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Departamento de Engenharia Civil Estudo de Materiais Alternativos para Utilização como Novos Materiais Geotécnicos - Aplicabilidade de Fibras Naturais de Curauá como Reforço de Solos Alunos: Pedro Lima Roiseman & João Pedro Neves Goldenstein Orientadora: Profª Michéle Dal Toé Casagrande, DEC/PUC-Rio Co-Orientadora: Mariana Vela Silveira, Doutoranda - DEC/PUC-Rio 1. Introdução O estudo sistemático de fibras com finalidade de reforço de matrizes começou na Inglaterra em 1970. No Brasil, o trabalho pioneiro cabe ao Ceped (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento), de Camaçari, Bahia, que iniciou seu trabalho em 1980. Agopyan (1991), em seu abrangente trabalho a respeito do emprego de fibras vegetais como reforço de matrizes frágeis, relacionou 19 fibras potencialmente úteis para a construção civil. A partir de propriedades mecânicas (resistência à tração, módulo de elasticidade e alongamento na ruptura), características físicas, relação entre comprimento e diâmetro, possibilidade de cultivo no Brasil, custo e durabilidade no ambiente natural, selecionou algumas fibras como as mais adequadas. Como um produto natural, as características das fibras apresentam grande variabilidade, com coeficientes de variação frequentemente maiores que 40%. Embora apresentem elevada resistência à tração, o módulo de elasticidade das fibras é menor que o das matrizes à base de cimento (de 20 a 30 GPa) e equivalente ao das matrizes de gesso (de 2 a 4 GPa), o que limita sua eficiência como reforço. Assim, as pesquisas no Brasil concentram-se nas fibras vegetais (Agopyan, 1991), fartamente disponíveis a preço relativamente baixo, como é o caso da fibra de sisal, coco, bagaço de cana e curauá. A fibra de curauá apresenta alta resistência comparada as demais fibras vegetais comumente estudadas. Seu módulo de elasticidade específico em relação à densidade é melhor do que em outras fibras e suas propriedades mecânicas são semelhantes às fibras de polipropileno(PP) (Teixeira, 2015). Como planta amazônica, o curauá se desenvolve preferencialmente em localidades onde prevalecem temperaturas relativamente elevadas durante a maior parte do ano. Ademais, como é uma planta econômica, requer condições climáticas compatíveis com o bom desenvolvimento e uma alta produtividade. As fibras vegetais, comparadas às fibras sintéticas, são de baixo custo, de fácil obtenção, fartamente disponíveis, mais fáceis de manusear, têm boas propriedades mecânicas, não geram

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Departamento de Engenharia Civil

Estudo de Materiais Alternativos para Utilização como Novos Materiais Geotécnicos -

Aplicabilidade de Fibras Naturais de Curauá como Reforço de Solos

Alunos: Pedro Lima Roiseman & João Pedro Neves Goldenstein

Orientadora: Profª Michéle Dal Toé Casagrande, DEC/PUC-Rio

Co-Orientadora: Mariana Vela Silveira, Doutoranda - DEC/PUC-Rio

1. Introdução

O estudo sistemático de fibras com finalidade de reforço de matrizes começou na

Inglaterra em 1970. No Brasil, o trabalho pioneiro cabe ao Ceped (Centro de Pesquisa e

Desenvolvimento), de Camaçari, Bahia, que iniciou seu trabalho em 1980.

Agopyan (1991), em seu abrangente trabalho a respeito do emprego de fibras vegetais

como reforço de matrizes frágeis, relacionou 19 fibras potencialmente úteis para a construção

civil. A partir de propriedades mecânicas (resistência à tração, módulo de elasticidade e

alongamento na ruptura), características físicas, relação entre comprimento e diâmetro,

possibilidade de cultivo no Brasil, custo e durabilidade no ambiente natural, selecionou algumas

fibras como as mais adequadas.

Como um produto natural, as características das fibras apresentam grande variabilidade,

com coeficientes de variação frequentemente maiores que 40%. Embora apresentem elevada

resistência à tração, o módulo de elasticidade das fibras é menor que o das matrizes à base de

cimento (de 20 a 30 GPa) e equivalente ao das matrizes de gesso (de 2 a 4 GPa), o que limita

sua eficiência como reforço. Assim, as pesquisas no Brasil concentram-se nas fibras vegetais

(Agopyan, 1991), fartamente disponíveis a preço relativamente baixo, como é o caso da fibra

de sisal, coco, bagaço de cana e curauá.

A fibra de curauá apresenta alta resistência comparada as demais fibras vegetais

comumente estudadas. Seu módulo de elasticidade específico em relação à densidade é melhor

do que em outras fibras e suas propriedades mecânicas são semelhantes às fibras de

polipropileno(PP) (Teixeira, 2015).

Como planta amazônica, o curauá se desenvolve preferencialmente em localidades onde

prevalecem temperaturas relativamente elevadas durante a maior parte do ano. Ademais, como

é uma planta econômica, requer condições climáticas compatíveis com o bom desenvolvimento

e uma alta produtividade.

As fibras vegetais, comparadas às fibras sintéticas, são de baixo custo, de fácil obtenção,

fartamente disponíveis, mais fáceis de manusear, têm boas propriedades mecânicas, não geram

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quantidades excessivas de resíduos, empregam tecnologias relativamente simples e requerem

menos energia no processo de produção, além de serem de fontes renováveis. Como

desvantagens apresentam grande variabilidade das propriedades físicas e mecânicas (cerca de

40%), susceptibilidade de degradação em ambientes naturais e variações dimensionais por

mudanças de teor de umidade e/ou temperatura.

O melhoramento ou alteração das propriedades mecânicas dos solos reforçados com

fibras depende das características das mesmas (como resistência à tração, módulo de

elasticidade, comprimento, teor e rugosidade), do solo (grau de cimentação, tamanho, forma e

granulometria das partículas, índice de vazios, etc.), da tensão de confinamento e do modo de

carregamento.

2. Objetivo

O principal objetivo dessa pesquisa é verificar a possibilidade da utilização de fibras de

curauá como elementos de reforço que venham a conferir ao solo melhorias em seus parâmetros

de resistência, viabilizando sua utilização imediata.

Levando em consideração o contexto atual em que se encontra o meio ambiente, devido

aos impactos causados pelo homem e a partir da necessidade de alternativas sustentáveis,

consiste o interesse no estudo das fibras de curauá, já que são fontes renováveis.

Sendo assim, será feita a análise das respostas das misturas à tensão-deformação e

através de ensaios de laboratório em triaxiais, buscando uma melhor interpretação do

comportamento mecânico solo reforçado com fibras de curauá, podendo potencializar o uso de

misturas solo-fibra em obras de terra.

3. Revisão Bibliográfica

As fibras vegetais são obtidas em muitas regiões do planeta, em especial, nas zonas

tropicais dada a sua enorme biodiversidade. Existem cerca de 250.000 espécies de plantas

superiores, mas menos de 0.1% são comercialmente importantes como fontes de fibras (Young,

1994). Elas podem ser classificadas de acordo com sua origem nas plantas e podem ser

agrupadas em fibras de caule, fibras de folha, fibras de semente e fibras de fruto.

As fibras de curauá, da espécie Ananas erectifolius, são fibras extraídas a partir das folhas

da planta, que são bromeliáceas de ocorrência natural da Amazônia (Santiago, 2011). Esta

planta é da família do abacaxi (Ananás comosus), seu fruto é semelhante, em aspecto e sabor,

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ao abacaxi (Lobato, 2003 apud Picanço, 2005). Embora comestível, o interesse econômico pelo

curauá está primordialmente associado às fibras extraídas de suas folhas (Pinto, 2007).

Figura 3– Plantação e fruto de curauá (Santiago, 2011; Pinto, 2007)

As folhas de curauá, que podem chegar a até 1.5 m de comprimento e 4 cm de largura,

são duras, eretas e plana. As fibras extraídas das suas folhas têm alta resistência mecânica em

comparação com outras fibras vegetais, como o sisal, juta e linho. Essas fibras têm resistência

à tração de 1100MPa, módulo de elasticidade de 30GPa e deformação linear na ruptura de 2.5%,

estes dados foram obtidos por Análise Dinâmico Mecânica (DMA) (Santiago, 2011).

Espécie nativa e rústica, o curauá não é exigente quanto ao solo, crescendo até em solo

arenoso e pouco fértil inclusive em área degradadas. O cultivo da planta não provoca a

degradação da mata nativa, contribui com a revitalização de terras desmatadas, não é exigente

a fertilizantes químicos e pode ser consorciada com culturas alimentares, o que representa uma

fonte alternativa de renda e garante também a segurança alimentar ao pequeno agricultor da

região amazônica (Santiago, 2011).

Segundo Oliveira (2010), cada planta de curauá produz cerca de 24 folhas e o rendimento

de fibra seca é de aproximadamente 6%, totalizando quase 2 quilos de fibras por planta. Um

hectare produz 3.600 quilos de fibra seca ao ano, embora esses valores variem bastante.

Produtores colhem duas safras por ano do curauá nativo (Pinto, 2007).

O curauá está entre as fibras mais competitivas, figurando entre as mais economicamente

viáveis (Santos, 2009). Devido as suas características, a fibra de curauá também vem

despertando o interesse da indústria automobilística sendo usada como agente de reforço em

painéis dianteiros, porta-pacotes, laterais de portas e porta-malas de veículos que integram o

portfólio de gigantes do setor, como Volkswagen, Honda e General Motors (Santiago, 2011).

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Apresentam-se a seguir valores, disponíveis na literatura, para as propriedades físicas

(Tabela 1), absorção de água (Tabela 2), químicas (Tabela 3) e mecânicas (Tabela 4) das fibras

de curauá.

Tabela 1 - Propriedades físicas da fibra de curauá

Tabela 2 – Características de absorção de água da fibra de curauá

Tabela 3 - Propriedades químicas da fibra de curauá

Tabela 4 - Propriedades mecânicas da fibra de sisal

Diâmetro

(mm)

Área

(mm²)

Densidade

(g/cm³)

Cristalinidade

(%)Referência

- 0,004 - 80,1 Fidelis, 2014

0,115 - 1,29 - Pinto, 2007

0,09 - - - Santiago, 2011

0,092 - 0,127 - 1,34 - Picanço, 2005

Teor de

umidade

natural (%)

Absorção de

água após 5

minutos em

água (%)

Absorção de

água até

saturação

(%)

Referência

13,6 585,7 709,3 Pinto, 2007

7,9 - - Santiago, 2011

11,47 - 449 Picanço, 2005

Celulose

(%)

Hemicelulose

(%)

Lignina

(%)

Cinzas

(%)Referência

59,4 19,1 14,4 - Fidelis, 2014

71,2 12,1 7,4 0,9 Santiago, 2011

Resistência à

tração (MPa)

Módulo de

Young (GPa)

Deformação

na ruptura

(%)

Referência

227,8 - 1002,3 10,9 - 26,7 2,8 - 4,2 Tolêdo Filho, 1997

340 12 3,3 Santiago, 2011

484 19,5 3,3 Fidelis, 2014

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4. Programa Experimental - Materiais utilizados

4.1. Areia

Neste ensaio utilizou-se a areia (Figura 1) proveniente de uma jazida localizada no

município de Itaboraí – RJ, classificada como areia uniforme, mal graduada (SP) segundo o

Sistema Unificado de Classificação de Solos (SUCS).

Figura 1 – Areia estudada neste ensaio

Os índices físicos e ensaios de caracterização foram determinados e realizados no

Laboratório de Geotecnia e Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro (PUC-Rio), de forma a obter a curva granulométrica do solo utilizado (Figura 2 e Tabela

4).

Figura 2 – Curva granulométrica da areia

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Tabela 5– Índices físicos da areia

Índices Físicos

Densidade dos grãos (Gs) 2,65

Diâmetro efetivo D10 0,22 mm

Diâmetro efetivo D30 0,38 mm

Diâmetro médio D50 0,58 mm

Diâmetro efetivo D60 0,72 mm

Coeficiente de uniformidade (Cu) 3,27

Coeficiente de curvatura (Cc) 0,87

Índice de vazios máximo (emax) 0,96

Índice de vazios mínimo (emin) 0,71

4.2. Água

Utilizou-se água destilada na operação do equipamento e preparação dos corpos-de-

prova de areia pura e misturas solo-fibra, exceto nos ensaios de durabilidade, onde será utilizada

água proveniente da rede pública de abastecimento.

4.3. Fibras de Curauá

Nessa pesquisa foram utilizadas as fibras de curauá (Ananas erectifolius).

As fibras foram compradas na forma de fardos e em comprimentos de aproximadamente

de 1,2 m. Devido à presença de resíduos aderidos na superfície das fibras (graxas e resinas

naturais), as fibras foram submetidas a um processo de beneficiamento que consistiu de uma

lavagem em água quente (100°) e secagem em estufa.

Foram adotados nesse trabalho os comprimentos de 25 e 50 milímetros no teor de 0.5%

de fibras, em relação a massa de solo seco.

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5. Programa Experimental – Ensaios Realizados

5.1 Considerações Iniciais

Para o ensaio triaxial, utiliza-se uma prensa da marca Wykeham-Ferrance de capacidade

de 10 toneladas (Figura 5), cuja velocidade de deslocamento é controlada e o ajuste das

velocidades de deslocamento do pistão é determinado através da seleção adequada de pares de

engrenagens e a respectiva marcha. A câmara triaxial utilizada é própria para corpos-de-prova

com diâmetro de 1,5 (in) e é feita de um material acrílico que suporta uma pressão confinante

máxima de 1000KPa reforçada com uma malha metálica para oferecer maior segurança. A

célula de carga utilizada tem capacidade máxima de 5000 kN e exatidão de 1 kN. Para obter os

deslocamentos foram utilizados LVDT’s com cursos de 25mm e resolução de precisão de 0,01

mm. As variações de volume são obtidas através de medidores de variação volumétrica (MVV),

fabricados na PUC-Rio. Depois de obtidas todas as informações através dos transdutores, a

gravação dos dados é feita utilizando o sistema de aquisição de dados. (Figuras 4 e 5).

Figura 4: Equipamento de cisalhamento triaxial

A descrição do ensaio triaxial é dada por:

(a) Medidor de Variação de Volume

(b) Reservatório de água no topo

(c) Painel de controle das pressões

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(d) Caixa leitora de dados

(e) Pressão confinante

(f) Cilíndrico acrílico reforçado

(g) Controle para início do cisalhamento

(h) Transdutor de pressão

(i) Controle manual de movimento fino do pistão

Figura 5: Software e sistema de aquisição de dados

Os ensaios triaxiais realizados nessa pesquisa são do tipo Consolidados Isotropicamente

Drenados (CID). Esses ensaios foram realizados no Laboratório de Geotecnia e Meio Ambiente

da PUC-rio sob a saturação total e com tensões efetivas de 50, 100 e 150 (KPa), que são

hipóteses realistas feitas em algumas aplicações de engenharia. O objetivo principal desse

ensaio foi determinar os parâmetros de resistência do solo: intercepto coesivo e ângulo de atrito

interno. A fim de aplicar uma condição de tensão de simetria triaxial, foram utilizados para o

teste triaxial corpos de prova cilíndricos de solo de altura nominal de H=91 mm e diâmetro de

D=39 mm. A resposta do solo foi obtida através de três etapas em cada corpo-de-prova: de

saturação, de adensamento e de cisalhamento.

O programa experimental é o estudo da viabilidade do uso da fibra de curauá como um

material alternativo de reforços nos solos arenosos utilizados na construção civil, de modo a

aumentar a sua resistência. Sendo assim, as propriedades mecânicas de um solo arenoso foram

analisadas com a inserção de fibras de curauá dividindo o projeto em etapas.

Para o solo arenoso estudado, misturas foram preparadas com um único teor (0,5%),

calculado em relação à massa seca do solo puro e as fibras de curauá com comprimentos de 50

e 25 milímetros.

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5.2 Preparação e Saturação do Corpo de Prova

A preparação dos corpos-de-prova das misturas solo-fibra e do solo arenoso puro foi feita

por compactação diretamente em um molde cilíndrico tripartido, manualmente, em três

camadas, controlando o peso da mistura adicionada e a altura das camadas de forma a obter a

densidade desejada. Para a areia pura e para as misturas, a umidade adotada foi de 10% e o peso

específico seco foi de 1,58 g/cm³ que correspondem a uma densidade relativa de 50% e índice

de vazios de 0,80.

Primeiramente, é colocada na base do triaxial uma pedra porosa e o papel filtro. A

seguir, é colocada a membrana segurando-a com a base por meio dos o-rings. O molde tripartido

é colocado, unindo-se as três partes por uma abraçadeira metálica. As juntas são vedadas com

uma fita e é vedado também dois dos três furos do tripartido. Os o-rings são colocados na parte

superior do molde e a membrana é ajustada por cima. É instalada uma mangueira no furo aberto

do tripartido visando succionar a membrana às paredes do tripartido.

Após encher o tripartido com a mistura do solo arenoso, compactada em 3 camadas, na

parte superior é colocado um segundo papel filtro e também a pedra porosa. Seguidamente é

colocado o topo (cap) na parte superior, ajustando a membrana sobre o molde tripartido e

fixando esta com os o-rings colocados anteriormente.

Todos os elementos que foram utilizados para moldar o corpo-de-prova são

desmontados e a membrana é acomodada cobrindo os o-rings da parte superior e inferior. A

câmara triaxial é colocada e ocorre o enchimento completo da câmara com água destilada,

testando a pressão confinante conectada à câmara. As etapas de montagem do corpo-de-prova

descritas acima estão expostas na figura 6.

No teste drenado consolidado, a saturação da amostra é importante para assegurar que

todos os espaços vazios no interior da amostra estejam preenchidos por água. As técnicas de

saturação utilizadas para os corpos de prova de areia pura e misturas foram de saturação por

percolação de água através das amostras e de saturação por contrapressão.

No caso da saturação por percolação, é aplicada uma diferença de pressão entre o topo

e a base. Então, aplicou-se uma diferença de pressão de 5 kPa entre o topo e a base e também

uma diferença de pressão de 10 kPa entre a pressão confinante e o topo. Isso permite que a água

flua da base para o topo do corpo de prova.

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Figura 6: Etapas de montagem do corpo-de-prova

Na saturação por contrapressão, a pressão confinante aplicada ao corpo-de-prova

ultrapassava a contrapressão em 10 kPa (mesma pressão na base e no topo), onde o fluxo era

permitido pela topo e base.

Antes de se iniciar a etapa de adensamento, para verificar se o grau de saturação da

amostra é suficientemente alto, realiza-se um teste para determinar o valor de B do Skempton.

O valor de B aproximado para solos saturados é de 1, então, são considerados valores aceitáveis

valores maiores ou iguais a 0,95. A verificação da saturação é feita através da medição desse

parâmetro, pois esse parâmetro é semelhante ao grau de saturação para valores superiores a

90%.

De modo a facilitar o cálculo, o parâmetro B é medido através da medição de variação

da pressão intersticial causada pela aplicação de uma pequena variação da pressão de

confinamento (por exemplo, 50kPa). Para o solo estar completamente saturado, a variação da

pressão intersticial medida deve ser igual à variação da pressão de confinamento.

Além de medir o parâmetro B, a permeabilidade de alguns corpos de prova é controlada

de forma a controlar a mudança e influência da adição de fibras nas misturas.

Após obter um valor de B aceitável (maior ou igual a 0,95) e atingir a saturação do corpo-

de-prova, iniciou-se a fase de adensamento isotrópico.

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O processo de adensamento começa quando a ligação para drenagem é aberta e a

dissipação do excesso de poro pressão da água ocorre.

Nessa fase, o objetivo foi definir, em termo de tensões efetivas, o estado de tensão inicial

do solo. Quando o solo já está completamente saturado, pode-se assegurar que a tensão aplicada

(tensão total) equivale a tensão efetiva, pois a drenagem de água é permitida, dissipando-se o

excesso de pressão intersticial.

Em solos saturados, a alteração no volume da amostra que ocorre pode ser obtido através

do volume de água intersticial drenado que vai acumular no reservatório da base da prensa.

Mantendo-se a pressão de confinamento constante, executa-se essa fase por compressão

axial, aumentando a tensão vertical P(pressão)/A(área).

Nessa fase são medidas duas deformações: deformações axiais, medidas com um

deflectômetro instalado no topo da câmara e deformações volumétricas, medidas através da

variação de volume de água na câmara durante a aplicação do corte. Tal medição é aceitável

caso não haja fugas de água na câmara e após a calibração da câmara para saber quanto que

aumenta de volume com o aumento da pressão de água no seu interior.

Como os dados coletados de variação de volume que foram utilizados para o traçado do

gráfico variação volumétrica (ml) vs raiz do tempo (min0,5), foi possível o cálculo da velocidade

de cisalhamento. O objetivo de definir uma velocidade suficientemente lenta para a aplicação

da compressão axial é permitir a total drenagem da água do corpo de prova sem que haja geração

de excessos de poropressão.

5.3 Definições e Noções Básicas

Feitos os ensaios triaxiais, a determinação dos parâmetros de resistência do solo foi feita

a partir dos valores da envoltória de resistência (α’) e da coesão (a’) obtida no espaço p’: q para

calcular os parâmetros de resistência no espaço Mohr-Coulomb (ϕ’ – c’). As Equações 3 a 6

apresentam as formulações de Lambe (1964) e os parâmetros que são apresentados nos gráficos

dos resultados:

𝒒 = (𝝈′𝟏− 𝝈′𝟑)

𝟐 Equação 1

𝒑′ = (𝝈′

𝟏+𝝈′𝟑)

𝟐 Equação 2

𝐭𝐚𝐧(𝜶′) = 𝒔𝒆𝒏(𝝋′) Equação 3

𝒂′ = 𝒄′. 𝐜𝐨𝐬 (𝝋′) Equação 4

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onde:

p’: centro do círculo de Mohr;

q : raio do círculo de Mohr;

α’: inclinação da envoltória de resistência no espaço p’:q.

a’: intercepto com o eixo q da envoltória de resistência no espaço p’:q.

φ’: inclinação da envoltória de resistência do espaço σ:τ (Mohr-Coulomb).

c’: intercepto da envoltória de resistência do espaço σ:τ (Mohr-Coulomb).

6. Resultados e Análises

A figura 7 apresenta as curvas tensão desviadora e variação volumétrica vs deformação

axial, correspondentes aos ensaios do tipo CID, com tensão confinante de 50, 100 e 150kPa,

relativos ao solo arenoso e ao solo reforçado com fibras de curauá, espalhadas uniformemente,

de 25 e 50mm de comprimento no teor de 0.5%.

Para os três materiais ensaiados, observa-se, que a resistência aumenta com o aumento da

tensão confinante efetiva e não apresenta picos. Nas curvas de variação volumétrica, nota-se

uma tendência de contração para todas as tensões confinantes empregadas, sendo esta contração

tanto maior quanto maior for o valor da tensão confinante.

É possível observar o nítido acréscimo de resistência ao cisalhamento em função da

adição das fibras em relação ao material não reforçado, sendo este acréscimo tanto maior quanto

maior o comprimento da fibra para o teor avaliado (0,5%). Nas curvas de variação

volumentrica, com excessao da curva AC25 sob tensão efetiva inicial de 50 kPa, há uma

tendência a contração em todas as amostras de todas as tensões confinantes empregadas, sendo

essas contrações maiores a medida que o valor da pressão confinante aumenta.

Nota-se também que as fibras passam a contribuir no acréscimo de resistência do material

logo no início do ensaio, quando a deformação axial é em torno de 2,5%. A partir desta

deformação torna-se evidente a diferença de comportamento entre as curvas tensão vs

deformação axial do solo reforçado, e que a contribuição da adição fibras permanece visível até

a deformação axial limite avaliada de 20%.

A tensão desvio medida a 20% de deformação axial para as tensões confinantes estudadas

para o solo e para o solo-fibra é apresentada na tabela 6. Esta tabela permite avaliar a influência

do comprimento de fibra quando empregadas no mesmo teor de 0.5%.

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Ao se comparar as resistências obtidas com a variação da tensão confinante, observa-se

o aumento da resistência com a inclusão de fibras no solo arenoso. Outro ponto observado foi

a diminuição progressiva da contribuição da fibra na resistência do compósito com o aumento

das tensões efetivas médias inicias, ou seja, as fibras têm um desempenho muito maior na

resistência do compósito quando solicitadas a baixas tensões efetivas médias iniciais.

Casagrande (2001) justifica que isso se deve provavelmente ao fato de que a baixas

tensões confinantes as fibras atuam individualmente, ou seja, quanto maior for o comprimento

da fibra, mais resistência esta irá mobilizar, porém, quando as fibras são submetidas a altas

tensões de confinamento elas atuam como um reforço único, onde o comprimento da fibra não

influencia o comportamento resistente do solo reforçado.

A deformação volumétrica medida a 20% de deformação axial para as tensões confinantes

estudadas para o solo e para o solo-fibra é apresentada na tabela 7. Esta tabela permite avaliar

a influência do comprimento de fibra quando empregadas no mesmo teor de 0,5%.

Ao se comparar os valores das deformações volumétricas obtidas com a variação da

tensão confinante, observa-se que a inclusão de fibras afetou o comportamento de contração da

areia, sendo em geral, a adição de fibras diminui o comportamento de contração.

A figura 8 apresenta as envoltórias de resistência, e a tabela 8 apresenta os valores do

intercepto coesivo e do ângulo de atrito interno obtidos para o solo e o solo-fibra a 20% de

deformação axial.

A adição de fibras provocou um aumento tanto na coesão do material como no ângulo de

atrito. No processo de mistura do solo com a fibra notava-se claramente que as fibras

proporcionavam um emaranhado que envolvia e, de certa forma “vinculava” os grãos do solo,

promovendo um efeito de ancoragem. Esta observação foi traduzida no aumento do intercepto

coesivo e do ângulo de atrito e comprovada pelos valores obtidos.

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Figura 7: Curvas tensão desviadora e deformação volumétrica vs deformação axial para o solo arenoso e solo

arenoso reforçado com fibras de curauá nos comprimentos de 25 e 50mm em ensaios de compressão triaxial

convencional.

Tabela 6 – Tensão desvio e sua variação para o solo arenoso e para o solo reforçado com fibras.

σc'

Areia Areia Curauá 25mm Areia Curauá 50mm

σd20%

(kPa)

σd20%

(kPa)

Variação

(%)*

σd20%

(kPa)

Variação

(%)*

Variação

(%)**

50 100,70 499,00 395,53 828,38 722,62 66,01

100 233,86 604,31 158,41 1087,5 365,02 79,96

150 341,36 728,66 113,46 1158,33 239,33 58,97

* Variação do σd em relação a areia ** Variação do σd em relação a areia curauá 25mm

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Tabela 7 – Variação volumétrica e sua variação para o solo arenoso e para o solo reforçado com fibras.

σc'

Areia Areia Curauá 25mm Areia Curauá 50mm

ɛv20%

(%)

ɛv20%

(%)

Variação

(%)*

ɛv20%

(%)

Variação

(%)*

Variação

(%)**

50 3,36 -0,98 -129,16 1,42 -57,74 -244,90

100 3,90 3,36 -13,85 4,38 12,31 30,36

150 7,61 4,10 -46,12 3,66 -51,91 -10,73

* Variação do σd em relação a areia ** Variação do σd em relação a areia sisal 25mm

Figura 8 - Envoltória de tensões para o solo arenoso e o solo reforçado com fibras de curauá a 20% de

deformação axial.

Tabela 8 – Valores do intercepto coesivo e do ângulo de atrito interno

c' ϕ'

Areia 0 31,88

Areia Curauá 25mm 104,78 32,33

Areia Curauál 50mm 158,1 39,63

8- Conclusões

A partir do ensaio de compressão triaxial convencional em solo arenoso e misturas solo-fibra

de curauá com 25 e 50mm de comprimento executados e das análises destes resultados, foram

estabelecidas algumas conclusões relatadas a seguir.

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Nas amostras de solo com e sem reforço observa-se um aumento de resistência com o

aumento da tensão confinante;

As fibras passam a contribuir de forma mais significativa para o acréscimo de resistência

do material em aproximadamente 2,5% de deformação axial. Este acréscimo corresponde

ao instante no qual passam a predominar as deformações plásticas na matriz não reforçada;

A adição de fibras provocou um aumento na coesão e no ângulo de atrito do material;

As fibras de curauá, quando utilizadas como reforço de solos, mostrou resultados positivos

em termos de aumento de parâmetros de resistência das misturas, em comparação à areia

pura, onde a areia-fibra de curauá pode ser aplicada em obras geotécnicas, como reforço de

taludes, aterros sobre solos moles, camadas de aterros sanitários e bases de fundações

superficiais.

9- Referências

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