Lições de Direito societário - Trechos - Alfredo Gonçalves Neto

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ALFRED0 DE ASSIS GONQUXES NET0 TEORIA GERAL SOCIEDADE CIVIL E SOCIEDADE SIMPLES SOCIEDADE COOPERATIVA SOCIEDADE EM NOME COLETIVO, DE CAPITAL E INDUSTRIA, EM CONTA DE PARTICIPACAO SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LlMITADA REGIME VIGENTE E INOVACOES DO NOVO CODIGO CIVIL

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Lições de Direito societário Trechos Alfredo Gonçalves Neto professor fernando pucrs empresarial

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ALFRED0 DE ASSIS GONQUXES NET0

TEORIA GERAL SOCIEDADE CIVIL E SOCIEDADE SIMPLES

SOCIEDADE COOPERATIVA SOCIEDADE EM NOME COLETIVO, DE CAPITAL E

INDUSTRIA, EM CONTA DE PARTICIPACAO SOCIEDADE POR QUOTAS DE

RESPONSABILIDADE LlMITADA

REGIME VIGENTE E INOVACOES DO NOVO CODIGO CIVIL

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distinqiio entre sociedade comercial e civil, revela-se igualmente fluida e confusa. As dCcadas de discussZio a respeito da dicotomia atual serZio substituidas com a reabertura de nova polemica no enfrentamento de outras perplexidades, at6 que as novas dfividas e dificuldades, aqui ante- vistas, sejam superadas. \.

43. REGIME JURIDICO

Como jd visto, a sociedade simples niio corresponde exatamente B sociedade civil. 0 h b i t o de cada qua1 C diferente e as normas que dispdem sobre a sociedade civil niio suprem, em principio, as lacunas das socieda- des comerciais (art. 291 do Cddigo Comercial), ao passo que o regramento da sociedade simples C sempre supletivo do das diversas sociedades empresdrias, exceto em se tratando de sociedade an8nima (arts. 1.040, 1.046 e 1.053 do novo C6digo).Ig7

Por sociedade simples, como o prdprio nome indica, deve-se enten- der o tipo mais simples, o modelo bdsico de sociedade, destinado a abrigar as sociedades niio empresdrias - mais precisamente, apesar da redundbncia, para acolher a espCcie que o legislador tambCm batizou com o nome de "sociedades simples" - e, igualmente, para servir de fonte subsidikia & demais sociedades reguladas pelo novo Cddigo (coopera- tivas e empresdrias, exceto por aqdes).

E muito prdxima a sociedade simples da sociedade em nome coleti- vo, ficando a distinqiio por conta da natureza da responsabilidade dos sdcios e da raziio social, exclusivamente. Se for pactuada a responsabili- dade soliddria de todos os sdcios e ela adotar uma raziio social (uma "denomina@o" composta por patronimico de sbcios), na pratica ficari identificada como sociedade em nome coletivo.

Alih, faculta o referido Cddigo que a sociedade simples (espCcie) ponha de lado o seu tip0 (sociedade simples) e adote qualquer daqueles previstos para as sociedades empresdrias, sujeitando-se, dai entiio, ao

18' - Sobre a sociedade simples, ver a oportuna monografia de NELSON ABRAO, Sociedade simples, novo tip0 societPrio? Slo Paulo: Leud, 1975.

respectivo regime juridico; isso niio ocorrendo, subordina-se Bs normas que lhes sZio prdprias (art. 983).

Na (complicada) interpretaqiio desse preceito tem-se de concluir que a sociedade simples, quando adotar o tipo de sociedade empresdria, deixa de ser simples para se subsumir, por inteiro, ao regime do tip0 pelo qua1 optou, inclusive no que respeita B sua inscriqiio. Isso C assim porque o novo Cddigo n8o repetiu a regra do art. 1.364 do Cddigo de 1916, que, ao facultar a adoqiio de forma comercial pela sociedade civil, manteve a obrigatoriedade de sua inscriqiio no registro civil e s6 permitiu a aplicaqiio das regras do modelo escolhido quando niio contrd- rias Bs suas disposiqdes. De resto, essa conclus20 segue a tendencia de uniformizaqiio do regime juridico societfirio, que, nesse ponto, reduz as atribuiqdes dos Oficios de Registro das Pessoas Juridicas para concen- trd-las na Junta Comercial, melhor estruturada para as tarefas de controle. Nesse rumo, a atual Lei do Registro das Empresas Mercantis e Atividades Afins jd determina que sejam arquivados na Junta Comercial todos os atos das firmas mercantis individuais e das sociedades mercan- tis, "independentemente de seu o b j e t ~ " . ' ~ ~

A sociedade simples tambCm tem como pressuposto inafastdvel para sua formaqiio a presenqa de, no minimo, dois sbcios, niio sendo possivel que se constitua ou que prossiga no exercicio de suas atividades com um s6, a niio ser durante o period0 de 180 dias contados do momento em que se tenha tornado unipessoal, qualquer que venha a ser o fato causador dessa unipessoalidade (falecimento de s6ci0, exclusiio, renlincia ou retirada).lg9

Admite o Cddigo que os sdcios sejam de categorias diferentes, um contribuindo com o capital e outro com a prestaqso de serviqos, somente (art. 997, inciso V). Tem-se, nesse caso, a sociedade de capital e industria, que niio foi contemplada entre os tipos de sociedade empresiria. PorCm, diferentemente daquela regulada pelo Cddigo Comercial, o sdcio de indfis- tria nZo est i proibido de exercer a gerencia da sociedade e, se quiser exercer outro oficio, s6 pode empregar-se em atividade estranha hquela a que se obrigou perante a sociedade, sob pena de ser privado dos lucros e ser dela excluido (art. 1.006). De resto, niio ficou claro se o sdcio de

I8%rt. 2 O da Lei n. 8.934, de 1994. I X 9 Art. 1.033, inciso IV , do novo C6digo Civil.

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inddstria participa do acervo social em caso de dissoluqiio ou de resolu- qiio do vinculo societiirio em relasiio a si (art. 1.007). A principio, pode- se concluir que, como o s6cio de inddstria niio contribui para a formasiio do capital social, niio lhe 6 dado participar da divisiio do patrim6nio da sociedade (gerado com as contribuiq8es que formaram aquele capital), quando de, sua liquidasgo. No entanto, inexistindo norma expressa no novo C6dig0, ao contririo do que se d i com a sociedade civil (Capitulo V, n. 36 supra), deve-se ponderar que a atuaqiio do s6cio de inddstria reflete-se no patrim8nio da sociedade, assim como os aumentos de capi- tal podem ocorrer mediante a incorporaqiio de reservas e assim por dian- te, para concluir que ele contribui, com seu trabalho, para a flutuaqiio do patrim6nio social e, por isso, deve participar de sua partilha na mesma proporsgo de sua participaqiio nos lucros. Niio admitida essa soluqiio, o s6cio de inddstria tem direito de participar do acervo social sempre que houver incorporaqiio de reserva de lucros ao capital, na mesma propor- siio da participaqgo que teria nos lucros assim in corpora do^.'^^

Por outro lado, o prazo de duraqiio da sociedade simples pode ser determinado ou indeterminado, devendo a opqiio por qualquer das alter- nativas figurar no contrato social como disposiqiio obrigat6ria (art. 997, inciso II).

A sociedade simples tem cariter intuitu personae porque C ajustada em raziio do relacionamento pessoal que existe entre os s6cios. Isso se revela claramente pelas disposiqaes que a regularn, notadamente naquela que faz depender as alteraqaes contratuais, no que h i de essencial, do consentimento ungnime dos respectivos s6cios, ai se inserindo, dentre outras, o ingress0 de novo s6cio (art. 999 do C6digo de 2002). Por igual, a exigcncia de maioria absoluta de votos (mais da metade do capital social) para as demais deliberaq8es (art. 1.010 e 5 lo), bein como o fato de o falecimento de s6cio implicar a liquidas50 de sua quota (s6 ingres- sando os herdeiros na sociedade por acordo com os s6cios supkrstites - art. 1.028), fazem acentuar, ainda mais, essa pessoalidade.

Sobre outras peculiaridades da sociedade de capital e indlistria ver o Capi- tulo VIII, n. 64.

0 instrumento de constitui~iio da sociedade simples deve observar as disposiq8es do art. 997 do novo C6digo e ser levado a registro no Registro Civil de Pessoas Juridi~as, '~' com isso sendo-lhe conferida personalidade juridica, que, como j i foi observado, perdura at6 sua extinqgo. Essa extinqiio ocorre, niio com a dissoluq50, mas com o tCrmino da liqui- daqiio.Ig2 Durante a fase liquidaqiio, a sociedade mantCm-se como pessoa juridica, identificando-se com sua denominaqiio acrescida da expressiio "em liquidaqiio." (art. 1.103, parigrafo dnico, do mesmo C6digo).

Complementam o regime juridic0 da sociedade simples as leis espe- ciais que a elas se refiram, niio revogadas com a entrada em vigor do novo C6digo (art. 983, parigrafo dnico), como C o caso da sociedade cooperativa e das sociedades de profissionais liberais, dentre elas a de advogados, cujas regras especiais encontram-se no Estatuto da Advoca- cia, no seu Regulamento Geral e em provimentos do Conselho Federal da OAB.Ig3

44. IDENTIFICACAO DA SOCIEDADE SIMPLES

A sociedade simples deve identificar-se por uma denominas50 (art. 997, inciso 11), isto 6 , por um nome, equiparado para os efeitos de protesiio da lei, ao nome de empresirio (art. 1.155).

Por denominaqiio, ai, deve-se entender o nome pel0 qua1 a sociedade iri ser identificada, sendo livre sua composiqgo, j i que inexiste qualquer regra a respeito. Na equiparaqgo com o nome de empresirio, deve-se tomar por denominaqiio tanto a raziio social (nome subjetivo formado com o patronimico dos s6cios) como a denominaqgo social (nome objeti- vo formado com express8es de fantasia).

I 9 l Salvo, como visto, se adotar um dos modelos de sociedade empreshia, caso em que tal registro deve dar-se perante a Junta Comercial do Estado em que se for estabelecer.

'92 Art. 5 1 do C6digo Civil de 2002. 19' Arts. 15 e 17 da Lei n. 8.906, de 1994; 37 a 43 do Regulamento Geral e demais

dispositivos do Provimento n. 92, de 2000. As sociedades de advogados nfio podem adotar modelo mercantil. - Sobre o assunto, do autor, Sociedade de Advogados. Brasilia: Conselho Federal, 2000.

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Assim, uma sociedade simples entre dois artistas, por exemplo, pode ter seu nome compost0 pelo de um ou de ambos os seus sdcios, com o indicativo de se tratar de uma sociedade, como "Cordeiro e Silva Associa- do?', ou uma expressiio fantasia que a identifique, como "Oficina de Artes Plhticas Olaf '.

45. RESPONSABILIDADE DOS SOCIOS

Na sociedade simples os sdcios siio responsbveis pelas dividas da sociedade em cariter subsidibrio, na proporqiio da participaqiio de cada qua1 nas perdas sociais (art. 1.023 do novo Cddigo).

A responsabilidade dos skios, entiio, C subsidiiria e ilimitada, o que significa que, uma vez exaurido o patrim8nio social, cada sdcio responde pessoalmente e sem limitaqiio de valor, variando sua responsabilidade consoante a proporq50 ajustada. Assim, se a sociedade niio tem mais patri- m8nio e deve 1.000, o s6cio que tem 10% de participaqiio nas perdas pagari 100 e o que tem 90% pagarb 900 dessa divida.

E bom ressaltar, no entanto, que C possivel tornar solidiria essa responsabilidade, bastando clbusula contendo tal ajuste (art. 1.023, parte final).

A vingar o regime do novo C6digo Civil - nessa parte quebrando a tradiqb do direito brasileiro -, seri possivel aos skios da sociedade simples estabelecer a exclus5o de sua responsabilidade pessoal pelas dividas da sociedade, valendo tal estipulaqiio contra terceiros (art. 997, inciso VIII e parbgrafo linico), mesmo sem qualquer indicativo dessa exclusiio na denorninaqiio social.

Essa C a conclusiio a que se chega, apesar da regra contida no seu art. 1.023, cuja ressalva, como jb visto, limita-se a permitir um ajuste de responsabilidade solidiria e n5o de isenqiio de responsabilidade. Apesar do carbter cogente que se contCm nessa previsiio, forqoso C admitir que o pacto de isenqiio de responsabilidade estarb suposto no enunciado sob exame, se celebrado nos termos do art. 997, VIII, inclusive corn efeitos externos, por forqa do parigrafo linico, desse liltimo dispositivo. Outra interpretaq50, na linha do que se ensina sobre a limitaqiio da responsabili-

dade dos sdcios nas sociedades civis (eficicia interna corporis), condu- ziria B supress20 do parigrafo linico do art. 997.'94

0 sdcio cuja quota consista em serviqos, a igual do que hoje se passa com o sdcio de inddstria, niio participa das perdas sociais, salvo se houver outra estipulaqiio no contrato social. Essa C a interpretaqiio que se extrai do art. 1.007 do novo Cddigo Civil, quando dispde sobre sua partici- paqiio nos lucros e omite qualquer referencia a perdas.

Por liltimo, a responsabilidade dos sdcios pelas obrigaq6es sociais, em cariter subsidiirio, ilimitado e niio solidbrio, persiste mesmo apds o rompimento do vinculo societbrio, por morte, retirada, exclus2o de sdcio. Essa responsabilidade circunscreve-se, todavia, Bs dividas sociais existentes at6 a data em que se der o desligamento. Se o desligamento ocorrer por cessiio da participaqiio societiria, por expressa previsiio, alienante e adquirente siio solidariamente responsiveis pelas dividas sociais anteriores B cessiio, liberando-se o alienante apds dois anos da ocorren- cia do fato (art. 1.003 do novo Cddigo).

A unanimidade, vale dizer, o consentimento unlnime dos sdcios C exigido para a modificaqiio do contrato social no que respeita ao seu contelido obrigatdrio, apontado no art. 997 do novo Cddigo Civil (skies, objeto, sede, prazo de duraq20, capital social, quotas, participaqiio nos lucros e nas perdas e responsabilidade dos sdcios).

Trata-se de um impensado absurdo do legislador, pois a unanimidade, alCm de engessar o dinamismo da atividade econ8mica prevista no objeto social, niio se compadece com o principio da maioria que, apds acesa polsmica, acabou prevalecendo na orientaqiio da doutrina e da jurispru- dencia pbtrias, bem como nos textos de lei mais recentemente editados, mesmo em se tratando de destituiqiio de administrador nomeado pel0 contrato. Pode-se vaticinar a alteraqgo, a curto prazo, desse preceito,

194 0 texto original n8o tinha essa incoergncia. 0 inciso VIII, do art. 997, foi acrescentado pela Emenda n. 84 do Senado Federal.

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posto ser um recuo ao passado estabelecer a unanimidade como regra: deve sempre prevalecer o principio da maioria, salvo cliusula restri- tiva expressa.

As demais delibera~des, que niio envolvam as matCrias acima ressal- vadas, podem ser tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada s6cio - e ainda assim -, salvo quando exigida a unanimidade. A maioria, ai, conta-se segundo o valor das quotas de cada s6cio e, em caso de empate, pel0 maior ndmero de s6cios; persistindo o empate, deve a decisiio ser cometida ao Poder Judiciirio (art. 1.010 e parigrafos) que, certarnente, niio C o 6rgiio mais indicado para solucionar questdes de conveniencia societiria. Preferivel seria reputar niio aprova- da a materia, pois empate niio faz maioria.

Acena o novo C6digo Civil com a necessidade de maioria absoluta para todas essas delibera~des, ou seja, com votos que perfa~am mais da metade do capital social. Contudo, o art. 1.010,§ lo, limita-se a conceituar a maioria absoluta. Assim, penso que, se o contrato social dispuser que a delibera~iio sera tomada em reuniiio, para a qua1 sejam convocados todos os sbcios, C possivel ajustar a maioria simples (de capital e, no caso de empate, de s6cios), colhida entre os presentes B reuniiio ou assemblCia.

Sendo previstas delibera~des em reuni6es ou assemblCias, devem ser aplicadas subsidiariamente as disposi@es relativas Bs assemblCias das associqks (arts. 44, parigrafo dnico, 57 a 60), pois as regras das reunides e assembleias das sociedades limitadas (arts. 1.07 1 e seguintes) e das companhia (arts. 120 e seguintes da Lei n. 6.404, de 1976) niio siio supletivas do regramento da sociedade simples.

Embora omisso o C6dig0, podem os s6cios ajustar quorum qualifi- cad0 para as delibera~des majoritkias e tomClas mediante simples alte- ra~iio contratual, independentemente de realiza~iio de assemblCia, consi- derando-se aprovada a materia pela assinatura de tantos s6cios quantos bastem para formar essa maioria.

E excluido da votagiio o s6cio que, em alguma opera~iio, tiver inte- resse contrkio ao da sociedade; se dela participar, responde por perdas e danos, caso seu voto tenha sido decisivo para o resultado da delibe-

ra~iio (art. 1.010,§ 3O), sem prejuizo, a meu very da possibilidade de ser obtida judicialmente a anula$iio.

A despeito de niio existir disposi~iio expressa a respeito, deve-se entender que o s6cio de inddstria tambCm participa das delibera~ks sociais (da forma~iio da vontade social), calculado o peso do seu voto segundo o esdnixulo critCrio do art. 1.007. De fato, participar de vota- $20 C um direito inerente ao status socii e, por isso, na falta de previsio legal quanto ao voto do s6cio que niio possui parcela do capital social, C de ser aplicada a referida regra, que permite aferir o peso de sua partici- pa~iio em outros direitos sociais.

47. CAPITAL SOCIAL

As observa~des feitas a respeito do capital social da sociedade civil, inclusive no que respeita B sua fun@o, valem para a sociedade simples.'95

Aliis, como o novo C6digo separou as sociedades das associa~des, a obrigatoriedade de a sociedade simples possuir capital social ficou textualmente contemplada no inciso 111, do art. 997, com a exigenciade que seja "expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espCcie de bens suscetiveis de avalia~iio pecuniiria."

Apesar disso, a sociedade cooperativa, que o parigrafo dnico do art. 982 considera como espCcie de sociedade simples, pode dispensar o capital social por disposi~iio expressa contida em seu estatuto (art. 1.094, inciso I). Tal norma inova a legisla~iio do cooperativismo, cuja justificativa pode estar na desnecessidade de observgncia do princi- pio da fixidez ou da intangibilidade do capital social, eis que o da coope- rativa peculiariza-se pela permanente muta~iio.

A administra~iio da sociedade simples esti minudentemente regulada. 0 novo C6dig0, desde logo, enuncia o preceito Ctico de conduta do

Ig5 Ver n. 34 do Capitulo anterior.

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administrador, estabelecendo que, no exercicio de suas funqSes, ele deve ter o cuidado e a diligCncia que todo homem ativo e probo costuma empre- gar na administragiio de seus pr6prios neg6cios (art. 1 .011).

Em linguagem nada atual, vCm, a seguir, os impedimentos ao exerci- cio do cargo, que atingem as pessoas vedadas por lei especial (corno C o caso dos militares e dos magistrados, por exemplo), bem como "0s conde- nados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos pliblicos; ou por crime falimentar, de prevaricaqiio, peita ou suborno, concus- siio, peculato; ou contra a economia popular, a f6 p6blica ou B proprie- dade, enquanto perdurarem os efeitos da condenaqiio (art. 1 .011, 3

A administragiio da sociedade simples niio precisa figurar no contrato social, tanto que o art. 997 nHo a insere como cldusula obrigat6ria. Do mesmo modo, C facultada a designaqiio de terceiro, nCo socio, para gerir a sociedade, sendo permitido que o contrato social disponha livremente a respeito do mod0 de administrar, dos poderes conferidos a cada admi- nistrador, crie 6rgiios de deliberagiio colegiada e assim por diante.

Nada dispondo o contrato social, compete disjuntivamente a cada um dos sbcios, inclusive ao de inddstria, gerir a sociedade (art. 1.013). Nesse caso, todos podem fazer de tudo o que for 6til ou necessdrio para a consecugiio do objeto social - isto C, todos os atos pertinentes B ges- tiio da sociedade (art. 1.015), sendo outorgado a cada s6cio individual- mente o poder de gerir e, ao mesmo tempo, de impugnar operaqiio preten- dida por outro, caso em que a decisiio serd cometida B deliberagiio de todos (art. 1 .013, 3 lo).

Esses poderes tCm como lirnite o objeto social e as disposiq6es estatutfirias que lhes sejam re~t r i t ivas . '~~ A lei apenas exige a aprovaqiio da maioria

196 A norma, aICm de ma1 redigida, restaura crimes de h5 muito derriscados do sistema penal brasileiro, como C o caso dos de peita ou suborno, tecnicamente deno- minados de corrup~lo, ativa ou passiva. De resto, a enumera~80 nlo guarda coerCncia 16gica, porque arrola crimes em espCcie e, logo em seguida, refere-se ao gCnero em que se contsm outros. Dito de outro modo, o legislador, ao invks de usar duas grandezas, poderia suprimir a enumera~lo dos tipos penais que indicou, para reuni- los, genericamente, como crimes contra a administraqIo pliblica, como o fez em re1aqIo aos crimes falimentares, contra a fC pliblica e contra a propriedade.

19' Ver, a respeito, o n. 8 do Capitulo I.

dos s6cios (com o peso do valor das respectivas quotas) para a oneraqiio ou venda de bens imbveis, se a sociedade niio tiver por objeto tais operaq6es (art. 1 .015, segunda parte).

0 excess0 de poderes dos administradores, contrariando a doutrina hodierna, passa a niio vincular a sociedade se a respectiva limitagiio esti- ver averbada no registro pr6prio da sociedade, ou, niio estando averbada, provando-se que era conhecida do terceiro ou em se tratando de opera- $20 evidentemente estranha aos neg6cios da sociedade (art. 1.0 15, pard- grafo 6nico).

Pelos atos que pratica, o administrador niio se vincula pessoalmente, posto que age como se fora a sociedade. No entanto, responde perante a sociedade e para com os terceiros prejudicados pelos excessos que praticar por culpa ou dolo no desempenho de suas fung6es (art. 1.016).

Se o administrador for designado por instrumento em separado, deve averbd-lo B margem da inscriqiio da sociedade (art. 1.012). Sem essa averbaqiio, ele assume pessoalmente a responsabilidade pelos atos que praticar em solidariedade com a sociedade (mesmo artigo, parte final).

0 novo Cbdigo estabelece uma distinqiio absurda entre o administra- dor-socio nomeado no contrato e o designado por ato em separado, na linha de uma idCia ultrapassada que orientou o C6digo de 19 16 (art. 1.383): o primeiro niio pode ser destituido nem mesmo pela maioria dos sbcios, salvo se houver justa causa, reconhecida judicialmente em demanda proposta por qualquer dos s6cios; jd o segundo pode ser desti- tuido a qualquer momento, ad nutum, por exclusiva conveniencia da maioria. Esse mesmo tratamento 6 dado ao administrador nCo s6ci0, indepen- dentemente da forma de sua investidura (art. 1.0 19 e pardgrafo dnico). Com a devida vCnia, niio hb nenhuma raziio de ordem 16gica para a distinqiio entre administrador nomeado por clhsula contratual ou por ato em separado. Por igual, tambCm niio se justificam quaisquer formalidades para a destituiqiio de administrador.

Pelo sistema do prbprio Cbdigo, a maioria C quem comanda os neg6- cios sociais (art. 1.010) e, portanto, deveria poder excluir da gerCncia da sociedade o administrador, s6cio ou niio, que niio cumprisse suas deter- minag6es, pouco importando a forma de sua designagiio, tudo indepen-

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dentemente de processo judicial. A celeridade dos negdcios sociais niio concebe um tal formalismo para a destituigzo.

A destituigiio de administrador por justa causa mediante processo judicial deveria ficar reservada aos s6cios minoritarios que, em princi- pio, niio podem sobrepor sua vontade A dos que compaem a m a i ~ r i a . ] ~ ~

49. RESOLUCAO DA SOCIEDADE EM RELACAO A 0 SOCIO

Com melhor tCcnica e tendo em conta os avangos da doutrina na determinag20 da natureza do contrato social, o novo C6digo Civil, ria linha do modelo italiano de 1 942,'99 niio mais contempla entre os casos de dissolugiio da sociedade a morte do s6ci0, sua falencia, incapacidade ou recess0 (retirada ou rendncia unilateral).

Esses fatos e a exclusGo de sdcio siio tratados como de resolugiio da sociedade em relag20 ao sdcio (ou aos s6cios). Na verdade, niio se trata de resolugiio no sentido pr6prio do termo, que supae inadimplemento imputavel a um dos contratantes, mas de ruptura de vinculos societiirios, como se vera adiante (Capitulo XlII, n. 106).

Ocorrendo a morte de um s6ci0, reza o art. 1.028 que se deve liqui- dar sua quota, isto 6, a sociedade permanece entre os demais s6cios e se apurarn os haveres do falecido para pagamento dos herdeiros, com redu- $20 proporcional do capital social, que niio mais incluira o valor nominal da quota liquidada.

Essa solug20 s6 C contomada (i) se o contrato dispuser de mod0 diverso, (ii) se os s6cios remanescentes, por ocasiiio do evento, optarem pela dissolugiio da sociedade ou (iii) se, por acordo corn os herdeiros, ocorrer a substituigio do s6cio falecido. Fica claro, portanto, que a continuagiio da sociedade com os s6cios supkrstites C a regra; passam a ser excegiio a dissoluqio da sociedade e o ingresso de herdeiro ou sucessor a qualquer titulo. Mesmo assim, o ingresso de herdeiro do s6cio morto s6 pode ser

Ig8 Sobre o assunto, reporto-me ao que disse no item 35 do Capitulo anterior. Arts. 2.284 e seguintes do C6digo Civil italiano de 1942.

ajustado no momento do 6bito (art. 1.028, inciso 111) e niio por cliusula contratual de previsiio futura - o que enfatiza o cariiter intuitu personae da sociedade simples.

TambCm o exercicio do direito de retirada C facultado aos sdcios, sem que isso implique dissolu~20 da sociedade. A semelhansa do trata- mento dado ao caso de falecimento, o s6cio retira-se da sociedade mediante o recebimento de seus haveres decorrentes da liquidag8o de sua quota. Em se tratando de sociedade por prazo indeterminado, esse direito C potestativo e pode ser exercido sem qualquer condicionante, a nzo ser a comunicagiio 2 sociedade com um prazo minimo de 60 dias; se a sociedade for ajustada por prazo determinado, a retirada sera igual- mente possivel, jii ai, porCm, por justa causa e mediante processo judicial (art. 1.029). Afora esses casos - e a regra, a meu ver, dirige-se, exclusi- vamente, B sociedade por prazo determinado - a retirada pode dar-se em raziio de outras hip6teses contempladas em lei (que niio existem) ou indicadas no contrato social.

A permissiio, contida no art. 1.029, pariigrafo dnico, do C6digo Civil de 2002, de os demais sdcios optarem pela dissolu~iio da sociedade nos trinta dias subseqiientes ao exercicio do direito de retirada parece inkua, j i que, niio havendo divergsncia, a dissolu~50 ocorre por consenso un2nime a qualquer tempo (art. 1.033,II). Se se interpretar a regra no sentido de estar a maioria autorizada a optar pela dissolusiio, mesmo assim ela s6 teria aplicagiio nas sociedades de prazo determinado porque, nas outras, tambCm a qualquer momento, os s6cios podem, por maioria, decidir-lhes a disso1uc;iio (art. 1.033, inciso ILI).

A exclusiio de s6ci0, por outro lado, ocorre de pleno direito em caso de sua falcncia e quando sua quota for Iiquidada para pagamento de credor (art. 1.030, paragrafo dnico). A previsiio quanto 2 falencia niio me parece ter sentido, porquanto os demais s6cios podem pretender que o falido continue na sociedade e n5o h i qualquer impediment0 a que o falido participe da sociedade sem exercer cargo de gerencia. Seu desli- gamento da sociedade s6 deveria ocorrer se suas quotas fossem liqui- dadas para pagamento dos credores falimentares. Ora, a liquidasiio da quota jb C prevista como causa de exclusiio, o que revela que o disposi- tivo nio devia nem precisava mencionar a falencia. E evidente que, com a

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liquidaqiio da quota de capital do s6cio que niio seja de indtlstria, nZo hd como mante-lo na so~iedade. '~

TambCm pode a sociedade, por deliberaqiio da maioria, excluir o s6cio remisso, se nZo preferir optar pela cobranqa do valor da quota com ou sem indenizaqiio ou pela reduqiio dessa quota ao valor realizado (art. 1.004, pardgrafo tinico).

Fora desses casos, pode o sdcio ser excluido, por deliberaqiio da maioria, mediante aqiio proposta pela sociedade fundada em falta grave no cumprimento de suas obrigaq6es ou em incapacidade superveniente. Observe-se que, via de regra, os s6cios niio tem outras obrigaq6es a cumprir seniio a de pagamento de sua contribuiqiio para a formaqiio do capital social. 0 contrato social, no entanto, pode estabelecer outras obrigaqdes, como niio participar de outra sociedade de mesmo objeto, niio trabalhar fora do ambiente societdrio e assim por diante. A violaqiio dessas obrigaq6es contratuais pode ser tomada como falta grave para autorizar a exclusiio.

Ocorrendo a exclusiio, segue-se a liquidaqiio da quota do s6cio excluido com o pagamento daquilo a que ele tiver direito. Sendo s6cio remisso, de seus haveres devem ser abatidos os danos causados B sociedade.

Se, em virtude do rompimento do vinculo societkio por morte, retira- da ou exclusZo, restar apenas um s6ci0, ainda assim liquida-se a quota do s6cio falecido, que se retirou ou foi excluido, prosseguindo a socie- dade como unipessoal at6 180 dias do evento; se a pluralidade de s6cios niio for reconstituida nesse periodo, dd-se sua dissoluqiio (art. 1.033, inciso IV).'O1

A quota, nesses casos, C liquidada com base na situaqiio patrimonial da sociedade B data do evento, verificada mediante balanqo especial- mente levantado para tal fim. Esse balanqo nem sempre dispensa uma ampla avaliaqiio patrimonial, eis que deve retratar os valores reais dos bens que integram o ativo permanente da sociedade e, sendo o caso, o valor mCdio daqueles que se encontrarem no estoque, bem como dos

Ver n. 37 do Capitulo anterior. Ver art. 2.272, n. 4, do C6digo Italiano de 1942.

bens incorp6reos que possam ser expressos em pectinia. NZo havendo concordiincia dos interessados com os dados desse balanqo, a determi- naqZo dos haveres deve ser feita judicialmente.

so. DISSOLUCAO

Como visto no ntlmero anterior, niio figuram como causas de dissolu- $50 da sociedade simples - e, portanto, das demais sociedades reguladas pel0 novo C6digo -, a f a l C n ~ i a , ~ ~ ~ a incapacidade superveniente, a morte, a retirada e a exclusiio de s6ci0, que passaram a ser tratadas como fatos ensejadores da resoluqiio do pacto societdrio em relaqiio Bquele s6cio.

A dissoluqiio da sociedade simples verifica-se com o advent0 do termo de sua duraqZo, quando ajustada por prazo determinado. Contudo, venci- do este sem que ocorra sua liquidaqiio e sem que haja oposiqiio de qualquer dos sbcios, ela prossegue por tempo indeterminado (art. 1.033, inciso I).

TambCm se dissolve a sociedade por consenso unQnime dos sbcios, se celebrada por prazo determinado (inciso 11), ou por deliberaqiio da maioria absoluta, se por prazo indeterminado (inciso m).

A falta de pluralidade de sbcios, niio restaurada em 180 dias da data em que tal fato ocorrer, C outra causa de dissoluqiio, que se dd pel0 s6 escoamento do prazo (inciso IV).

E a extinqiio, por qualquer motivo, da autorizaq50 para a sociedade funcionar, acarreta igualmente sua dissoluqiio (inciso V) que, nesse caso, pode ser obtida por provocaqiio do MinistCrio Ptiblico, a quem a lei incumbe de promover a subseqiiente liquidaqiio, se os s6cios niio a provi- denciarem nos'trinta dias que se seguirem a esse acontecimento (art. 1.037).

AlCm dessas causas, que operam a dissoluqiio de pleno direito, pode a sociedade ser dissolvida mediante process0 judicial proposto por qualquer dos s6cios com fundamento

(i) em qualquer fato contratualmente previsto como permissivo da dissoluqiio ((art. 1.035);

202 A falencia da sociedade continua sendo causa de dissolu~lo, desde que ela esteja sujeita ao respective regime. Sobre o assunto, ver Capitulo XIV, n. 132, infra.

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(ii) em vicio que possa anular sua constituiqiio ((art. 1.034, inciso I); (iii) no exaurimento do fim social (art. 1.034, inciso Q; ou (iv) no fato de ele ser inexeqiiivel (idem).

Por 6ltim0, permite o novo Cddigo Civil que os s6cios ajustem outras causas de dissoluqiio, a serem verificadas judicialmente, quando contes- tadas (art. 1.035). Nessa permiss50 de pacto dissolutdrio, o Cddigo permite, a igual do que se d i com o art. 2.272 do Cddigo Italiano de 1942 (que faz remiss20 expressa ao art.2.284, relativo i morte de sdcio), que se incluam como de dissoluqiio total quaisquer das causas de rompi- mento dos vinculos societirios em relaqiio a um sdcio (falecimento, reti- rada de sdcio que represente parcela significativa do capital social, inca- pacidade superveniente de sdcio cuja atuaqgo C indispensivel para a existtncia da prdpria sociedade etc), bastando que se disponha que elas acarretam, tambCm, o desfazimento dos vinculos existentes com e entre os demais sdcios.

A dissoluqiio total da sociedade, que se verifica na ocorrencia de qualquer das causas antes indicadas, segue sua liquidaqiio, que C o process0 destinado a levi-la i extinqiio. Assim, dando-se a dissoluqiio, judicial ou extrajudicial, deve a sociedade liquidar-se, isto C, ultimar as negociaq6es pendentes, realizar o ativo, pagar o passivo ainda existente e distribuir o acervo entre os skies na medida das respectivas participa~6es estabelecidas no contrato social.

0 novo Cddigo, ao contririo do de 1916, dedica diversas dispo- siq6es para a liquidaqiio da sociedade, como se pode ver do ripido apanhado que segue.

Ocorrida a dissoluqiio, de pleno direito ou. por sentenqa judicial, cumpre aos administradores providenciar imediatamente a investidura do liquidante, designado no contrato ou por eles eleito, e restringir a atuaqiio da sociedade aos fins da liquidaqiio (arts. 1.036 e 1.038).

A liquidaqiio amigivel ou extrajudicial pode ser livremente ajusta- da no contrato social. Em cargter supletivo, ela esti regulada nos arts.

1.102 e seguintes do novo Cddigo. Ali estiio previstos, alCm da forma de investidura do liquidante, suas atribuiq6es e poderes, o procedimento que deve ser seguido, obrigaq6es e responsabilidades do liquidante e dos administradores, prestaqiio de contas, limitaqiio de poderes e formas de realizaqb do ativo e pagamento do passivo.

Dentre essas disposiqBes, cumpre destacar a do art. 1.110, que esta- belece niio poder o credor insatisfeito, apds encerrada a liquidaqiio, buscar a realizaqiio do seu crCdito de cada sdcio seniio at6 o valor por eles recebido em partilha. Ou seja, com o encerramento da liquidaqiio, que acarreta a extinqiio da sociedade (art. 1. log), os sdcios, perante eventuais credores sociais impagos, passam a ter sua responsabilidade limitada i s quantias que receberam em rateio, i semelhanqa dos herdei- ros e sucessores do autor da heranqa.

TambCm C prevista a possibilidade de o s6cio dissidente do encerra- mento da liquidaqiio, mover a aqiio que couber para anuli-la, com prazo decadencial de trinta dias (art. 1.109, pariigrafo 6nico).

Se a liquidaqiio for judicial, deve-se recorrer i s disposiq6es que, a respeito, estabelece o Cddigo de Processo Civil de 1939, nessa parte ainda em vigor.203

A sociedade simples pode transformar-se em sociedade coopera- tiva204 ou em sociedade empresaria, obedecendo, nesse caso, os precei- tos reguladores da constituiqiio e inscriqiio prdprios do tipo em que se vai transformar (art. 1.1 13). A deliberaqiio sobre transformaqiio deve ser un5ni- me, salvo se o ato constitutivo da sociedade estabelecer deliberaqiio por maioria, a igual do que esti previsto na Lei do Anonimato.

TambCm C possivel que ela incorpore ou seja incorporada por outra sociedade, simples ou empresiria, observando-se as normas especificas a respeito (arts. 1.1 16 a 1.1 18) e as que regem e que continuariio a reger

203 A respeito, ver o quanto foi dito no n. 39 do Capitulo anterior. 204 Obviamente se ji nZo o for, porque cooperativa C espCcie de sociedade simples.

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a sociedade incorporadora. Assim, por exemplo, se uma sociedade simples C incorporada por uma sociedade anhima, aplicam-se as dispo- siqdes da Lei n. 6.404, de 1976, que tratam da estrutura da companhia e da operaC2o da incorporaq20 pela qual iri absorver a sociedade simples.

No que se refere B fusGo, devem ser observados os preceitos de cada qual das sociedades a serem fusionadas e as que forem reger a sociedade de sua uni2o resultante (arts. 1.1 19 a 1.121).

JQ quanto B cisgo, o novo C6digo Civil nada disp8s a respeit~,~O~ devendo ser seguidas as disposi~des da fus2o ou da incorpora~20, se elas forem o meio de realizar a ciszo, e as normas da Lei das Sociedades por A ~ d e s quanto Bs situa~des n20 reguladas naquele C6digo.

'05 0 novo C6dig0, apesar de utilizar o nome "cisHo" na designaqgo respectivo capitulo, menciona s6 de passagem a operaqHo no seu art. 1.122.

SOCIEDADE COOPERATIVA

0 sistema cooperativo no Brasil abrange (i) as cooperativas singulares, constituidas essencialmente por pessoas fisicas, (ii) as cooperativas cen- trais ou federaq6es de cooperativas, formadas pela reuni2o de coope- rativas singulares e, eventualmente, por associados individuais, e (iii) as confederaqaes de cooperativas, constituidas de, pel0 menos, tres fede- ra~des de cooperativas ou cooperativas centrais.

Para os prop6sitos deste Capitulo, seAo abordadas, apenas, as coope- rativas singulares, que se caracterizam pela presta~50 direta de servi~os a seus associados, j i que as demais visam organizar, orientar ou coordenar as politicas das cooperativas a elas vinculadas.

A exata cornpreens50 da sociedade cooperativa esti intimamente liga- da B de cooperativismo, entendido como um "sistema reformista da socie- dade que quer obter o justo preCo, abolindo o intermedikio e o assalariado, atravCs da solidariedade e da ajuda mctua. Filosoficamente, o principal objetivo que aspira C o aperfei~oamento moral do homem, pel0 alto sentido Ctico da solidariedade, complementado na a@o, pela melhoria econ8- mica.-zo6 Nessa perspectiva h i quem defenda o cooperativismo como forma

de governo, a ponto de alguns almejarem a cria~5o de uma Repiiblica Cooperati~a.~~'

20h WALDIRIO BULGARELLI, As sociedades cooperativas e sua disciplina jun- dica. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1998. n. 2, p. 17.

207 Sobre o assunto, BERNARD LAVERGNE, La rivolution coopirative. Paris, 1949.

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66. BREVES CONSIDERACOES HISTORICAS

A partir da Revoluqlo Industrial de 1870, surgiu a necessidade prdtica de criaqiio de sociedades em que os s6cios respondessem limitadamente pelos crescentes riscos da atividade mercantil, com celeridade capaz de atender hs exigencias da expans50 desmedida das relaqbes mercantis, sem os formalismos entiio vigentes para a constituiqlo das sociedades an6ni- mas. A adoqiio dos modelos das sociedades de pessoas, que acarre- tavam a responsabilidade ilimitada de todos os s6cios ou, quando nlo, dos seus s6cios dirigentes, desestimulava essas iniciativas para enfrentar um mercado bem mais organizado e de produqiio em massa. Isso fez crescer o interesse na criaqiio de um novo tip0 societdrio que permitisse aos s6cios (i) nlo depender de autorizaqlo governamental para sua criaqiio e (ii) gozar da limitaq50 de sua responsabilidade relativamente i s operaqbes sociais.

As primeiras sociedades com essa conformaq50 comeqaram a surgir na prdtica do comCrcio ingles, graGas ao sistema de direito la vigente, com a evoluqlo das chamadas private companies, que n5o se caracte- rizavam propriamente como um tipo autanomo de sociedade, mas como um derivativo das public companies, contendo algumas particularidades estatutdrias como as que limitavam o ndmero de s6cios a 50, proibiam a livre transferencia de aq8es e excluiam o convite para subscri$io pliblica de aqbes. Referidas sociedades, por isso, passaram a ter sua constituiqgo permitida sem a antes indispensfivel outorga da coroa para sua consti-

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A sociedade por quotas de responsabilidade limitada, segundo o Decreto n. 3.708, de 1919, pode ser considerada como a espCcie de sociedade comercial ou empresiria em que hii urna dnica categoria de sbcios, cuja responsabilidade C solidiria, mas limitada B importlncia total do capital social.

Nesse ponto ela se diferencia da sociedade an6nima, na qual os acionistas tEm responsabilidade individual e limitada ao prego de emiss2o das a@es que cada qual subscreve ou adquire; distancia-se, tambCm, da sociedade em nome coletivo, onde a responsabilidade de todos os s6cios C solidiria e ilimitada, bem como das sociedades de capital e inddstria e em comandita simples, em que hi4 categorias de s6cios com responsabi- lidades diferenciadas, que respondem e que n2o respondem pelo paga- mento das dividas sociais.

Pela legisla~iio nacional, a sociedade limitada pode ser compreendida como um tip0 intemediiirio entre as sociedades de capital e as socie- dades de pessoas, pois das primeiras tem a limitas20 da responsabilidade dos s6cios e das segundas a conformas20 contratual. Diante da liberdade de constitui~iio das sociedades limitadas, elas podem aproximar-se tanto de urna como de outra dessas espCcies. Identificam-se mais com as socie- dades de pessoas quando, por exemplo, h i rigor maior na substitui~20 de s6cios, com cliusulas estatuindo quorum qualificado para admiss20 de novos s6cios ou para a recepg2o dos herdeiros do s6cio falecido etc. Impregnam-se de cunho de sociedade de capital quando estruturam-se h semelhan~a das sociedades an8nimas (deliberas6es em assemblCias gerais etc), consoante o permissivo contido no art. 18 do Decreto n. 3.708, de 1919, permitindo, tambCm, o ingresso de estranhos com mais facili- dade ou com mecanismos que permitam a negociaggo das quotas ,sem exigir a concordlncia expressa dos demais s6cios (corno a outorga de procurag80 ao alienante para que promova a alteras20 contratual de transfe- rencia de suas quotas a terceiro em caso de n2o pretenderem os s6cios remanescentes adquirir suas quotas) e assim por diante.

0 entendimento correto, a meu ver, C o de que as limitadas siio, em principio, sociedades de pessoas, pois o ingresso e saida de s6ci0, depen-

dendo de alterag20 contratual, exige a anuEncia dos demais ou, pel0 menos, de s6cios que representem a vontade da maioria do capi- tal

68. CARACTERISTICAS

A partir das normas que a regulam, pode-se dizer que a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, no Brasil, apresenta as seguintes caracten'sticas que a peculiarizam e a identificam quando vistas em conjunto:

a) possui normas que a aproximam das sociedades de capital, sem perder o cariter intuitu personae que C pr6prio das sociedades contratuais;

b) a responsabilidade dos s6cios pelas dividas sociais C limitada B importdncia total do capital social enquanto n2o integralizado;

C) pode ter como nome empresarial urna firma social, formada pel0 patronimico dos s6cios, ou urna denominaggo com express20 fantasia;

d) o capital social C divido em quotas, que podem ter valores desi- guais, cabendo a cada s6cio urna quota, distinta das que, mais tarde, possa vir a subscrever ou adquirir;

e) exige a presensa de dois ou mais s6cios para sua constituig20, podendo, eventualmente, tornar-se temporaria ou permanentemente urna sociedade unipessoal;

f) a gertncia da sociedade C exercida por s6ci0, pessoalmente ou por delegag20 a terceiro, com prestag2o de c a u ~ 2 o em garantia dos atos de gestzo, salvo se o contrato dispensar;

g) as deliberag6es sociais s2o tomadas por maioria de capital, inde- pendentemente de previsiio contratual.

-

277 Salvo na hip6tese mencionada no parigrafo anterior, que 6 excepcional. No sentido do texto, CARLOS FULG~NCIO DA CUNHA PEIXOTO, X Sociedade por Cotasde Responsabilidade Limitada. 2" ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1958. vol. I, n. 2 e 4 , p. 8. TambCm FRAN MARTINS, que antes reputara a sociedade de responsabilidade limitada como tip0 intermediirio entre as de pessoas e de capital (As Sociedades por Cotas de Responsabilidade Limitada no Direito Estrangeiro e Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1960. vol. I, n. 122, p. 337), passou a classificP-la como sociedade de pessoas (Curso de Direito Comercial. 27" ed., Rio de Janeiro: EditoraForense, 2001. n. 177, p. 161).

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Tais caracteristicas seriio comentadas e melhor explicadas mais adian- te, no decorrer dos pr6ximos Capitulos.

69. A T 0 CONSTITUTIVO

A sociedade por quotas de responsabilidade limitada constitui-se por instrumento ptiblico ou particular devidamente arquivado na Junta Comercial, isto C, no Registro Ptiblico de Empresas Mercantis e Ativida- des Afins. AlCm de observar as exigCncias pr6prias para o registro das demais sociedades contratuais (que, no C6digo Comercial, estiio dispos- tas em seu art. 302, e que, no novo C6digo Civil, figuram em seu art. 997), deve seu instrumento de constituiqiio necessariamente conter:

a) cliusula estabelecendo que a responsabilidade dos s6cios C limi- tada 2 import2ncia total do capital social;

b) cliusula indicando a sua raziio ou denominaqgo social, identifi- cada com o acrCscimo do vocibulo "Limitada", por extenso ou, abreviadarnente, "Ltda.";

c) cliusula dispensando ou dispondo acerca da prestaqiio de cauqiio pelos s6cios-gerentes.

Afora essas disposiq6es obrigatbrias, C conveniente que o contrato social estabeleqa, ainda, regras sobre (i) a possibilidade ou niio de dele- gaqiio dos poderes de gersncia, (ii) as causas de dissoluqiio, (iii) os poderes dos s6cios-gerentes e suas responsabilidades, (iv) deliberaqiio por maioria com quorum qualificado ou niio, (v) as hip6teses de retirada e exclusiio de s6ci0, (vi) prefergncia ou niio na aquisiqiio de quotas pelos s6cios e pela sociedade e mod0 de exercg-la, (vii) herdeiros de s6cio em caso de falecimento, (viii) periodos de exame de livros e documentos pelos s6cios e assim por diante. 278

E nas cl6usulas particularizadoras do ajuste social que se eliminam previamente uma sCrie de discuss6es e desavenqas futuras entre os s6cios.

278 0 recente Anteprojeto de Jorge Lobo, a que jh me referi, ao determinar o conteddo do contrato social, adota o critCrio de clfiusulas essenciais e facultativas (arts. 3" e 4").

0 contrato - j i o advertia JOAO EUNAPIO BORGES -, "ao contririo do que vulgarmente acontece, niio deve ser extraido dos fomulkios feitos por guarda-livros bisonhos e inexperientes, mas feito sob medida por um tCcnico consciencioso e competente. A economia inicial que os s6cios costumam fazer na constituiqiio da sociedade redunda freqiientemente em dissabores, diverggncias e prejuizos, corn o prematuro desaparecimento de promissoras sociedades cuja inviabilidade decorre quase sempre da m i redaqiio de seu contrato." 279

Uma vez constituida a sociedade por instrumento ptiblico, nada impe- de que as alteraqaes posteriores ocorram por instrumento particular. Normalmente, para atender as exigCncias da legislaqgo civil, a sociedade, cujo capital vai ser composto ou integrado por bens imbveis, constitui-se por instrumento p6blic0, embora possa ser dispensado, desde que o instrumento particular identifique pormenorizadamente o im6vel com seu ntimero de matricula no Registro Imobiliirio e venha acompanhado da outorga conjugal, quando necessiria (art. 35, inciso VII, da Lei de Registro das Empresas Mercantis e Atividades Afin~).~~O

0 fato de a sociedade ter sido constituida por escritura ptiblica, por outro lado, n b impede que as alteraqaes posteriores do seu ato constitutivo ocorram por instrumento particular (art. 53 da mesma Lei).

70. NOME DA SOCIEDADE

Assim como ocorre com a sociedade em comandita por a q 6 e ~ , ~ ~ ' a sociedade por quotas de responsabilidade limitada tem a possibilidade de adotar, como nome comercial, uma raziio social ou uma denominaqiio (uma ou outra), o que acentua a idCia de identifici-la como um tip0 inter- medigrio entre as sociedades de capital e as de pessoas (art. 3", do Decreto n. 3.708, de 1919, e art. 1.158 do novo C6digo Civil).

279 Curso de Direito Comercial Terrestre. 2' ed., Rio de Janeiro: EditoraForen- se, 1964. n. 259, p. 252.

2R0 Nessa linha de entendimento, j i se havia orientado o Departamento Nacio- nal de Registro do ComCrcio (Instru~ito Normativa n. 12, de 1986, art. 2"). A materia hoje C tratada pela Instru~ito Normativa do DNRC n. 46, de 6 de maqo de 1996.

2R' Art. 28 1 e parhgrafo dnico, da Lei n. 6.404, de 1976.

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A raz5o social C composta pelo patronimico de todos ou de qualquer dos sbcios, acrescida da express50 "Limitada", por extenso ou abrevia- damente, corno, v. g., "J. Silva & Cordeiro Ltda." Raziio social C firma; C suposto que seja assinada, de prbprio punho, pelo sbcio-gerente, embora essa pr6tica tenha caido em desuso.

J6 a denomina~io 6 o que RUBENS REQUIAO chama de nome objetivo, eis que n5o ten1 qualquer vinculaqiio corn os sbcios, podendo ser composta por uma expressb fantasia, livremente escolhida, e tambem acrescida da palavra "Limitada" ou "Ltda.", como neste exemplo: "Santa FC Ltda."

A exigencia de que a denorninaq50, quanto possivel, desse a conhecer o objeto da sociedade (v. g., "Santa FC ComCrcio de Tecidos Ltda.") foi abolida pela Lei n. 8.934, de 1994 (art. 35, inciso 111). No entanto, o art. 1.158,s 2", do novo Cbdigo Civil reintroduz a necessidade de que figure na denominagiio a indicaqgo do objeto social, facultando, ainda, sua combinaq50 com o nome dos sbcios. Exigindo, tambCm, a volta da indicaq50 do objeto social na denominas50 esti o anteprojeto elabo- rado pela Comiss5o de Juristas designada pelo MinistCrio da Justiqa (art. 3", inciso II).

Esse retorno B exigencia de a denominaqiio indicar o objeto social traz uma dificuldade de ordem pr6tica. De fato, como ficar5o as sociedades que, pelas normas hoje em vigor, aboliram a indicaqio do objeto social ou adotaram como nome comercial uma denominaqiio que niio o mencio- na? Aplica-se, no caso, a regra do art. 2.032 do novo C6digo e nHo hh direito adquirido ao nome? Passarso a ser limitadas de categoria especial? Perdem o direito ao nome que j6 possuem e devem alterd-lo, arcando com os prejuizos dai decorrentes? Embora defensor da exigCn- cia (por permitir mais opg6es de escolha e facilitar a identificaq50 do objeto social), nZo vejo motivo para um retorno a ela,282 diante das des- necessaiias turbuli2ncias que tal mudanqa ir6 causar.

A omissiio da express50 limitada no nome da sociedade, a teor do art. 3", 5 2", do Decreto n. 3.708, de 1919, implica atribuir, aos sbcios-

lS2 Sobre o assunto, criticando a altera~go, do autor, Manual de Direito Comer- cial. 2" ed. Curitiba: JuruA, 2000. n. 83, p. 178 e nota 33 1.

LICOES DE DIREIM SOCIETARIO - EDITORA JUAREZ DE OLIVEIRA 167

gerentes e aos que, niio o sendo, assim fizerem uso do nome comercial, responsabilidade ilimitada pel0 pagamento das obrigaqBes sociais, caso o patrim8nio da sociedade n2o seja suficiente para saldClas. A mesma deter- minag50 est6 no art. 1.158, $ 3", do novo Cbdigo Civil, e no art. 3, inciso 11, do j6 mencionado Anteprojeto, ambos tambCm atribuindo responsabi- lidade soliddria e ilimitada aos administradores que empregarem a firma ou denorninaqb social com tal omissiio.

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entender o conjunto de bens e direitos de que a sociedade C possuidora. Jd o capital social estampa o valor do patrim8nio que ingressou na socie- dade em virtude da contribuiqBo dos s6cios. Ou seja, o capital social C a express20 numkrica em moeda do valor do patrimanio fornecido pelos s6cios para sociedade, por eles reputado necessdrio ou adequado para a consecuqZo dos fins sociais.

No entanto, adquirindo vida, a sociedade passa a agir no mundo juri- d i c ~ para a realizaqZo do objeto social. Com isso, seu patrim8nio oscila de valor e se modifica a todo momento: cresce e definha de conformi- dade com as injunq6es do mercado ou com a expansgo ou encolhimento das atividades sociais. Jd o capital social k urn valor permanente, uma cifra fixa que permanece como referencial do valor, nZo do patrim8nio de cada dia, mas da massa patrimonial que os s6cios reputaram ideal para a sociedade atuar.

Assim, se no momento da constitui~iio da sociedade, normalmente os dois se equivalemZg3 (ou seja, a express20 monetdria do capital social corresponde ao valor do patrim8nio da sociedade), ao longo da vida social eles se distanciam: o capital social rnanttm-se como um ndmero, uma cifra constante e permanente (s6 alterdvel por deterrnina~iio da lei ou da vontade dos s6cios), ao passo que o patrim8nio oscila para mais ou para menos de acordo com a marcha das atividades desenvolvidas pela e m p r e ~ a . ~ ~ ~

E no confront0 entre capital social (patrim8nio inicial) e patrimanio social (atual) que se verifica e se analisa o crescimento ou o encolhimento da empresa desenvolvida pela sociedade. E, assim, pel0 conhecimento do valor das contribuiqdes dos s6cios que se vai ter condiq6es de aferir a prosperidade ou a derrocada da empresa. Se elas frutificaram, a empresa

283 HB possibilidade de constituiqiio de sociedades com reserva de capital (v.g., no caso da criaqiio de companhias mediante emissiio de aq8es corn Bgio) e, por isso, nessa situaclo excepcional, a equivalencia niio seria verdadeira.

284 Apesar disso, a pr6pria lei confunde as noq6es em algumas passagens, o que levou autores, como JOAO EUNAPIO BORGES, a distinguir o capital nominal (capital social) do capital efetivo (patrim8nio), (Curso de Direito Comercial Terrestre. 2a ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1964. n. 394, p. 375).

prosperou; se foram utilizadas na atividade social e niio houve recupe- raqBo do valor equivalente, a empresa nBo produziu resultados positives.

73. F U N C ~ O DO CAPITAL SOCIAL

De fato, sem capital social, a sociedade niio teria dados para revelar os resultados de sua atividade ao longo de cada ano social. 0 capital social, portanto, tem por funqBo determinar aperformance financeira da sociedade. Faz o papel de moderador legal e contdbil da vida social; orienta os resultados financeiros da sociedade ao tCrmino de cada exerci- cio social. Uma comparaqBo corn um cop0 d'igua esclarece bem essa funliio: o cop0 cheio mostra, em um precis0 momento (final de cada exercicio social), capital e patrim8nio com valores iguais, ou seja, um resultado financeiro sern perdas e sem lucros; se a dgua transborda do copo, h i lucros; se o cop0 niio chega a encher, h i perdas.

Por isso, nZo parece correto dizer que o capital representa urna garantia dos credores, pois t no patrim8nio da sociedade que eles a encontram. Entretanto, na concepqiio de que as contas da sociedade retratam corretamente sua real situaqb econ6mico-financeira e tendo em conta que o capital social C o referencial para a distribuiqiio de resulta- dos, os credores nele podem balizar-se na expectativa de que os s6cios nada receberso da sociedade enquanto ela tiver pendCncias a saldar corn terceiros em cada exercicio social - o que soa, deve-se convir, extrema- mente artificial.

Vai dai que , embora se expresse numa simples cifra, o capital social n5o 6 algo meramente simb6lic0, desprovido de valor. Na pertinente obser- vaqBo de HERNANI ESTRELLA, "ele C elemento bisico A fonnaqZo da sociedade e nesta desempenha papel tiio relevante que todos os sistemas legislativos editam normas visando sua realidade e integridade. Com essa precisa finalidade, as disposiqdes legais punitivas de manobras tendentes B simulaqBo ou desfalque do capital.'"85

2" Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Editora Konfino, 1973. n. 142, p. 302.

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74. INTANGIBILIDADE E EFETIVIDADE DO CAPITAL SOCIAL

Para garantir o desempenho dessa funqgo do capital social, hd dois principios que o orientam, exigindo que seu valor seja real e que se mantenha em cariter permanente, independentemente das vicissitudes do mercado em que atua a sociedade: (i) o da efetividade e (ii) o da intangibilidade.

Pelo primeiro, o capital social deve realmente corresponder aos valo- res em dinheiro ou em bens que os s6cios trouxeram para sua formaqZo (isto 6, para a formaqgo do patrimanio da sociedade); pelo segundo, esse capital deve permanecer sem alteraqiio, se o contririo niio determinar a lei ou nZo o deliberarem os sbcios.

Pouco h i na lei das sociedades limitadas para atender esses princi- pios. Afora a regra de responsabilidade solidaria dos s6cios ate a importancia total do capital social e as disposiqdes outorgando B sociedade mecanismos para o recebimento do valor das quotas nZo integralizadas (arts. 7" e 9" do Decreto n. 3.708, de 19 19), a referencia B incolumidade do capital social s6 ficou prevista para a hip6tese de aquisiqio, pela sociedade, de suas pr6prias quotas (art. 8").

Jd o novo C6digo Civil adita, ou melhor, torna clara a responsabilida- de dos s6cios pela exata estimativa dada aos bens que trouxerem para a formaqgo do capital social (art. 1.055, § 1 O), responsabiliza-os pelos lucros distribuidos sem que o patrimanio atinja a cifra do capital social (art. 1.059), proibe o aumento do capital social sem sua prCvia integralizaqgo (1.081) e normatiza, com salvaguardas, a sua reduqgo (arts. 1.082 a 1.084). 0 Ante- projeto Jorge Lobo preve regras semelhantes a essas dltimas e dedica um capitulo pr6prio ao capital social, mencionando textualmente a finalidade de mant6-lo integro e intangivel (art. 7O e seguintes.; art. 23 e seguintes).

NZo se preocupou o legislador em estabelecer um capital minimo para as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, diversamen- te do que ocorre na maioria das legislaqdes estrangeiras, que o exigem para caracterizd-la como sociedade destinada ao mCdio comCrcio.

A falta de previsZo desse minimo no Brasil acarretou o desuso dos modelos das demais sociedades reguladas pelo nosso Cddigo Comercial (em nome coletivo, em comandita simples e de capital e inddstria), jd que, podendo os sdcios limitar sua responsabilidade para qualquer tipo de empreendimento, mesmo em atividades exiguas, nZo h i razz0 para que optem por modelo societirio que lhes acarrete a assunqgo de responsabilidade ilimitada pel0 pagamento das dividas sociais.

0 fato de a sociedade com s6cios de responsabilidade ilimitada poder proporcionar maior garantia aos credores (pois, afinal, alCm do patrimanio social, respondem os s6cios subsidiariamente com seu patri- manio pessoal), notadamente os de grandes somas, como os bancirios, acabou perdendo qualquer relevdncia, eis que rapidamente contornado pela exigencia da prestaqio de garantias fidejuss6rias dos s6cios de responsabilidade limitada.

A idCia de introduzir a exigencia de capital minimo para a constituiqgo de sociedades limitadas foi aventada, mas rejeitada pela maioria dos participantes do simp6sio sobre sua reforma legislativa, realizado em Porto Alegre na dCcada de 1970, que, contudo, aprovou a exighcia de inte- gralizaqgo minima de 10% do capital social.

TambCm niio vingou a idCia no novo C6digo Civil nem no Ante- projeto Jorge Lobo. Nesse liltimo hi, pel0 menos, disposiqgo impondo o pagamento minimo inicial de lo%, quando houver subscriqgo em dinheiro (art. 2", inciso 11).

Embora partidkio da exiggncia de capital minimo para a constituiqgo das sociedades lirnitadas, reconheqo que o fato de ela niio existir sequer para as sociedades an6nimas inviabiliza qualquer tentativa isolada para sua a d o ~ i i o . ~ ~ ~

"' NO regime atual, o capital minimo s6 C pressuposto para a constituiqlo de sociedades que se dediquem a determinadas atividades reputadas essenciais, como as bancfirias, securitfirias etc. - Na Alemanha, onde surgiu, a sociedade limitada nlo podia ser constituida com capital inferior a 20.000 marcos, nem possuir quotas de valor inferior a 500 marcos. Em Franqa, alCm do capital minimo de 50.000 francos e um nlimero mfiximo de 50 s6cios, as quotas nlo podiam ter valor inferior a 100 fran- cos; com a introduqlo da sociedade limitada unipessoal, aboliu-se a exigEncia de

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76. A QUOTA SOCIAL

Costuma-se dizer que a quota representa a contribuiq20 que os sbcios fornecem para a formaqgo do capital social. 0 termo representaqzo, ai, pode dar margem aconfus6es conceituais. Na verdade, C bom esclarecer que quota n2o k contribuiqiio, mas sua contrapartida.

As contribuiq6e.s dos sbcios, quer em dinheiro, quer em bens, desta- cam-se do patrimdnio individual de cada um que as presta e se transfe- rem para a sociedade a titulo de propriedade, recebendo o s6ci0, em troca, uma parcela proportional do capital social, correspondente ao valor que aquela contribuiq20 que prestou, ou que prometeu prestar, i r i representar na composiqiio desse capital. A essa parcela do capital social di-se o nome de quota social.

Assim, ao destacar do seu patrimanio bens ou valores para a forma- q5o do capital social da sociedade, o sbcio n3o sofre nenhuma perda patrimonial: simplesmente troca aquela parcela do seu patrimanio indi- vidual por uma outra, que C a quota social - isto 6 , um novo bem que corresponde ?i sua contribuiqiio na formaqgo do valor do capital social.

Essa quota, de sua vez, individualiza-se como um bem imaterial ou incorp6re0, de existencia autanoma e de valor prbprio, que pode ser objeto de relaqSes juridicas. 0 sbcio, assim, subscreve quotas, adquire quotas, aliena quotas etc.

A quota social, portanto, tem a natureza de urn bem incorp6reo que enfeixa direitos pessoais e patrimoniais. 0 s direitos pessoais s2o os de deliberar, de fiscalizar a sociedade, de votar e ser votado, de retirar-se da sociedade e de, eventualmente, geri-la; os direitos patrimoniais sHo o de receber dividendos, quando determinados em balan~o e deliberada

quota minima (art. 38 da Lei das Sociedades Comerciais na reda~so que Ihe deu a Lei n. 596, de 1982). Em Portugal, o capital social minimo para a constitui~80 de uma limitada 6 de 400.000 escudos, n8o podendo cada quota ter valor inferior a 20.000 escudos (art. 219" do C6digo de Sociedades Comerciais).

sua distribuiqHo, e o de participar do acervo social em caso de disso- luqHo total ou parcia1 da sociedade ou de apuraq2o de seus haveres em decorrencia de falecimento, de exclusHo ou do exercicio do direito de retirada.287

Tratando-se de bem incorp6re0, seu regime juridic0 6 o das coisas m6veis (art. 48, inciso 11, do Cbdigo Civil de 1916; art. 83, inciso 111, do novo Cbdigo Civil), com a aplicaq2o das regras especiais exigidas pela'sua feiq2o imaterial. 0 proprietirio das quotas, assim, C seu titular, isto C aquele que detCm a titularidade dos direitos que Ihe s2o relativos ou legitimidade para o exercicio dos poderes inerentes ao dominio, com exclus2o de t e r c e i r o ~ . ~ ~ ~

Sendo assim, a quota pode ser objeto de transmissiio por ato inter vivos ou causa mortis. Essa transmiss20, todavia, normalmente exige o cumprimento de uma formalidade especial, que C a alteraqHo do contrato social. Por isso, depende da anuencia da maioria dos s6cios. Isso n2o pode ser ignorado quando se estabelece cliusula prevendo a possibili- dade de o sbcio ceder sua quota a outro sbcio, a terceiro ou a herdeiro ou sucessor em caso de falecimento.

Se houver proibi~Ho contratual h cessHo de quotas entre vivos ou nHo houver a anuencia da maioria, n2o se dari a alteraq20 contratual para efetivi-la, a nHo ser, nesse tiltimo caso, que haja previsgo de supri- mento da concordlncia dos sbcios majorit8rios, seja corn a outorga de procuraqHo para o ato, em carker irretrativel e irrevogivel, seja judicialmente.

A transmiss20 automitica das quotas para os herdeiros do autor da heranqa, por motivo de seu falecimento, tem sido objeto de sCrias diver-

287 Sobre as discuss6es a respeito da natureza juridica da quota, RUBENS REQUIAO, Curso de Direito Comercial. 24" ed., SSo Paulo: Editora Saraiva, 2000. vol I , n. 263, pp. 4211422; JOSE WALDECY LUCENA, Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1997. pp. 2381239.

288 Sobre a propriedade dos bens imateriais, ver, do autor, Manual de Direito Comercial. 2" ed., Curitiba: Editora Jurui, 2000. n. 70, p. 154.

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gencias do~ t r in6r i a s .~~~ No meu mod0 de ver, deve-se entender que, pelo fato da morte, d5-se, ipso facto, a transmiss20 dos direitos patrimoniais da quota aos herdeiros (art. 1.572 do C6digo Civil de 1916); j i os direi- tos pessoais siio insuscetiveis de transmiss20 hereditiria, necessitando, por isso, da anuencia dos demais s6cios para que os herdeiros ou suces- sores do s6cio falecido ingressem na sociedade, salvo se j i existir norma contratual assegurando-lhes tal admiss20.

De todo modo, se h i uma transfersncia de quotas a qualquer titulo, mas os demais s6cios, em maioria de capital, n2o a aceitam, deve-se considerar que tal recusa s6 afeta a transmiss20 dos direitos pessoais; os direitos patrimoniais dessas quotas siio transferidos independentemente de qualquer assentimento. Assim, os adquirentes ou herdeiros, embora niio podendo ingressar na sociedade e exercer os direitos inerentes ao status socii, seriio titulares dos direitos patrimoniais que lhes foram passados e podem pleitear a apuras2o e o recebimento dos respecti- vos haveres.

0 contrato social pode estabelecer condicionantes para a cess2o de quotas, como a preferencia dos demais s6cios, a proibis20 de ingresso de estranhos, a inegociabilidade das quotas enquanto n2o integralizadas e assirn por diante.

0 novo C6digo Civil permite que o contrato social regule o assunto amplamente, mas, sendo ele omisso, dispde que o s6cio pode alienar suas quotas, total ou parcialmente, a quem seja s6ci0, independentemente da anuCncia dos demais; para estranhos essa transmissiio s6 sera possivel

289 Sustentarn a transmiss50 automitica das quotas do sdcio falecido a seus herdei- ros, por exemplo, JOAO EUNAPIO BORGES, (Curso de Direito Cornercial Terres- tre. 2" ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1964. n. 328, p. 3 17) e CARLOS FCTLG~?NCIO DA CUNHA PEIXOTO (Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada. 2" ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1958. vol. I, n. 250, p. 214). Sustentam a impossibi- lidade de transmiss50 automitica das quotas HAMILTON DE MORAES E BAR- ROS (ComenMrios ao C6digo de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1980. vol. IX, p. 237) e EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, este admitindo-a, porEm, na existencia de cl5usula contratual expressa (Das Sociedades por Quotas de Respon- sabilidade Limitada. S5o Paulo: Max Limonad, 1956. N. 114, p. 255). Ver, a respeito, a decisgo tomada pela 3" Cimara Civel do Tribunal de Justiqa do Paran5 no julga- mento da AC 0028549000, Rel. SERGIO RODRIGUES, de 13.03.2001, ac6rd50 n. 1928 1.

se n2o houver oposiq2o de titulares de mais de um quarto do capital social (art. 1.057). Essa liltima regra foi aproveitada pel0 Anteprojeto das Limi- tadas (art. 30), mas niio revela nenhum sentido pr5tico. De fato, se o contrato social pode regular o assunto, ela 6 inbcua, eis que, para niio observi-la, basta que a maioria absoluta (metade mais um, que C menos do que trCs quartos) insira no contrato social omisso a possibilidade de ingresso de um estranho na sociedade com o qu6rum que lhe aprouver.

Tambtm pode a quota, como bem m6ve1, ser objeto de penhor para garantir divida do s6cio ou de terceiro. A garantia real, nesse caso, deno- mina-se caul50 de quotas, que se materializa mediante ajuste escrito elaborado de conformidade com as regras dos arts. 789 e seguintes do C6digo Civil de 1916, combinados com os arts. 39 e 40 da Lei do Anor~imato.~~~ Segue-se a averbag20 desse instrumento ?i margem do contrato social na Junta Comercial, para ser oponivel a terceiros (n20 participan- tes do neg6cio de garantia, s6cios ou n 2 0 ) . ~ ~ ~

As limitag6es ?i cessiio de quotas, constantes do contrato social, n2o impedem a formaliza~2o dessa garantia, pois, ai, tambCm, ela s6 abrange os direitos patrimoniais da quota, n2o os pessoais que siio os tinicos passiveis de restrigiio por terceiros.

A proibigiio expressa da outorga de quotas em garantia, portm, impede o arquivamento do respectivo instrumento 2i margem do contrato social.

80. PENHORA DE QUOTA

No que se refere A penhora de quota, deve-se considerar superada a corrente que sustentava sua impossibilidade. Tal orientaqgo partia do

290 0 penhor de direitos esti regulado nos arts. 1.451 e seguintes do novo Cddi- go Civil. A respeito do penhor de direitos, ver, do autor, Aval - Alcance da Respon- sabilidade do Avalista. 2" ed., S5o Paulo: RT, 1993. n. 7, p. 26.

291 Art. 32,II, letra e, da Lei n. 8.934, de 1994; arts. 1.432 e 1.452 do novo C6di- go Civil.

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pressuposto de que, sendo a sociedade por quotas de responsabilidade limitada uma sociedade de pessoas, a penhora da quota de s k i 0 poderia permitir o ingress0 de estranhos no quadro social. Assim, se o contrato social niio previa a livre cessibilidade de quotas a estranhos e necessitava da anusncia da maioria para sua alteraqiio, niio poderia ser admitida a penhora de quotas.

Ocorre que a penhora s6 recai sobre os direitos patrimoniais da quota e, portanto, se tais quotas forem a leiliio, quem as adjudicar niio estard adquirindo o direito de ser s6ci0, mas, tiio somente, o direito de receber os valores em dinheiro que elas outorgam a seu titular, o que C alcanqado pela reduqiio a dinheiro do que a quota representa em termos patrimoniais - ou seja, pela sua liquidaqiio, mais precisamente, pela conversiio da quota em dinheiro mediante a apuraqiio dos haveres que representa.

E possivel, portanto, a penhora de quotas sociais, independentemente da existencia ou niio de qualquer disposiqiio estatutkia restritiva.

0 novo Codigo Civil, nessa materia, faculta ao credor do sdcio sem bens suficientes para garantir a execuqiio penhorar-lhe os lucros sociais ou o que lhe tocar em liquidaqiio (art. 1.026), enquanto o Anteprojeto Jorge Lobo perrnite a penhora de quotas se niio houver restriqb contratual. Ambas as soluq6es preconizadas s6 i f o tumultuar o que se estd pacifi- cando na jurisprudencia de nossos Tribunais, pois (i) a primeira delas condiciona a possibilidade de penhora 5 insuficisncia de bens do devedor e (ii) a segunda deixa ao alvedrio dos s6cios admitir ou niio que terceiro, credor de qualquer deles, tenha nas quotas sociais a garantia de recebi- mento de seu crkdito.

81. INDIVISIBILIDADE DE CADA QUOTA

A regra legal vigente determina que cada s6cio subscreva uma quota, "devendo ser havidas como quotas distintas a quota primitiva de um s6- cio e as que posteriormente adquirir" (art. 5", do Decreto n. 3.708, de 1919). Assim, numa sociedade de dois sbcios, um obrigando-se a contri- buir com 20 dinheiros e o outro com o restante num capital social de 100, o primeiro terd sua quota de 20 e o outro de 80. Se houver aumen- to de capital social para 1 10 e subscriqiio proporcional, o primeiro s6cio

terd, alkm de sua quota de 20, outra de 2, e o titular da quota de 80, outra de 8.

Essa regra, no entanto, nZo tem sido observada na pratica e, 5 falta de sanqiio, a maioria dos contratos sociais niio a respeita sob o benepldcito da doutrina e das Juntas Comerciais que admitem o respectivo arquiva- mento com quotas de valores iguais, representando fraq6es do capital

Atento a essa realidade, o novo C6digo Civil facultou a criaqiio de sociedade limitada com quotas de valores iguais ou desiguais, sem lhes impor qualquer distinqiio, cabendo uma ou diversas a cada sh io , consoan- te o determinar o contrato social (art. 1.055). Previu, todavia, a indivisibili- dade da quota em relaqgo ?i sociedade, mas admitiu, incompreensivel- mente, sua diviszo em caso de transferencia, permitindo sua cessiio total ou parcial a s6cio ou a estranho (arts. 1.056 e 1.057). Jd o Anteprojeto sup6e ser a quota, 5 semelhanqa da agio, a unidade em que se divide o capital social - o que implica concluir que todas teriio valor igual, expres- so ou niio, posto ter sido tambCm facultada a adoqiio de quotas sem valor nominal (art. 26 e seg.).

82. COMPROPRIEDADE DE QUOTA

Coerente com a norma que estabeleceu a indivisibilidade das quotas, a lei vigente previu-lhes a compropriedade e disp8s sobre seu tratarnento. 0 estado de comunhiio, de qualquer forma, nem sempre desaparece com a pratica de se dar valor nominal igual a todas as quotas, pois pode persis- tir quando houver (i) compropriedade dessa unidade, (ii) ntimero de quotas insuscetivel de divisiio ou (iii) ajuste de serem mantidas em comum as quotas havidas sob regime de compropriedade.

Basta imaginar a existencia de herdeiros ou sucessores de um s6cio que possuia uma dnica quota social de R$ 1,00 (hum real), por exemplo, num capital social com quotas de igual valor, ou que possuia um ndmero

292 Sobre o assunto, JOSE WALDECY LUCENA, Das ~ociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada. 2" ed., Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1997. pp. 239 a 248.

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TambCm podem ser s6cias da sociedade limitada pessoas juridicas, o que, aliis, C expressamente admitido pela Lei do Anonimato relativa- mente i s sociedades por a~ties (art. 2", 3 3"). A particularidade esti em que, nas limitadas, a pessoa juridica pode ser designada como gerente, devendo, nesse caso, ser identificada a pessoa fisica que, por ela, i r i praticar os atos de gestiio.

Niio hhb, por igual, restri~iio i sociedade limitada entre c8njuges, desde que niio venha a ser utilizada para alterar o regime de bens do casamento. A discuss50 acerca da validade da sociedade entre marido e mulher estd hoje totalmente ~ u p e r a d a . ~ ~

0 Anteprojeto Jorge Lobo admite-a expressamente, qualquer que seja o regime de bens do ca~amento~~' , o que j i niio ocorre com o novo C6digo Civil que, nessa parte, faz uma distin~iio descabida: faculta "aos c8njuges contratar sociedade, entre si ou corn terceiros, desde que niio tenham casado no regime de comunhiio universal de bens ou no da sepa- ra~iio obrigatbria" (art. 977). Trata-se de inova~iio injustificivel e retr6- grada, principalmente tendo-se em conta a realidade atual, em que h i indmeras sociedades limitadas em desacordo com ela. E precis0 lembrar que, se a sociedade for constituida para contornar o regime de bens do casamento, di-se sua ineficicia, pouco importa qual seja esse regime. Por outro lado, a natureza do regime de bens nunca foi empecilho para o exercicio da atividade mercantil em sociedade. Se a pessoa juridica da sociedade C utilizada para burli-lo, o caso C desconsideri-la (de repu- ti-la ineficaz) quando para isso for utilizada, como j i visto em oportuni- dade anterior.298

Na sociedade por quotas de responsabilidade limitada niio pode haver s6cio prestador de serviqo (art. 4" do Decreto n. 3.708, de 1919),

29%obre o assunto, ver Parecer de LUIZ FELIZARDO BARROSO, Sociedades Mercantis entre CBnjuges. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econ6mico e Financeiro, Nova SBrie. SHo Paulo: RT, 1981. vol. 41, p. 145 e seguintes.

297 0 art. 6" do referido Anteprojeto dispBe: "A sociedade de responsabilidade limitada seri formada por pessoas fisicas ou juridicas, facultando-se a sociedade entre c6njuges qualquer que seja o regime de bens."

298 Capitulo 11, n. 1 1.

como ocorre na chamada sociedade de capital e indbstria. TambCm o novo C6digo Civil C explicit0 em proibir, na sociedade limitada, s6cio cuja contribui~50 consista em presta~iio de servi~os (art. 1.055, 3 201.~99

Niio se preocupou o legislador nacional com o numero de s6cios na sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Hhb 1egislaGBes que fixam um ndmero miximo, bem como as que permitem sua constitui~iio com um dnico s 6 ~ i o . ~ ~

Nossa lei niio estabelece limite miximo e, em sua concep~iio contra- tualista, pressuptie a presenGa de, no minimo, dois s6cios para a forma- $20 da sociedade, muito embora, ao longo de sua existencia, ela possa vir a ter, transit6ria ou permanentemente, um unico s6cio. Refiro-me (i) i orienta~iio doutriniria e jurisprudential que sustenta a possibilidade de continua@io da sociedade por um period0 razoivel com um dnico s6cio at6 ser preenchido o ndmero legal de dois em casos de falecimento, de retirada, de dissolu~iio parcial ou de exclus2o de s6ci0, e (ii) 2 previsiio contida no art. 8" de sua lei de regencia, que permite a aquisi~iio de quotas pela pr6pria sociedade. Nesse dltimo caso, tornando-se s6cia de si mesma, seu quadro social pode ter o ndmero minimo de dois s6cios formalmente preenchido por ela pr6pria e por mais um outro s6ci0, o qual, na pritica, passa a ser seu dnico s6cio.

0 recente C6digo Civil nada inova a respeito, mas o Anteprojeto Jorge Lobo introduz e regula a sociedade unipessoal como espCcie de

299 Nas sociedades de advogados, ao contririo do que ocorre nas limitadas, C de sua essEncia a prestaqgo de serviqos de advocacia pelos sbcios, gerentes ou nio, j i que elas sHo constituidas para facilitar-lhes o exercicio da advocacia em regime de colaboraqgo reciproca, com disciplinamento do expediente e da divisio dos resultados patrimoniais auferidos no atendimento da clientela. Sobre o assun- to, do autor, Sociedade de Advogados. Brasflia: Conselho Federal da OAB, 2000. n. 2, pp. 15/17.

3w Como esti, por exemplo, nos arts. 36 e 34 da Lei Francesa sobre Sociedades de 1966, com as alteraq6es da Lei n. 697, de 1985.

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sociedade limitada, denominada empresa individual de responsabili- dade li~nitada.~"~

86. OBRIGAC~ES DOS SOCIOS

0 s6cio tem como obrigaqiio essencial realizar o pagamento do valor da quota ou das quotas que subscreveu. Pagas as suas quotas, pode o s6cio responder, ainda e eventualmente (e ai niio hi, propriamente, um dCbito, mas uma obligatio sine debiturn), pel0 pagamento da diferenqa do valor impago das quotas dos demais s6cios, como seri visto adiante (n. 96). Em regra niio h i outras obrigaqbes para serem cumpridas pelos s6cios das limitadas, salvo se o contrato social as estatuir.

Niio cumprindo a obrigaqiio de integralizar sua quota de conformidade com os termos a que se obrigou, o s6cio pode ser excluido da socieda- de, sujeitando-se, alternativamente, ao cumprimento coativo da obriga- q20, que pode ser exigida judicialmente pela sociedade, com os acrCsci- mos legais ou contratuais estabelecidos, como juros de mora e multa (art. 7" do Decreto n. 3.708, de 19 19).302

0 novo C6digo Civil estabelece que, descumprida a obrigaqiio de integralizar a quota, o s6cio sujeita-se, perante a sociedade, ao pagamento do dano emergente da mora (art. 1.004), podendo a maioria optar por sua exclusiio ou pela reduqiio de tal quota ao valor efetivamente realizado (art. 1.004, parigrafo Gnico), com correspondente reduqiio do capital social (art. 1.031, 9 lo). Alternativamente, os outros s6cios podem tomar tal quota para si ou transferi-la para terceiros, com isso evitando a reduqiio do capital social; nesse caso, o s6cio inadimplente tambtm C excluido, assegurando-se-lhe o direito de receber de volta o que houver pago, dedu- zidos os juros de mora, encargos previstos no contrato e demais despe- sas que forem realizadas (art. 1.058). 0 Anteprojeto Jorge Lobo repro- duz, com melhor tCcnica, os critCrios do mencionado C6digo (art. 9').

30' Arts. 41 e seguintes. A respeito das sociedades unipessoais, CALIXTO SALOMAO FILHO, A Sociedade Unipessoal. SBo Paulo: Malheiros Editores, 1995. Edson ISFER, Sociedades Unipessoais e Empresas Individuais - Responsabilidade Limitada Curitiba: Editora Jurui, 1996.

302 Arts. 7O do Decreto n. 3.708, de 19 19, e 289 do C6digo Comercial.

E err8neo pensar que o s6cio deve atuar em busca dos fins sociais, prestando serviqos B sociedade. Na sociedade por quotas de responsa- bilidade limitada, como visto, niio h i s6cio prestador de serviqo, de tal sorte que a obrigaqiio do s6cio C realizar o valor de sua quota de partici- paqiio e, em solidariedade com os demais sbcios, garantir a integralizaqiio do capital social.

8 7 . 0 SOCIO COMO PRESTADOR DE CAPITAL, GERENTE E EMPREGADO

Cumpre, obviarnente, distinguir a situaqiio do s6ci0, (i) enquanto ski0 (mero prestador de recursos para o empreendimento comum), e como (ii) socio-gerente ou (iii) s6cio-empregado.

Se o s6ci0, alCm de s6ci0, receber poderes para administrar a socie- dade, passa a ter, tambCm, afora as obrigaqbes de pagamento, a de atuar em nome da sociedade, isto 6, de lhe prestar serviqos como s6cio-geren- te. Tal obrigaqiio consiste em agir, no exercicio de suas funqGes, com o cuidado e a diligencia que todo homem ativo e probo costuma empregar B frente de seus pr6prios negbcios, no jargiio da doutrina incorpo- rado ao texto da Lei n. 6.404, de 1976 (art. 153), e do novo C6digo Civil (art. 1.01 l), e aplicivel, em materia de administraqiio, a todas as espCcies societirias.

Pode ocorrer, igualmente, que o s6cio venha a prestar serviqos B socie- dade na qualidade de empregado. Nesse caso, ele niio atua por ser s6ci0, mas por possuir vinculo de emprego com a sociedade. Como o s6ci0, na sociedade limitada, niio tem qualquer obrigaqiio laboral com a sociedade, a qualidade de s6cio C absolutamente desinfluente para a determinaqiio do vinculo empregaticio. Se C s6ci0, niio C administrador, mas trabalha para a sociedade, s6 pode fazblo na condiqiio de empregado.

88. DIREITOS DOS SOCIOS

A lei em vigor niio estabelece nenhum rol dos direitos dos s6cios nem determina quais aqueles que siio essenciais, isto C, que niio podem ser alterados por deliberaqiio da maioria ou sem seu consentimento. Nessa

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92. DIREITO DE RETIRADA

Tem o s6ci0, ainda, o direito de retirada da sociedade, sempre que niio assentir com qualquer alteraqiio contratual (art. 15 da respectiva lei), n5o precisando explicar o motivo da discordancia, que se caracteriza pela simples ausencia de assinatura do s6cio naquela determinada alteraqiio do contrato social.

Esse C outro direito essencial, de que n5o pode ser privado o s6ci0, cujo exercicio, porCm, estd condicionado B ocorrencia de uma diver- gencia com qualquer altera~50 do contrato social.

Convive com ele o direito que tem o s6cio de, a qualquer tempo, nas sociedades com prazo indeterminado de duraqiio, romper os vinculos societdrios em rela~iio a si, por vontade unilateral e desmotivada (art. 335, n. 5, do C6digo Comercial), caso em que tal ruptura toma o nome de dissolu~iio, podendo a sociedade prosseguir entre os demais s6cios (dissolu$io parcial). 0 tema, pelas peculiaridades que o envolvem, serd abordado mais adiante, no Capitulo Xm.

Embora nada dispondo a lei a respeito, entendo que tem o s6cio o direito de manter o percentual de sua participaqiio no capital social, o que implica reconhecer-lhe a prefercncia na subscriqiio de novas quotas em virtude de aumento desse capital.

0 tema niio C pacific0 e, por isso, C de todo conveniente que tal direi- to venha regulado no contrato social, inclusive com a previsiio do mod0 e do prazo para seu exercicio. Esse prazo C contemplado expressamente no novo Ccidigo Civil (art. 1.08 1, 5 lo) e o direito de preferencia C classificado como essencial pel0 Anteprojeto Jorge Lobo (art. 19).

Pode o contrato social regular o mod0 de exercicio do direito de preferencia, bem como estende-lo A hip6tese de alienaqiio de quotas por um s6cio para que os demais possam adquiri-las na proporqiio da parti- cipa~5o de cada qua1 no capital social. Esse direito de preferencia na aquisiq5o de quotas jd existentes e pertencentes a outro s6ci0, no entanto,

jd n5o C essencial; nada dispondo o contrato social a respeito, ao s6cio C permitido alienar suas quotas a terceiro (niio sbcio), com o consentimento da maioria, ainda que skios, em minoria, queiram adquiri-1%.

94. DIREITO DE VOTO

Nada dispondo a lei sobre o voto nas sociedades limitadas, C preciso registrar que ele estd implicit0 nas regras dos arts. 15 e 16 do Decreto n. 3.708, de 19 19, que preveem a possibilidade de a maioria promover alteraqbes no contrato social e tomar deliberaqbes. Ora, isso s6 ocorre pela manifestas50 da vontade de s6cios em maioria de capital - o que significa somar vontades para a determinaqiio da vontade social. Nisso consiste o direito de voto: dar consentimento, opinar, escolher entre alternativas etc.

Hd contratos sociais que nada preveem a respeito. As delibera- qbes tomadas, nesse caso, s6 se identificam e se materializam em altera~bes contratuais. As delibera~des informais passam ao largo dos olhos da rninoria.

Noutras sociedades h i clhsulas regulando minudentemente o direito de voto e o mod0 de exercBlo, muitas vezes em reunibes convocadas B semelhanqa, ou niio, das assembliias gerais das sociedades por a~bes . Hd plena liberdade de os s6cios disporem a respeito do exercicio desse direito, sem, contudo, poderem exclui-lo.

Pelas disposiq6es dos arts. 15 e 16 da Lei das Limitadas, o direito de voto C essencial e, por isso, dele niio pode ser privado nenhum s6ci0, ainda que possuidor de parcela minima do capital social. Isso conduz B conclusiio de que o s6cio tem o direito de manifestar sua vontade nas alteraqdes contratuais, ainda que seja para delas divergir e niio as assinar. Altera~bes feitas 5s escondidas, portanto, niio devem ser admitidas.

95. OUTROS DIREITOS

Afora os direitos acima nominados, outros podem ser estabelecidos no contrato social, como o de s6cios, representando uma determinada parcela de capital, indicarem um administrador, o de conceder aos s6cios

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o direito ii percepG50 de dividendos minimos, fixos ou cumulativos em cada exercicio social, o de participar de uma parcela minima do lucro auferido pela sociedade (metade, por exemplo) e assim por diante.

Embora tais direitos n5o sejam essenciais, posto nZo estarem estabe- lecidos em lei, C precis0 enfatizar que todo direito conferido ao s6ci0, para ser por ele exercido individualmente, niio pode ser suprimido ou alterado, a n5o ser com seu consentimento expresso.

96. A RESPONSABILIDADE DECORRENTE DO ESTADO DE SOCIO

0 art. 2" do Decreto n. 3.708, de 191 9, foi extremamente sintCtico ao estatuir que, na sociedade por quotas de responsabilidade limitada deve- se "estipular ser limitada a responsabilidade dos sdcios 2 import&- cia total do capital social."

A regra, vista isoladamente, sugere virias interpretaqbes. Segundo seu enunciado, pode-se entender que os sbcios, alCm da responsabilidade pel0 pagamento das contribui~bes que se obrigaram a fornecer para a forma$io do capital social (i. C, do valor de suas quotas), siio responsi- veis em conjunto pel0 pagamento das dividas sociais que excederem o patrim6nio da sociedade at6 o valor da cifra que representa esse capital. Vingando esse entendimento, numa sociedade em que seus s6cios obri- garam-se a contribuir com uma quota de 20 dinheiros cada qual para um capital de 100, estariam eles obrigados, solidariamente, ao pagamento de mais 100, para saldar as dividas sociais que n5o pudessem ser cobertas com o patrim6nio social. Tal raciocinio, no entanto, levaria os s6cios a responder pelo dobro do capital social, pois pagariam individualmente suas parcelas de contribui~iio e ficariam responsiveis, ainda, pelo paga- mento in solidum de mais um valor, correspondente ao total das contri- bui~bes que se obrigaram a realizar.

E verdade que essa interpreta~iio n5o prevaleceu. Firmou-se a orien- ta@o de que o art. 2" da Lei das Limitadas devia ser conjugado com seu art. 9", segundo o qual, "em caso de falzncia, todos os sdcios respon- dem solidariamente pela parte que faltar para preencher o pagamen- to das quotas ndo inteiramente liberadas".

Assim, cada s6cio C obrigado pelo pagamento de sua quota. N5o reali- zando tal pagamento, sujeita-se eIe ?i cobran~a coativa do respectivo valor ou ?i sua exclusiio do quadro social. No entanto, se a sociedade falir (tornar-se insolvente por seu patrim8nio niio se revelar suficiente para saldar as dividas sociais), os s6cios (niio s6 o inadimplente, mas todos os s6cios) ficam obrigados solidariamente ao pagamento das quotas que niio foram integralizadas, pertenGam elas a quem pertencerem. Assim, na sociedade acima exemplificada, se quatro s6cios pagaram suas quotas, mas o quinto pagou 10 dos 20 que prometera realizar, todos os cinco estariio obrigados, em cariter solidirio, ao pagamento dos 10 impagos por aquele s6cio.

Na linha desse entendimento, sustento que o que as normas sob anilise visam C garantir o chamado principio da efetividade do capital social, de tal sorte que o capital indicado no estatuto represente, realmente, o valor em dinheiro que resulta da somat6ria das contribui~bes que os s6cios conferiram ou prometeram conferir para sua forma~iio, quando da consti- tuiG5o da sociedade, ou de sua complementa~iio, em caso de aumento. Sob essa perspectiva, tais dispositivos estabelecem a responsabilidade dos sdcios pelo efetivo ingress0 de valores em dinheiro ou em bens no montante da cifra designativa do capital social indicado no contrato social. Sendo assim, se os s6cios deixam de contribuir com todos os recursos necessirios para atingir o valor do capital social, respondem solidaria- mente pela diferen~a faltante. Havendo quotas subscritas em bens superavaliados, respondem os s6cios solidariamente pela plus vnlia a esses bens atribuida, ainda que tal subscri~iio tenha sido feita por apenas um deles. E mais ou menos o que defende FRAN MARTINS, ao susten- tar que a responsabilidade dos sbcios, a teor das disposi~bes dos arts. 2" e 9" do Decreto n. 3.708, de 1919,C pela manuten~go do capital social estampado no estatuto ou contrato social da sociedade por quotas de responsabilidade l i ~ n i t a d a . ~ ~ ~

Tendo sido integralizado o capital social e n80 existindo bens supera- valiados para sua forma~iio, os s6cios nada mais devem ?i sociedade nem

'O' Curso de Direito Cornercial, 27" ed., Revista e Atualizada por Jorge LOBO, Rio de Janeiro: Editora Forense, 200 1 , p. 206, n. 23 1.

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nada deles pode ser exigido por terceiros, tenha o crCdito a natureza e a origem que tiver (ai incluidos os trabalhistas, previdencikios e f i s ~ a i s ) . ~ ~ ~

0 novo C6digo Civil estabelece que a responsabilidade de cada s6cio C restrita ao valor de sua respectiva quota, respondendo todos, porCm, em cariter solidirio, pela integralizaqiio do capital social (art. 1.052) e, pel0 prazo de cinco anos, pela exata estimativa do valor dos bens confe- ridos para a determinaqiio desse capital (art. 1.055,§ 1"). 0 Anteprojeto Jorge Lobo segue essa orientaqzo, exigindo, porCm, avaliaqiio dos bens e estendendo a responsabilidade pelaplus vnlia que lhes seja dada, niio s6 aos demais s6cios, mas tambCm aos administradores niio s6cios, pel0 prazo de tres anos (art. 25).

Nada dispde a lei atual sobre a responsabilidade do s6cio alienan- te das quotas ainda impagas. Como a alienaqiio de quotas decorre de alteraqiio contratual, de sua vez procedida pela maioria dos sbcios, niio havendo avenqa expressa em contririo, o s6cio que pretender alienar suas quotas sociais fica dispensado de integralizi-las, transferindo-se tal obrigaqiio para o adquirente. A concordgncia dos s6cios com a transfe- rCncia das quotas do alienante para o adquirente, sem objeqdes ou ressalvas, leva a essa conclus20, j i que todos siio solidirios pel0 paga- mento da parte que faltar para a integralizaqiio do capital social.

Assim, niio sendo satisfeita a obrigaqiio de pagamento da totalidade do valor das quotas adquiridas, o adquirente e os demais s6cios siio soli- dariarnente responsiveis pela diferenqa que faltar para essa integralizaqiio. Essa C a conclusiio a que se chega, tambCm, B luz das normas do novo C6digo Civil. Diversamente, o Anteprojeto Jorge Lobo prevC a respon- sabilidade solidiria do alienante pelo pagamento das quotas e pela integralizaqiio do capital social (art. 7" e parigrafo Cnico), exigindo, ainda, garantia id8nea para o cumprimento dessa obrigaqiio (art. 25,s 3").

97. OUTRAS FONTES DE RESPONSABILIDADE DOS SOCIOS

AlCm dessa responsabilidade, que decorre do modelo societirio, os s6cios podem assumir outras, especificas, em virtude:

306Sobre o assunto, ver Capitulo XII, n. 105, infra.

a) de deliberaqdes que vierem a tomar; b) de valores indevidamente recebidos; ou C) de atos que praticarem como administradores da sociedade por

quotas de responsabilidade limitada.

De fato, o art. 16 do Decreto n. 3.708, de 1919, estabelece que os s6cios assumem responsabilidade ilimitada pelas conseqiiencias das deli- beraqdes que tomarem contra os preceitos contratuais ou legais. Trata- se, na verdade, de responsabilidade que decorre do dever generic0 de indenizar, previsto na lei civil (art. 159 do C6digo Civil de 1916 e art. 186 do novo C6digo).

A responsabilidade, nesse caso, niio C de todos os sbcios, mas unica- mente daqueles que tiverem participado da deliberaqiio e aprovado o ato ilegal. 0 s s6cios que dela niio participaram ou que dela dissentiram niio assumem qualquer responsabilidade.

H i de se entender, por outro lado, que a responsabilidade C solidiria de todos os s6cios que contribuiram para a decisiio tomada, a qual, de sua vez, vincula a sociedade. Esta, todavia, contra eles pode voltar-se para haver o prejuizo que Ihe foi causado.

Tal deliberaqiio pode (i) ter efeitos apenas interna corporis, isto 6, atingir relaqdes juridicas societirias (corno a do s6cio que tem recusado seu direito de haver os dividendos j i pagos aos demais sbcios), como pode (ii) produzir efeitos externos, ou seja, atingir terceiros, alheios aos vinculos sociais (corno um fornecedor de produtos para a sociedade). Cabe ao prejudicado agir contra a sociedade, pois a deliberaqiio tomada C a manifestaqiio da vontade social (somat6ria da vontade individual de cada s6cio); cabe-lhe, igualmente, voltar-se contra os s6cios que atuaram individualmente na formaqiio dessa vontade, niio havendo ai responsa- bilidade subsidiiria, mas solidiria, par forqa da supramencionada regra legal.

0 novo C6digo Civil, em seu art. 1 .O8O, impde a responsabilidade ilimitada dos s6cios que expressamente aprovarem (e, portanto, entre eles solidiria) as deliberaqdes infringentes do contrato ou da lei. Por delibe- raqdes que infrinjam o contrato devem-se entender, apenas, aquelas tomadas (i) com qu6rum inferior a um eventual qualificado previsto ou (ii)

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ofensivas a direitos individuais de s6cios, pois a maioria, nas demais situasties, podendo alterar o contrato social, n2o tem como infringi-lo. Alheio a essa particularidade, o Anteprojeto Jorge Lobo repete, nesta parte (arts. 12 e 34), as normas hoje em vigor, acima comentadas.

Respondem os sbcios, por igual, individualmente, pelos valores que cada qua1 tenha indevidamente recebido da sociedade a qualquer titulo, como dividendos (quando n2o ha lucros) ou como parte do acervo social (quando pagos com desfalque do patrim8nio que devia responder por crCditos anteriores, nos casos de retirada, de falecimento ou de dissolu- $20 parcial ou total). Referidos valores devem ser devolvidos i socieda- de; no caso de dividendos, at6 a ocorrencia da prescris20 normal e, no de rompimento dos vinculos, at6 dois anos da data do fato (art. 5 1 e paragrafo cinico, do Decreto-lei n. 7.661, de 1945).

J i os s6cios-gerentes podem ser responsabilizados pessoalmente, em carater solid5rio e ilimitado, para com a sociedade e para com terceiros pelos efeitos que advierem dos atos que praticarem com excess0 de mandato ou com violas20 da lei ou do contrato social (art. 10 do Decreto n. 3.708, de 1919). A mesma regra esti no Anteprojeto Jorge Lobo (art. 38), sendo que o novo C6digo Civil atribui-lhes responsabilidade solidaria "perante a sociedade e os terceiros prejudicados por culpa ou dolo no exercicio de suas funsties" (art. 1.0 16).

0 s s6cios-gerentes, em regra, n2o se vinculam aos atos que praticam em nome da sociedade, mas podem vir a responder por eles, se extrapo- larem os poderes normais de gest2o. Esse assunto esta mais amplamente desenvolvido no pr6ximo Capitulo (ns. 103 a 106 infra).

ADMINISTRACAO, CONTAS - E

A regra em vigor em materia de administras20 da sociedade por quotas de responsabilidade limitada C a de que s6 s6cio pode geri-la (art. 10 do Decreto n. 3.708, de 1919), muito embora uma prkica liberal de algumas Juntas Comerciais venha permitindo o arquivamento de contratos ou alterasties sociais com terceiros sendo designados para tal funsZo. Trata-se, evidentemente, de uma ilegalidade que pode ser comgida judicialmente, se necessario. A tinica sociedade comercial que permite a administrasgo por n2o s6ci0, no sistema juridic0 brasileiro vigente, C a companhia ou sociedade an8nima.

A tendencia, porCm, C franquear a gerencia das sociedades limitadas a n2o s6cios para possibilitar que seja exercida por administradores profissionais, at6 porque, como j i observara NELSON ABMo, "o atual diploma legal brasileiro esta' em conflito com a orienta@o vigente no direito comparado acerca do exerci'cio da ger2ncia por ndo-sdcios (v. lei francesa, art. 49, e argentina, art. 157)."307 Nesse rumo orientaram- se o Anteprojeto Jorge Lobo (35, $ lo) e o novo C6digo Civil - este absurdamente exigindo, para a designas20 de administrador estranho ao quadro social, deliberas20 de quotistas (i) que representem 213 do capi- tal social se este capital j i estiver integralizado ou (ii) deliberag20 uniini- me, se ainda n2o o estiver (arts. 1.060 e 1.061).

-

'07 Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada. 4" ed., SHo Paulo: Editora Saraiva, 1989. n. 55, p. 103.

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Embora possam ser s6cios, os incapazes, os falidos e as demais pessoas que tenham sofrido condenaqiio penal por infraqiio que acarrete algum impediment0 ao exercicio de atividade econ6mica estiio impedidos de gerenciar a sociedade por quotas de responsabilidade limitada.'08

Pode ser ela gerida, porem, por pessoa juridica que seja sua s6cia7 devendo, nesse caso, ser designada a pessoa natural que iri em seu nome exercer de fato a administraqiio.

A sociedade limitada pode ser administrada por urn ou mais s6cios- gerentes, conforme estipular o contrato social. Se nele nada ficar disposto, qualquer s6cio pode geri-la (art. 13 da Lei das Limitadas), mas, na priti- ca, as Juntas Comerciais niio podem arquivar atos constitutivos ou altera- ~ b e s que niio identificarem os administradores (art. 37, inciso V, da Lei n. 8.934, de 1994, e arts. 34, inciso V, e 53, inciso I1 e 111, letra d, do Decreto n. 1.800, de 1996) - o que significa que a regra s6 teri aplica- $20 se houver descuido na triagem.

Havendo pluralidade de s6cios-gerentes sem especificaqiio dos pode- res de gestiio de cada qual, deve-se entender que todos podem agir indi- vidual e isoladamente em nome da sociedade, mesmo os s6cios que tenham ingressado posteriormente na sociedade. Nesse ponto, o novo C6digo Civil cont6m disposi@o diversa, estabelecendo e, com isso, escla- recendo acertadamente que "a administraqiio atribuida no contrato social a todos os s6cios niio se estende de pleno direito aos que posteriormente adquirem tal qualidade" (art. 1.060, parigrafo 6nico).

E conveniente, por isso, que o contrato social decline o nome de todos eles, preveja as atribuiqBes de cada qual, os poderes que lhes siio conferidos e, se for o caso, os atos que devam ser praticados em conjun- to. Havendo cliusulas distribuindo atribuiqks e discriminando os pode- res de gestiio, os s6cios-gerentes siio obrigados a respeiti-las, sob pena de responderem pessoalmente pelas conseqiiencias dos excessos que praticarem (art. 10 do Decreto n. 3.708, de 1919).

Hi extrema flexibilidade para a estruturaqiio da administraqiio ssociet6ria da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, desde a previsiio

Ver a respeito o n. 26 do Capitulo IV.

de ser exercida por um dnico s6cio-gerente at6 a atuaqiio coletiva, com a criaqiio de 6rgiios de deliberaqiio colegiada, para, v. g., definir estrategias de mercado, politicas de balanqo etc, em reuniks de Diretoria (dos sbcios- gerentes) ou de um Conselho de Administraqiio, 2i semelhanqa daquele previsto na Lei das Sociedades por Aqaes.

0 importante C que esses 6rgiios sejam sempre integrados por sbcios, n5o sendo possivel a presenqa de estranhos ao quadro social, a niio ser que se trate do representante designado pela pessoa juridica s6cia, para por ela desempenhar as funqbes de gerente.

99. INVESTIDURA E -RMINO DE GESTAO

A investidura nas funqbes de administrador da sociedade di-se com o arquivamento do contrato social ou da alteraqiio contratual que designi- 10s. PrevE o novo C6digo Civil, desnecessariamente, a formalidade de lavratura de termo de posse em livro pr6prio (livro de atas da administraqiio), se o administrador for designado por ato separado (art. 1.062), quando simples arquivamento desse ato no registro pr6prio seria suficiente.

0 period0 de gestiio deve ser deteminado pel0 contrato social. Niio h i crit6rio legal a ser seguido na materia, diversamente do que ocorre com as sociedades por aqiks, em que o prazo de gestiio h i de ser pel0 miximo de trEs anos, admitida a reconduqiio (arts. 140, inciso III, e 143, inciso 111, da Lei n. 6.404, de 1976). Se niio houver prazo fixado, o s6cio-gerente fica investido nas fun~Bes por prazo indeterminado.

Sendo fixado um termo para a gestiio, com seu advent0 deve a socie- dade escolher novos adrninistradores ou renovar-lhes o mandato. Enquanto isso niio ocorrer, entendo que devem permanecer os antigos gestores no exercicio de suas funqaes at6 a investidura dos novos eleitos. Essa conclu- siio decorre do fato de n5o ser possivel uma sociedade viver na acefalia. Sob a dingmica empresarial niio hB como justificar um hiato entre a ges- t5o antiga e a nova. Assim, se o contrato social nada dispuser a respeito, aplica-se, por analogia, a regra do art. 150, $4O, da Lei do Anonimato.

0 sdcio-gerente exerce funqiio de confian~a. Por isso C demissivel a qualquer tempo, pel0 simples querer de s6cios que representem a maioria do capital social, salvo havendo, no contrato social, cliusula estabe-

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lecendo qudrum qualificado para tal deliberaqiio. A polemica que havia em torno da possibilidade ou niio de destituiqiio dos sdcios-gerentes investidos por cliiusula contratual, ficou superada e hoje hii orientaqiio expressa no sentido de as Juntas Comerciais arquivarem as altera~bes do contrato social, tomadas por delibera~iio majorithria, envolvendo a desti- tui~iio de gerencia (art. 54 do Decreto n. 1.800, de 1996).

Estranharnente, o novo Cddigo Civil retoma a distin~iio para exigir, salvo cliiusula em contrhrio, a aprova~iio de titulares de quotas corres- pondentes a 213 do capital social para a destitui~iio do administrador nomeado no contrato, ou maioria simples, se escolhido por ato separado (art. 1.063 e $$).

Por outro lado, a renuncia do administrador C ato unilateral de vontade e, por isso, niio pode depender de alteraqiio contratual. Deve ser rnanifestada por escrito pelo interessado e arquivada no Registro das Empresas Mercantis onde se encontram os atos constitutivos da socie- dade para, a partir dai, produzir validamente efeitos em rela~iio aos dernais sdcios e a terceiros. Foi a orienta~iio que o legislador fixou ao editar a Lei das S. A. (art. 15 1) e C assim que a mattria esth regulada no novo Cddigo Civil (art. 1.063, $ 3").

Autoriza a lei que os sdcios-gerentes deleguem o uso da firma ou denomina~iio social a terceiro, sempre que n2o houver proibi~iio no contrato social. Ou seja, se niio houver cliiusula estabelecendo veda~iio B delega~iio dos poderes de gercncia, ela serh amplamente permitida.

A norma, como redigida (art. 13 do Decreto n. 3.708, de 19 19), parece facultar a delega~iio de gerencia mesmo na existcncia de restri~iio contra- tual, eis que atribui ao sdcio-gerente, que desrespeith-la, responsabi- lidade pessoal relativamente As obrigaq6es contraidas pel0 substituto. Niio me parece ser essa a interpreta~iio correta da regra.309 A atuaqiio do

'09 As criticas a essa disposi~go legal podem ser vistas em EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, Das Sociedades por Quotas. Sgo Paulo: Max Limonad, 1956. n. 64, pp. 1341135.

gestor deve respeitar as disposi~6es contratuais. Ao infringir as cliiusulas contratuais, o sdcio-gerente assume responsabilidade pessoal por qualquer ato que dai decorrer (art. 10 do mesmo Decreto). Portanto, prevalece a veda~iio e obra com descumprimento do contrato o adminis- trador que delegar poderes a terceiro, se houver clhusula proibitiva.

0 que merece aten~iio C o fato de, numa interpreta~iio literal do preceito sob aniilise, vingar o entendirnento de que, na ausencia de cliiusula restritiva, o sdcio-gerente poderii delegar a administra~iio a quem bem escolher, sem assumir, por isso, qualquer responsabilidade pessoal. Niio C assim. 0 sdcio-gerente, na hipdtese aventada, niio assume qual- quer responsabilidade pelos atos normais de gestiio que o delegado pratique e que venham causar prejuizos B sociedade. Mas, pelos atos que ele praticar com excess0 de poder, violadores da lei ou do contrato social, responde o sdcio-gerente (art. lo), niio seu procurador. 0 delegado ou procurador niio C gerente; C representante do sdcio-gerente que o designou para tanto. A mii escolha de um procurador caracteriza culpa in eligendo e, pelos atos ilicitos que o escolhido praticar, responde aquele que o nomeou.

Para evitar a polemica, todavia, C importante que o contrato social disponha a respeito da escolha de procuradores ad negotia, exigindo, por exemplo, a concord2ncia de sdcios que representem a maioria ou a totalidade do capital social, fixando-lhes, sempre que possivel, um perio- do de atua~iio determinado, sujeito ou niio a renovaq6es etc.

A delega~iio de gerencia deve ser materializada por escrito e levada a arquivamento na Junta Comercial para legitimar o procurador e para valer em rela~iio a terceiros (art. 32, inciso 11, letra e, da Lei do Registro de Empresas Mercantis e Atividades Afins).

Em reda~iio mais adequada 2i realidade atual, o novo Cddigo Civil, como visto, admite a administra~iio da sociedade por estranhos; em contrapartida, veda ao administrador fazer-se substituir no exercicio de suas fun@es, alterando o que hoje C possivel por meio da delega~iio geral "ad negotia"; faculta-lhe, porCm, "nos lirnites de seus poderes, constituir mandatiirios da sociedade, especificados no instrumento os atos e opera- q6es que poderiio praticar" (art. 1.0 1 8, combinado com o art. 1.053 do referido Cddigo).

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0 Anteprojeto Jorge Lobo n2o aborda a figura da delegag20 nem lirnita poderes para outorga de mandato pel0 administrador, o que leva i conclus2o de que se orienta pela permiss20 de sua ampla utilizag20.

101. GARANTIA DE GESTAO

Sup6e a lei que os s6cios-gerentes s2o obrigados a prestar caug2o para garantir sua atuag2o como administradores da sociedade, quando autoriza que dela sejam dispensados por disposig20 expressa do contrato social (art. 12 do Decreto n. 3.708, de 1919). Na prdtica, porCm, a regra C a insergb de clQsula dispensando os s6cios-gerentes dessa obrigag20. Na omiss20 do contrato, h i obrigatoriedade de prestaggo de caug20, n2o podendo a Junta Comercial arquivar contrato ou alteraG20 contratual sem que venha acompanhada de prova da prestaggo dessa garantia.3'0

A caug2o hd de ser real ou fidejuss6ria. A caug2o real pode consistir em bens m6veis (exemplo: penhor), ou em bens im6veis (exemplo: hipoteca), pr6prios ou de terceiros. Dentre os bens m6veis incluem-se as quotas sociais de que o pr6prio sbcio-gerente seja titular ou que pertengam a um outro s6cio (garantidor). Jd a caug20 fidejuss6ria C prestada por meio de fianga.

Para tornar-se efetiva, a caug2o deve ser reduzida a escrito, no pr6prio instrumento de constituig20 da sociedade ou em ato separado. Na primeira opg20, essa garantia concretiza-se mediante insergso de cldusula especi- fica no contrato social ou em alteraG2o contratual subseqiiente; na segun- da, o instrumento deve ser subscrito pel0 s6cio-gerente ou por aquele que presta a caug2o (penhor, fianga etc), bem como pelos demais sbcios, manifestando sua anuencia, e por duas testemunhas, seguindo-se seu arqui- vamento na Junta Comercial, i margem do contrato social. Complementam as formalidades de constituig20 da caug20 as regras especificas do negkio de garantia pactuado, dentre elas, (i) em se tratando de penhor, a transfe- rencia do bem para a sociedade ou sua indisponibilidade, quando incorp6reo; (ii) se de hipoteca, seu registro na matn'cula do im6vel; (iii) se de fianga, a outorga conjugal, quando o garante for casado, e assim por diante.

'I0 A respeito, RUBENS REQUIAO, Curso de Direito Cornercial. 24" ed., SSo Paulo: Editora Saraiva, 2000. vol. 1, n. 275, p. 437.

Por manifesto desuso, a exigencia de prestag2o de caug2o n2o foi repetida no novo C6digo Civil nem no Anteprojeto Jorge Lobo. Isso n2o quer dizer, porCm, que n2o seja possivel estabelecer contratualmente a obrigag2o de os administradores prestarem caug20, notadamente quando o regime juridic0 deixa de exigir que sejam sbcios, dispensando-os, por- tanto, da participag20 do risco da empresa.

N2o especificou a lei, os poderes que os s6cios-gerentes devem possuir para administrar a sociedade. E conveniente, por isso, que tais poderes estejam discriminados no contrato social.

No si lsnci~ da lei e do contrato social, cumpre entender que o s6cio- gerente necessita possuir todos os poderes para o exercicio da fung20, a fim de orientar a sociedade na consecug20 dos fins sociais. Trata-se de uma interpretagzo funcional do cargo de gestor, que obriga generalizar, sob pena de inviabilizar a atuag2o da sociedade. Ou seja, o s6cio-geren- te, n2o havendo discriminag20 de seus poderes, pelo s6 fato de estar investido na fung20, pode praticar todos os atos que se enquadrem den- tro do objeto social, necessdrios ou iiteis para ao exercicio normal da atividade que a sociedade deve realizar.

Sendo assim, n2o se compreendem nesses poderes permiss20 B prdti- ca de atos de mera liberalidade, a realizag20 de neg6cios que n2o visam os fins sociais e, principalmente, estranhos ao objeto social.

CARVALHO DE MENDONCA jd havia obsewado, ao tratar da socie- dade em nome coletivo, que ao sbcio-gerente sem discriminaggo de pode- res, estaria vedada a alienag20 de bens da sociedade, n2o compreendi- dos no estoque ou necessdrios ao exercicio da atividade social.31' Essa orienta~20 foi encarnpada pela maioria dos comercialistas brasileiros, dentre eles CUNHA PEIXOTO, para quem "0 gerente pode vender qualquer objeto da sociedade, mas nZo lhe e'pennitido dispor do conjunto do patri-

Tratado de Direito Cornercial. 7" ed., Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1963. vol. 111, n. 714,p. 166.

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mbnio social ou de urn elemento essencial iz sua explorapio, assim como locar todo o fundo de come'rcio da sociedade ou urn imo'vel indispensa'vel a seu fun~ionamento."~~~

Parece evidente que o s6cio-gerente n5o deve alienar ou dispor de quaisquer poderes inerentes ao uso e gozo dos bens que compdem o ativo permanente da sociedade, a ngo ser que haja inequivoca manifes- taqiio da vontade social nesse sentido, isto C, prCvia autorizaqgo dos demais s6cios em maioria de capital.

0 novo C6digo Civil profbe a prgtica de atos estranhos ao objeto social e a alienaqgo de bens im6veis sem o consentimento dos demais s6cios em maioria (an. 1.015), perdendo boa oportunidade para melhor adequar a regra B realidade, eis que restringe a proibiqb B alienaqzo de imbveis, quando deveria estendgla a outras operaq6es referentes a bens indispensgveis ao uso da empresa - ngo s6 aos imbveis, mas a todos os bens do ativo permanente em geral, muitos deles absolutamente essen- ciais ao desenvolvimento das atividades sociais. 0 Anteprojeto Jorge Lobo n50 cuida dessa particularidade, ngo estabelecendo nenhuma proibiq5o nem mesmo para operaqdes relativas a imdveis.

103. EXCESS0 E ABUSO DE PODER

Depois de anos de hesitaqiio, a doutrina e a jurisprudsncia de nossos tribunais, na interpretagio dos arts. 10 e 14 da lei de regsncia das socie- dades por quotas de responsabilidade limitada, vSm firmando o entendi- mento de que os atos praticados pelos s6cios-gerentes, com excesso de poder, vinculam a ~oc iedade ;~ '~ ainda divergem com relaqgo aos atos estranhos ao objeto

'I2 A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada. 2' ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1958. vol. I, n. 338, p. 3 12.

'I3 Tem decidido o Superior Tribunal de Justiqa que, dada a celeridade e intensidade com que se processa a operaqio mercantil, C vBlida a operaqgo mercantil praticada por s6cio em contrariedade i s disposiq6es estatuthrias, respondendo ele perante a socie- dade e aos demais s6cios pela reprara~io do prejuizo que der causa (RT 7071175).

314 Sobre o assunto, ver o Capitulo 11, n. 8. HB uma decisio antiga do Supremo Tribunal Federal no RE n. 63.421-SP verberando: "0 aval prestado por s6ci0, em

Assim, o terceiro que contrata com a sociedade niio precisa descer B aniilise do contrato social para saber se o administrador possui ou n5o poderes para com ele celebrar determinado contrato. Se ngo os possui ou se, para tanto, sgo estabelecidas certas forrnalidades (como a aposi- qiio da assinatura de dois ou mais administradores ou a manifestaqgo da vontade de todos os sbcios), a questgo deve ser resolvida no seio social, em prestigio h boa-fC do terceiro, que C presumida.

0 novo Cddigo Civil, nessa parte, n b segue a orientaqb mais moderna, pois exclui a responsabilidade da sociedade quanto aos atos praticados com excesso de poder pelos seus administradores desde que a limitaqgo dos poderes de gersncia esteja devidamente definida no contrato social arquivado na Junta Comercial ou que fique provado que ela era conheci- da de terceiro (art. 1.0 15, inciso I e II). Exclui, tambCm, a vinculaqiio da sociedade aos atos estranhos ao objeto social, isto C, aos atos praticados ultra vires (art. 1.015, inciso III). Nessa mesma linha carninha o Antepro- jeto Jorge Lobo, muito embora ressalve, sem explicar em quais circuns- tsncias, os direitos de terceiros de boa-fC (art. 37 e parggrafo dnico).

104. RESPONSABILIDADE DO SOCIO-GERENTE

0 s s6cios-gerentes devem agir, no desempenho de suas funqBes, com o zelo que todo homem ativo e probo costuma empregar na adminis- traqgo de seu pr6prio neg6cio. Essa maxima da experisncia, como visto, C encampada textualmente pela Lei das Sociedades por Aq6es (art. 153); tambem o C pel0 novo C6digo Civil, que a estende Bs sociedades em

neg6cio estranho ao objeto do contrato social, mas nSo ignorado de outros s6cios. vincula a sociedade em face de terceiro de boa-f6, resssalvado i sociedade o direito a perdas e danos pel0 abuso da firma social. InocorrCncia de rep~d io aos arts. 3 16 do C&3go Comercial, 46 da Lei n. 2.044, de 3 1.12.1908, e 10 da Lei n. 3.708, de 10.1.19 19" (Ac. unlnime da la Turma, Rel. Min. DJACI FALCAO, pub. no DJU de 06.09.1969). Julgando o RE 11. 68.104, orientou-se no sentido da validade de aval prestado por s6cio-gerente com desrespeito aos poderes estabelecidos no contrato social (Ac. Unlnime da la Turma, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, pub. No DJU de5.12.1969). A diferenqa entre os dois julgados estB em que, no segundo deles, o ato teria sido praticado de conformidade com o objeto social, mas com excesso de poderes.

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geral (art. 1 .011) e, com termos semelhantes, pel0 Anteprojeto Jorge Lobo (art. 36).

Disposis50 andoga encontra-se no art. 10 da lei de regCncia das socie- dades limitadas, j i que, de sua interpretasgo resulta a mesma conclusiio recomendada pelas previsdes acima referidas. De fato, agir sem excesso de mandato e dentro das disposisdes da lei e do contrato social nada mais C do que desempenhar as funqaes segundo os pargmetros normais que qualquer administrador deve adotar.

A regra C n50 responderem os s6cios-gerentes pelos atos que reali- zarem em nome da sociedade no exercicio das funqdes que lhes s2o atribuidas. Ou seja, n50 respondem os s6cios-gerentes pessoalmente pelos atos normais de gest50 que gerarem obrigas6es a serem cumpridas pela sociedade que administram.

As vezes h i um administrador desastrado, excessivamente ousado, inibil ou sem pendor para gerir a sociedade, mas nem por isso assume qualquer responsabilidade pelos seus atos de gestiio, mesmo que de sua atuas5o resultem danos para a sociedade. 0 que importa C que niio tenha agido fora dos poderes que lhe foram conferidos ou com violas50 da lei ou do contrato social para ficar a cavaleiro de qualquer responsabilidade pessoal. Ai, s6 a sociedade responde; indiretamente, sofrem as conse- qiiencias os sdcios que fizeram a mii escolha do gestor.

A responsabilidade pessoal do s6cio-gerente s6 advCm quando ele realiza negdcios fora dos poderes que lhe foram conferidos pelo contrato ou quando pratica atos com violas50 do contrato ou da leia315 Ai haveri responsabilidade pessoal dele e dos demais administradores da socieda- de, se existirem, em cariter solidirio e ilimitado (art. 10 citado).

Nem sempre, porCm, essa responsabilidade C solidiria. Para bem explicar o alcance dessa regra legal, C precis0 interpreti-la no context0

Como decidiu o Tribunal de Al~ada do Estado do Parani, "segundo juris- prudsncia do STF, citada por THEOTONIO N E G ~ o , " ~ ~ bens particulares dos sbcios, uma vez integralizado o capital da sociedade por cotas, nio respondem pelas divi- das desta, nem comuns, nem fiscais, salvo se o s6cio praticou o ato com excesso de poderes ou infra~io da lei, do contrato social ou dos estatutos. " (AC 0103623700 - (8175) - 4" C.Civ. - Rel. Juiz Ruy Cunha Sobrinho - DJPR 16.05.1997)

em que se situa. Observe-se, nesse passo, que n50 h i preceito contendo a discriminasiio de poderes dos s6cios-gerentes, disso resultando o entendimento de que, havendo mais de um, a todos siio franqueados amplos poderes de gestiio, que podem ser exercidos por qualquer urn, isoladamente ou em conjunto com os outros gestores sociais, todos tendo acesso a tudo e a todos os acontecimentos da gestiio. Dai a responsabili- dade solidiria deles, imposta para dispensar a busca de quem teria efeti- vamente praticado o ato irregular de gest50.

Penso, por isso, que essa solidariedade deve ser afastada quando o contrato social distribui entre os s6cios-gerentes as diversas atribuisdes da funqiio. Nesse caso, o linico a responder pessoalmente pelos danos que causar B sociedade em virtude de ato irregular de gestiio sera aquele que atuou na Area em que se insere o ato. Se outro usurpou suas funsdes respondem ambos em solidariedade. Haverii solidariedade, porCm, se houver prova de que todos tinharn conhecimento do ato, nada fazendo para evit5- lo ou para impedir sua repetisgo.

0 novo C6digo Civil niio supre essa lacuna, contentando-se em dizer que os "administradores respondem solidariamente perante a sociedade e terceiros prejudicados por culpa ou dolo no desempenho de suas fun- @es" (art. 1 .016), enquanto o Anteprojeto Jorge Lobo mantCm a dicq50 da lei atual, excluindo, entretanto, a solidariedade (art.38).

10s. RESPONSABILIDADE POR DEBITOS FISCAIS E TRABALHISTAS

Algumas diividas t2m surgido quanto B responsabilidade dos s6cios da sociedade limitada por dividas fiscais, previdencikias e trabalhistas, tudo por conta de algumas decisaes pretorianas que tCm interpretado 2 lei de mod0 um tanto desapegado de seu texto, trazendo, com isso, graves e imprevisiveis conseqii2ncias.

Se h i um modelo legal que limita a responsabilidade dos s6cios pelas dividas contraidas pela sociedade a um determinado valor, n5o pode uma decis5o ampliar essa responsabilidade, sob pena de afronta a texto express0 da lei.

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Assim, o skio, na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, tem a obrigaqzo de pagar a sua quota e de responder pela diferenqa das quotas impagas pelos demais sbcios, em solidariedade com eles. Se h i subscriq50 do capital social com bens, pode ser admitida, tambCm, uma responsabilidade solidkia dos s6cios pela eventual plus valia dada a esses bens. Fora dai, nenhuma outra obrigaqzo possuem os s6cios para com a sociedade ou para com terceiros, seja a que titulo for, ai incluidos os crCditos fiscais, trabalhistas e congtneres.

Portanto, o s6ci0, porque s6cio de uma limitada, s6 pode responder, segundo o respective regime juridico, pelo pagamento da sua quota e, em solidariedade com os demais sbcios, pela diferenqa que faltar para a integralizaqzo do capital social.

Pode acontecer, portm, que os s6cios tomem deliberaq6es ilegais; nesse caso, respondem solidariamente os que as tomaram (art. 16 do Decreto n. 3.708, de 1919) perante quem quer que por elas tenha sido prejudi- cado, dentre eles, eventualmente, os credores, qualquer que seja a natu- reza do ckdito (quirografirio, preferential, fiscal, trabalhista e t ~ ) . ~ ' ~

Inexistindo process0 de insolvtncia ou faltncia, nem instaurado concurso de credores, n8o h i falar em prioridade no recebimento de crCditos. Se e enquanto n8o houver um concurso legal de credores, a valoraqiio das prioridades fica ao arbitrio exclusivo do devedor, a quem cabe, quando empresArio, estabelecer livremente a politica de pagamen- tos que reputa adequada para o melhor desenvolvimento da atividade de sua empresa.

TambCm pode acontecer que o s6ci0, alCm de s6ci0, exerqa as fun- q6es de gerente da empresa. E ai, como se viu, C possivel que responda por atos que realize sem poderes suficientes, contra a lei ou contra dispo- siqiio do contrato social.

Considera-se que o s6cio-gerente age contra a lei, por exemplo, quando emite um cheque sern fundos que nzo seja para garantia de pagamento, pois ai se caracteriza uma modalidade de crime de estelionato. 0 mesmo se diga quando ele deixa de recolher as contribuiqks previdenciiirias retidas

316 Capitulo XI, n. 97 supra.

dos seus empregados, a tipificar uma apropriaqzo indCbita e assim por diante. Obra irregularmente, ainda - e por isso responde pessoalmente -, o administrador da sociedade que distribui dividendos sem que existam, deixando, com isso, de pagar os salirios dos empregados. De qualquer forma, essa responsabilidade C pelas conseqiitncias do ato, isto C, pelo valor do dano efetivamente causado. Se o dano foi de 10, a responsabili- dade pessoal do seu autor niio ultrapassa os 10. Nesse 6ltimo exemplo, o s6cio-gerente C responsivel pela reposiqiio dos dividendos indevidarnente distribuidos e os demais s6cios que os receberam s5o obrigados a rep& 10s nos cofres da sociedade. Se existiu deliberaqiio dos s6cios para a distribuiqgo, todos os que a aprovaram, como visto acima, respondem em solidariedade pel0 valor dos dividendos distribuidos, independente- mente do que cada qua1 embolsou (art. 16 do Decreto n. 3.708, de 1919).

Niio C pessoalmente responsivel o s6cio-gerente pel0 pagamento de tributos3" e salirios, se deixou de atendt-10s para saldar os fornecedo- res, sem cuja materia prima a empresa encerraria suas atividades. N8o assume nenhuma responsabilidade pelo pagamento das contribuiq6es previdenciirias o s6cio-gerente que, por falta de numerArio, destina todos os recursos da receita ao pagamento dos salirios do pessoal, sem nada sobrar para ser retido e assim por diante.

Sustentam algumas decis6es da Justiqa do Trabalho que a falta de pagamento de salirio do trabalhador permite responsabilizar os s6cios ?i

luz de regras do C6digo de Processo Civil3I8 ou desconsiderar a pessoa

317 AS regras do CTN, invocadas por alguns julgados para justificar a respon- sabilidade do s6cio-gerente da sociedade limitada pel0 pagamento dos dtbitos fiscais, nZo permitem chegar a essa conclusio. Assim j i decidiu, por virias vezes, o Supe- rior Tribunal de Justiqa "De acordo com o nosso ordenamento juridico-tributirio, os s6cios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa juridica) s io responsi- veis por substituiqio, pelos crCditos correspondentes a obrigaqbes tributirias resul- tantes da pritica de ato ou fato eivado de excess0 de poderes ou com infraqio de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, 111, do CTN. 0 simples inadimplemento n50 caracteriza infraqlo legal" (RESP 308.195-RS, la Turma, Rel. Min. JOSE DELGADO, DJUde 25.06.2001, p. 00129).

318 " 0 fato de o s6cio nlo constar do titulo executive como devedor ou mesmo de nZo fazer parte do p610 passivo da reclamaqlo trabalhista na'fase cognitiva, n lo significa ausencia de responsabilidade para efeito de execuqlo, pois o art. 596

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