, encher a cara,
acender Luckies at sair fumaa pelos olhos, caminhar no solzinho de
walkman e pensar na vida e no que fazer e para onde ir, porque no sei
se quero ficar aqui.
Sair, beber, chegar em casa e descolorir o cabelo com blondor. Grandeidia. Agora sou loira.
Sair, beber, encher a cara com meu amigo enquanto os pretendentes
nossa volta pensam que trepamos escondidos. Sempre juntos, grudados,
sentando um no colo do outro e fazendo piadinhas. Isso desperta as fan-
tasias de qualquer um. Todo mundo um punheteiro em poten-cial. Na
verdade, acho que todos torcem para que eu e Mrcio sejamos mesmo
um casal aberto. Casal aberto uma das expresses mais escrotas dalngua portuguesa. De qualquer forma, algumas pessoas tm medo de
se aproximar quando estamos juntos.
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Mas ele no teve.
Disse meu nome e encheu minha boca de porra. Mas no era qual-
quer porra, daquelas que tm gosto de cola tenaz com gua sanitria
e farinha. A porra dele era doce. Doce mesmo, de verdade, gosto bom.At me deixou sbria. Eu, que tinha bebido sei l quantas doses de
usque, fiquei sbria quando o rapaz de olhos rasgadinhos gozou na
minha boca.
Adoro isso de engolir porra. No de qualquer um, claro. Engulo quan-
do a conquista grande. No tem essa de engolir por amor. Afinal, quem
ama quer ser correspondido, e ningum que corresponde faria sua musa,
diva, deusa, amada e adorada engolir um troo com gosto to ruim.
Fora a dele. A dele era doce e no deixava aquele gosto impregnado.
Bom pra caralho.
Ele foi um daqueles que voc bate o olho e quer. Eu quis. Ele veio
falar comigo mesmo eu estando no colo do meu amigo , e, por incrvel
que parea, fiquei sem jeito. A ltima vez que algum me deixou assim
foi na quarta srie, quando o menino mais bonito da classe me chamou
pra tomar um sorvete. Depois de se divertir me constrangendo, me deu
o telefone e disse para ligar. Arr. Pode deixar. Alguns dias depois, nos
encontramos de novo, mas dessa vez controlei meus hormnios e fiquei
calma. Mesma coisa, disse pra ligar e lanou um olharzinho sugestivo.
Arr. Pode deixar.
Resolvi ligar s 2 da manh de uma quinta-feira. Pouco inoportuna,
hein? Sa pra beber com uns amigos, eles foram embora e fiquei vagando
pelas ruas. Bateu uma vontade gigante de v-lo e como tinha a desculpa
do balao, toquei o foda-se e liguei.Tut. Tuuut. Tut.
Atendeu.
Oh, meu deus.
Ol. a Camila. Tava dormindo?
No, no... Onde voc t?
Na rua. Vem pra c e vamos fazer alguma coisa.
Mas fazer o qu?Porra. Como assim, fazer o qu?
Sei l. O que voc t fazendo em casa?
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Lendo.
Olha, podemos ler.
Ele riu. Ufa. Pelo menos no estava dormindo, o que as pessoas
costumam fazer a essa hora.No sei, Camila... Estou aqui lendo Dostoievski e...
Ah, pra! O Dostoievski pode esperar, eu no. Vem pra c.
No tinha como recusar. s vezes, tenho muito orgulho das minhas
frases. Acabamos bebendo e conversando em um boteco qualquer, mas
era bvio que alguma coisa iria acontecer ali. Tenso sexual, adoro isso.
Voc sabe que a pessoa quer, voc quer, mas vocs insistem em falar
sobre o primeiro disco do Chet Baker.
O dono do boteco nos expulsou pra lavar o cho com suas botas
sete-lguas e decidimos ir para outro lugar. Rodamos, rodamos, tudo fe-
chado. Paramos em uma rua, fui trocar a msica do CD e ele me atacou.
Huh-huh, timo. Cansei de atacar, fao isso desde os 13 anos, est na
hora dos homens se redimirem comigo. Comeamos bem.
E voc j sabe como acabou. Ele gozando na minha boca, dentro do
carro, em uma rua escura.
Homens so mesmo clichs ambulantes. Depois de gozar, ele acendeu
um cigarro e soltou a fumaa com um ahh de prazer. Meu deus, eles
fumam depois de gozar. Tem coisa mais liudiana? No tem. Talvez
aquela clssica cena da garota sexy mexendo os cabelos de um lado
para o outro ao vento, mas vamos combinar: foda. Fumar depois de
gozar foda.
Ele me levou pra casa. Perguntei se queria entrar, mas ele disse que
precisava ir. Ento t, eu disse. Nos vemos amanh?, ele disse. Vemos,
mas a sua vez de ligar. Esgotei minha cota telefonando de madrugada,
eu disse. Pode deixar, ele disse.
Mas ele no ligou. E quer saber? Azar. Sim, queria v-lo de novo.
No desesperadamente, mas queria. Sem neuras, por favor. Foi bom
e isso que importa. Essa sensao de conseguir o que quer divina.
Especialmente quando na medida certa. Muito no tudo. E tudo no
demais. Demais quando enche o saco.
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Oh no / Here comes that sun again / That means another day without you my friend /
And it hurts me to look into the mirror at myself / And it hurts even more to have to be
with somebody else / And its so hard to do / And so easy to say / But sometimes,
Sometimes you just have to walk away.
Ben Harper
E quem a tal da Anne de quem tanto falo? Vamos do comeo. No gosto
de mulher, a no ser pra dar uns pegas s vezes. Tenho um total de duas
amigas. Amo umas outras quatro ou cinco garotas, mas amigas mesmo,
amigas sem restries que entendem tudo e no me irritam com algumacoisinha, que no fazem barulhos estranhos comendo amen-doim ou
respirando s tem duas: Catarina e Anne. Conheo Catarina desde os
2 anos, quando eu era uma pequena tagarela hiperativa e ela era uma
criaturinha tmida e muda. Ao longo dos anos, eu a ensinei a falar e ela
me ensinou a ficar em silncio. Minha Catarina, minha amiga Catarina
que sempre entendia e sentia tudo comigo. Passamos a infncia juntas
e crescemos juntas e superamos traumas juntas e fizemos muito uso doombro da outra. Vimos shows, ouvimos excelentes discos, choramos
em comerciais de margarina, fumamos maconha e ficamos mangonas,
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cheiramos cocana com gosto de detefon, tomamos cido estragado,
trepamos com o mesmo cara, trepamos as duas e fizemos uma tatuagem
igual no pulso.Ad infinitum. Podemos ficar anos sem contato e sem saber
uma da outra, porque isso no interessa, soulsisters so soulsisters. Enunca ningum comparou-se minha Catarina.
Ento conheci a Anne e ela tambm entendia e ficamos amigas ime-
diatamente e ouvimos CDs e nem usamos drogas mas bebemos bastante
e fumamos muitos cigarros e passeamos no cemitrio e falamos muita
merda e tiramos muitas fotos e choramos dodo na hora da despedida.
Anne foi embora para Inglaterra, estudar no meio dos ingleses. Que
bom e que merda e que bom. Que bom porque ela veria muitos shows,
compraria muitas coisas legais, estudaria em um lugar decente e seria
uma psicloga foda. Foda ela j era. Com 18 anos, havia passado por
trs faculdades e falava cinco lnguas e era linda. Sou completamente
apaixonada por ela. Assim como me apaixono por bandas ou homens
ou narizes, me apaixonei por minha amiga Anne. E ela foi embora com
sua mochilinha nas costas. Aquilo doeu como se estivessem cortando
um naco de mim bem devagar. Ela indo e doendo e cortando. Meses sem
v-la. Mas desde que ela fique bem, eu fico bem. Morro de saudades,
morro, mas fico bem. Eu te Anne, amo.
Ento t, chega de cio. Para no morrer de saudades da minha
menina, resolvi arrumar um emprego. Foda-se jornalismo, foda-se or-
gulho, preciso ocupar minha cabea com alguma coisa. Qualquer coisa.
No caminho para algum lugar vi uma placa PRECISASE PORTEIRO
CINEMA. Pronto, era isso. Ver filmes de graa, comer quilos de pipocas
e doces, ganhar psteres exclusivos e ainda ter a chance de flertar com
os supercool. O que nos leva questo: o que cool? Depende. Pra mim
o mundo dividido entre as coisas que d e as coisas que no d. No
d, por exemplo, pra pintar as unhas do p de vermelho ou usar xale.
No d. J homem sem cueca o que h de sexy (quando limpinho).
D. Lingerie preta? Salto agulha? D. Fumar sem saber segurar o cigarro?
Menor chance. Tie-dye? No tem como aceitar. Homem malhadrrimo?
Longe de mim. Barriguinha de cerveja? Tamos a. E assim vai.A agncia de empregos ficava no centro da cidade. Todos os centros
do universo so podres e tm cheiro de fruta passada, mas este era alm
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do limite. Eu e meu walkman quase no agentamos o tranco e voltamos
pra casa, mas eu realmente estava em desespero e precisava de algum
dinheiro, ento fui ouvindo Ween sacudindo a cabea e cantando bem
alto na rua. Era uma casa velha, meio mofada, meio descascada, semnenhuma placa. Na sala de espera, cinco pessoas: uma senhora gorda,
com a pele toda manchada e o cabelo longo e grisalho, um mulatinho
de no mximo 16 anos e camiseta dos Racionais MCs, dois homens
magros e nordestinos e parecidos que conversavam sobre alguma coisa
incompreensvel e aguda e uma menina magrinha e tmida, sentada em
um cantinho. Todos olharam pra mim quando entrei. Talvez porque fosse
branca demais, talvez porque fosse alta demais, talvez porque destoasse
completamente da realidade deles. Sentei. Esperei. Saiu l de dentro um
cara com mau hlito e pele marcada pela acne. Nojo. Olhou espantado
para mim, perguntou quem era o prximo. Levantei e fui embora. Que
se fodam todos. Eles precisavam mais disso do que eu. No adianta
procurar, quando tiver que ser, ser. Enquanto isso, passava fome. No
low life is gonna run me around.
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I cant stand it anymore-more / I cant stand it anymore-more, oh / I cant stand it
anymore-more.
Lou Reed
Continuava sozinha. Sozinha demais. Banzo. Saudades de casa, de tudo.
Precisava de um homem. Colo e sexo e risadas. No sei viver sem isso.
Deserto. Dor, raiva, qualquer coisa melhor do que o nada.
Tava foda, ningum minimamente interessante. Nada. Voltava pra
casa sozinha todos os dias. Casa, aquela mesma. Colcho na sala. O
Horror. Mesmo que encontrasse algum, no seria para l que iramos.
Socorro. Homem, preciso de homem. Carinho. Foder at pingar de suor.
Carinho. Socorro.
Ento um amigo meu apareceu com este cara. E fiquei conversando
horas com o cara. E fiquei obcecada pelo cara, que no parecia me dar
muita bola, especialmente quando dormi em um palquinho depois de
encher a cara. Mas sou uma garota insistente. Eu queria. Passei uma
semana infernizado meus amigos com o tal Thomas. Thomas, com tag. Virou Fomas. E eu falava no Fomas vinte horas por dia. Ningum
agentava mais, meus amigos, meu gato, ningum. No fazia idia de
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como encontr-lo, mas sabia que ele estaria em certa festa certo dia e
arrastei todo mundo pra l sem ouvir uma reclamao. Eles sabiam que
o Fomas ia e que era a nica forma de me fazer parar de falar no maldito.
Excelente. Fomos todos beber vdega antes, Absolut em homenagem minha Anne, trs copos. A ltima vez que estive no lugar onde era a tal
festa, foi com ela. No tnhamos nenhum dinheiro, zero. Mas era sua
pr-despedida nmero 17 e nos recusamos a deixar uma coisa pequena
como falta de dinheiro nos abalar: pagamos com meu CPF e com a cartei-
ra de estudante dela. Perfeito. Demos certeza de que voltaramos no dia
seguinte para pagar. No voltamos. Nunca mais. At aquele dia. O sujeito
me reconheceu na hora e veio cobrar, mas naquele dia eu possua muitos
dinheiros, porque algum tinha resolvido pagar algum trabalho atrasado.
Eu nem sabia mais o que era, nem queria saber, na verdade. Disse para o
Moo que pagaria tudo na sada. Fiquei com a impresso de que ele no
acreditou muito, mas concordou me olhando torto.
Entramos todos saltitantes e contentes. Estava tocando Nirvana.
Oh, yeah. Meus 13 anos, tudo era to mais simples e eu voltava a p do
colgio de walkman ouvindo oNevermind, que saiu em 91 mas s caiu a
ficha em 93. Sabe como , Brasil, Porto Alegre, as coisas demoravam um
pouco pra chegar, no era tudo assim rpido como agora. V, abandone
este corpo que no te pertence. Vdega. Mais vdega. E l est o Fomas.
Ol, Fomas. Blablabla, Fomas. Fomas era realmente interessante. Um
osis naquela seca de gente interessante. Ele conversava comigo com a
mesma expresso do outro dia, sem dar muita bola. P. Mas a, tomei
mais vdega e grudei ele na parede. No dei exatamente uma opo,
mas ele pareceu gostar bastante da idia.
No sei o que acontece comigo, mas assim que me interesso por
algum a imbecil que mora em mim, Mariela, se manifesta. E a Mariela
ficava se intrometendo na minha conversa com Thomas, aproveitando-se
da minha embriaguez e fazendo comentrios absolutamente estpidos
e me envergonhando. Mas ele no parecia se importar, continuava com
a mesma cara de antes. Eu no sabia mais o que fazer com a Mariela
bbada, era um inferno. Ento decidi que no falaria mais nada.Desastre. Desastre total. Acordei no Hotel Bali. Hotel Bali, percebe?
No. No d. O lenol era estampado com o nome do hotel. Tinha um
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espelho horroroso que engordava no teto. Thomas estava de costas
para mim. Horror. No lembrava como tinha ido parar l. Ai, lembra-
va. Eu sugeri. No, no sugeri, simplesmente caminheiat l e entrei.
Sem avisar. No Hotel Bali. Horror. Estava a menos de duas quadras daminha pseudocasa. Ele de costas pra mim. Nem uma mo na cintura.
Nada. No rolou nada. Ai, rolou. Esse gosto de cola tenaz com farinha
e gua sanitria. Ai. Horror. Muito bem, Camila. Muito bem, Mariela,
sua imbecil. Isso s podia ter sido idia da Mariela. Vaca. Quando no
a Mariela falando merda, a Conchita me deixando gaga. Conchita
mexicana, gaga, meio feinha e tambm mora dentro de mim. Ela s apa-
rece quando algum que admiro tenta qualquer espcie de comunicao
comigo. Pssimo, pssimo. Thomas continuava dormindo de costas pra
mim. Eu estava de lado, torcendo muito por um suspiro, uma viradinha
e uma mo na minha cintura. Um pertinho, daqueles que fazem click.
Nada. Nem as bundas se encostavam. Eu, de frente para o banheiro.
Hotel Bali. O chuveiro ficava em cima da privada. No tinha cortinas.
No tinha nada. Horror. Queria ir embora mas no queria me mexer.
Queria sumir dali. Ser engolida pelas letrinhas do lenol para dentro de
algum anagrama. Queria um homem legal, carinho e sexo. S encontrei
o homem legal.
Quando nos despedimos na porta do hotel, tive certeza de que no
nos veramos de novo. No assim.
Cada vez que pensava no Hotel Bali tinha vontade de chorar, de
me dar tapas na cara, de me desintegrar. A possibilidade de encontrar
Thomas era enorme, j que a noite em So Paulo se resumia a dois ou
trs lugares freqentveis. E claro que ele estava na primeira festa
que teve e claro que fiquei me escondendo atrs das colunas do bar
e olhando para o teto e para o p e para os gelos da minha vodca com
licor e para o meu amigo e para o lado oposto. O Horror, tinha medo do
que ele diria, medo do jeito com que ele me olharia, medo dele, medo
de tudo. Medinho. Pavorzinho, frio na barriga.
Todos os homens do mundo tm entre 12 e 18 anos. Todos, todinhos.
Os de 18 so os que tm namorada, carro e emprego. Os de 14 at pegammulheres s vezes, mas preferem jogar videogame com seus amigos a
passear com as garotas. Os de 12 no notam quando as coleguinhas
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ficam a fim deles e preciso que seus amigos os cutuquem e avisem que
a Mariazinha est encarando e cochichando e trocando bilhetinhos e
risadinhas com as amigas h horas. Thomas tinha 15 e seu amigo, uns
16. Ele ficava de costas pra mim enquanto seu amigo olhava tentandodisfarar e mexia os lbios, mas garotos de 16 anos no sabem disfarar
muito bem e eu sabia que ele estava narrando meus movimentos. Aquilo
s me deixava mais tensa. Tenso, mais vodca, horror. Depois do terceiro
copo, criei coragem e cheguei perto dos garotos. Ele pareceu feliz em me
ver. Conversamos um pouco como se nada tivesse acontecido. Amigos?
Amiguinhos? Amiguinhos o meu rabo. Queria ficar com ele de novo,
queria muito. Mas naquela noite ele preferiu jogar Super Nes e, depois
de me deixar na porta de casa com um beijo na bochecha, foi embora.
Em se tratando de homens, estava realmente fodida. Henri agora
tinha decidido que eu era m, fazia mal a ele, era irnica, egocntrica
e tudo que ele no queria na vida, referncia de anticristo sentimental.
Ento t. Foi lindo, mas aquilo me matava e cansava e me fazia mal,
mal, mal. Meu ex, quando descobriu que fui para a Inglaterra, ameaou
vender minhas coisas que ficaram em nossa ex-casa para saldar minha
dvida. Thomas, em todas as outras vezes que nos encontramos, con-
tinuou com a mesma cara. Tentei me aproximar, disse que queria sair
com ele limpinha e sbria, mas ele disse que sujinha e bbada tambm
era bacana. Bacana. O problema era esse, tudo era bacana. Eu era ba-
cana, o Hotel Bali era bacana, as festas onde nos encontrvamos eram
bacanas. E bacana mediano. E mediano no me interessa. Extremos,
quero extremos. Quero um louco me seguindo de carro nas ruas. Quero
algum to apaixonado, doentio e obcecado quanto eu. E quero muitoparar de pensar nisso, porque essas coisas s acontecem quando a
gente no espera.
Empregos seguem a mesma lgica. Por mais desesperada que esteja,
no adianta sair por a olhando nos classificados, o que cheguei a fazer
em momentos de desespero, cogitando inclusive ser hostess de puteiro
chique, que pagava mais do que qualquer jornalista chinfrim poderia
sonhar. As outras opes eram operadora de telemarketing, garonete,professsora de ingls e vendedora de lingerie. No cheguei a ligar para
nenhum dos lugares, sabia que era intil. Por mais que meu pai tentasse
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me convencer de que precisava lutar para chegar aonde queria, eu sabia
que no adiantava. Minha vida como areia movedia, quanto mais me
debato, mais afundo. Se ficar paradinha, mais cedo ou mais tarde vai
aparecer algum com um pedao de bambu e me puxar para fora.Eu e Julian chegamos ao limite daquele apartamento horroroso e
povoado. Thomas continuava me deixando em stand by. Eu ainda no
tinha conseguido anfetaminas e inchava como um baiacu e no cabia
mais nas minhas calas. Meu plos encravavam, minha escova de dentes
estava ruim, minhas lentes de contato estavam vencidas e eu no tinha
mais dinheiro nem pra encher a cara.
Ento, recebi um telefonema. At porque meu celular estava sem
crditos e eu no podia fazer ligaes. Dez da manh, telefone tocando
como um grilo desesperado. S podia ser mala. S mala liga de manh.
Ou era mala ou spam por telefone oferecendo o novo servio do caralho
a quatro do raio que o parta com texto mal escrito e lido e semideco-
rado. Saco.
Aloa.
Camila?
Hmm.
Oi, meu nome Farinha, sou dono da Bizarre.
Wow, Bizarre, uma das melhores lojas de discos de So Paulo. Legal.
At abri os olhos. Sol, muito sol. Sala sem cortinas. Desgraa.
Putz, claro. Ol.
Pois , ouvi dizer que voc estava desempregada, desesperada e
passando fome. No t a fim de trabalhar aqui comigo?
Sentei na cama. Pera: como que ?
Trabalho. Loja de discos. O dia inteiro no meio de CDs e de pessoas
que gostam de msica. Obrigada, deus. Obrigada, Shiva. Obrigada,
Sheela Na Gig, minha deusa predileta e grande msica da PJ Harvey, a
morena mais foda dos anos 90. A loira a Courtney Love. Isso porque eu
ainda no entrei no negcio, claro. Mas pera, pode ser que ele simples-
mente precise de algum pra limpar o banheiro. Eu tinha essa fama delimpar o banheiro dos outros, mania de limpeza. Fazia faxina em todas
as casas onde me hospedava e nem cobrava conduo.
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, tou precisando de algum pra ficar no balco...
Porra, claro.
Vamos dar uma conversada?
Tou indo pra agora. Tchau.Caminhei at l em um sol infernal que s imaginei existir nos filmes
do serto brasileiro. Cheguei suada, suja, descabelada e feliz. Uma loja de
discos. No exatamente o que planejei para minha vida. Muito melhor do
que ficar enfurnada o dia inteiro em uma redao com jornalistas neurti-
cos e editores sdicos e prazos e programas de texto esquisitos.
Conversamos durante vinte minutos e decidimos que comearia na
segunda.
No adianta espernear. s vezes as coisas s acontecem quando
ficamos estticos.
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I dont wanna be a lone man anymore / Its been a year or two since I was down on
the floor / Shakin booty, makin sweet love all the night / This time I got back to the
good life / I wanna go back, I wanna go back / And I dont even know how I got off
the track / I wanna go back, yeah!
Rivers Cuomo Weezer
Quando desempaca uma coisa, todas as outras andam. Que nem ralo
entupido, o primeiro problema que tivemos em nosso apartamento na
Rua Purpurina. Eu tinha encasquetado que ia morar nessa rua, eu tinhaque morar nessa rua. E consegui. Nosso apartamento era um grande
vazio demogrfico: tnhamos fogo, geladeira, meu carrinho de super-
mercado e dois colches. Focof, era nossa casa. Enorme, linda e com
um banheiro cor-de-rosa. At comear a desabar.
Voc viu aquele filme Um dia a casa cai? Sim, voc viu. Todo mundo
viu. Voc s no lembra. aquele em que o Tom Hanks e sua senhora
so um jovem casal que vai morar em uma casa que vai desabando aospoucos. Tenho certeza de que se voc lembra da cena da banheira indo
parar no primeiro andar.
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Pois . Foi mais ou menos isso que aconteceu. Eu e Mrcio no
ramos um casal, muito menos um jovem casal, mas nossa casa era
quase um sonho. Nossos vizinhos eram uma banda de gospel e um tal
de Esfiha Pizza Bar, o que quer que isso significasse. Tinha um ponto denibus debaixo da minha janela, mas isso a gente supera. A pintura es-
tava descascando um pouco, mas como eu e Mrcio somos adolescentes
roqueiros e sabamos que as paredes acabariam pintadas de vermelho,
pichadas e cobertas de psteres, no demos muita bola pra isso.
At que choveu. Choveumuito.Mas estvamos protegidos no nosso
apartamento encantado ouvindo The Shaggs e rindo e nem demos bola.
At que decidi trocar o CD e percebi uma infiltrao exatamente em cima
da minha coleo de discos. No era uma goteirinha inofensiva, era uma
fila de sete gotinhas saindo de uma rachadura antes imperceptvel no
teto. Cada uma das sete gotinhas, quando caa exatamente em cima de
algum dos meus CDs queridos, dava lugar a uma nova gotinha. Lindo
de ver, potico at.Mas no em cima dos meus CDs. Tive um chilique
e depois de secar e cobrir meus CDzinhos amados daquelas malditas
gotinhas fofas, fui com um pedao de madeira na mo at a imobiliria,
que prometeu tomar providncias. Sei. Tudo bem, j tinha parado de
chover mesmo, apesar de ter estragado alguns encartes. Grunf.
Depois, descobri um buraco na parede do meu quarto. Provavel-
mente tinha um ar-condicionado ali, mas s dava pra ver pelo lado de
fora porque eles camuflaram bem direitinho por dentro. Bom, chovia
ali tambm. O buraco ficava visvel algumas horas depois da chuva. E
escorria gua pela parede, bem em cima do meu colcho ortopdico.
Reclamei de novo, dessa vez com um basto de beisebol, e eles disseramque iriam arrumar.
No dia seguinte, acordei e fui tomar um banho para ativar meus oito
neurnios aquela coisa bsica que todas as pessoas limpas fazem e
comecei a perceber que a gua no estava escoando como deveria. Na
verdade, ela no estavaescoando. Eu estava ensaboada, com xampu
no cabelo, no tinha como parar tudo para tentar desentupir o ralo.
Pensei que, se fingisse no perceber, talvez a gua resolvesse parar comaquela palhaada e fosse embora, mas isso no aconteceu. O banheiro
foi inundado em segundos, enquanto eu tentava tirar o xampu ligeiro.
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7/26/2019 Maquina de Pinball - Clara Averbuck
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Inundado. Litros de gua com espuma espalharam-se pelo banheiro rosa
e pelo corredor. Pelo carpete do corredor. Sa pelada e desesperada para
buscar o rodo na rea de servio enquanto os pedreiros da obra ali atrs
lanavam olhares curiosos. Uma garota nua e molhada com um rodo epanos nas mos s 9 da manh deve ser uma imagem um tanto quanto
interessante. Consegui secar o banheiro, mas perdi o filme que deveria
ver com um amigo s 10h30, at porque fui ao cinema errado.
Mas quer saber? Dane-se. Era minha casa. Minha casa. Minhas
coisas, minha casa, meus gatos. Porque agora eram dois gatos: Julian e
Polly. E Mrcio e sua namorada trancados no quarto produzindo rudos
do amor. E eu indo trabalhar de manh e me sentindo noAlta Fidelidade
quando era legal e no Clerksquando era um lixo. Mas na maior parte
das vezes era legal. O mundo maravilhoso dos discos. Muitos discos,
todos os discos que eu quisesse. Tinha desde a Marilyn Monroe mos-
trando os dotes vocais at Aphex Twin, Richard James nas horas vagas,
sendo louco e feio. Tenho muito medo daquele sujeito. Desde Television
(nacional e baratinho) a Hi-Fives(importado e carinho). Tudo o que j
gostava e mais mil coisas que poderia vir a gostar.
Thomas apareceu na loja algumas vezes. Conversvamos sobre m-
sica e amenidades e aquilo estava acabando comigo aos poucos. Stand
by. E eu ficando tensa e tensa. E pensando mais e mais nele. Maaais e
mais. No queria. No sabia se queria. Queria. No queria. Os homens
desta cidade so iguais ao tempo: quente, frio, frio, frio, quente. Chuva,
frio. Sol, calor, chuva, calor, calor, calor, chuva, frio. Sol. Calor. Calor,
calor, calor, chuva, calor, frio. Argh.
Senhor pedestre, favor olhar para os dois lados antes de atravessar.J nem sei mais que horas so. No quero saber. Quero saber onde voc
est, onde diabos se meteu, ond