Manoel Pastana - De Faxineiro a Procurador Da República - 3ª Edição - Ano 2012 - Cópia

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MANOEL PASTANA Vencedor do Troféu Superação de 2009 (Programa Mais Você - Rede Globo) De Faxineiro a Procurador da República Uma história real de incrível superação TÉCNICAS E ESTRATÉGIAS PARA preparação para provas e concursos desenvolvimento da inteligência emocional 3.a edição Revista e reformulada

Transcript of Manoel Pastana - De Faxineiro a Procurador Da República - 3ª Edição - Ano 2012 - Cópia

  • MANOEL PASTANAVencedor do Trofu Superao de 2009 (Programa Mais Voc - Rede Globo)

    De Faxineiro a Procurador da Repblica

    Uma histria real de incrvel superao

    TCNICAS E ESTRATGIAS PARA

    preparao para provas e concursos desenvolvimento da inteligncia emocional

    3.a edioRevista e reformulada

  • MANOEL PASTANA Procurador da Repblica (membro do Ministrio Pblico Federal - MPF). Para chegar a esse cargo to concorrido, passou por muitos percalos em sua vida, todos superados com muito estudo

    e dedicao. Quando chegou a Braslia, no incio d 1980, trabalhou como faxineiro e vendedor de livros. Em 1981, entrou no servio pblico como soldado da Aeronutica. Por meio de concurso pblico, ingressou na Escola de Especialistas de Aeronutica, localizada em Guaratinguet/SP, formando- -se Sargento Especialista de Aeronutica, em dezembro de 1984.Em 1992, concluiu o curso de Direito em uma faculdade de Braslia (trabalhava durante o dia e estudava noite). No mesmo ano da formatura, passou em primeiro lugar no concurso de Oficial de Justia, realizado peloTRF da 1.a Regio. Foi nomeado para o STJ, tornando-se o primeiro Oficial de Justia daquele Tribunal Superior.Em junho de 1994, assumiu as funes de Procurador Federal do INSS, em Braslia/DF, cargo conquistado por concurso pblico, aprovado em primeiro lugar. Pouco tempo depois, passou no concurso de Procurador da Repblica, ingressando na carreira do MPF em junho de 1996. Em dezembro de 2003, foi promovido a Procurador Regional da Repblica (segunda instncia). Atualmente, exerce suas funes na Procuradoria Regional da Repblica da 4.a Regio, Porto Alegre/RS, oficiando perante o TRF4, Tribunal Federal que tem jurisdio sobre os trs estados do Sul.Como Procurador da Repblica (primeira instncia), trabalhou em Campos/RJ, Braslia/DF, Rio Branco/AC e Macap/AP. Durante quatro anos foi Procurador Eleitoral e Procurador-Chefe da Procuradoria da Repblica no Amap.

    E D .l T O R A M ETO D O

    w w w .e d ito ra m e to d o .c o m .b r

  • Editorial --------------------------------------------------------------------Nacional

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    Nossa misso prover o melhor contedo cientfico e distribu-lo de maneira flexvel e conveniente, a preos justos, gerando benefcios e servindo a autores, docentes, livreiros, funcionrios, colaboradores e acionistas.

    Nosso comportamento tico incondicional e nossa responsabilidade social e ambiental so reforados pela natureza educacional de nossa atividade, sem comprometer o crescimento contnuo e a rentabilidade do grupo.

  • MANOEL PASTANAVencedor do Trofu Superao de 2009 (Programa Mais Voc - Rede Globo)

    De Faxineiro a Procurador da Repblica

    Uma histria real de incrvel superao

    TCNICAS E ESTRATGIAS PARA

    preparao para provas e concursos desenvolvimento da inteligncia emocional

    3.a edioRevista e reformulada

    ***EDJTORAMETODO

    SAO PAULO

  • De Faxineiro a Procurador da Repblica

    Uma histria real de incrvel superao

    abdrR e s p e ite o ilire ifo au to ra !

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    Capa: Rafael Molotievschi

    CIP - Brasil. Catalogao-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Pastana, Manoel,

    1962 - De faxineiro a Procurador da Repblica / Manoel Pastana. - 3. ed., rev. e reform. - Rio de Janeiro : Forense; So Paulo : MTODO, 2011.

    ISBN 978-85-309-3864-2

    1. Pastana, Manoel, 1962-, 2. Procuradores da repblica - Brasil - Bibliografia, i. Titulo.

    11-5864. CDD: 923.4CDU: 929:34(81)

    1 a e 2.8 edies publicadas pela Editora Pastana.

  • NOTA TERCEIRA EDIO

    A primeira e a segunda edies foram publicadas pela Editora Pas- tana. Devido grande procura pelo livro, o autor confiou a publicao, a partir desta edio, Editora Mtodo, a fim de melhor atender aos leitores. Originariamente a obra continha:

    1 - a trajetria de vida do autor, que, de famlia extremamente carente, chegou a Procurador da Repblica, cargo conquistado por concurso pblico dificlimo. A intrigante histria de superao lhe rendeu o Trofu Superao, concedido pelo Programa Mais Voc, da Ana Maria Braga (Rede Globo);

    2 - estratgias de estudos e para o desenvolvimento da inteligncia emocional;

    3 - os bastidores da poltica e do poder.

    A primeira edio foi publicada com 400 pginas. A segunda saiu com 607. A terceira seria maior em decorrncia de mais fatos relacionados aos bastidores da poltica e do poder. Entretanto, para que a obra no ficasse muito grande, o autor resolveu dividi-la. Neste livro permanecem os itens 1 e 2 mencionados acima, com acrscimos importantes em relao edio anterior. Outro livro a ser publicado conter os bastidores da poltica e do poder.

  • APRESENTAO

    Nasci no interior da Ilha de Maraj (Par). Alm de a minha famlia ser muito pobre (passei fome na infncia e na adolescncia), eu era burro. Burro no porque era burro, pois limitao intelectual no justifica a metfora com o simptico animal, mas porque eu no gostava de ler e muito menos de estudar.

    Reprovei na terceira srie do primrio, o que me fez refletir e a ficha caiu. Percebi que no tinha talento para ser jogador de futebol, no tinha talento para ser cantor sertanejo e muito menos beleza para ser modelo; logo, se eu no estudasse, estaria f. (calma! o f de ferrado, eu no uso palavro no meu livro, apenas uma pitada de humor para tomar a leitura mais agradvel). Sim, se eu no estudasse, estaria condenado a uma vida de pobreza material, intelectual e de esprito.

    Quando percebi que no havia outra forma digna de mudar de vida, passei a cultivar a educao. Como se v, os livros entraram na minha vida por necessidade; por isso, direcionei a leitura e os estudos para a prtica. Tomei-me pragmtico, muito observador e crtico, mas com os ps no cho.

    Os estudos com estratgias abriram-me elstica viso para enxergar e conviver em um mundo altamente competitivo, no qual o mais importante no apenas ter conhecimento, mas ostentar capacidade de aprender com rapidez, bem como colocar o conhecimento em prtica com eficincia. A dinmica do mundo atual reclama aprendizagem pragmtica e clere.

    Na obra, abordo a leitura e os estudos como um todo, com dicas de estudo para a conquista de empregos na iniciativa privada, imprimindo nfase ao concurso pblico, por ser a forma mais competitiva de se

  • testar conhecimentos. Ensino estratgias que adotei para desenvolver a inteligncia emocional, ferramenta indispensvel para quem deseja vencer nos estudos e na luta diria, ressaltando a importncia do conhecimento para o trabalho e para a vida.

    Recebo inmeros e-mails de leitores relatando, depois da leitura do livro, sucessos em vestibulares e concursos. A ttulo exemplificativo, transcrevo trecho do e-mail de um leitor:

    Tenho 22 anos, sou formado em Biomedicina pela UFCSPA, mas meu grande sonho era fazer Direito. J havia feito alguns vestibulares para Direito na UFRGS, sempre chegava perto, mas no o suficiente. Em alguns momentos, pensei em desistir. Eu no tinha como pagar uma faculdade de Direito, ento, minha nica opo era uma Federal. Depois que li o seu livro, apliquei a sua ttica da inteligncia emocional no vestibular da UFRGS. Obtive sucesso. Estou satisfeito, pois conseguirei a formao que tanto queria e j possuo conhecimento e experincia de um nvel superior que me auxiliaro nessa nova etapa que se inicia. Agradeo novamente por nos transpor as tticas que utilizava para concursos e no curso de Direito. Vou aplicar todas elas desde o meu primeiro dia de aula no curso. Assim como V. Excelncia, desejo vencer nos estudos.

    Vencer a vontade de muita gente, mas poucos efetivamente se entregam com inteligncia a essa busca. Este livro tem por objetivo ajudar os que esto, verdadeiramente, dispostos a vencer. Os que tiverem o DDE (determinao, disciplina e estratgia) certamente vencero. Advirto que o caminho espinhoso, e a minha ajuda consiste em ofertar formas de reduzir ao mximo os espinhos. Aos candidatos vitria, para que no fiquem pelo meio do caminho quando os obstculos aparecerem, pensem nas sbias palavras do grande empreendedor Henry Ford: O fracasso a oportunidade de recomear, com mais inteligncia e redobrada vontade.

    Enfatizo que se voc est a fim de vencer e deseja uma frmula mgica, no perca o seu tempo lendo este livro. Alis, no perca o seu tempo lendo livro algum com esse objetivo, pois nenhum livro no mundo ir fornecer-lhe tal frmula. O que eu garanto que encontrar nesta obra incentivo para desenvolver a leitura e os estudos, bem

  • como estratgias que parecem frmulas mgicas, mas no so. O que elas fazem motivar, disciplinar, acelerar a aprendizagem e fomentar o emprego do conhecimento com eficincia, mesmo diante de situaes adversas.

    Sugiro a leitura deste livro queles que esto dispostos a fazer pequenos sacrifcios para dar incio prtica de estudo, que, no decorrer do tempo - com o exerccio dirio ser transformada em prazer (quando se vence o primeiro obstculo - a preguia mental - , estudar passa a ser prazeroso). Alm do prazer, muitas alegrias so reservadas a quem se dedica leitura e aos estudos com inteligncia.

    Boa leitura.

    Manoel Pastana

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  • PREFACIO

    Em 2010 tive a felicidade de encontrar o livro do Pastana por acaso, navegando pela internet. Como me interesso por assuntos relacionados a concursos pblicos, principalmente sobre mtodos de estudo e histrias de vencedores, comprei-o e dei incio leitura assim que o recebi em casa.

    A leitura agradvel, direta e repleta de dicas preciosas, alm da extraordinria histria de superao, fez-me um fa imediato do autor, mesmo sem conhec-lo. Contatei-o por e-mail, apresentei-me e fomos trocando algumas mensagens e ideias.

    Convidei-o para escrever pela Editora Mtodo - Gen, ele aceitou, atuamos juntos em algumas correes e sugestes no livro, pois fui incumbido de ser o editor e revisor, e assim nasceu esta obra, derivada de seu antigo livro de mesmo ttulo, mas agora com enfoque especial aos aspectos ligados prtica de estudos e preparao para provas em geral e concursos pblicos.

    Bem, essa foi a histria de como nos conhecemos e a razo de ele ter me convidado para ser o prefaciador, mas o mais importante para voc, leitor, entender por que eu recomendo esta obra to veementemente desde que a li pela primeira vez, mesmo antes de conhecer o autor e de ele decidir escrever pela mesma editora que eu.

    A resposta simples: porque este livro um verdadeiro achado. E muito diferente do que estamos acostumados a ler nesta rea, pois geralmente encontramos diversas dicas sobre como estudar, mas com poucas histrias de persistncia contra todas as adversidades e sobre como se manter motivado a continuar nesta jornada. Saliento que no estou tirando o mrito desses demais autores, pois eu mesmo fao parte deste time, mas

  • sim destacando o diferencial deste trabalho, que alm de proporcionar boas dicas sobre como estudar, aborda com profundidade aspectos ignorados pelos demais autores, mas que so igualmente importantes.

    Os milhes de candidatos que anualmente se preparam para realizar concursos pblicos sabem que a preparao mental correta e a motivao constante e duradoura so ingredientes imprescindveis para obterem sucesso nas provas. Afinal, de que adianta o candidato estudar milhares de horas, chegar ao dia da prova sabendo tudo, se no sabe se portar durante aquelas horas em que est sendo testado porque no cuidou do aspecto emocional? Quem no conhece aqueles concurseiros que estudam h anos, so excelentes alunos, mas nunca passam?

    Pois , este o livro mais completo que conheo sobre como lidar com essas dificuldades e se prevenir para que elas no ocorram. Apresenta ao leitor tcnicas realmente eficientes para se preparar mentalmente para as provas, alm de oferecer belo exemplo de superao. A histria de vida do autor nos proporciona momentos emocionantes e nos faz sentir vergonha por reclamarmos de nossas dificuldades, afinal o Pastana obteve sucesso enfrentando inmeros problemas e em condies muito mais precrias que a maioria de ns.

    Finalizando, este livro recomendado para pessoas que procuram por mtodos eficazes de preparao mental e de tcnicas de estudo. Mesmo quele que no deseja estudar para concursos, mas que aprecia uma leitura agradvel, traz ensinamentos vlidos para todos os aspectos da vida. ao mesmo tempo motivador, emocionante e instrutivo.

    Desejo a voc uma tima leitura e que saiba aproveitar os belos ensinamentos aqui contidos.

    Alexandre MeirellesPalestrante e autor de obra sobre concursos.

  • SUMARIO

    Consideraes Iniciais..................................................

    1. Minha Sina L u ta r ..................................................

    2. Socorro: Nossa Senhora me d o Nome ..............

    Os irmos....................................................................

    O trabalho na infncia..............................................

    O lazer .......................................................................

    3. Karat por Correspondncia...................................

    A educao................................................................

    4. O Sonho de Braslia..................................................

    5. A Vida como Faxineiro Sem-Teto............................

    A apresentao no quartel da aeronutica............

    6. A Vida no Quartel......................................................

    7. As Decepes e o Sucesso no Primeiro Concurso

    8. Os Testes Fsicos e Psicotcnicos............................

    9. O Resultado Final......................................................

    10. A Inteligncia que faz a Diferena.......................

    A vida na escola militar..........................................

    As lies...................................................................

    11. Estratgias Mentais Defensivas.............................

    A ceitando a m orte............................................................

  • Os velrios barulhentos..............................................................................76

    A morte do poeta.......................................................................................76

    Ignorncia dos parentes.......................................................................... ...78

    Convvio com as crianas....................................................................... ...79

    Relao consistente................................................................................. ...80

    Aceitando os prejuzos............................................................................ ...81

    12. Estratgia Mental Ofensiva.................................................................... 89

    Aprendendo a vencer o medo............................................................... 93

    13. Tcnicas de Estudo.................................................................................. 109

    Motivao................................................................................................. 109

    Suicdio..................................................................................................... 112

    Os estudos................................................................................................ 115

    Curso tcnico ou superior?..................................................................... 117

    Sem estudo, nada feito........................................................................... 120

    Concursos................................................................................................. 121

    Concentrao........................................................................................... 125

    Frequncia................................................................................................ 131

    Estudo moderado..................................................................................... 134

    A durao................................................................................................. 136

    Esquecendo o mito................................................................................. 138

    14. Como Estudar a Coisa Certa.................................................................. 143

    A lei como parmetro de estudo........................................................... 144

    15. Tcnicas de Memorizao...................................................................... 149

    Alcance dos estudos............................................................................... 152

    16. Exercitando a Aprendizagem para a Prova Objetiva.......................... 153

    17. Como Estudar para a Prova Subjetiva (Dissertativa).......................... 157

    18. Estratgia para a Prova Oral.................................................................. 161

    19. Tranqilidade e Confiana na Hora da Prova..................................... 163

    Consideraes Finais ................................................................................... 171

  • CONSIDERAES INICIAIS

    Este livro no de autoajuda. mais do que autoajuda. um livro que tem o objetivo de instar o autoconhecimento e fomentar a autoapren- dizagem. Aqui se conta uma histria real de luta e superao, baseada em estratgias intelectuais, mentais e emocionais.

    De faxineiro cheguei a Procurador da Repblica. Mais do que isso. De quem pouco pensava (s o bsico) a algum que pensa e faz do crebro um instrumento de realizao. A base de tudo a leitura. No a leitura bitolada, cultivada pelos pseudointelectuais, mas a leitura pragmtica, voltada para a realidade. Por falar nisso, ler o maior nmero de livros a receita certa para o sucesso? No no. Tudo em excesso faz mal. Ademais, preciso ter estratgia para tudo, inclusive para a leitura.

    O psicanalista, educador e escritor (autor de mais de 80 livros, muitos relacionados educao), Rubem Alves, na sua obra Entre a Cincia e a Sapincia: O Dilema da Educao, escreveu: Faz muito tempo que sei que o excesso de leitura faz mal para a inteligncia, mas nunca me atrevi a diz-lo. Tinha medo de ser condenado fogueira. A coragem me veio quando descobri um aliado: um livrinho muito pequeno - pode ser lido em meia hora -, Sobre livros e leitura. Autor: Arthur Schopenhauer (Schopenhauer foi um destacado filsofo alemo que influenciou muitos pensadores modernos).

    O primeiro problema de quem l ou estuda exageradamente de ordem lgica: faltar tempo para fazer outras coisas (a vida curta e precisa ser aproveitada em todos os aspectos). O segundo de ordem mental, que pode ir de uma simples falta de concentrao (aps muitas horas de leitura ou de estudo perde-se a capacidade de

  • concentrao e assimilao) at transtornos mentais graves (o indivduo pode pirar).

    Alm desses dois problemas que considero principais, h outros secundrios, tais como a extremada erudio, baseada no pensamento e conhecimento alheios. Na nsia de demonstrar intelectualidade, h indivduos que perdem a identidade e passam a ser absolutamente dependentes de pensamentos e de ideias dos outros. Tomam-se escravos de pseudosabedoria, no passando de meros repetidores (e at copiadores) do que os outros escrevem. Comportam-se como parasitas do conhecimento alheio, sem ideias prprias e juzo crtico.

    O excesso de leitura, alm de produzir essa espcie de parasita intelectual, que sequer tem tempo ou desejo de exercitar o raciocnio prprio (no pensa, apenas repete ideias alheias), tambm contribui para a formao de indivduos que vivem no mundo da lua, viajando na maionese. Eles so extremamente tericos, doutores do conhecimento abstrato e esquecem que a realidade reclama conhecimentos palpveis, que possam se converter em benefcio concreto.

    Se, por um lado, a leitura demasiada prejudicial, por outro, quando ela falta, ainda pior. Infelizmente, no Brasil, h carncia de leitores e isso prejudica o desenvolvimento do pas. O certo ler habitualmente, sem exagero, e fazer da leitura um exerccio saudvel do crebro. Isto , ler e raciocinar sobre o que foi lido, buscando-se a informao principal, as secundrias, as causas, as conseqncias, os prs, os contras, ou seja, fazer anlise mental do que se trata. Formular questionamentos, buscar solues etc. Lendo dessa forma, tira-se maior proveito, porque s fixa melhor o que foi lido, alimenta-se o esprito crtico, turbina-se o raciocnio. Esse o leitor ativo. O leitor passivo aquele que l apenas por ler, sem entusiasmo, comporta-se quase igual a um telespectador em frente da televiso.

    O leitor ativo, ainda que leia menos tempo do que o leitor passivo, tira melhor proveito. O mesmo se diga em relao aos estudos. Para conquistar o primeiro cargo, embora eu estudasse exageradamente, e s fosse exigido o primeiro grau (ensino fundamental), fui reprovado vrias vezes no concurso. Depois que aprendi a estudar, passei em primeiro lugar em concursos de nvel superior, embora tivesse estudado menos do que muitos dos fortssimos concorrentes.

    Transmito a minha experincia em leitura e estudo para o leitor de duas formas. Uma, ensinando as estratgias para o desenvolvimento da

  • inteligncia emocional, cujo objetivo fortalecer o lado emocional do leitor para que ele no se abale com os problemas da vida e nem perca o rendimento na hora que mais precisa (provas, disputas esportivas etc.), por conta do nervosismo que costuma atacar justamente os bem preparados. Alm disso, ensino estratgias de estudo para acelerar e fixar o conhecimento, bem como empreg-lo com eficincia nas provas. Essas estratgias so ensinadas neste livro.

    A outra forma de passar minha experincia ser por meio de livros tcnicos. Por exemplo, estou na fase de concluso do livro Direito Penal Mastigado. um livro comum como outros do gnero que esto no mercado, mas ele contm informaes sintetizadas didaticamente que o leitor somente encontraria se estudasse em vrios livros e, mesmo assim, com a ajuda de algum com experincia na matria para explicar. por isso que o ttulo possui o adjetivo mastigado. Depois do lanamento do Direito Penal Mastigado, tenciono lanar o Direito Constitucional Mastigado, e assim por diante, abrangendo outros ramos do Direito.

    Pretendo, com esse trabalho, ajudar aqueles que desejam fazer uso do diploma de bacharel em Direito. Por exemplo, existem mais de 1.000 faculdades de Direito no pas, que formam milhares de bacharis todos os semestres; no entanto, no se consegue preencher as vagas oferecidas para Procurador da Repblica. Com um salrio inicial de 23 mil reais, apesar dos milhares de candidatos e dos sucessivos concursos, poucos so os aprovados, de forma que as vagas no so preenchidas. No s para Procurador da Repblica que sobram vagas, mas tambm para outros concursos da rea jurdica, e com salrios prximos a esse patamar.

    A propsito, a maior parte dos bacharis em direito (mais de 80%) que sai das faculdades no consegue inscrio na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), condio necessria para exercer a advocacia, pois so reprovados no Exame de Ordem.

    Atribui-se o pfio desempenho dos bacharis s faculdades de Direito. De fato, a qualidade do ensino ministrado na faculdade tem importncia na formao do acadmico, todavia, o peso maior incide sobre o interesse e a aptido do prprio estudante. Isso eu aprendi e comprovei na prtica e tenciono passar essa experincia por meio dos livros tcnicos da srie mastigado.

    Voltando a este livro, ele recomendado a todos os que desejam vencer nos estudos e na vida. Tanto para colocao na iniciativa privada

  • como no setor pblico. Embora a obra no seja exclusiva para concursos, dou especial ateno a essa competitiva e democrtica forma de ingresso no servio pblico.

    No recomendvel ler as estratgias de estudo sem antes ler os captulos iniciais do livro. Eles contm mensagens fundamentais para o sucesso das tcnicas. O captulo 10 (A inteligncia que faz a diferena) indispensvel para o entendimento do livro, pois ele faz o elo entre as mensagens iniciais e as tcnicas ensinadas. Tenciono cada vez mais contribuir para a formao de leitores pensantes, perspicazes, crticos e criativos, e no leitores bitolados, meros repetidores de ideias alheias.

    O Brasil um gigante que precisa levantar do bero esplndido e aproveitar o grande potencial e reservas naturais que ostenta, sendo necessrio, para isso, trabalhar e empregar o que melhor tem o ser humano: o crebro. Para tanto, precisa-se de um modelo educacional pragmtico para compensar o grande atraso 'decorrente do descaso com a educao que vem de muito tempo. Este livro uma colaborao nesse sentido. Tenho plena convico do xito, porquanto as duas primeiras edies mostraram-me que a misso vivel e altamente gratifcante. Peo aos leitores que adotem a ideia, utilizem-na e ajudem-me a dissemin-la.

    Enfatizo que emprego na escrita deste livro a mesma tcnica que utilizo na leitura. Eu no gosto e no posso perder tempo com leitura florida, cheia de rodeios para dizer pouca coisa. Quando me deparo com textos desse tipo, aplico a leitura dinmica e fico s no essencial. Na minha escrita eu j fao isso para o leitor. Uso poucos adjetivos e muitos substantivos.

  • Captulo

    MINHA SINA LUTAR

    A primeira luta foi na hora do nascimento. Quase que no sobrevivo; porm, como diz o provrbio popular, melhor escapar fedendo do que morrer cheiroso, escapei fedendo, mas sobrevivi. Essa foi apenas a primeira luta, depois vieram muitas outras; a derradeira, espero que ainda demore para acontecer.

    Minha me ensinou a mim e aos meus irmos que teramos de trabalhar para sobreviver. ramos muito carentes, mas no deveramos viver de caridade, nem de ajuda do governo, nem da de outras pessoas. Por isso, ainda pequeno, eu j vendia salgadinhos feitos por mame. Aprendi cedo que era melhor trabalhar do que pedir.

    Nunca tive facilidade na vida. Foi muita luta para conquistar o primeiro cargo pblico. Como eu morava em Braslia, poderia ter optado pelo caminho mais fcil: conseguir um pistolo. que na poca o ingresso no servio pblico era feito por indicao, quase no havia concurso pblico. Porm, optei pelo crivo do concurso, e reprovei quatro vezes, para conseguir a primeira vitria.

    H 30 anos no servio pblico, j ocupei vrios cargos, todos conquistados por concurso, alguns com aprovao em primeiro lugar. No cargo que atualmente ocupo (Procurador da Repblica), quando atuava na primeira instncia (linha de frente), tive muitas lutas de combate corrupo.

    A ltima grande luta foi na defesa da minha reputao. Em 2003, com 22 anos de servio pblico, depois de ter passado por vrios rgos pblicos, inclusive sob o rigoroso regime militar, sem nunca ter respondido sequer a uma sindicncia, sofri uma representao. As falaciosas acusaes resultaram em sindicncias, inquritos, processos e aes. O

  • sofrimento foi muito grande, mas depois de muita batalha, enfrentando a furia do poder, venci a tudo e a todos. Hoje no respondo a nenhum processo e minha ficha funcional continua limpa, como sempre.

    Essa histria era contada neste livro, todavia, como j explicado, resolvi desmembr-la. Assim, a perseguio sofrida, como est inserida no contexto dos bastidores do poder, far parte do outro livro.

  • SOCORRO: ME D O NOME

    Vim ao mundo no dia de Tiradentes, 21 de abril de 1962. Um dia aps uma Sexta-Feira Santa. Minha av materna, Angelina, extremamente religiosa, deve ter ficado satisfeita com o dia do nascimento, pois o dia santo para ela era sagrado e no tolerava qualquer tipo de barulho; logo, um choro de criana no cairia bem no dia sagrado (Sexta-Feira Santa). Fiquei para o dia seguinte, um Sbado de Aleluia. Nasci s 17h, em silncio (talvez pensando que ainda fosse a Sexta Santa...).

    Mame, Adalgisa, casou-se aos 16 anos com meu pai, que j estava na casa dos 40 (cabra de sorte...). Somente aps 10 anos do enlace matrimonial, nasceu o primeiro rebento, uma menina, que desencarnou logo aps o parto. No ano seguinte, foi a minha vez.

    Ao nascer, no dei sinal de vida. Sem qualquer recurso mdico, a parteira, minha av, apelou para Nossa Senhora do Perptuo Socorro e fez uma promessa: se eu sobrevivesse, levaria no nome o Perptuo Socorro da Santa.

    Serviu de maternidade uma modesta casa de madeira, coberta com palhas, localizada no interior da Ilha do Maraj (Par), mais precisamente no stio chamado Sete Ilhas; na poca, municpio de Camet, cidade que at hoje no conheo.

    A humilde casa ficava isolada e o nico meio de transporte para a residncia mais prxima (uns dois quilmetros) era canoa a remo, veculo utilizado para navegar pelos pequenos rios.

    Captulo

    NOSSA SENHORA

    B

  • Nasci praticamente morto, vov ficou desesperada, pensando que meu destino seria o mesmo da primeira irm. O acordo com a Santa foi acompanhado de estridentes batidas de penico prximo da minha cabea. Isso mesmo: a av-parteira acreditava que o barulho do acondiciona- dor de urina afastaria os maus espritos, que estariam me impedindo a respirao. Deu certo, aps alguns minutos, rompi o silncio com um baita berreiro (escapei fedendo, literalmente...).

    Orgulhosa, vov agradeceu Santa, assegurando que a promessa de levar o Perptuo Socorro no meu nome seria cumprida. Meu pai, que trabalhava viajando, somente dois meses depois retomou casa, quando foi providenciada a certido de nascimento.

    Houve impasse para o registro. Papai achava que a incluso do Perptuo Socorro no nome ficaria muito estranho, mas vov no abria mo e advertiu que se a promessa no fosse cumprida, a Santa poderia se aborrecer e as conseqncias seriam imprevisveis.

    Cauteloso, papai resolveu negociar. A devota aceitou que retirasse o Perptuo, mas teria de ficar o Socorro e, em contrapartida, eu deveria ser chamado por Socorro (para compensar a supresso do Perptuo).

    Assim, meu nome ficou Manoel do Socorro Tavares Pastana. A promessa, naquela regio da Ilha do Maraj, foi e cumprida at hoje. Por l sou conhecido por Socorro. Quando fui morar em Braslia, passei a ser chamado de Manoel. Ao ingressar na Aeronutica, como soldado, meu nome de guerra era Tavares; mais tarde, como aluno da Escola de Especialistas da Aeronutica, passei a ser chamado de Pastana. Como sargento, meu nome de guerra voltou a ser Tavares. Hoje, fora do Par, sou conhecido por Manoel, alguns me chamam de Pastana, e outros de Manoel Pastana.

    Porm, na Ilha do Maraj, no tem jeito, Socorro mesmo, pode passar o tempo que passar; parece que o Perptuo da promessa ficou implcito, assegurando perpetuamente o Socorro da Santa. Por que a minha queridinha vov no fez a promessa para um santo e no para uma santa? Assim, pelo menos o nome seria masculino...

    Mas tudo bem, quando chego por aquelas bandas e sou chamado de Socooorro (pronncia bem aberta), apesar de detestar, lembro da infncia e da minha amada vov, que h muitos anos foi se encontrar com Nossa Senhora do Perptuo Socorro que me deu o nome e quem sabe a vida...

  • OS IRMOS

    Aps o casamento, meus pais adotaram o meu irmo mais velho, Raimundo, ainda recm-nascido. Dez anos depois, nasceu a irm sem vida, no prximo ano fui eu. Dois anos depois nasceu outra irm, que no sobreviveu (parece que s eu tinha de escapar mesmo).

    Em seguida, de dois em dois anos, minha me ganhava um beb. Interessante que ela nunca fez tratamento mdico para engravidar, apesar de passar 10 anos sem gerar filhos. Porm, ao comear a maternidade, sem qualquer controle de natalidade, passou a dar luz a um novo rebento de dois em dois anos (parece at que era cronometrado). Nove sobreviveram, mas eu ui o nico que levei batida de penico para no desencarnar na hora em que nasci...

    Sobre os nascimentos, vou relatar um fato curioso. No incio de 1973, minha me ganhou gmeos, porm ningum sabia que a gravidez era de dois. Na poca, morvamos na pequena cidade de So Sebastio da Boa Vista, conhecida como Boa Vista, porm estvamos passando frias em outra cidade, chamada Curralinho/PA, menor ainda do que Boa Vista.

    Primeiramente, nasceu uma menina, pesando um quilo e seiscentos gramas (no precisou de incubadora para sobreviver, at porque ningum sabia da existncia desse recurso). A parteira desconfiou de que havia algo errado, pois, apesar de a criana ter nascido, inclusive, com a placenta, a barriga continuava volumosa, por isso aconselhou que minha me fosse levada, imediatamente, para So Sebastio da Boa Vista, onde havia um mdico.

    Aps o transtorno da viagem, feita em um pequeno barco, chegamos a Boa Vista. O mdico, um italiano, examinou e foi taxativo no diagnstico: Existe outra criana viva no ventre. Disse que aplicaria uma injeo e que se o beb no nascesse nas prximas seis horas, minha me deveria voltar para casa e esperar o parto em um prazo mnimo de um ms. Injetado o medicamento, a criana no nasceu nas horas de observao. O mdico, seguro, ordenou que mame voltasse para casa.

    Havia enorme preocupao com o diagnstico do italiano, mormente porque o primeiro nascimento veio acompanhado da placenta, o que, segundo as parteiras consultadas, seria um indicativo de que o dotor poderia estar enganado, pois, no caso de gmeos, normalmente, existe

  • apenas uma placenta; logo, seria muito estranho o outro beb estar desacompanhado da sua poro fetal.

    Meu pai pensou em levar mame para a capital do estado, mas a falta de recursos financeiros, aliada f de minha genitora, que acreditava que tudo daria certo, fez aguardar o nascimento como o mdico (depois explico as aspas) havia previsto.

    O diagnstico estava certo. Um ms e trs dias depois, nasceu o segundo beb, um menino, pesando quatro quilos e com sua placenta. Vrios anos depois, esse mdico foi preso. A priso no foi por decorrncia de algum diagnstico errado, mas sim, em virtude da descoberta de que seu diploma era falso.

    O casal de irmos recebeu o nome de Adiei e Aziel. Isso mesmo. Para a menina, meu pai deu o nome de Adiei e, para o menino, de Aziel. O nome masculino (para a menina) causou vrios constrangimentos. Quando a menina foi morar em Braslia, em 1994, passou a ser chamada de Diely, mas a confuso com o nome de registro era inevitvel.

    Infelizmente, minha irm tinha uma doena grave em uma vlvula do corao, que s foi diagnosticada tardiamente. Fez uma cirurgia no ano em que chegou a Braslia, mas o cardiologista, na primeira interveno cirrgica, disse que s poderia dilatar a vlvula, pois o corao no suportaria a presso sangunea, caso fosse trocada e, depois de uns dois ou trs anos, aps o corao adaptar-se com a nova presso, poder-se-ia fazer o transplante.

    No incio de 1997, Diely comeou a passar mal e a levamos a So Paulo para fazer a outra cirurgia no Instituto do Corao INCOR. Contudo, apesar de todos os esforos, infelizmente, nossa irm no resistiu e nos deixou com 24 anos de idade. Adorava a vida, inclusive estava noiva e tencionava se casar no final daquele triste ano. O outro gmeo tem sade de ferro e continua morando em So Sebastio da Boa Vista/PA, onde um prspero comerciante.

    O TRABALHO NA INFNCIA

    Meus pais se preocuparam com o nosso futuro escolar, por isso deixaram o stio para morarmos em So Sebastio da Boa Vista, uma pequena cidade na Ilha do Maraj. A infncia foi muito dura. Uns dois

  • anos aps meu nascimento, meu pai mudou de atividade, deixou as viagens e passou a trabalhar na roa. Trabalhava o ms inteiro, e somente aos finais de cada temporada retornava ao nosso convvio familiar.

    O pouco que ganhava mal dava para fazer face s despesas bsicas. As necessidades do dia a dia eram suportadas pelo rduo trabalho de minha me, que fazia salgadinhos que o meu irmo mais velho vendia. Inicialmente, eu trabalhava em casa ajudando a fazer os salgados. Com mais ou menos sete anos de idade, passei a vend-los nas ruas da pequena cidade.

    A famlia aumentava e as dificuldades tambm. A comida era escassa e precisvamos trabalhar cada vez mais para garantir nossa sobrevivncia; s vezes, o alimento faltava. Meu pai chegou a pensar em retornarmos para o stio onde nasci, pois l a alimentao seria garantida com a caa e pesca, alm da criao de porcos, galinhas, etc.

    Mas minha me fincou o p e disse que no aceitaria o retomo origem. Dizia que l no teramos futuro algum, pois no havia escola e no gostaria que seus filhos se criassem burros. A ideia do meu pai no foi para frente (ainda bem) e continuamos a luta na pequena cidade, onde, ainda que precariamente, tnhamos acesso educao.

    Concilivamos o estudo com o trabalho. Meus irmos, medida que adquiriam a maioridade suficiente para conhecer dinheiro e saber dar troco, tambm iam para as mas vender os produtos fabricados pela minha me e os irmos mais novos.

    Certa vez, mame sofreu um acidente e quase perdeu uma das mos. Estava fazendo pastis e utilizava uma garrafa para esticar a massa (no tnhamos outro equipamento), o utenslio de vidro quebrou no momento em que ela o forava sobre a farinha de trigo e o estilhao fez um profundo golpe na mo direita. Mesmo com uma mo imobilizada, utilizava a outra para fritar os salgados: o trabalho no poderia parar, precisvamos sobreviver.

    Procurvamos trabalho alternativo para ajudar a custear as despesas, que cada vez aumentavam com o nascimento de um novo irmo. As vendas de salgados rendiam pouco, pois, alm da clientela ser pequena, nossos clientes possuam minguados recursos e a concorrncia era grande.

    Para aumentar a renda, vendamos picol que pegvamos na nica sorveteria da cidade, ganhando pequenas percentagens. Alm disso, comprvamos aa na amassadeira para revender nos barcos que eventualmente aportavam na cidade. Quando no conseguamos vender o lquido

  • energtico, o prejuzo era certo, pois no era aceita a devoluo, mas no havia estragos: bebamos tudo o que sobrava.

    Ainda como atividade, lavvamos telha. Havia um senhor que comprava telhas usadas, mandava fazer as devidas limpezas e as revendia. ramos contratados para essa tarefa: muito trabalho para poucos trocados.

    Fazamos outros tipos de tarefas como quebrar pedra para a prefeitura, porm, de todos os trabalhos desenvolvidos em plena infncia, o mais penoso era descascar palmitos. Trabalhvamos no sol quente, manuseando enormes faces para extrair o caule da palmeira que relutava em desprender-se. O golpe do faco nem sempre acertava o alvo e, em algumas vezes, o erro no manuseio atingia partes do corpo, como mos e braos.

    Assim, com muito sacrifcio, conciliando o trabalho de todos, conseguamos sobreviver, passando enormes dificuldades.

    O LAZER

    Fora o trabalho, tnhamos como atividades a escola e a religio. Dois anos aps meu nascimento, meus pais se tomaram evanglicos. Todas as noites e aos domingos pela manh e noite tnhamos de ir aos cultos. O cansao era extremo, s vezes, no suportvamos e acabvamos dormindo em plena reunio, e logo vinha o porteiro nos acordar com leve puxo na orelha.

    Meus pais eram aqueles crentes fervorosos aos extremos, conhecidos como crentes-bandeira, e acreditavam que qualquer tipo de lazer, como futebol e outros jogos de criana, era pecado mortal, por isso que at hoje no sei jogar futebol, e olha que j tentei, pois gosto do esporte, mas sequer sei dominar a bola ou dar um passe. Sou o autntico pema-de-pau.

    Tentava inutilmente driblar a proibio, mas no adiantava. Como todas as pessoas se conheciam na pequena comunidade, quando ramos vistos jogando futebol, logo nos deduravam para a irm Adalgisa (mame) ou o irmo Isaias (como papai era conhecido, apesar de o seu nome ser Benedito), e o castigo era inevitvel.

    Com minha me, quando no ramos pegos em flagrante, at que a negativa de autoria funcionava, mas com meu pai no tinha conversa:

  • ele aceitava a declarao de qualquer testemunha que dissesse ter nos visto pecando. Por isso, quando ele estava na cidade (ele trabalhava na roa), evitvamos pecar.

    Porm, certo dia, mesmo o papai estando em casa, no resisti tentao de participar, no colgio, de uma partida de futebol. Como eu era ruim de bola, deram-me a vaga de goleiro. Estava todo empolgado com o jogo, acreditando estar seguro, pois o muro do colgio passava dos dois metros de altura e, alm disso, somente os colegas do colgio tinham acesso quadra do jogo. Mas algum, certamente um colega mui amigo, tomou a iniciativa de avisar o meu pai.

    Feliz com meu time que estava ganhando, gritava para meus companheiros no deixarem os adversrios chutar para o meu gol (no tinha segurana debaixo da trave, nem fora...). Meus gritos foram interrompidos por um grito mais forte que vinha da direo do muro. Olhei e quase tive um troo: era meu pai que estava pendurado no alto muro. Minha felicidade transformou-se em desespero, parece que o mundo havia desabado sobre minha cabea, minhas pernas ficaram trmulas, permaneci por alguns minutos esttico, apavorado. Pensei em fugir, mas logo conclu que seria pior, decerto, o castigo seria ainda maior.

    Resolvi encarar o velho, utilizando o pfio argumento de que o jogo de bola fazia parte da disciplina de Educao Fsica e, se eu no participasse, seria reprovado. Imediatamente, meu pai se dirigiu ao diretor da escola que, para meu azar, encontrava-se na secretaria. Foi logo o advertindo de que se eu tivesse de jogar bola por exigncia do colgio, que poderia me excluir, pois preferia me ver burro, entrando no cu, do que sabido, no inferno.

    O diretor, nervoso com a situao e que ainda por cima era gago, disse-lhe: qui qui qui seeeu fiiiilhoo naao precisa jogaaar booola, ele joooga se quiquiseer. Pronto! Minha estratgia de defesa foi por gua abaixo, o resto no precisa contar...

    Os irmos mais novos tiveram mais sorte, pois com o tempo meus pais tomaram-se mais tolerantes, permitindo certos tipos de brincadeira, inclusive, futebol.

  • >f-:

  • Captulo

    KARATE POR CORRESPONDNCIA

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    O meu irmo mais velho (adotivo), depois que completou 18 anos, praticamente no morava mais conosco. Alm disso, meu pai trabalhava na roa e s passava poucos dias no final de cada ms na nossa companhia; assim, com apenas 12 anos de idade, tomei-me o homem da casa.

    Na pequena cidade em que nos criamos, as brigas entre a molecada eram freqentes. Geralmente envolviam a galera toda de uma famlia de muitos garotos contra outra tambm numerosa. Embora eu tivesse vrios irmos, eram todos pequenos, pois, quando eu tinha 12 anos, o irmo mais prximo completara oito, de forma que eu era praticamente sozinho no meio de uma gurizada que, quando se encontrava na ma, gostava de brigar.

    Resolvi, ento, fazer karat por correspondncia. Isso mesmo. Encontrei em uma revista velha a propaganda de um curso de karat; na verdade, eram apostilas vendidas pelos Correios, que ensinavam a arte marcial.

    Como no havia nenhuma academia na pequena cidade e eu tinha vontade de aprender a luta para me defender da molecada, fiz o pedido postal, que levou mais de trs meses para chegar. Nesse perodo, quase morri de ansiedade. Assim que chegou, no perdi tempo e fui logo exercitando os primeiros ensinamentos da arte marcial (sou autodidata determinado).

    Primeiro eu treinava escondido em casa; assim que aprendi alguns golpes, passei a treinar todos os dias pela parte da tarde, prximo aos campos de futebol, sob os olhares curiosos da garotada.

  • O objetivo foi alcanado, pois, na verdade, eu no queria apanhar na rua, o que era muito comum para quem no tinha um bom exrcito ao seu lado, e eu era alvo fcil, pois os meus soldados ainda usavam fraldas. Treinando o karat, ao mesmo tempo em que aprendia a me defender, desestimulava eventuais agressores, que ficavam receosos do meu poder de fogo e, como eu no era de provocar ningum, nunca briguei e nem apanhei.

    O karat um esporte que, se tivesse me dedicado para competio, poderia ter sido um grande atleta (ao contrrio do futebol, que me faltava talento), mas preferi me dedicar aos estudos.

    A EDUCAO

    Meu desempenho na escola no era dos melhores. Estudava pouco, lia menos ainda. Fiz os trs perodos do jardim de infncia sem repetir. Na escola primria, comecei com o mesmo ritmo trazido do jardim e acabei sendo reprovado na terceira srie. Foi uma decepo grande para meus pais.

    Por causa da reprovao, a palmatria foi usada pelos dois (pai e me), em seqncia e pelo mesmo motivo (em geral, quando apanhava de um, o outro me liberava). Eles acreditavam que tinha sido reprovado por causa das ms companhias.

    A reprovao me trouxe muito sofrimento. Porm, a dor fsica da surra, digo, das surras, foi menor do que a dor moral. Transitava na casa dos 10 anos de idade. Refleti bastante e conclu que estava errado em no me esforar para corresponder s expectativas de meus genitores, que tencionavam para seus filhos uma vida diferente da deles e que os levou a deixar a comodidade do stio para irem procura de escola, e eu estava ignorando esse sacrifcio que, alis, era de todos.

    Depois da reprovao, fiz uma reviravolta na vida. Dediquei-me com afinco s disciplinas da escola e lia tudo que aparecia pela minha frente. Continuava trabalhando, mas qualquer folga era preenchida com a leitura. Interessava-me muito por livros cientficos, tinha acesso a poucos (pegava emprestado), mas no perdia a oportunidade de esmiu-los. Adorava ler livros de geografia. Para se ter uma ideia, com 12 anos de

  • idade conhecia o mundo, embora nunca tivesse ido capital do meu estado (Belm), que s fui conhecer aos 15 anos.

    Sabia o nome das capitais de todos os pases do mundo, conhecia vrios aspectos geogrficos e polticos de qualquer pas do globo, mesmo daqueles minsculos que at hoje nunca se ouviu falar na imprensa. Tinha conhecimento sobre a densidade demogrfica, principais cidades, PIB e at o efetivo militar. Era muito curioso. Lia tudo, jornais velhos que chegavam como papel de embrulho (eram os nicos que tinha acesso), revistas velhas, manual de eletrodomstico e at bula de remdio.

    Tomei-me um autodidata. Dediquei-me ao estudo da Fsica e Qumica por conta prpria, pois essas matrias, naquela poca, no eram lecionadas no colgio onde estudava.

    Nunca mais fui reprovado. Terminei o primeiro grau no Ginsio Estadual Joo XXIII. Na poca, o jardim de infncia durava trs anos (primeiro ao terceiro perodo), cinco anos no primrio (primeira quinta srie) e mais trs anos no ginsio (primeira terceira srie), era o Ensino Fundamental (primeiro grau). Aos 17 anos, conclu o primeiro grau, hoje ensino fundamental.

    Como na pequena Boa Vista, naquela poca no havia segundo grau (ensino mdio), precisei sair da cidade para continuar os estudos. Meu irmo mais velho havia zarpado para Braslia, cerca de cinco anos antes. Todavia, ele abandonou os estudos, nem terminou o primeiro grau. Em Braslia, ele trabalhou como padeiro, profisso que levou at o fim da vida (desde cedo ele demonstrou averso pelos estudos).

  • Captulo

    O SONHO DE BRASLIA

    No incio de 1980 cheguei a Braslia, fui morar com uma prima que, na poca, pouco a conhecia, pois ela sara de So Sebastio da Boa Vista quando eu ainda era muito pequeno e apenas a vi em um passeio que h anos fizera naquela cidadezinha. Seu marido, descendente de turco, tinha a cara fechada, pareceu-me muito estranho (depois vi que era apenas impresso, o cidado era gente boa).

    A casa era pequena e fui me acomodando com muito constrangimento. Acreditava que ficaria por pouco tempo, pois estudava por correspondncia para fazer o concurso de admisso Escola de Especialistas da Aeronutica, que seria realizado em maio daquele ano e, em julho, acreditava, estaria partindo para Guaratinguet - SP, sede da referida escola militar.

    Matriculei-me no colgio pblico para fazer o primeiro ano do segundo grau. Achei as disciplinas uma barbada, tirava excelentes notas, apesar de estudar pouco para o ensino formal, pois direcionava o estudo para o concurso da escola militar. Ao mesmo tempo procurava emprego, mas sem sucesso, pois prximo de completar 18 anos, o alistamento do servio militar afastava qualquer proposta de ocupao remunerada.

    Concentrei minhas esperanas no concurso que iria fazer que, na poca, exigia apenas o primeiro grau. Confiava que passaria, porquanto estudava com afinco todas as matrias do concurso (Portugus, Matemtica, Fsica e Qumica) e acreditava domin-las com desenvoltura.

    No dia da prova, fui confiante, sabendo tudo o que foi ensinado nas numerosas apostilas do curso por correspondncia. Ao abrir o caderno de provas, veio a decepo: as questes eram totalmente desconhecidas. Nada do que estudara por correspondncia e do conhecimento que havia

  • adquirido no ensino normal foi cobrado. Os assuntos eram absolutamente estranhos.

    Antecipadamente, conscientizei-me da reprovao. Na publicao do resultado, como j era previsvel, meu nome no saiu na relao dos poucos aprovados que fizeram prova em Braslia, embora muitos fossem os candidatos. O concurso era em nvel nacional; dos candidatos de Braslia, raros obtiveram xito. O maior ndice de aprovao era de So Paulo e Rio, onde havia excelentes cursinhos preparatrios. Na poca, no havia cursinho em Braslia e, ainda que houvesse, no seria de valia para mim, pois no tinha condies financeiras para frequent-lo.

    Senti uma forte dor no peito por ver meu sonho comear a se distanciar. A aflio era maior porque os assuntos cobrados nas provas eram estranhos para mim, o que me deixava mais preocupado, pois no sabia como fazer para encontrar material apropriado para o estudo.

    Na casa de minha prima, por dever moral, cuidava dos afazeres domsticos. Ela no tinha recursos para pagar empregada e, como eu me sentia incomodado por acrescentar despesas ao seu reduzido oramento familiar, ajudava-a varrendo a casa, cuidando do quintal, lavando banheiro, panelas, pratos e at cozinhando, entre outros trabalhos domsticos.

    Praticamente toda semana, aps o cumprimento dos deveres domsticos, saa procura de empregos. Conseguia alguns bicos, como vendedor de livros e outras atividades de mesmo gnero que pouco rendiam, no cobrindo sequer o pagamento da passagem de nibus.

    O tempo foi passando e a preocupao aumentando. Estudava muito, inclusive, nem na hora dos afazeres domsticos largava o livro, alternava leitura e trabalho domstico (uma mo na vassoura e outra no livro). Em novembro do primeiro ano em Braslia (1980), fiz novamente o concurso da escola da Aeronutica (eram dois concursos por ano) e nova decepo. No sabia mais o que estudar, pois o assunto cobrado no concurso era totalmente diferente de tudo o que conhecia.

    Naquela poca, no existiam concursos pblicos como atualmente. Os poucos existentes geralmente eram para escolas militares. O ingresso no servio pblico dependia, quase sempre, de QI (quem indicasse). Como eu no tinha QI, a coisa ficou feia para mim.

    Terminou o ano de 1980, conclu com sucesso o primeiro ano do Segundo Grau. Mas isso pouco me alegrou, pois o que mais sonhava

  • Cap. 4 - 0 SONHO DE BRASLIA

    era passar no concurso que almejava e via cada vez mais distante essa possibilidade.

    No ano seguinte, fiz o concurso de maio para a Escola Militar e mais uma reprovao, a terceira seguida. Entrei em parafuso, pensei em desistir de tudo e voltar para o Par, mas sabia que a situao por l estava muito ruim, ademais, a minha volta seria o fim de meu sonho.

    Aps cada crise de desespero, sucedia leve esperana de que algo poderia melhorar. Concentrei a esperana em ser aceito no recrutamento para soldado da Aeronutica. Havia me alistado no ano anterior, mas adiaram minha apresentao para julho de 1981. Sabia que tinha pouca chance de ser recrutado, pois apresentava deficincia dentria e no tinha condies financeiras para pagar o tratamento corretivo.

  • 3 fc

  • Captulo

    A VIDA COMO FAXINEIRO SEM-TETO

    0_jNaquele ano, minha prima que me dava abrigo ficou grvida e seu

    humor tomou-se insuportvel. Diante disso, tomei a deciso de procurar o meu ramo longe de sua residncia. Peguei minha surrada mala, juntei as poucas peas de roupas velhas que ainda restavam e um cobertor cheio de orifcios. Antes, passei pelo colgio e tranquei a matrcula, sob o protesto da diretora que me considerava um aluno dedicado.

    Liguei para meu irmo padeiro, pedindo que implorasse ao dono da padaria para me amimar algum emprego, de qualquer coisa, pois estava desesperado. Consternado com minha situao, o proprietrio disse-me que no havia vagas, mas poderia me acomodar como faxineiro. Aceitei imediatamente.

    Trabalhava em dois turnos: manh e tarde. Aproveitando a boa vontade do patro, pedi para ele deixar eu me hospedar no depsito da padaria, alegando que o custo do transporte para a casa de meu irmo era alto (na verdade, sequer havia espao para mim no nico cmodo do barraco em que meu irmo morava) e, graas a Deus, o compreensivo senhor permitiu minha estada no depsito de sua panificadora.

    Passei a dormir sobre caixa de papelo, cobrindo-me com o poroso lenol, passando frio (em Braslia faz frio no invemo). Pela manh, ainda cedo, j estava a postos, fazendo a limpeza de toda a panificadora. Em poucos dias, deixei os pisos, que costumavam juntar grossa camada de farinha de trigo e sujeira, brilhando. Quando terminava o servio da limpeza ajudava no balco, inclusive levava as compras at os carros dos clientes e ganhava algumas moedas de gorjetas.

  • Para administrar o parco salrio, fazia apenas uma refeio quente a cada dois dias (perdi, sem querer, vrios quilos de massa muscular). Comprava as refeies nos canteiros de obras da Asa Norte, que eram vrios, devido s construes (a panificadora ficava na 302 Norte). A alimentao servida naquelas condies, apesar de duvidosa qualidade e higiene, era mais em conta e em maior quantidade.

    Aos finais de semana, lavava a roupa e aguardava secar para poder vestir. Os transtornos eram muitos, mas a vontade de vencer os superava, mesmo aps vrios insucessos.

    A APRESENTAO NO QUARTEL DA AERONUTICA

    Como no conseguia passar no concurso para ingressar na Escola Militar, esperava ser aceito como soldado recruta, pois estava com a idade do servio militar obrigatrio; por isso estava ansioso com a seleo do recrutamento, a ser realizada em julho de 1981.

    Quando chegou o dia de me apresentar, antes de me dirigir ao quartel, o dono da panificadora me chamou, dizendo que havia gostado da minha dedicao ao servio e pretendia me efetivar como balconista. Agradeci a proposta e lhe disse que tentaria a dispensa do servio militar (na verdade, eu estava ansioso era para ser aceito no recrutamento).

    Apresentaram-se mais de dois mil conscritos. Havia vagas para cerca de 400, se no me falha a memria. Um sargento dirigiu-se a ns, ordenando que os interessados em servir se manifestassem, formando um grupo parte. Cerca de uns mil passaram para o grupo dos voluntrios. O graduado fez uma advertncia, dizendo que o servio militar no era para mariquinhas e que se algum estava pensando que ali iriam encontrar moleza que se retirasse do grupo de voluntrios. Ningum desistiu.

    O sargento entrou no meio dos voluntrios e foi escolhendo democraticamente quem ele achava que tinha perfil para servir. Graas a Deus fui escolhido. Ingenuamente, revelei que tinha deficincia dentria e no sabia se poderia servir, embora fosse esse o meu desejo. Educadamente, ele me advertiu que, se eu no ficasse calado, quebraria o restante dos meus dentes (no entendi o fato de ele estar me dando oportunidade, pois sequer me conhecia).

  • Escolhidos, dentre os voluntrios, os que deveriam servir, fomos levados para o quartel da Polcia da Aeronutica (PA). Feliz com a possibilidade de ingressar na carreira, ainda que como soldado recruta, fiquei aguardando, junto com os demais, a hora de cortar o cabelo. De repente veio uma ordem do comando, dizendo que deveriam ser dispensados cerca de 40 do grupo, pois houvera equvoco em relao ao nmero informado inicialmente.

    Preocupado, imaginei que seria dispensado. A escolha, desta vez, ficou por conta do comandante da companhia, um oficial bastante educado. A princpio, ele tentou persuadir a dispensa, dirigindo-se a todos, informando da dureza da vida no quartel. Como ningum desistiu, pacientemente, ele chamou sua sala, um a um, para ouvir o motivo de cada pretendente e, certamente, para analisar o perfil. Os que ele achava que deveriam ficar, mandava diretamente para o barbeiro para retocar a cabeleira e facilitar o penteado.

    Quando fui chamado, disse a ele o meu desejo de ingressar na Aeronutica e as dificuldades que vinha enfrentando na vida. Aps me ouvir, mandou-me para o barbeiro.

    Depois do trabalho da mquina zero, fomos liberados para buscar nossos pertences e voltar no outro dia para comear a quarentena. Fui at a padaria agradecer o patro pelo emprego e para lhe dizer que no fora possvel a dispensa, ele riu, dizendo que sabia que eu queria servir e que isso seria melhor para mim.

  • H 0

  • Captulo 0 v A VIDA NO QUARTEL

    Fui lotado na PA (Polcia da Aeronutica). No primeiro dia senti profunda satisfao em dormir bem alimentado e em uma cama quente, coisa que h algum tempo no experimentava. Por falar em alimentao, muitos reclamavam da m qualidade, eu achava uma delcia (bem melhor do que vinha comendo nos canteiros de obra), em pouco tempo fiquei em forma, pois malhava muito e me alimentava bem.

    Na tropa, conheci um sargento formado na Escola de Especialista, em cujos concursos eu vinha sendo reprovado. Ele me deu vrias dicas de como estudar e onde encontrar as matrias cobradas na provas de admisso.

    Havia ingressado como recruta em julho de 1981, e o prximo concurso seria em novembro daquele mesmo ano. Para no sofrer nova decepo, at porque deveria enfrentar a quarentena no quartel, impossibilitando-me de sair para procurar os livros indicados pelo referido sargento, decidi que esperaria pelo concurso de maio do prximo ano (1982).

    Terminada a quarentena, ramos liberados aps o expediente, mas eu permanecia no quartel, l fazendo minha residncia. Matriculei-me em um supletivo pblico para continuar o Segundo Grau. G colgio, Centro de Ensino Supletivo da Asa Sul CESAS, fica na 602 Sul, em Braslia. No havia aula normal dentro da sala de aula, os professores tinham apenas a incumbncia de tirar dvidas, e, caso no as houvesse, o aluno compareceria ao colgio apenas para fazer as provas. A medida que fosse logrando xito nos exames, os mdulos eram eliminados at concluir a disciplina. A marcao de provas ficava por conta do aluno, dentro dos dias previstos para a matria escolhida.

  • Comparecia ao colgio apenas para comprar as apostilas e fazer as provas. Comprei uma bicicleta para me deslocar do quartel que ficava cerca de 20 km at o colgio. No foram poucas as vezes em que tive a chuva como companhia.

    Durante o dia, ocupava-me com as intensas atividades que envolviam exerccios fsicos, treinamento militar e faxina. A noite, enquanto meus colegas se divertiam no cassino do peloto, assistindo televiso e outras diverses, dedicava-me a estudar as matrias do supletivo e as da preparao para o concurso.

    Quando tocava o silncio, s 22h, ia para o banheiro estudar luz de velas, pois as lmpadas no poderiam ficar acesas, aps o toque de recolher. Assim era minha rotina. Raramente saa aos finais de semana, por isso sofria gozao dos colegas que achavam que eu ficaria doido de tanto estudar. Eu no ligava para o que me falavam, estava convicto de meus propsitos.

  • AS DECEPES E 0 SUCESSO NO PRIMEIRO CONCURSO

    Em maio de 1982, l estava eu engajado em mais um concurso para a Escola Militar que tanto insistia ingressar. Naquela poca, as vagas eram disputadas em igualdade de condies, tanto para militares quanto para civis. Havia me preparado, observando as sugestes bibliogrficas que o sargento me indicara. Fiz a prova e sa confiante na aprovao, porm, cauteloso, no quis tecer comentrios sobre a possibilidade de sucesso.

    Quando saiu a relao de aprovados, o meu nome estava no meio. Fiquei imensamente feliz e, at hoje, aps ter passado em vrios concursos, no experimentei tanta felicidade. As seguidas decepes parecem ter construdo em mim um desejo imensurvel de vencer, e a aparente superao me proporcionou um sentimento indescritvel de alegria e paz interior.

    Os colegas recrutas me cumprimentavam como se eu tivesse ganhado um grande prmio na loteria. Tambm, naquela poca, passar naquele concurso era grande vitria, pois, at ento, no havia notcias de que algum soldado recruta tivesse realizado tal faanha.

    Mas o pior estava por acontecer. A segunda fase era a avaliao mdica. Como eu j era militar, acreditava que passaria no exame, pois o problema dentrio poderia ser sanado na prpria escola militar com uma prtese.

    Fui submetido a uma bateria de exames mdicos. Todos feitos em um mesmo dia. Na medida em que ia fazendo os exames, recebia o atestado de apto. Quando fui fazer o teste com o otorrinolaringologista,

  • o sargento que me acompanhava mandou que eu entrasse na sala do mdico, antes que este houvesse chamado. Levei uma tremenda bronca por ter entrado sem autorizao do mdico militar e no adiantou tentar justificar. O autoritrio otorrino abriu minha boca com fora e examinou minha garganta, no encontrou nada de anormal; em seguida, tacou um instrumento no meu nariz, arregaando as narinas e o diagnstico foi seco: est reprovado.

    Disse-me que eu tinha um plipo nasal que me tomava incapaz para atividades fsicas. De fato, eu sentia dificuldade para respirar pelo nariz, mas compensava aspirando o ar pela boca (nem eu mesmo sabia que possua aquela deformidade). Argumentei com o prepotente mdico que eu praticava esportes sem quaisquer problemas, inclusive, participava de corrida de longa distncia. Mas de nada adiantou, nem mesmo minhas splicas o comoveram. Ele sacramentou um INAPTO bem grande na minha ficha. Era o fim de meu sonho.

    Por ltimo, j reprovado, fui cumprir tabela na sala do dentista. Ele detectou as carncias de dentes e tambm escreveu o inapto na minha ficha de avaliao. Pronto, meu destino ao insucesso estava selado. Para mim era o fim. Retomei ao batalho arrasado.

    A notcia de minha desgraa logo se espalhou (notcia ruim assim mesmo). Aqueles que antes me elogiavam, vinham agora parecendo querer me torturar. Todos j sabiam da reprovao, mas no cansavam de me perguntar. Alguns me aconselhavam a desistir, dizendo que eu era como eles, havia nascido para carregar pedra, e, por isso, teria de me conformar.

    A dor da decepo foi imensa. Passei dias sem me alimentar direito e dormindo mal. Acho que em tudo o que uma pessoa desesperada pode pensar eu pensei. Para me confortar tinha um amigo, o soldado Beltro, que no cansava de me consolar.

    Aquele sargento, que mesmo sem me conhecer me escolheu para servir (lembram?), vendo meu profundo sofrimento, conseguiu uma transferncia (temporria) para eu trabalhar na sede do comando. Minha atividade era abrir a porta para o comandante do VI COMAR (Sexto Comando Areo Regional) e hastear a sua bandeira de comandante quando ele estava presente na sede. Era um trabalho bem ameno em relao ao desenvolvido no quartel da Polcia da Aeronutica onde eu servia.

  • O tempo foi passando, o desespero diminuiu um pouco e comecei a raciocinar. Em julho de 1982 terminaria o meu tempo e deveria deixar o servio militar. Resolvi, ento, me inscrever no curso de formao de soldado de primeira classe para permanecer no quartel.

    Depois, marquei uma consulta com o carrasco otorrino para saber se ele me habilitaria no exame mdico caso eu fizesse uma cirurgia para retirar o plipo nasal. De forma arrogante, disse-me que dependeria do resultado da operao, mas duvidava de que eu lograsse aprovao novamente no concurso.

    Fui ao Hospital das Foras Armadas - HFA e o plipo foi extrado mediante uma simples cirurgia (fiquei internado por poucos dias, para observao). Retomei ao meu aougueiro para que ele conferisse o resultado da cirurgia. Meio sem querer, disse que talvez me aprovasse, mas no acreditava que eu lograria sucesso no concurso (o sujeito parecia ter raiva de mim...).

    Aparentemente resolvido o primeiro problema, no sabia como solucionar o segundo, pois no possua recursos para fazer a prtese dentria. que, naquela poca, soldado no tinha direito a esse tipo de servio nos consultrios militares. Foi a que tive a ideia de falar com o subcomandante, pessoa muito atenciosa e simptica, para expor o meu problema e suplicar que ele abrisse uma exceo para mim. Acho que a histria de meu infortnio (resumi a ele) o comoveu.

    O coronel pediu sua secretria que ligasse para o servio mdico, chamando o chefe do consultrio dentrio. Percebi que houve certa objeo, quando ele disse ao dentista que um soldado precisaria fazer um tratamento dentrio, envolvendo uma colocao de prtese.

    A resistncia por parte do interlocutor era perceptvel no gesto do subcomandante. Fiquei triste, pensando que havia sido em vo minha tentativa. De repente, o educado militar mudou de tom e fez o seu subordinado (o chefe do servio dentrio) convencer-se da necessidade de abrir uma exceo para o meu caso. Aplaudi, silenciosamente, a firme atitude do oficial superior.

    O coronel disse-me que deveria comparecer no outro dia ao consultrio dentrio e, aps o tratamento, voltar para inform-lo. Sa da sua sala sorrindo para as paredes (fazia algum tempo que no tinha momento de alegria).

  • No dia seguinte, compareci ao consultrio e l estava o capito me esperando com bastante presteza. Providenciou o necessrio e, em alguns dias, eu estava com mais dentes na boca. Fui agradecer ao coronel pelo seu ato, ele me desejou boa sorte no concurso que seria realizado dentro de dois meses.

    Com os dois problemas mdicos resolvidos, retomei com todo gs aos livros, suspendi o curso supletivo e direcionei o estudo para o concurso. Estudava tanto que chegava a sonhar fazendo a prova.

    Alguns colegas laranjeiras (gria relativa a soldado que mora no quartel), que noite ficavam assistindo a novelas ou jogando domin, diziam que eu no queria cair na real, nem os seguidos fracassos faziam me conformar de que o meu objetivo era impossvel.

    Profetizavam que, mesmo que passasse novamente e lograsse xito no exame mdico, iriam arrumar outro jeito para me reprovar, pois a Escola Militar no costumava receber aluno que tinha sido soldado recmta. Falavam que eu deveria me divertir como eles e tentar a vida de outra forma menos complicada. Agradecia a preocupao que tinham com meu lazer, mas continuava agarrado aos livros.

    No dia da prova, conheci um candidato que estava se preparando para o ITA, Instituto Tecnolgico da Aeronutica, concurso dificlimo. Disse-me que estudava cerca de 10 horas por dia e que faria a prova da Escola de Especialistas apenas para ganhar experincia em concurso da rea militar, pois o seu objetivo era o ITA.

    Terminado o primeiro dia de prova, fomos conferir as questes. O gabarito do meu novo amigo estava totalmente diferente do meu. Ele tinha convico de que havia acertado praticamente toda a prova e tentava me convencer de que estava certo. No quis discutir, mas eu acreditava na minha aprovao. Nos trs dias de exame aconteceu a mesma discrepncia entre nossas respostas.

    Alguns dias depois saiu o resultado e o meu nome estava l, o dele no. Fiquei alegre, mas como gato escaldado de gua fria tem medo, no quis me empolgar muito como da primeira vez, e resolvi aguardar as demais fases para s ento comemorar.

    A prxima fase era a bateria de exames mdicos. Fui recebendo o apto do cardiologista, oftalmologista, urologista at chegar ao meu reprovador, o otorrino. Esperei que ele me chamasse (no iria repe

  • tir o erro anterior). Entrei, ele me olhou firme, examinou-me e disse: voc insistente soldado, no desiste mesmo, e sacramentou o apto na minha ficha. Em seguida, fui sala do dentista e tambm recebi o apto. Havia sido aprovado nos exames mdicos.

    Fiquei aguardando a lista oficial dos aprovados e a convocao para a outra fase, que seriam os testes fsicos.

  • Captulo

    OS TESTES FSICOS E PSICOTCNICOS

    No dia do teste, estava apreensivo e, ao mesmo tempo confiante na minha performance fsica (malhava muito), que no me preocupei em saber o nmero de repetio dos exerccios necessrios para alcanar a pontuao mxima.

    Fiz os testes at o limite de minha resistncia. Na penltima modalidade, o canguru, quando j havia feito 130 repeties, s ento o avaliador me advertiu de que j havia ultrapassado em muito o nmero que me garantia os 100 pontos, pois bastavam 70 repeties (se no me falha a memria). Foi a que fui ver que havia conseguido 100 pontos em todas as modalidades de exerccios j feitas e, inclusive, a exemplo do canguru, havia ultrapassado, em muito, o limite necessrio para a pontuao mxima.

    Na programao para aquele dia, s faltava a barra e fui informado, com antecedncia, o nmero necessrio para a aprovao e me mantive dentro do limite. No outro dia seria o teste de corrida.

    O excesso dos limites necessrios para os exerccios causou-me esgotamento fsico, provocando dores em todo o corpo. A noite, fui acometido por um intenso tremor no corpo e febre muito alta. Por mais que me embrulhasse com o grosso cobertor, no conseguia parar de tremer, sofria muitas dores e um frio insuportvel.

    O meu colega de beliche foi chamar o cabo responsvel pelo planto. Este disse que me levaria ao mdico. Recusei, pois temia ser internado e perder o teste da corrida no dia seguinte. Mas estava muito mal e ele disse que eu deveria ir de qualquer jeito, pois no iria correr o risco de me ver morrer e depois ser responsabilizado por omisso.

  • Fui levado ao hospital. O mdico de planto diagnosticou esgotamento fsico profundo (acho que foi isso que ele falou), disse que deveria ficar internado. Expliquei que no outro dia, s 9 horas, teria o teste fsico e eu no poderia deixar de fazer, porquanto seria reprovado e preferia morrer a perder a oportunidade. Ele disse que entendia minha situao, mas eu precisava ficar em observao aps a medicao e, se tudo corresse bem, seria liberado de manh cedo.

    Aps tomar uma injeo e alguns comprimidos, ca em sono profundo. Acordei assustado, no outro dia, pensando ter perdido a hora. Olhei no relgio, ufa!, ainda no eram 7 horas. Vi que no estava mais com febre e o tremor passara, contudo, o corpo estava todo dolorido, levantei da cama igual a um rob.

    Fui, aflito, procura do mdico para assinar minha alta e voltar logo para o quartel (ficava cerca de cinco quilmetros do hospital), a fim de esperar a hora do teste de corrida. Os minutos de procura pareciam uma eternidade (estava pensando em fugir do hospital), at que me informaram de que ele fora ao banheiro. Aps conferir a informao, fiquei esperando junto porta, torcendo para no demorar.

    Ao sair, ordenou-me voltar para a enfermaria para me examinar. Disse-lhe que eu estava muito bem e queria que me liberasse logo, pois temia perder o teste. Ainda bem que concordou e me liberou. Voltei imediatamente para o quartel onde o teste da corrida seria realizado.

    O teste consistia em correr 2.400 metros, no mximo, em 12 minutos. Eu estava todo duro, tinha dificuldade at para movimentar as pernas (doa tudo). Antes da largada, o examinador ordenou que deveramos fazer aquecimento preliminar. Mal conseguia me movimentar, por isso lhe garanti que j estava aquecido. Ele no concordou, dizendo que minha participao no aquecimento era necessria. Com muito sacrifcio, pulando com as pernas e braos duros, tentei acompanhar os movimentos dos demais.

    Em seguida, posicionamo-nos na linha de largada. ramos sete os remanescentes da maratona. Naquele momento, lembrei da passagem bblica, quando Sanso, cego e enfraquecido, pediu a Deus que lhe concedesse a ltima fora para derrubar o templo. Assim, eu fiz, pedi que o Todo-Poderoso me permitisse resistir s dores que estava sofrendo por todo corpo e fazer o percurso dentro do tempo previsto, pois eu no aceitava a reprovao.

  • Na hora em que foi dado o sinal de largada, disparei como se fosse uma corrida de 100 metros. Esqueci as dores e s pensava em chegar ao final. Conhecia bem o percurso, mas estava to alucinado pelo desejo de passar no teste que mal enxergava os marcos indicativos da pista. Os demais candidatos ficaram para trs. Aps vencer a metade do percurso, as pernas pareciam no querer mais obedecer ao comando do crebro. Meu ritmo comeou a cair vertiginosamente. Olhei para trs e vi os demais concorrentes se aproximando rapidamente.

    Naquele momento, comecei a me desesperar. Imaginei chegar ao final ainda que fosse me arrastando, mas logo conclu que o sacrifcio seria intil, porquanto, certamente, ultrapassaria o tempo mximo de 12 minutos. Olhei para o lado e vi meu amigo Beltro (que tambm estudava e praticava corrida junto comigo) gritando: NO PARA, NO PARA QUE VOC CONSEGUE, ao mesmo tempo, ele me acompanhava, correndo, do lado de fora da pista. Aquele gesto me deu mais nimo. No sei de onde tirei tanta fora e disparei novamente, parecia no estar pisando no solo e s fui perceber que havia passado alguns metros da linha de chegada quando o amigo Beltro gritou: VOC CONSEGUIU. Naquele instante me joguei fora da pista sobre a grama, chorando de alegria e dor (ou de dor e alegria). A cibra atacou fortemente minhas pernas.

    Aps alguns minutos, com a ajuda do amigo, consegui ficar de p e fui conferir o tempo: oito minutos e sete segundos. Estavam garantidos os 100 pontos do teste e o melhor tempo entre os candidatos.

    Era mais uma barreira vencida. Havia obtido aprovao nos trs dias de provas escritas, na bateria de exames mdicos e no testes fsicos. Diante disso, o leitor deve estar pensando que havia, finalmente, conseguido a aprovao no concurso que perseguia h muito tempo.

    Ocorre que o concurso parecia prova para astronauta, pois faltava mais uma fase, que era a dos exames psicotcnicos. Eram trs testes: raciocnio lgico, raciocnio mecnico e espacial.

    O examinador primeiro distribua a prova de cada teste, o candidato respondia e, em seguida, era entregue a folha de resposta correspondente prova realizada. Aps o preenchimento, a folha de resposta era recolhida. No preenchimento da ltima folha, observei que havia discrepncia entre o nmero de questes da prova e as alternativas da folha de resposta.

    Chamei o examinador e constatamos que houve equvoco por parte dele que, na segunda prova, entregou-me a folha de resposta da terceira;

  • como a identificao era feita apenas pela numerao no detectei o erro (que falta de sorte!).

    Ele escreveu nas folhas de respostas trocadas, as provas respectivas, e disse que no haveria problemas, pois na correo isso seria observado. Esse incidente me tirou as esperanas, pensei: no tem jeito, as coisas para mim sempre do erradas. No acreditava que quem fosse corrigir as provas (que no era o mesmo examinador) observaria que as minhas folhas de respostas estavam trocadas.

    Voltei para o quartel desanimado. Os colegas me perguntavam como tinha sido o teste e eu respondia: pssimo.

  • Captulo

    O RESULTADO FINAL

    EL.Depois de descansar por algum tempo abrindo a porta para o Co

    mandante (servio maneiro), mandaram-me de volta para o Batalho de Polcia da Aeronutica e fui colocado novamente na escala de servio comum.

    Alguns dias depois do teste psicotcnico, eu estava tirando servio de sentinela na entrada do Batalho de Polcia. Um soldado que vinha chegando ao quartel e havia passado pela sede do Comando que ficava cerca de trs quilmetros de distncia, disse-me: Voc passou no concurso. Perguntei: Passei como, se o resultado s sai na semana que vem? Ele disse: o resultado j saiu, est pregado no quadro de avisos do VI COMAR e seu nome est l. Pensei que fosse brincadeira, mas, diante de sua firmeza, acreditei e pedi que ele ficasse no meu lugar para eu ir conferir.

    Passei-lhe o capacete e o fuzil de sentinela e corri para a companhia, peguei minha bicicleta e, em alguns minutos, percorri a distncia que separava o quartel da sede do VI COMAR. Larguei a bicicleta ainda na entrada e, de olhos arregalados, procurei a relao. Eram muitos avisos que existiam no quadro e, devido ao nervosismo, demorei para localiz- -lo. Quando vi a relao, os meus olhos foram direto no meu nome. Que felicidade! Finalmente lograra a aprovao final.

    Voltei para o quartel radiante de alegria, cumprimentando todo mundo que encontrava pelo meio do caminho (aproveitava para dar a notcia). Ao agradecer o colega pela substituio temporria na sentinela, ele, com fisionomia preocupada, disse-me: O negcio t pegando para voc. Levei um susto e perguntei o que havia acontecido. Disse-me que o sargento do dia estava uma fera comigo, pelo fato de eu ter abandonado o posto e que era para eu falar com ele.

  • Preocupado, fui at o homem. Ele foi logo me perguntando se eu havia enlouquecido para abandonar o meu posto. Argumentei que no abandonara, pois deixei o colega no meu lugar. No se convenceu e disse que iria me punir. Implorei que no o fizesse, pois a punio inviabilizaria minha viagem para a Escola Militar que acabara de conquistar com muito sacrifcio. Aps muitas splicas, ele me liberou e mandou voltar ao posto com a promessa de nunca mais agir daquela forma (a alegria voltou ao meu semblante).

    A partir dali s pensava no dia da viagem. Aps alguns dias, chegou a notcia de que no haveria avio para levar os aprovados para a Escola. Nas vezes anteriores havia transporte areo em avio da Fora Area (essas coisas parecem que s aconteciam comigo e com um conhecido time de futebol).

    J estava com a mala arrumada e passagem de nibus comprada quando chegou um rdio (mensagem), informando que a FAB (Fora Area Brasileira) forneceria transporte areo para levar os aprovados at a Escola de Especialistas da Aeronutica, que fica em Guaratinguet/SP.

    No dia marcado para o embarque (estava previsto para as nove horas da manh) pernoitei no quartel. Como de costume, acordei cedo para pegar nibus at o aeroporto que ficava a cerca de 15 quilmetros, mas teria de caminhar uns quatro quilmetros at a parada.

    Por volta das 6h30, j estava me despedindo para ir parada de nibus, quando o sargento de dia (no era o que queria me punir) disse para eu aguardar um pouco que o motorista estava voltando de uma misso e que mandaria me deixar no aeroporto. Fiquei aguardando e nada de o motorista chegar, comecei a ficar impaciente e preocupado at que, por volta das 8h, a viatura chegou.

    Partimos, cortando caminho pelo interior da Base Area, que era mais perto. Quando estvamos no meio do percurso, o Jipe deu pane (que azar!). Vendo que o veculo no funcionaria, peguei minha mala e parti em disparada carreira, com receio de perder o voo. Aps percorrer uns dois quilmetros, um veculo parou para me dar carona.

    Fiquei reticente em aceit-la, pois era proibido pedir carona no interior da Base. Mas diante da situao e considerando que eu no havia pedido carona, porquanto foi ofertada, resolvi aceit-la, at porque corria o risco de no chegar a tempo para o embarque. A preocupao de perder a viagem produziu suor intenso e o inevitvel pensamento de ter

  • Cap. 9 - 0 RESULTADO FINAL

    nadado tanto e morrido na praia. Todavia, felizmente, cheguei a tempo de embarcar, isso porque o voo atrasou alguns minutos (ainda bem).

    Quando coloquei os ps na porta de entrada da Escola Militar, senti a realizao de um sonho. Aps muitos concursos fracassados, naquele instante saboreei o gosto da vitria. A parte mais difcil do meu objetivo em tomar-me um sargento especialista da Aeronutica havia sido alcanada. Mas tinha conscincia de que ainda faltava percorrer longo caminho, pois o curso tinha a durao de dois anos em regime de internato e eu sabia que no seria fcil, e no foi.

  • >

  • Capitulo

    A INTELIGNCIA QUE FAZ A DIFERENA

    O que falarei daqui para frente, para o leitor mais crtico, poder parecer viagem na maionese, mas no . Assinalo que eu tambm sou muito crtico e pragmtico, logo no iria viajar na maionese. As estratgias que sero ensinadas funcionam de verdade. Funcionaram comigo e com muita gente, logo funcionar com qualquer um, basta apreend-las e vivenci-las.

    Peo ao leitor que preste muita ateno em tudo o que ser dito, mesmo quem j leu o livro, pois acrescentei detalhes importantes. E mais. O livro em si precisa ser lido vrias vezes para que seja tirado o melhor proveito, pois nele, alm de se contar uma histria, muitas coisas so ensinadas.

    Pois bem, o que o leitor acabou de ler foi um pouco sobre a minha trajetria de superao. E uma histria real que contm mensagens de motivao (consciente e inconsciente), visando preparar o leitor para a lavagem cerebral (do bem) que ser administrada mais adiante. A histria contm mensagens que estimulam o crebro a no desistir e nem se entregar ao comodismo.

    O relato que fiz da minha histria tem a finalidade, no apenas de falar da autobiografia, mas de instar o leitor a enfrentar e a vencer os desafios da vida ou pelo menos lev-lo reflexo.

    Como se ver mais adiante, a superao dos obstculos no foi planejada. Eu tinha um objetivo: ser sargento da Aeronutica. No imaginava que enfrentaria tantos obstculos e nem como iria super-los. Quando os inesperados percalos apareceram, eu tinha a opo de desistir e, confesso que pensei muitas vezes nisso. Ocorre que, ao mesmo tempo em

  • que pensava na desistncia, imaginava a longa vida que teria pela frente, passando as mesmas ou piores necessidades que j experimentara.

    Ademais, pensava na minha famlia, que depositou em mim a esperana de vida melhor. Ento eu buscava fora de onde imaginava no ter mais, e assim continuar a luta, sabedor de que o mundo no iria ter pena de mim, caso eu desistisse. Tinha convico de que se me acomodasse, estaria fadado a levar uma vida inteira de muito sacrifcio. Ento por que no fazer um pouco mais de sacrifcio para deixar aquela vida sacrificada?

    Hoje dou graas a Deus pelas dificuldades pelas quais passei. Penso que se eu no tivesse encontrado tantas dificuldades para conquistar o primeiro objetivo, teria me acomodado nele. O meu sonho no era apenas ter um emprego, mas conquistar uma profisso que me fascinava: ser um sargento especialista de Aeronutica. As dificuldades foram tamanhas que fui obrigado a desenvolver estratgias para super-las; assim, quando conquistei o objetivo, j estava com o pensamento em outros horizontes.

    Descobri, contudo, que podemos alcanar objetivos sem precisarmos ser impelidos por necessidades e nem sofrimento para conquist-los. Por exemplo, a conquista do primeiro cargo pblico - o de sargento da Aeronutica - foi mais difcil para mim do que o ltimo - o de Procurador da Repblica. E mais. O primeiro cargo foi conquistado impelido por extrema necessidade. O ltimo, eu no passava por necessidade. Isso demonstra que no preciso passar por necessidades e nem sofrer para conquistar objetivos. Porm, se eu no tivesse passado pelo que passei no incio da carreira, no teria a oportunidade de chegar aonde cheguei.

    O que aconteceu foi que aprendi a estudar. Aprendi a controlar as emoes. Aprendi a fazer provas. Aprendi a lutar mesmo no estando em situao de necessidade. E o mais importante disso tudo: aprendi a viver da melhor forma possvel, com ou sem dificuldades.

    E esse conhecimento que eu passo. As duas primeiras edies do livro mostraram-me a viabilidade do projeto. Por isso, sigo em frente com o trabalho para que mais e mais pessoas sejam beneficiadas.

    O leitor no precisa passar pelo o que eu passei para se motivar e conquistar vitrias. Ele pode se motivar sobre a minha histria. Isso o comeo do trabalho. Daqui para frente sero apresentadas as tcnicas. E o que o leitor tem a fazer acreditar nos ensinamentos, vivenci-los e coloc-los em prtica. No difcil, basta querer e seguir os passos

  • que ensino no livro. Eu j verifiquei excelentes resultados e por isso prossigo cora o projeto, inclusive retirei as partes das denncias (ser objeto de outro livro), para que a obra fique centrada to somente no trabalho de ensinamento.

    Os ensinamentos deste livro no servem apenas para concursos pblicos, mas para tudo que envolve competio e qualidade de vida. Afinal, somos produto de uma competio, pois o espermatozide que fecunda o que venceu acirrada disputa, e assim a vida: uma eterna competio. Na natureza selvagem quem no sabe lutar pela vida no sobrevive. Nas comunidades humanas, quem no luta ou no sabe lutar, vegeta, vive em condies subumanas. Infelizmente essa a realidade.

    Desde a infncia, comecei a lutar e aprendi a sobreviver em situaes adversas. Por isso tomei-me extremamente observador e muito otimista, porm realista. Bastante pragmtico, nunca sonhei com o impossvel, o utpico. Tambm no acredito em sorte ou azar. Constru as vitrias, assimilando a dor e corrigindo os erros experimentados nas derrotas momentneas. O grande empreendedor Henry Ford dizia: O fracasso a oportunidade de recomear, com mais inteligncia e redobrada vontade.

    O que eu fazia meio por acaso, pura intuio, descobri depois que tem base cientfica. Chama-se inteligncia emocional. No livro Inteligncia Emocional, o autor Daniel Goleman, psiclogo PhD pela Universidade de Harvard, com milhes de exemplares vendidos, ressalta que a inteligncia emocional tem base cientfica e busca entender por que muitas pessoas de quociente intelectual (QI) alto so superadas por pessoas de menor QI.

    Goleman diz que, ao contrrio do QI, que tem muitos anos de histria de pesquisa, a inteligncia emocional um conceito novo. Para esse psiclogo, inteligncia emocional a capacidade de criar motivaes para si prprio e de persistir em um objetivo apesar dos percalos; de controlar impulsos e saber aguardar pela satisfao de seus desejos; de se manter em bom estado de esprito e de impedir que a ansiedade interfira na capacidade de raciocinar; de ser emptico e autoconfiante.

    E a inteligncia emocional que faz o indivduo no entrar em depresso aps um insucesso ou diante de um acontecimento triste, como a morte de um ente querido; ter nimo para continuar na busca do objetivo,

  • mesmo aps um insucesso; bem como enfrentar uma competio sem amarelar e produzir o mximo, na hora em que mais precisa.

    Ao ler esse livro, parecia que estava lendo sobre a minha vida e eu nunca tinha ouvido falar sobre o assunto. Daniel Goleman utiliza a pesquisa cientfica para afirmar que o controle das emoes decisivo para o sucesso de uma pessoa. Ele diz que a falta de controle sobre as prprias emoes dificulta ou mesmo pode destruir a vida de uma pessoa.

    O mais importante que, segundo o autor, a inteligncia emocional pode ser desenvolvida, tanto que chega a sugerir que fosse disciplina obrigatria nas escolas. Eu mesmo sou testemunha disso, pois, se no fosse o desenvolvimento da inteligncia emocional, jamais teria conseguido meus objetivos, pois o meu QI (quociente intelectual) mediano; ademais, faltaram-me condies materiais mnimas para lutar por uma vida digna.

    Qualquer pessoa pode desenvolver a prpria inteligncia emocional e experimentar os benefcios extraordinrios. Muita gente pensa que tenho QI elevado, na verdade, apenas utilizo e desenvolvo a inteligncia emocional.

    O meu lado pragmtico, sempre buscando resultado concreto em tudo o que fao, conseqncia dessa inteligncia. Ela funda-se na observao, na pacincia, na persistncia, na serenidade e na tranqilidade, mesmo diante de situaes extremamente difceis. E uma inteligncia prtica, altamente competitiva.