DO NEO-ROMANTISMO: a sentida Uuaica da vida na oàea de … · 2013. 6. 14. · gócios». Em...

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DO NEO-ROMANTISMO: a sentida Uuaica da «O heroísmo da realidade exige o romantismo*. Máximo Gorki «O heroismo Individual só ganha um sentido fecun- do guando se integra num destino colectivo e tende a transformá-lo.* André Malraux As duas grandes tendências do romance moderno sao o neo-Tealisimo e o neo-roiiwan- tlstmo. Quando num artigo, há tempos publicado em «O Dia- bo», falámos da primeira des- tas correctvtes foi o escritor bra- sileiro Amando Fontes, autor de «Os corumbas* quem nos serviu de motivo. Ao focarmos agora a segunda, é Jorge Ama- do, ainda um brasileiro, quem, do sescri toras de língua portu- guesa, nos .parece merecer maior interesse. No pobre mo- vimento literário português não existia antes da saída de tOaibéus* (1940), o beto ro- mance de Alves Redol, qual- quer tentativa séria de rcman- ce com esta tendência. Ainda se não ultrapassou por cá o naturalismo (Ferreira de Cas- tro, etc.) ou o romance subjec- tlvista, introspectivo ou auto- -blOgraíieo (Gaspar Simões, Régio, Miguel Torga). O desin- teresse pelos problemas da nossa época, uma mistificação (consciente o u inconsciente desses problemas, uma pros- pectiva aliteratada da vida, mantee-m os nossos romancis- tas, no estado de fosseis, liga- dos a modas literárias do seu tempo de Jovens. Evidentemente que não exis- te da nossa parte desprezo ou renúncia pelas maravihcsas experiências humanas que o naturalismo e o romance in- trospectivo nos deram. Nin- guém pode hoje esquecer, sem cometer um atentado grossei- ro, toda uma gloriosa época do romance que vai de Dostoie- wskl a Glde, como não pode esquecer-ee a obra dum Zola ou dum Flaubert, onde se bastante de inaceitável existe muito de precioso. Simples- mente uma nova mentalidade surge neste meado de século, uma nova consciência se forja neste longo debater de crises duma civilização que finda, e à inquietação dos espíritos não corresponde Já, no momento actual, a arte dos Proust. dos Lawrence, dos Mann. o nosso tempo tem outros romancistas, que um preconceito literário qualqu?r não pode diminuir. Não falando de Gorki, são um John dos Passos, um Nizan. Malraux, Ostrcvski, Jorge Amado, Aragon e tantos outros. •Não é preconceito politico, como tantos querem fazer crer, o que no3 leva a preferir esta lj.sratura àquela. E' algo de mais concreto, real e Inegável: a existência duma nova con- cepção do mundo, duma nova maneira de viver, duma outra consciência. São notáveis algumas criti- cas feitas ao romantismo mes- mo durante o sec. XIX. Entre elas avulta a de Paul Lafargue, temperamento crítico de ex- traordinária energia e agude- za, que é quem pela primeira vez utiliza o diamat na critica literária. E vai tão fundo essa critica, que hoje, ao falar-se dum novo romantismo, cum- pre anallzar em que medida esta crítica se aplica a esto neo-rcmantismo. «A literatura, dizia Mme de Staèl, é a expressão da socie- dade». Acrescente-se, ou me- lhor, precise-se que a arte é a expressão da luta na socieda- de—que não existe arte sem tendência. Para Lafargue- o romantismo é a literatura da burguezla triunfante de 89. Analisando «de lápis na mão» todo o movimento romântico, consegue estabelecer a reloçào entre a expressão literária e a estrutura social, e denunciar o caracter do romiantifano que «traduz as paixões, as ambi- ções e as esperanças, as idéas e os sentimentos de todos esses Renés enriquecidos na pilha- gem dos bens nacionais, dos viveres, dos fornecimentos, que temiam perder o adquirido». A necessidade de manter uma es- tabilidade encontrada, uma si- tuação dominante, de iludir as contradições que impeliam à rutura desse equilíbrio, obriga cs vencedores de ontem a re- pudiarem as grandes armas da sua vitória: o amor da verda- de, do real, a ânsia de pro- gresso, que animou toda a par- te ascendente da sua trajectó- ria e se lê nes seus mais lídi- mos teóricos do sec. XVIII. Por esta razão, assiste-se, a par da deformação dos valores que criara para o seu triunfo, a um retorno à metafísica, ao sub- jectivismo, aos ideais cavalhei- rescos da Idade Média à sim- patia pelo feudalismo, ao amor do exótico, aos diálogos com Deus e os anjos, a um des- prezo total pelo conhecimento científico. A arte aparece co- mo separada das contingências da vida, submetida apenas ás leis do belo e do bem. E', como diz Aragon, em Retour a la realité, numa expressão san- grenta, «a época do histrio- nkmo das grandes paixões, das grandes dores, da histeria, dos sentimentos não comparti- lhados ;—«tudo isto não é mais do que o somatório das ilusões, dás ambições, das desilusões, das esperanças, dos Jovens que sacudiam os tronos, crsmdo le- var ao poder a Uberdade para entronizar, afinal, o banqueiro Laíflte». Assim se reflete no romantismo o individualismo da Revolução francesa e, si- multaneamente, uma desilusão acabrunhante, donde «a neces- sidade de tudo atribuir ao Aca- so, à Fatalidade, lançando os espíritos na superstição», «atrás das frases gnandilo- quentes e das afirmações ge- nerosas nada mais do que os interesses sórdidos». A esta critica de Paul Lafar- gue anota Jean Trévitte, na in- trodução às «Critiques lltterai- res* daquele escritor, e pare- ce-me que com profunda ra- zão: «Na realidade, três gru- pos »e exprimem no romantis- mo: a nobreza desapossada, que recorda a Idade Média, chora os tempos do seu domí- nio, se exalta à sombra das ca- tedrais (esta nobreza trouxe ao romantismo os seus temas vida retrógrados); a segunda é a burguezla que toma da nobreza alguns dos seus costumes e usos (aos temas dãqueda, Jun- ta certos motivos que Ideali- zam os seus apetites coloniais e os tráficos—exotismo, atrac- ção do Oriente e das Améri- cas); a pequena burguezla faz ouvir no romantismo as suas Impaciências e as suas revol- tas, pois fora esmagada pela concorrência e afastada da gestação da política e dos ne- gócios». Em Portugal, por exemplo, o romantismo pare- ce-me ser a expressão do libe- ralismo, do triunfo da pequena nobreza e da burguezla sobre os grandes senhores. Eis como se define o romantismo do sec. XIX como a expressão duma sociedade. O neo-remon- tinno e a projecção no futuro a prespectiva larga no tempo, da» condições do presente. Não é utopia arquitectar nas rela- ções concretas do actuai, o fu- turo. O neo-rcmanti?mo tem como o neo-realismo uma base materialista. Eis como um crí- tico refere as relações entre estas duas iconrentes da litera- tura contemporânea: «Habitualmente opunha-se o romantismo ao realismo. Era porque o romantismo se ligava quási sempre ao idealismo, planando nas esferas metafísi- cas e «noutros mundos» e cs sentidos emocionados do gran- (Continuavio directamente enfrentando a ontologia do universo, e a pro- blemática limitada, retórica, da metafísica contemporânea, que temos de pôr este proble- ma: o Sr. António Sérgio tra- duziu McTaggart paira bilnear com os seus leitores? Se lemos o prefácio do livro maus nos convencemos da in- capacidade filosófica de Antó- nio Sérgio em compreender a .posição materialista. Servin- do-se duma confusão infantil entre a relação homean-uni- verso (não espirito-«matéria que é uma manvira já idealista de colocar o problema de que se pretende tirar uma conclu- são sobre o idealismo) para o conhecimento do mundo, e en- tre o problema da existência da matéria por si própria. An- tónio Sérgio faz sua a seguin- te passagem de McTaggart: «O Espirito, porém, não se encon- tra no mesmo caso. Porque... certamente existe por si' pró- prio, e não simplesmente para a Matéria. Ao passo que toda a natureza da Matéria, como vi- mos, ficou reduzida à sua rela- ção com o Espirito». da página sete) Para que esta afirmação cor- respondesse à verdade era in- dispensável, como condição prévia, que o próprio conheci- mento subjectivo da Matéria não nos levasse a este facto: a Matéria existia antes do ho- mem (e do seu Espirito) exis- tir. Existe portanto uma Ma- téria independente do nosso Espirito, c se não podemos co- nhecê-la senão em dados es- pirlOuals isso é já outro pro- blema que não desmente que o próprio conhecimento sub- jectivo da Matéria nos leva à conclusão da sua existência exterior ao Espírito. As outras espécies de argu- mentos que o Sr. Sérgio abona cm deíeza do idealismo con- vencem-nos de que, quando nos diz que a «tese do mate- rialismo é facílima de inter- pretar» o prefaciador desmas- cara a própria origem dos seus argumentos: demasiadas faci- lidades em raciocinar sobre coisas um pouco menos fáceis do que lhe parecem... ALBERTINO GOUVEIA i/mte e dois sal nascente na oàea de loeae rimada de e do maravilhoso condu- ziam para fora dos Umites do mundo real. Em segundo lugar porque o realismo exprimia um chamado «objectlvismo» li- mitado. O romantismo, nas nossas condições, está ligado antes de mais nada à vida he- róica. Não é orientado para um céu metafísico, mas para a terra, em todo o sentido da palavra: para a vitória e para a conquista da natureza. Por outro lado, o neo-realismo não é uma simples constatação da realidade, antes, tomando o fio da vida actual o conduz para o futuro dum modo activo. E' por isto que a oposição entre neo-romantismo e realismo é destituída de sentido.» O neo-romantismo é pois a expressão dum imenso heroís- mo, prespectiva que se «so- nha», se constrói sobre os ali- cerces do real e se talha na conquista do futuro. «Pseudónimo do neo-realis- mo» ou seu prolongamento na- tural é totalmente afastado desse outro romantismo que o génio crítico de Paul Lafargue escalpelizou. Gorki distlngue- -os desta maneira lapidar: «£' indispensável considerar no romantismo duas tendências nitidamente diferentes: o ro- mantismo passivo, que se es- força por conciliar o individuo com a realidade, embelezan- do-a, seja por voltar a realida- de para um aprofundamento estéril do mundo intimo, para os pensamentos sobre os eni- gmas fatais da vida, sobre o amor, sobre a morte; o roman- tismo activo reforça no ho- mem a vontade de viver, pro- vocando-lhe a reacção contra toda a opressão da realidade». Neo -romantismo é pois a ex- pressão duma nova mentalida- de que encontra na luta a sua razão de ser, cheia de dinamis- mo, de vontade—expressão ar- dente, alegre, real, dum novo espírito conquistador. cRomance da Baia»: roman- ce dos alugados de «Cacau*. escravos da «Fazenda Frater- nidade» dos coronéis; romance dos negros do Morro, presos ainda ao seu mundo primitivo, ingénuo—ainda uma raça es- crava; romance dos pescadores dos cais de «Mar Morto*; «Suor*, romance das vidas mi- seráveis que se roçam através dos tabiques do prédio 68 duma rua pobre da Baia, arqultetura duma angústia quotidiana em que se amassam os destinos daqueles que consomem as suas vidas na conquista diária dum pão parco, duro e amargo: his- tória dos pequenos mendigos e ladrões, meninos abandona- dos das ruas da cidade, «Capi- tais da areia*. «Romance da Baia», romance cíclico duma cidade, exaltação do heroísmo anónimo, da coragem com que a maioria dum povo luta por uma vida precária. O sentido heróico da obra de Jorge Amado encontra-se na reacção individual perante o ambiente. Reacção de caracter puramente biológico, instinti- va, manifestada num incon- formismo extremo ante as .im- posições da realidade, tocando .por vezes o anti-social, que en- contra depois a sua finalidade e a sua justa expressão no combate colectivo por uma vi- da mais Justa, por uma digni- ficação do homem. Os heróis dos romances de Jorge Amado escolhidos nos meios pobres, ignorantes ou analfabetos, vi- vem dum espontâneo sentido da luta sccial, demarcado pe- las circunstâncias em que de- correm as suas existências. São as contradições que se dese- nham aos seus olhos simples, as contradições de que tomam um conhecimento corpóreo, fí- sico, entre deis mundos e dois modos de viver, que os levam a tomar as suas atitudes. São os factos que forjam as suas consciências. A personalidade destes he- róis caracteriza-se por uma re- beldia inata, pela generosida- de, pela valentia, muitas ve- zes por uma certa crueldade— justo ressentimento—«, sobre- tudo- por um amor imenso da vida. Viver corajosamente, pas- sar sem vertigens pelos abis- mos, lutar sem desfalecimen- to, arrastados por um obscuro Instinto de luta, eis a legenda destes heróis modernos. «Todo o homem valente tem no coração uma estrela». Va- lente é António Balduíno, o negro que fez da sua vida um A B C como esses que cantava. António Balduíno, o que amou a vida e a aventura, o lutador de mH combates que soube cem um só sentido no dia em que lado a lado pelejava com os outros homens por um bem comum; valente é Guma, é Zumbi dos Palmares, é Virgo- lino Lampeão, que viraram es- trela, como Lívia que vai ao mar ganhar o pão do filho, ou Dora que viveu a vida dum ca- pitão da areia e amou corajo- samente a Pedro Bala. Mes se a obra de Jorge Amado é a exaltação deste heroismo de que falámos, não é menos cer- to nunca serem esquecidas nos seus livros as condições am- bientes em que a acção se de- senrola. Sendo um escritor ro- mântico, Jorge Amado é tam- bém um escritor materialista. «O heroísmo individual—como disse André Malraux—ganha um sentido fecundo ao inte- grar-se num destino colectivo e tende a transformá-lo». JOAQUIM NAMORADO (Continuação da página nove) nossa voz, trabalhar com o nosso braço, fazermo-nos ao largo no barco dos tempesta- des—precisamente porque a vida não é um mar de rosas. Este, o mal-entendido por que começou o cepticismo do sr. Qualquer Coisa. Por fim, trata-se duma mis- tificação, porque o sr. escolheu um caminho, e fez que não; organizou a sua vida de certa maneira, participou na luta de interesses, desempenhou um papel no drama «A Luta pela Vida», em cena todos os dias —e fingiu que se conservava aparte, alheio a materiallda- des, circunspecto, sorridente— céptico. O cepticismo esconde a po- sição, esconde a participação activa nos conflitos, esconde os interesses do sr. Qualquer Coi- sa, de todos os srs. Qulaquer Coisa, «definitivamente» bem instalados. O cepticismo—este cepticis- mo particular—é uma arma mais, além do suborno e da .prepotência aberta ou disfar- çada. UMBERTO DINIZ OUoU" Grande semanário de literatura e critica. Publica em todas et números: Ensaios, literatura de ficção, páginas de antologia, movimento de ideias, cultura cientifica, eco- nomia; critica de livros, teatro, artes plásticas, cinema, rádio e desportos; Revista das revistas, revista de livros, «Coisas de «O Diabo», etc. . "Livraria PORTUGÁLIA,, : : 7 5 , Rua do Carmo-LISBOA :: LIVROS NACIONAIS E ESTRANGEIROS Sempre as melhores novidades de Obras Literá- rias, Arte, Medicina, História, Direito, Economia, tanto nacionais como estrangeiras. 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DO NEO-ROMANTISMO:

a sentida Uuaica da «O heroísmo da realidade exige o romantismo*.

Máximo Gorki

«O heroismo Individual só ganha um sentido fecun­do guando se integra num destino colectivo e tende a transformá-lo.*

André Malraux

As duas grandes tendências do romance moderno sao o neo-Tealisimo e o neo-roiiwan-tlstmo. Quando num artigo, há tempos publicado em «O Dia­bo», falámos da primeira des­tas correctvtes foi o escritor bra­sileiro Amando Fontes, autor de «Os corumbas* quem nos serviu de motivo. Ao focarmos agora a segunda, é Jorge Ama­do, ainda um brasileiro, quem, do sescri toras de língua portu­guesa, nos .parece merecer maior interesse. No pobre mo­vimento literário português não existia antes da saída de tOaibéus* (1940), o beto ro­mance de Alves Redol, qual­quer tentativa séria de rcman-ce com esta tendência. Ainda se não ultrapassou por cá o naturalismo (Ferreira de Cas­tro, etc.) ou o romance subjec-tlvista, introspectivo ou auto--blOgraíieo (Gaspar Simões, Régio, Miguel Torga). O desin­teresse pelos problemas da nossa época, uma mistificação (consciente o u inconsciente desses problemas, uma pros­pectiva aliteratada da vida, mantee-m os nossos romancis­tas, no estado de fosseis, liga­dos a modas literárias do seu tempo de Jovens.

Evidentemente que não exis­te da nossa parte desprezo ou renúncia pelas maravihcsas experiências humanas que o naturalismo e o romance in­trospectivo nos deram. Nin­guém pode hoje esquecer, sem cometer um atentado grossei­ro, toda uma gloriosa época do romance que vai de Dostoie-wskl a Glde, como não pode esquecer-ee a obra dum Zola ou dum Flaubert, onde se há bastante de inaceitável existe muito de precioso. Simples­mente uma nova mentalidade surge neste meado de século, uma nova consciência se forja neste longo debater de crises duma civilização que finda, e à inquietação dos espíritos não corresponde Já, no momento actual, a arte dos Proust. dos Lawrence, dos Mann. o nosso tempo tem outros romancistas, que um preconceito literário qualqu?r não pode diminuir. Não falando de Gorki, são um

John dos Passos, um Nizan. Malraux, Ostrcvski, J o r g e Amado, Aragon e tantos outros.

•Não é preconceito politico, como tantos querem fazer crer, o que no3 leva a preferir esta lj.sratura àquela. E' algo de mais concreto, real e Inegável: a existência duma nova con­cepção do mundo, duma nova maneira de viver, duma outra consciência.

São notáveis algumas criti­cas feitas ao romantismo mes­mo durante o sec. XIX. Entre elas avulta a de Paul Lafargue, temperamento crítico de ex­traordinária energia e agude­za, que é quem pela primeira vez utiliza o diamat na critica literária. E vai tão fundo essa critica, que hoje, ao falar-se dum novo romantismo, cum­pre anallzar em que medida esta crítica se aplica a esto neo-rcmantismo.

«A literatura, dizia Mme de Staèl, é a expressão da socie­dade». Acrescente-se, ou me­lhor, precise-se que a arte é a expressão da luta na socieda­de—que não existe arte sem tendência. Para Lafargue- o romantismo é a literatura da burguezla triunfante de 89. Analisando «de lápis na mão» todo o movimento romântico, consegue estabelecer a reloçào entre a expressão literária e a estrutura social, e denunciar o caracter do romiantifano que «traduz as paixões, as ambi­ções e as esperanças, as idéas e os sentimentos de todos esses Renés enriquecidos na pilha­gem dos bens nacionais, dos viveres, dos fornecimentos, que temiam perder o adquirido». A necessidade de manter uma es­tabilidade encontrada, uma si­tuação dominante, de iludir as contradições que impeliam à rutura desse equilíbrio, obriga cs vencedores de ontem a re­pudiarem as grandes armas da sua vitória: o amor da verda­de, do real, a ânsia de pro­gresso, que animou toda a par­te ascendente da sua trajectó­ria e se lê nes seus mais lídi­mos teóricos do sec. XVIII. Por esta razão, assiste-se, a par da deformação dos valores que criara para o seu triunfo, a um retorno à metafísica, ao sub­jectivismo, aos ideais cavalhei­rescos da Idade Média à sim­patia pelo feudalismo, ao amor do exótico, aos diálogos com Deus e os anjos, a um des­prezo total pelo conhecimento científico. A arte aparece co­

mo separada das contingências da vida, submetida apenas ás leis do belo e do bem. E', como diz Aragon, em Retour a la realité, numa expressão san­grenta, «a época do histrio-nkmo das grandes paixões, das grandes dores, da histeria, dos sentimentos não comparti­lhados ;—«tudo isto não é mais do que o somatório das ilusões, dás ambições, das desilusões, das esperanças, dos Jovens que sacudiam os tronos, crsmdo le­var ao poder a Uberdade para entronizar, afinal, o banqueiro Laíflte». Assim se reflete no romantismo o individualismo da Revolução francesa e, si­multaneamente, uma desilusão acabrunhante, donde «a neces­sidade de tudo atribuir ao Aca­so, à Fatalidade, lançando os e s p í r i t o s na superstição», «atrás das frases gnandilo-quentes e das afirmações ge­nerosas nada mais do que os interesses sórdidos».

A esta critica de Paul Lafar­gue anota Jean Trévitte, na in­trodução às «Critiques lltterai-res* daquele escritor, e pare­ce-me que com profunda ra­zão: «Na realidade, três gru­pos »e exprimem no romantis­mo: a nobreza desapossada, que recorda a Idade Média, chora os tempos do seu domí­nio, se exalta à sombra das ca­tedrais (esta nobreza trouxe ao romantismo os seus temas

vida retrógrados); a segunda é a burguezla que toma da nobreza alguns dos seus costumes e usos (aos temas dãqueda, Jun­ta certos motivos que Ideali­zam os seus apetites coloniais e os tráficos—exotismo, atrac­ção do Oriente e das Améri­cas); a pequena burguezla faz ouvir no romantismo as suas Impaciências e as suas revol­tas, pois fora esmagada pela concorrência e afastada da gestação da política e dos ne­gócios». Em Portugal, p o r exemplo, o romantismo pare­ce-me ser a expressão do libe­ralismo, do triunfo da pequena nobreza e da burguezla sobre os grandes senhores. Eis como se define o romantismo do sec. XIX como a expressão duma sociedade. O neo-remon-tinno e a projecção no futuro a prespectiva larga no tempo, da» condições do presente. Não é utopia arquitectar nas rela­ções concretas do actuai, o fu­turo. O neo-rcmanti?mo tem como o neo-realismo uma base materialista. Eis como um crí­tico refere as relações entre estas duas iconrentes da litera­tura contemporânea:

«Habitualmente opunha-se o romantismo ao realismo. Era porque o romantismo se ligava quási sempre ao idealismo, planando nas esferas metafísi­cas e «noutros mundos» e cs sentidos emocionados do gran-

(Continuavio directamente enfrentando a ontologia do universo, e a pro­blemática limitada, retórica, da metafísica contemporânea, que temos de pôr este proble­ma: o Sr. António Sérgio tra­duziu McTaggart paira bilnear com os seus leitores?

Se lemos o prefácio do livro maus nos convencemos da in­capacidade filosófica de Antó­nio Sérgio em compreender a .posição materialista. Servin-do-se duma confusão infantil entre a relação homean-uni-verso (não espirito-«matéria que é uma manvira já idealista de colocar o problema de que se pretende tirar uma conclu­são sobre o idealismo) para o conhecimento do mundo, e en­tre o problema da existência da matéria por si própria. An­tónio Sérgio faz sua a seguin­te passagem de McTaggart: «O Espirito, porém, não se encon­tra no mesmo caso. Porque... certamente existe por si' pró­prio, e não simplesmente para a Matéria. Ao passo que toda a natureza da Matéria, como vi­mos, ficou reduzida à sua rela­ção com o Espirito».

da página sete) Para que esta afirmação cor­

respondesse à verdade era in­dispensável, como condição prévia, que o próprio conheci­mento subjectivo da Matéria não nos levasse a este facto: a Matéria existia antes do ho­mem (e do seu Espirito) exis­tir. Existe portanto uma Ma­téria independente do nosso Espirito, c se não podemos co­nhecê-la senão em dados es-pirlOuals isso é já outro pro­blema que não desmente que o próprio conhecimento sub­jectivo da Matéria nos leva à conclusão da sua existência exterior ao Espírito.

As outras espécies de argu­mentos que o Sr. Sérgio abona cm deíeza do idealismo con-vencem-nos de que, quando nos diz que a «tese do mate­rialismo é facílima de inter­pretar» o prefaciador desmas­cara a própria origem dos seus argumentos: demasiadas faci­lidades em raciocinar sobre coisas um pouco menos fáceis do que lhe parecem...

ALBERTINO GOUVEIA

i/mte e dois sal nascente

na oàea de loeae rimada de e do maravilhoso condu­ziam para fora dos Umites do mundo real. Em segundo lugar porque o realismo exprimia um chamado «objectlvismo» li­mitado. O romantismo, nas nossas condições, está ligado antes de mais nada à vida he­róica. Não é orientado para um céu metafísico, mas para a terra, em todo o sentido da palavra: para a vitória e para a conquista da natureza. Por outro lado, o neo-realismo não é uma simples constatação da realidade, antes, tomando o fio da vida actual o conduz para o futuro dum modo activo. E' por isto que a oposição entre neo-romantismo e realismo é destituída de sentido.»

O neo-romantismo é pois a expressão dum imenso heroís­mo, prespectiva que se «so­nha», se constrói sobre os ali­cerces do real e se talha na conquista do futuro.

«Pseudónimo do neo-realis­mo» ou seu prolongamento na­tural é totalmente afastado desse outro romantismo que o génio crítico de Paul Lafargue escalpelizou. Gorki distlngue--os desta maneira lapidar: «£' indispensável considerar no romantismo duas tendências nitidamente diferentes: o ro­mantismo passivo, que se es­força por conciliar o individuo com a realidade, embelezan­do-a, seja por voltar a realida­

de para um aprofundamento estéril do mundo intimo, para os pensamentos sobre os eni­gmas fatais da vida, sobre o amor, sobre a morte; o roman­tismo activo reforça no ho­mem a vontade de viver, pro-vocando-lhe a reacção contra toda a opressão da realidade».

Neo -romantismo é pois a ex­pressão duma nova mentalida­de que encontra na luta a sua razão de ser, cheia de dinamis­mo, de vontade—expressão ar­dente, alegre, real, dum novo espírito conquistador.

cRomance da Baia»: roman­ce dos alugados de «Cacau*. escravos da «Fazenda Frater­nidade» dos coronéis; romance dos negros do Morro, presos ainda ao seu mundo primitivo, ingénuo—ainda uma raça es­crava; romance dos pescadores dos cais de «Mar Morto*; «Suor*, romance das vidas mi­seráveis que se roçam através dos tabiques do prédio 68 duma rua pobre da Baia, arqultetura duma angústia quotidiana em que se amassam os destinos daqueles que consomem as suas vidas na conquista diária dum pão parco, duro e amargo: his­tória dos pequenos mendigos e ladrões, meninos abandona­dos das ruas da cidade, «Capi­tais da areia*. «Romance da

Baia», romance cíclico duma cidade, exaltação do heroísmo anónimo, da coragem com que a maioria dum povo luta por uma vida precária.

O sentido heróico da obra de Jorge Amado encontra-se na reacção individual perante o ambiente. Reacção de caracter puramente biológico, instinti­va, manifestada num incon­formismo extremo ante as .im­posições da realidade, tocando .por vezes o anti-social, que en­contra depois a sua finalidade e a sua justa expressão no combate colectivo por uma vi­da mais Justa, por uma digni­ficação do homem. Os heróis dos romances de Jorge Amado escolhidos nos meios pobres, ignorantes ou analfabetos, vi­vem dum espontâneo sentido da luta sccial, demarcado pe­las circunstâncias em que de­correm as suas existências. São as contradições que se dese­nham aos seus olhos simples, as contradições de que tomam um conhecimento corpóreo, fí­sico, entre deis mundos e dois modos de viver, que os levam a tomar as suas atitudes. São os factos que forjam as suas consciências.

A personalidade destes he­róis caracteriza-se por uma re­beldia inata, pela generosida­de, pela valentia, muitas ve­zes por uma certa crueldade— justo ressentimento—«, sobre­

tudo- por um amor imenso da vida. Viver corajosamente, pas­sar sem vertigens pelos abis­mos, lutar sem desfalecimen­to, arrastados por um obscuro Instinto de luta, eis a legenda destes heróis modernos.

«Todo o homem valente tem no coração uma estrela». Va­lente é António Balduíno, o negro que fez da sua vida um A B C como esses que cantava. António Balduíno, o que amou a vida e a aventura, o lutador de mH combates que soube cem um só sentido no dia em que lado a lado pelejava com os outros homens por um bem comum; valente é Guma, é Zumbi dos Palmares, é Virgo­lino Lampeão, que viraram es­trela, como Lívia que vai ao mar ganhar o pão do filho, ou Dora que viveu a vida dum ca­pitão da areia e amou corajo­samente a Pedro Bala. Mes se a obra de Jorge Amado é a exaltação deste heroismo de que falámos, não é menos cer­to nunca serem esquecidas nos seus livros as condições am­bientes em que a acção se de­senrola. Sendo um escritor ro­mântico, Jorge Amado é tam­bém um escritor materialista. «O heroísmo individual—como disse André Malraux—ganha um sentido fecundo ao inte­grar-se num destino colectivo e tende a transformá-lo».

JOAQUIM NAMORADO

( C o n t i n u a ç ã o da p á g i n a n o v e )

nossa voz, trabalhar com o nosso braço, fazermo-nos ao largo no barco dos tempesta­des—precisamente porque a vida não é um mar de rosas.

Este, o mal-entendido por que começou o cepticismo do sr. Qualquer Coisa.

Por fim, trata-se duma mis­tificação, porque o sr. escolheu um caminho, e fez que não; organizou a sua vida de certa maneira, participou na luta de interesses, desempenhou um papel no drama «A Luta pela Vida», em cena todos os dias —e fingiu que se conservava

aparte, alheio a materiallda-des, circunspecto, sorridente— céptico.

O cepticismo esconde a po­sição, esconde a participação activa nos conflitos, esconde os interesses do sr. Qualquer Coi­sa, de todos os srs. Qulaquer Coisa, «definitivamente» bem instalados.

O cepticismo—este cepticis­mo particular—é uma arma mais, além do suborno e da .prepotência aberta ou disfar­çada.

UMBERTO DINIZ

OUoU" Grande semanário de literatura e critica.

Publica em todas et números: Ensaios, literatura de ficção, páginas de antologia, movimento de ideias, cultura cientifica, eco­nomia; critica de livros, teatro, artes plásticas, cinema, rádio e desportos; Revista das revistas, revista de livros, «Coisas de

«O Diabo», etc. .

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