Direito Empresarial
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T E M Á R I O
TOMO I – DIREITO CAMBIÁRIO: TÍTULOS DE CRÉDITO E AÇÕES CAMBIAIS
CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DO DIREITO CAMBIÁRIO
CAPÍTULO II – LETRA DE CÂMBIO
CAPÍTULO III – NOTA PROMISSÓRIA
CAPÍTULO IV – CHEQUE
CAPÍTULO V – DUPLICATAS
CAPÍTULO VI – AÇÕES CAMBIAIS
CAPÍTULO VII – AÇÃO MONITÓRIA
TOMO II – DIREITO FALIMENTAR: RECUPERAÇÕES EMPRESARIAIS E
FALÊNCIAS
CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DO DIREITO FALIMENTAR
CAPÍTULO II – INSTITUTOS COMUNS ÀS RECUPERAÇÕES
EMPRESARIAIS E ÀS FALÊNCIAS
CAPÍTULO III – RECUPERAÇÃO JUDICIAL
CAPÍTULO IV – RECUPERAÇÃO JUDICIAL ESPECIAL
CAPÍTULO V – RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
CAPÍTULO VI – FALÊNCIAS
CAPÍTULO VII – AÇÃO REVOCATÓRIA
CAPÍTULO VIII – SEQUESTRO E ARRESTO CAUTELARES
CAPÍTULO IX – AÇÃO DE RESTITUIÇÃO
CAPÍTULO X – EMBARGOS DE TERCEIRO
CAPÍTULO XI – AÇÕES PENAIS
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Aos amigos Professores
Fredie Didier Jr., Marlon Tomazette, Gláucio Inácio da Silveira e Otávio Vieira Barbi,
em agradecimento ao incentivo e ao auxílio prestados em favor do presente compêndio.
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INTRODUÇÃO
O presente compêndio é a consolidação das anotações das aulas das
disciplinas ―Direito Empresarial III – Direito Cambiário‖ e ―Direito Empresarial
IV – Direito Falimentar‖, lecionadas nos últimos oito anos, no Curso de Direito
da Fundação Universidade Federal de Viçosa – UFV.
No que tange à estrutura escolhida, o compêndio está dividido em dois
tomos. O primeiro tomo é destinado ao direito cambiário, com o estudo dos
quatro principais títulos de crédito (vale dizer, letra de câmbio, nota
promissória, cheque e duplicata), das ações cambiais, da ação de
locupletamento indevido e da ação monitória, com a interpretação conjunta
das leis especiais de regência dos títulos de crédito, do Código de Processo
Civil vigente e do Código Civil de 2002. Em virtude da importância do tema,
as ações cambiais foram estudadas em dois momentos: primeiro, de forma
específica, em conjunto com cada um dos títulos de crédito, ao final dos
respectivos capítulos; depois, de forma genérica, em capítulo próprio para as
ações cambiais, com o estudo conjunto e comparativo das ações cambiais,
com a exposição do procedimento relativo ao processo de execução para a
cobrança judicial dos títulos de crédito.
Já o segundo tomo do compêndio versa sobre o direito falimentar,
com o estudo das ações de falência, de recuperação judicial e outros
institutos jurídicos correlatos, à vista da Lei nº 11.101/2005, e do Código de
Processo Civil, com as modificações provenientes das Leis nºs 11.232/2005
e 11.382/ 2006.
Por fim, além do exame das leis específicas, em ambos os tomos há
referências e comentários aos enunciados sumulares pertinentes aprovados
no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal
Superior do Trabalho, no Tribunal de Justiça de São Paulo, no Tribunal de
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Justiça do Rio de Janeiro, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no antigo
Tribunal de Alçada de Minas Gerais, nas Turmas Recursais do Paraná e nas
Jornadas de Direito Civil e de Direito Comercial do Conselho da Justiça
Federal.
Bernardo Pimentel Souza
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CAPÍTULO I — TEORIA GERAL DO DIREITO CAMBIÁRIO
1. Conceito de Direito Cambiário
O Direito Comercial – ou Direito Empresarial1 – é o ramo do direito que
dispõe sobre o empresário e as sociedades empresárias, sob todos os prismas,
desde o início da atividade empresarial, o posterior exercício da empresa, até a
eventual falência.
Já o Direito Cambiário – ou Direito Cambial – é o sub-ramo do Direito
Comercial que versa especificamente sobre os títulos de crédito e as respectivas
ações cambiais. Não obstante, por ser o Direito Cambiário norteado à luz de
princípios próprios, regido por leis específicas e interpretado em obras doutrinárias
especializadas, é até mesmo possível defender que o Direito Cambiário já é um
ramo autônomo do direito, cujo objeto reside nos títulos de crédito e nas ações
cambiais. A defesa da autonomia do Direito Cambiário encontra explicação na
regra consubstanciada na ampla legitimidade para a emissão dos títulos de
crédito, porquanto não só os empresários e as sociedades empresárias, mas
também as pessoas naturais e outras pessoas jurídicas além das sociedades
empresárias têm legitimidade para a emissão da grande maioria dos títulos de
crédito: a letra de câmbio, a nota promissória, o cheque, a duplicata de prestação
de serviços, por exemplo.
2. Notícia histórica dos títulos de crédito
A origem dos títulos de crédito remonta à Idade Média, em razão da
incompatibilidade do escambo com o crescimento da circulação de mercadorias2.
1 Como já anotado na introdução do presente compêndio, o inciso I do art. 22 da Constituição Federal vigente
consagra a tradicional denominação ―Direito Comercial‖. Não obstante, a designação ―Direito Empresarial‖ ganhou força com o advento do Código de 2002, em razão da inclusão de um livro específico acerca ―DO DIREITO DE EMPRESA‖ no novo Código Civil pátrio. Daí a preferência pela nova expressão ―Direito Empresarial‖, a qual é mais ampla do que a expressão constitucional ―Direito Comercial‖, porquanto o empresário não é só o comerciante, mas também o fabricante-industrial e o prestador de serviços. 2 Assim, na doutrina: Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 21ª ed., 1998, p. 336 a 337; e
Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 6.
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Com efeito, o desenvolvimento do comércio exigiu a criação de um meio para que
o credor pudesse fazer prova da existência do crédito, com segurança quanto ao
respectivo recebimento e a eventual cobrança forçada do devedor. Daí o
surgimento do primeiro título de crédito que se tem notícia, qual seja, a letra de
câmbio.
3. Conceito de título de crédito
O título de crédito é o documento que garante o exercício de direito
obrigacional pecuniário consagrado de forma literal e que é autônomo em relação
à obrigação originária. A propósito do conceito de título de crédito, vale conferir o
disposto no art. 887 do Código Civil: ―O título de crédito, documento necessário ao
exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando
preencha os requisitos da lei‖.
Em virtude do advento da informática e do reconhecimento legal da
respectiva utilização em relação aos títulos de créditos, já é possível apresentar
um conceito mais moderno: título de crédito é o documento físico ou digital que
explicita obrigação autônoma de pagamento de quantia certa prevista em lei.
4. Natureza jurídica: bem móvel
À vista do conceito estampado no art. 887 do Código Civil de 2002, é lícito
afirmar que os títulos de crédito são bens móveis.
Na qualidade de bens móveis, os títulos de créditos são passíveis tanto de
penhor quanto de penhora, como bem revelam os arts. 1.451 a 1.460 do Código
Civil, e os arts. 655, inciso III, e 672 do Código de Processo Civil,
respectivamente3.
3 Penhor e penhora são institutos jurídicos diferentes: enquanto o penhor é instituto de direito civil, a penhora
é instituto de direito processual. O penhor é modalidade de garantia real sobre coisa móvel, nos termos do art. 1.431 do Código Civil. Já a penhora é modalidade de garantia de execução, por meio da apreensão judicial de bens móveis e imóveis, como bem revela o art. 655 do Código de Processo Civil.
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5. Princípios norteadores do Direito Cambiário
O art. 887 do Código Civil de 2002 consagrou, à evidência, os princípios
norteadores do Direito Cambiário, quais sejam: – cartularidade ou
documentalidade; – literalidade; – autonomia; – formalidade; – legalidade ou
tipicidade.
5.1. Cartularidade ou documentalidade
A cartularidade é o princípio consubstanciado na documentação da
obrigação cambial, razão pela qual quem detém o papel representativo da dívida
pode efetuar a respectiva cobrança.
Por força da cartularidade, o título de crédito original deve ser apresentado
em juízo com a petição inicial da respectiva execução cambial. Sem dúvida, a
exigência da apresentação do original para a execução do título de crédito está
prevista no art. 614, inciso I, do Código de Processo Civil, combinado com o
parágrafo único do art. 223 do Código Civil.
Não obstante, a regra consubstanciada na necessidade da apresentação do
original do título de crédito não é absoluta4. Se o original do título de crédito
constar dos autos de outro processo judicial, o credor pode requerer certidão de
inteiro teor, a fim de instruir a petição inicial da execução, como bem autorizam o
art. 9º, parágrafo único, última parte, e o art. 94, § 3º, ambos da Lei nº
11.101/2005. À vista do art. 17 da Lei nº 9.492/1997, também é admissível a
propositura de execução aparelhada em certidão de inteiro teor expedida pelo
escrivão do tabelionato no qual o título de crédito original foi apresentado para
4 Assim, na doutrina: ―Pela própria natureza dos títulos mencionados, os mesmos devem ser juntos com a
inicial no original respectivo. Nem mesmo a fotocópia é permitida, em regra. Excepcionalmente, a certidão – e hoje, de modo muito melhor, por ser inteira reprodução gráfica, a fotocópia autenticada – de qualquer deles poderá ser anexada à inicial, se houver impossibilidade, por obstáculo judicial, no caso de o original estar já instruindo outro processo forense, sem que tenha sido permitido o desentranhamento pelo juiz.‖ (Alcides de Mendonça Lima. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VI, Tomo I, 1974, nº 741, p. 337). ―Em razão do princípio da circulabilidade dos títulos de crédito, para o ingresso da ação executiva exige-se a instrução da petição inicial com o título original, não sendo permitida a juntada de fotocópias, ainda que autenticadas. É claro que em situações nas quais o título esteja instruindo outro processo (como uma ação penal de estelionato), e sendo impossível o seu desentranhamento, bastará ao exeqüente a juntada de fotocópia e certidão de objeto e pé do processo em que se encontra o original do título.‖ (Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de direito processual civil. 2009, p. 792).
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protesto5. Outra exceção reside no art. 15, § 2º, da Lei nº 5.474/1968, com a
redação determinada pela Lei nº 6.458/1977, porquanto é admissível a execução
sem o título de crédito original quando a duplicata não é aceita nem é devolvida,
hipótese na qual a petição inicial da execução pode ser instruída com o
instrumento de protesto mediante indicações6. Por tudo, nem sempre a execução
depende da apresentação do título de crédito original.
Ainda à luz da cartularidade, aquele que paga pode exigir a entrega do
título de crédito, a fim de evitar a respectiva circulação, sob pena de nova
cobrança por parte de eventual terceiro de boa-fé portador do título7.
5.2. Literalidade
A literalidade é o princípio segundo o qual somente o que constar do título
por escrito tem valor jurídico-cambial. As obrigações cambiárias são apenas
aquelas que residem na cártula, de forma explícita: somente o que estiver escrito
no documento tem valor jurídico-cambial8.
5.3. Autonomia
A autonomia é o princípio segundo o qual cada relação jurídica proveniente
do título de crédito tem subsistência própria, independentemente das demais9.
5 Assim, na jurisprudência: Apelação nº 2002.01.1.112625-0, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 14
de outubro de 2004, p. 23. 6 De acordo, na doutrina: ―Há vezes em que a duplicata, enviada ao devedor para aceite, fica retida por ele.
Nesse caso, faz-se o protesto por indicação do credor, e a execução poderá ser feita sem a juntada do título.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 66). 7 De acordo, na jurisprudência: ―A quitação do débito representado por títulos de crédito exige procedimentos
específicos em razão da cartularidade e da possibilidade da circulação do título. Nesse passo, uma vez paga a dívida, incumbe ao devedor exigir a entrega do título de crédito, não só para fazer prova da sua quitação, mas também para impedir a sua circulação.‖ (Apelação nº 2005.01.1.071944-3, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 22 de março de 2007, p. 75). 8 Assim, na doutrina: Jean Carlos Fernandes. Direito empresarial aplicado. 2007, p. 130; Luiz Antonio Guerra.
Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos. 2007, p. 41 e 42; e Marlon Tomazette. Direito societário. 2003, p. 259. Em abono, vale conferir a ementa do seguinte precedente jurisprudencial: ―PROCESSO DE EXECUÇÃO. LITERALIDADE DO TÍTULO CAMBIÁRIO. Em execução baseada unicamente no título cambiário, nota promissória, não se poderá exigir do devedor senão o adimplemento das obrigações cambiariamente assumidas.‖ (REsp nº 2.598/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 10 de setembro de 1990). 9 De acordo, na doutrina: Marlon Tomazette. Direito societário. 2003, p. 259: ―Pela autonomia das obrigações,
do título de crédito podem decorrer vários direitos, podem surgir várias relações jurídicas, e todo o possuidor
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Com efeito, cada obrigação cambial vale por si só, por ser autônoma em relação
às obrigações pretéritas. A autonomia cambial subsiste até mesmo quando as
relações anteriores estão contaminadas por alguma nulidade, como nas hipóteses
previstas no art. 7º da Lei Uniforme de Genebra10.
A autonomia é reforçada pela abstração cambiária e pela inoponibilidade
das exceções pessoais. A abstração significa que a obrigação cambiária não está
vinculada à causa que deu origem ao crédito; e a inoponibilidade das exceções
pessoais consiste na impossibilidade de o devedor ressuscitar defeitos jurídicos
provenientes da relação jurídica primitiva, com a consequente imunidade dos
terceiros de boa-fé contra as eventuais defesas oriundas da relação obrigacional
originária, ex vi do art. 17 da Lei Uniforme de Genebra11-12.
Embora sejam – e realmente o são – princípios afins, a autonomia, a
abstração e inoponibilidade não se confundem: a autonomia diz respeito à
independência das obrigações cambiais entre si; a abstração diz respeito à
independência do título de crédito em relação à causa originária, vale dizer, ao
negócio subjacente13; e a inoponibilidade diz respeito à proteção do terceiro de
exerce o direito como se fosse um direito originário. Em outras palavras, os vícios em relações existentes entre as partes anteriores não afetam o direito do possuidor atual. Cada obrigação que deriva do título é autônoma, não podendo uma das partes do título invocar, em seu favor, fatos ligados aos obrigados anteriores‖. 10
De acordo, na doutrina: Jean Carlos Fernandes. Direito empresarial aplicado. 2007, p. 131: ―Por último, a autonomia do título de crédito determina que cada pessoa que a ele se vincula assume obrigação autônoma relativa ao título, não se vinculando uma à outra, de tal forma que uma obrigação nula não afeta as demais obrigações válidas no título, a teor do art. 7º da LUG‖. 11
Sem dúvida, a regra é a inoponibilidade consagrada no art. 17 da Lei Uniforme, mas que não tem caráter absoluto, em virtude da ressalva legal em relação à eventual má-fé do terceiro. ―Assim, devido ao princípio da autonomia, uma vez que o título de crédito saia da esfera de detenção do credor originário, entrando em circulação, deve-se aplicar a inoponibilidade das exceções pessoais, pois o portador de boa-fé exercita um direito próprio e não derivado da relação havida anteriormente, salvo quando se evidenciar que este tenha agido com má-fé.‖ (Apelação nº 2004.01.1.088269-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de janeiro de 2006, p. 68). 12
Para afastar a presunção legal da boa-fé que protege o terceiro portador da cártula que executa o respectivo crédito, o devedor precisa ajuizar ação de embargos à execução, para demonstrar a má-fé do terceiro exequente. 13
Assim, na doutrina: ―Pela abstração, temos que os direitos decorrentes dos títulos são abstratos, independentemente do negócio que deu lugar ao seu surgimento. A abstração não se confunde com a autonomia das obrigações cambiais (princípio da independência das obrigações cambiais). Aquela traz a regra de que uma vez emitido o título este se libera de sua causa; essa disciplina que as obrigações assumidas no título são independentes umas das outras.‖ (Jean Carlos Fernandes. Direito empresarial aplicado. 2007, p. 132).
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boa-fé portador do título de crédito em relação aos eventuais vícios que
contaminaram o negócio celebrado entre as partes originárias14.
À vista da combinação da autonomia, da abstração e da inoponibilidade das
exceções, as obrigações jurídico-cambiais subsistem a despeito da ocorrência de
algum vício na relação jurídica primitiva, razão pela qual o terceiro de boa-fé que
não participou da relação obrigacional anterior está protegido das eventuais
nulidades que contaminaram a relação jurídica pretérita. Só há lugar para a
discussão da causa do título e para a oposição de exceções entre as partes
originárias, sem atingir o terceiro de boa-fé titular superveniente do crédito
representado na cártula. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 10.2
aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná: ―Cheque – endosso –
cobrança de terceiro de boa-fé: O emitente do título não pode opor exceções
pessoais ao portador de boa-fé não integrante do negócio subjacente‖.
Resta saber quando surgem a autonomia, a abstração e a inoponibilidade
das exceções: no momento da circulação do título de crédito, a fim de proteger o
terceiro de boa-fé de eventual nulidade existente na relação jurídica originária15.
Em contraposição, enquanto o título de crédito não circular, é permitida a
discussão acerca da causa debendi, com a possibilidade da demonstração da
ilicitude da origem da dívida16.
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Assim, na jurisprudência: ―Em virtude da circulação do título, decorrente da autonomia de que desfruta o título de crédito, não cabe a oposição de exceções porventura existentes entre as partes que celebraram o pacto primitivo, consoante dispõe o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais.‖ (Apelação nº 2004.01.1.049619-9, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 16 de novembro de 2006, p. 69). 15
Assim, na jurisprudência: ―A autonomia própria dos títulos de crédito consiste em reflexo da respectiva negociabilidade, é dizer, a abstração somente se verifica à vista da circulação da cambial;‖ (REsp nº 812.004/RS, 4
a Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2006, p. 452). ―Assim, devido ao princípio
da autonomia, uma vez que o título de crédito saia da esfera de detenção do credor originário, entrando em circulação, deve-se aplicar a inoponibilidade das exceções pessoais, pois o portador de boa-fé exercita um direito próprio e não derivado da relação havida anteriormente, salvo quando se evidenciar que este tenha agido com má-fé.‖ (Apelação nº 2004.01.1.088269-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de janeiro de 2006, p. 68). 16
De acordo, na jurisprudência: ―Comercial. Título de crédito. Avalista. Discussão sobre a origem do débito. Ausência de circulação do título. Possibilidade. Precedentes. - Na esteira de precedentes da 3ª Turma do STJ, se o título de crédito não circulou, pode o avalista argüir exceções baseadas na extinção, ilicitude ou inexistência da dívida da qual originou o título, visando evitar o enriquecimento sem causa do credor. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 678.881/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 216). ―Aval. Autonomia. Oponibilidade de exceções. Não pode o avalista opor exceções fundadas em fato que só ao avalizado diga respeito, como o de ter-lhe sido deferida concordata. Entretanto, se o título não circulou, ser-lhe-á dado fazê-lo quanto ao que se refira à própria existência do débito. Se a dívida, pertinente à relação que deu causa à criação do título, desapareceu ou não chegou a existir, poderá o avalizado fundar-se nisso para recusar o pagamento.‖ (REsp nº 162.332/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto
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5.4. Formalismo
À vista da parte final do art. 887 do Código Civil, tem-se que o princípio do
formalismo está consubstanciado na exigência de que o documento representativo
do crédito contenha todas as formalidades previstas na legislação pertinente, sob
pena de a cártula não ter serventia como título de crédito. Só é título de crédito o
documento redigido à luz de todas as formalidades insertas na respectiva lei de
regência17.
Por outro lado, não há como exigir outras formalidades adicionais não
previstas na legislação de regência do respectivo título de crédito. Por exemplo, as
leis que versam sobre os títulos de crédito não exigem que a cártula seja assinada
por testemunha do negócio jurídico-cambial. Daí a dispensa da assinatura de
testemunha, em virtude da inexistência de formalidade específica nas leis de
regência dos títulos de crédito18.
de 2000, p. 117). ―Em razão da não circulação do título, essa abstração é mitigada, admitindo-se discutir a causa debendi.‖ (Recurso nº 101.999, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Diário da Justiça de 28 de março de 2001, p. 82). 17
De acordo, na doutrina: Luiz Antonio Guerra. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos. 2007, p. 41 e 42; e Carlos Maximiliano Pereira dos Santos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª ed., 1996, p. 319, nº 386: ―Por motivos de interesse geral se prescrevem formalidades constitutivas, essenciais para certos atos; a inobservância das mesmas induz nulidade e dá margem a outras penas, seja qual for a vontade das partes. A estes se não atribui o poder de convencionar o contrário do que uma norma imperativa ou proibitiva dispôs como substancial, intrínseco ou de ordem pública. Assim acontece com os preceitos que regulam a circulação de mercadorias e dos títulos de crédito, os requisitos das letras de câmbio e notas promissórias, a organização exterior das sociedades, os termos de outorga de mandato‖. Assim, na jurisprudência: ―APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSO DE EXECUÇÃO - REQUISITOS DE FORMALIDADE - NOTA PROMISSÓRIA - RASURA NO VALOR NUMÉRICO - OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL. I - Em se tratando de processo de execução, pode e deve o julgador cercar-se da certeza de estarem presentes os requisitos de formalidade inerentes aos títulos cambiais, independentemente da matéria argüida em sede de embargos. II - A rasura no valor numérico originalmente consignado, contida na nota promissória, ressai como obstáculo intransponível a que a parte possa se socorrer do rito especialíssimo a que se submete o processo de execução a fim de receber o seu crédito. III - Nada impede a parte de buscar o crédito que considera justo pela via do processo de conhecimento, quer pelo rito ordinário, quer pelo rito especial da monitória.‖ (Apelação nº 51.223/99, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 1999, p. 13). ―PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DUPLICATAS MERCANTIS. FORMALISMO. CIRCULAÇÃO. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS. Como título de crédito, a duplicata deve se revestir de rigoroso formalismo, preenchendo devidamente os requisitos essenciais contidos no art. 2º da Lei 5.474/68‖ (Apelação nº 2004.01.1.088269-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de janeiro de 2006, p. 68). 18
De acordo, na jurisprudência: ―II. Aos títulos de crédito, assim reconhecidos em lei, dispensa-se a formalidade exigida aos contratos particulares, de assinatura de duas testemunhas, para que adquiram executoriedade.‖ (REsp nº 215.265/GO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 369).
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5.5. Legalidade ou tipicidade
O princípio da legalidade está consubstanciado na necessidade da
existência de lei de constituição do título de crédito. Com efeito, apenas os
documentos reconhecidos ex vi legis como títulos de crédito têm natureza
cambiária e a consequente força executiva19. Os exemplos mais importantes de
títulos de crédito constam do inciso I do artigo 585 do Código de Processo Civil: a
letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, o cheque e a debênture.
Com efeito, à vista do artigo 585, inciso I, do Código de Processo Civil, com
a redação dada pela Lei nº 8.953, de 1994, e do artigo 52 da Lei nº 6.404, de
197620, com a redação conferida pela Lei nº 10.303, de 2001, não há mais dúvida
de que a debênture é título de crédito – e título executivo extrajudicial – cuja
emissão se dá pelas sociedades empresárias anônimas, na busca de
capitalização, por meio de modalidade especial de empréstimo conferido por
terceiro21.
Em contraposição, documentos sem previsão legal específica não têm
natureza de título de crédito, como ocorre, por exemplo, com o simples ―boleto
bancário‖, também denominado ―boleto de cobrança‖ ou ―bloqueto de cobrança‖.
Sem dúvida, à vista do artigo 22, inciso I, da Constituição de 1988, apenas a lei
federal pode instituir títulos de crédito; a ausência de previsão em legislação
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De acordo, na doutrina: ―e) legalidade – para a validade do título, obrigatoriamente, deve ele ser criado por lei; sem exceção, todos os títulos de crédito possuem lei especial de regência.‖ (Luiz Antonio Guerra. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos. 2007, p. 42). 20
―Art. 52. A companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado‖. 21
De acordo, na jurisprudência: ―1. A debênture, título executivo extrajudicial (CPC, art. 585, I), é emitida por sociedades por ações, sendo título representativo de fração de mútuo tomado pela companhia emitente. A debênture confere aos seus titulares um direito de crédito (Lei 6.404, de 15.12.1976, art. 52), ao qual se agrega garantia real sobre determinado bem e/ou garantia flutuante assegurando privilégio geral sobre todo o ativo da devedora (art. 58). É, igualmente, título mobiliário apto a ser negociado em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão, nos termos da legislação específica (Lei 6.385, de 07.12.1976, art. 2º). 2. Dada a sua natureza de título de crédito, as debêntures são bens penhoráveis.‖ (REsp nº 834.885/RS, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 203, sem o grifo no original). ―1. A debênture é título executivo extrajudicial (CPC, art. 585, I) emitida por sociedades por ações, sendo título representativo de fração de mútuo tomado pela companhia emitente, passível de garantia da execução fiscal.‖ (REsp nº 1.203.358/SP – AgRg, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 16 de novembro de 2010). ―Como visto, as debêntures são títulos executivos que possuem natureza jurídica de título de crédito, e como tal podem ser executados diretamente, não necessitando da ação cognitiva, valendo por si só.‖ (Apelação nº 1.0433.06.179018-7/002, 13ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 14 de junho de 2008, sem os grifos no original).
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específica impede o reconhecimento da natureza cambiária aos documentos em
geral, como o ―boleto bancário‖22.
6. Atributos ou benefícios dos títulos de crédito: negociabilidade e
executividade
Estudados os princípios norteadores dos títulos de créditos, vale conferir os
respectivos atributos ou benefícios que explicam a subsistência e o êxito do
instituto: a negociabilidade e a executividade.
A negociabilidade consiste na maior facilidade de circulação do crédito,
porquanto a autonomia, a abstração e a inoponibilidade facilitam a negociação do
título com terceiros, os quais estão protegidos por força dos arts. 7º e 17 da Lei
Uniforme de Genebra. Daí a frequente negociação de títulos de crédito com as
instituições financeiras, as quais adquirem títulos de credores originários mediante
pagamento de parcela do valor estampado na cártula, com a posterior cobrança
da quantia total dos respectivos devedores e o consequente lucro em virtude da
operação23.
Já a executividade consiste na maior facilidade de cobrança da dívida
mediante execução forçada, sem a necessidade de prévio processo de
conhecimento para a respectiva cobrança judicial. Com efeito, os títulos de
créditos típicos autorizam o imediato ajuizamento de execução por quantia certa,
sob o procedimento previsto nos arts. 646 a 724 do Código de Processo Civil,
porquanto o inciso I do art. 585 do mesmo diploma confere aos títulos de crédito
típicos força de título executivo extrajudicial. Daí a possibilidade da constrição de
22
De acordo, na jurisprudência: ―O boleto bancário não é tipificado em nosso sistema comercial como título de crédito e por isso não há como se admitir o seu protesto, que se mostra claramente abusivo.‖ (Apelação nº 1.0433.99.002460-9, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 21 de julho de 2009). ―O simples boleto bancário não enseja apontamento de protesto, por não previsto na legislação como título representativo de dívida, máxime quando não comprovado o lastro em nota fiscal correspondente.‖ (Apelação nº 2.0000.00.423714-5, 4ª Câmara Civil do TAMG, Diário da Justiça de 20 de março de 2004). ―Segundo entendimento dominante nos tribunais, o boleto bancário não constitui título de crédito, não se sujeitando, dessa forma, ao protesto cambial.‖ (Agravo de Instrumento nº 2007.00.2.005763-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de setembro de 2007, p. 119). 23
Daí as frequentes ―operações de desconto em bancos das duplicatas ou outro título representativo dos créditos derivados das vendas‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 12ª ed., 2011, p. 250).
17
17
bens do devedor mediante penhora e até arresto, com a posterior alienação
judicial dos bens, para a satisfação da dívida em favor do credor.
7. Características da obrigação cambiária: quesível e pro solvendo
Em regra, a obrigação cambiária é quesível e pro solvendo: por ser
quesível, a iniciativa rumo à busca do pagamento da quantia estampada no título
cabe ao credor24; e por ser obrigação pro solvendo, a extinção da obrigação
cambiária se dá com o efetivo pagamento, vale dizer, com a liquidação do título de
crédito25.
Só excepcionalmente, portanto, a obrigação cambiária é portável e pro
soluto, por força de disposição específica na lei de regência ou no bojo do título de
crédito.
8. Classificações dos títulos de crédito
Os títulos de crédito são classificados segundo muitos critérios26: – modelo
ou padronização; – estrutura ou relações jurídicas; – emissão ou origem; –
24
De acordo, na jurisprudência: ―– Nosso sistema jurídico adota a regra de que o pagamento é quesível, isto é, deve ser procurado pelo credor (dívida querable), salvo estipulação em contrário, isto é, que se tenha ajustado – ou que se possa inferir dos dados concretos – que ao devedor competiria oferecer o pagamento (dívida portable).‖ (Apelação nº 1.0027.08.157786-1/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 10
de setembro de 2009). ―– Em virtude de o cheque representar obrigação quesível, o devedor é constituído em mora pela apresentação do título pelo credor ao banco sacado, data a partir da qual deverão incidir os juros moratórios.‖ (Apelação nº 1.0481.05.043034-9/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 10 de maio de 2007). 25
Assim, na jurisprudência: ―– O mero recebimento, pelo credor, de cheque para pagamento de Duplicata não importa novação da dívida, porquanto referenciado cheque tem a característica pro solvendo, importando dizer que somente se concretiza o pagamento após sua compensação.‖ (Apelação nº 2.0000.00.377750-0/001, 2ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 29 de novembro de 2003). ―– Tratando-se de pagamento de dívida com cheque pós-datado, a extinção da obrigação somente se verifica após a liquidação decorrente de sua compensação, em razão do efeito pro solvendo da cártula.‖ (Apelação nº 2.0000.00.400700-3/001, 2ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 20 de dezembro de 2003). 26
Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial. Volume I, 3ª ed., 2000, p. 375 a 377, e Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, 385 a 387; Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 28 e 29; e Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado. 6ª ed., 2008, p. 721, comentário 19, in verbis: ―19. Classificação. 1) Quanto ao modelo: livre (sem modelo fixo) ou vinculado (com modelo fixo); 2) quanto à circulação: ao portador (não há menção ao beneficiário, que poderá ser a pessoa que o tenha em seu poder), ou nominativos (com explícita menção ao beneficiário); 3) quanto à emissão: causal (dependente do negócio que lhe deu origem) ou abstrato (sem ligação com o negócio que lhe deu origem; eventual invalidade deste, p. ex., não lhe é prejudicial); 4) quanto à natureza: próprio (o título representa o crédito) ou impróprio‖.
18
18
circulação ou transferência da titularidade; e – natureza (cambial ou
cambiariforme).
No que tange ao modelo, os títulos de crédito podem ser vinculados ou
livres, conforme a confecção dependa da observância de padrão legal
(vinculados), ou não (livres). Por exemplo, o cheque e as duplicatas são títulos
vinculados, porquanto são submetidos a um padrão legal de confecção, sob pena
não serem considerados títulos de crédito. Já a letra de câmbio e a nota
promissória são títulos livres, já que podem ser confeccionadas em qualquer
documento, ainda que não seja um formulário padronizado; basta que sejam
redigidas (a letra e a nota) em um papel, de qualquer tamanho, cor ou forma, com
o lançamento dos termos legais.
Quanto à estrutura, os títulos de crédito podem ser promessa de
pagamento ou ordem de pagamento, consoante a existência de duas ou três
posições jurídicas distintas, respectivamente. Por exemplo, a nota promissória é
uma promessa de pagamento na qual são encontradas apenas duas posições
jurídicas: o emitente-sacador e o credor-beneficiário. Já a letra de câmbio, o
cheque e as duplicatas têm natureza de ordem de pagamento, com a existência
de três posições jurídicas: emitente-sacador, sacado e credor-beneficiário.
No tocante à emissão, os títulos de crédito são causais ou abstratos, em
razão da relevância da origem da obrigação (causais), ou não (abstratos). A
formação de um título causal depende da ocorrência de um fato específico
indispensável por força de lei para a emissão do título. Já o título abstrato ou não
causal pode ser emitido independentemente da origem da obrigação. Por
exemplo, as duplicatas são títulos de crédito provenientes de compra e venda
mercantil ou de prestação de serviços; são, por consequência, títulos causais27.
27
Assim, na jurisprudência: Apelação nº 2002.07.1.009048-0, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de agosto de 2004, p. 80: ―1 – A duplicata, consoante classificação doutrinária, se constitui em título de crédito causal no sentido de que a sua emissão somente pode ocorrer na hipótese autorizada pela lei, ou seja, de documentação de crédito nascido de uma relação de compra e venda mercantil, que tem como consequência imediata da causalidade a insubsistência da duplicata originada de ato ou negócio jurídico diverso‖. Em abono, ainda na jurisprudência: Apelação nº 2004.01.1.111911-8, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 5 de dezembro de 2006, p. 79: ―Como título causal, a duplicata exige existência prévia de compra de mercadorias ou prestação de serviços. Caso verificado, como no caso vertente, que os títulos foram emitidos sem observância de tal requisito legal, o prestígio da r. sentença que os reconheceu nulos de
19
19
Em contraposição, a letra de câmbio, a nota promissória e o cheque não são
causais, já que podem ser emitidos sem vinculação a nenhuma causa legal
específica. Daí a possibilidade de a letra, a nota e o cheque terem as mais
diversas origens: comerciais, civis, tributárias, administrativas e até penais28. Por
fim, embora seja causal em razão de o saque depender da existência de um
negócio específico, a duplicata que circula adquire a autonomia e a abstração
como os demais títulos de crédito que não estão vinculados a causa alguma29.
No que tange à circulação do título de crédito, isto é, da transferência da
titularidade, os títulos de crédito podem ser ao portador ou nominativos. Os títulos
ao portador não contêm identificação do beneficiário e são transmissíveis pela
simples tradição, com a mera entrega da cártula. Com efeito, à vista do art. 904 do
Código Civil, o título ao portador contém a premissa de que o credor é quem porta
o título, cuja transferência se dá mediante simples tradição, com a entrega do
documento representativo do título. Já os títulos nominativos revelam o nome da
pessoa em favor de quem são emitidos: os títulos nominativos são marcados pela
designação do credor, razão pela qual a transmissão ocorre mediante a tradição
acompanhada de endosso cambiário ou da cessão civil de crédito, conforme o
caso. Os títulos nominativos podem ser à ordem ou não à ordem. O título
nominativo à ordem é marcado pela possibilidade da transferência mediante
endosso cambiário, conforme revela o art. 910 do Código Civil. O endosso
também pode ser em branco ou em preto. O endosso em branco é o proveniente
pleno direito os títulos emitidos traduz medida que se impõe‖. ―Como título de crédito causal que é, a duplicata só poderá ser sacada quando houver ocorrido compra e venda de mercadoria ou prestação de serviços.‖ (Apelação nº 2003.01.1.047573-3, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 25 de outubro de 2005, p. 99). 28
Em sentido semelhante ao texto do parágrafo, na doutrina: ―Trata-se dos chamados títulos cambiais ou cambiariformes, havendo os que são causais, isto é, exigíveis desde que acompanhados de comprovação da relação jurídica subjacente, como a duplicata, e os não-causais, que guardam autonomia sobre qualquer relação subjacente, como os cheques e a nota promissória.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 66). ―a) Títulos causais são os títulos que nascem, obrigatoriamente, de uma causa determinada em lei, como são os casos das duplicatas, que nascem da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços; da cédula de crédito industrial que só nasce do financiamento a quem se dedica à atividade industrial; do conhecimento de depósito e do warrant, que só nascem do depósito de mercadorias em armazéns gerais e assim outros títulos. b) Títulos abstratos são os títulos que podem nascer de qualquer causa, já que a lei de regência não predetermina causa alguma para sua criação. São assim a letra de câmbio, a nota promissória, o cheque e outros.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 28 e 29). 29
De acordo, na doutrina: ―A duplicata, por exemplo, em si mesma, é título causal, mas quando funciona como base de uma execução, deixa de ser causal e passa a ser vista como abstrata.‖ (Amílcar de Castro. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, 2ª ed., 1976, p. 54).
20
20
da simples assinatura, sem a identificação do credor. Já o endosso em preto
contém a identificação do beneficiário. Em contraposição, o título nominativo não à
ordem não é passível de transferência mediante endosso, razão pela qual a
transmissão é juridicamente possível, mas depende de contrato civil de cessão
ordinária de crédito, nos termos da legislação civil30.
Por fim, os títulos de crédito podem ser cambiais ou cambiariformes,
segundo a lição de Pontes de Miranda. A letra de câmbio e a nota promissória, por
exemplo, são típicas cambiais. Já o cheque e as duplicatas têm forma cambial,
mas não são verdadeiras cambiais. Daí a explicação para a denominação
consagrada na doutrina: ―cambiariforme‖. Não obstante, tanto os títulos cambiais
(letra e nota) quanto os títulos cambiariformes (cheque e duplicatas) têm natureza
de título executivo extrajudicial e ensejam ação cambial, com fundamento nos
mesmos arts. 585, inciso I, 646 e 652, todos do Código de Processo Civil.
9. Subsistência do Direito Cambiário na ―Era da Informática‖
Ao contrário do que se imaginava à vista do advento da informática no
mundo contemporâneo, os títulos de crédito subsistem no direito brasileiro, ex vi
do Código Civil de 2002: se é certo que o Código Civil vigente autoriza a utilização
da informática para a confecção dos títulos de crédito31, também é correto afirmar
que o Código de 2002 preservou a cartularidade dos títulos32, ainda que indireta33,
em prol da segurança jurídica que assegurou o florescimento e a subsistência do
Direito Cambiário ao longo dos séculos.
Com efeito, os títulos de crédito não são incompatíveis com os avanços da
informática. Nada impede a emissão e a circulação de título de crédito de forma
30
Cf. arts. 286 e seguintes do Código Civil. 31
Cf. art. 889, § 3º, do Código Civil. 32
Cf. art. 887 do Código Civil. 33
Até mesmo os títulos de crédito virtuais ensejam a conferência e a comprovação da autenticidade da assinatura do emitente e dos demais subscritores do título, à luz das firmas colhidas para a obtenção do certificado digital.
21
21
eletrônica34, sem prejuízo da segurança jurídica proveniente da documentalidade,
para a posterior execução forçada35.
Por fim, os juristas estão divididos quanto ao futuro dos títulos de crédito: de
um lado, há os que confiam na subsistência do Direito Cambiário na ―Era da
Informática‖36; de outro lado, há respeitáveis juristas que suscitam dúvidas acerca
do futuro do Direito Cambiário37. Embora seja difícil prever qual será o destino dos
títulos de crédito nas próximas décadas, o certo é que subsistem em muitos
diplomas legais e ainda têm significativa importância nas transações civis,
comerciais e bancárias, tanto que constam (os títulos de crédito) no novo projeto
de Código Comercial que está em tramitação na Câmara dos Deputados.
Ademais, não há incompatibilidade invencível entre os títulos de crédito e a
informática: observadas as formalidades legais para a obtenção da certificação
digital, as assinaturas eletrônicas são válidas, seguras e podem ser
instrumentalizadas caso seja necessária a propositura de execução forçada.
34
De acordo: ―Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, mediante assinatura com certificado digital, respeitadas as exceções previstas em lei.‖ (enunciado nº 461 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). 35
Vale ressaltar que a documentalidade necessária para a execução cambial pode ser obtida de forma indireta, como bem revela o enunciado nº 460 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação de serviços‖. 36
Cf. Jean Carlos Fernandes. Direito empresarial aplicado. 2007, p. 117: ―Embora os avanços tecnológicos venham criando novas realidades contratuais, envolvendo o comércio eletrônico, a tributação de software, entre outras evoluções, o direito cambiário, baseado na cártula, ainda continua mantendo a sua importância para o desenvolvimento e segurança das relações ou situações jurídicas.‖ ―Os princípios do direito cambiário ainda resistem às inovações preconizadas pela informática. Tanto é assim que o Código Civil de 2002, concebido para ser um diploma moderno em sua época, positivamente incorpora os princípios cambiários ao definir título de crédito em seu art. 887 como ‗documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido‘.‖. 37
Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 389 e 390: ―Os títulos de crédito surgiram na Idade Média, como instrumentos destinados à facilitação da circulação do crédito comercial. Após terem cumprido satisfatoriamente a sua função, ao longo dos séculos, sobrevivendo às mais variadas mudanças nos sistemas econômicos, esses documentos entram agora em período de decadência, que poderá levar até mesmo ao seu fim como instituto jurídico‖.
22
22
CAPÍTULO II — LETRA DE CÂMBIO
1. Legislação de regência
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o Código Civil de 2002
não é o principal diploma de regência da letra de câmbio, porquanto o proêmio do
art. 903 preservou as leis especiais pretéritas referentes aos títulos de crédito. Daí
a incidência apenas subsidiária do Código Civil de 2002, somente quando a
legislação especial for omissa. A propósito, vale conferir o enunciado nº 463
aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As
disposições relativas aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles
regulados por leis especiais, no caso de omissão ou lacuna‖.
O principal diploma de regência da letra de câmbio38 é a Convenção de
Genebra de 1930, também intitulada ―Lei Uniforme sobre letras de câmbio e notas
promissórias‖, a qual recebeu a adesão do Governo brasileiro em 1942, a
posterior aprovação do Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº
54/196439, e a derradeira promulgação mediante o Decreto nº 57.663/196640,
subscrito pelo Presidente da República41.
Como os tratados sobre Direito Comercial ou Direito Empresarial são
incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária
federal42, houve a parcial revogação tácita do anterior Decreto nº 2.044/190843, o
38
Na verdade, a Convenção de Genebra também é o principal diploma de regência da nota promissória, tema do próximo capítulo. 39
À vista da competência exclusiva tradicional prevista no art. 66, inciso I, da Constituição Federal de 1946, no art. 47, inciso I, da Carta de 1967 e no art. 49, inciso I, da Constituição Federal de 1988. 40
À vista da competência consagrada no art. 87, incisos I e VII, da Constituição de 1946, no art. 83, incisos II e VIII, da Carta de 1967 e no art. 84, incisos IV e VIII, da Constituição de 1988. 41
―1)- O Pleno do Supremo Tribunal Federal já decidiu unanimemente que tem eficácia imediata no país a Convenção Internacional aprovada pelo Congresso em Decreto Legislativo e promulgada por decreto do Presidente da República (RE 71.154, na RTJ 58/70). 2)- A Lei Uniforme sobre Cambiais e Promissórias está vigente no Brasil, porque o Decreto Legislativo nº 54/1964 aprovou, e o Decreto Executivo nº 57.663 de 24/01/66, promulgou a Convenção de Genebra, da qual se originou esse diploma.‖ (RE nº 76.236/MG, Pleno do STF, RTJ, vol. 67, p. 601). 42
De acordo, na doutrina: Moacyr Amaral Santos. Primeiras linhas de direito processual civil. Volume III, 15ª ed., 1995, p. 159. Na precisa lição do eminente Ministro, ―os tratados e as leis se equiparam. Os tratados são leis‖. Ainda a respeito do tema, merece ser prestigiado acórdão da relatoria do eminente Ministro Eduardo Ribeiro: ―Tratado Internacional. Lei ordinária. Hierarquia. O tratado internacional situa-se formalmente no mesmo nível hierárquico da lei, a ela se equiparando.‖ (REsp nº 73.376/RJ, 3ª Turma do STJ). Por fim, vale conferir precedente do Plenário do STF, com igual entendimento: RE nº 80.004/SE, RTJ, vol. 83, p. 809.
23
23
qual, todavia, subsiste em relação às omissões da Convenção de Genebra e às
reservas previstas no art. 1º do Decreto nº 57.663/1966, à vista do Anexo II da Lei
Uniforme.
Daí a conclusão extraída da combinação do art. 903 do Código Civil de
2002, com o Decreto nº 57.663/1966, e com o Decreto nº 2.044/1908, no que
tange às regras de regência da letra de câmbio: – em primeiro lugar, incide a
Convenção de Genebra, isto é, a Lei Uniforme; – em segundo lugar, na
eventualidade de omissão na Convenção de Genebra ou de reserva estabelecida
pelo Decreto nº 57.663/1966, incide a Lei Cambiária Nacional, estampada no
Decreto nº 2.044/1908, como na hipótese, por exemplo, do aval antecipado, regido
pelo art. 14 do centenário diploma; – em terceiro lugar, incide o Código Civil,
quando as leis especiais forem omissas, como se dá em relação aos efeitos do
aval póstumo: diante da omissão da Lei Uniforme e da Lei Cambiária Nacional,
incide o art. 900 do Código Civil, aplicável de forma subsidiária até mesmo aos
títulos de crédito com legislação própria, como a letra de câmbio.
Por fim, a legislação de regência da letra de câmbio também é fonte
subsidiária dos demais títulos de crédito. Com efeito, os arts. 75 e 77 da Lei
Uniforme e o art. 25 da Lei nº 5.474/1968 determinam a aplicação subsidiária das
regras referentes à letra de câmbio em relação às notas promissórias e duplicatas,
respectivamente. Na verdade, como a letra de câmbio é o título de crédito mais
antigo e o mais completo, as leis de regência da letra têm incidência subsidiária
em relação aos demais títulos44. Daí a explicação para a construção da
43
Não obstante, o douto Professor Fábio Ulhoa Coelho sustenta que ―a via escolhida, em 1966, para fazer valer a Convenção de Genebra no direito brasileiro, não era tecnicamente correta. O Decreto nº 2.044/08 possui estatuto de lei ordinária, e sua revogação não pode ocorrer por meio de simples decreto do Poder Executivo, mas apenas por outra lei.‖ (Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 393). A despeito da autorizada opinião do Professor Fábio Ulhoa Coelho, não se vislumbra inadequação da via legislativa eleita para a incorporação da Convenção de Genebra ao direito pátrio, tendo em vista o disposto no art. 66, inciso I, da Constituição Federal de 1946, no art. 47, inciso I, da Carta de 1967 e no art. 49, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Como já sustentado no texto principal, o Decreto nº 57.663 é constitucional e foi incorporado ao direito brasileiro com força de lei ordinária. 44
Cf. Apelação nº 2004.01.1.088269-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de janeiro de 2006, p. 68.
24
24
denominada ―Teoria Geral do Direito Cambiário‖ à luz da letra de câmbio45, por ter
sido o título de crédito que influenciou os demais46.
2. Conceito, natureza jurídica e sujeitos da relação jurídico-cambial
A letra câmbio é o título de crédito de modelo livre por meio do qual o
emitente-sacador dá uma ordem a outrem (―sacado‖), para que efetue pagamento
em prol do credor-beneficiário.
A propósito dos sujeitos da relação jurídico-cambial, não só os empresários
podem ser emitentes, sacados e credores da letra de câmbio. Todas as pessoas
naturais capazes e as pessoas jurídicas em geral podem assumir obrigações e ser
beneficiárias de direitos cambiais por meio de letra47.
Em regra, três pessoas intervêm na letra de câmbio: o emitente-sacador, o
sacado e o credor-beneficiário. O sacador é o emitente da letra, o subscritor do
título de crédito. Já o sacado é a pessoa física ou jurídica contra quem é emitida a
ordem de pagamento. Ao aceitar a letra de câmbio, com o lançamento da
respectiva assinatura, o sacado também passa a ser denominado ―aceitante‖,
quando ocupa o lugar de devedor principal do título. Antes do aceite, todavia, o
sacado não tem obrigação cambial alguma; a só emissão da letra não torna o
sacado obrigado pela cambial. Com efeito, a obrigação do sacado nasce com a
aceitação da letra, quando assume a qualidade de devedor principal. Por fim, o
credor ou tomador é o beneficiário do crédito. Um exemplo pode facilitar a
compreensão das três posições jurídicas provenientes da letra de câmbio:
imagine-se que A é devedor de B, em razão de dívida correspondente a R$
45
Assim, na doutrina: ―É sabido que toda a teoria dos títulos de crédito, historicamente, nasceu do estudo da letra de câmbio, o mais completo e complexo dos títulos.‖ ―O título de inspiração da Teoria Geral dos Títulos de Crédito sempre foi a Letra de Câmbio, porque, além de ser essencialmente uma cambial, é o título de maior expressão internacional dada a sua complexidade e as declarações que nela se inserem.‖ (Luiz Antonio Guerra. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos. 2007, p. 13 e 43, respectivamente). 46
De acordo, na doutrina: ―Sem dúvida alguma e por tudo que conhecemos, podemos afirmar que a letra de câmbio é o mais antigo título de crédito. Foi o primeiro deles, seguido da nota promissória. Então, se alguma coisa deve-se pesquisar, refere-se ao título mais importante que é a letra de câmbio.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 3). 47
De acordo, na doutrina: ―Hoje em dia, por exemplo, não são apenas os comerciantes que assinam letra de câmbio ou notas promissórias, títulos usados exclusivamente pelos mercadores, na época medieval e até época bem recente. O emprego do título de crédito tornou-se corrente e universal.‖ (Miguel Reale. Lições preliminares de direito. 27ª ed., 4ª tiragem, 2004, p. 364).
25
25
10.000,00. Por sua vez, B também é devedor de C, mas em montante superior: R$
15.000,00. Ao invés de pagar diretamente a quantia integral ao respectivo credor
(C), B (sacador) paga R$ 5.000,00 em espécie48 e emite (B) letra de câmbio contra
A (sacado), com a ordem de pagamento da quantia correspondente a R$
10.000,00 em favor de C (beneficiário), nos seguintes termos:
Por meio da presente letra de câmbio, emitida em 31 de julho de
2012, em Belo Horizonte, Minas Gerais, o emitente-sacador B,
inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob o nº 222.222-22,
domiciliado em Belo Horizonte, no endereço X, ordena ao sacado A,
inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob o nº 111.111-11,
domiciliado em Brasília, no endereço Y, que pague em prol do
tomador-beneficiário C, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob
o nº 333.333-33, domiciliado em Brasília, no endereço Z, no dia 31
de janeiro de 2013, o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser
pago no endereço do tomador-beneficiário C, em Brasília, no Distrito
Federal, sob pena de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês
e de correção monetária a partir do vencimento, nos termos do artigo
406 do Código Civil, do artigo 161, § 1º, do Código Tributário
Nacional, e do artigo 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981.
Assinada pelo emitente-sacador B.
Na eventualidade de o sacado (A) não aceitar a ordem nem efetuar o
respectivo pagamento voluntário, o emitente-sacador (B) é o responsável pelo
pagamento da quantia correspondente a R$ 10.000,00, em favor do credor-
beneficiário (C).
A despeito de a regra ser a participação de três sujeitos na relação cambial
proveniente da letra, o art. 3º da Lei Uniforme permite que o próprio emitente-
48
Vale dizer, em dinheiro.
26
26
sacador seja também o credor-beneficiário49, quando emite a letra de câmbio em
seu próprio favor, contra o sacado. Ainda a respeito do art. 3º da Lei Uniforme, o
preceito também permite que a letra seja emitida contra o próprio sacador, quando
o emitente e o sacado são a mesma pessoa. Em suma, as três posições jurídicas
existentes na letra de câmbio podem ser ocupadas por apenas duas pessoas.
Voltando os olhos ao credor-beneficiário, o mesmo pode efetuar a
transferência da titularidade em prol de outrem (endossatário), por meio de
simples endosso. Na eventualidade de o sacado deixar de efetuar o pagamento, o
endossatário pode acionar tanto o emitente-sacador quanto o endossante (anterior
credor-beneficiário) – e até mesmo o sacado, se a letra foi aceita. Sem dúvida, o
saque, que é o ato consubstanciado na emissão do título de crédito, também
produz o efeito jurídico de vincular o emitente-sacador ao pagamento da letra de
câmbio, na qualidade de coobrigado, como bem estabelecem os arts. 9º e 43 da
Lei Uniforme.
Por fim, é vedada a emissão de letra de câmbio para documentar crédito
proveniente de compra e venda mercantil a prazo faturada, em razão da restrição
contida no art. 2º da Lei nº 5.474/196850. Pelo mesmo fundamento, não é
admissível a emissão de letra de câmbio com fundamento em prestação de
serviço faturada. Vale ressaltar que a vedação estampada no art. 2º teve como
imediata consequência prática o quase desaparecimento da letra de câmbio dos
negócios internos no Brasil, com o aumento da utilização das duplicatas mercantil
e de prestação de serviços. Não obstante, a letra de câmbio ainda é utilizada com
frequência no comércio externo, tanto que no Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social são encontrados muitos modelos de letras de câmbio
destinados aos negócios internacionais, para orientar os empresários individuais e 49
De acordo, na jurisprudência: ―Comercial. Protesto por falta de aceite. Letra de câmbio não endossada. Direito do sacador-tomador. Segurança concedida. - O ato da Corregedoria de Justiça que veda ao sacador-tomador da letra de câmbio o acesso ao protesto por falta de aceite, pela circunstância de se confundirem ambos os papéis na mesma pessoa, viola direito do sacador em tomar a providência preservativa dos direitos decorrentes da impontualidade, definidos pelo regime jurídico dos títulos de crédito.‖ (RMS nº 2.603/SP, 4
ª
Turma do STJ, Diário da Justiça de 23 de maio de 1994, p. 12.609). 50
De acordo, na jurisprudência: ―Em se tratando de dívida resultante de compra de mercadoria a prazo, é vedado ao vendedor emitir letra de câmbio em lugar da duplicata mercantil, mas nada obsta que a compra e venda seja representada por nota promissória ou por cheque, que são títulos sacados pelo comprador (Inteligência do art. 2º da Lei nº 5.474/68).‖ (Apelação nº 2.0000.00.306935-8, 3ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 26 de agosto de 2000).
27
27
os administradores e diretores das sociedades empresárias, nas transações com
empresários e sociedades empresárias de outros países.
3. Requisitos ou elementos da letra de câmbio
A letra de câmbio é um título de crédito de modelo livre, razão pela qual ser
emitida em qualquer papel, de todos os tamanhos, porquanto não há formulário
padronizado ex vi da legislação de regência. Basta, portanto, o cumprimento dos
requisitos legais para a transformação de um simples papel em letra de câmbio.
Sem dúvida, o lançamento dos termos legais tem o condão de transformar
qualquer papel em letra de câmbio.
Quanto aos requisitos da letra de câmbio, os principais elementos estão
arrolados no art. 1º da Lei Uniforme. Não obstante, há requisitos essenciais e
requisitos acidentais. Requisitos essenciais são os elementos constitutivos da letra
cujas ausências implicam descaracterização do título. Já os requisitos acidentais
são os elementos sanáveis nas hipóteses arroladas no art. 2º da Lei Uniforme.
Expostas as duas classes de requisitos existentes no art. 1º da Lei
Uniforme, convém examinar cada um dos elementos constitutivos da letra.
Em primeiro lugar, há a necessidade da denominação ―letra de câmbio‖
inserta no bojo do documento. Na verdade, nada impede a utilização da simples
palavra ―letra‖, tal como consta do art. 1º, número 1, da Lei Uniforme. Também é
possível a utilização da expressão correspondente na língua estrangeira51,
porquanto é admissível a execução de título de crédito emitido no estrangeiro,
independentemente de homologação no Brasil, ex vi do art. 585, inciso I e § 2º, do
Código de Processo Civil52.
51
Por exemplo, bill of exchange. 52
Assim, na jurisprudência: ―— Os títulos de crédito constituídos em país estrangeiro, para serem executados no Brasil (CPC, art. 585, § 2º), não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal. A eficácia executiva que lhes é inerente não se subordina ao juízo de delibação a que se refere o art. 102, I, ‗h‘, da Constituição, que incide, unicamente, sobre ‗sentenças estrangeiras‘, cuja noção conceitual não compreende, não abrange e não se estende aos títulos de crédito, ainda que sacados ou constituídos no exterior.‖ (RCL nº 1.908/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 3 de dezembro de 2004).
28
28
Em segundo lugar, a letra de câmbio deve conter mandamento explícito
para que seja pago determinado valor. Com efeito, à vista do art. 1º, número 2, da
Lei Uniforme, a letra deve revelar uma ordem de pagamento de determinado
montante. A ordem deve ser incondicional, isto é, o pagamento não pode
depender de condição alguma53. Na eventualidade de divergência entre o valor
por extenso e o indicado em algarismos, prevalece a quantia escrita por extenso,
tendo em vista o disposto no art. 6º, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. Como já
anotado, é admissível a emissão da letra de câmbio em moeda estrangeira, a ser
paga no Brasil, com a conversão para a moeda nacional corrente no momento do
pagamento54. Na mesma esteira, também é admissível a emissão de letra de
câmbio em índice oficial55, porquanto a conversão para a moeda corrente no país
se dá mediante simples operação matemática.
À vista do art. 1º, número 3, da Lei Uniforme, a letra deve revelar ―o nome
daquele que deve pagar (sacado)‖. Na verdade, mais do que o simples nome do
sacado, o art. 3º da Lei nº 6.268/1975 exige a identificação do sacado por meio da
inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, do número no Registro Geral da
Secretaria de Segurança Pública, do número do Título Eleitoral ou do número da
Carteira Profissional. Em suma, o sacado deve ser qualificado na letra de câmbio,
a fim de evitar eventual confusão proveniente de homonímia. Não há, todavia,
necessidade de assinatura do sacado no momento da emissão da letra; a
assinatura do sacado será buscada em momento posterior, para o lançamento do
―aceite‖ que torna o sacado devedor principal do título. Se o sacado não aceitar a
ordem de pagamento consubstanciada na letra de câmbio, permanecerá
totalmente alheio à relação cambial, a qual subsistirá apenas em relação ao
emitente-sacador e ao credor-beneficiário56.
53
―Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.‖ (art. 121 do Código Civil de 2002). 54
Assim, na jurisprudência: ―— Letras de câmbio emitidas no estrangeiro. Aplicação do princípio locus regit actum.‖ ―As cambiais em moeda estrangeira, vencidas e não pagas, são exeqüíveis no Brasil, pelo seu valor
em moeda nacional, ao câmbio do dia da liquidação.‖ (Ag nº 80.938/SP – AGR, 2ª Turma do STF, RTJ, vol. 97, p. 238). 55
Por exemplo, UFIR – Unidade Fiscal de Referência, TR – Taxa Referencial. 56
E também em relação aos eventuais endossantes e avalistas!
29
29
A letra também deve conter a praça do pagamento e o dia do vencimento
do título. Com efeito, o art. 1º da Lei Uniforme exige ―a indicação do lugar em que
se deve efetuar o pagamento‖57 e ―a época do pagamento‖58. Se não for indicada
a data do vencimento, o título é considerado ―à vista‖, por força do art. 2º,
parágrafo segundo, da Lei Uniforme, e do art. 889, § 1º, do Código Civil. Se não
for designado o lugar do pagamento, será considerado o endereço do sacado
revelado na cártula: ―Na falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do
nome do sacado considera-se como sendo o lugar do pagamento, e, ao mesmo
tempo, o lugar do domicílio do sacado‖59.
Além da qualificação do sacado, a letra ainda deve conter o nome do
tomador, ou seja, do credor-beneficiário, a quem deve ser paga a importância
expressa no título. Diante da literalidade do art. 1º, número 6, da Lei Uniforme, não
é admissível letra de câmbio ao portador. É possível, todavia, a emissão da letra
de câmbio sem a imediata indicação do credor-beneficiário, desde que o
respectivo portador complete o título antes do protesto ou da execução judicial da
cambial, tendo em vista a permissão consagrada no enunciado nº 387 da Súmula
do Supremo Tribunal Federal: ―A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em
branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé, antes da cobrança ou do
protesto‖.
À vista do número 7 do art. 1º da Lei Uniforme60, a letra de câmbio deve
conter a data e o local da emissão do título. Na ausência de designação do lugar
onde a letra foi passada, considera-se emitida no local indicado ao lado do nome
do emitente-sacador, por força do art. 2º, parágrafo quarto, da Lei Uniforme, e do
art. 889, § 2º, do Código Civil. Não obstante, o mesmo não ocorre diante da falta
da data da emissão. Com efeito, não é letra de câmbio o documento omisso
acerca da data da emissão. É certo que a ausência da data da emissão pode ser
sanada à luz do enunciado nº 387 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, ou
seja, antes do protesto e da propositura da execução da cambial. Se, entretanto, a
57
Cf. art. 1º, número 5, da Lei Uniforme. 58
Cf. art. 1º, número 4, da Lei Uniforme. 59
Cf. art. 2º, parágrafo terceiro, da Lei Uniforme. 60
E também do art. 889, caput, do Código Civil.
30
30
falha não for sanada a tempo e modo, a falta da data da emissão retira do
documento a força de título de crédito61.
Ao final, a letra deve conter a assinatura do sacador que emite a cambial,
tendo em vista o disposto no art. 1º, número 8, da Lei Uniforme, e no art. 889,
caput, do Código Civil62.
Diante de eventual impossibilidade de assinatura por parte do emitente-
sacador, o título pode ser subscrito por procurador com o poder especial para
assinar a letra de câmbio. Não obstante, o mandatário com poder especial para
sacar a cambial não pode ser o próprio beneficiário do título, como bem assentou
o antigo Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro, ao aprovar o enunciado nº 16:
―É nulo o título cambial emitido por procurador do mutuário, vinculado ao
mutuante‖63. Na mesma esteira, o Superior Tribunal de Justiça aprovou o
enunciado nº 60, in verbis: ―É nula a obrigação cambial assumida por procurador
do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste‖64. Bem
examinados os verbetes sumulares, é lícito concluir que o enunciado nº 16 e o
enunciado nº 60 prestigiaram a conclusão nº 2 aprovada durante o 5º Encontro
Nacional dos Tribunais de Alçada, em 1981: ―É inválida a procuração outorgada
por mutuário em favor de empresa pertencente ao grupo financeiro do mutuante,
para assumir responsabilidade, de extensão não especificada, em títulos cambiais,
figurando como favorecido o mutuante (aprovada por 14 votos contra 4).‖65.
Por fim, vale ressaltar que é admissível a emissão do título mediante
sistema de computação, consoante o disposto no § 3º do art. 889 do Código Civil
de 2002, cuja aplicação subsidiária é autorizada pelo art. 903 do mesmo diploma,
61
De acordo, na jurisprudência: ―A execução fundada em letra de câmbio, sacada sem data de emissão, é nula. Preliminar instalada e execução extinguida.‖ (Apelação nº 1.0481.06.063258-7/001, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 7 de dezembro de 2007). 62
Assim, na jurisprudência: REsp nº 264.174/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 25 de março de 2002, p. 273. 63
Cf. Diário Oficial de 16 de abril de 1996, p. 192. 64
De acordo, na jurisprudência: ―– É nula a cláusula inserta em contrato de abertura de crédito que autoriza o credor a sacar letra de câmbio contra o devedor, com base em saldo apurado de forma unilateral na sua conta-corrente. Incidência da Súmula nº 60-STJ.‖ (REsp nº 504.036/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de junho de 2005, p. 399). 65
Cf. Minas Gerais, Diário do Judiciário de 26 de fevereiro de 1982, p. 1.
31
31
diante da omissão das leis especiais que versam sobre a letra de câmbio66. Sem
dúvida, é juridicamente possível a emissão de letra de câmbio eletrônica que
contém a assinatura digital do emitente-sacador, como bem revela o enunciado nº
461 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:
―Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados
eletronicamente, mediante assinatura com certificado digital, respeitadas as
exceções previstas em lei‖.
4. Título incompleto: enunciado nº 387 da Súmula do S.T.F.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a emissão incompleta
não impede que a cártula obtenha a natureza jurídica de título de crédito. À luz
dos arts. 3º e 4º do Decreto nº 2.044/1908, combinados com o art. 891 do Código
Civil de 2002 e com o enunciado nº 387 da Súmula do Supremo Tribunal Federal,
o documento apenas assinado ou emitido com omissões pode ser completado
pelo portador67.
Não obstante, é imprescindível que a complementação ocorra antes do
protesto ou da execução judicial, sob pena de o documento não ser considerado
título de crédito. Com efeito, se o documento contiver omissão no momento do
protesto ou da execução judicial, não será considerado letra de câmbio, conforme
revela a regra extraída do primeiro parágrafo do art. 2º da Lei Uniforme.
5. Aceite
5.1. Conceito
66
Vale dizer, a Lei Uniforme e o Decreto nº 2.044/1908. 67
Colhe-se do voto condutor proferido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 81.996/SP: ―A Lei Brasileira e a Lei Uniforme autorizam a emissão de cambiais em branco, com irrestrita circulabilidade. E, na ensinança doutrinária, o mínimo exigível para existência de uma letra em branco é uma firma cambiariamente utilizável – (Cfr. WHITAKE, ‗Letra de Câmbio‘, 95). E, entre o mínimo, que é esse, e o máximo, que está no título completo, é indiferente a quantidade de dizeres omitidos. E, ‗qualquer que seja o número ou a importância dos requisitos omitidos, a letra em branco pode ser validamente completada‘. E o preenchimento, sendo tácito o mandato outorgado ao possuidor, não minimiza o valor da cambial‖.
32
32
O aceite é a declaração unilateral de vontade por meio da qual o sacado –
ou terceira pessoa68 – assume a responsabilidade pelo pagamento da quantia
indicada no título de crédito, na qualidade de devedor principal.
5.2. Ato unilateral de vontade
Por ser o aceite ato unilateral de vontade, o sacado – ou o terceiro – não
pode ser obrigado a aceitar o título69, nem mesmo quando a pessoa designada
para aceitar é devedora do emitente-sacador em razão de outra relação jurídica
pretérita. Na eventualidade de recusa do sacado em aceitar o título, resta a
possibilidade da propositura de demanda própria70, de natureza civil, para a
respectiva cobrança do anterior crédito que o emitente-sacador tem em relação ao
sacado. Já o credor-beneficiário poderá protestar o título e acionar desde logo o
emitente-sacador mediante execução forçada, tudo nos termos do art. 43, caput,
da Lei Uniforme, combinado com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil.
Por fim, vale ressaltar que o emitente-sacador jamais será considerado
devedor principal da letra, ainda que o sacado denegue o aceite; quanto muito, o
emitente-sacador será o primeiro responsável da cadeia das obrigações cambiais,
mas na qualidade de coobrigado. Tanto quanto sutil, a diferença é muito
importante, porquanto a subsistência dos direitos cambiários em relação aos
coobrigados depende do protesto tempestivo do título de crédito.
5.3. Aceite por intervenção
Em regra, o aceite tem como destinatário o sacado. A regra, todavia,
comporta exceção, a qual reside no art. 55 da Lei Uniforme. Trata-se do
denominado ―aceite por intervenção‖, quando o emitente-sacador indica terceira
pessoa para aceitar a letra de câmbio. A pessoa indicada, entretanto, tem dois
68
Cf. art. 55 da Lei Uniforme de Genebra. 69
―- O sacado pode, a seu talante, recusar-se a assumir a obrigação cambial, sendo certo que a falta de aceite elide o vínculo ao pagamento do título.‖ (REsp nº 511.387/GO, 3
ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º
de agosto de 2005, p. 438). 70
Por exemplo, cobrança sob o procedimento comum.
33
33
dias úteis para a aceitação. O terceiro designado pelo emitente-sacador pode
aceitar a letra, ou não. Se aceitar, passa a ser denominado ―aceitante-
interveniente‖. Se for silente e deixar o prazo de dois dias úteis correr in albis, não
assume a obrigação cambial alguma, mas pode ser responsabilizado na esfera
civil, por perdas e danos, com o valor da indenização limitado à importância da
letra, tudo nos termos do art. 55 da Lei Uniforme.
5.4. Lançamento do aceite
O sacado não é responsável pelo pagamento da letra de câmbio em razão
da simples ordem do emitente-sacador do título. Com efeito, a mera emissão da
letra não torna o sacado obrigado pelo pagamento71. O sacado somente passa a
ser o devedor principal quando aceita a respectiva ordem72, mediante simples
assinatura lançada no ―anverso‖, ―face‖ ou ―parte anterior‖ da letra.
O aceite também pode ser lançado no verso do título, com a aposição da
assinatura acompanhada dos vocábulos ―aceite‖, ―aceito‖, ―concordo‖, ―pagarei‖ ou
―honrarei‖, como bem autoriza o primeiro parágrafo do art. 25 da Lei Uniforme, in
verbis: ―O aceite é escrito na própria letra. Exprime-se pela palavra ‗aceite‘ ou
qualquer outra palavra equivalente; o aceite é assinado pelo sacado. Vale como
aceite a simples assinatura do sacado aposta na parte anterior da letra‖.
O sacado que aceita a ordem passa a ser denominado ―aceitante‖ e
assume a qualidade de devedor principal da letra, ex vi do art. 28 da Lei Uniforme.
71
De acordo, na jurisprudência: ―Letra de câmbio. Ausência de aceite. A simples emissão de letra de câmbio não importa criação de vínculo cambial por parte do sacado que se absteve de aceitá-la.‖ (REsp nº 89.599/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de maio de 1998, p. 82). ―Letra de câmbio. Aceite inexistente. Responsabilidade do sacado inexistente. A letra de câmbio contém uma ordem de pagamento, cabendo àquele a quem é dada a ordem declarar se está disposto a cumpri-la ou não. Enquanto a letra não for aceita o sacado nenhuma responsabilidade tem em relação ao sacador do título.‖ (Apelação nº 2.0000.00.314229-0/000, 1ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 23 de setembro de 2000). 72
Assim, na jurisprudência: ―Não se obriga cambialmente o sacado que não aceita a letra de câmbio.‖ (Apelação nº 3700895, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 22 de novembro de 1995, p. 17.524). ―O aceite em letra de câmbio tem como função principal vincular o sacado à obrigação, tornando-o responsável pelo pagamento da importância nela consignada. A simples indicação do nome do sacado na letra não tem o condão de originar obrigação cambiária, sendo necessária para tanto, a expressa aposição do aceite.‖ (Apelação nº 1.0707.08.154246-6/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de janeiro de 2009).
34
34
Aliás, aceito o título, o aceitante não pode cancelar nem retirar o ―aceite‖, ex vi do
art. 12 do Decreto nº 2.044/1908.
Por fim, ainda que aceita a letra, o emitente-sacador preserva a qualidade
de coobrigado, razão pela qual ainda pode ser acionado, na eventualidade da
posterior negativa de pagamento por parte do sacado-aceitante73.
5.5. Subsistência da letra não aceita
A ausência do aceite não retira a validade nem a eficácia da letra de
câmbio74. Ainda que não aceita, a letra subsiste como título de crédito, com a
possibilidade de o credor-beneficiário acionar o emitente-sacador, o qual, como já
anotado, é coobrigado por força do caput do art. 43 da Lei Uniforme, em razão da
emissão do título.
5.6. Letras de câmbio sujeitas a aceite e respectivos prazos
A Lei Uniforme revela que a letra de câmbio pode ser ―à vista‖, ―a um certo
termo de vista‖, ―a um certo termo de data‖ e com ―dia fixado‖ para o vencimento,
tudo nos termos do art. 33 da Convenção de Genebra. O mesmo diploma também
estabelece prazos máximos para que o credor-beneficiário busque o aceite, mas
somente nas letras de câmbio a prazo, porquanto a letra de câmbio à vista já é
apresentada para pagamento75.
Com efeito, a letra à vista pode ser apresentada para pagamento imediato e
a qualquer momento dentro de um ano da data da emissão, como bem revela o
proêmio do art. 34 da Lei Uniforme: ―A letra à vista é pagável à apresentação.
73
Cf. art. 43, caput, da Lei Uniforme. 74
De acordo, na jurisprudência: ―O aceite na letra de câmbio não é requisito essencial à sua validade, podendo a cártula circular sem a assinatura do sacado.‖ (Apelação nº 1.0137.06.000233-4/001, 9ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 26 de abril de 2008). 75
De acordo, na jurisprudência: ―A apresentação da letra de câmbio sacada à vista é para pagamento, não comportando, portanto, apresentação para aceite. Com efeito, mostra-se regular o protesto por falta de pagamento de letra de câmbio sacada à vista, mesmo sem a presença do aceite do sacado.‖ (Apelação nº 1.0481.02.015974-7/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de janeiro de 2009). ―– É viável o protesto por falta de pagamento de letra de câmbio sacada à vista, mesmo sem o aceite do sacado.‖ (REsp nº 646.519/RS, 3
ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de maio de 2005, p. 373).
35
35
Deve ser apresentada a pagamento dentro do prazo de 1 (um) ano, a contar de
sua data‖. A omissão quanto ao cumprimento do prazo ocasiona a impossibilidade
de ação cambial contra o emitente-sacador e demais coobrigados, ex vi do art. 53,
item um e parágrafo segundo, da Lei Uniforme, in verbis: ―Depois de expirados os
prazos fixados: – para a apresentação de uma letra à vista ou a certo termo de
vista; omissis. O portador perdeu os seus direitos de ação contra os endossantes,
contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante‖.
A cambial ―a um certo termo de vista‖ é letra ―a prazo‖ cujo vencimento
ocorre com a contagem do lapso somente depois do aceite, isto é, da data em que
a letra é apresentada para o lançamento do aceite. O aceite deve ser datado, para
possibilitar a contagem do prazo de vencimento. O credor-beneficiário deve
apresentar o título para aceite dentro de um ano do saque, ou seja, da emissão do
título, consoante dispõe o art. 23 da Lei Uniforme: ―As letras a certo termo de vista
devem ser apresentadas ao aceite dentro do prazo de 1 (um) ano das suas datas‖.
Tal como se dá na letra à vista, a omissão quanto ao cumprimento do prazo
também impede a ação cambial contra o emitente-sacador e demais coobrigados,
consoante o disposto no art. 53, item um e parágrafo segundo, da Lei Uniforme76.
A letra ―a um certo termo de data‖ também é título ―a prazo‖, mas o
vencimento se dá com o decurso do lapso fixado no título à luz da data da
emissão estampada na cártula77. É possível a apresentação da letra para o aceite
do sacado até o vencimento estipulado no título, consoante o disposto no art. 21
da Lei Uniforme: ―A letra pode ser apresentada, até o vencimento, ao aceite do
sacado, no seu domicílio, pelo portador ou até por um simples detentor‖.
Já a letra ―pagável num dia fixado‖ o é título ―a prazo‖ com expressa
indicação do próprio dia do vencimento, ―em data certa‖. Em virtude da regra
inserta no art. 21 da Lei Uniforme, a letra ―em data certa‖ é passível de
76
Assim, na doutrina: ―A letra de câmbio com vencimento a certo termo de vista deve ser apresentada para aceite até um ano de sua respectiva data. Por falta ou recusa de aceite, pode ser protestada, também no prazo de até um ano de sua emissão, caso em que o portador conserva os seus direitos de ação contra os obrigados de regresso.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p.167). 77
Por exemplo, dois meses da data do saque da letra, em 1º de setembro de 2010.
36
36
apresentação para aceite do sacado até o dia do vencimento estampado na
cártula.
Resta saber se a apresentação para aceite nos respectivos prazos é
obrigatória ou facultativa em relação às letras ―a um certo termo de data‖ e
―pagável num dia fixado‖. Autorizada doutrina sustenta a tese da facultatividade78.
Em contraposição, abalizada doutrina sustenta a tese da obrigatoriedade79. Ainda
que muito respeitável a tese da obrigatoriedade da apresentação para aceite das
letras ―a um certo termo de data‖ e ―pagável num dia fixado‖, o art. 21 da Lei
Uniforme revela a facultatividade quando dispõe que a letra ―pode‖ ser
apresentada. Já o art. 23 estabelece que as letras ―a certo termo de vista devem
ser apresentadas ao aceite‖. Mutatis mutandis, o art. 34 determina que a ―letra à
vista‖ ―deve ser apresentada a pagamento‖. Daí a justificativa para o disposto no
art. 53, o qual exige a apresentação – para pagamento e para aceite,
respectivamente – da ―letra à vista ou a certo termo de vista‖. À luz da
interpretação sistemática dos arts. 21, 23, 34 e 53 da Lei Uniforme, portanto, é
lícito concluir que, no que tange às letras ―a um certo termo de data‖ e ―pagável
num dia fixado‖, é facultativa a apresentação para aceite80.
5.7. Pedido de nova apresentação da letra
Apresentada a letra de câmbio para o aceite, o sacado tem o prazo previsto
no art. 24 da Lei Uniforme, segundo o qual o sacado pode pedir nova
apresentação da letra no dia seguinte ao da apresentação original, a fim de
permitir melhor reflexão sobre o lançamento do aceite, ou não81.
78
―Quando certa a data do vencimento, a apresentação do título para aceite é facultativa.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 166). 79
Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20ª ed., 2008, p. 249: ―A letra de câmbio a certo termo da data, que é aquela cujo vencimento se opera com o transcurso de lapso temporal em que a data do saque é o termo a quo, e a letra de câmbio em data certa devem ser apresentadas a aceite, pelo tomador, até o vencimento fixado para o título (art. 21). A inobservância desses prazos pelo credor acarreta a perda do direito de cobrança do título contra os coobrigados (art. 53)‖. 80
De acordo, na doutrina: ―Quando certa a data do vencimento, a apresentação do título para aceite é facultativa.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 166). 81
Na eventualidade de o sacado ter solicitado uma segunda apresentação no dia seguinte, há a prorrogação do prazo referente ao protesto para o dia seguinte (arts. 24, primeira parte, e 44, segundo parágrafo, in fine, da Lei Uniforme).
37
37
Não obstante, o credor-beneficiário não é obrigado a deixar a letra
apresentada ao aceite nas mãos do sacado82. Aliás, nem é conveniente que o
faça, para evitar o risco de retenção indevida da letra pelo sacado83.
5.8. Apreensão de título sonegado pelo sacado
Na eventualidade de retenção indevida da letra pelo sacado, no momento
da apresentação para o aceite, há a possibilidade do ajuizamento de demanda
destinada à apreensão do título, com fundamento nos arts. 885 e 886 do Código
de Processo Civil84.
Na esteira do antigo parágrafo único do art. 31 do Decreto nº 2.044/1908, o
art. 885 do Código de 1973 autoriza até mesmo a decretação de prisão do sacado
sonegador do título de crédito. Não obstante, ambos os preceitos são
incompatíveis com o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988,
porquanto dispõem sobre espécie de prisão civil sem previsão constitucional85. Por
82
Cf. art. 24, in fine, da Lei Uniforme. 83
Em reforço, bem ensina a doutrina: ―A alínea segunda do art. 24 da Lei Uniforme prescreve que ‗O portador não é obrigado a deixar nas mãos do aceitante a letra apresentada ao aceite‘. A regra encontra plena justificativa, pois, como é evidente, a ação cambiária somente poderá ser exercida pelo credor mediante a exibição do título no processo de execução.‖ (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, Tomo II, 7ª ed., 2005, p. 419). 84
A despeito do disposto no art. 885 do Código de Processo Civil, há séria divergência acerca da natureza cautelar da demanda para a apreensão de título. Em prol da natureza cautelar, na doutrina: ―A não-devolução do título por aquele que deveria praticar algum ato cambial é ilegal e permite ao prejudicado pedir a apreensão do título (art. 885). O pedido de apreensão é feito em processo cautelar, preparatório da futura execução ou cobrança do título.‖ (Vicente Greco Filho. Direito Processual Civil Brasileiro. Vol. III, 3ª ed., 2006, p. 193). Contra a natureza cautelar, também na doutrina: ―O caráter satisfativo e não-cautelar da ação, não dependente de outra, importa excluir, contudo, a incidência dos arts. 801 e 806. A petição inicial, por isso, obedecerá ao disposto no art. 282. Em caso de receio de lesão poderá ser decretado initio litis, ou no curso do
procedimento, a apreensão do título. Tratar-se-á, então, de antecipação dos efeitos da sentença final, autorizada pelo art. 273.‖ (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, Tomo II, 7ª ed., 2005, p. 422). 85
De acordo, na doutrina: ―Essa prisão, a despeito de regulada no Código, não é compatível com o sistema constitucional vigente. A Constituição Federal somente admite a prisão por dívida no caso de depositário infiel ou inadimplemento de obrigação alimentícia (art. 5º, LXVII). Em nenhuma dessas exceções enquadra-se a hipótese do detentor que retém o título em vez de pagá-lo ou de aceitá-lo. O fato pode constituir, até, infração penal, mas deve ser apurado e punido nos termos do processo penal regular, garantida ampla defesa. A lei não equipara esse detentor ao depositário infiel nem tem ele essas características, daí a conclusão de que a decretação da prisão é inviável por não ser consentânea com o sistema constitucional atual. A previsão da lei cambiária era justificável dada a época em que foi editada. Não podia, porém, o Código de 1973 desconsiderar a posterior disciplina constitucional. Quanto à apreensão por ordem judicial, continua admissível, mas sem a cominação de prisão civil. O pedido de apreensão obedecerá ao procedimento geral cautelar.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 194). No mesmo sentido, também na doutrina: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, Tomo II, 7ª ed., 2005, p. 422, 423 e 424.
38
38
conseguinte, a demanda fundada nos arts. 885 e 886 do Código de Processo Civil
pode ser ajuizada para a apreensão de título sonegado, mas o réu não pode ser
preso no respectivo processo civil.
5.9. Recusa do aceite: vencimento antecipado ou extraordinário
Na eventualidade de recusa do aceite pelo sacado, há o vencimento
antecipado ou extraordinário da letra de câmbio, com a possibilidade de o credor-
beneficiário acionar desde logo o emitente-sacador, para o imediato pagamento do
título mediante execução forçada, bem como requerer a respectiva falência,
conforme a qualidade do emitente-sacador86, tudo nos termos do art. 43, número
1, da Lei Uniforme, do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, e dos arts. 1º
e 94, incisos I e II, ambos da Lei nº 11.101/2005.
Por fim, a denegação do aceite é comprovada mediante o protesto do título,
à vista do art. 44 da Lei Uniforme e do art. 13 do Decreto nº 2.044/190887.
Com outra opinião, entretanto, também há respeitável doutrina: Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 339: ―Esses princípios não derrogaram a velha regra do direito anterior, confirmada pelo art. 885, do Código de Processo Civil (1973), de que aquele que recusar a entrega da letra que a recebeu para firmar o aceite (ou para o pagamento), pode ser compelido a fazê-lo sob pena de prisão, que será evitada se restituir a letra ou depositar a soma cambial e as despesas. Já se sustentou alhures que essa regra moralizadora é inconstitucional, pois não suporta nosso direito a prisão por dívida. Não se trata, ao nosso ver, de prisão por dívida, mas de embaraço na circulação de título de crédito, e a prisão é de ordem administrativa, decretada pelo juiz do cível‖. Também com opinião contrária, em abalizada doutrina: Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20ª ed., 2008, p. 249: ―O sacado que retém, indevidamente, a letra de câmbio que lhe foi apresentada para aceite – ou o devedor, em caso de entrega para pagamento – está sujeito a prisão administrativa, que deverá ser requerida ao juiz, nos termos do art. 885 do CPC. Trata-se de medida coercitiva, de natureza civil, destinada a forçar a restituição da letra ao seu portador legitimado‖. Ainda em sentido contrário, há autorizada doutrina: Alexandre Freitas Câmara. Lições de Direito Processual Civil. Vol. III, 11ª ed., 2006, p. 281: ―Apesar disso, porém, parece-nos legítima a prisão civil do devedor que sonega o título de crédito, não o restituindo ao credor. Isto porque, neste caso, não se estará diante de prisão em razão do descumprimento da obrigação do direito privado. O que se tem, aqui, é prisão pelo descumprimento do comando contido na decisão judicial. Assim, é compatível com o sistema constitucional a prisão do demandado que, condenado a restituir ao demandante o título sonegado, não o faz. A prisão incidirá, aqui, como meio de coerção, destinada a constranger psicologicamente o demandado a cumprir a prestação a que foi condenado‖. Por fim, há precedente jurisprudencial da Corte Suprema que autoriza a prisão: ―– Prisão de sonegador de duplicata enviada para aceite. Sua legalidade. Habeas corpus indeferido.‖ (HC nº 52.613/SP, 1ª Turma do STF, julgado em 24 de setembro de 1974 e publicado em 6 de novembro de 1974). 86
Se o sacador for empresário individual ou sociedade empresária, há lugar para a propositura de ação de falência, com fundamento no art. 43, nº 1, da Lei Uniforme, e no art. 94 da Lei nº 11.101, de 2005. 87
De acordo, na doutrina: ―Essa prova da apresentação, não havendo aceite no título, faz-se pela certidão do protesto cambial.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 168).
39
39
5.10. Aceite parcial ou qualificado
Além da recusa total, o art. 26 da Lei Uniforme permite o aceite parcial ou
qualificado, com a limitação da aceitação a uma parte da importância88 ou com a
modificação de cláusula do título89, quando o sacado passa a ser devedor da
importância na parte e no modo em que foi aceita a letra. Não obstante, tanto o
aceite limitativo quanto o modificativo conduzem ao imediato vencimento da letra,
com a possibilidade de execução imediata contra o emitente-sacador, com
fundamento no art. 43, número 1, da Lei Uniforme. Em suma, o direito pátrio
incorporou o aceite parcial e o consequente vencimento antecipado do título.
5.11. Cláusula impeditiva de apresentação ou cláusula ―não aceitável‖
Para impedir o vencimento antecipado da letra de câmbio em razão da
recusa total ou parcial do aceite pelo sacado90, o emitente-sacador pode incluir
cláusula ―impeditiva da apresentação‖91 no bojo do título.
Com efeito, a cláusula ―não aceitável‖ impede a apresentação da letra ao
sacado antes do dia do vencimento. Por consequência, o título somente pode ser
apresentado ao sacado no prazo designado para o pagamento.
Não obstante, tal faculdade conferida ao emitente-sacador não alcança as
letras emitidas a certo termo de vista, bem como as letras pagáveis em domicílio
de terceiro ou em localidade diferente do lugar do domicílio do sacado, tudo por
força do art. 22 da Lei Uniforme.
Outra proteção conferida pelo mesmo art. 22 da Lei Uniforme consiste na
possibilidade de o emitente-sacador estipular uma data antes da qual não é
admissível a apresentação da letra para o aceite do sacado.
Por fim, o emitente-sacador também pode fixar um prazo para a posterior
apresentação do título para o aceite do sacado92, a fim de que a respectiva
88
Aceite limitativo. 89
Aceite modificativo. 90
Hipótese na qual o emitente-sacador assume de imediato a responsabilidade cambial por força do art. 43 da Lei Uniforme. 91
Cf. Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 168.
40
40
obrigação cambial não subsista se o credor-beneficiário não observar o prazo
fixado na letra.
5.12. Aceite posterior ao vencimento
O aceite deve ser buscado e lançado no título até o vencimento. Após o
vencimento, o título deve ser pago, e não mais aceito. A rigor, o ―aceite‖ após o
vencimento do título não pode ser considerado ato cambiário propriamente dito,
mas simples ato de direito comum que pode ter utilidade como meio de prova da
existência da obrigação em processo civil93.
6. Endosso
6.1. Origem e significado do vocábulo ―endosso‖
A palavra ―endosso‖ é proveniente da expressão latina ―in dorso‖, a qual
pode ser traduzida à luz das seguintes expressões: ―no dorso‖, ―nas costas‖, ―no
verso‖.
6.2. Conceito de endosso
O endosso é o ato unilateral de vontade que ocasiona a transferência dos
direitos referentes aos títulos de crédito à ordem. A propósito do conceito de
endosso, vale conferir o disposto no art. 14, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme:
92
Cf. art. 22, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. 93
A propósito, vale conferir a melhor doutrina: ―Atingido o tempo do vencimento, a faculdade de apresentar ao aceite deixa de existir e não tem mais razão de ser. Não há outra solução que o pagamento. Já não é possível, como pretendiam C. S. GRTYNHUT, H. STAUB e G. BONELLI, aceitar o comprador da duplicata mercantil com data de vencimento, ou no têrmo do protesto, pôsto que nos pareça admissível ser lançado o aceite com a indicação de hora anterior à abertura do expediente comercial ou anterior à hora designada para o recebimento do título. Porque, então, não é verdade que o título só admita pagamento. O aceite após o vencimento, ou, ainda, após a prescrição da pretensão cambiariforme, não é ato cambiário; mas o direito comum, comercial ou civil, pode ver em tal aceite vinculação assumida pelo comprador.‖ (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Tomo XXXVI, Título XVII, § 4.048, item 10).
41
41
―O endosso transmite todos os direitos emergentes da letra‖. Não obstante, a
transferência por endosso só se completa quando há a tradição do título94.
6.3. Endosso: forma de transferência dos títulos de crédito
A titularidade do crédito consubstanciado em documento próprio pode ser
transferida de três formas: — pela simples tradição, se o título for ao portador, ou
seja, sem indicação do credor; — pelo endosso e a posterior tradição, se o título
for nominativo à ordem, isto é, com indicação do credor e pagável ao próprio ou à
ordem do atual beneficiário; — pela cessão civil de crédito, acompanhada da
tradição, se o título for nominativo ―não à ordem‖.
Em suma, o endosso é uma forma de transmissão dos direitos provenientes
dos títulos de crédito.
6.4. Endosso e cessão de crédito
O endosso não se confunde com a cessão civil de crédito, também
denominada ―cessão ordinária de crédito‖95.
Em primeiro lugar, o endosso é um instituto de direito cambiário96, próprio
dos títulos de crédito, enquanto a cessão de crédito é instituto de direito civil97. Por
ser instituto de direito cambiário, o endosso está submetido ao princípio da
literalidade. Já a cessão de crédito é contrato civil cuja existência pode ser
demonstrada por outro meio além da prova documental.
Em segundo lugar, o endosso é ato unilateral de vontade, enquanto a
cessão civil é contrato bilateral98.
94
Cf. art. 910, § 2º, do Código Civil. 95
Cf. arts. 11, segundo parágrafo, e 20, primeiro parágrafo, in fine, ambos da Lei Uniforme. 96
Cf. arts. 910 e seguintes do Código Civil. 97
Cf. arts. 286 e seguintes do Código Civil. 98
Assim, na doutrina: ―São os dois institutos, de fato, inconfundíveis, pois o endosso é o ato unilateral de declaração de vontade que impõe forma escrita, ao passo que a cessão é um contrato bilateral, que pode concluir-se de qualquer forma.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 331).
42
42
Em regra, o endosso torna o endossante coobrigado pelo pagamento99, o
que não ocorre na cessão civil de crédito, salvo estipulação expressa em
contrário100.
Por outro lado, o devedor precisa ser comunicado mediante notificação da
transferência do crédito objeto da cessão civil101, comunicação que é dispensável
para que o endosso seja válido e eficaz.
Por fim, na cessão civil de crédito, o devedor acionado pelo cessionário
pode suscitar as defesas existentes contra o cedente102. Já o endossatário é
protegido pelo princípio da inoponibilidade das exceções pessoais anteriores103,
razão pela qual as eventuais defesas cabíveis em relação ao endossante não
podem ser suscitadas contra o endossatário, em virtude da autonomia do título de
crédito104. Por conseguinte, as defesas pessoais do devedor em relação ao
endossante não são suscitáveis contra o endossatário terceiro de boa-fé.
6.5. Endosso e letra de câmbio
A letra de câmbio é título de crédito à ordem transmissível mediante
endosso, até mesmo na falta da cláusula ―à ordem‖ no bojo da cártula, porquanto
o silêncio gera a presunção de que o título é ―à ordem‖, por força do art. 11,
primeiro parágrafo, da Lei Uniforme.
Em contraposição, não há a transferência mediante endosso de letra com
expressa cláusula ―não à ordem‖. A transmissão do título de crédito é
juridicamente possível, mas tem natureza de cessão civil de crédito, ou seja,
cessão ordinária de crédito105.
6.6. Sujeitos do endosso
99
Cf. art. 15, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. 100
Cf. art. 296 do Código Civil. 101
Cf. art. 290 do Código Civil. 102
Cf. art. 294 do Código Civil. 103
Cf. art. 17 da Lei Uniforme e art. 916 do Código Civil. 104
Cf. art. 887 do Código Civil. 105
Cf. art. 11, segundo parágrafo, da Lei Uniforme.
43
43
São dois os sujeitos que participam do endosso: — endossante ou
endossador, pessoa que transfere o crédito inserto no título a outrem; —
endossatário ou endossado, pessoa a quem o crédito inserto no título é
transferido.
Por ser instituto de direito cambiário, o endosso consiste na transmissão de
direito creditício proveniente do título de crédito de forma onerosa106. Por
conseguinte, o endossante pode ser denominado ―alienante‖, enquanto o
endossatário também é chamado ―adquirente‖. Nada impede, entretanto, que o
endosso seja lançado independentemente de contraprestação do endossatário,
mediante ato gracioso do endossante.
6.7. Lançamento do endosso
À vista do art. 13 da Lei Uniforme e do art. 910, § 1º, do Código Civil, o
endosso é lançado mediante simples assinatura aposta no verso do título de
crédito.
Não obstante, também é admissível o lançamento do endosso no anverso
ou face do título, desde que com a expressa indicação do benefício (―endosso‖) ou
do beneficiário (―endosso em favor de ...‖), tudo nos termos do art. 13, segundo
parágrafo, da Lei Uniforme, e do art. 910, caput, do Código Civil.
Não há limite ao número de endossos lançados na letra de câmbio. Por
conseguinte, é possível o lançamento de inúmeros endossos na cártula. Na
eventualidade de o verso e o anverso do título não comportarem novo endosso,
por falta de espaço físico, o lançamento do endosso pode ser feito no
alongamento ou alongue, folha própria em continuação ao título107.
106
Assim, na doutrina: ―Logicamente, não se cuida de ato gratuito: o endossante irá receber do endossatário pelo menos uma parte do valor do título de crédito.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 403). 107
De acordo, na doutrina: ―Pode, todavia, faltando espaço no verso do título, ser escrito numa folha de extensão, ligada ao corpo do título, conforme sempre se admitiu no direito brasileiro, e a que a Lei Uniforme faz referência expressa (art. 13). Essa folha é chamada, como vimos anteriormente, extensão, alongue, alongamento ou folha de alongamento.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 332).
44
44
6.8. Modalidades de endosso
O endosso pode ser ―em branco‖ (ou ao portador) ou ―em preto‖ (ou
nominativo). O endosso ―em branco‖ consiste no lançamento da assinatura do
endossante no título, mas sem a indicação do endossatário, ou seja, do
beneficiário da transferência. Em contraposição, o endosso ―em preto‖ consiste no
lançamento da assinatura do endossante no título, com a explícita identificação do
endossatário, novo beneficiário do crédito.
Por fim, nada impede que um título nominativo seja convertido em título ao
portador, em virtude de um endosso ―em branco‖. Com efeito, embora seja título
nominativo por força do art. 1º, nº 6, da Lei Uniforme, a letra de câmbio nominativa
pode ser convertida em título ao portador, por meio de endosso ―em branco‖
subscrito pelo credor-tomador cujo nome consta da cártula.
6.9. Endosso incondicionado
À vista do art. 12, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e do art. 912, caput,
do Código Civil, não tem eficácia a subordinação do endosso ao advento ou ao
cumprimento de condição alguma: ―Qualquer condição a que ele seja subordinado
considera-se como não escrita‖.
6.10. Endosso parcial: nulidade
À vista do art. 12, segundo parágrafo, da Lei Uniforme, com o reforço do art.
912, parágrafo único, do Código Civil, não é admissível a limitação do endosso a
uma parte do valor da letra: ―O endosso parcial é nulo‖.
6.11. Efeitos do endosso
Em regra, o endosso produz duas consequências jurídicas: transfere a
titularidade do crédito consubstanciado na letra de câmbio, ex vi do art. 14,
primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e torna o endossante coobrigado, por ser
45
45
também responsável pelo aceite e pelo pagamento da letra, tendo em vista a
combinação do art. 15, primeiro parágrafo, com o art. 43, caput, ambos da Lei
Uniforme.
A propósito, diante da existência de preceitos específicos acerca da letra de
câmbio108, não incide o caput do art. 914 do Código Civil, porquanto o art. 903 do
mesmo diploma prestigia a legislação especial existente. Sem dúvida, a incidência
do Código Civil de 2002 é apenas subsidiária, ou seja, só é aplicável quando a
legislação especial é omissa. A propósito, reforça o enunciado nº 463 aprovado na
Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As disposições
relativas aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles regulados por
leis especiais, no caso de omissão ou lacuna‖.
Por fim, o endossante pode incluir a expressão ―sem garantia‖ em conjunto
com o endosso. Inserida a cláusula ―sem garantia‖, endossante deixa de ser
coobrigado109. É o denominado ―endosso sem garantia‖, por meio do qual há a
transferência da titularidade do crédito, mas o endossante não tem
responsabilidade alguma pelo respectivo pagamento.
6.12. Endossos impróprios
É considerado endosso impróprio o ato que, a despeito da denominação ou
da aparência de endosso, não transfere a propriedade do título ou não torna o
endossante coobrigado. O endosso-mandato, o endosso-caução, o endosso-
póstumo, por exemplo, são espécies de endosso impróprio.
6.12.1. Endosso-mandato ou endosso-procuração
O endosso-mandato é o ato pelo qual o endossante não transfere o crédito
proveniente do título em prol do endossatário, o qual atua como mero procurador,
108
Cf. arts. 15 e 43 da Lei Uniforme. 109
Cf. art. 15, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme.
46
46
para simples cobrança e recebimento do crédito em nome do endossante110. Com
efeito, o endosso-mandato transfere a posse, mas não a propriedade do título de
crédito111.
Por conseguinte, na eventualidade de o endossatário-mandatário praticar
atos lesivos a direito de terceiro, como protesto indevido, quem responde pelos
eventuais danos é o endossante-mandante, e não o endossatário-mandatário,
salvo excepcional incidência dos artigos 663, segunda parte, e 665 do Código
Civil. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 476 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça: ―O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só
responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de
mandatário‖112. Na mesma esteira, reforça o correto enunciado nº 99 da Súmula
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―Tratando-se de endosso-mandato,
devidamente comprovado nos autos, não responde o endossatário por protesto
indevido, salvo se lhe era possível evitá-lo‖113.
No que tange à forma, o endosso-mandato é lançado no título de crédito
por meio da anotação de alguma das expressões legais (―valor a cobrar‖, ―para
cobrança‖, ―por procuração‖) ou outra equivalente114, em conjunto com o endosso,
nos termos do art. 18 da Lei Uniforme e do art. 917 do Código Civil.
110
No mesmo sentido, na doutrina: ―Transmite-se ao mandatário-endossatário, assim investido de mandato e da posse do título, o poder de efetuar a cobrança, dando quitação de seu valor. Desse modo se transfere a posse da letra, mas não a disponibilidade de seu valor, cujo crédito pertence ao endossante.‖ (Rubens Requião. Curso de direto comercial. 18ª ed., 1992, p. 334). Em sentido conforme, na jurisprudência: ―O endosso-mandato não transfere ao mandatário a propriedade do título endossado ou do crédito por ele representado.‖ (REsp nº 830.481/MG – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 392). 111
Assim, na jurisprudência: ―- O endosso-mandato, limitando-se a instituir quem cuide da cobrança do crédito consignado na cártula, não transfere quaisquer direitos ao mandatário, senão o de receber e praticar outros atos em nome do mandante ou endossante.‖ (Apelação nº 1.0134.03.038029-6/001, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 7 de fevereiro de 2006). 112
No mesmo diapasão, também na jurisprudência: ―I - Na linha da orientação deste Tribunal, no endosso-mandato, por não haver transferência da propriedade do título, o mandante é responsável pelos atos praticados por sua ordem pelo banco endossatário.‖ (REsp nº 389.879/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de setembro de 2002, p. 196). 113
Eis a correta justificativa que consta do acórdão de aprovação do verbete sumular: ―No endosso mandato não há transferência do crédito, de forma que o endossatário age na condição de mandatário do endossante, este sim, responsável pelo dano, a menos que o endossatário pudesse evitar o protesto‖. 114
De acordo, na jurisprudência: ―O endosso-mandato não transmite direitos emergentes do título nem transfere a propriedade da letra, mas simplesmente a sua posse. O detentor do título por endosso-mandato recebe-o e pratica todos os atos de proprietário do mesmo, mas o faz como simples mandatário, representando e obrigando, nesse caso, o mandante ou endossante (Fran Martins). Entende-se como endosso-mandato – e como tal será tido – aquele pelo qual terceiro repassa o título a entidade bancária para
47
47
Resta saber se há extinção do endosso-mandato em razão do falecimento
ou da superveniente incapacidade do endossante, tal como ocorre com o mandato
civil, ex vi do art. 682, inciso II, do Código Civil. A resposta negativa é encontrada
tanto no último parágrafo do art. 18 da Lei Uniforme quanto no § 2º do art. 917 do
Código Civil, in verbis: ―Com a morte ou a superveniente incapacidade do
endossante, não perde eficácia o endosso-mandato‖.
6.12.2. Endosso-caução, endosso-penhor ou endosso-pignoratício
Por ser bem móvel, a letra de câmbio pode ser objeto de penhor, como
garantia de eventual credor do endossante, nos termos do art. 1.431 do Código
Civil. Não obstante, não há a transferência imediata do crédito com o endosso-
penhor, mas apenas a posse do título, com a possibilidade da cobrança e do
recebimento da quantia expressa na letra, como garantia115. O crédito, entretanto,
continua sob a titularidade do endossante, desde que a obrigação garantida por
meio da letra seja cumprida. Não pode, portanto, o endossatário-pignoratício reter
o valor que lhe é devido antes do vencimento do título, na eventualidade de
receber o crédito de devedor cambial116.
Por fim, no que tange à forma, o endosso-caução é lançado no título de
crédito por meio da anotação de alguma das expressões legais (―valor em
garantia‖ ou ―valor em penhor‖) ou outra equivalente, em conjunto com o endosso,
nos termos do art. 19 da Lei Uniforme e do art. 918 do Código Civil.
promover sua cobrança, tal como o revela a praxe comercial.‖ (Apelação nº 39.603/96, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 19 de março de 1997, p. 4.421). 115
Assim, na doutrina: ―No endosso-caução ou pignoratício, o título é onerado por penhor em favor de credor do endossante, de modo que, cumprida a obrigação garantida pelo penhor, o título retorna ao endossante. No endosso-caução, o endossatário exerce direito que lhe é próprio, assegurado pelo título creditício, pois não é mero representante do credor originário. Difere, pois, do endosso-mandato, em que o endossatário é simples detentor do título e age em nome do endossante-mandante.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 387). De acordo, na jurisprudência: ―O endosso-caução não transfere ao endossatário o crédito consolidado no título, mas apenas a sua posse, para garantia do crédito daquele.‖ (Apelação n° 2.0000.00.518639-6/000, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 7 de abril de 2006). 116
Assim, na doutrina: ―No endosso-caução, o crédito não se transfere para o endossatário, que é investido na qualidade de credor pignoratício do endossante. Cumprida a obrigação garantida pelo penhor, deve a letra retornar à posse do endossante. Somente na eventualidade de não-cumprimento da obrigação garantida, é que o endossatário por endosso-caução apropria-se do crédito representado pela letra.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2006, p. 252).
48
48
6.12.3. Endosso-póstumo ou endosso tardio
À vista do art. 20 da Lei Uniforme, tem valor jurídico de mera cessão civil de
crédito o endosso posterior ao vencimento do título e também lançado depois do
respectivo protesto – ou do decurso do prazo para a realização do protesto117.
Sem dúvida, vencido o título e expirado o prazo para o protesto, o ulterior endosso
tem efeito de cessão civil de crédito, razão pela qual não incide o princípio da
inoponibilidade das exceções pessoais, com a possibilidade, portanto, da arguição
de defesas, de nulidades substanciais e de vícios de consentimento que
contaminaram as relações jurídicas anteriores118.
Ainda em razão da equiparação jurídica à cessão civil de crédito, o endosso
póstumo não torna o endossante coobrigado pelo pagamento, salvo estipulação
em contrário119-120.
Subsiste como o endosso, entretanto, o endosso posterior ao vencimento,
desde que lançado antes do protesto e da expiração do prazo para o protesto,
tendo em vista a ficção jurídica consagrada no proêmio do art. 20 da Lei Uniforme:
―O endosso posterior ao vencimento tem os mesmos efeitos que o endosso
anterior‖.
Por fim, o endosso sem data também é considerado anterior, salvo prova
em sentido contrário121-122.
117
Assim, na jurisprudência: ―ENDOSSO PÓSTUMO - VENCIMENTO DO TÍTULO - DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. – O endosso com efeito de cessão, também chamado de endosso póstumo, ocorre quando realizado após o vencimento do título de crédito e do prazo para o protesto, pouco importando a data da propositura da ação.‖ (Apelação nº 1.0024.05.827986-0/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 11 de junho de 2010). 118
De acordo, na jurisprudência: ―Em se tratando de endosso póstumo, porque realizado após expirado o prazo para protesto, o seu efeito é de cessão ordinária de crédito e o direito do endossatário, neste caso, não é autônomo, mas derivado do direito do endossante, o que significa dizer apenas que será possível a oponibilidade de exceções pessoais.‖ (Apelação nº 1.0024.08.937384-9/001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 16 de janeiro de 2009). 119
Cf. art. 296 do Código Civil. 120
De acordo, na doutrina: ―O endosso póstumo é o posterior ao protesto por falta de pagamento do título ou posterior ao decurso do prazo respectivo. Tem efeito de mera cessão civil, ou seja, o endossante tardio não responde pela solvência do devedor.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 386 e 387). 121
Cf. art. 20, segundo parágrafo, da Lei Uniforme. 122
Assim, na jurisprudência: ―O endosso do qual não se apõe data, presume-se efetuado antes da apresentação do cheque, razão pela qual o mesmo não pode ser caracterizado nem como endosso-póstumo, nem como cessão de direitos.‖ (Apelação nº 1.0223.08.243348-1/001, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 20 de janeiro de 2009).
49
49
6.12.4. Endosso sem garantia
À vista do art. 15, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, o endossante pode
incluir a expressão ―sem garantia‖ em conjunto com o endosso, o que afasta a
respectiva responsabilidade cambial como coobrigado. Com efeito, o lançamento
de endosso ―sem garantia‖ ocasiona a transferência da titularidade do crédito, mas
o endossante não tem responsabilidade cambial alguma.
6.12.5. Endosso proibido
À vista do art. 11, segundo parágrafo, da Lei Uniforme, o emitente-sacador
pode incluir a cláusula ―não à ordem‖ na cártula, com a consequente proibição de
transferência do crédito mediante endosso. Proibido o endosso, a transferência da
titularidade tem natureza jurídica de cessão civil de crédito, sob o regime do direito
comum. Em outros termos, se o emitente-sacador lançar a cláusula ―não à ordem‖,
o eventual ―endosso‖ lançado terá valor jurídico de cessão ordinária de crédito, à
luz do direito comum. A transferência do crédito é legítima, mas não produz os
efeitos do direito cambiário, mas, sim, do direito civil.
Por fim, o endosso também pode ser proibido pelo até então credor, na
qualidade de endossante, quando da transmissão do título a um novo credor, com
fundamento o art. 15, segunda parte, da Lei Uniforme: ―O endossante pode proibir
um novo endosso, e, neste caso, não garante o pagamento às pessoas a quem a
letra for posteriormente endossada‖. Por conseguinte, se o endossatário lançar
ulterior endosso e transferir o título a terceira pessoa, a despeito da proibição, o
anterior endossatário não garante a obrigação cambial em relação ao novo credor-
endossatário.
7. Aval
50
50
7.1. Conceito
O aval é a declaração unilateral de vontade por meio da qual uma pessoa
garante, em prol do devedor principal123 ou de qualquer coobrigado124, o
pagamento do título de crédito. A propósito do conceito de aval, vale conferir o
disposto no caput do art. 897 do Código Civil: ―O pagamento de título de crédito,
que contenha obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por
aval‖.
7.2. Sujeitos do aval: avalista e avalizado
A pessoa que garante o pagamento do título é denominada ―avalista‖ ou
―dador de aval‖, na linguagem do art. 32 da Lei Uniforme. O avalista tanto pode ser
pessoa natural quanto pessoa jurídica, por intermédio do administrador, gerente
ou diretor dotado de poder especial para prestar aval.
Por outro lado, o beneficiário do aval é o ―avalizado‖. Avalizado, portanto, é
o devedor principal ou o coobrigado cuja assinatura é garantida pelo aval125.
7.3. Avalista
À vista da regra consagrada no art. 30, segundo parágrafo, da Lei Uniforme,
o avalista é terceiro que não figurava na letra de câmbio até então. Nada impede,
todavia, que algum signatário da letra seja avalista de outro. Sem dúvida, o art. 30,
segundo parágrafo, in fine, dispõe sobre o aval dado por pessoa que já integra a
relação jurídico-cambial126.
7.4. Lançamento do aval
123
Na letra, o sacado-aceitante. 124
Na letra, o emitente-sacador, o tomador-endossante, o segundo endossante etc. 125
De acordo, na doutrina: ―Aquele que presta o aval se chama avalista ou dador do aval, e o beneficiário, a cuja obrigação se reforça, se denomina avalizado.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 342). 126
Assim, na doutrina: ―O aval é a garantia de pagamento da letra de câmbio, dada por um terceiro ou mesmo por um de seus signatários.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 341).
51
51
Segundo o art. 31 da Lei Uniforme, o aval deve ser lançado na própria letra
de câmbio ou em folha anexa ao título. A assinatura lançada em documento
independente, portanto, não tem natureza de aval, ex vi dos princípios da
cartularidade e da literalidade127.
O art. 898 do Código Civil revela que o lançamento do aval é admissível
tanto na face quanto no verso da letra de câmbio. Em ambas as hipóteses, o
lançamento do aval se dá com a assinatura de próprio punho do avalista ou do
respectivo procurador com poder especial128.
No que tange ao lançamento na face da letra, a simples assinatura tem
natureza jurídica de aval, salvo quando aposta pelo sacado ou pelo emitente-
sacador129. Sem dúvida, a simples assinatura do sacado exarada na face da letra
significa aceite130, enquanto a assinatura do emitente-sacador lançada no anverso
da letra significa saque, ou seja, a emissão do título131. Com efeito, embora o
sacado e o emitente-sacador também possam ser avalistas de outro obrigado, as
assinaturas de ambos devem ser acompanhadas da expressão legal ―bom para
aval‖ ou outra equivalente132, para que tenham natureza de aval. Já em relação
aos terceiros, basta a simples assinatura lançada no anverso ou face da letra, a
qual tem natureza de aval, ex vi do art. 31, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme.
127
Assim, na jurisprudência: ―Aval – Documento à parte. Válido o aval em folha anexa ao título que se entende como seu prolongamento. Não, entretanto, em documento à parte, uma vez que o Brasil não se valeu da reserva consignada no art. 4º do Anexo II da Convenção de Genebra.‖ (REsp nº 4.522/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de fevereiro de 1991, p. 1.034). No mesmo sentido, também na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. AVAL. O aval supõe assinatura em título cambial ou cambiariforme, não se lhe assimilando a firma posta em instrumento particular‖ (REsp nº 248.842/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de setembro de 2000, p. 128). 128
Assim, na jurisprudência: ―A validade do aval está condicionada à assinatura do próprio punho do avalista ou do mandatário especial, isto é, do que exibe mandato por escrito, com poderes expressos para a prática de atos cambiais.‖ (REsp nº 50.841/RJ, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de setembro de 1994, p. 23.770). 129
Cf. art. 31, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme. De acordo, na doutrina: ―Na letra de câmbio, vale insistir, não existe assinatura sem expressão; toda a que for aposta no título, na sua face ou dorso, tem uma função cambiária. Por isso, a simples assinatura firmada no anverso, que não seja do sacado ou do sacador, é considerada aval.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 343). 130
Cf. art. 25, primeiro parágrafo, in fine, da Lei Uniforme. 131
Cf. art. 1º, número 8, da Lei Uniforme. 132
Por exemplo, ―por aval‖.
52
52
Por fim, o lançamento do aval no verso da letra sempre depende da
assinatura acompanhada de alguma expressão identificadora133, conforme revela
a interpretação a contrario sensu do § 1º do art. 898 do Código Civil.
7.5. Modalidades de aval
O aval pode ser ―em branco‖ ou ―em preto‖. O aval ―em preto‖ ocorre com
identificação do avalizado ao lado da assinatura do avalista. Já o aval ―em branco‖
se dá pelo simples lançamento da assinatura, sem a designação do avalizado. Na
ausência da identificação do avalizado, há a presunção legal de que o aval foi
dado em favor do emitente-sacador da letra, conforme revela o último parágrafo
do art. 31 da Lei Uniforme: ―O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta
da indicação, entender-se-á pelo sacador‖.
7.6. Responsabilidade do avalista
À vista do primeiro parágrafo do art. 32 da Lei Uniforme e do proêmio do
art. 899 do Código Civil, a responsabilidade do avalista é equiparada à do
avalizado, razão pela qual o dador do aval também é responsável pelo pagamento
integral do título em prol do credor, tanto que o avalista pode ser executado
isoladamente134.
7.7. Direito de regresso do avalista
O avalista que efetuar o pagamento da quantia expressa no título poderá
acionar tanto o avalizado quanto os coobrigados anteriores, para cobrar o total da
importância paga, com fundamento no art. 32, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme,
e no art. 899, § 1º, do Código Civil. Por conseguinte, podem ser acionados, em 133
Por exemplo, ―bom para aval‖, ―por aval‖. 134
Cf. art. 47 da Lei Uniforme. Assim, na doutrina: ―O avalista se torna obrigado solidariamente com aquele a favor de quem dá o aval.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 342). De acordo, na jurisprudência: ―– O aval constitui obrigação autônoma. Tratando-se de responsabilidade solidária dos devedores, ao credor é permitido mover a execução desde logo contra o avalista, independentemente da regra inserta no art. 655, § 2º, do CPC.‖ (REsp nº 443.432/GO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 15 de agosto de 2005, p. 317).
53
53
conjunto ou isoladamente, o sacado-aceitante, o emitente-sacador, o tomador-
endossante e até os eventuais avalistas anteriores, , conforme o caso, em relação
ao total do montante que foi pago pelo avalista.
Com efeito, à vista do art. 47, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme, e do art.
899, § 1º, do Código Civil, o avalista que paga o título passa a ter direito
regressivo contra o devedor principal e todos os coobrigados anteriores, razão
pela qual pode acioná-los por meio de execução fundada no art. 32, terceiro
parágrafo, da Lei Uniforme, e no art. 567, inciso III, do Código de Processo Civil,
desde que observados os prazos prescricionais arrolados no art. 70 da Lei
Uniforme.
7.8. Avais em branco simultâneos
Na eventualidade de ter sido lançado mais de um aval em branco, incide o
enunciado nº 189 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Avais em branco e
superpostos consideram-se simultâneos e não sucessivos‖. À luz do verbete
sumular, o avalista simultâneo que pagou o crédito por inteiro só pode cobrar dos
demais avalistas simultâneos as partes proporcionais, e não a totalidade da
quantia paga135. Trata-se, à evidência, de exceção à regra da solidariedade
cambial, marcada pela solidariedade total e pelo direito de regresso do avalista
quanto ao valor integral.
Em suma, se o título contiver mais de um aval em branco, sem
possibilidade de identificação da ordem em que as garantias foram dadas, aquele
135
Assim, na jurisprudência: ―1) Avais em branco e superpostos consideram-se simultâneos e não sucessivos; 2) Alcance da Súmula nº 189; 3) Em caso de avais simultâneos, pode o avalista, que pagou, cobrar do outro avalista a cota-parte devida por êsse co-obrigado; 4) Se três são os avalistas, só pode aquêle que pagou cobrar uma têrça parte de cada um dos co-obrigados da mesma natureza; 5) Recurso extraordinário conhecido e provido, em parte.‖ (RE nº 70.715/GB, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 18 de novembro de 1970). ―– COMERCIAL. Aval. Avalista simultâneo e não sucessivo (Súmula 189). Pagando a dívida cambial, fica legalmente sub-rogado no crédito (Cód. Civil, art. 985, III), podendo a cada um dos demais avalistas simultâneos cobrar a respectiva quota, em processo de execução por título extrajudicial.‖ (RE nº 92.674/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 29 de maio de 1981, p. 5.054). ―– Aval. Co-avalista. Direito de receber do outro a metade do que pagou, pelo compromisso. Art. 32 da Lei Uniforme. Resulta do art. 32 da Lei Uniforme que se o dador do aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes do título contra a pessoa a favor de quem foi dado e contra os demais co-avalistas. A sub-rogação é legal, independendo, portanto, de ter sido convencionada. É este o entendimento que tem sido adotado pelo Supremo Tribunal Federal. E não cabe perquirir sobre a causa debendi.‖ (RE nº 75. 297/RS, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 6 de setembro de 1984, p. 14.332).
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54
avalista que pagar o total só poderá cobrar dos demais avalistas em branco as
respectivas partes, de forma proporcional. Nada impede, entretanto, que o avalista
que pagou o total opte por acionar o devedor principal e outro coobrigado anterior,
como o sacado-aceitante e o emitente-sacador, respectivamente, em conjunto ou
isoladamente, conforme a preferência do avalista, na tentativa de receber o valor
integral136.
7.9. Autonomia da responsabilidade do avalista
Em razão da autonomia e da abstração que norteiam os títulos de
crédito137, se a cártula circulou e deixou as mãos dos sujeitos originários da
relação cambial, não há mais oportunidade de discussão acerca da causa
debendi, isto é, a origem do título. Por conseguinte, a responsabilidade do avalista
subsiste até mesmo quando é nula a obrigação do avalizado. Sem dúvida, os arts.
7º e 32, segundo parágrafo, da Lei Uniforme, e o § 2º do art. 899 do Código Civil
revelam que a responsabilidade cambial do avalista é independente da obrigação
do avalizado, e subsiste até mesmo quando a obrigação primitiva tenha sido
viciada na origem138.
Não obstante, a regra da autonomia não é absoluta, porquanto os vícios
formais no título139, a prescrição executiva, os vícios pessoais próprios140 e a
existência de má-fé do terceiro adquirente podem ser suscitados pelo executado,
independentemente de o título já ter circulado, ou não. 136
De acordo, na doutrina: ―Se vários são os avalistas, aquele que pagou ao credor do avalizado comum poderá cobrar dos demais coobrigados a cota respectiva de cada um na dívida; e todos, em conjunto ou separadamente, poderão agir contra o devedor-avalizado, para serem reembolsados de todas as parcelas que tiveram de liquidar, pelo inadimplemento dele em relação ao credor originário.‖ (Alcides de Mendonça Lima. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VI, Tomo I, 1974, nº 747, p. 339 e 340). 137
Cf. art. 887 do Código Civil. 138
Assim, na doutrina: ―Sendo as obrigações cambiárias autônomas uma das outras, o avalista que está sendo executado em virtude de obrigação avalizada, não pode opor-se ao pagamento, fundado em matéria atinente à origem do título, que lhe é estranha. O aval é obrigação formal, autônoma, independente, e que decorre da simples aposição, no título, da assinatura do avalista.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 342). De acordo, na jurisprudência: ―— O aval é obrigação autônoma e independente, descabendo assim a discussão sobre a origem da dívida.‖ (REsp nº 190.753/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2003, p. 467). ―O aval é obrigação autônoma e independente, afastadas assim as discussões sobre a origem do título.‖ (REsp nº 3.594/SC, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de dezembro de 1990, p. 15.380). Também no mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: RE nº 75. 297/RS, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 6 de setembro de 1984, p. 14.332. 139
Por exemplo, o aparente título objeto da execução não contém a data da emissão. 140
Por exemplo, o avalista alega que não subscreveu o título e que a respectiva assinatura foi falsificada.
55
55
Em regra, portanto, o avalista não pode discutir a origem da dívida nem
nulidades substanciais141 e pessoais anteriores relativas ao título de crédito que já
circulou142. Se, todavia, o título ainda não circulou, por ainda estar a cártula nas
mãos de alguma das partes originárias da relação cambial, o avalista executado
pode suscitar até mesmo vício sobre a origem da dívida, como a ilicitude do
negócio subjacente143 – além das defesas que podem ser suscitadas até mesmo
nos casos de circulação do título: vícios formais, prescrição cambial, vícios
pessoais próprios e má-fé do terceiro adquirente exequente.
7.10. Aval e fiança: semelhanças e diferenças
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, em razão da existência
da palavra ―afiançada‖ no bojo do art. 32 da Lei Uniforme, aval e fiança são
institutos jurídicos diferentes. Sem dúvida, apesar do escopo comum dos
institutos, qual seja, dar garantia, o aval e a fiança têm peculiaridades que afastam
a possibilidade de confusão.
Em primeiro lugar, o aval é próprio e exclusivo dos títulos de crédito,
enquanto a fiança é instituto de direito civil e tem lugar nos contratos144.
Sob outro prisma, a obrigação proveniente do aval é autônoma145, enquanto
a fiança gera obrigação sem autonomia, mas apenas acessória146. Por
141
Cf. arts. 104, 166, 167 e 168 do Código Civil. 142
Assim, na jurisprudência: ―A responsabilidade cambiária do avalista, tendo em vista os princípios da autonomia e abstração, não é afastada pela falsificação ou nulidade de outra assinatura. Art. 7º da Lei Uniforme. Ressalva-se a hipótese de má-fé do favorecido, o que não ocorre na hipótese.‖ (REsp nº 36.837/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de novembro de 1993, p. 25.877). 143
De acordo, na jurisprudência: ―Comercial. Título de crédito. Avalista. Discussão sobre a origem do débito. Ausência de circulação do título. Possibilidade. Precedentes. – Na esteira de precedentes da 3ª Turma do STJ, se o título de crédito não circulou, pode o avalista argüir exceções baseadas na extinção, ilicitude ou inexistência da dívida da qual originou o título, visando evitar o enriquecimento sem causa do credor. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 678.881/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 216). 144
De acordo, na jurisprudência: ―O aval é garantia que se constitui em título cambial, não em contrato bancário; neste, a garantia de terceiro pode ser a fiança, não o aval.‖ (REsp nº 255.139/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 2000, p. 155). 145
Cf. art. 32, segundo parágrafo, da Lei Uniforme. 146
Cf. arts. 824 e 837 do Código Civil. Assim, na doutrina: ―O aval é um instituto típico do direito cambiário. Por isso, não se pode confundir com a fiança. Esta é uma garantia acessória de uma obrigação principal, sendo-lhe característica fundamental essa acessoriedade; o aval, porém, como toda a obrigação cambiária, é absolutamente autônomo de qualquer outra.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 342).
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56
conseguinte, no aval prevalece a regra segundo a qual a responsabilidade do
avalista subsiste até mesmo diante de vício proveniente da relação obrigacional
originária, tendo em vista o disposto nos arts. 7º e 32, segundo parágrafo, ambos
da Lei Uniforme, e no art. 899, § 2º, do Código Civil. O mesmo raciocínio, todavia,
não alcança a fiança, a qual não subsiste diante de obrigação nula, ex vi dos arts.
824 e 837 do Código Civil147.
Sob outro prisma, o fiador tem o benefício de ordem previsto no art. 827 do
Código Civil e no art. 595 do Código de Processo Civil, isto é, pode exigir que o
devedor em favor de quem prestou a garantia seja executado em primeiro lugar148-
149. Já o avalista não tem em seu prol o benefício de ordem, porquanto é
responsável solidário, na qualidade de coobrigado, razão pela qual pode ser
acionado individualmente e até mesmo em primeiro lugar, tudo nos termos do art.
47 da Lei Uniforme. Daí a conclusão: o avalista não tem o beneficium excussionis
personalis150.
Outra diferença que não pode ser esquecida diz respeito ao artigo 77 do
Código de Processo Civil, vale dizer, ao instituto do chamamento ao processo.
Seja em razão da autonomia da responsabilidade do avalista, seja em razão da
incompatibilidade do instituto com o processo de execução, não há possibilidade
jurídica de o avalista executado requerer o chamamento de outros avalistas ao
processo de execução. Com efeito, o artigo 77 do Código de Processo Civil
alcança apenas o devedor principal e os fiadores de contrato, mas nunca os
avalistas de título de crédito. Sem dúvida, o chamamento ao processo só é
possível em relação aos fiadores e ao devedor principal, quando um fiador for 147
Assim, na doutrina: ―A distinção, porém, pode ser estabelecida na própria lei que afirma que a obrigação do aval mantém-se ‗mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma‘. Na fiança, essa obrigação acessória não sobreviveria à nulidade da obrigação principal, objeto da garantia.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 342). 148
De acordo, na doutrina: ―Benefício de excussão, ou benefício de ordem, é o direito que tem o fiador de exigir que, antes dos seus, sejam excutidos os bens do devedor.‖ (Amílcar de Castro. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, 2ª ed., 1976, p. 17). 149
Não obstante, o fiador pode renunciar ao benefício de ordem, com fundamento no art. 828, inciso I, do Código Civil. 150
De acordo, na jurisprudência: ―– O avalista não pode exercer benefício de ordem.‖ (Ag nº 747.148/SP – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2006, p. 438). Assim, ainda na jurisprudência: ―Aval. Benefício de ordem. O avalista é um obrigado autônomo (art. 47 da Lei Uniforme) e não se equipara ao fiador, razão pela qual não pode exercer o benefício de ordem previsto no art. 595 do CPC. Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 153.687/GO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de março de 1998, p. 82).
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acionado mediante processo cognitivo proveniente de ação de cobrança. Já os
avalistas são acionados mediante processo executivo, o qual, como já anotado, é
incompatível com o instituto consagrado no artigo 77 do Código de Processo Civil.
Por fim, antiga diferença entre o aval e a fiança restou mitigada com o
advento do Código de 2002. Com efeito, à vista do art. 1.647, inciso III, do Código
Civil, o cônjuge não pode prestar fiança nem aval sem a autorização do outro151.
Não obstante, a anulabilidade do aval prestado sem a vênia conjugal só pode ser
suscitada pelo cônjuge que não autorizou o lançamento152. A propósito, vale
conferir o enunciado nº 114 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça
Federal: ―Art. 1.647: o aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de
modo que o inc. III do art. 1.647 apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao
cônjuge que não assentiu‖.
7.11. Aval limitado ou parcial
A despeito da vedação inserta no parágrafo único do art. 897 do Código
Civil, a letra de câmbio pode ser garantida apenas em parte, quando o avalista fica
obrigado somente pelo valor garantido, porquanto o art. 30 da Lei Uniforme
autoriza o aval parcial: ―O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte
garantido por aval‖153. Com efeito, por força do art. 903 do Código Civil, a
legislação especial existente prevalece em relação ao disposto no Código de
2002. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 39 aprovado na Jornada de
Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―É admitido o aval parcial para
os títulos de crédito regulados em lei especial‖. Daí a conclusão: a Lei Uniforme
autoriza o aval limitado ou parcial, o qual ocasiona a garantia apenas em relação a
uma parte do crédito.
151
Se o casamento foi sob o regime da separação absoluta, entretanto, não há necessidade de autorização alguma, tendo em vista a exceção consagrada na parte final do inciso III do art. 1.647 do Código de 2002. 152
De acordo, na jurisprudência: Apelação nº 1.0002.06.011432-5/002, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 19 de setembro de 2008. 153
Assim, na doutrina: ―O avalista, por essa limitação, se obriga apenas pela soma que declarar, inferior evidentemente ao valor da letra.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 345).
58
58
7.12. Aval antecipado
O denominado ―aval antecipado‖ consiste no lançamento da assinatura de
garantia do pagamento antes mesmo do aceite (do sacado) ou do endosso (do
tomador-beneficiário originário).
É certo que a Lei Uniforme de Genebra é omissa em relação ao instituto do
aval antecipado. Não obstante, o proêmio do art. 14 do Decreto nº 2.044 autoriza
o prévio lançamento do aval, in verbis: ―Art. 14. O pagamento de uma letra de
câmbio, independente do aceite e do endosso, pode ser garantido por aval‖.
Aliás, ainda que o sacado jamais lance o aceite na letra, o avalista é
responsável pelo pagamento, à vista do princípio da autonomia consagrado no art.
887 do Código Civil, combinado com o art. 14 do Decreto nº 2.044, por força do
qual o direito brasileiro consagra o instituto do aval antecipado154.
7.13. Aval póstumo
A Lei Uniforme de Genebra e a Lei Cambial Nacional são omissas acerca
do aval dado após o vencimento da letra. Não obstante, o art. 900 do Código Civil
dispõe sobre o aval póstumo e confere ao mesmo efeitos jurídicos iguais aos do
aval dado antes do vencimento. Na falta de preceito nas leis especiais, incide o
art. 900 do Código Civil, tendo em vista o disposto no art. 903 do mesmo diploma.
7.14. Falecimento do avalista e subsistência do aval
A garantia proveniente do aval subsiste até mesmo quando há o
falecimento do avalista. Com efeito, a morte do avalista antes do vencimento não
tem o condão de extinguir a obrigação cambial, a qual subsiste e é transferida aos
herdeiros do avalista falecido, dentro dos limites das forças da herança155.
154
Assim, na jurisprudência: ―Em face da autonomia das obrigações, a do avalista subsiste, quando se trata de aval antecipado ao aceite do título, mesmo se esse não ocorrer. Há, aí, obrigação de garantir o pagamento da cártula.‖ (RE nº 99.523/AM, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 30 de novembro de 1984, p. 20.444). 155
De acordo, na jurisprudência: ―COMERCIAL. TÍTULOS DE CRÉDITO. AVALISTA. ÓBITO ANTES DO VENCIMENTO. OBRIGAÇÃO NÃO PERSONALÍSSIMA. TRANSMISSÃO AOS HERDEIROS. I - O aval, espécie de obrigação cambial, é autônomo em relação à obrigação do devedor principal e se constitui no
59
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8. Classes de devedores e cadeia das obrigações cambiais
8.1. Classificação dos devedores
Os devedores da letra de câmbio – e dos títulos de crédito em geral –
podem ser separados em duas classes: na primeira, residem o devedor principal
(na letra de câmbio, o sacado após o aceite) e o respectivo avalista, na
eventualidade de ter sido dado aval; já a outra classe é composta pelos
coobrigados, como o emitente-sacador e os endossantes, além dos respectivos
avalistas156. Vale ressaltar que o emitente-sacador jamais será considerado
devedor principal da letra, ainda que o sacado denegue o aceite; quanto muito, o
emitente-sacador será o primeiro responsável da cadeia das obrigações cambiais,
mas na qualidade de coobrigado. Devedor principal na letra de câmbio só pode
ser o aceitante; é certo que o avalista do aceitante é equiparado ao devedor
principal, para diversos fins de direito cambiário, mas não é o devedor principal
propriamente dito, tanto que o avalista pagante do título pode acionar o aceitante,
no exercício do direito de regresso.
A inclusão do avalista em uma ou outra classe sempre depende do
avalizado, conforme revela o primeiro parágrafo do art. 32 do Decreto nº 57.663,
de 1966, segundo o qual a responsabilidade do avalista é a mesma da pessoa
avalizada. Na mesma esteira, reforça o proêmio do art. 899 do Código Civil de
2002: ―O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar‖. Daí a conclusão: a
responsabilidade cambial do dador do aval é a mesma do avalizado; se o
avalizado for o devedor principal, assim também será considerado o avalista; se o
avalizado for coobrigado, assim também será o avalista.
momento da aposição da assinatura do avalista no título de crédito. II - Existente a obrigação desde a emissão do título, o avalista era devedor solidário no momento do óbito, constituindo o transcurso da data do vencimento apenas requisito para a exigibilidade do montante devido. III - A morte do responsável cambiário é modalidade de transferência anômala da obrigação que, por não possuir caráter personalíssimo, é repassada aos herdeiros, mesmo que o óbito tenha ocorrido antes do vencimento do título.‖ (REsp nº 260.004/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 358). 156
Cf. art. 43 da Lei Uniforme.
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60
8.2. Diferenças entre as classes de devedores
Há importantes diferenças à vista da classe em que o devedor reside,
especialmente em relação ao protesto e ao prazo prescricional da execução.
No que diz respeito ao devedor principal ou direto – e ao respectivo
avalista, se existente –, o simples vencimento do título já é suficiente para a
exigibilidade do crédito por parte do beneficiário, com a possibilidade da
propositura de execução desde logo pelo credor mediante a denominada ―ação
direta‖, independentemente de protesto157.
Já em relação aos coobrigados ou devedores indiretos (quais sejam, o
emitente-sacador, os endossantes e os respectivos avalistas), além do
vencimento, é necessária a comprovação da recusa do pagamento pelo devedor
principal mediante protesto, também indispensável na eventualidade da negativa
do aceite pelo sacado. Trata-se, portanto, da denominada ―ação indireta‖, a qual
tem em mira os coobrigados ou devedores indiretos e não pode ser movida pelo
credor antes do protesto158-159. Daí a importante diferença entre o devedor
principal e o coobrigado, à vista do art. 53, primeiro e segundo parágrafos, da Lei
Uniforme: enquanto o devedor principal e o respectivo avalista são responsáveis
independentemente do protesto do título160, os coobrigados só podem ser
acionados após o protesto161.
157
De acordo, na doutrina: ―A execução é pertinente a portador de qualquer dos títulos contra os chamados responsáveis principais: a) aceitante na letra de câmbio; b) emitente na promissória e no cheque; c) comprador na duplicata; e d) respectivos avalistas. É a ação direta, que independe de protesto. Contra os denominados responsáveis subsidiários, a) sacador na letra de câmbio; b) endossadores anteriores e seus avalistas em qualquer dos títulos – cabe a ação regressiva, isso é, do que solveu a obrigação e que se vira contra o verdadeiro obrigado. Mas essa exige a juntada do competente instrumento de protesto, que não é judicial, e sim o formulado no Cartório competente, conforme a organização judiciária local.‖ (Alcides de Mendonça Lima. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VI, Tomo I, 1974, nº 744, p. 338, sem o grifo no original). 158
Ou outro ato equiparado ao protesto, como prevê o inciso II do artigo 47 da Lei nº 7.357, de 1985, em relação ao cheque. 159
Salvo se lançada a cláusula ―sem protesto‖ no título de crédito. Com efeito, a cláusula ―sem protesto‖ dispensa o credor de instrumentalizar a falta do pagamento mediante protesto no tabelionato próprio. 160
Assim, na jurisprudência: ―– Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias - Não é necessário o protesto do título para resguardo do direito de ação contra o avalista do emitente da promissória ou do aceitante da letra de câmbio.‖ (RE nº 76.154/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 1973). 161
De acordo, na jurisprudência: ―Estando o banco com o título por domínio, em face de endosso-cessão, para exercer o direito de regresso em face dos co-obrigados, como o endossante, é necessário o protesto do título, porque só poderá se voltar contra este se demonstrar que efetivamente o cobrou do devedor.‖
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Por conseguinte, o credor só pode cobrar o montante estampado no título
de crédito dos coobrigados após a recusa do pagamento por parte do eventual
devedor principal, a qual deve ser comprovada mediante o instrumento de protesto
expedido pelo tabelião competente, para o acionamento da execução forçada em
face dos coobrigados.
Por fim, há significativa diferença em relação ao prazo prescricional para a
execução forçada: enquanto o prazo para o acionamento do devedor principal e
do respectivo avalista é de três anos a partir do vencimento162, os coobrigados e
os avalistas só podem ser executados em um ano, contado do protesto163.
8.3. Cadeia das obrigações cambiais
Protestado o título dentro do prazo legal, os coobrigados podem ser
acionados mediante execução forçada movida pelo credor, em conjunto ou
isoladamente, conforme a livre escolha do exequente, tendo em vista o disposto
no art. 47 da Lei Uniforme.
Não obstante, o coobrigado que pagar o título pode acionar os coobrigados
pretéritos, porquanto há sub-rogação legal, motivo pelo qual aquele coobrigado
que paga tem direito de regresso, e assim por diante, até o início da cadeia de
obrigações, isto é, até alcançar o sacado-aceitante, devedor principal da letra. A
propósito, vale conferir a ordem na cadeia de obrigações cambiais da letra:
1º) sacado-aceitante (devedor principal)
2º) avalista(s) do sacado-aceitante
(Apelação nº 1.0024.06.056167-7/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 10 de outubro de 2008). 162
Cf. artigo 70, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. 163
Cf. artigo 70, segundo parágrafo, da Lei Uniforme.
62
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3º) emitente-sacador
4º) avalista(s) do emitente-sacador
5º) tomador-beneficiário-primeiro-endossante
6º) avalista(s) do tomador-endossante
7º) segundo-endossante
8º) avalista(s) do segundo-endossante
et cetera
Fixada a ordem da cadeia das obrigações cambiais, já é possível identificar
quais os sujeitos das relações cambiais estão obrigados e podem ser acionados
em regresso. Imagine-se, por exemplo, que o avalista do tomador-endossante foi
acionado isoladamente e satisfez a obrigação em prol do credor. Diante do
pagamento, o avalista do tomador-beneficiário poderá executar o tomador-
beneficiário-avalizado, o avalista do emitente-sacador, o emitente-sacador, o
avalista do sacado-aceitante e o sacado-aceitante, em conjunto ou isoladamente,
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conforme a sua livre preferência, tudo nos termos do art. 47 da Lei Uniforme, com
o reforço dos arts. 899, § 1º, e 914, § 2º, ambos do Código Civil164.
9. Vencimento
9.1. Conceito
O vencimento é o ato165 ou o fato166 jurídico que torna exigível a obrigação
consubstanciada no pagamento do crédito referente ao título.
9.2. Espécies de vencimento: ordinário e extraordinário
O vencimento da letra pode ocorrer de modo ordinário e por motivo
extraordinário, conforme o caso.
O vencimento ordinário ou comum consiste na exigibilidade do crédito por
força do decurso do tempo, no título de crédito a prazo, ou da simples
apresentação, no título à vista.
Já o vencimento extraordinário ou antecipado consiste na exigibilidade do
crédito em razão da negativa de aceite pelo sacado, no todo ou em parte, ou pela
falência do aceitante que é empresário individual ou sociedade empresária, tudo
nos termos do art. 43 da Lei Uniforme, do art. 19, incisos I e II, do Decreto nº
2.044/1908, e do art. 77 da Lei nº 11.101/2005.
Em contraposição, as hipóteses previstas nos parágrafos segundo e
terceiro do art. 43 da Lei Uniforme não subsistem no direito brasileiro, em virtude 164
Outro exemplo: ―Desta forma, se tivermos uma letra emitida por A, sacada contra B, em favor de C, que posteriormente endossou-a a D, que endossou a E, e mais, na hipótese de obrigarem-se os avalistas F, G, H e I, em favor de B, A, C e D, respectivamente, a cadeia anterior-posterior estará correta assim: B-F-A-G-C-H-D-I. Portanto, E, que é detentor e credor da letra, deve, no vencimento, procurar B, que é seu devedor principal. Caso não consiga recebê-la de B, poderá dirigir-se a qualquer um dos coobrigados, não sem antes providenciar a certidão de protesto (exceto se presente a cláusula ‗sem despesas‘ ou ‗sem protesto‘). Na hipótese de conseguir recebê-la de H, estarão desonerados D e I, ficando H com direito à ação regressiva contra C, G, A, F e B. Se a regressiva de H for contra A, que paga, este poderá propor nova ação contra B e F, pois G e C não mais poderão ser cobrados.‖ (Carlos Barbosa Pimentel. Direito comercial. 5ª ed., 2006, p. 212). 165
Por exemplo, a recusa do aceite. 166
Por exemplo, o decurso do tempo.
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da adoção da reserva inserta no art. 10 do Anexo II do mesmo diploma. Diante da
ressalva, incide o art. 19 da Lei Cambiária Interna. Por conseguinte, a falência do
sacado não ocasiona o vencimento antecipado, porquanto o inciso II do art. 19 do
Decreto nº 2.044 estabelece que o vencimento antecipado tem lugar ―pela falência
do aceitante‖, e não do mero sacado167.
9.3. Modalidades de vencimento
Na letra de câmbio à vista, o vencimento ocorre desde logo, no ato da
apresentação do título para pagamento. A letra à vista pode ser apresentada para
pagamento imediato dentro de um ano da data da emissão, consoante o art. 34 da
Lei Uniforme: ―A letra à vista é pagável à apresentação. Deve ser apresentada a
pagamento dentro do prazo de 1 (um) ano, a contar de sua data‖.
Já a letra ―a certo termo de vista‖ é título a prazo, cujo vencimento ocorre
com a contagem do lapso somente depois do aceite, ou seja, da data em que a
letra é apresentada para o lançamento do aceite pelo sacado168. Na falta de
indicação do dia do aceite, cabe ao credor-beneficiário efetuar o protesto por
ausência de data. Se o aceitante deixar de comparecer ao cartório para indicar o
dia do aceite, considera-se a data do protesto169. Na falta também do protesto, o
aceite não datado é tido como lançado no último dia do prazo para a apresentação
ao sacado, isto é, um ano depois da emissão da letra, consoante a combinação do
art. 23 com o art. 35 da Lei Uniforme, in verbis: ―As letras a certo termo de vista
devem ser apresentadas ao aceite dentro do prazo de 1 (um) ano das suas datas‖.
―Na falta do protesto, o aceite não datado entende-se, no que respeita ao
aceitante, como tendo sido dado no último dia do prazo para a apresentação ao
aceite‖.
167
De acordo, na doutrina: ―As situações jurídicas previstas nos números 2º e 3º do art. 43 da LUG, de fato, não podiam mesmo ser consideradas razão para vencimento antecipado, como ‗falência do sacado‘, pois o sacado não é obrigado no título. Está na lei: ‗quer ele (o sacado) tenha aceite, ou não...‘. Ora, se aceitou não é sacado e sim aceitante. Sendo aceitante, a hipótese de recusa parcial ou total está prevista no número 1º daquele art..‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 217). 168
Cf. art. 35, proêmio, da Lei Uniforme. 169
Cf. arts. 25, segundo parágrafo, in fine, e 35, ambos Lei Uniforme.
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65
A letra ―a certo termo da data‖ também é título a prazo, cujo vencimento se
dá com o decurso do lapso fixado no título, em dias, meses ou anos, sempre à luz
da data do saque, isto é, da emissão da letra. Por exemplo, o vencimento da letra
pode ser fixado em trinta dias da data da emissão, em seis meses da data da
emissão, em um ano da data da emissão.
A letra em data certa ou com ―dia fixado‖ também é título a prazo, mas com
a expressa indicação do próprio dia do vencimento, ou seja, ―pagável num dia
fixado‖170. Por exemplo, o vencimento fixado no dia 31 de dezembro de 2012.
Por fim, o art. 5º da Lei Uniforme autoriza a estipulação de juros
compensatórios ou remuneratórios por parte do emitente-sacador de letra à vista
ou a certo termo de vista. Já nas letras a certo termo da data e com dia fixado a
eventual estipulação de juros compensatórios ―é considerada como não escrita‖.
9.4. Contagem dos prazos cambiários
Em primeiro lugar, os prazos em dias são contados à luz do caput do art.
132 do Código Civil, preceito que também é aplicável ao direito cambiário, como
bem revela, por exemplo, o art. 64, parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985. Na
verdade, o art. 132 do Código Civil brasileiro prestigia o princípio jurídico
consagrado no Código de Direito Canônico, em especial nos §§ 1º e 2º do cânon
203: ―Dies a quo non computatur in termino‖; ―dies ad quem computatur in
termino‖171. Daí a conclusão: o dia do início não é computado na contagem, mas o
dia do término do prazo é computado172.
Quanto ao prazo estabelecido em mês (ou meses), há o vencimento no
mesmo dia do mês subsequente (ou correspondente, no prazo em meses). Na
eventualidade da ausência de data correspondente no mês do vencimento, o
170
Cf. art. 33 da Lei Uniforme. 171
―O dia inicial não é computado no prazo‖; ―o dia final é computado no prazo‖ (Código de Direito Canônico. Promulgado pelo Papa João Paulo II, traduzido pelo Padre João Corso e pelo Bispo Tarcísio Ariovaldo do Amaral, e comentado pelo Padre Jesús Hortal. 11ª ed., 1998, p. 88 e 89). 172
De acordo, na doutrina: ―No mais, segue-se a legislação vigente, excluindo-se o dia do começo e inclusão do dia do vencimento.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 214).
66
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mesmo ocorre no último dia do mês173, ex vi do art. 36, primeiro parágrafo, da Lei
Uniforme, preceito específico que afasta a incidência da regra geral inserta no § 3º
do art. 132 do Código Civil.
Já a expressão ―meio mês‖ significa quinze dias174, razão pela qual a
contagem segue o disposto no caput do art. 132 do Código Civil.
Na eventualidade do vencimento com a combinação de mês inteiro com
meio mês, considera-se, em primeiro lugar, a data referente ao mês inteiro; só
depois são contados os quinzes dias, por força do art. 36, segundo parágrafo, da
Lei Uniforme175.
Por fim, a expressão ―início do mês‖ significa primeiro dia do mês. Em
contraposição, a expressão ―final do mês‖ significa último dia do mês. Já a
expressão ―meado do mês‖ significa dia quinze, tudo nos termos do art. 36,
terceiro parágrafo, da Lei Uniforme de Genebra.
9.5. Correção monetária, juros moratórios e despesas
Vencido o título de crédito, o credor-beneficiário pode cobrar a respectiva
quantia mediante execução forçada, com esteio no art. 585, inciso I, do Código de
Processo Civil, combinado com os arts. 47 e 70 da Lei Uniforme, e com o caput do
art. 49 do Decreto nº 2.044/1908: ―A ação cambial é a executiva‖.
Além do valor constante da letra de câmbio, o credor também pode cobrar a
correção monetária do montante principal, contada a partir do vencimento da
obrigação, em virtude do art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981176.
173
Por oportuno, vale conferir o didático exemplo da doutrina: ―Também uma letra de câmbio sacada em 31 de janeiro de ano não-bissexto para vencimento em um mês irá vencer no dia 28 de fevereiro seguinte.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20ª ed., 2008, p. 261). 174
Cf. art. 36, quinto parágrafo, da Lei Uniforme. 175
A propósito, vale conferir o didático exemplo da doutrina: ―Assim, o vencimento de uma letra de câmbio sacada para um mês e meio da vista, cujo aceite foi datado de 27 de fevereiro de ano não-bissexto, recairá em 11 de abril (não em 14 de abril) do mesmo ano.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20ª ed., 2008, p. 261). 176
Em abono, na jurisprudência: ―Nas execuções de título extrajudicial, líquido, certo e exigível, como no caso das Cédulas de Crédito Rural, Industrial ou Comercial, a correção monetária é devida a partir do vencimento da obrigação. Precedentes.‖ (REsp nº 712.101/RS – EDcl – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 18 de dezembro de 2009, sem os grifos no original).
67
67
Também incidem os juros moratórios ou legais, contados a partir do
vencimento177. Em abono, merece ser prestigiado o verbete nº 17 aprovado pela
1ª Câmara Civil do antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―Os juros nos
títulos executivos cambiais devem ser contados a partir do vencimento‖. Na esteira
do verbete nº 17, houve a aprovação unânime da conclusão nº 18 no 6º Encontro
Nacional dos Tribunais de Alçada, in verbis: ―Os juros, nos títulos executivos
cambiais, devem ser contados a partir do vencimento‖178.
No que tange ao percentual dos juros de mora, merece ser prestigiado o
entendimento consagrado no enunciado nº 95 da Súmula do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro: ―Os juros, de que trata o art. 406, do Código Civil de 2002,
incidem desde sua vigência, e são aqueles estabelecidos pelo art. 161, parágrafo
1º, do Código Tributário Nacional‖179-180.
Além da correção monetária e dos juros de mora, o credor-beneficiário
também pode cobrar as eventuais despesas do protesto na mesma execução
fundada no título de crédito.
Em síntese, o credor do título pode ajuizar a ação cambial, a fim de
executar o devedor principal e os coobrigados, na busca do pagamento da quantia
estampada na cártula, com juros de mora e correção monetária a partir do
vencimento, bem assim das eventuais despesas cartorárias com o protesto.
177
Além dos juros moratórios ou legais, exigíveis por força de lei, também há lugar para os denominados ―juros compensatórios‖ ou ―juros remuneratórios‖, os quais podem ser estipulados pelo emitente-sacador do título, com fundamento nos arts. 5º e 48, ambos da Lei Uniforme de Genebra. 178
Cf. Theotonio Negrão. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 25ª ed., 1994, p. 263, nota 9 ao art. 293: ―‗Os juros, nos títulos executivos cambiais, devem ser contados a partir do vencimento‘ (VI ENTA-concl. 18, aprovada por unanimidade)‖. 179
Colhe-se da precisa justificativa de fundamentação da aprovação do enunciado sumular: ―Justificativa: O art. 406 do atual Código Civil estatui que, ‗quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional‘. O Código Tributário Nacional determina no § 1º do art. 161 que ‗se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês‘.‖ (sem o grifo no original). 180
De acordo, na doutrina: Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 219: ―Então, os juros legais moratórios referidos no Código Civil, art. 406, são os juros fixados no § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional.‖ (sem os grifos no original). Daí a precisa conclusão do eminente Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais: ―Prevalece, então, o disposto no § 1º do art. 161 do CTN – Código Tributário Nacional, para mora no pagamento de impostos, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.‖ (p. 219, sem os grifos no original). No mesmo diapasão, vale conferir a precisa lição do Professor Fábio Ulhoa Coelho: ―d) A taxa de juros por mora no pagamento de letra de câmbio ou nota promissória não é a constante dos arts. 48 e 49, mas a mesma devida em caso de mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC, art. 406), por força da reserva do art. 13 do Anexo II assinalada pelo Brasil.‖ (Manual de direito comercial: direito de empresa. 23ª ed., 2011, p. 276 e 277, sem os grifos no original).
68
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10. Pagamento
10.1. Conceito
O pagamento é ato extintivo da obrigação do respectivo devedor. Quando o
pagamento é realizado pelo sacado-aceitante, há a extinção de todas as
obrigações cambiais.
10.2. Possibilidade da exigência do título no momento do pagamento
O devedor que paga o crédito pode exigir a entrega da cártula181, com a
igual exigência do lançamento da respectiva quitação no próprio título182. A
propósito, se o devedor paga o crédito proveniente do título e não exige a entrega
ou, ao menos, o lançamento da quitação no bojo da cártula, há o risco de ser
submetido a novo pagamento, na eventualidade de ulterior endosso a terceiro de
boa-fé.
10.3. Pagamento parcial
À vista do art. 39, segundo e terceiro parágrafos, da Lei Uniforme, o
pagamento parcial é juridicamente possível, com o lançamento da respectiva
quitação parcial na própria letra.
Aliás, trata-se de regra geral do direito brasileiro, porquanto o § 1º do artigo
902 do Código Civil também estabelece que o credor de título vencido não pode
recusar pagamento parcial; e o § 2º impõe ao credor que recebeu o pagamento
parcial o dever de lançar e subscrever a quitação proporcional no bojo do título. 181
De acordo, na jurisprudência: ―A quitação do débito representado por títulos de crédito exige procedimentos específicos em razão da cartularidade e da possibilidade da circulação do título. Nesse passo, uma vez paga a dívida, incumbe ao devedor exigir a entrega do título de crédito, não só para fazer prova da sua quitação, mas também para impedir a sua circulação.‖ (Apelação nº 2005.01.1.071944-3, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 22 de março de 2007, p. 75). No mesmo sentido, ainda na jurisprudência: Recurso nº 101.999, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Diário da Justiça de 28 de março de 2001, p. 82. 182
Cf. art. 39, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme.
69
69
10.4. Iniciativa do pagamento
Cabe ao credor tomar a iniciativa para a satisfação do crédito, diante da
natureza quesível da obrigação cambial.
Omisso o credor, entretanto, os devedores têm a faculdade do depósito da
quantia objeto do título mediante ―ação de consignação em pagamento‖183, à custa
do credor, tudo nos termos do art. 42 da Lei Uniforme.
10.5. Direito de regresso
Na eventualidade de o pagamento ter sido realizado por algum
coobrigado184, há a extinção da respectiva obrigação cambial – e também das
obrigações cambiais dos coobrigados posteriores da cadeia cambiária.
Ademais, o pagamento gera direito de regresso em favor do pagador em
face do devedor principal e dos coobrigados anteriores da cadeia de obrigações
cambiais, em virtude do instituto da sub-rogação consagrado no art. 47,
parágrafos segundo e terceiro, da Lei Uniforme, com o reforço dos arts. 899, § 1º,
e 914, § 2º, ambos do Código Civil.
Em virtude do disposto no art. 567, inciso III, do Código de Processo Civil, o
direito de regresso pode ser dar no próprio processo de execução no qual houve o
pagamento, bem como em ação executiva autônoma, se assim preferir o pagador
sub-rogado, sempre com a observância do prazo prescricional previsto no art. 70
da Lei Uniforme de Genebra.
10.6. Local do pagamento
À vista do número 5 do art. 1º da Lei Uniforme, a letra deve conter ―a
indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento‖.
183
Cf. arts. 890 e seguintes do Código de Processo Civil. 184
Por exemplo, o emitente-sacador, o tomador-endossante ou algum avalista.
70
70
Não obstante, se faltar a indicação do lugar do pagamento no título,
considera-se o endereço do sacado: ―Na falta de indicação especial, o lugar
designado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar do
pagamento, e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do sacado‖, tudo por força
do art. 2º, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme.
10.7. Apresentação para pagamento de letra de câmbio no Brasil e no
exterior
A combinação do art. 38 do Anexo I com o art. 5º do Anexo II, ambos da Lei
Uniforme, com o proêmio do art. 20 do Decreto nº 2.044/1908, revela que há
diferença em relação ao prazo para apresentação da letra para pagamento no
país e no exterior, conforme o caso.
A letra pagável no Brasil deve ser apresentada ao aceitante no próprio dia
do vencimento, ressalvada a hipótese de o vencimento cair em dia que não seja
útil, quando há a prorrogação para o primeiro dia útil seguinte, consoante o
disposto no art. 20, primeira parte, do Decreto nº 2.044/1908, combinado com o
art. 5º do Anexo II da Lei Uniforme de Genebra. À vista do art. 12, § 2º, da Lei nº
9.492/1997, não são úteis o dia sem expediente bancário para o público e o dia
com expediente bancário reduzido. Dia útil, portanto, é o dia com expediente
bancário normal, regular.
No que tange à letra pagável fora do território brasileiro, deve ser
apresentada para pagamento no dia do vencimento ou dentro dos dois dias úteis
posteriores, tendo em vista a incidência do art. 38, primeiro parágrafo, da Lei
Uniforme de Genebra.
Não obstante, o decurso do prazo sem a apresentação para pagamento
não ocasiona a perda dos direitos cambiários em relação ao aceitante e ao
respectivo avalista. Com efeito, à vista do art. 53, primeiro e segundo parágrafos,
da Lei Uniforme, o decurso do prazo sem apresentação para pagamento ocasiona
a perda dos direitos cambiários apenas em relação aos coobrigados: emitente-
sacador, tomador-endossante, outros endossantes e respectivos avalistas.
71
71
11. Protesto cambial
11.1. Conceito
O protesto cambial ou cambiário é o ato formal e solene pelo qual o credor
apresenta o título de crédito em Cartório de Protesto de Títulos, a fim de que a
recusa de lançamento do aceite, o vencimento ou a ausência do pagamento sejam
declarados pelo respectivo tabelião, para a comprovação da inércia do devedor
principal e para a preservação da admissibilidade da execução forçada também
contra os coobrigados, tudo nos termos do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, do art. 44
da Lei Uniforme e do art. 882 do Código de Processo Civil.
Com efeito, o protesto cambiário é a apresentação pública de um título de
crédito e tem como escopo a produção de prova da recusa do aceite, da
ocorrência do vencimento ou da falta do pagamento, conforme o caso. À vista do
protesto cambiário, portanto, prova-se o descumprimento da obrigação cambial e
a respectiva inadimplência do devedor principal, além da interrupção da prescrição
para a ação cambial, por força do inciso III do art. 202 do Código Civil de 2002.
Por fim, vale ressaltar que, além dos títulos de créditos, passíveis do
denominado ―protesto cambial‖ ou ―protesto cambiário‖, ―outros documentos de
dívida‖ também ensejam de protesto, ex vi do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, sem,
entretanto, as qualificações ―cambial‖ e ―cambiário‖, as quais são próprias dos
títulos de crédito.
11.2. Natureza jurídica do protesto cambial
O protesto cambiário tem natureza extrajudicial, porquanto é realizado
perante Cartório de Protesto de Títulos, razão pela qual não há necessidade de
advogado para a protocolização do título de crédito e do respectivo pedido de
protesto.
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Sem dúvida, a despeito da previsão nos arts. 882 e 883 do Código de
Processo Civil, o protesto cambial não é processo cautelar; aliás, nem mesmo é
processo185.
Em suma, trata-se de ato de natureza extrajudicial para comprovar a
inadimplência do devedor, resguardar direitos cambiários e interromper a
prescrição da execução cambial.
11.3. Interrupção da prescrição
À luz do Código Civil de 1916, tanto a doutrina quanto a jurisprudência
assentaram que o protesto cambial não interrompe a prescrição, tese que restou
consagrada no enunciado nº 153 da Súmula do Supremo Tribunal Federal:
―Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição‖.
Com o advento do Código de 2002, entretanto, o protesto cambial foi
incluído no rol das causas interruptivas da prescrição, consoante o disposto no art.
202, inciso III, do Código vigente. Daí a conclusão: o simples protesto cambiário
interrompe a prescrição da pretensão executiva do credor, tendo em vista o
disposto no art. 202, inciso III, do Código Civil.
11.4. Protesto obrigatório e protesto facultativo
11.4.1. Protesto obrigatório e protesto facultativo à luz do direito cambiário
Considera-se obrigatório o protesto cambial para preservar os direitos
cambiários em relação aos coobrigados: emitente-sacador, tomador-endossante,
demais endossantes e respectivos avalistas. Em contraposição, o protesto cambial
185
De acordo, na doutrina: ―Os arts. 882 a 887 tratam de duas medidas de naturezas substancialmente diferentes: o protesto de títulos e a apreensão de títulos. O primeiro não é processo cautelar. É, aliás, medida administrativa extrajudicial, regulada em lei própria: a Lei Cambial, a Lei de Duplicatas, a Lei de Falências, cada uma delas estabelecendo os requisitos do título a ser protestado‖. ―Tudo isso se faz, porém, extrajudicialmente, perante o oficial cartorário competente, que intimará do protesto o devedor, por carta registrada, ou entregando-lhe em mãos o aviso.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 192 e 193, sem o grifo no original).
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é facultativo em relação ao aceitante da letra e os respectivos avalistas. Sem
dúvida, à vista da interpretação do art. 53, primeiro parágrafo, parte final, da Lei
Uniforme de Genebra, o protesto é dispensável em relação ao devedor principal e
aos respectivos avalistas186.
11.4.2. Protesto obrigatório e protesto facultativo à luz do direito falimentar
Sob outro prisma, o protesto é sempre obrigatório para a cobrança de título
de crédito mediante execução falimentar fundada na causa de pedir do inciso I do
art. 94 da Lei nº 11.101/2005.
Com efeito, a obrigatoriedade do protesto é extraída do disposto no art. 94,
§ 3º, da Lei nº 11.101/2005, e do art. 23, parágrafo único, da Lei nº 9.492/1997187.
Não obstante, não há necessidade de protesto para a propositura de falência
fundada nas causas arroladas nos incisos II188 e III do art. 94 da Lei nº
11.101/2005.
186
De acordo, na doutrina: ―A execução é pertinente a portador de qualquer dos títulos contra os chamados responsáveis principais: a) aceitante na letra de câmbio; b) emitente na promissória e no cheque; c) comprador na duplicata; e d) respectivos avalistas. É a ação direta, que independe de protesto. Contra os denominados responsáveis subsidiários, a) sacador na letra de câmbio; b) endossadores anteriores e seus avalistas em qualquer dos títulos – cabe a ação regressiva, isso é, do que solveu a obrigação e que se vira contra o verdadeiro obrigado. Mas essa exige a juntada do competente instrumento de protesto, que não é judicial, e sim o formulado no Cartório competente, conforme a organização judiciária local.‖ (Alcides de Mendonça Lima. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VI, Tomo I, 1974, nº 744, p. 338). ―O protesto, entretanto, não é requisito para acionar o devedor principal e seus avalistas; sua obrigação para com o pagamento apura-se diretamente da cártula, condicionada apenas ao vencimento da data aprazada, sem que tenha havido o pagamento correspondente. É lícito ao credor, porém, protestar o título em tais circunstâncias, mas é uma medida facultativa, razão pela qual se fala em protesto facultativo. Somente para se acionarem outros coobrigados, cuja responsabilidade pelo pagamento não é direta, mas decorrente da inadimplência do devedor principal e de seus avalistas, faz-se necessário o protesto.‖ (Gladston Mamede. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. Volume III, 3ª ed., 2006, p. 168). No mesmo diapasão, na jurisprudência: ―CAMBIAL. LEI UNIFORME. É legítima a interpretação de que o art. 53 estabelece a perda da ação, expirados os prazos, contra os endossantes, o sacador e respectivos avalistas, não contra o aceitante e seu avalista.‖ (Ag nº 57.484/PE – AgRg, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 5 de outubro de 1973). ―— Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias. Não é necessário o protesto do título para resguardo do direito de ação contra o avalista do emitente da promissória ou do aceitante da letra de câmbio.‖ (RE nº 76.154/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 1973, p. 4.332). Ainda no mesmo sentido, também na jurisprudência: Ag nº 414.958/MG – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de maio de 2002. 187
De acordo, na doutrina: ―Serve, ainda, a outras finalidades, sendo certo, por exemplo, que na Lei de Falências (Lei nº 11.101/05) para instruir o pedido de falência, os títulos não sujeitos a protesto obrigatório devem ser protestados. Como em tais circunstâncias o exercício do Direito está diretamente vinculado ao protesto do título, fala-se em protesto necessário.‖ (Gladston Mamede. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. Volume III, 3ª ed., 2006, p. 168). 188
A respeito da dispensa do protesto falimentar quando a quebra é requerida com esteio no inciso II do art. 94 da Lei nº 11.101, de 2005, na jurisprudência: ―2 - O pedido de falência fundado em título executivo judicial pode ser instruído apenas com a certidão do juízo da execução, sendo dispensável o protesto especial para
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74
Em suma, o protesto só é necessário quando a causa de pedir da falência
reside no inciso I do art. 94 da Lei nº 11.101/2005.
11.5. Protesto por falta de aceite
A primeira modalidade de protesto cambiário a ser estudada é o ―protesto
por falta de aceite‖, nos termos do art. 44 da Lei Uniforme, in verbis: ―A recusa de
aceite ou de pagamento deve ser comprovada por um ato formal (protesto por
falta de aceite ou falta de pagamento)‖.
Na eventualidade da falta do aceite pelo sacado, o protesto é tirado contra o
emitente-sacador cuja ordem de pagamento foi recusada. O sacado é apenas
intimado, a fim de comparecer ao Cartório de Protesto de Títulos189; a recusa do
sacado, todavia, ocasiona a extração do protesto contra o emitente-sacador,
responsável cambiário na eventualidade da falta de aceite da letra pelo sacado190.
Quanto ao prazo para o protesto por falta de aceite, aplica-se a regra
inserta no proêmio do parágrafo segundo do art. 44: ―O protesto por falta de aceite
deve ser feito nos prazos fixados para a apresentação ao aceite‖.
Com efeito, o credor deve apresentar a letra no tabelionato de protesto até
o fim do prazo de apresentação para aceite do sacado. Se for letra a certo termo
de vista, o prazo é de um ano da emissão do título, tendo em vista a combinação
dos arts. 23, primeiro parágrafo, e 44, segundo parágrafo, da Lei Uniforme. Já a
letra a certo termo da data e a letra pagável em dia certo podem ser apresentadas
ao sacado para aceite até os respectivos vencimentos, em virtude da combinação
dos arts. 21 e 44, segundo parágrafo, da Lei Uniforme. Por oportuno, vale lembrar
que a letra de câmbio à vista não é apresentada para aceite191, mas, sim, para
fins de falência. Não há porque exigir-se o protesto especial de um título judicial, porquanto, em sede de execução, a inadimplência e o descumprimento da obrigação já são suficientemente provadas.‖ (AGI nº 2006.00.2.012704-5, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2007, p. 253). 189
Cf. arts. 3º e 14 da Lei nº 9.492/1997, e art. 883 do Código de Processo Civil. 190
Cf. art. 9º, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. 191
Em sentido conforme, na jurisprudência: ―A apresentação da letra de câmbio sacada à vista é para pagamento, não comportando, portanto, apresentação para aceite. Com efeito, mostra-se regular o protesto por falta de pagamento de letra de câmbio sacada à vista, mesmo sem a presença do aceite do sacado.‖ (Apelação nº 1.0481.02.015974-7/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de janeiro de
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imediato pagamento, o qual deve ser realizado no mesmo momento da
apresentação do título, ex vi do proêmio do art. 34 da Lei Uniforme192. Na
espécie193, portanto, o protesto se dará por falta de pagamento, e não por falta de
aceite.
Em todos os casos, na eventualidade de o sacado solicitar uma segunda
apresentação no dia seguinte, há a prorrogação do prazo referente ao protesto
para o dia seguinte, por força dos arts. 24, primeira parte, e 44, segundo
parágrafo, in fine, da Lei Uniforme: ―Se, no caso previsto na alínea 1ª do art. 24, a
primeira apresentação da letra tiver sido feita no último dia do prazo, pode fazer-se
ainda o protesto no dia seguinte‖. À vista do princípio da literalidade, todavia, o
pedido referente ao ―prazo de suspiro‖ deve ser lançado no bojo do título pelo
próprio sacado, para gerar a prorrogação previsto no art. 44, segundo parágrafo,
in fine, da Lei Uniforme.
Por fim, o decurso in albis do prazo para o protesto por falta de aceite
ocasiona a perda dos direitos cambiários contra os coobrigados194, ex vi do
disposto nos parágrafos iniciais do art. 53 da Lei Uniforme de Genebra. Não
obstante na eventualidade do decurso do prazo para o protesto por falta de aceite,
o avalista antecipado do sacado ainda pode ser processado mediante ação
cambial, tendo em vista o disposto no art. 14, primeira parte, do Decreto nº
2.044/1908195.
11.6. Protesto por falta de pagamento
O proêmio do art. 44 da Lei Uniforme também dispõe sobre a mais
importante modalidade de protesto cambiário: o protesto por falta de pagamento.
2009). ―– É viável o protesto por falta de pagamento de letra de câmbio sacada à vista, mesmo sem o aceite do sacado.‖ (REsp nº 646.519/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de maio de 2005, p. 373). 192
A letra à vista pode ser apresentada para pagamento imediato dentro de um ano da data da emissão, em razão do art. 34 da Lei Uniforme: ―A letra à vista é pagável à apresentação. Deve ser apresentada a pagamento dentro do prazo de 1 (um) ano, a contar de sua data‖. 193
Vale dizer, letra de câmbio à vista. 194
Vale dizer, o emitente-sacador, o tomador-endossante, os demais endossantes e os avalistas de todos. 195
Assim, na jurisprudência: ―Em face da autonomia das obrigações, a do avalista subsiste, quando se trata de aval antecipado ao aceite do título, mesmo se esse não ocorrer. Há, aí, obrigação de garantir o pagamento da cártula.‖ (RE nº 99.523/AM, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 30 de novembro de 1984, p. 20.444).
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A primeira questão a ser resolvida diz respeito ao prazo disponível para o
credor protocolizar o requerimento de protesto por falta de pagamento, porquanto
há séria divergência entre os doutores. Autorizada doutrina defende a aplicação
do caput do art. 28 do Decreto nº 2.044196. Doutrina igualmente abalizada sustenta
a incidência do terceiro parágrafo do art. 44 da Lei Uniforme197. À luz do Decreto
nº 57.663, de 1966, tudo indica que o Brasil preservou a legislação interna, em
razão da reserva permitida pelo art. 9º do Anexo II da Lei Uniforme. Daí a
justificativa em prol da incidência do caput do art. 28 do Decreto nº 2.044/1908,
com a adoção da tese segundo a qual o credor tem apenas um dia útil após o
vencimento para protocolizar o requerimento de protesto no cartório
competente198.
O decurso in albis do prazo para a protocolização do requerimento de
protesto da letra tem como consequência jurídica a perda dos direitos cambiários
contra o emitente-sacador, o tomador-endossante, os demais endossantes e os
avalistas de todos, ex vi do art. 53 da Lei Uniforme. Subsistem apenas os direitos
cambiários em relação ao aceitante199 e contra o respectivo avalista200. Daí a
conclusão: quanto ao sacado-aceitante e o respectivo avalista, o protesto cambial
é facultativo; quanto aos coobrigados, o protesto é necessário, sob pena de perda
dos direitos cambiários.
196
Vale dizer, no dia primeiro útil após o vencimento. Em prol da aplicação do art. 28 do Decreto 2.044/1908: ―Verificando-se o vencimento ordinário sem que ocorra o pagamento do título, tratando-se de letras de câmbio e notas promissórias, o protesto por falta de pagamento, havendo devedores de regresso, deve ser tirado no primeiro dia útil seguinte ao vencimento. Atente-se que a LUG (3ª al. do art. 44), determina que o protesto por falta de pagamento da letra de câmbio ou da nota promissória deve ser tirado ‗num dos dois dias úteis seguintes àquele em que a letra é pagável‘. Mas o Brasil adotou a Reserva do art. 9º do Anexo II da Convenção de Genebra, o que remete a questão para nossa legislação interna. Em consequência, e em face daquela Reserva, aplica-se o art. 28 do Decreto 2.044/1908, ainda em vigor, pelo que o protesto por falta de pagamento da letra de câmbio ou da nota promissória haverá de ser tirado no primeiro dia útil seguinte ao vencimento da letra de câmbio ou da nota promissória.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 262). 197
Vale dizer, até dois dias úteis após o vencimento. Em prol da aplicação do parágrafo terceiro do art. 44 da Lei Uniforme: ―para o protesto por falta de pagamento, o credor deverá entregar o título em cartório num dos dois dias úteis seguintes àquele em que ele for pagável (LU, art. 44), a menos que se adote o entendimento de alguns doutrinadores que defendem a vigência da lei interna na disciplina desse prazo, quando então deverá o portador encaminhar o título já no primeiro dia útil seguinte ao do vencimento (Dec. Nº 2.044/1908, art. 28).‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2006, p. 265). 198
Cf. Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 262. 199
Cf. art. 53, primeiro parágrafo, in fine, da Lei Uniforme. 200
Cf. art. 32, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme.
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Resta saber contra quem o protesto por falta de pagamento é tirado. Ora,
aceita a letra, o aceitante passa a ser o devedor principal responsável pelo
pagamento do título. Na eventualidade de inadimplência após o vencimento da
letra, o protesto por falta de pagamento tem como alvo o aceitante, o qual deve
ser intimado, com a observância do disposto no art. 14 da Lei nº 9.492/1997, in
verbis: ―Art. 14. Protocolizado o título ou documento de dívida, o tabelião de
protesto expedirá a intimação ao devedor, no endereço fornecido pelo
apresentante do título ou documento, considerando-se cumprida quando
comprovada a sua entrega no mesmo endereço. § 1º A remessa da intimação
poderá ser feita por portador do próprio tabelião, ou por qualquer outro meio,
desde que o recebimento fique assegurado e comprovado através de protocolo,
aviso de recepção (AR) ou documento equivalente‖. Como é perceptível primo ictu
oculi, a intimação do devedor não precisa ser realizada pessoalmente pelo
tabelião.
11.7. Prazo para a extração do protesto pelo tabelião
Estudados os prazos para a apresentação do título no Cartório de Protestos
de Títulos, resta estudar o prazo para a extração do protesto pelo tabelião.
À vista dos arts. 3º, 12 e 20 da Lei nº 9.492/1997, cabe ao tabelião lavrar o
registro do protesto no prazo de três dias úteis contados da protocolização do
título no Cartório de Protestos de Títulos. Sem dúvida, o protesto deve ser
registrado pelo tabelião dentro de três dias úteis contados da protocolização do
título no respectivo tabelionato.
Como já anotado, o dia é considerado útil para o direito cambiário quando
há expediente bancário para o público, com horário normal, padrão201.
No que tange à contagem do tríduo legal, há a exclusão do dia da
protocolização do título de crédito, com a inclusão do dia do vencimento202.
201
Cf. art. 12, § 2º, da Lei nº 9.492/1997. 202
Cf. art. 12, § 1º, da Lei nº 9.492/1997.
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Por fim, na eventualidade de a intimação do devedor ter sido realizada no
último dia do tríduo legal, o protesto só será tirado no primeiro dia útil
subsequente203. O mesmo raciocínio alcança a hipótese de realização da
intimação do devedor além do prazo legal, por motivo de força maior204.
11.8. Dúvida
À vista do art. 884 do Código de Processo Civil, o tabelião pode denegar o
protesto se constatar a irregularidade formal do título de crédito ou a
inexigibilidade da obrigação cambial, por ainda não estar vencida205.
Na eventualidade da denegação da extração do protesto pelo tabelião, o
credor pode acionar o juízo competente, a fim de que a dúvida seja resolvida e o
protesto seja lavrado, se for o caso, por força da sentença judicial, tudo nos
termos do art. 884 do Código de Processo Civil: ―Se o oficial opuser dúvidas ou
dificuldades à tomada do protesto ou à entrega do respectivo instrumento, poderá
a parte reclamar ao juiz. Ouvido o oficial, o juiz proferirá sentença, que será
transcrita no instrumento‖206.
Por fim, se o tabelião não estiver convicto acerca da regularidade formal do
título de crédito e da possibilidade jurídica do protesto à luz da cártula apresentada
em cartório, também pode suscitar a dúvida perante o juízo competente207.
Suscitada a dúvida pelo tabelião, o juiz deve ouvir o credor que apresentou o título
em cartório. Em seguida, o juiz profere sentença, com a resolução da dúvida e, se
for o caso, a ordem de extração do protesto.
203
Cf. arts. 13 e 14 da Lei nº 9.492/1997. 204
Cf. art. 13 da Lei nº 9.492/1997. 205
Em contraposição, os obstáculos de fundo não podem ser apreciados pelo tabelião, como a eventual ocorrência de prescrição. Sem dúvida, as questões substanciais relativas ao direito material não podem ser apreciadas pelo tabelião, em razão da vedação prevista no art. 9º da Lei nº 9.492/1997. 206 De acordo, na doutrina: ―Somente se houver dúvida ou dificuldade quanto à tomada do protesto ou à entrega do respectivo instrumento é que a parte poderá reclamar ao juiz (art. 884). Esse pedido, porém, é de jurisdição voluntária e até administrativa, decorrente do poder de supervisão que o juiz exerce sobre os atos de registros públicos extrajudiciais. Nesse caso, ouvido o oficial, o juiz proferirá sentença, que será transcrita no instrumento de protesto ou de negativa do protesto (art. 884, 2ª parte).‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 193). 207 Assim, na jurisprudência: CC nº 35.484/RJ, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 13 de outubro de 2005; e CC nº4.840/RJ, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 4 de outubro de 1993.
79
79
11.9. Desistência do protesto
À vista dos arts. 3º e 16 da Lei nº 9.492/1997, o credor apresentante do
título levado a protesto pode desistir e retirar a cártula ainda não protestada,
desde que efetue o pagamento das despesas cartorárias.
11.10. Pagamento antes da lavratura do protesto
O devedor pode efetuar o pagamento do título dentro do prazo legal, no
próprio Cartório de Protesto. Além do valor principal estampado na cártula, o
pagamento também deve cobrir as despesas cartorárias, tendo em vista o
disposto no art. 19 da Lei nº 9.492/1997.
11.11. Sustação do protesto
À vista do art. 17 da Lei nº 9.492/1997, o protesto ainda não lavrado
também pode ser impedido mediante a propositura de demanda com pedido de
sustação. Com efeito, há lugar para a sustação judicial diante da demonstração do
risco de protesto indevido por parte do autor da demanda que foi notificado a
comparecer ao tabelionato, sob pena de extração do protesto208.
Lavrado o protesto, entretanto, não há mais lugar para a sustação do
protesto, mas, sim, para o cancelamento do protesto, mediante demanda com
pedido específico de cancelamento209.
208
De acordo, na jurisprudência: ―Protesto. Sustação. Admite-se a sustação do protesto cambial quando para isso concorrerem razões relevantes.‖ (REsp nº 218.978/CE, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de setembro de 2000, p. 150). ―2. Invalidade da cláusula que autoriza o credor a emitir letra de câmbio com plena eficácia, independentemente de aceite. Sustação do protesto deferida.‖ (REsp nº 202.648/ES, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de julho de 1999, p. 184). No mesmo diapasão, na doutrina: ―São freqüentes, por exemplo, as cauções fixadas em ações cautelares de sustação de protesto, com liminar inaudita altera parte‖. ―Na sustação de protesto, em regra a caução é exigida para demonstrar a solvência do requerente, mormente quando se trata de empresa que pode postular a medida para impedir o ajuizamento de pedido de quebra ou a retroação dos termos legais desta.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 290). 209
Com igual opinião, na doutrina: Gladston Mamede. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. 3ª ed., 2006, p. 175.
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11.12. Cancelamento do protesto
O cancelamento do protesto cambial deve ser realizado pelo tabelião do
Cartório de Protestos, mediante a apresentação, por qualquer pessoa, do título
protestado, com o imediato pagamento da quantia declarada pelo apresentante do
título no tabelionato, com o acréscimo das despesas cartorárias, com a
observância do disposto nos arts. 25 e 26 da Lei nº 9.492/1997. Na verdade, trata-
se de ônus do devedor, mas pode ser realizado por qualquer pessoa, até mesmo
pelo credor. Não obstante, a inércia do credor não gera indenização alguma ao
devedor, porquanto o cancelamento do protesto é ônus do devedor210.
Por fim, o cancelamento do protesto também pode ser determinado por
ordem judicial proveniente de processo instaurado pelo devedor cujo título sofreu
protesto indevido. Imagine-se a hipótese de protesto tirado contra o sacado que
não aceitou a letra de câmbio, mas que figura no instrumento de protesto na
qualidade de protestado. O sacado pode requerer o cancelamento do protesto em
juízo, além de eventuais perdas e danos, até mesmo de natureza moral.
11.13. Protesto indevido e responsabilidade pelos danos
Na eventualidade de protesto indevido, há possibilidade de
responsabilização civil, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil.
210
De acordo, na jurisprudência: ―RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. PROTESTO REALIZADO NO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. CANCELAMENTO APÓS A QUITAÇÃO DA DÍVIDA. INCUMBÊNCIA DO DEVEDOR. ART. 26, §§ 1º E 2º, DA LEI Nº 9.492/97. Protestado o título pelo credor, em exercício regular de direito, incumbe ao devedor, principal interessado, promover o cancelamento do protesto após a quitação da dívida.‖ (REsp nº 842.092/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de maio de 2007, p. 360). ―AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. MANUTENÇÃO INDEVIDA DE NOME EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. CORREÇÃO DAS INFORMAÇÕES DO CONSUMIDOR NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. ÔNUS DO DEVEDOR. PRECEDENTES. 1 – Cabe ao devedor promover o cancelamento de protesto regularmente lavrado quando de posse de título protestado ou da carta de anuência do credor, nos termos do art. 26 da Lei nº 9.492/1997.‖ (REsp nº 1.140.350/SP – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 26 de novembro de 2010). ―PROTESTO DE TÍTULO. CANCELAMENTO APÓS PAGAMENTO. RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR. A Turma, por maioria, firmou o entendimento de que, no caso de protesto regularmente lavrado, não é do credor a responsabilidade pela baixa do registro após a quitação da dívida. Nos termos do art. 26 da Lei n. 9.492/1997, o cancelamento do registro do protesto pode ser solicitado pelo devedor ou qualquer garante da dívida que detenham a posse do título protestado ou da carta de anuência do credor, não importando se a relação que deu origem à cártula é de consumo.‖ (REsp nº 1.195.668/RS, 4ª Turma do STJ, Informativo nº 504).
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Se o protesto indevido se deu por erro do tabelião, seja doloso ou culposo,
a demanda indenizatória por eventuais danos material e moral pode ser movida
em face do tabelião, com fundamento no artigo 38 da Lei nº 9.492/1997: ―Art. 38.
Os Tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis por todos os
prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que
designarem ou Escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso‖211.
Se o protesto indevido é proveniente de culpa ou dolo do apresentante do
título de crédito no tabelionato, a demanda indenizatória por eventuais danos
material e moral pode ser movida em face do apresentante. É o que se infere do
enunciado nº 475 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―Responde pelos
danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso
translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando
ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas‖.
Aliás, se o protesto indevido de seu por culpa ou dolo tanto do tabelião
quanto do apresentante, é possível o acionamento de ambos no mesmo processo,
como litisconsortes passivos.
Por fim, na eventualidade de endosso-mandato, a responsabilidade civil
pelo protesto indevido geralmente é do endossante-mandante, em nome de quem
o endossatário-mandatário age e atua. Sem dúvida, o endossatário-mandatário só
pode ser acionado quando for o verdadeiro responsável pelo protesto indevido,
por ter extrapolado os poderes do endosso-mandato ou por ter praticado ato
fraudulento. É a regra consagrada no preciso enunciado nº 476 da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça: ―O endossatário de título de crédito por endosso-
mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os
poderes de mandatário‖212. Por fim, reforça o correto enunciado nº 99 da Súmula
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―Tratando-se de endosso-mandato,
211
De acordo, na jurisprudência: REsp nº 624.975/SC – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 11 de novembro de 2010; e REsp nº 545.613/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de junho de 2007, p. 630. 212
De acordo, também na jurisprudência: ―I - Na linha da orientação deste Tribunal, no endosso-mandato, por não haver transferência da propriedade do título, o mandante é responsável pelos atos praticados por sua ordem pelo banco endossatário.‖ (REsp nº 389.879/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de setembro de 2002, p. 196).
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devidamente comprovado nos autos, não responde o endossatário por protesto
indevido, salvo se lhe era possível evitá-lo‖213.
11.14. Cláusula ―sem protesto‖
O emitente-sacador pode inserir na letra a cláusula ―sem despesas‖ ou
―sem protesto‖, com a dispensa do protesto pelo credor para preservar os direitos
cambiários contra todos os devedores: principal e coobrigados214. Por
conseguinte, o protesto cambial passa a ser facultativo em relação a todos os
devedores. É certo que ainda pode ser tirado o protesto, mas corre por conta do
credor, ex vi do art. 46, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme: ―Se, apesar da
cláusula escrita pelo sacador, o portador faz o protesto, as respectivas despesas
serão de conta dele‖.
Se o credor, todavia, deixar de apresentar para pagamento ao sacado-
aceitante – no vencimento, a letra ―sem despesas‖ pagável no Brasil, ou até dois
dias úteis do vencimento, se a letra for pagável no exterior –, há a perda dos
direitos cambiários em relação aos coobrigados215, ex vi da combinação do art. 46,
primeiro e segundo parágrafos216, com o art. 53, primeiro e segundo parágrafos217,
ambos da Lei Uniforme. Não obstante, o ônus da prova da inércia do credor em
relação à apresentação a pagamento a tempo e modo cabe ao devedor
executado, por meio da ação de embargos à execução. É o que se infere da parte
213
Eis a correta justificativa que consta do acórdão de aprovação do verbete sumular: ―No endosso mandato não há transferência do crédito, de forma que o endossatário age na condição de mandatário do endossante, este sim, responsável pelo dano, a menos que o endossatário pudesse evitar o protesto‖. 214
Cf. art. 46, primeiro e terceiro parágrafos, da Lei Uniforme. 215
Não, entretanto, em relação aos devedores principais ou diretos, em face dos quais subsistem os direitos cambiários, ainda que a letra não tenha sido apresentada a pagamento a tempo e modo. O credor poderá, portanto, acionar o aceitante e os respectivos avalistas mediante execução cambial, a ser proposta no prazo prescricional de três anos. 216
―O sacador, um endossante ou um avalista pode, pela cláusula ‗sem despesas‘, ‗sem protesto‘, ou outra cláusula equivalente, dispensar o portador de fazer um protesto por falta de aceite ou falta de pagamento, para poder exercer os seus direitos de ação. Essa cláusula não dispensa o portador da apresentação da letra dentro do prazo prescrito nem tampouco dos avisos a dar. A prova da inobservância do prazo incumbe àquele que dela se prevaleça contra o portador.‖ (sem o grifo no original). 217
―Depois de expirados os prazos fixados: - para a apresentação de uma letra à vista ou a certo termo de vista; - para se fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento; - para a apresentação a pagamento no caso da cláusula ‗sem despesas‘. O portador perdeu os seus direitos de ação contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante.‖ (sem os grifos no original).
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final do segundo parágrafo do artigo 46 da Lei Uniforme, in verbis: ―A prova da
inobservância do prazo incumbe àquele que dela se prevaleça contra o portador‖.
Por fim, quando a cláusula ―sem despesas‖ é inserida por um endossante
ou por um avalista, a dispensa do protesto para a conservação dos direitos
cambiários alcança apenas aquele que fez a inclusão da cláusula. Quanto aos
demais, subsiste a exigência do protesto cambial.
12. Ação cambial ou execução cambial
Diante do vencimento218 sem o respectivo pagamento do título de crédito, o
credor pode executar tanto o devedor principal quanto os coobrigados, em
conjunto ou isoladamente, conforme a preferência daquele (credor), tudo nos
termos dos arts. 43 e 47 da Lei Uniforme219. Em relação aos coobrigados, todavia,
a subsistência dos direitos cambiários do credor depende do prévio protesto no
prazo legal, consoante se infere do art. 53 da Lei Uniforme.
À vista do art. 49 do Decreto nº 2.044/1908, a ―ação cambial é a
executiva‖220. O art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil reforça a
admissibilidade da execução fundada em letra de câmbio.
Em regra, a execução cambial compreende a quantia estampada na
cártula, mais juros de mora e correção monetária contados a partir do vencimento,
bem como as eventuais despesas cartorárias com o protesto.
No que tange à prescrição da pretensão executiva fundada na letra de
câmbio, o prazo varia conforme o executado seja o devedor principal ou algum
218
Vencimento que pode ser ordinário ou extraordinário. 219
Assim, na doutrina: ―O portador tem, assim, o direito de acionar todos os obrigados e coobrigados, sem estar adstrito a observar a ordem em que eles se obrigaram. Explicamos à saciedade que todos os que se obrigaram na letra a ela se vinculam diretamente, pois suas obrigações são autônomas, umas em relação às outras. O portador pode eleger apenas um obrigado, ou então um coobrigado para contra ele dirigir a ação, ou promovê-la contra todos, citando-os solidariamente.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 368). 220
De acordo, na doutrina: ―Mas o nome ação cambial, por tradição, ficou mantido, quando poderia ser execução cambial. No entanto, pouco importa se se trata de execução, ação de execução, execução cambial ou ação cambial. Isso quer dizer que a ação cambial segue o mesmo caminho estabelecido pelo processo civil brasileiro vigente para o processo de execução. Entenda-se, pois: a ação cambial corresponde ao processo de execução (arts. 586 e seguintes do CPC), especialmente com a aplicação do inciso I do art. 585, bem como dos arts. 646 e seguintes do Código de Processo Civil.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 275).
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coobrigado. Em regra, a execução deve ser proposta dentro do prazo de três anos
do vencimento da letra de câmbio. Trata-se de prazo prescricional disponível para
o credor exercer a respectiva pretensão patrimonial contra o devedor principal,
contra o respectivo avalista ou contra ambos, se assim preferir. Segundo o art. 70
da Lei Uniforme, portanto, o credor pode acionar o aceitante e os respectivos
avalistas durante o prazo prescricional de três anos, contados do vencimento da
letra221. Com efeito, o credor pode acionar tanto o devedor principal (sacado-
aceitante da letra) quanto o respectivo avalista mediante ação direta de execução,
isto é, sem a necessidade de prévio protesto.
Quanto aos coobrigados da letra, quais sejam, o emitente-sacador, o
tomador-endossante, os demais endossantes e avalistas dos mesmos, o credor
tem o prazo de um ano para ajuizar a execução fundada no art. 585, inciso I, do
Código de Processo Civil. Trata-se de prazo prescricional que corre da data do
protesto tempestivo ou do vencimento do eventual título ―sem despesas‖. Com
efeito, no que tange ao emitente-sacador, endossantes e respectivos avalistas, a
ação cambial deve ser proposta dentro do prazo prescricional de um ano, contado
da data do protesto tempestivo ou da data do vencimento, se a letra tiver a
cláusula ―sem protesto‖, tudo nos termos do art. 70 da Lei Uniforme.
Na eventualidade de algum coobrigado efetuar o pagamento, pode exercer
o direito de regresso contra outros coobrigados mediante ação de execução no
prazo prescricional de seis meses, em virtude da sub-rogação. À vista dos arts.
47, terceiro parágrafo, e 70, terceiro parágrafo, ambos da Lei Uniforme, o
coobrigado que efetuar o pagamento dispõe do prazo de apenas seis meses para
acionar coobrigados pretéritos na cadeia de anterioridade, em ação executiva de
regresso. Por força do art. 567, inciso III, do Código de Processo Civil, o sub- 221
De acordo, na jurisprudência: ―Nos termos do art. 70 da Lei Uniforme, normativo legal aplicado à letra de câmbio, é a ação cambial (ação de execução) que vem perecer com a incidência do instituto da prescrição, todavia, sobrevivendo ação de conhecimento (de cobrança), de cunho civil‖ (Apelação nº 1.0702.04.184212-2/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 12 de outubro de 2006). ―Estabelece o art. 70 da Lei Uniforme, relativa às letras de câmbio, ser de 03 (três) anos o prazo para a propositura da ação executiva contra aceitante, na ordem de pagamento, e emitente, na promessa de pagamento, e seus avalistas, contados a partir do vencimento da cambial.‖ (Apelação nº 2.0000.00.484560-9/000, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de julho de 2006). ―Estabelece o art. 70 da Lei Uniforme, relativa às letras de câmbio, ser de 03 anos o prazo para a propositura da ação executiva contra aceitante, na ordem de pagamento, e emitente, na promessa de pagamento, e seus avalistas, contados a partir do vencimento da cambial.‖ (Apelação nº 1.0433.07.221751-9/001, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de junho de 2008).
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rogado pode iniciar nova execução ou até mesmo dar seguimento à execução
movida pelo credor originário, hipótese na qual o coobrigado pagante passa a
ocupar o lugar deixado pelo credor original cujo crédito foi satisfeito.
13. Ação de enriquecimento sem causa ou ação de locupletamento indevido
À vista do art. 48 do Decreto nº 2.044/1908, combinado com os arts. 206, §
3º, inciso IV, 884 e 886 do Código Civil de 2002, prescrita a execução cambial,
ainda há a possibilidade de o credor ajuizar demanda cognitiva denominada ―ação
de locupletamento indevido‖, ―ação de enriquecimento sem causa‖ ou ―ação in rem
verso‖222, dentro do prazo prescricional de três anos223.
À luz do art. 886 do Código Civil de 2002, o triênio previsto no inciso IV do §
3º do art. 206 do mesmo diploma só começa a correr após o decurso in albis dos
prazos para a execução do art. 70, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e do art.
585, inciso I, do Código de Processo Civil.
Com efeito, após o transcurso in albis dos prazos prescricionais das
pretensões executivas provenientes da letra de câmbio, é admissível a propositura
da demanda de locupletamento ou enriquecimento indevido, no prazo
prescricional de três anos, em virtude da combinação do art. 48 do Decreto nº
2.044/1908, com os arts. 206, § 3º, inciso IV, 884 e 886, do Código Civil de 2002.
222
De acordo, na doutrina: ―AÇÃO IN REM VERSO. O mesmo que ação de enriquecimento ilícito.‖ (Pinto
Ferreira. Vocabulário jurídico das ações e dos recursos. 1999, p. 51). ―Como se vê, a Convenção admitiu que a legislação nacional preservasse a ação in rem verso, que havia sido introduzida em nosso direito expressamente pelo art. 48, no seguinte texto: ‗Sem embargo da desoneração da responsabilidade cambial, o sacador ou o aceitante fica obrigado a restituir ao portador, com os juros legais, a soma com a qual se locupletou às custas deste. A ação do portador, para este fim, é a ordinária‘. Nesta ação, baseada nos princípios naturais da eqüidade, o autor deve provar o locupletamento à sua custa por parte do réu, isto é: a) o enriquecimento do réu; b) o seu empobrecimento; c) a falta de justa causa; d) a relação de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 377). 223
Em sentido conforme, na doutrina: ―É no campo dos títulos de crédito, em maior escala, que surgiu entre nós a aplicação da ação in rem verso.‖ ―Aliás, em matéria cambial, existe referência expressa, no direito positivo, à ação de enriquecimento indevido no art. 48 da Lei nº 2.044/1908. Nele permite-se a ação de rito ordinário contra o sacador ou aceitante de título de crédito que se tenha enriquecido indevidamente. Trata-se de ação subsidiária e tem como requisitos: a existência prévia de uma letra de câmbio (ou outro título de crédito), a desoneração da responsabilidade cambial por qualquer razão (falta de protesto obrigatório, falta de apresentação para aceite, prescrição) e que o prejuízo sofrido pelo portador do título corresponda a um efetivo enriquecimento por parte do aceitante ou sacador. Típica situação de enriquecimento indevido.‖ ―Ao finalizar, cumpre lembrar que o atual Código estabeleceu o prazo prescricional de três anos para a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, IV).‖ (Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil. Volume II, 6ª ed., 2006, p. 212, 213 e 222, respectivamente).
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O prazo prescricional da pretensão de locupletamento é contado após a
perda da força executiva da letra de câmbio, porquanto a demanda de
enriquecimento sem causa não é admissível enquanto for cabível a execução
cambial, ex vi do art. 886 do Código Civil224.
Ao contrário do que ocorre com a execução cambial, com três diferentes
prazos prescricionais em razão do executado, a prescrição da pretensão exercida
mediante demanda de locupletamento indevido é sempre de três anos,
independentemente do demandado.
No que tange à legitimidade passiva, a demanda de enriquecimento sem
causa só pode ser movida contra o beneficiário do locupletamento indevido. Por
não estar fundada na responsabilidade cambial, mas, sim, no direito civil, a
demanda não pode ser movida contra os coobrigados cambiais que não se
enriqueceram à custa do empobrecimento do credor do título. Ao contrário,
portanto, da execução cambial, a qual pode ser movida contra qualquer um dos
devedores e coobrigados cambiais, a demanda de enriquecimento sem causa só
pode ser acionada contra quem efetivamente foi beneficiado pelo empobrecimento
alheio225. Em suma, a demanda de locupletamento indevido não tem natureza
224
De acordo, na doutrina: Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 311: ―A ação de locupletamento é a ação prevista no art. 48 do Decreto 2.044/1908, e no art. 61 da Lei do Cheque (Lei 7.357/1985), que tem por objeto a cobrança quando ocorre a desoneração da responsabilidade cambial, facultando ao possuidor reembolsar-se da importância com que tenham se locupletado à custa dele.‖ ―Em ambos os casos, seja em relação às letras de câmbio e notas promissórias, ou aos cheques, a ação de locupletamento tem o procedimento ordinário. Não tem, por isso mesmo, caráter cambial. Segue, portanto, o procedimento ordinário previsto no vigente CPC. Como a lei não fixa qualquer prazo de prescrição para a ação prevista na Lei Cambial (para letras de câmbio e notas promissórias), tem-se que sua prescrição ocorre como estabelece o Código Civil (no Código Civil três anos, de acordo com o inciso IV, § 3º, do art. 206), contados do dia da desoneração da responsabilidade cambial.‖. 225
De acordo, na jurisprudência: ―– Ação de locupletamento fundada em cambial prescrita. Diversa da ação cambiária, a ordinária de enriquecimento, prevista no art. 48 da Lei nº 2.044, legitima-se quando se opera a exoneração da responsabilidade cambial; nesse caso, seu processo não é mais o executivo (v.g. art. 49).‖ (RE nº 26.709/RN, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 27 de janeiro de 1955, p. 1.109). Colhe-se do voto condutor do eminente Ministro Ribeiro da Costa: ―Diversa da ação cambiária, a ordinária de enriquecimento prevista no citado art. 48, legitima-se quando se opera a exoneração da responsabilidade cambial. Nesse caso, seu processo não mais é o executivo (v.g. art. 49). A legitimação passiva não abrange todos os que se obrigaram pela cambial (art. 50) e seu objeto não é tornar efetiva a responsabilidade cambial, que se pressupõe extinta, mas obter a restituição de lucro ilicitamente auferido à custa do portador (vide rec. ext. nº 14.126, voto do Ministro H. Guimarães, relator, in Rev. For., vol. 146, pág. 199). ‗Se não é cambiária‘, acrescenta o referido voto, ‗a ação de enriquecimento não prescreve com a ação cambial (lei citada, art. 52), porque se supõe, aliás, perdida a ação cambial, pela prescrição ou decadência, como, por exemplo, dispõe o direito suíço das obrigações (redação em vigor a 1º de julho de 1937, art. 1.052). Observa Carvalho Santos: ‗Ainda que exonerados da responsabilidade cambial, em virtude da negligência do portador da letra de câmbio, o sacador ou o aceitante estão obrigados a restituir a este, com os juros legais, a soma com a qual se locupletaram à custa dele‘ (Trat. de Direito Cambial Brasileiro, vol. V)‖.
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executiva nem cambial, mas, sim, cognitiva e civil, porquanto busca o
reconhecimento do enriquecimento sem causa, à luz dos arts. 884 e seguintes do
Código Civil e do art. 48 do Decreto nº 2.044/1908.
No tocante à causa de pedir, a demanda de enriquecimento indevido
prescinde da veiculação da causa que deu origem ao título de crédito prescrito
que não foi honrado. Com efeito, a petição inicial não precisa veicular a causa
subjacente, mas apenas comprovar que o título de crédito prescrito não foi
pago226.
Quanto ao procedimento, a demanda de locupletamento ilícito pode ser
acionada pelo tradicional procedimento comum227, mas também pode ser aviada
pelo procedimento monitório do art. 1.102-A do Código de Processo Civil228. Em
virtude da faculdade conferida pelo art. 1.102-A do Código de Processo Civil, o
titular da letra de câmbio prescrita tem a opção entre os procedimentos comum e
monitório, para o recebimento da quantia objeto do enriquecimento indevido229, tão
logo decorrido in albis o prazo prescricional disponível para a execução cambial230.
Ao contrário do que ocorre no procedimento comum, cujo valor da causa
pode interferir na adoção do rito ordinário ou sumário, o mesmo não ocorre no
226
De acordo, na doutrina: ―Como se vê, a Convenção admitiu que a legislação nacional preservasse a ação in rem verso, que havia sido introduzida em nosso direito expressamente pelo art. 48, no seguinte texto: ‗Sem embargo da desoneração da responsabilidade cambial, o sacador ou o aceitante fica obrigado a restituir ao portador, com os juros legais, a soma com a qual se locupletou às custas deste. A ação do portador, para este fim, é a ordinária‘. Nesta ação, baseada nos princípios naturais da eqüidade, o autor deve provar o locupletamento à sua custa por parte do réu, isto é: a) o enriquecimento do réu; b) o seu empobrecimento; c) a falta de justa causa; d) a relação de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento. Discute-se, nos tribunais brasileiros, se basta a simples apresentação do título cambiário para comprovação do prejuízo do autor e o enriquecimento sem causa do réu. Lembramos, no caso da controvérsia, a doutrina exposta pelo Min. Hahnemann Guimarães, em voto no Supremo Tribunal Federal: ‗Quem não paga uma dívida se enriquece com o não-pagamento dela. O emitente do título cambiário não provou o pagamento dele; é de presumir que ele se enriqueceu com o não-pagamento. No caso, ficou provado que ele não pagou‖ (Rec. extr nº 26.613, de 1958, in Rev. Trim. de Jurisp., 8/123). É lição baseada na doutrina de Whitaker, de que ‗a prova do prejuízo é feita pelo portador com a simples exibição do título não pago‘.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 377). 227
O procedimento comum pode ser ordinário ou sumário, conforme o valor. 228
Em sentido conforme: ―I – A ação monitória foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a Reforma do Código de Processo Civil, através da Lei nº 9.079/95. Seu objetivo primordial é o de abreviar o caminho para a formação do título executivo, contornando a lentidão inerente ao processo de conhecimento e ao rito ordinário. II – Mostra-se adequado a instruir a ação monitória o título de crédito que tenha perdido a eficácia executiva em face do transcurso do lapso prescricional. Precedentes do STJ.‖ (REsp nº 260.219/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de abril de 2001). 229
Cf. art. 48 do Decreto nº 2.044/1908, e arts. 206, § 3º, inciso IV, 884 a 886, do Código Civil de 2002. 230
Cf. art. 70 da Lei Uniforme e art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil.
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procedimento monitório, o qual pode ter ser adotado em causas com valores
inferiores e superiores a sessenta salários mínimos.
Por fim, o réu indevidamente beneficiado pelo enriquecimento indevido
deve ser condenado a pagar o valor objeto do enriquecimento ilícito, com juros, ex
vi do art. 48 do Decreto nº 2.044/1908.
14. Ação de cobrança ou ação causal
O credor também pode acionar o devedor mediante demanda de cobrança,
com fundamento na causa subjacente que originou o título de crédito231. Na
hipótese, a cártula não tem serventia enquanto título de crédito, mas apenas como
meio de prova da relação jurídica subjacente, sujeita ao livre convencimento do
juiz da causa. Por conseguinte, deve o autor veicular na petição inicial a origem da
dívida cuja cobrança se faz232.
Por não ter natureza cambial, mas, sim, civil, a demanda cognitiva de
cobrança ou causal só pode ser movida contra a pessoa que participou da relação
jurídica subjacente, e não contra todos os obrigados e coobrigados cambiais233.
No que tange ao prazo prescricional para a demanda de cobrança, há séria
divergência na doutrina e na jurisprudência. É certo, entretanto, que prevalente a
tese consubstanciada na aplicação do art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Com
efeito, à vista do entendimento predominante, a demanda de cobrança está sujeita
231
De acordo, na jurisprudência: ―Por isso, prescrita a execução do título pode o credor valer-se do procedimento ordinário de cobrança, o qual não é excluído pela existência da ação de locupletamento.‖ (Apelação nº 1.0024.08.937384-9/001, 11ª Câmara Cível do TJMG). 232
De acordo, na doutrina: ―Ao se instaurar processo de conhecimento, objetivando o recebimento da importância devida e que fora representada por título executivo prescrito, declarado ou não, é evidente que o negócio subjacente deve ser descrito como causa do pedido, e o título que poderá servir de começo de prova documental perde toda sua natureza cambial.‖ (Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil. Volume II, 10ª ed., 2006, p. 24). 233
De acordo, na doutrina: Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil. Volume II, 10ª ed., 2006, p. 24; e Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 432: ―O devedor cuja obrigação tenha se originado exclusivamente no título de crédito – como e, em geral, o caso do avalista –, após a prescrição da execução cambial, não poderá ser responsabilizado em nenhuma hipótese perante o seu credor, já que não há causa subjacente a fundamentar qualquer pretensão ao recebimento do crédito. Por outro lado, como a ação causal não é cambial, são admitidas quaisquer matérias de defesa por parte do demandado.‖.
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ao prazo prescricional de cinco anos, nos termos do art. 206, § 5º, inciso I, do
Código Civil234.
Há, todavia, precedentes jurisprudenciais em favor da incidência da regra
geral inserta no art. 205 do Código Civil: prazo prescricional de dez anos235-236.
Ainda que muito respeitáveis ambas as teses, defende-se outro raciocínio
no presente compêndio: como a causa de pedir da demanda de cobrança é a
causa subjacente que originou o título de crédito, o prazo prescricional deve ser
aferido à vista de cada caso concreto, ou seja, à luz de cada causa ensejadora da
demanda, tendo em vista os vários casos arrolados no art. 206 do Código Civil237.
Por fim, no que tange ao termo inicial do prazo prescricional, também há
séria divergência na doutrina e na jurisprudência, mas prevalece o entendimento
segundo o qual o quinquênio só começa a correr a partir da prescrição da
execução cambial238. É a opinião sustentada no presente compêndio, porquanto
234
―2) Assim, o prazo prescricional da pretensão de cobrança é quinquenal, nos termos do art. 206, § 5º, I, do NCC.‖ (Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ). Colhe-se do didático voto proferido pelo eminente Desembargador Alexandre Freitas Câmara: ―O direito de crédito decorrente da relação subjacente ao cheque, por sua vez, está sujeito a prazo prescricional de cinco anos, na forma do disposto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil, que estabelece o prazo quinquenal no caso de cobrança de dívida líquida constante de instrumento público ou particular.‖. 235
―O prazo prescricional para a pretensão de cobrança é de dez anos, ainda que o montante pleiteado se consubstancie em título de crédito, pois a ação proposta trata-se de direito pessoal e não de cambial.‖ (Apelação nº 1.0035.06.066822-1/001, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 3 de setembro de 2007). 236
Ainda a respeito da aplicação da regra geral inserta no art. 205 do Código Civil, vale conferir a respeitável doutrina do Professor Ernane Fidélis dos Santos: ―Na execução do título, autorizada exclusivamente por sua realidade formal (letra de câmbio, nota promissória, duplicata ou cheque), nada se questiona sobre o negócio subjacente, que, aliás, pode ser levantado, mas apenas em grau de embargos (ou nas vias ordinárias), com o objetivo de desconstituição do título. Uma pessoa, por exemplo, venda a outra um imóvel. Há prazo para o pagamento, e o comprador emite nota promissória correspondente à dívida. Vencido, o credor, em execução, apenas relata o título que tem em mãos (nota promissória, com tais e tais características) e reclama o pagamento. Nada de falar sobre a venda, que foi o negócio que provocou a emissão do título. Poderá ocorrer que, após o vencimento da nota promissória, três anos se passem. Mesmo assim, o credor promove a execução. O devedor alega prescrição, e o juiz deve declará-la, não valendo nenhuma alegação de negócio subjacente, já que este não é objeto da execução e sim a nota promissória. Acontece que um negócio jurídico foi realizado entre as partes: a venda de um imóvel. O vendedor, porém, não recebeu o preço e, neste caso, poderá cobrá-lo em ação de conhecimento. O fato jurídico, a causa que vai justificar seu pedido, já não é a nota promissória vencida, mas a venda do imóvel e o não-recebimento do preço, pretensão que só ficará afetada pela prescrição comum, agora, de dez anos (CC/2002, art. 205)‖ (Manual de direito processual civil. Volume II, 10ª ed., 2006, p. 23 e 24). 237
Em sentido semelhante, na doutrina: ―A ação causal (seja de conhecimento ou monitória) prescreve, por sua vez, de acordo com o disposto na legislação aplicável ao vínculo extracambiário que une as partes da demanda: por exemplo, o contrato de compra e venda que deu origem ao título, o mútuo que foi cumprido através do endosso etc.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 432). 238
Em sentido conforme, na doutrina: ―O credor que perdeu o direito à execução cambial pode com o título recorrer ao procedimento ordinário de conhecimento do negócio fundamental. Caso em que a cambial
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não há interesse de agir para a cobrança mediante processo cognitivo na
pendência do prazo prescricional para a execução cambial239.
funciona como documento probatório da causa de que havia sido abstraída.‖ (Amílcar de Castro. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, 2ª ed., 1976, p. 55). De acordo quanto ao termo inicial, na jurisprudência: ―O segundo prazo prescricional a ser observado, após a sua prescrição como cambial, nos termos do art. 206, § 5º do Código Civil de 2002, é o prazo previsto para a cobrança, ou para a monitória, qual seja, o prazo de 05 (cinco) anos, contado a partir do término do prazo para o ajuizamento da ação de execução.‖ (Apelação nº 1.0394.08.085900-9/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 6 de outubro de 2009). Em sentido contrário, na doutrina: ―O termo inicial de prescrição da ação causal, portanto, não é o exaurimento do prazo prescricional da ação cambial, mas a data – que pode mesmo ser até anterior à do saque do título de crédito – em que a medida poderia ter sido ajuizada.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 432). 239
De acordo, na doutrina: ―Exemplo bastante eloqüente desse elemento formador do interesse de agir é o que se tem na execução de créditos. Tendo o credor um título executivo, como um cheque ou uma nota promissória, deverá propor demanda de execução, a fim de ver seu crédito satisfeito. Não existindo esse título, porém, a via executiva se mostra inadequada, devendo o credor propor demanda de conhecimento. A propositura de demanda de execução por quem não tenha título executivo (ou a propositura de demanda de conhecimento por quem tenha tal título) revela que a atuação do Estado-juiz terá sido provocada em busca de um provimento inadequado para a tutela da situação fática narrada pelo demandante, o que demonstra cabalmente a total inutilidade do referido provimento, razão pela qual faltará, na hipótese, interesse de agir.‖ (Alexandre Freitas Câmara. Lições de direito processual civil. Volume I, 18ª ed., 2008, p. 119). No mesmo sentido, ainda na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume I, 18ª ed., 2005, p. 82 e 83.
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CAPÍTULO III — NOTA PROMISSÓRIA
1. Conceito
A nota promissória é o título de crédito consubstanciado em compromisso
escrito e solene revelador de promessa direta de pagamento de quantia certa que
o emitente-sacador faz em prol do tomador-beneficiário ou à sua ordem. É, em
síntese, o conceito extraído da combinação do art. 54, caput, do Decreto nº
2.044/1908, com o art. 75 da Lei Uniforme de Genebra240.
2. Natureza jurídica
À vista do art. 887 do Código Civil, do art. 75 da Lei Uniforme de Genebra e
do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, a nota promissória é uma
espécie de título de crédito e tem natureza de título executivo extrajudicial, razão
pela qual pode instruir execução forçada contra o devedor principal (emitente-
sacador) e eventuais coobrigados (endossantes e avalistas).
3. Legislação de regência
Na esteira da letra de câmbio, a nota promissória tem como principal
diploma de regência a Lei Uniforme de Genebra, a qual foi incorporada ao direito
brasileiro por força do Decreto nº 57.663/1966, com destaque para os arts. 75 a
78.
Na verdade, como o art. 77 da Lei Uniforme determina a aplicação
subsidiária dos preceitos de regência da letra de câmbio também em relação à
nota promissória, somente os arts. 75, 76 e 78 são dispositivos específicos da
nota promissória, aplicáveis de forma direta. Já os preceitos arrolados no art. 77 240
Assim, na melhor doutrina: ―A nota promissória é uma promessa de pagamento pela qual alguém se obriga a pagar a outrem certa soma em dinheiro.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 403). ―Incorporando a dívida com a promessa de pagamento em certo prazo, solenizada em documento escrito e revestida das formalidades legais de natureza cambiária, assinada pelo devedor, passou a ser, por excelência, o documento sobre o qual se funda a operação de crédito, efetuada pelos estabelecimentos bancários.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 380).
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têm incidência apenas subsidiária, em virtude da aplicação analógica de
dispositivos referentes à letra de câmbio.
No que for omissa a Lei Uniforme de Genebra, incide o Decreto nº
2.044/1908, ou seja, a Lei Cambiária Nacional241.
No que diz respeito especificamente ao protesto cambial, incide a Lei nº
9.492/1997, cujo art. 21, § 4º, por exemplo, dispõe sobre a nota promissória.
Por fim, no que for omissa a legislação especial, incide o Código Civil de
2002, consoante revelam o art. 903 e o enunciado nº 463 aprovado na Quinta
Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As disposições relativas
aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles regulados por leis
especiais, no caso de omissão ou lacuna‖.
4. Sujeitos da relação cambial originária da nota promissória
A nota promissória tem apenas dois sujeitos originais: o emitente-sacador
ou ―subscritor‖, na qualidade de devedor principal, e o tomador-beneficiário, credor
do título.
O emitente-sacador é a pessoa que subscreve a nota promissória e assume
o compromisso de pagar determinada importância em favor do tomador-
beneficiário ou a alguém, à sua ordem. O emitente-sacador é o devedor principal
da nota promissória, por ser equiparado ao aceitante242 ex vi legis, tendo em vista
o disposto no art. 78, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, no art. 56, segundo
parágrafo, do Decreto nº 2.044/1908, e no art. 21, § 4º, da Lei nº 9.492/1997. Por
conseguinte, é facultativo o protesto em relação ao emitente-sacador da nota
241
Por exemplo, na jurisprudência: ―RECURSO ESPECIAL. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA ASSINADA. DATAS DE VENCIMENTO. UMA POR ESCRITO E OUTRA NUMÉRICA. DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO. NULIDADE. APLICAÇÃO DE ANALOGIA. INCABÍVEL. EXISTÊNCIA DE LEI EXPRESSA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. I. Existindo dispositivo legal que prevê expressamente a nulidade da nota promissória que apresenta divergência de data de vencimento, incabível torna-se a aplicação da analogia para suprir lacuna que não existe. II. Aplicação do art. 55, parágrafo único, da Lei nº 2044/1908. III. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 751.878/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 17 de maio de 2010). 242
De acordo, na doutrina: ―O sacador (emitente) compromete-se a pagar quantia determinada ao beneficiário; tem responsabilidade idêntica à do sacado (aceitante) da letra de câmbio.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 403).
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promissória, raciocínio que também alcança o respectivo avalista. Ambos podem
ser acionados mediante execução direta, ou seja, sem necessidade de prévio
protesto cambial243.
Já o tomador-beneficiário é o credor da quantia expressa na nota
promissória. Por ser a nota promissória título à ordem244, o credor pode transferir o
respectivo crédito mediante endosso.
Por fim, não só os empresários podem ser emitentes e beneficiários na
relação jurídico-cambial proveniente da nota promissória. Na verdade, todas as
pessoas naturais capazes e as pessoas jurídicas em geral podem assumir
obrigações e ser beneficiárias de direitos cambiais originários de notas
promissórias245.
5. Requisitos ou elementos da nota promissória
O art. 75 da Lei Uniforme contém os requisitos para que um documento
seja nota promissória. É indispensável a observância do disposto no art. 75, sob
pena de nulidade do título e de carência da respectiva execução. Aliás, os
requisitos legais devem ser apreciados até mesmo de ofício pelo juiz da execução,
em cumprimento ao disposto no art. 618, inciso I, do Código de Processo Civil246.
Na verdade, os requisitos arrolados no art. 75 da Lei Uniforme podem ser
essenciais ou acidentais. Os requisitos essenciais são os elementos constitutivos
243
De acordo, na jurisprudência: ―I - Desnecessário é o protesto por falta de pagamento da nota promissória, para o exercício do direito de ação do credor contra o seu subscritor e respectivo avalista.‖ (REsp nº 2.999/SC, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de agosto de 1990, p. 7.343). ―LEI UNIFORME SOBRE LETRAS DE CÂMBIO E NOTAS PROMISSÓRIAS - Não é necessário o protesto do título para resguardo do direito de ação contra o avalista do emitente da promissória ou do aceitante da letra de câmbio.‖ (RE nº 76.154, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 1973). 244
Cf. art. 75, número 5, in fine, da Lei Uniforme. 245
De acordo, na doutrina: ―Hoje em dia, por exemplo, não são apenas os comerciantes que assinam letra de câmbio ou notas promissórias, títulos usados exclusivamente pelos mercadores, na época medieval e até época bem recente. O emprego do título de crédito tornou-se corrente e universal.‖ (Miguel Reale. Lições preliminares de direito. 27ª ed., 4ª tiragem, 2004, p. 364). 246
Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO DE EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA - DATA E LOCAL DE EMISSÃO - OMISSÃO - REQUISITO ESSENCIAL - INEFICÁCIA PARA A EXECUÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - MATÉRIA A SER ARGUIDA DE OFÍCIO. A jurisprudência das Turmas que compõem a Seção de Direito Privado do colendo Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a data de emissão da nota promissória configura requisito essencial à sua validade como título executivo, nos termos do art. 75 da Lei Uniforme de Genebra.‖ (Apelação nº 1.0702.06.276005-4/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 29 de fevereiro de 2008).
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da nota cujas ausências implicam imediata descaracterização do título. Já os
requisitos acidentais são os elementos sanáveis nas hipóteses arroladas no art. 76
do mesmo diploma, sem descaracterização do título.
Expostas as duas classes de requisitos existentes no art. 75 da Lei
Uniforme, convém examinar cada um dos elementos constitutivos da nota
promissória.
À vista do art. 75, número 1, da Lei Uniforme, a expressão ―nota
promissória‖ deve estar inserta no próprio texto da cártula, no idioma em que o
título foi emitido. É juridicamente possível a emissão de nota promissória no
estrangeiro e no idioma do país de origem, para ser paga no Brasil, como bem
revela o § 2º do art. 585 do Código de Processo Civil247. À vista do mesmo
preceito, nem há necessidade de homologação da nota promissória perante o
Poder Judiciário brasileiro248.
Em segundo lugar, é indispensável a indicação da quantia a ser paga,
consoante determina o art. 75, número 2, da Lei Uniforme. Na eventualidade de
divergência entre as indicações da importância, prevalece a lançada por extenso
no contexto da nota promissória, tendo em vista a combinação dos arts. 6º e 77 da
Lei Uniforme, com o art. 54, § 3º, primeiro parágrafo, do Decreto nº 2.044/1908.
Em contraposição, eventual rasura retira do documento a qualidade de título de
crédito, por desrespeito aos princípios da literalidade e do formalismo249.
247
Assim, na jurisprudência: ―Os títulos executivos extrajudiciais, como a nota promissória, oriundos de país estrangeiro, somente terão eficácia executiva, no Brasil, nos termos da lei processual brasileira, se o indicarem como lugar do cumprimento da obrigação.‖ (RE nº 101.120/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 5 de outubro de 1984, p. 16.453). 248
De acordo, na doutrina: ―Por outro lado, exigida a homologação de decisões judiciais, é intuitivo que títulos executivos extrajudiciais, como letras de câmbio e notas promissórias, não estão submetidas à homologação.‖ (Cristiano Chaves de Farias. Direito civil: teoria geral. 2ª ed., 2005, p. 81). 249
Assim, na jurisprudência: ―APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSO DE EXECUÇÃO - REQUISITOS DE FORMALIDADE - NOTA PROMISSÓRIA - RASURA NO VALOR NUMÉRICO - OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL. I - Em se tratando de processo de execução, pode e deve o julgador cercar-se da certeza de estarem presentes os requisitos de formalidade inerentes aos títulos cambiais, independentemente da matéria arguida em sede de embargos. II - A rasura no valor numérico originalmente consignado, contido na nota promissória, ressai como obstáculo intransponível a que a parte possa se socorrer do rito especialíssimo a que se submete o processo de execução a fim de receber o seu crédito. III - Nada impede a parte de buscar o crédito que considera justo pela via do processo de conhecimento, quer pelo rito ordinário, quer pelo rito especial da monitória.‖ (Apelação nº 51.223/99, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 1999, p. 13).
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À luz do § 2º e do inciso I do art. 585 do Código de Processo Civil, é
admissível a emissão de nota promissória em moeda estrangeira, com a
conversão para moeda corrente no dia do pagamento250. Também é possível a
emissão de nota promissória com valor expresso em índice oficial de atualização
monetária251, com a posterior conversão para a moeda nacional no momento do
pagamento252. Por fim, é lícita a inclusão de cláusula de juros moratórios,
contados a partir do vencimento253.
A nota promissória também deve conter a data do pagamento, em razão do
disposto no art. 75, número 3, da Lei Uniforme de Genebra. A propósito da época
do pagamento, o art. 55 do Decreto nº 2.044 revela que a nota pode ser à vista, a
dia certo ou a tempo certo da data254. Se omissa a cártula acerca da época do
250
Em sentido conforme, na jurisprudência: ―NOTA PROMISSÓRIA. Moeda estrangeira. Conversão. Data do pagamento. - A conversão da moeda estrangeira pode ser feita ao câmbio do dia do pagamento da nota promissória.‖ (REsp nº 195.078/BA, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de julho de 1999, p. 183). ―EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. VALOR EXPRESSO EM MOEDA ESTRANGEIRA. COBRANÇA EM REAL. LEGALIDADE. - Legítimo é o pacto celebrado em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional.‖ (REsp nº 209.295/PB, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de agosto de 2002, p. 224). 251
De acordo, na jurisprudência: ―Nota promissória. Valor do débito expresso em O.R.T.N. (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), para pagamento do equivalente em cruzeiros, na data da liquidação. Admissibilidade da ação de execução. Liquidez e certeza do título. Sendo o valor da O.R.T.N. aferível a qualquer momento e em qualquer lugar do País, pode ser expresso, como o quantum do débito, em nota promissória, o número dessas obrigações, desde que para pagamento em moeda nacional. Com isso, não deixa de ser líquido e certo o valor da dívida. A adoção de tal critério, em título cambiário, não o desvirtua, mantém atualizados o crédito e o débito, não afronta qualquer princípio de direito, muito menos norma expressa de lei, não torna incerta nem ilíquida a dívida, não ofende a ordem pública nem os bons costumes. Com esse expediente, que não e ilícito, até se prescinde da correção monetária, que, nos títulos exeqüíveis em juízo, se conta a partir do vencimento da obrigação e também se calcula pela variação da O.R.T.N. (Lei 6.899/81, art. 1., par 1.), pois a correção se fará automaticamente, com a variação dos índices respectivos. Precedente do S.T.F. R.E. conhecido, pela letra ‗d‘ (dissídio jurisprudencial), e provido para prosseguimento da ação de execução como de direito. Maioria de votos.‖ (RE nº 108.613/MG, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 24 de abril de 1992, p. 5.378). ―Nota promissória. Valor expresso em OTN. Admissibilidade.‖ (REsp nº 31.593/MG, 3ª Turma do STJ, 26 de abril de 1993). ―Não é imprestável nota promissória emitida em OTN (quantia determinada).‖ (REsp nº 19.553/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 31 de maio de 1993, p. 10.660). ―EMBARGOS À EXECUÇÃO. Notas promissórias lançadas em cruzados, mas com correspondência às antigas OTNS. A circunstância de o título estar emitido em OTNS, ou conter também a expressão numérica a elas correspondente, não é motivo para invalidá-lo, ou retirar-lhe a executividade.‖ (REsp nº 10.033/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de setembro de 1991, p. 13.492). 252
Cf. art. 315, primeira parte, do Código Civil. 253
Assim, na jurisprudência: ―Os juros da mora contam-se do vencimento do título.‖ (RE nº 47.956/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 1967). ―– Cambial. Cobrança executiva de nota promissória. Contam-se os juros do vencimento do título.‖ (RE nº 54.280/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 13 de dezembro de 1967). 254
Assim, na doutrina: ―No direito cambiário brasileiro, por outro lado, não existe nota promissória a ‗tempo certo de vista‘, como ocorre com a letra de câmbio.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 382). Contra, também na doutrina: ―d) As notas promissórias, embora não admitam aceite, podem ser emitidas com vencimento a certo termo de vista. Nesta hipótese, o credor deverá apresentar o título ao visto do emitente no prazo de 1 ano do saque (art. 23), sendo a data desse visto o termo a quo do lapso temporal de vencimento.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2006, p. 271).
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pagamento, a nota promissória subsiste, mas como título à vista, em virtude do
art. 76, segundo parágrafo, da Lei Uniforme255. Em contraposição, se lançadas
duas datas de vencimento na cártula, a mesma não vale como nota promissória,
ex vi do art. 55, parágrafo único, da denominada Lei Cambial interna256.
A nota promissória também deve conter a indicação do lugar no qual o
pagamento deve ser realizado. É o que determina o art. 75, número 4, da Lei
Uniforme, in verbis: ―A indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento‖.
Não obstante, ainda que omissa a cártula quanto ao lugar do pagamento, a
nota promissória subsiste como título de crédito, porquanto o local no qual a nota
foi emitida passa a ser considerado o lugar do pagamento, em virtude do art. 76,
terceiro parágrafo, da Lei Uniforme. Se omissa a nota também quanto ao local no
qual foi emitida, considera-se o lugar indicado ao lado do nome do emitente-
sacador, por força do art. 76, quarto parágrafo, do mesmo diploma257.
A nota também deve conter expressa referência ao nome do tomador-
beneficiário, ex vi do art. 75, número 5, da Lei Uniforme. O tomador-beneficiário é
o credor, ou seja, a pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga a quantia
indicada na nota promissória. Com efeito, a expressão legal ―à ordem‖ significa
que a nota pode ser transferida em prol de outrem, por meio de endosso258.
À vista do art. 75, número 5, da Lei Uniforme, nota promissória é título
nominativo. Não obstante, a nota promissória emitida em branco ou incompleta,
255
Assim, na jurisprudência: ―– A nota promissória que não indique a época do pagamento será considerada à vista. Art. 75, Lei Uniforme.‖ (Ag nº 752.391/SP – EDcl – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 374). 256
Assim, na jurisprudência: ―RECURSO ESPECIAL. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA ASSINADA. DATAS DE VENCIMENTO. UMA POR ESCRITO E OUTRA NUMÉRICA. DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO. NULIDADE. APLICAÇÃO DE ANALOGIA. INCABÍVEL. EXISTÊNCIA DE LEI EXPRESSA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. I. Existindo dispositivo legal que prevê expressamente a nulidade da nota promissória que apresenta divergência de data de vencimento, incabível torna-se a aplicação da analogia para suprir lacuna que não existe. II. Aplicação do art. 55, parágrafo único, da Lei nº 2044/1908. III. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 751.878/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 17 de maio de 2010). 257
De acordo, na jurisprudência: ―Não se erige a ausência do lugar do pagamento em requisito essencial, visto que dispõe expressamente a lei cambial que a nota promissória a que o mesmo faltar será pagável no domicílio do emitente, circunstância que não afeta a exigibilidade do título.‖ (Apelação nº 1.0694.07.036282-7/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2008). ―Dispõe expressamente a Lei Cambial que a nota promissória a que faltar o lugar do pagamento será pagável no domicílio do emitente, pelo que a ausência de tal fato não afeta a exigibilidade do título.‖ (Apelação nº 296.539-1, 3ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 12 de fevereiro de 2000). 258
Cf. art. 910 do Código Civil.
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sem a designação do tomador-beneficiário, pode ser preenchida, em momento
posterior, pelo respectivo credor de boa-fé, desde que antes do protesto do título e
também antes de acionar a execução, tudo nos termos do enunciado nº 387 da
Súmula do Supremo Tribunal Federal259. Daí a conclusão: embora seja vedada a
nota promissória ao portador, o título emitido com omissão em relação ao nome do
tomador-beneficiário pode ser preenchido posteriormente pelo portador de boa-fé,
credor presumido da nota, desde que o faça antes da apresentação do título para
protesto e do acionamento da execução da cambial.
A nota promissória também deve conter a indicação do local e da data da
emissão, tendo em vista o disposto no art. 75, número 6, da Lei Uniforme. Não
obstante, a ausência do local no qual a nota promissória foi emitida não a
descaracteriza enquanto título de crédito, porquanto é considerado o lugar
indicado ao lado do nome do emitente-subscritor, por força do art. 76, quarto
parágrafo, da Lei Uniforme260. Em contraposição, a falta da data da emissão retira
do documento o valor de nota promissória261; a omissão, todavia, pode ser sanada
com o preenchimento pelo credor de boa-fé, desde que antes do protesto cambial
e do ingresso da execução em juízo262.
259
No sentido do texto, na jurisprudência: ―- Nota promissória em branco ou incompleta. Até terminar sua circulação ou ingressar em juízo, pode ser completada pelo portador, salvo caso de má fé comprovada.‖ (RE nº 17.573/DF, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 14 de julho de 1952). ―- A nota promissória em branco pode circular por tradição manual, até que algum portador de boa fé possa inscrever o seu nome como beneficiário;‖ (RE nº 53.399/MG, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 27 de setembro de 1968). ―- Já é pacífica na doutrina e na jurisprudência a possibilidade da emissão de título cambial em branco ou incompleto, a ser preenchido por terceiro.‖ (RE nº 91.209/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 31 de agosto de 1979). 260
De acordo, na jurisprudência: ―1 - O local de emissão do título consiste em requisito acidental da nota promissória, sendo suprida sua ausência pela consideração advinda da lei de que o documento foi emitido no local do domicílio do subscritor.‖ (Apelação nº 1.0702.07.347329-1/001, 9ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 2008). 261
Assim, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - NOTA PROMISSÓRIA - AUSÊNCIA DA DATA DA EMISSÃO - RIGOR CAMBIÁRIO. REQUISITO ESSENCIAL - IMPOSSIBILIDADE PARA INSTRUMENTALIZAR A EXECUÇÃO - EXTINÇÃO. A ausência da data de emissão da nota promissória a descaracteriza como título executivo. Se a nota promissória não contém a data de sua emissão, não está apta a embasar processo executivo, devendo ser extinta a execução proposta com base neste título.‖ (Agravo de Instrumento nº 1.0079.02.011059-3/004, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 12 de agosto de 2008). ―AÇÃO DE EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA - DATA E LOCAL DE EMISSÃO - OMISSÃO - REQUISITO ESSENCIAL - INEFICÁCIA PARA A EXECUÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - MATÉRIA A SER ARGUIDA DE OFÍCIO. A jurisprudência das Turmas que compõem a Seção de Direito Privado do colendo Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a data de emissão da nota promissória configura requisito essencial à sua validade como título executivo, nos termos do art. 75 da Lei Uniforme de Genebra.‖ (Apelação nº 1.0702.06.276005-4/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 29 de fevereiro de 2008). 262
De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA - DATA DE EMISSÃO OU INEXISTÊNCIA DO NOME DO BENEFICIÁRIO. I - Sua ausência importa em
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Ao final, a nota promissória deve conter a assinatura do emitente-sacador,
em cumprimento do disposto no art. 75, número 7, da Lei Uniforme. É admissível,
todavia, a emissão de nota promissória subscrita por mandatário especial, ou seja,
por procurador com poder especial, tendo em vista a autorização do art. 54, inciso
IV, do Decreto nº 2.044/1908263. Não obstante, o mandatário com poder especial
para sacar a nota promissória não pode ser o próprio beneficiário do título, como
bem assentou o Superior Tribunal de Justiça por meio do enunciado nº 60 da
Súmula da Corte: ―É nula a obrigação cambial assumida por procurador do
mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste‖264. Bem examinado
o teor do verbete sumular, constata-se que o enunciado nº 60 prestigiou a
conclusão nº 2 aprovada durante o 5º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada,
em 1981: ―É inválida a procuração outorgada por mutuário em favor de empresa
pertencente ao grupo financeiro do mutuante, para assumir responsabilidade, de
extensão não especificada, em títulos cambiais, figurando como favorecido o
mutuante (aprovada por 14 votos contra 4)‖265.
Além do requisito arrolado no número 7 do art. 75 da Lei Uniforme, qual
seja, a assinatura do emitente-sacador da nota promissória, o título também deve
conter alguma identificação numérica do emitente-sacador, como o número da
respectiva Cédula de Identidade, da inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, do
Título Eleitoral ou da Carteira Profissional, tendo em vista a exigência inserta no
descaracterização do título. II - Portador do título pode preencher o claro, mas há de fazê-lo até o ajuizamento da ação; de contrário, ocorre carência de execução por falta de título executivo regular. Lei Uniforme, art. 76 e 77. Ineficácia do título.‖ (REsp nº 137.769/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 5 de abril de 1999, p. 124). ―Execução. Nota Promissória. Data de emissão. Sua ausência importa em descaracterização do título. Portador do título pode preencher o claro, mas há de fazê-lo, até o ajuizamento da ação; do contrário, ocorre carência da execução, por falta de título executivo regular. Lei Uniforme, Arts. 10, 76 e 77. Ineficácia do Título.‖ (RE nº 100.828/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 23 de agosto de 1985, p. 13.779). 263
Assim, na jurisprudência: ―Constitui entendimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência pátrias, ser perfeitamente possível a emissão de títulos cambiais por meio de procurador. Quanto a isso não há controvérsia.‖ (trecho extraído do bem fundamentado voto proferido pelo Ministro Eduardo Ribeiro no REsp nº 13.996/RS). 264
De acordo, na jurisprudência: ―COMERCIAL E CIVIL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA PREENCHIDA EM NOME DA DEVEDORA POR INSTITUIÇÃO CREDITÍCIA COLIGADA DO EXEQÜENTE. CLÁUSULA-MANDATO. NULIDADE. CC, ART. 115. SÚMULA nº 60-STJ. Nula é a nota promissória preenchida, em nome do devedor, pelo próprio credor ou pessoa/instituição a ele vinculada ou coligada, com base em mandato inserto em cláusula de contrato de mútuo. Contraposição de interesses jurídicos, a desvirtuar a natureza da outorga, tornando-a ineficaz, bem assim a cártula dela decorrente. Incidência, na espécie, da Súmula nº 60 do STJ. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 168.029/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 367). 265
Cf. Minas Gerais, Diário do Judiciário de 26 de fevereiro de 1982, p. 1.
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art. 3º da Lei nº 6.268/1975, in verbis: ―Art. 3º Os títulos cambiais e as duplicatas
de fatura conterão, obrigatoriamente, a identificação do devedor pelo número de
sua cédula de identidade, de inscrição no cadastro de pessoa física, do título
eleitoral ou da carteira profissional‖.
Não há necessidade, por outro lado, de assinatura de testemunha da
relação jurídico-cambial, porquanto a obrigação cambiária nasce com a só
subscrição da nota promissória pelo emitente-sacador266.
Por fim, ressalvadas as exceções legais já apontadas, quais sejam, as
arroladas nos parágrafos segundo, terceiro e quarto do art. 76 da Lei Uniforme, a
ausência de algum requisito previsto no art. 75 da Lei Uniforme retira do
documento o valor jurídico de nota promissória e, por conseguinte, de título de
crédito267. Com efeito, a formação da nota promissória depende da observância
dos requisitos essenciais do art. 75 da Lei Uniforme, tendo em vista o disposto no
art. 76, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e no art. 54, § 4º, do Decreto nº
2.044/1908. Não obstante, o credor de boa-fé pode completar a cártula após o
saque da nota promissória, desde que o faça antes do protesto e da execução
cambial, à vista do enunciado nº 387 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Estudados os elementos legais, eis um exemplo de nota promissória:
Por meio da presente nota promissória, passada em Viçosa, Minas
Gerais, no dia 1º de dezembro de 2011, o sacador S, inscrito no
Cadastro de Pessoas Físicas sob o número 111.111-11,
domiciliado em Viçosa, no endereço X, promete pagar, no dia 31
de janeiro de 2013, o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em
prol do beneficiário B, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob
266
De acordo, na jurisprudência: ―II. Aos títulos de crédito, assim reconhecidos em lei, dispensa-se a formalidade exigida aos contratos particulares, de assinatura de duas testemunhas, para que adquiram executoriedade.‖ (REsp nº 215.265/GO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 369). 267
A propósito da necessidade da observância dos requisitos legais da nota promissória, vale conferir a precisa lição do Ministro Carlos Maximiliano: ―Por motivos de interesse geral se prescrevem formalidades constitutivas, essenciais para certos atos; a inobservância das mesmas induz nulidade e dá margem a outras penas, seja qual for a vontade das partes. A estes se não atribui o poder de convencionar o contrário do que uma norma imperativa ou proibitiva dispôs como substancial, intrínseco ou de ordem pública. Assim acontece com os preceitos que regulam a circulação de mercadorias e dos títulos de crédito, os requisitos das letras de câmbio e notas promissórias, a organização exterior das sociedades, os termos de outorga de mandato.‖ (Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª ed., 1996, p. 319, nº 386).
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o número 222.222-22, domiciliado em Belo Horizonte, no
endereço Z, no qual o pagamento será realizado na data do
vencimento, sob pena de juros de mora de 1% (um por cento) ao
mês e de correção monetária a partir do vencimento.
Assinada pelo sacador S.
6. Enunciado nº 258 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça
Antes do advento do enunciado nº 258 da Súmula do Superior Tribunal de
Justiça, era muito frequente a emissão de notas promissórias provenientes de
contratos bancários de abertura de crédito.
Com efeito, as notas promissórias eram sacadas pelos devedores de
contratos de abertura de crédito como verdadeiras garantias de dívidas bancárias
cujas obrigações não eram certas, tendo em vista a unilateralidade da prova
consubstanciada nos extratos produzidos pelas próprias instituições bancárias.
Ademais, como as notas promissórias não circulavam, por terem sido
emitidas como instrumento de garantia, havia lugar para a discussão sobre a
origem das dívidas, até mesmo em razão da falta de certeza da obrigação.
À vista dos argumentos expostos, o Superior Tribunal de Justiça aprovou o
correto enunciado nº 258, nos seguintes termos: ―A nota promissória vinculada a
contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do
título que a originou‖268.
268
Assim, ainda na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. EMISSÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO - NOTA PROMISSÓRIA - VINCULADA A CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE EXIGIBILIDADE. TÍTULO CAMBIAL EMITIDO COMO GARANTIA DE DÍVIDA BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE CIRCULAÇÃO. PERDA DA NATUREZA CAMBIÁRIA. I - Ausente a circulação do título de crédito, a nota promissória que não é sacada como promessa de pagamento, mas como garantia de contrato de abertura de crédito, a que foi vinculada, tem sua natureza cambial desnaturada, subtraída a sua autonomia. II - A iliquidez do contrato de abertura de crédito é transmitida à nota promissória vinculada, contaminando-a, pois o objeto contratual é a disposição de certo numerário, dentro de um limite prefixado, sendo que essa indeterminação do quantum devido, comunica-se com a nota promissória por terem nascidos da mesma obrigação jurídica.‖ (EREsp nº 262.623/RS, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 2 de abril de 2001, p. 251). ―PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. EMISSÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO - NOTA PROMISSÓRIA - VINCULADA A CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE EXIGIBILIDADE. TÍTULO CAMBIAL EMITIDO COMO GARANTIA DE DÍVIDA BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE CIRCULAÇÃO. PERDA DA NATUREZA CAMBIÁRIA. I - Não havendo a circulação do título, resta patente que este se destinou à garantia de negócio jurídico subjacente, refugindo da principiologia cambiária. II - Nota promissória que não é sacada como
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7. Aceite: inexistência
Não há lugar para aceite na nota promissória, porquanto o emitente-
sacador já é equiparado ao aceitante por força de lei: art. 78, primeiro parágrafo,
da Lei Uniforme, e art. 56, segundo parágrafo, do Decreto nº 2.044/1908.
Ademais, o art. 77 faz referência aos diversos institutos cambiários
aplicáveis à nota promissória, sem menção alguma ao aceite, com evidente
silêncio eloquente. Daí a conclusão: ao contrário da letra de câmbio, a nota
promissória não enseja aceite269.
8. Aval
Além dos sujeitos originários da nota promissória, também há lugar para a
intervenção de avalista, conforme revela o último parágrafo do art. 77, in verbis:
―São também aplicáveis às notas promissórias as disposições relativas ao aval
(arts. 30 a 32); no caso previsto na última alínea do art. 31, se o aval não indicar a
pessoa por quem é dado, entender-se-á ser pelo subscritor da nota promissória‖.
Sem dúvida, as regras atinentes ao aval na letra de câmbio também
alcançam a nota promissória. Por exemplo, tal como ocorre na letra, também é
admissível aval parcial na nota promissória, em virtude da combinação dos arts.
30 e 77, ambos da Lei Uniforme. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº
39 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―É
admitido o aval parcial para os títulos de crédito regulados em lei especial‖.
promessa de pagamento, mas como garantia de contrato de abertura de crédito, a que foi vinculada, tem sua natureza cambial desnaturada, subtraída a sua autonomia. Precedente da 3ª Turma: REsp 239.352‖ (REsp nº 264.850/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 5 de março de 2001, p. 159). 269
No mesmo sentido, na doutrina: ―O emitente da nota promissória é equiparado, para os efeitos legais, ao aceitante da letra de câmbio, pois no título ocupa a posição de devedor. A nota promissória não tem aceite, pois a simples assinatura do emitente o obriga ao pagamento, como ocorre com o aceitante da letra de câmbio. A nota promissória, por assim dizer, nasce aceita...‖ (Rubens Requião. Curso de Direito Comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 379). ―A nota promissória desconhece aceite, ou seja, a ela não se aplicam os princípios desse instituto peculiares à letra de câmbio‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p. 589). ―Assim, não há que se cogitar de aceite, vencimento antecipado por recusa de aceite, cláusula não-aceitável etc.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2006, p. 270).
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À vista dos arts. 47, primeiro parágrafo, e 77, primeiro parágrafo, da Lei
Uniforme, o avalista da nota promissória é responsável cambial pelo pagamento
do título tal como o avalizado270. Ainda por força das disposições que versam
sobre a letra de câmbio, incide a regra segundo a qual, se o título de crédito já
circulou, não há lugar para discussão da origem da dívida pelo avalista da nota271.
Em contraposição, se a nota promissória ainda está nas mãos dos sujeitos
originários da relação jurídico-cambial, é possível discutir a eventual ilicitude da
origem da dívida, ou seja, da causa debendi272.
Quanto ao aval em branco, na letra é considerado em favor do emitente-
sacador273; mutatis mutandis, o favorecido pelo aval em branco lançado na nota
promissória também é o emitente-sacador274.
Por fim, há um aspecto do aval na promissória que merece destaque. A
despeito da literalidade do art. 31 da Lei Uniforme, não só a simples assinatura
aposta na face da nota implica aval; se não há dúvida de que a simples assinatura
exarada no verso da nota não foi lançada na qualidade de endosso, prevalece o
entendimento jurisprudencial de que também significa aval275. Além da simples
270
De acordo, na jurisprudência: ―- Como instituto típico do direito cambiário, o aval é dotado de autonomia substancial, de sorte que a sua existência, validade e eficácia não estão jungidas à da obrigação avalizada. – Diante disso, o fato de o sacador de nota promissória vir a ter a sua falência decretada, em nada afeta a obrigação do avalista do título, que, inclusive, não pode opor em seu favor qualquer dos efeitos decorrentes da quebra do avalizado.‖ (REsp nº 883.859/SC, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 23 de março de 2009). 271
De acordo, na jurisprudência: ―EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. AVALISTA. DISCUSSÃO SOBRE A ORIGEM DO DÉBITO. INADMISSIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA. — O aval é obrigação autônoma e independente, descabendo assim a discussão sobre a origem da dívida.‖ (REsp nº 190.753/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2003, p. 467). 272
De acordo, na jurisprudência: ―Comercial. Título de crédito. Avalista. Discussão sobre a origem do débito. Ausência de circulação do título. Possibilidade. Precedentes. - Na esteira de precedentes da 3ª Turma do STJ, se o título de crédito não circulou, pode o avalista argüir exceções baseadas na extinção, ilicitude ou inexistência da dívida da qual originou o título, visando evitar o enriquecimento sem causa do credor. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 678.881/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 216). ―Aval. Autonomia. Oponibilidade de exceções. Não pode o avalista opor exceções fundadas em fato que só ao avalizado diga respeito, como o de ter-lhe sido deferida concordata. Entretanto, se o título não circulou, ser-lhe-á dado fazê-lo quanto ao que se refira à própria existência do débito. Se a dívida, pertinente à relação que deu causa à criação do título, desapareceu ou não chegou a existir, poderá o avalizado fundar-se nisso para recusar o pagamento.‖ (REsp nº 162.332/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto de 2000, p. 117). 273
Cf. art. 31, quarto parágrafo, in fine, da Lei Uniforme. 274
Cf. art. 77, in fine, da Lei Uniforme. 275
Cf. RE nº 93.058/PR, STF; REsp nº 90.269/MG, 3ª Turma do STJ, Revista do STJ, volume 104, p. 297; e REsp nº 86.584/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 7 de fevereiro de 2000: ―COMERCIAL. NOTA PROMISSÓRIA. AVAL. A só assinatura no verso da nota promissória caracteriza o aval. Ressalva do ponto de vista pessoal do Relator.‖ Com efeito, o Relator, Ministro Ari Pargendler, fez a seguinte ressalva: ―Salvo melhor juízo, a letra do art. 31 da Lei Uniforme não autoriza a interpretação de que a só assinatura no verso
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assinatura exarada na face da nota, portanto, a lançada no verso também pode
ser considerada aval, desde que não exista dúvida alguma de que o ato cambiário
não tem natureza jurídica de endosso. É o que ocorre, por exemplo, quando o
nome do exequente consta como tomador-beneficiário originário da nota e há a
assinatura pura e simples de terceira pessoa no verso da cártula. Se a assinatura
lançada no verso da nota não é do tomador-beneficiário que ajuizou a execução
cambial, só pode ser aval.
9. Protesto cambial
Em razão da equiparação legal do subscritor da nota ao aceitante da letra
de câmbio276, o protesto é facultativo em relação ao emitente-sacador da
promissória277, devedor principal da nota278, e aos respectivos avalistas279. Por
conseguinte, é admissível a propositura de execução direta, isto é, independente
de prévio protesto cambial280.
Por outro lado, no que tange aos endossantes e aos respectivos avalistas, é
necessário o protesto tempestivo281, para que o credor possa acionar os
da nota promissória caracterize o aval‖. Não obstante, prevaleceu a tese segundo a qual a simples assinatura no verso também pode ser aval, desde que não haja dúvida de que a assinatura lançada não pode ser endosso. 276
Cf. art. 78 da Lei Uniforme. 277
De acordo, na jurisprudência: ―- A Nota Promissória é título executivo extrajudicial, uma vez que contém a obrigação incondicionada de pagamento de quantia determinada, em data certa. - Para a ação de execução contra o emitente não exige a lei seja a nota promissória previamente protestada.‖ (Apelação nº 2.0000.00.515.817-8/000, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 26 de outubro de 2005). ―- Para a ação de execução contra o emitente não exige a lei sejam as notas promissórias previamente protestadas.‖ (Apelação nº 411.535-3, 5ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 3 de fevereiro de 2004). 278
Cf. art. 21, § 4º, da Lei nº 9.492/1997. 279
Assim, na jurisprudência: ―– LEI UNIFORME DE CAMBIAIS – PROTESTO. Não é necessário o prévio protesto para ação executiva do tomador contra o emitente de promissória e seus avalistas – Interpretação do art. 47 e 53 da Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio).‖ (AI 59.071/PE, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 2 de janeiro de 1974). 280
De acordo, na jurisprudência: ―I - Desnecessário é o protesto por falta de pagamento da nota promissória, para o exercício do direito de ação do credor contra o seu subscritor e respectivo avalista.‖ (REsp nº 2.999/SC, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de agosto de 1990, p. 7.343). ―– Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias - Não é necessário o protesto do título para resguardo do direito de ação contra o avalista do emitente da promissória ou do aceitante da letra de câmbio.‖ (RE nº 76.154/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 1973). 281
Vale dizer, no dia primeiro útil após o vencimento, ex vi do art. 28 do Decreto 2.044/1908: ―Verificando-se o vencimento ordinário sem que ocorra o pagamento do título, tratando-se de letras de câmbio e notas promissórias, o protesto por falta de pagamento, havendo devedores de regresso, deve ser tirado no primeiro dia útil seguinte ao vencimento. Atente-se que a LUG (3ª al. do art. 44), determina que o protesto por falta de pagamento da letra de câmbio ou da nota promissória deve ser tirado ‗num dos dois dias úteis seguintes àquele em que a letra é pagável‘. Mas o Brasil adotou a Reserva do art. 9º do Anexo II da Convenção de
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coobrigados da nota promissória, tendo em vista o disposto nos arts. 53 e 77 da
Lei Uniforme.
10. Correção monetária e juros de mora
Vencida a nota promissória, o credor-beneficiário pode cobrar a respectiva
quantia mediante execução forçada, com esteio no art. 585, inciso I, do Código de
Processo Civil.
Além do valor constante da nota, o credor também pode cobrar a correção
monetária do montante principal, contada a partir do vencimento, em virtude do
art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981.
Também incidem os juros moratórios ou legais, contados a partir do
vencimento282. Em abono, merece ser prestigiado o verbete nº 17 aprovado pela
1ª Câmara Civil do antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―Os juros nos
títulos executivos cambiais devem ser contados a partir do vencimento‖. Na esteira
do verbete nº 17, houve a aprovação unânime da conclusão nº 18 no 6º Encontro
Nacional dos Tribunais de Alçada, in verbis: ―Os juros, nos títulos executivos
cambiais, devem ser contados a partir do vencimento‖.
No que tange ao percentual dos juros de mora, merece ser prestigiado o
entendimento consagrado no enunciado nº 95 da Súmula do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro: ―Os juros, de que trata o art. 406, do Código Civil de 2002,
incidem desde sua vigência, e são aqueles estabelecidos pelo art. 161, parágrafo
1º, do Código Tributário Nacional‖283-284.
Genebra, o que remete a questão para nossa legislação interna. Em consequência, e em face daquela Reserva, aplica-se o art. 28 do Decreto 2.044/1908, ainda em vigor, pelo que o protesto por falta de pagamento da letra de câmbio ou da nota promissória haverá de ser tirado no primeiro dia útil seguinte ao vencimento da letra de câmbio ou da nota promissória.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 262). 282
Além dos juros moratórios ou legais, exigíveis por força de lei, também há lugar para os denominados ―juros compensatórios‖ ou ―juros remuneratórios‖, os quais podem ser estipulados pelo emitente-sacador de nota promissória à vista, com fundamento nos arts. 5º e 77, segundo parágrafo, ambos da Lei Uniforme de Genebra. 283
Colhe-se da precisa justificativa de fundamentação da aprovação do enunciado sumular: ―Justificativa: O art. 406 do atual Código Civil estatui que, ‗quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional‘. O Código Tributário Nacional
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Além da correção monetária e dos juros de mora, o credor-beneficiário
também pode cobrar as eventuais despesas do protesto na mesma execução
fundada no título de crédito.
Em síntese, o credor do título pode ajuizar a ação cambial, a fim de
executar o devedor principal e os coobrigados, na busca do pagamento da quantia
estampada na cártula, com juros de mora e correção monetária a partir do
vencimento, bem assim das eventuais despesas cartorárias com o protesto.
11. Ação cambial ou execução cambial
Diante do vencimento285 sem o respectivo pagamento da nota promissória,
o credor pode executar tanto o devedor principal quanto os coobrigados, em
conjunto ou isoladamente, conforme a livre escolha, tudo nos termos dos arts. 43
e 47 da Lei Uniforme, aplicáveis por força do art. 77 do mesmo diploma.
No que tange ao devedor principal286 e ao respectivo avalista, o credor pode
mover ação direta287 de execução aparelhada em título extrajudicial, com
fundamento no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Já em relação aos
coobrigados, a subsistência dos direitos cambiários do credor depende do prévio
protesto no prazo legal, ex vi do art. 53 da Lei Uniforme, aplicável à nota
promissória em razão do art. 77 do Decreto nº 57.663, de 1966.
O prazo prescricional para a execução cambial fundada na nota promissória
varia conforme o executado seja o devedor principal ou algum coobrigado. Em
determina no § 1º do art. 161 que ‗se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês‘.‖ (sem o grifo no original). 284
De acordo, na doutrina: Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 219: ―Então, os juros legais moratórios referidos no Código Civil, art. 406, são os juros fixados no § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional.‖ (sem os grifos no original). Daí a precisa conclusão do eminente Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais: ―Prevalece, então, o disposto no § 1º do art. 161 do CTN – Código Tributário Nacional, para mora no pagamento de impostos, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.‖ (p. 219, sem os grifos no original). No mesmo diapasão, vale conferir a precisa lição do Professor Fábio Ulhoa Coelho: ―d) A taxa de juros por mora no pagamento de letra de câmbio ou nota promissória não é a constante dos arts. 48 e 49, mas a mesma devida em caso de mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC, art. 406), por força da reserva do art. 13 do Anexo II assinalada pelo Brasil.‖ (Manual de direito comercial: direito de empresa. 23ª ed., 2011, p. 276 e 277, sem os grifos no original). 285
Vencimento que pode ser ordinário ou extraordinário. 286
O emitente-sacador da nota promissória. 287
Vale dizer, sem a necessidade de prévio protesto.
106
106
regra, a execução deve ser proposta dentro do prazo de três anos do vencimento
da nota promissória288. Trata-se de prazo prescricional disponível para o credor
exercer a respectiva pretensão patrimonial contra o devedor principal, contra o
respectivo avalista ou contra ambos, se assim preferir289.
Quanto aos coobrigados290, o credor tem o prazo de um ano para ajuizar a
execução fundada no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Trata-se de
prazo prescricional que corre da data do protesto tempestivo ou do vencimento do
eventual título ―sem despesas‖291. A regra, todavia, é o credor acionar os
coobrigados mediante execução precedida de protesto cambial.
Na eventualidade de algum endossante ou avalista de endossante efetuar o
pagamento, pode exercer o direito de regresso contra outros endossantes e
avalistas no prazo prescricional de seis meses, em virtude da sub-rogação. Com
efeito, o coobrigado que efetuar o pagamento dispõe do prazo de apenas seis
meses para acionar coobrigados pretéritos na cadeia de anterioridade, em
execução regressiva292. Por força do art. 567, inciso III, do Código de Processo
Civil, o sub-rogado pode iniciar nova execução ou até mesmo dar seguimento à
288
Assim, na jurisprudência: ―- COMERCIAL. NOTA PROMISSÓRIA. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO CAMBIAL. O prazo é atualmente de três anos, consoante os arts. 70 e 77 da Lei Uniforme relativa às letras de câmbio e notas promissórias, promulgada pelo Decreto nº 57.663, de 24.1.66.‖ (RE nº 91.050/RJ, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 1º de julho de 1983, p. 9.996). Colhe-se do voto condutor do Ministro-Relator: ―Tais dispositivos prevêem a prescrição das ações contra o aceitante da letra de câmbio ou emitente da nota promissória, e, conseqüentemente, contra seus avalistas, no prazo de três anos‖. ―EXECUÇÃO - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - NOTA PROMISSÓRIA - PRAZO PRESCRICIONAL DE TRÊS ANOS - ARTS. 70 E 77 DA LEI UNIFORME DE GENEBRA - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA. A execução embasada em nota promissória prescreve em três anos, em consonância com os arts. 70 e 77 da LUG.‖ (Apelação nº 1.0024.05.829981-9/002, TJMG, Diário da Justiça de 23 de agosto de 2008). ―APELAÇÃO - EMBARGOS DO DEVEDOR - NOTA PROMISSÓRIA - DEMORA NA CITAÇÃO - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA. - De acordo com o art. 18, I, da Lei nº 5.474/68, a ação proposta pelo sacador da duplicata contra o sacado prescreve em 3 anos. Idêntico o prazo prescricional para a execução de nota promissória, nos termos do art. 70, da Lei Uniforme, promulgada em nosso país pelo Decreto nº 57.663/66.‖ (Apelação nº 1.0702.05.246064-0/001, TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2007). ―PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA São aplicáveis às notas promissórias as disposições relativas à letra de câmbio constante do Decreto n. 57.663/66, na parte que não sejam contrárias à natureza do título. Preceitua o referido decreto, em seu art. 70 que ‗todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento‘, sendo este, portanto, o prazo prescricional aplicável à nota promissória.‖ (Apelação nº 10382040389027001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 28 de junho de 2010). 289
Cf. arts. 70, primeiro parágrafo, e 77, ambos da Lei Uniforme, combinado com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. 290
Na nota promissória, o beneficiário-endossante, os demais endossantes e avalistas dos mesmos. 291
Cf. arts. 46, 70 e 77 da Lei Uniforme. 292
Cf. arts. 47, terceiro parágrafo, 70, terceiro parágrafo, e 77, todos da Lei Uniforme.
107
107
execução movida pelo credor originário, quando o coobrigado pagante passa a
ocupar o lugar deixado pelo credor original cujo crédito foi satisfeito.
12. Ação de enriquecimento sem causa ou de locupletamento indevido
Além da ação de execução, há outra via processual a ser acionada na
eventualidade da prescrição executiva. À vista do art. 48 do Decreto nº
2.044/1908, combinado com os arts. 206, § 3º, inciso IV, 884 e 886 do Código Civil
de 2002, ainda há a possibilidade de o credor ajuizar demanda cognitiva
denominada ―ação de locupletamento indevido‖, ―ação de enriquecimento sem
causa‖ ou ―ação in rem verso‖, dentro do prazo prescricional de três anos.
À luz do art. 886 do Código Civil de 2002, o triênio previsto no inciso IV do §
3º do art. 206 do mesmo diploma só começa a correr após o decurso in albis dos
prazos para a execução fundada no art. 70, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e
no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Com efeito, após o transcurso in
albis dos prazos prescricionais das pretensões executivas provenientes da nota
promissória, é admissível a propositura da demanda de locupletamento ou
enriquecimento indevido, no prazo prescricional de três anos. À vista do art. 886
do Código Civil, o prazo prescricional da ação de locupletamento é contado após a
perda da força executiva da nota promissória, porquanto a demanda de
enriquecimento sem causa não é admissível enquanto estiver aberta a via
executiva.
A demanda de locupletamento ou enriquecimento sem causa pode ser
acionada pelo tradicional procedimento comum293, mas também pode ser aviada
pelo procedimento monitório do art. 1.102-A do Código de Processo Civil294. Em
293
Comum-ordinário ou comum-sumário, conforme o valor da causa. 294
De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL – NOTA PROMISSÓRIA – PRESCRIÇÃO – CRÉDITO – COBRANÇA – PROCEDIMENTO MONITÓRIO – POSSIBILIDADE – ART. 1.102
a DO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL – INTERPRETAÇÃO. I – A ação monitória foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a Reforma do Código de Processo Civil, através da Lei nº 9.079/95. Seu objetivo primordial é o de abreviar o caminho para a formação do título executivo, contornando a lentidão inerente ao processo de conhecimento e ao rito ordinário. II – Mostra-se adequado a instruir a ação monitória o título de crédito que tenha perdido a eficácia executiva em face do transcurso do lapso prescricional. Precedentes do STJ.‖ (REsp nº 260.219/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de abril de 2001). ―PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE DESPESAS DE CONDOMÍNIO. ART. 275, II, b, CPC. PROCEDIMENTO MONITÓRIO OU
108
108
virtude da faculdade conferida pelo art. 1.102-A do Código de Processo Civil, o
titular da nota promissória prescrita tem a opção entre os procedimentos comum e
monitório, para o recebimento da quantia objeto do enriquecimento sem causa295,
tão logo decorrido in albis o prazo prescricional disponível para a execução.
Ao contrário do que ocorre no procedimento comum, cujo valor da causa
pode interferir na adoção do rito ordinário ou sumário, o mesmo não ocorre no
procedimento monitório, o qual pode ter ser adotado em causas com valores
inferiores e superiores a sessenta salários mínimos.
Por não ter natureza de ação cambial, a demanda de locupletamento só
pode ter em mira a pessoa que foi beneficiada pelo enriquecimento sem causa,
razão pela qual não pode ser movida contra avalista que não foi beneficiário do
enriquecimento indevido296.
13. Ação de cobrança ou ação causal
Na eventualidade de prescrição da nota promissória, o credor tem a opção
entre acionar o devedor com fundamento no enriquecimento sem causa, quando a
juntada do título vencido e não pago já é suficiente para comprovar a lesão
prevista no art. 884 do Código Civil, independentemente da declinação da origem
da dívida na petição inicial, ou acionar o devedor mediante demanda de cobrança,
com fundamento na relação causal, ou seja, na origem da dívida.
Com efeito, o credor pode mover demanda de cobrança contra o devedor, à
vista da relação jurídica subjacente. Aliás, a demanda de cobrança só pode ser
movida contra a pessoa que participou da relação jurídica subjacente, e não
SUMÁRIO. FACULDADE DO CREDOR. RECURSO DESACOLHIDO. I - O procedimento monitório, também conhecido como injuntivo, introduzido no atual processo civil brasileiro, largamente difundido e utilizado na Europa, com amplo sucesso, tem por objetivo abreviar a formação do título executivo, encurtando a via procedimental do processo de conhecimento. II - A ação monitória tem a natureza de processo cognitivo sumário e a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional, sendo facultada a sua utilização, em nosso sistema, ao credor que possuir prova escrita do débito, sem força de título executivo, nos termos do art. 1.102a, CPC.‖ (REsp nº 208.870/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de junho de 1999, p. 124). 295
Cf. art. 48 do Decreto nº 2.044/1908, e arts. 206, § 3º, inciso IV, 884 a 886, do Código Civil de 2002. 296
―APELAÇÃO CÍVEL. MONITÓRIA. PRESCRIÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. CAUSA DEBENDI. AVALISTA. RESPONSABILIDADE. EXONERAÇÃO. Omissis 3. Prescrita a execução cambial, o avalista de cheque não responde pelo pagamento do valor constante do título.‖ (Apelação nº 1.0024.07.388446-2/001, TJMG, Diário da Justiça de 21 de outubro de 2008).
109
109
contra todos os obrigados e coobrigados cambiais297. Trata-se de processo de
conhecimento, o qual pode seguir o procedimento comum298 ou o procedimento
monitório299, conforme a preferência do credor. Independentemente do
procedimento escolhido, a demanda de cobrança deve ser proposta dentro do
prazo prescricional previsto para a respectiva relação causal300.
Por fim, a demanda de cobrança não se confunde com a demanda de
enriquecimento indevido. A demanda de enriquecimento indevido não depende da
exposição da origem da dívida na petição inicial, porquanto a simples existência
da nota promissória prescrita sem pagamento já é suficiente para demonstrar a
ocorrência do locupletamento ilícito. Em contraposição, a demanda de cobrança
depende da exposição da origem da dívida na petição inicial, porquanto a nota
promissória prescrita e não paga é simples meio de prova da relação subjacente.
Outra diferença reside no prazo prescricional: a prescrição da pretensão de
enriquecimento sem causa é de três anos, por força do art. 206, § 3º, inciso IV, do
Código Civil; já a prescrição da pretensão de cobrança depende da causa
consubstanciada na relação subjacente, conforme o caso concreto, opinião
defendida no presente compêndio – ou, segundo forte corrente jurisprudencial, o
297
De acordo, na doutrina: Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil. Volume II, 10ª ed., 2006, p. 24; e Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 432: ―O devedor cuja obrigação tenha se originado exclusivamente no título de crédito – como e, em geral, o caso do avalista –, após a prescrição da execução cambial, não poderá ser responsabilizado em nenhuma hipótese perante o seu credor, já que não há causa subjacente a fundamentar qualquer pretensão ao recebimento do crédito. Por outro lado, como a ação causal não é cambial, são admitidas quaisquer matérias de defesa por parte do demandado.‖. 298
O procedimento comum pode ser ordinário ou sumário, conforme o valor da causa. 299
Ao contrário do que ocorre no procedimento comum, o qual pode ser ordinário ou sumário conforme o valor da causa, no procedimento monitório o valor da causa tanto pode ser inferior quanto pode ser superior a sessenta salários-mínimos. Em outros termos, o valor da causa não é relevante para a adoção do procedimento monitório, ou não. O que importa para a adoção do procedimento monitório consta do art. 1.102-A do Código de Processo Civil. 300
Em sentido semelhante, na jurisprudência: ―– É pacífica a jurisprudência no sentido de admitir a cobrança de crédito decorrente de nota promissória prescrita pela via da ação monitória. – Todavia, nessas hipóteses, o crédito não se torna automaticamente imprescritível, mas vinculado à relação jurídica-base. – Se, do ponto de vista dessa relação jurídica, também estiver prescrita a pretensão da cobrança, correta a decisão que a reconheceu.‖ (REsp nº 682.559/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de fevereiro de 2006). Contra, entretanto, com a sustentação da tese de que incide o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002: ―– Em razão da incorporação dos direitos e deveres na cártula, verifica-se a pertinência dos cheques e notas promissórias prescritas como prova escrita sem eficácia de título executivo para o fim de ajuizamento de ação monitória. – Tratando-se a ação monitória de tipo especial de cobrança, o prazo para o ajuizamento da demanda é de cinco anos, nos termos do art. 206, § 5º, inciso I, do CC/02.‖ (Apelação nº 1.0481.05.043034-9/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 10 de maio de 2007). ―A ação monitória para cobrança de nota promissória prescrita é tipo especial de cobrança, sendo prazo para o ajuizamento da demanda de cinco anos, contados da entrada em vigor do CC/2002.‖ (Apelação nº 1.0592.09.013099-4/001, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 26 de novembro de 2009).
110
110
prazo é de cinco anos, à vista da interpretação que tem sido conferida ao art. 206,
§ 5º, inciso I, do Código Civil.
14. Nota promissória e Código Penal
Em virtude da Lei nº 12.653, de 2012, houve o acréscimo do artigo 135-A
ao Código Penal brasileiro, com a tipificação da exigência da prévia subscrição de
nota promissória a título de garantia de pagamento como condição para a
prestação de atendimento médico-hospitalar emergencial.
Na verdade, o condicionamento do atendimento médico-hospitalar de
urgência à prévia subscrição de qualquer título de crédito passou a ser crime, nos
seguintes termos: ―Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer
garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como
condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial‖.
111
111
CAPÍTULO IV — CHEQUE
1. Conceito
O cheque é o título de crédito consubstanciado em ordem de pagamento à
vista dada pelo emitente-sacador contra o banco-sacado, para efetuar pagamento
de quantia determinada em favor do credor-beneficiário ou à pessoa endossada,
em virtude de fundos que o emitente-sacador dispõe em conta corrente perante o
banco-sacado.
2. Natureza jurídica e classificação
O cheque tem natureza jurídica de título de crédito, razão pela qual está
sujeito aos princípios e institutos de direito cambiário, ressalvadas as regras
específicas, previstas na legislação de regência, como, por exemplo, o aceite,
instituto incompatível com o cheque, ex vi do art. 6º da Lei nº 7.357/1985.
No que tange à classificação, o cheque é título de crédito de modelo
vinculado, razão pela qual só é considerado cheque o documento impresso e
emitido com a perfeita observância do padrão legal, ao qual o sacado está
vinculado na expedição do talonário e das folhas avulsas.
Por fim, o cheque é título executivo extrajudicial, o que explica a
possibilidade jurídica de o emitente-sacador ser acionado diretamente mediante
processo de execução, ex vi do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil.
3. Ordem de pagamento à vista e cheque pós-datado
Cheque pós-datado é o cheque com data futura301. Na linguagem corrente,
todavia, é denominado ―cheque pré-datado‖302.
301
―CHEQUE PÓS-DATADO. Dir. Camb. Cheque emitido com data futura, em artifício juridicamente inútil, dado que o título é pagável no dia da apresentação, independentemente da data nela lançada.‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p. 149).
112
112
Ainda que pós-datado – ou ―pré-datado‖, à luz da linguagem corrente –, o
cheque sempre preserva a natureza de ordem de pagamento à vista303, em razão
do disposto no art. 32 da Lei nº 7.357/1985, com o reforço do proêmio do art. 11
da Resolução nº 1.682, de 1990: ―Art. 11. O cheque é pagável à vista,
considerando-se não escrita qualquer menção em contrário‖.
Com efeito, a indicação de data futura não transforma o cheque em nota
promissória; subsiste in totum a natureza de ordem de pagamento à vista, com a
mera ampliação do prazo previsto no art. 33 da Lei nº 7.357/1985, para a
apresentação do título ao banco-sacado. Nada impede, portanto, a imediata
apresentação do cheque em data anterior à lançada na cártula, com a
subsistência da obrigatoriedade do pagamento pelo banco-sacado que encontrar
fundos disponíveis na conta corrente do emitente-sacador304. Daí a conclusão: o
cheque pós-datado – ou ―pré-datado‖, à luz da linguagem corrente – não perde a
cambiariedade nem a consequente executividade305.
302
―CHEQUE PRÉ-DATADO. Dir. Camb. Ver cheque pós-datado e pós-data.‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p. 150). ―PRÉ-DATAR. V. Dir. Obr. Lançar em documento feito num determinado dia, data anterior, o que pode constituir ilícito penal, conforme cause dano a terceiros. Opos.: pós-datar (v.) (const. pós-data). OBS. A expressão ‗prédatar‘ ganhou uso consagrado sobretudo para efeito do cheque sem fundos, embora nesse caso o correto seja pós-datar.‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p. 672). ―- A emissão de cheque pós-datado, popularmente conhecido como cheque pré-datado, não o desnatura como título de crédito, e traz como única consequência a ampliação do prazo de apresentação.‖ (REsp nº 612.423/DF, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de junho de 2006). 303
De acordo, na jurisprudência: ―Isso porque o Superior Tribunal de Justiça já consolidou seu entendimento no sentido de que, mesmo pós-datado, o cheque mantém todas as suas características cambiais, não se convertendo em uma nota promissória ou qualquer outra modalidade de promessa de adimplemento. A única consequência da pós-datação do cheque, consoante a jurisprudência desta Corte, é a postergação do prazo do art. 33 da LC, para apresentação da cártula para pagamento. Nesse sentido há diversos precedentes deste Tribunal, do que são exemplo o REsp nº 223.486/MG (DJ de 8/2/2000) e 195.748/PR (DJ de 15/6/99).‖ (trecho extraído do voto-vencedor proferido no julgamento do REsp nº 612.423/DF, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 26 de junho de 2006). A propósito, reforça o voto-condutor do acórdão proferido no REsp nº 195.748/PR: ―2. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que o cheque pré-datado não perde a característica de ordem de pagamento à vista, revestindo-se das prerrogativas dos títulos de crédito, dentre as quais a executoriedade‖. 304
De acordo, na doutrina: ―A pós-datação (alias dictus pré-datação) do cheque, isto é, a emissão com data posterior, é ato jurídico válido, apenas não tem o poder de impedir o pagamento do cheque se há apresentação em data anterior à constante do título. Igualmente não impede a apresentação qualquer outra cláusula ou observação, lançada na face ou no verso da cártula, que determine sua apresentação ou depósito em data futura (bom para..., depositar apenas em..., e qualquer outra equivalente). Em quaisquer dessas hipóteses, as restrições à pronta apresentação deverão ser cambiariamente consideradas como não escritas, preservando-se o vencimento à vista, imediato, da cártula. No plano cambial, o único efeito que produz, já se viu, é ampliar o prazo de apresentação, que passa a ser contado da data constante da cártula, ainda que futura.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 277). 305
Cf. conclusão nº 1 do 5º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada: Minas Gerais, Parte II, Diário da Justiça de 26 de fevereiro de 1982, p. 1.
113
113
Embora a obrigação cambial seja preservada à vista, a apresentação do
cheque pós-datado antes do dia pactuado pode gerar uma nova obrigação, mas
de natureza comum, de direito civil, do credor-beneficiário em relação ao emitente-
sacador, pelo desrespeito ao pacto avençado. Daí a possibilidade jurídica da
condenação do credor-beneficiário por dano moral ao emitente-sacador, como
bem assentou o Superior Tribunal de Justiça ao aprovar o enunciado nº 370:
―Caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado‖. Na
mesma esteira, merece ser prestigiado o preciso enunciado nº 10.3 aprovado
pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná: ―Cheque pré-datado: A
apresentação de cheque pré-datado antes da data ajustada acarreta dano
moral‖306.
Por fim, outra consequência jurídica da apresentação antecipada do cheque
pós-datado é afastar a incidência do art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal, em
razão da inexistência do dolo essencial do tipo307.
4. Legislação de regência do cheque
Em primeiro lugar, incide a Lei nº 7.357/1985.
Em segundo lugar, incidem as resoluções e circulares do Conselho
Monetário Nacional308 e do Banco Central309 editadas com fundamento no art. 69
da Lei nº 7.357/1985.
Para solucionar eventuais conflitos de Direito Internacional Privado
provenientes de leis em matéria de cheques, incide o Decreto Executivo nº
306
Em sentido conforme, na jurisprudência: ―Cheque pré-datado. Apresentação antes do prazo. Indenização por danos morais. Precedentes da Corte. 1. A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo avençado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a consequência da devolução do mesmo por ausência de provisão de fundos. 2. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 557.505/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de junho de 2004, p. 219). ―- A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo estipulado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a devolução do título por ausência de provisão de fundos.‖ (REsp nº 707.272/PB, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 3 de março de 2005, p. 382). 307
De acordo, na jurisprudência: ―1. A emissão de cheques como garantia de dívida (pré-datados), e não como ordem de pagamento à vista, não constitui crime de estelionato, na modalidade prevista no art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Recurso provido.‖ (ROHC nº 13.793/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2003). 308
Cf. art. 4º, incisos VI e VIII, da Lei nº 4.595/1964, Resolução nº 1.682/1990, e Resolução nº 1.631/1989. 309
Cf. arts. 9º e 11, inciso VI, ambos da Lei nº 4.595/1964, Resolução nº 885/1983, Circular nº 2.444/1994, Carta-Circular nº 3.173/2005, por exemplo.
114
114
1.240/1994, por meio do qual o Presidente da República promulgou a Convenção
Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Cheque, antes ratificada
pelo Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo nº 9/1994. Não obstante,
se a controvérsia não estiver sob o império da Convenção Interamericana, incide a
Convenção Internacional sobre conflitos de leis em matéria de cheques,
promulgada mediante o Decreto nº 57.595/1966.
Por fim, omissas a legislação especial e as demais normas de regência do
instituto, incide o Código Civil de 2002. Com efeito, à vista do art. 903, o Código
Civil é aplicável na falta de leis e outras normas específicas. A propósito, merece
ser prestigiado o enunciado nº 463 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do
Conselho da Justiça Federal: ―As disposições relativas aos títulos de crédito do
Código Civil aplicam-se àqueles regulados por leis especiais, no caso de omissão
ou lacuna‖.
5. Sujeitos da relação cambial
São três os sujeitos originários da relação cambial proveniente do cheque:
emitente-sacador, banco-sacado e credor-beneficiário.
Na verdade, a expressão ―banco-sacado‖ deve ser interpretada em sentido
amplo, porquanto o termo ―sacado‖ alcança todas as instituições financeiras contra
as quais a lei admite a emissão de cheque310. O ―sacado‖, portanto, só pode ser
banco ou instituição financeira equiparada, sob pena de o documento não valer
como cheque311.
Embora seja o fornecedor dos talonários e das folhas de cheque, o banco-
sacado não é o devedor principal na relação cambial proveniente do cheque. À
vista do art. 15 da Lei nº 7.357/1985, o devedor principal é o emitente-sacador. Em
contraposição, o banco-sacado não tem obrigação cambial, porquanto o cheque
não é passível de aceite pelo sacado, ex vi do art. 6º da Lei nº 7.357/1985: ―O
cheque não admite aceite considerando-se não escrita qualquer declaração com
310
Cf. art. 67 da Lei nº 7.357/1985. 311
Cf. art. 3º da Lei nº 7.537, de 1985, combinado com os arts. 17 e 18 da Lei nº 4.595/1964.
115
115
esse sentido‖. Por força do art. 29 da Lei nº 7.357/1985, o banco-sacado também
não pode ser avalista do emitente-sacador. Daí a conclusão: o banco-sacado não
responde pela ausência nem pela insuficiência de fundos, porquanto a
responsabilidade pela disponibilidade da quantia expressa no cheque é do
emitente-sacador, devedor principal da relação cambial proveniente do cheque312-
313.
Ainda em relação ao sacador, a superveniente incapacidade e até mesmo o
falecimento do emitente não retiram a validade nem a eficácia do cheque, tendo
em vista o disposto no art. 37 da Lei nº 7.357/1985: ―A morte do emitente ou a sua
incapacidade superveniente à emissão não invalidam os efeitos do cheque‖. Daí a
justificativa para possibilidade jurídica do acionamento do espólio mediante
execução forçada, com fundamento no artigo 568, inciso II, do Código de
Processo Civil, na eventualidade de falecimento do emitente-sacador do cheque.
6. Requisitos ou elementos do cheque
O art. 1º da Lei nº 7.357 arrola os requisitos essenciais do cheque, os quais
devem ser observados para a constituição do aludido título de crédito. Com efeito,
a ausência de algum dos requisitos legais impede a formação do cheque, ex vi do
art. 2º da Lei nº 7.357/1985. Além dos preceitos legais, a Resolução nº 885 do
Banco Central também dispõe sobre os requisitos de constituição do cheque, bem
como fixa o modelo-padrão do título.
O primeiro requisito legal é a denominação ―cheque‖, vocábulo que deve
estar inserto no bojo da cártula e na língua em que o documento é redigido. Sem
dúvida, à vista do art. 1º, inciso I, da Lei nº 7.357/1985, o documento sem o
vocábulo ―cheque‖ expresso no texto não tem valor jurídico de cheque. É mero
documento particular, e não título de crédito.
312
Cf. art. 21, § 4º, proêmio, da Lei nº 9.492/1997. 313
Não obstante, o banco-sacado pode ser responsabilizado na esfera civil, nas hipóteses dos arts. 186 e 927 do Código Civil de 2002. A propósito, na vigência do Código Civil de 1916, o Supremo Tribunal Federal aprovou o enunciado nº 28, à luz do antigo art. 159, equivalente ao atual art. 186. Por oportuno, vale conferir o enunciado nº 28 da Súmula da Corte Suprema: ―O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista‖. Trata-se, todavia, de responsabilidade civil, e não cambial, já que fundada nos arts. 186 e 927 do Código Civil.
116
116
Em segundo lugar, o cheque deve conter ordem incondicional de
pagamento de quantia determinada314. É imprescindível o lançamento da quantia
por extenso, sob pena de devolução do cheque. Com efeito, o art. 6º da
Resolução nº 1.682 é explícito acerca da necessidade do ―registro do valor por
extenso‖, cuja ausência é erro formal e ocasiona a devolução do cheque315. Na
eventualidade de divergência entre a quantia indicada em algarismos e o
montante expresso por extenso, o cheque subsiste, com a prevalência do valor
indicado por extenso, ex vi do art. 12 da Lei nº 7.357/1985.
À vista do art. 42 da Lei n 7.357/1985, é admissível a emissão de cheque
em moeda estrangeira, com a posterior conversão para a moeda nacional, ao
câmbio do dia da liquidação. A propósito, o art. 318 do Código Civil é compatível
com o art. 42 da Lei nº 7.357, porquanto o preceito do diploma de 2002 preserva a
incidência da norma específica.
No que tange aos índices oficiais316, autorizada doutrina317 sustenta a
impossibilidade da utilização de índices econômicos. Diante da natureza do
cheque, qual seja, ordem de pagamento à vista, merece ser prestigiada a lição da
doutrina. Com efeito, por ser o cheque uma ordem de pagamento imediato, nada
justifica a utilização de índices de atualização monetária, os quais só têm serventia
para títulos a prazo, como, por exemplo, a letra de câmbio e a nota promissória.
Resta saber se é o cheque título de recebimento obrigatório. A resposta é
negativa, porquanto não há na legislação brasileira dispositivo algum que torne
obrigatório o recebimento de pagamento mediante cheque. Sob outro prisma, o
art. 315 do Código Civil revela a obrigatoriedade do recebimento apenas da
moeda corrente, ou seja, o Real. Daí a conclusão: o cheque não tem curso
forçado próprio da moeda nacional. Em abono, merece ser prestigiado o proêmio
do enunciado nº 10.4 aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná:
―Pagamento por meio de cheque: Ninguém está obrigado a aceitar o pagamento
por meio de cheque, não configurando dano moral a recusa desta forma de
314
Cf. art. 1º, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 315
Cf. Resolução nº 1.682, motivo 31. 316
Por exemplo, UFIR, ORTN, OTN. 317
Cf. Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 392.
117
117
pagamento, mormente quando não há exposição do devedor a qualquer
constrangimento frente a terceiros‖318.
O terceiro requisito legal reside nos arts. 1º, inciso III, 3º e 67, todos da Lei
nº 7.357/1985: a indicação do nome do banco ou da instituição financeira
equiparada. Por conseguinte, os documentos confeccionados por pessoas físicas
e por pessoas jurídicas sem natureza de instituição financeira não têm valor
jurídico de cheque. Daí a importância do conceito de instituição financeira. Diante
da omissão da Lei nº 7.357/1985, incide o disposto no art. 17 da Lei nº
4.595/1964: ―Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da
legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como
atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos
financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a
custódia de valor de propriedade de terceiros‖.
O quarto requisito legal reside no art. 1º, inciso IV, da Lei nº 7.357/1985:
indicação do lugar do pagamento. Com efeito, o cheque deve conter a indicação
do lugar do pagamento. A ausência de indicação especial, todavia, não interfere
na subsistência do cheque, já que a falta é suprida à luz do inciso I do art. 2º da
Lei nº 7.357/1985: ausente designação específica, o lugar do pagamento é o local
indicado junto ao nome do banco-sacado. Na falta de indicação especial do local
do pagamento do cheque, se designados vários lugares junto ao nome do banco-
sacado, considera-se lugar do pagamento o primeiro deles319. Por fim, na
ausência de indicação especial do lugar do pagamento e omissa a cártula até
mesmo junto ao nome do sacado, o cheque é pagável no local da emissão320.
O quinto requisito legal é a indicação do local da emissão, ou seja, o ―lugar
de emissão‖, na linguagem do art. 1º, inciso V, in fine, da Lei nº 7.357/1985. A
ausência da indicação do lugar da emissão, entretanto, não descaracteriza o
cheque enquanto título de crédito: na falta de designação específica do local da
318
De acordo, na doutrina: ―O cheque não tem o poder liberatório da moeda. Ninguém é obrigado a receber cheque em pagamento, pois só a moeda tem curso forçado.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 389). 319
Cf. art. 2º, inciso I, segunda parte, da Lei nº 7.357/1985. 320
Cf. art. 2º, inciso I, in fine, da Lei nº 7.357/1985.
118
118
emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado ao lado do nome do
emitente-sacador321.
O sexto requisito legal é a data da emissão, ou seja, ―a indicação da data‖,
na linguagem do art. 1º, inciso V, proêmio, da Lei nº 7.357/1985. À luz do preceito
legal, combinado com o art. 6º da Resolução nº 1.682/1990, a ausência da data da
emissão é considerada ―erro formal‖ e é motivo para a devolução do cheque322.
O dia e o ano da data da emissão podem ser grafados em forma numérica.
Já o mês deve ser grafado por extenso, em cumprimento ao disposto tanto no
Decreto nº 22.393/1933, quanto no artigo 6º, nº 31, da Resolução nº 1.682/1990,
do Conselho Monetário Nacional323. É certo que autorizada doutrina afasta a
vigência do Decreto nº 22.393, ao fundamento da revogação por força da Lei nº
7.357/1985324. Não obstante, ao menos a Resolução nº 1.682/1990 vigora e é
aplicável à espécie, por força do artigo 69 da Lei nº 7.357/1985. Daí a conclusão:
o mês da data da emissão deve ser grafado por extenso, sob pena de o
documento não ter valor jurídico de cheque325.
Ainda em relação à data da emissão, é elemento essencial para fixar o
prazo para a apresentação do cheque e, por conseguinte, o prazo da respectiva
prescrição executiva. O cheque deve ser apresentado para pagamento perante o
banco-sacado dentro de trinta dias da data da emissão, quando emitido no mesmo
321
Cf. art. 2º, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 322
Cf. Resolução nº 1.682, de 1990, art. 6º, motivo 31, in verbis: ―31 - Erro formal (sem data de emissão, com o mês grafado numericamente, ausência de assinatura, não registro do valor por extenso);‖ (sem o grifo no original). 323
―31 - Erro formal (sem data de emissão, com o mês grafado numericamente, ausência de assinatura, não registro do valor por extenso);‖ (sem o grifo no original). 324
Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23ª ed., 2011, p. 310, in verbis: ―A designação do mês, na data da emissão do cheque, antes da edição da Lei n. 7.357/85, deveria ser feita obrigatoriamente por extenso, em virtude do Decreto n. 22.393, de 1933. Após a entrada em vigor da atual Lei do Cheque, esta obrigatoriamente foi revogada. Este, contudo, não é o entendimento de Fran Martins, para quem permanece em pleno vigor o mencionado Decreto de 1933 e, portanto, a obrigatoriedade de lançamento do mês por extenso.‖ (sem o grifo no original). 325
De acordo, na jurisprudência: ―APELAÇÃO - EXECUÇÃO - CHEQUE - MÊS NÃO LANÇADO POR EXTENSO - AUSÊNCIA DE REQUISITO DE VALIDADE DO TÍTULO. - Para que o cheque tenha validade de título executivo, a data deverá ser completa, com dia, mês e ano, sendo o mês lançado por extenso. - Apelação não provida.‖ (Apelação nº 463.295-7, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de agosto de 2005). Por oportuno, vale ressaltar que o acórdão foi proferido por unanimidade de votos e que a eminente Desembargadora-Vogal Evangelina Castilho Duarte evocou o Decreto nº 22.393/1933 como razão de decidir, in verbis: ―A data deve indicar o dia, mês e ano, devendo o nome do mês ser escrito por extenso conforme determinação do Decreto n. 22.393, de 25 de janeiro de 1933.‖ (sem o grifo no original).
119
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lugar do pagamento326. Emitido o cheque em lugar diverso do local do
pagamento327, o prazo para apresentação é de sessenta dias da data da
emissão328. Decorrido in albis o prazo de apresentação, o credor-beneficiário
perde o direito de executar os coobrigados, quais sejam, os endossantes e os
respectivos avalistas329, e até mesmo o direito de executar o próprio emitente-
sacador que tinha fundos disponíveis durante o prazo da apresentação, mas
deixou de tê-los em razão de fato alheio à sua vontade330-331. No mais, o cheque é
pagável pelo sacado até mesmo depois do prazo de apresentação332, desde que
não verificada a prescrição333, a qual também é até motivo de devolução do
cheque334-335.
A prescrição executiva ocorre com o decurso do prazo de seis meses do
término do prazo de apresentação, conforme o enquadramento do caso concreto
em uma ou em outra hipótese do art. 33 da Lei nº 7.357/1985. Se o local do
pagamento é o mesmo da emissão, o prazo de seis meses corre do término dos
trinta dias disponíveis para apresentação; se o lugar do pagamento for diverso do
local da emissão, o prazo de seis meses corre somente depois do decurso dos
sessenta dias para a apresentação. Por conseguinte, a data da emissão constante
do título tem enorme relevância jurídica tanto em relação ao período disponível
para a apresentação do cheque quanto para a prescrição da execução fundada no
326
Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 327
Vale dizer, em outro Município, em outro Estado-membro ou em País diverso. 328
Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 329
Cf. art. 47, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 330
Cf. art. 47, § 3º, da Lei nº 7.357/1985. 331
De acordo com o texto do parágrafo, há autorizada doutrina: ―A não apresentação do cheque nos prazos previstos (30 e 60 dias) surte os seguintes efeitos: (1º) o beneficiário ou portador perde o direito de regresso contra endossantes e respectivos avalistas; (2º) o beneficiário ou portador perde também o direito de execução contra o emitente ou sacador, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável (art. 47, § 3º)‖ (Osmar Brina Corrêa-Lima. Cheque. Revogação (contraordem) e oposição. 2009, p. 2). 332
Cf. art. 35, parágrafo único, in fine, da Lei nº 7.357/1985. 333
Cf. arts. 47 e 59, ambos da Lei nº 7.357/1985. 334
Cf. art. 6º, motivo nº 44, da Resolução nº 1.682, de 1990. 335
Em sentido contrário à opinião defendida no presente compêndio, o Professor Rubens Requião sustenta a respeitável tese de que o cheque é pagável pelo banco até mesmo depois da ocorrência da prescrição (Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, nº 667, p. 434). Não obstante, à vista dos arts. 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985, com o reforço do art. 6º, número 44, da Resolução nº 1.682, de 1990, preserva-se a opinião defendida no texto principal: decorrido o prazo prescricional, o banco-sacado já não pode efetuar o pagamento do cheque prescrito.
120
120
art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, e nos arts. 47 e 59 da Lei nº
7.357/1985.
De volta aos requisitos legais, o cheque deve conter a assinatura do
emitente-sacador ou do respectivo mandatário com poder especial na
procuração336. Além da assinatura de próprio punho, também é admissível o
lançamento de assinatura mecânica ou de forma equivalente337. A propósito, o
relativamente incapaz338 também pode subscrever cheque, desde que formalizada
a respectiva assistência perante o banco-sacado. Em qualquer caso, o cheque
deve ser preenchido e subscrito mediante caneta, independe da cor da tinta. Com
efeito, não há norma legal nem infralegal com indicação da cor da tinta a ser
utilizada no preenchimento de cheque339.
Por fim, além da assinatura, o cheque deve conter alguma identificação
numérica do emitente-sacador, como o número da sua Cédula de Identidade, da
inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, do Título Eleitoral ou da Carteira
Profissional, tendo em vista a exigência inserta no art. 3º da Lei nº 6.268/1975.
7. Cheque nominativo e cheque ao portador
Por força do art. 69 da Lei nº 9.069/1995, cheque de valor igual ou inferior a
R$ 100,00 (cem reais) pode ser ao portador. Em contraposição, os cheques de
valor superior a R$ 100,00 devem ser nominais, vale dizer, com a identificação do
credor-beneficiário, ex vi do art. 69 da Lei nº 9.069/1995:
―Art. 69. A partir de 1º de julho de 1994, fica vedada a emissão,
pagamento e compensação de cheque de valor superior a R$
100,00 (cem REAIS), sem identificação do beneficiário‖.
Em reforço, dispõe o art. 1º da Circular nº 2.444/1994 do Banco Central:
336
Cf. art. 1º, inciso VI, da Lei nº 7.357/1985. 337
Cf. art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985. 338
Vale dizer, o menor com mais de 16 anos e menos de 18 anos. 339
Não obstante, as cartilhas bancárias sugerem o preenchimento dos cheques mediante caneta de cor preta ou azul.
121
121
―Art. 1º. Os cheques de valor superior a R$100,00 (cem reais),
emitidos sem a identificação do beneficiário, acaso encaminhados
ao Serviço de Compensação de Cheques e Outros Papéis,
deverão ser devolvidos, a qualquer tempo, pelo motivo ‗48 -
cheque emitido sem a identificação do beneficiário - acima do
valor estabelecido‘‖.
No mais das vezes, portanto, os cheques são nominativos, já que apenas
os títulos cujas quantias sejam iguais ou inferiores a R$ 100,00 (cem reais)
dispensam a identificação do credor-beneficiário.
Não obstante, a omissão em relação ao nome do beneficiário pode ser
sanada pelo próprio credor, o qual pode preencher o espaço destinado à indicação
do nome do credor, consoante autoriza o enunciado nº 387 da Súmula do
Supremo Tribunal Federal.
Por fim, ainda que devolvido o cheque por falta de identificação do
beneficiário, é admissível a reapresentação do título ao banco-sacado, desde que
indicado o nome do credor, ex vi do parágrafo único do art. 1º da Circular nº
2.444/1994: ―Será permitida a reapresentação dos cheques de que trata o caput
deste artigo, desde que cumprida a exigência legal de identificação do
beneficiário‖.
8. Cheque e pagamento de salário
É juridicamente possível o pagamento de salário mediante cheque, desde
que seja concedido ao empregado o tempo necessário para a liquidação ou o
depósito bancário no mesmo dia. A propósito, merece ser prestigiado o
precedente normativo nº 117 do Tribunal Superior do Trabalho: ―Se o pagamento
do salário for feito em cheque, a empresa dará ao trabalhador o tempo necessário
para descontá-lo, no mesmo dia‖.
9. Cheque sem provisão de fundos e desconto no salário do empregado
122
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No que tange ao abatimento no salário do empregado que recebe cheque
sem provisão de fundos no estabelecimento empresarial, o desconto é
juridicamente possível, mas só se o empregado deixou de observar as orientações
do empregador relativas ao recebimento de cheque de clientes. O Tribunal
Superior do Trabalho julgou a vexata quaestio em duas oportunidades, quando
firmou o seguinte entendimento: o empregado não pode sofrer redução no salário
em razão de recebimento de cheque sem provisão de fundos, salvo se recebeu o
título sem as cautelas estabelecidas pelo empregador. Assim dispõe a orientação
jurisprudencial nº 251: ―É lícito o desconto salarial referente à devolução de
cheques sem fundos, quando o frentista não observar as recomendações
previstas em instrumento coletivo‖. Reforça o precedente normativo nº 14: ―Proíbe-
se o desconto no salário do empregado dos valores de cheques não
compensados ou sem fundos, salvo se não cumprir as resoluções da empresa‖.
10. Cheque e aceite
À luz do art. 6º da Lei nº 7.357/1985, o cheque não comporta aceite. Por
conseguinte, é ineficaz qualquer cláusula lançada no título com o teor de aceite ou
com referência a aceite.
11. Cheque e endosso
11.1. Generalidades
Em regra, o cheque é transmissível mediante endosso. Na verdade, o
cheque é endossável quando há a cláusula ―à ordem‖ expressa na cártula e
também quando o título é omisso, sem nada dispor sobre o endosso. Com efeito,
presume-se que o cheque é título ―à ordem‖, independentemente da existência da
respectiva cláusula no bojo da cártula. A regra da possibilidade de lançamento de
123
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endosso em cheque reside nos arts. 8º, inciso I, e 17, caput, ambos da Lei nº
7.357/1985. Daí a possibilidade jurídica de endossos nos cheques em geral340.
Em contraposição, há vedação de endosso quando o cheque contém a
cláusula ―não à ordem‖, prevista no art. 17, § 1º, da Lei nº 7.357/1985. Diante da
existência da cláusula ―não à ordem‖ ou outra equivalente lançada no cheque341, a
transmissão do título só pode ocorrer mediante cessão civil de crédito342, também
denominada ―cessão ordinária de crédito‖, a qual não se confunde com o endosso.
Enquanto o endosso é instituto de direito cambiário, a cessão de crédito é instituto
do direito civil propriamente dito. Sob outro prisma, o endosso é ato unilateral de
vontade, enquanto a cessão civil é contrato bilateral343. À vista do art. 21 da Lei nº
7.357/1985, o endosso torna o endossante coobrigado pelo pagamento do
cheque, o que não ocorre na cessão civil de crédito, ex vi do art. 296 do Código
Civil. À luz do art. 290 do Código de 2002, o devedor precisa ser comunicado da
transferência do crédito objeto da cessão civil mediante notificação, a qual é
dispensável para que o endosso tenha eficácia. Por fim, na cessão civil de crédito,
o devedor acionado pelo cessionário pode suscitar as defesas existentes contra o
cedente, com fundamento no art. 294 do Código Civil. Já o endossatário é
protegido pelo princípio da inoponibilidade das exceções pessoais, em virtude da
combinação do art. 25 da Lei nº 7.357/1985, com o art. 916 do Código Civil.
No que tange ao endosso parcial e ao endosso pelo próprio banco-sacado,
ambos são vedados por força do § 1º do art. 18 da Lei nº 7.357/1985. Sem dúvida, 340
Vale lembrar, por oportuno, que na vigência do art. 17, inciso I, da Lei nº 9.311, de 1996, e do item 7 do Anexo V da Carta-Circular nº 3.173, de 2005, do Banco Central, somente era permitido um endosso nos cheques pagáveis no Brasil. Cheque com mais de um endosso era devolvido por irregularidade consubstanciada no motivo nº 36: ―cheque emitido com mais de um endosso – Lei nº 9.311/96‖ (Carta-Circular nº 3.173, Anexo V, item 7, de 2005). Não obstante, tanto a Lei nº 9.311 quanto a Carta-Circular nº 3.173 foram revogadas, por força da insubsistência da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF. A propósito, vale conferir o seguinte trecho do voto que fundamenta recente acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―Ressalte-se que a então vigente Lei 9311/96, em seu art. 17, visando evitar a evasão de divisas em decorrência da CPMF dispunha que ‗somente é permitido um único endosso nos cheques pagáveis no país‘, o que uma vez mais impossibilitava o saque na forma pretendida.‖ (Apelação nº 1.0209.03.030389-2/001, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 17 de março de 2009). 341
Por exemplo, ―proibido o endosso‖, ―não endossável‖. 342
De acordo, na doutrina: ―É preciso ficar atento para o fato de que a cláusula não à ordem não impede a transferência do crédito; apenas impede que se faça pela forma simplificada, isto é, por mero endosso, exigindo das partes interessadas na transmissão (na sucessão subjetiva) que recorram ao procedimento da cessão de crédito.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 255). 343
De acordo, na doutrina: ―São os dois institutos, de fato, inconfundíveis, pois o endosso é o ato unilateral de declaração de vontade que impõe forma escrita, ao passo que a cessão é um contrato bilateral, que pode concluir-se de qualquer forma.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 331).
124
124
o endosso parcial e o endosso pelo banco-sacado são nulos ex vi legis: ―§ 1º São
nulos o endosso parcial e o do sacado‖.
No que tange à forma de lançamento, o endosso pode ser lançado na face
do cheque, no verso do título ou na folha de alongamento, sempre acompanhado
da assinatura do endossante ou do respectivo procurador com poder especial,
tudo nos termos do art. 19, caput, da Lei nº 7.357/1985. Na verdade, só o endosso
em preto pode ser lançado na face, no verso ou no alongamento, com a respectiva
identificação do endossatário. Já o endosso em branco, isto é, sem a designação
do endossatário, só pode ser lançado no verso do cheque ou na folha de
alongamento, tendo em vista o disposto no art. 19, § 1º, da Lei nº 7.357/1985.
Por fim, o art. 20 da Lei nº 7.357 revela que o endosso transmite todos os
direitos resultantes do cheque344, embora o endossante continue obrigado a
garantir o pagamento, por ser responsável pela solvência do devedor principal, ou
seja, do emitente-sacador do cheque. Não obstante, o art. 21 da Lei nº 7.357
estabelece que o endossante não responde pelo pagamento do cheque quando
há estipulação expressa em sentido contrário: por exemplo, quando o endossante
lança no título a cláusula ―sem garantia‖345.
11.2. Cheque, endosso e terceiro de boa-fé
À vista dos princípios da autonomia, da abstração e da inoponibilidade das
exceções, as obrigações jurídico-cambiais subsistem a despeito da existência de
alguma nulidade na relação jurídica primitiva, razão pela qual o terceiro de boa-fé
que não participou da relação obrigacional anterior está protegido das eventuais
nulidades que contaminaram a relação jurídica pretérita. Por conseguinte, só há
lugar para a discussão da causa do título e para a oposição de exceções entre as
344
Vale dizer, a posse e também a propriedade do título. 345
De acordo, na doutrina: ―O endossante, é claro, torna-se co-devedor do título e está sujeito à execução, caso o cheque seja devolvido pelo banco sacado por insuficiência de fundos. O endosso do cheque admite a cláusula ‗sem garantia‘, pela qual o endossante não assume, em relação ao título, nenhuma responsabilidade cambial.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 438).
125
125
partes originárias, sem atingir o terceiro de boa-fé titular superveniente do crédito
representado na cártula.
Resta saber quando surgem a autonomia, a abstração e a inoponibilidade
das exceções: no momento da circulação do título de crédito, a fim de proteger o
terceiro de boa-fé de eventual nulidade existente na relação jurídica originária.
Em respeito aos princípios norteadores do direito cambiário, é lícito concluir
que o emitente do cheque não dispõe de exceções pessoais cabíveis em relação
ao credor originário quando é acionado por terceiro endossatário de boa-fé. Em
abono, merece ser prestigiado o preciso enunciado nº 6 aprovado pelos
Desembargadores da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná:
―Colocado o cheque em circulação, não é possível opor exceções pessoais do
devedor originário ao terceiro de boa-fé‖. Na mesma esteira, também vale conferir
o correto enunciado nº 10.2 aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do
Paraná, in verbis: ―Cheque – endosso – cobrança de terceiro de boa-fé: O
emitente do título não pode opor exceções pessoais ao portador de boa-fé não
integrante do negócio subjacente‖.
É certo que o emitente ainda poderá suscitar vícios formais, como a falta da
data da emissão e falsidade da assinatura do sacador, além da prescrição, mas
não poderá ressuscitar vícios substanciais provenientes do negócio originário em
relação ao terceiro de boa-fé.
12. Cheque e aval
O aval é a declaração unilateral de vontade de uma pessoa que garante,
em prol do devedor originário ou de coobrigado, o pagamento de algum título de
crédito. Há lugar para aval no cheque, desde que o avalista não seja o banco-
sacado. Sem dúvida, à vista do art. 29 da Lei nº 7.357/1985, o banco-sacado não
pode ser avalista do emitente-sacador.
O aval pode garantir tanto o pagamento integral quanto o pagamento
parcial do cheque. Com efeito, o art. 29 da Lei nº 7.357 autoriza o lançamento do
126
126
denominado ―aval parcial‖. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 39
aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―É
admitido o aval parcial para os títulos de crédito regulados em lei especial‖.
Ressalvado o aval parcial, o qual torna o avalista responsável apenas em
relação à parte objeto do aval, o avalista é responsável pelo pagamento do
cheque tal como o avalizado, tendo em vista a regra consagrada no caput do art.
31 da Lei nº 7.357/1985: ―O avalista se obriga da mesma maneira que o avalizado.
Subsiste sua obrigação, ainda que nula a por ele garantida, salvo se a nulidade
resultar de vício de forma‖.
No que tange às modalidades, o aval pode ser em preto ou em branco,
conforme haja a identificação do avalizado, ou não. Se lançado em branco, ou
seja, sem a identificação do avalizado, o aval é tido como dado ao emitente-
sacador do cheque, ex vi do art. 30, parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985.
Por fim, o aval pode ser lançado na face do cheque, no verso do título e na
folha de alongamento, desde que o avalizado seja identificado, nos termos do art.
30, caput e parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985. Já a simples assinatura sem
designação do avalizado só tem valor jurídico de aval se lançada na face do
cheque. Sem dúvida, à vista do art. 30, caput, in fine, simples assinatura lançada
no verso do cheque não é considerada aval, mas, sim, endosso346.
13. Cheque visado
O cheque visado consiste no lançamento de ―visto‖ pelo banco-sacado no
verso de título nominativo que ainda não foi endossado, após a verificação da
existência de fundos disponíveis para o pagamento da quantia expressa na
cártula, com a imediata reserva da respectiva importância durante o prazo legal de
apresentação347.
346
Assim, na jurisprudência: ―Cheque - Aval - Endosso - Lei 7357/85. Nos termos da vigente lei, considera-se aval a assinatura lançada no anverso do cheque. Como tal valerá também a aposta no verso, desde que acompanhada da expressão ‗'por aval‘' ou equivalente (art. 30). A firma constante do verso do cheque, sem outras explicações, corresponde a endosso (art. 19 § 1º).‖ (REsp nº 5.544/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 8 de abril de 1991). 347
Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985.
127
127
Por força do art. 7º da Lei nº 7.357/1985, a aposição do ―visto‖ pelo banco-
sacado pode ser solicitada tanto pelo emitente-sacador quanto pelo credor-
beneficiário designado no título. Aliás, o ―visto‖ só pode ser lançado em cheque
nominal.
Após a solicitação do ―visto‖ pelo emitente-sacador ou pelo credor-
beneficiário, o gerente do banco-sacado realiza a conferência da existência de
fundos e faz a reserva da quantia indicada no título, com o respectivo débito na
conta do emitente-sacador. A quantia fica reservada no banco-sacado durante o
prazo disponível para a apresentação do cheque: trinta ou sessenta dias,
conforme as hipóteses do art. 33 da Lei nº 7.357/1985. Daí a conclusão: o ―visto‖
lançado pelo banco-sacado assegura ao credor-beneficiário do cheque tanto a
existência de fundos quanto a reserva da importância. Decorrido o prazo do art. 33
da Lei nº 7.357, entretanto, a quantia reservada retorna para o emitente-sacador,
com o crédito da importância na respectiva conta bancária, por força do art. 7º, §
2º, proêmio, do mesmo diploma legal. Com efeito, a reserva subsiste até o término
do prazo de apresentação do cheque, qual seja, o previsto no art. 33 da Lei nº
7.357/1985.
Ao contrário do que pode parecer, o ―visto‖ não equivale a ―aceite‖, o qual,
aliás, é vedado por força do art. 6º da Lei nº 7.357/1985. Ainda que lançado o
―visto‖, as relações e as obrigações cambiais originárias subsistem intactas348,
com a responsabilidade principal do emitente-sacador e as responsabilidades
solidárias do endossante e dos avalistas, tudo nos termos dos arts. 15, 21 e 29 da
Lei nº 7.357/1985, respectivamente. Sem dúvida, o ―visto‖ não significa que o
banco-sacado aceitou pagar a quantia em seu próprio nome, independentemente
da existência de fundos disponíveis na conta do emitente-sacador. Na verdade, o
―visto‖ significa que o banco-sacado verificou a existência de fundos na conta do
emitente-sacador, bem como reservou a quantia necessária para o pagamento da
importância expressa no título. Em virtude da prestação dos serviços de
certificação e de reserva, pode o banco-sacado cobrar a tarifa correspondente. 348
De acordo, na doutrina: ―O visto do cheque não exonera o emitente, endossantes e demais devedores, e não importa nenhuma obrigação cambial do banco sacado.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 440).
128
128
Por fim, responde o banco-sacado pela inexistência de fundos na data do
lançamento do ―visto‖, bem como pela superveniente ausência da respectiva
quantia durante o prazo legal de apresentação, por falta de reserva. Resta saber
se a responsabilidade do banco-sacado é cambial ou civil, porquanto a natureza
da responsabilidade interfere na adequação da via processual admissível contra o
banco-sacado: imediata execução349 ou prévia demanda cognitiva350? Trata-se de
vexata quaestio, porquanto há autorizada doutrina em prol de ambas as teses.
Ainda que muito respeitável a tese favorável à execução imediata do banco-
sacado, o art. 47 da Lei nº 7.357 só autoriza a execução fundada em cheque
contra o emitente, o endossante e os respectivos avalistas; não há referência
alguma ao banco-sacado, o qual também não pode ser considerado avalista (art.
29, in fine). Por conseguinte, a obrigação proveniente do § 1º do art. 7º não se
confunde com a obrigação cambiária autorizadora da execução imediata (art. 47).
Daí a justificativa para a defesa da segunda tese, qual seja, em favor da
necessidade de prévia demanda cognitiva351.
14. Cheque marcado
349
Segundo o Professor Gladston Mamede, a responsabilidade é de natureza cambial e enseja imediata execução até mesmo contra o banco-sacado: ―De qualquer sorte, como estabelecido no art. 7º, § 1º, a aposição do visto ou certificação no cheque, visando-o, obriga o banco sacado, que passa a ter que garantir (um dever, portanto), durante o prazo de apresentação (e não além desse), o pagamento do cheque, seja apresentado ao caixa, seja apresentado à câmara de compensação. Essa responsabilidade específica pelo pagamento não exonera a obrigação própria do sacador e dos demais coobrigados eventualmente existentes, a exemplo do avalista. Haverá, entre todos, uma obrigação solidária para com o pagamento, podendo o credor escolher qual ou quais executará. Aliás, diante do visto e/ou certificação, a responsabilidade do banco pelo pagamento do valor sacado só não é prejudicial à responsabilidade do próprio sacador e, havendo, de seu avalista.‖ (Títulos de crédito. 2003, p. 258). 350
Segundo o Professor Fábio Ulhoa Coelho, a responsabilidade é de natureza comum e não enseja execução imediata, porquanto depende da propositura de ação de conhecimento: ―Claro está que, se o banco não proceder à obrigação legal de reservar, da conta do correntista, numerário suficiente para a liquidação do cheque visado, responderá pelo pagamento do cheque ao credor, se os fundos não existiam ou deixaram de existir. Isto não significa, contudo, que o sacado do cheque tenha alguma obrigação cambial, posto que se trata, no caso, de responsabilidade decorrente da inobservância de determinação legal e não do título de crédito. Tanto é assim que o sacado não poderá ser protestado, nem executado, nesta hipótese, cabendo ao credor apenas ação declaratória. Uma vez condenado a pagar o cheque irregularmente visado, o banco terá direito de regresso contra o seu emitente.‖ (Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 275 e 276). ―A instituição financeira somente poderá ser responsabilizada, se deixou de proceder à reserva que a lei determina, mas isso não em decorrência do direito cambiário, mas sim pelas normas gerais de responsabilidade civil, por ato culposo.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 440). 351
Cf. nota anterior.
129
129
Antes do advento da Lei nº 7.357/1985, existia o denominado ―cheque
marcado‖, cuja característica principal era a possibilidade de o banco-sacado
marcar data futura para a liquidação do cheque, mediante o lançamento das
expressões ―bom para‖, ―para o dia‖ ou outra equivalente, com a consequente
conversão do cheque em ordem de pagamento a prazo.
Com a superveniência da Lei nº 7.357/1985, entretanto, o cheque marcado
foi abolido do direito pátrio, em razão da incompatibilidade com o disposto no art.
32 do atual diploma de regência do cheque.
15. Cheque cruzado
O cheque cruzado está regulado nos arts. 44 e 45 da Lei nº 7.357/1985,
segundo os quais o cruzamento consiste na simples aposição de dois traços
paralelos (oblíquos352, consoante o costume353), lançados na face do título, quer
pelo emitente-sacador, quer pelo credor-beneficiário, a fim de que o pagamento
seja feito mediante crédito em conta bancária354, e não de forma direta, em
dinheiro, com maior proteção tanto para o emitente-sacador quanto para o credor-
beneficiário, em razão da possibilidade da fácil identificação da pessoa
beneficiada pelo pagamento355. Tanto pela segurança quanto pela simplicidade da
aposição do cruzamento, o cheque cruzado é muito comum na prática.
352
Assim, na jurisprudência: ―Estão oblíquamente traçadas, no contêxto do cheque, duas retas paralelas‖ (trecho extraído do voto proferido pelo Ministro Hahnemann Guimarães no Habeas Corpus nº 37.463/DF, perante o Pleno do STF, com a posterior publicação na RTJ, volume 13, p. 256). 353
No mesmo sentido, na doutrina: ―O cruzamento consiste na aposição de dois traços paralelos na face (no anverso) do título. Habitualmente, esses traços são grafados em diagonal, com inclinação para a direita; é um costume, não uma exigência.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 259). 354
De acordo, na jurisprudência: ―O pagamento de cheque cruzado tem de ser feito a um banco.‖ (HC nº 37.463/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 17 de abril de 1961, p. 35). Colhe-se do voto proferido pelo Ministro Hahnemann Guimarães: ―Seja como for, não podia o tomador dêsse cheque exigir o pagamento, já que o pagamento tinha de ser feito a um banco, por ser esta uma formalidade necessária, característica, do cheque cruzado‖. 355
Assim, na jurisprudência: ―O cruzamento se destina a evitar que o cheque possa cair em mãos de pessoas desonestas, evitando-se, assim, que o cheque possa ser pago a um ladrão.‖ (trecho extraído do voto proferido pelo Ministro Hahnemann Guimarães no HC nº 37.463/DF, perante o Pleno do STF, com a posterior publicação na RTJ, volume 13, p. 256). De acordo, na doutrina: ―O cruzamento destina-se a tornar segura a liquidação de cheques ao portador, uma vez que, cruzado o título, será possível identificar-se a pessoa em favor de quem o cheque foi liquidado. É faculdade exclusiva do portador (beneficiário) e do sacador (emitente), mediante aposição de dois traços paralelos no anverso do título.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 446).
130
130
O cruzamento pode ser geral356 ou especial357, bem como pode ser feito
pelo emitente-sacador e pelo credor-beneficiário, tudo nos termos do art. 44,
caput, proêmio, da Lei nº 7.357/1985.
O cruzamento geral ocorre com o lançamento dos dois traços sem
indicação alguma entre os mesmos ou, quando muito, apenas o termo genérico
―banco‖, sem a designação da instituição bancária. Por conseguinte, o cheque
com cruzamento geral pode ser pago mediante crédito em conta corrente de
qualquer banco.
Já o cruzamento especial se dá quando há a indicação do banco, razão
pela qual o cheque só pode ser pago mediante crédito em conta na instituição
bancária designada entre os dois traços lançados na face do título (art. 45, caput,
segunda parte)358. Não obstante, o banco indicado pode incumbir outra instituição
bancária da liquidação do cheque, por meio de endosso-mandato, na
eventualidade de o credor-beneficiário não ter conta corrente no banco designado
no cruzamento especial (arts. 26, caput, e 45, caput, in fine e § 2º).
Por fim, a inutilização do cruzamento — tanto do geral quanto do especial
— não tem eficácia jurídica alguma (art. 44, § 3º); mas o cruzamento geral pode
ser convertido em especial, pela simples designação do nome do banco entre os
dois traços paralelos (art. 44, § 2º). A indicação do nome do banco pode ser feita
tanto pelo emitente-sacador quanto pelo credor-beneficiário (art. 44, caput,
proêmio, e § 2º).
16. Cheque para ser creditado em conta
O art. 46 da Lei nº 7.357 versa sobre o cheque para ser creditado em conta
bancária, diante da inscrição transversal no anverso do título da cláusula ―para ser
creditado em conta‖, a qual pode ser lançada pelo emitente-sacador e pelo credor-
356
Isto é, em branco. 357
Vale dizer, em preto ou nominal. 358
De acordo, na doutrina: ―Já, se for especial o cruzamento, o cheque somente poderá ser pago ao banco mencionado no interior dos traços; e, assim, o tomador deverá procurar exatamente a instituição financeira designada no cruzamento e contratar dela os serviços de recebimento do respectivo valor.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 441).
131
131
beneficiário do cheque, com o consequente impedimento ao pagamento em
dinheiro, mas somente por algum meio de lançamento contábil: crédito em conta,
transferência ou compensação. Eis um exemplo: para ser creditado na conta
bancária 111.111 da agência 2222 do banco X. Trata-se, todavia, de espécie
pouco utilizada na prática bancária.
17. Cheque administrativo
O cheque administrativo está previsto no inciso III do art. 9º da Lei nº
7.357/1985. É o cheque emitido contra o próprio banco-sacador. Daí a justificativa
para as denominações ―cheque bancário‖, ―cheque de tesouraria‖, ―cheque de
direção‖ e ―cheque de caixa‖, porquanto o título de crédito é emitido pelo banco
contra si mesmo, ou seja, contra o próprio caixa. Por conseguinte, o sacado e o
sacador do cheque administrativo são a mesma pessoa jurídica: o banco.
Como o emitente-sacador é o próprio banco-sacado, o cheque
administrativo ocasiona maior proteção para o credor-beneficiário, tendo em vista
a alta probabilidade de o banco-emitente efetuar o pagamento do respectivo
crédito359. Ainda em prol da segurança do instituto, o cheque administrativo só
pode ser nominal, razão pela qual é imprescindível a identificação do credor-
beneficiário no bojo do título, por força do art. 9º, inciso III, in fine, da Lei nº
7.357/1985.
Trata-se, à evidência, de serviço prestado pelas instituições bancárias. Em
razão da prestação do serviço consubstanciado na emissão do cheque
administrativo, é legítima a cobrança de tarifa bancária. Daí a explicação para
359
De acordo, na doutrina: ―Como facilmente se verifica, a emissão do cheque pelo banco, ordenando-se a pagar ao beneficiário nomeado determinada importância, é modalidade negocial que tem nítido objetivo de servir de instrumento de segurança para as transações, pressupondo o mercado que, como o cheque é emitido pelo próprio banco, sacando contra seu próprio caixa, são menores as chances de inadimplência.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 256). ―Serve essa modalidade de cheque ao aumento da segurança no ato de recebimento de valores. O vendedor de imóvel, ao outorgar a escritura ao comprador, em negócio à vista, normalmente exige o pagamento em cheque administrativo de banco de primeira linha, porque a probabilidade de esse título não ter fundos é remotíssima.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 441).
132
132
outra denominação também conferida ao cheque administrativo: ―cheque
comprado‖360.
Por fim, o cheque administrativo pode ser adquirido por cliente do banco e
também por terceiro, para a posterior realização do pagamento em prol de outrem
ou até do próprio adquirente, o qual, por sua vez, pode endossar o título a outrem
ou efetuar a respectiva liquidação em seu próprio favor.
18. Cheque de viagem
O cheque de viagem, também denominado ―cheque de viajante‖, ―cheque
de turismo‖ e ―traveller’s check‖, é o título de crédito consubstanciado em ordem
de pagamento à vista proveniente do próprio banco-sacado ou instituição
financeira equiparada e que tem como beneficiário original o respectivo
adquirente, o qual também deve subscrever a cártula no ato da aquisição,
acompanhado de gerente ou de outro preposto do banco-emitente, bem como no
momento da utilização do cheque, quando lança a segunda assinatura na cártula.
O viajante, portanto, não precisa transportar dinheiro nem correr os riscos daí
provenientes: extravio, furto, roubo.
No que tange à natureza jurídica do cheque de viagem, trata-se de
verdadeira espécie de cheque administrativo, porquanto o beneficiário adquire
cheque a ser pago por banco ou instituição financeira equiparada361.
Não obstante, o cheque de viagem tem características específicas que o
diferenciam do cheque administrativo propriamente dito. A primeira peculiaridade
do cheque de viagem reside no lançamento de duas assinaturas do adquirente-
beneficiário. Com efeito, no ato da aquisição do cheque de viagem, o adquirente-
360
De acordo, na doutrina: ―A expressão cheque comprado revela o outro lado desse negócio, deixando claro que a instituição bancária faz tal emissão como um tipo de serviço que presta ao mercado e à sociedade, mas pelo qual cobra tarifa específica. O cheque pode ser emitido a favor de – e, portanto, pode ser comprado por – pessoa que seja ou não cliente do banco.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 256). 361
―CHEQUE DE VIAJANTE. (Ing. traveller’s check) Dir. Camb. Modalidade de cheque administrativo, empregado para ter curso entre praças de países diversos, para facilitação das pessoas em viagem.‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p, 148). ―Uma das espécies mais conhecidas de cheque administrativo, que possui algumas peculiaridades, é o cheque de viajante (traveller’s check).‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 276).
133
133
beneficiário deve lançar a respectiva assinatura na parte superior da cártula. Ao
utilizar o crédito proveniente do título, o credor deve lançar a segunda assinatura,
agora na parte inferior da cártula362.
Outra peculiaridade do cheque de viagem reside no valor, o qual é pré-
fixado e impresso na face da cártula. Cabe ao beneficiário escolher o valor e a
moeda de sua preferência no momento da aquisição do cheque de viagem.
Ao contrário dos cheques em geral, o cheque de viagem não está sujeito
aos prazos previstos nos artigos 33 e 57 da Lei nº 7.357, de 1985. A validade e a
eficácia do cheque de viagem são por tempo indeterminado, salvo disposição em
contrário estampada na própria cártula.
Por fim, o art. 66 da Lei nº 7.357 estabelece que o cheque de viagem segue
o disposto na legislação especial de regência, como a Instrução nº 237, de 1963.
19. Cheque especial
A expressão ―cheque especial‖ estampada no bojo de cheque não gera
nenhuma garantia adicional. O cheque continua a ser comum, sem nenhuma
qualidade especial.
Ressalvada a origem dos fundos disponíveis na conta corrente,
provenientes de empréstimo bancário mediante contrato de abertura de crédito,
quanto aos demais aspectos, não há diferença entre o denominado ―cheque
especial‖ e o cheque comum.
Sem dúvida, o denominado ―cheque especial‖ é título de crédito comum e
pode ser objeto de execução pelo credor-beneficiário em face do emitente, na
eventualidade da falta de provisão de fundos na respectiva conta corrente, sem
nenhuma obrigação cambiária por parte do banco-sacado.
362
Assim, na doutrina: ―Na presença do banqueiro, ou de funcionário seu, o emitente – após identificar-se – apõe a sua assinatura na parte superior do cheque, ali ficando ela registrada. A qualquer momento, em praça diferente ou na mesma praça, o viajante emite o cheque, identificando-se novamente e o assinando, ao pé, em lugar indicado. Conferindo a assinatura aposta anteriormente no alto do cheque, com a segunda assinatura lançada na parte inferior, de modo a permitir a sua conferência, está o cheque emitido pronto para ser pago.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 420).
134
134
O que há de diferente no cheque é o crédito utilizado pelo emitente,
proveniente de contrato de mútuo entre o banco-sacado e o correntista-sacador,
por meio do qual há a disponibilização de crédito em conta corrente, mas cuja
utilização implica juros a serem pagos pelo emitente, além do valor principal objeto
do mútuo bancário subjacente.
Em suma, a existência da cláusula ―cheque especial‖ no bojo da cártula não
traz nenhuma garantia especial para o beneficiário do cheque nem gera obrigação
alguma para o banco-sacado. O que há de diferente é a origem do crédito utilizado
pelo emitente, de propriedade do banco-sacado, motivo pelo qual aquele
(emitente) assume obrigação em relação ao último (banco-sacado), sujeita a juros
e demais ônus previstos no contrato de mútuo do crédito bancário.
20. Revogação ou contraordem
A revogação ou contraordem é o ato pelo qual o emitente de cheque
pagável no Brasil determina ao banco-sacado que não efetue o respectivo
pagamento após o decurso do prazo de apresentação previsto no art. 33 da Lei nº
7.357/1985. Com efeito, a contraordem não impede o pagamento do cheque
durante o prazo do art. 33, porquanto a revogação ―só produz efeito depois de
expirado o prazo de apresentação‖363.
Quanto à iniciativa, a contraordem só pode ser manifestada pelo emitente-
sacador do cheque, com fundamento no art. 35, caput, proêmio, da Lei nº
7.357/1985.
No que tange à forma, a contraordem deve ser escrita, com a comunicação
fundamentada dirigida ao banco-sacado mediante carta, notificação extrajudicial
ou notificação judicial364, conforme a escolha do emitente-sacador, tudo nos
termos do art. 35 da Lei nº 7.357/1985.
Além das vias disponíveis à luz do art. 35 da Lei nº 7.357/1985, o § 4º do
art. 3º da Resolução nº 2.747 do Conselho Monetário Nacional também autoriza a
363
Cf. art. 35, parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985. 364
Cf. arts. 867 e 873 do Código de Processo Civil.
135
135
revogação por simples ligação telefônica e até por mensagem eletrônica, desde
que confirmadas, dentro de dois dias úteis, por meio de documento escrito e
assinado365.
Por fim, decorrido in albis o prazo de apresentação sem a expedição de
contraordem por parte do emitente-sacador, o cheque ainda continua pagável pelo
banco-sacado, desde que não ocorrida a prescrição semestral366. Após o decurso
tanto do prazo de apresentação quanto do prazo prescricional semestral, o banco-
sacado já não pode liquidar o cheque, porquanto os arts. 6º, número 44, e 12,
ambos da Resolução nº 1.631, do Conselho Monetário Nacional, estabelecem que
o cheque prescrito deve ser devolvido.
21. Oposição ou sustação
A oposição ou sustação é o ato pelo qual o emitente-sacador e o credor-
beneficiário podem impedir o pagamento do cheque, ainda que no curso do prazo
de apresentação. Ao contrário da revogação, portanto, a oposição tem efeito
imediato367. Não alcança, todavia, a sustação, cheque já liquidado368.
Por força do art. 36 da Lei nº 7.357/1985, a oposição deve ser manifestada
por escrito, com fundamentação em relevante razão de direito: extravio, furto,
roubo. Além das vias disponíveis à luz do art. 36, o § 4º do art. 3º da Resolução nº
365
―§ 4º Admite-se que as solicitações de sustação, de contra-ordem e de cancelamento de cheques sejam realizadas em caráter provisório, por comunicação telefônica ou por meio eletrônico, hipótese em que seu acatamento será mantido pelo prazo máximo de dois dias úteis, após o que, caso não confirmadas nos termos dos §§ 1º a 3º, deverão ser consideradas inexistentes pela instituição financeira‖. 366
Cf. arts. 35, parágrafo único, e 59, ambos da Lei nº 7.357/1985. De acordo, na doutrina: ―A revogação ou contra-ordem só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar o cheque até que decorra o prazo de prescrição.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 451). ―Um cheque não-apresentado durante o prazo legal pode ser pago pelo sacado, desde que não se encontre prescrito e, evidentemente, haja suficiente provisão de fundos em seu poder (art. 35, parágrafo único).‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 279). 367
Assim, na jurisprudência: ―COMERCIAL. CHEQUE. OPOSIÇÃO. SUSTAÇÃO DE PAGAMENTO PELO BANCO SACADO. TEMPESTIVIDADE. LEI Nº 7.357/1985, ARTS. 34, 35 E 36. EXEGESE. I. Até o instante da efetiva liberação do numerário ou do creditamento em conta é possível ao banco sacado suspendê-lo, em atendimento a oposição realizada pelo emitente do cheque. II. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 178.369/MG,4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de dezembro de 2005, p. 386). 368
De acordo, na jurisprudência: ―Cheque. Oposição ao pagamento. Lei 7.357/85, art. 36. Efetuado o pagamento do cheque com o crédito ao beneficiário e o débito ao emitente, não é mais possível proceder-se eficazmente à oposição.‖ (REsp nº 178.453/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de agosto de 2000, p. 76).
136
136
2.747 do Conselho Monetário Nacional autoriza a oposição também mediante
telefone e por meio eletrônico, desde que confirmada por escrito dentro de dois
dias úteis369.
À vista do art. 36, § 2º, da Lei nº 7.357/1985, e do art. 3º, § 1º, da
Resolução nº 2.747/2000, não cabe ao banco-sacado decidir sobre a existência da
relevância da oposição, ou não370. Qualquer discussão acerca da inexistência de
relevância só pode ser veiculada perante o Poder Judiciário, único com jurisdição
para decidir eventual conflito de interesses371.
No que tange ao alcance, todos os cheques podem ser sustados, até
mesmo o cheque administrativo372.
Quanto à iniciativa, a oposição pode ser manifestada pelo emitente-sacador
e pelo credor-beneficiário. Não obstante, o emitente que já veiculou contraordem
não pode sustar o cheque, e vice-versa, porquanto os institutos ―se excluem
reciprocamente‖, por força do § 1º do art. 36 da Lei nº 7.357/1985. Daí a
necessidade da distinção dos institutos da revogação (ou contraordem) e da
oposição (ou sustação)373.
369
―§ 4º Admite-se que as solicitações de sustação, de contra-ordem e de cancelamento de cheques sejam realizadas em caráter provisório, por comunicação telefônica ou por meio eletrônico, hipótese em que seu acatamento será mantido pelo prazo máximo de dois dias úteis, após o que, caso não confirmadas nos termos dos §§ 1º a 3º, deverão ser consideradas inexistentes pela instituição financeira‖. 370
―§ 1º Para a efetivação de sustação e de contra-ordem de cheques, as instituições financeiras que operam na captação de depósitos à vista devem exigir, na forma da lei, solicitação escrita do interessado, com justificativa fundada em relevante razão de direito, não cabendo à instituição examinar o mérito ou a relevância da justificativa‖. 371
De acordo, na jurisprudência: ―COMERCIAL - CHEQUE - SUSTAÇÃO DE PAGAMENTO POR OPOSIÇÃO - MATÉRIA DE FATO - INTELIGÊNCIA DO ART. 36 DA LEI DO CHEQUE. I – A seriedade da oposição (sustação do pagamento) está assegurada pela exigência da relevância jurídica da razão invocada pelo oponente, a qual, obviamente, não é deixada ao julgamento do banco sacado, mas ao do juiz.‖ (REsp nº 101.096/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 25 de fevereiro de 1998, p. 69). 372
Assim, na jurisprudência: ―- Não afasta a aplicação do instituto da oposição motivada, nos termos do art. 36 da Lei nº 7.357/85, a circunstância de tratar-se de ‗cheque administrativo‘ sacado pelo estabelecimento bancário contra a sua própria caixa, no caso de oposição apresentada pelo favorecido e endossante do cheque sob invocação ao negócio subjacente do endosso.‖ (REsp nº 130.428/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2000, p. 155). De acordo, ainda na jurisprudência: REsp nº 16.713/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de junho de 1993, p. 12.895. 373
A respeito da diferença entre os institutos, merece ser prestigiada a autorizada lição da doutrina: ―Um outro conceito, diferente de revogação ou contraordem, é o de oposição. Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em qualquer razão de direito (art. 36, caput). Confirmando a diferença entre os dois
conceitos, o § 1º do art. 36 dispõe que ‗a oposição do emitente e a revogação ou contraordem se excluem reciprocamente‘. Em suma, a revogação mercê de contraordem só pode ser dada pelo emitente, com razões motivadoras do ato, e só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação; a oposição com o objetivo de sustar o pagamento do cheque, fundada em relevante razão de direito, pode ser apresentada pelo
137
137
Por fim, vale ressaltar que a sustação dolosa configura crime de fraude no
pagamento por meio de cheque, por força da combinação do art. 65 da Lei nº
7.357 com o art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal.
22. Cancelamento
O cancelamento está previsto no art. 3º da Resolução nº 2.747 do Conselho
Monetário Nacional, norma expedida com sustentação no art. 69 da Lei nº
7.357/1985.
O cancelamento diz respeito somente às folhas em branco de cheque e
pode alcançar até mesmo o talonário por inteiro. Ao contrário da revogação e da
oposição, o cancelamento atinge o cheque que ainda não foi emitido374. Com
efeito, à vista do art. 3º da Resolução nº 2.747/2000, o cancelamento é admissível
nas hipóteses de roubo, furto e extravio de folha de cheque ou do talonário, desde
que em branco.
No que tange à iniciativa, o cancelamento deve ser feito de ofício pela
própria instituição bancária, na hipótese da ocorrência do roubo, do furto ou do
extravio antes da entrega ao legítimo destinatário, ou seja, ao cliente do banco.
Tanto que a instituição financeira responde por eventuais danos materiais e
morais causados ao correntista em razão de extravio de talonário de cheques
antes da entrega ao legítimo destinatário. Em abono, merece ser prestigiado o
preciso enunciado nº 2.1 aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná:
―A instituição financeira é responsável por danos causados por extravio de
talonário de cheques havido antes de chegar às mãos do correntista, ainda que tal
aconteça durante o transporte realizado por empresa contratada pelo banco, caso
em que se dará a solidariedade‖.
emitente ou pelo portador legitimado, mesmo durante o prazo de apresentação, não cabendo, entretanto, ao sacado julgar da relevância da razão invocada pelo oponente.‖ (Osmar Brina Corrêa-Lima. Cheque. Revogação (contraordem) e oposição. 2009, p. 4). 374
No mesmo sentido, na doutrina: ―Diferente é a hipótese de cancelamento do cheque. Não há, para seu caso específico, uma contra-ordem ao pagamento ou sustação do pagamento do cheque, pois não houve sua emissão. Se houve emissão, deve-se recorrer a tais institutos.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 287).
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Após a entrega do talonário, entretanto, o cancelamento depende de pedido
fundamentado do correntista, com esteio no art. 3º, § 3º, da Resolução nº
2.747/2000. O pedido deve ser feito por escrito ao banco, embora também seja
admissível o cancelamento por telefone ou por meio eletrônico, com a posterior
confirmação mediante requerimento escrito, dentro do prazo de dois dias úteis,
tudo nos termos do art. 3º, § 4º, da Resolução nº 2.747/2000.
23. Ações fundadas em cheque
23.1. Ação cambial ou execução
23.1.1. Ação cambial e prazo prescricional
Como já estudado, o cheque deve ser apresentado para pagamento
perante o banco-sacado dentro de trinta dias da data da emissão, quando emitido
no mesmo lugar do pagamento375. Emitido o cheque em lugar diverso do local do
pagamento, ou seja, em outra praça, o prazo para apresentação é de sessenta
dias da data da emissão376. Decorrido in albis o prazo de apresentação, o credor-
beneficiário perde o direito de executar os coobrigados, ou seja, os endossantes e
os respectivos avalistas377-378. Por conseguinte, no que tange ao emitente-sacador
e ao respectivo avalista, a execução pode ser ajuizada até mesmo quando o
cheque foi apresentado ao banco-sacado depois do decurso do prazo de
apresentação, desde que ainda não ocorrida a prescrição semestral, como bem
assentou o Supremo Tribunal Federal no enunciado nº 600: ―Cabe ação executiva
contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao
sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária‖.
375
Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 376
Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 377
Cf. art. 47, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 378
À vista do art. 47, § 3º, da Lei nº 7.357/1985, o credor-benefício pode perder o direito de executar até mesmo o emitente-sacador, se o mesmo tinha fundos disponíveis durante o prazo da apresentação, mas deixou de tê-los em razão de fato alheio à sua vontade.
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A prescrição da pretensão executiva ocorre com o decurso do prazo de seis
meses do término do prazo de apresentação, conforme o enquadramento do caso
concreto em uma ou em outra hipótese do art. 33 da Lei nº 7.357/1985. Se o local
do pagamento é o mesmo da emissão, o prazo de seis meses corre do término
dos trinta dias disponíveis para apresentação; se o lugar do pagamento for diverso
do local da emissão, o prazo de seis meses corre somente depois do decurso dos
sessenta dias para a apresentação.
Com efeito, a data da emissão constante do título tem enorme relevância
jurídica para a prescrição da execução fundada no art. 585, inciso I, do Código de
Processo Civil, e nos arts. 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985. Imagine-se, por exemplo,
que o cheque foi emitido no dia 19 de janeiro de 2010, mês com trinta e um dias,
para pagamento na mesma praça. O termo inicial é o próprio dia 19, dia da
emissão, o qual, entretanto, é excluído da contagem, por força da combinação dos
arts. 33 e 64 da Lei nº 7.357/1985, com o art. 132, caput, do Código Civil. Por
conseguinte, a contagem dos trinta dias previstos no art. 33 da Lei nº 7.357/1985
começa no dia 20 de janeiro e termina no dia 18 de fevereiro, dia útil bancário379.
Resta saber qual é o termo inicial do prazo de seis meses da execução. À vista
dos arts. 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985, o termo inicial do prazo prescricional
coincide com o termo final do prazo de apresentação do cheque, ou seja, dia 18
de fevereiro. Como o prazo de seis meses é contado à luz do § 3º do art. 132 do
Código Civil, o termo final do prazo prescricional reside no dia 18 de agosto, dia
útil forense380-381.
Ao contrário da data da emissão, a data da efetiva apresentação do cheque
ao banco-sacado não é relevante para a contagem da prescrição da pretensão
executiva. O termo inicial do prazo prescricional de seis meses coincide com o
379
Por força do § 1º do art. 132 do Código Civil, o termo final do prazo deve ser dia útil, vale dizer, dia com expediente bancário regular. 380
Outro exemplo, na doutrina: ―Por exemplo, cheque de mesma praça emitido em 2 de março prescreve em 1º de outubro do mesmo ano.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial. Volume I, 12ª edição, 2008, p. 451). 381
Outro exemplo, na jurisprudência: ―Tendo os cheques sido emitidos em 09.08.2000 (f. 06, dos autos da execução), o prazo para apresentação findou em 08.09.2000, contando-se daí o prazo prescricional, que se expirou em 08.03.2001, dia exato da distribuição da execução, pelo que não há que se falar em prescrição do direito de ação.‖ (Apelação nº 383.332-9, 5ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 26 de fevereiro de 2003).
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termo final do prazo de apresentação, independentemente da data da efetiva
apresentação do cheque ao banco-sacado. Aliás, no que tange ao emitente-
sacador do cheque e ao respectivo avalista, nem há necessidade da apresentação
do cheque ao banco-sacado no prazo previsto no art. 33 da Lei nº 7.357/1985,
desde que a execução seja ajuizada dentro de seis meses do término do prazo de
apresentação. Em abono, merece ser prestigiada a primeira proposição constante
do enunciado nº 40 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da
Justiça Federal: ―40. O prazo prescricional de 6 (seis) meses para o exercício da
pretensão à execução do cheque pelo respectivo portador é contado do
encerramento do prazo de apresentação, tenha ou não sido apresentado ao
sacado dentro do referido prazo‖.
Por fim, na eventualidade de cheque pós-datado apresentado ao banco-
sacado antes da data de emissão estampada na cártula e devolvido por falta de
provisão de fundos, prevalece o raciocínio segundo o qual o prazo prescricional de
seis meses para a execução deve ser computado do dia da efetiva apresentação,
e não do término do prazo legal de apresentação, contado da data da emissão
existente no título. Aliás, é o que consta da segunda proposição do enunciado nº
40 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―No
caso de cheque pós-datado apresentado antes da data da emissão ao sacado ou
da data pactuada com o emitente, o termo inicial é contado da data da primeira
apresentação‖. Não obstante, ainda que muito respeitável a tese consagrada ao
final do enunciado nº 40, a interpretação sistemática dos arts. 1º, inciso V, 32, 33,
47 e 59 da Lei nº 7.357/1985 enseja outra conclusão: à luz do direito cambiário, a
data da emissão expressa na cártula marca o início do prazo legal de
apresentação, cujo término marca o início do prazo prescricional da execução.
23.1.2. Ação cambial e legitimados passivos
A execução de cheque apresentado em tempo hábil e devolvido por falta de
provisão de fundos pode ser movida contra o devedor principal, o emitente-
sacador do cheque, mas também contra todos, alguns ou um dos coobrigados, em
141
141
conjunto ou isoladamente, se assim desejar o credor-beneficiário, porquanto todos
são devedores solidários, ex vi do art. 51 da Lei nº 7.357/1985.
Já em relação ao emitente-sacador e ao respectivo avalista, o cheque não
precisa ser protestado nem apresentado em tempo hábil para a propositura da
ação de execução forçada382.
No que tange aos coobrigados (endossante e respectivos avalistas), a
execução depende do cumprimento de três exigências legais cumulativas: 1ª)
apresentação do cheque dentro do prazo legal383; 2ª) propositura da ação
executiva dentro de seis meses da expiração do prazo de apresentação do
cheque384; 3ª) comprovação da recusa do pagamento mediante protesto cambial,
por simples declaração escrita e datada proveniente do banco-sacado ou, ainda,
por declaração escrita e datada expedida na Câmara de Compensação385,
ressalvada a exceção consubstanciada na dispensa tanto do protesto quanto de
declaração equivalente, em relação ao cheque que contém a cláusula ―sem
protesto‖386.
Por oportuno, vale registrar que o protesto cambial produz o importante
efeito jurídico previsto no art. 202, inciso II, do Código Civil, qual seja, a
interrupção da prescrição; e as declarações bancárias previstas no inciso II do art.
47 da Lei nº 7.357/1985 produzem os mesmos efeitos do protesto cambial, ex vi
do § 1º do próprio artigo 47: ―§ 1º Qualquer das declarações previstas neste artigo
dispensa o protesto e produz os efeitos deste‖.
Ainda em relação ao protesto, o cheque pode ser protestado tanto no
cartório de protesto do lugar do pagamento quanto no tabelionato do local do
domicílio do emitente-sacador, conforme a escolha do credor-beneficiário387. O
posterior pagamento do cheque protestado, entretanto, enseja o imediato
cancelamento do protesto perante o Tabelionato de Protestos de Títulos, por
382
Cf. art. 47, inciso I, da Lei nº 7.357/1985, combinado com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, e com o enunciado nº 600 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 383
Cf. arts. 33 e 47, inciso II, ambos da Lei nº 7.357/1985. 384
Cf. arts. 33, 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985. 385
Cf. art. 47, inciso II e § 1º, da Lei nº 7.357/1985. 386
Cf. art. 50 da Lei nº 7.357/1985. 387
Cf. art. 6º, proêmio, da Lei nº 9.492/1997.
142
142
intermédio de qualquer interessado. Basta a demonstração do respectivo
pagamento, sem a necessidade da anuência do credor-beneficiário, a qual só é
exigida na impossibilidade de apresentação do original do título protestado388. A
respeito do tema, merece ser prestigiado o enunciado nº 1 da Súmula do antigo
Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul: ―O cancelamento de protesto de títulos
cambiais pode ser feito mediante comprovação de quitação regular e
independente de consentimento do credor‖.
23.1.3. Ação cambial e objeto da execução
Por fim, além da quantia determinada indicada no cheque389, o credor-
beneficiário também pode cobrar na ação cambial: – os juros de mora legais
cabíveis desde o dia da apresentação do cheque390; – as despesas em geral,
como as referentes ao protesto cambial e as relativas ao processo executivo391; –
a correção monetária pela perda do valor aquisitivo da moeda, a ser calculada a
contar da respectiva apresentação do cheque392.
A propósito, não há incompatibilidade alguma entre os arts. 10 e 52, inciso
II, ambos da Lei nº 7.357/1985. O art. 10 dispõe sobre a vedação da estipulação
de juros no bojo do cheque, em razão da natureza do título: ordem de pagamento
à vista. Não liquidado o cheque no dia da apresentação, daí começa a incidência
dos juros de mora legais393. Na verdade, o artigo 10 versa sobre juros
compensatórios – e os proíbe; já o artigo 52 dispõe sobre juros moratórios – e os
autoriza, após a inadimplência.
23.2. Ação de enriquecimento sem causa ou de locupletamento indevido
388
Cf. art. 26 da Lei nº 9.492/1997. 389
Cf. art. 52, inciso I, da Lei nº 7.357/1985. 390
Cf. art. 52, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 391
Cf. art. 52, inciso III, da Lei nº 7.357/1985, e art. 19 do Código de Processo Civil. 392
Cf. art. 52, inciso IV, da Lei nº 7.357/1985, combinado com o art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981. 393
Cf. art. 52, inciso II, da Lei nº 7.357/1985.
143
143
Decorrido o prazo prescricional semestral para a ação cambial, o credor-
beneficiário ainda pode ajuizar a ―ação de enriquecimento ilícito‖394, ―ação de
locupletamento indevido‖ ou actio in rem verso395, no prazo de dois anos do dia
em que se consumou a prescrição da pretensão executiva, consoante o disposto
no art. 61 da Lei nº 7.357/1985.
A demanda de locupletamento tem natureza cognitiva e pode ser ajuizada
sob procedimento comum396 ou sob procedimento monitório, ex vi do enunciado nº
299 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―É admissível ação monitória
fundada em cheque prescrito‖. Cabe ao autor da ação de locupletamento indevido
a escolha entre o procedimento comum e o monitório397.
À vista do art. 61 da Lei nº 7.357/1985, não há necessidade da indicação da
origem da dívida na petição inicial da ação de locupletamento indevido, quer sob o
procedimento comum, quer sob o rito monitório398. Com efeito, a simples juntada
do cheque prescrito que não foi liquidado já é suficiente para demonstrar a
ocorrência do locupletamento ilícito, razão pela qual é dispensável a exposição da
causa debendi na demanda fundada no art. 61 da Lei nº 7.357/1985. Em abono,
394
Cf. Pinto Ferreira. Vocabulário jurídico das ações e dos recursos. 1999, p. 11, especialmente a parte final da transcrição da autorizada lição do saudoso jurisconsulto: ―AÇÃO DE CHEQUE. A ajuizada para exigir o importe do título com os encargos complementares, atribuída ao beneficiário, ao co-obrigado que tenha pago e ao avalista, contra todos os co-obrigados ou mesmo um só (Lei Uniforme sobre o Cheque, Anexo I, art. 52; Lei nº 7.357, de 2-9-1985, art. 47). Prescreve em seis meses, contados da data de expiração do prazo de apresentação. Permanece, entretanto, o direito do beneficiário de cobrar o que lhe é devido, não mais por ação cambiária, e sim por ação de enriquecimento ilícito‖. 395
De acordo, na doutrina: ―A ação, que objetiva evitar ou desfazer o enriquecimento sem causa, denomina-se actio in rem verso.‖ ―Tal é o que ocorre, por exemplo, quando o credor perde o direito de executar o cheque por força da prescrição, e, nos termos do art. 61 da Lei nº 7.357/85, promove ação de in rem verso contra o emitente ou outros obrigados da cártula, que se locupletaram com o não-pagamento do cheque. Portanto, concorrendo os requisitos supra-elencados, e em face da inexistência de outro meio específico de tutela, a ação de enriquecimento ilícito (in rem verso) será sempre uma alternativa à parte prejudicada pelo espúrio enriquecimento da outra.‖ (Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de direito civil. Volume II, 9ª ed., 2008, p. 349 e 351). 396
Procedimento comum que pode ser ordinário ou sumário, conforme o valor da causa. 397
Em reforço ao entendimento defendido no presente compêndio, vale conferir o didático voto do eminente Desembargador Alexandre Freitas Câmara: ―A demanda de enriquecimento, a ser proposta pelo credor, poderá levar à utilização do procedimento monitório ou de procedimento comum (ordinário ou sumário, conforme o caso), por opção do demandante. Impende, pois, considerar que a assim chamada ‗ação monitória‘ não é figura distinta da ‗ação de enriquecimento‘ mas, tão somente, o nome dado pela lei processual a um dos procedimentos que podem ser usados para o desenvolvimento do processo instaurado pela propositura da ‗ação de enriquecimento‘.‖ (Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ). 398
Em sentido conforme, na jurisprudência: ―Comercial. Processual civil. Ação monitória. Cheque. Desnecessidade de indicação da causa debendi. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. I. Para a admissibilidade da ação monitória, não tem o autor de declinar a causa debendi, bastando, para esse fim, a juntada de qualquer documento escrito que traduza em si um crédito e não se revista de eficácia executiva.‖ (REsp nº 274.257/DF, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de setembro de 2001).
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vale conferir o preciso enunciado nº 10.1 aprovado pelos Juízes das Turmas
Recursais do Paraná, in verbis: ―Cheque – ação de locupletamento ilícito: Nos
casos em que cabe a ação de locupletamento ilícito, desnecessária a discussão
sobre a causa debendi‖399.
Embora seja adequada para o recebimento de valores expressos em títulos
de crédito prescritos, a ação de enriquecimento sem causa não pode ser proposta
contra todos os obrigados e coobrigados cambiais, porquanto a solidariedade
cambial cessa com o decurso dos prazos prescricionais para a execução. Daí a
conclusão: a ação de locupletamento indevido só pode ter como alvo aquele
devedor realmente beneficiado pelo enriquecimento sem causa400.
Por fim, a ação de locupletamento indevido deve ser proposta, processada
e julgada no foro do domicílio do devedor, juízo competente para a demanda,
tanto sob o procedimento monitório quanto sob o rito comum, ordinário ou
399
De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO – CHEQUE PRESCRITO – ART. 61 DA LEI 7357/85 – DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAR A CAUSA DEBENDI – PRESUNÇÃO JURIS TANTUM – APLICAÇÃO DO ART. 333, INCISO II, CPC – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO.‖ (Recurso nº 2007.05.6.000859-7, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Diário da Justiça de 24 de maio de 2007, p. 116). ―Se a ação monitória se embasar em cheque prescrito, mas tiver sido ajuizada no prazo da ação de locupletamento, não há que se exigir a indicação do negócio subjacente. A desnecessidade da remissão primária à causa debendi na exordial da monitória encontra amplo suporte ao serem conjugadas as regras do procedimento especial (arts. 1.102a a 1.102c do CPC) com a norma inserta no art. 61 da Lei 7.357/85.‖ (Apelação nº 2006.01.1.031251-4, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 22 de maio de 2007, p. 661). ―AÇÃO MONITÓRIA – CHEQUE PRESCRITO – PROPOSITURA DA MONITÓRIA NO PRAZO DA AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO – CAUSA DEBENDI – DESNECESSIDADE – ÔNUS DO RÉU. 1. Antes do advento da ação monitória, o credor de cheque prescrito poderia valer-se da ação de locupletamento até dois anos após a prescrição da cártula, não sendo necessário provar a causa debendi (art. 61 da Lei 7357/85). Transcorrido o prazo da ação de locupletamento, o credor só poderia ajuizar a ação de cobrança, incumbindo-lhe o ônus de provar toda a relação jurídica subjacente. 2. A Lei nº 9.079/95 introduziu no Ordenamento Jurídico Brasileiro a ação monitória, que é um procedimento mais ágil para a formação do título executivo. 3. Assim, há que se distinguir a monitória como sucedâneo da ação de locupletamento e da ação de cobrança. 4. Ajuizada monitória no prazo da ação de locupletamento, o cheque prescrito presume o enriquecimento ilícito do réu, cabendo a este o ônus de provar a inexistência do crédito vindicado. 5. Apelo provido.‖ (Apelação nº 2006.01.1.061023-3, 3ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 13 de dezembro de 2007, p. 90). ―PROCESSUAL CIVIL. CHEQUES PRESCRITOS. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO. POSSIBILIDADE JURÍDICA. PRESUNÇÃO. A posse de cheques que não foram honrados pelo emitente, exaurido o prazo de cobrança executiva das dívidas por ele representadas, é suficiente à propositura da ação de locupletamento ilícito, presumindo-se em favor do autor a causa lícita das dívidas, o prejuízo sofrido pelo não pagamento e o enriquecimento do emitente, presunção que poderá ser elidida, por provas em contrário, a cargo do réu.‖ (REsp nº 32.772/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de maio de 1993, p. 10.005). 400
Assim, na jurisprudência: AG nº 620.909/RS – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de abril de 2007, p. 277; REsp nº 200.492/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto de 2000, p. 123; e Apelação nº 2004.01.1.010196-7, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 3 de maio de 2007, p. 98: ―Estando prescrito o título cambial, desaparece a relação cambial e, em consequência, o aval‖.
145
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sumário, em virtude da incidência da regra inserta no caput do art. 94 do Código
de Processo Civil401.
23.3. Ação de cobrança ou ação causal
Além da execução cambial e da ação de enriquecimento sem causa, ainda
há lugar para a ação de cobrança fundada na relação causal, como autoriza o art.
62 da Lei nº 7.357/1985. A ação de cobrança pode ser movida sob o procedimento
comum402 ou sob o rito monitório, conforme a escolha do autor.
A ação de cobrança fundada na relação causal prescreve à vista dos arts.
205 e 206 do Código Civil, conforme a origem da dívida, a qual deve ser
demonstrada na petição inicial. Com efeito, se a demanda é ajuizada com
fundamento no art. 62 da Lei nº 7.357/1985, o cheque prescrito tem serventia
apenas como meio de prova documental da relação jurídica subjacente, a qual
precisa ser exposta na petição inicial e demonstrada no processo cognitivo
fundado na relação causal403.
401
Assim, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. A ação monitória deve ser processada e julgada no foro do domicílio do devedor (art. 94, caput, do CPC). Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 287.724/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 22 de maio de 2006, p. 190). 402
O procedimento comum pode ser ordinário ou sumário, conforme o valor da causa. 403
Assim, na jurisprudência: Apelação nº 2005.01.1.081440-4, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 18 de setembro de 2007, p. 106: ―I – É indispensável a declinação da causa de pedir nos casos em que a ação monitória, fundada em cheque prescrito, é ajuizada após o prazo de dois anos, previsto na Lei do Cheque para a propositura da ação de locupletamento. II – Prescrita a pretensão de locupletamento, o prazo prescricional a ser considerado para cobrança é aquele fixado para a obrigação que deu ensejo ao saque do cheque prescrito‖. ―PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. DECURSO DO PRAZO PARA AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO. ORIGEM DA DÍVIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO. INÉPCIA DA INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 282, INC. III E 267, INC. I, AMBOS DO CPC. SENTENÇA REFORMADA. 1. Escolhendo o credor, para a satisfação de seu crédito, o caminho do procedimento injuntivo, estará dispensado de deduzir a causa debendi do cheque prescrito, se a ação vier a ser proposta até dois anos após o decurso do prazo previsto no art. 59 da Lei 7.357/85 (ação de enriquecimento - art. 61 -, sob o rito previsto no art. 1.102a do CPC). 2. Se decorridos esses dois anos, intentar, para o mesmo fim, também a ação monitória, aí sim, a respectiva inicial deverá narrar a origem do título, que, neste caso, constitui apenas começo de prova escrita da ação de cobrança proposta nos termos do art. 1.102A do CPC.‖ (Apelação nº 1999.01.1.052164-8, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 19 de março de 2003, p. 86). ―CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. APTIDÃO PARA INSTRUIR A AÇÃO INJUNTIVA. PRECEDENTES. VENCIMENTO DO PRAZO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO. ART. 61 DA LEI Nº 7357/85. NECESSIDADE DE O AUTOR DECLINAR, NA AÇÃO MONITÓRIA, A CAUSA DEBENDI. INCUMBÊNCIA DO RÉU DE PROVAR FATO EXTINTIVO OU MODIFICATIVO DO DIREITO DO AUTOR. ART. 333, II, CPC. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO APÓS O PRAZO DA AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO. PRAZO QUE SE REGULA PELA LEGISLAÇÃO DE DIREITO MATERIAL. OBRIGAÇÃO CONCERNENTE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. PRESCRIÇÃO ANUAL. ART. 178, § 6º, VII, CCB de 1916. 1 - Na esteira dos precedentes deste Tribunal, considera-se o cheque prescrito documento apto a ensejar a propositura da ação
146
146
Não obstante, é preciso reconhecer que prevalece a orientação
jurisprudencial segundo a qual a ação de cobrança prescreve em cinco anos, ex vi
do art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Foi o que assentou o Tribunal de Justiça
de São Paulo ao aprovar o enunciado sumular nº 18: ―Exigida ou não a indicação
da causa subjacente, prescreve em cinco anos o crédito ostentado em cheque de
força executiva extinta (Código Civil, art. 206, § 5º, I)‖404. É o que também dispõe o
enunciado nº 10.6 aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná: ―O
prazo prescricional para a propositura da ação de cobrança de títulos prescritos é
de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 206, § 5º, do CC, sendo o termo a quo a data
da sua apresentação‖405. Em suma, prevalece a tese da prescrição quinquenal da
pretensão de cobrança fundada em cheque prescrito, independentemente do
procedimento – ordinário, sumário ou monitório – a ser adotado406.
23.4. Ação de indenização por devolução indevida de cheque
monitória; 2 - Prescrito o cheque e ultrapassado o prazo bienal estabelecido no art. 61 da Lei do Cheque (Lei nº 7357/85), deve o proponente da ação monitória declinar a relação jurídica material que ensejou a emissão do título prescrito; 3 - O direito à ação monitória fundada em cheque prescrito proposta após o vencimento do prazo da ação de enriquecimento prevista no art. 61 da Lei do Cheque prescreve em 1 (um) ano, se o pedido disser respeito à cobrança de mensalidades escolares. Art. 178, §6º, inciso VII. Precedentes deste Tribunal e do STJ. 4 - Apelo provido.‖ (Apelação nº 2000.01.1.038185-9, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 17 de outubro de 2006, p. 100). ―DIREITO COMERCIAL. MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. AÇÃO DE COBRANÇA. ULTRAPASSADO BIÊNIO PARA A AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO. ART. 61 LEI 7.357/85. CAUSA DEBENDI. NECESSIDADE. 1 - A ação fora proposta fora do prazo legal previsto para o ajuizamento da ação de locupletamento ilícito. 2 - O autor da ação monitória, que no caso deve ser aceito e julgado como ação de cobrança, deveria, na hipótese, declinar e provar a causa debendi relativamente ao título prescrito. 3. Recurso conhecido e improvido.‖ (Apelação nº 2006.01.1.090370-3, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 11 de outubro de 2007, p. 160). 404
Cf. Diário da Justiça Eletrônico de 6 de dezembro de 2010, caderno 1, p. 1. 405
No mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: ―São três os prazos prescricionais relacionados ao cheque. O primeiro de seis meses referente à ação de execução, contados do término do prazo de apresentação (art. 59, da Lei nº 7.357/85). O segundo de dois anos para a ação de locupletamento, contados da prescrição da pretensão executiva (art. 61, Lei nº 7.357/85). E o terceiro, atualmente, de cinco anos, contados do término do prazo para o ajuizamento da ação de locupletamento, referente à pretensão cuja causa de pedir é instrumento particular que representa dívida líquida (art. 206, § 5º, I, CCB/2002).‖ (Apelação nº 1.0313.06.207890-9/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, julgamento em 3 de setembro de 2008). 406
―CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CHEQUE PRESCRITO. AÇÃO MONITÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. A ação monitória fundada em cheque prescrito está subordinada ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil.‖ (REsp nº 1.038.104/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 18 de junho de 2009). A propósito da tese predominante na jurisprudência, vale conferir respeito voto-vencedor proferido pelo eminente Desembargador Alexandre Freitas Câmara, na qualidade de Revisor da Apelação nº 2009.001.07855: ―O direito de crédito decorrente da relação subjacente ao cheque, por sua vez, está sujeito a prazo prescricional de cinco anos, na forma do disposto no art. 206, § 5°, I, do Código Civil, que estabelece o prazo quinquenal no caso de cobrança de dívida líquida constante de instrumento público ou particular.‖ (Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ).
147
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À vista do art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, e dos arts. 186 e 927 do
Código Civil, o emitente-sacador pode acionar o banco-sacado pelo dano moral
causado em razão da devolução de cheque sem motivo previsto em lei. Foi o que
bem assentou o Superior Tribunal de Justiça ao aprovar o enunciado sumular nº
388: ―A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral‖407.
No que tange ao prazo para a propositura da demanda indenizatória, a
pretensão de reparação prescreve em três anos, nos termos do art. 206, § 3º,
inciso V, do Código Civil de 2002.
23.5. Ação de indenização por apresentação de cheque ―pré-datado‖
Os arts. 186 e 927 do Código Civil também autorizam o emitente-sacador a
ajuizar demanda indenizatória contra o credor-beneficiário de cheque emitido com
data futura, mas apresentado ao banco-sacado antes do acordado, com a quebra
do pacto avençado. A propósito, vale conferir o enunciado nº 370 da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça: ―Caracteriza dano moral a apresentação antecipada
de cheque pré-datado‖. Na mesma esteira, merece ser prestigiado o preciso
enunciado nº 10.3 aprovado pelos Juízes da Turma Recursal Única do Paraná: ―A
apresentação de cheque pré-datado antes da data ajustada acarreta dano moral‖.
Por fim, a pretensão de reparação prescreve em três anos, por força do art.
206, § 3º, inciso V, do Código Civil, como já estudado no tópico anterior.
407
―CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUES – DANO MORAL – SUCUMBÊNCIA. I – A devolução indevida do cheque por culpa do banco prescinde da prova do prejuízo. II – A jurisprudência recente da Segunda Seção desta Corte entende que, nas ações de indenização por dano moral, a postulação contida na inicial se faz em caráter meramente estimativo. Assim, na hipótese de o pedido vir a ser julgado procedente em montante inferior ao assinalado na peça exordial, fica respeitada a proporcionalidade na condenação, porquanto a par de estabelecida em percentual razoável, se faz sobre o real montante da indenização a ser paga. Precedentes.‖ (REsp nº 434.518/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de agosto de 2003, p. 220). ―RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUE. RESPONSABILIDADE DO BANCO. DANO MORAL. PRESUNÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A devolução indevida do cheque por culpa do banco prescinde da prova do prejuízo, mesmo que, ao ser reapresentado, tenha sido devidamente pago, e ainda que não tenha havido registro do nome da correntista em órgão de proteção ao crédito. 2. O valor da indenização deve ser fixado sem excessos, evitando-se enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato ilícito. 3. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 453.233/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 5 de fevereiro de 2007, p. 240).
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23.6. Ação de indenização por cheques falso, falsificado e adulterado
À vista do art. 39, parágrafo único, segunda parte, da Lei nº 7.357/1985,
com o reforço dos arts. 186 e 927 do Código Civil, o banco-sacado é civilmente
responsável pelo pagamento de cheques falso408, falsificado ou adulterado. Com
efeito, o correntista prejudicado pelo pagamento de cheques falso, falsificado ou
adulterado pode ajuizar demanda indenizatória contra o banco-sacado, no prazo
de três anos, tendo em vista o art. 206, § 3º, inciso V, do Código de 2002. A
propósito da responsabilidade civil do banco-sacado, vale conferir o enunciado nº
28 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―O estabelecimento bancário é
responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa
exclusiva ou concorrente do correntista‖409.
Não obstante, como bem revelam os trechos finais do enunciado nº 28 da
Súmula do Supremo Tribunal Federal e do parágrafo único do art. 39 da Lei nº
7.357/1985, a responsabilidade civil do banco-sacado pode ser afastada, no todo
ou em parte, quando há dolo, culpa exclusiva ou ao menos culpa concorrente do
correntista410, em razão de negligência411, imprudência412 ou imperícia413 do
emitente-sacador do cheque.
24. Cheque e Código Penal 408
O correntista também deve ser indenizado na eventualidade de prejuízo causado em conta bancária proveniente do pagamento mediante procuração falsa: ―RESPONSABILIDADE CIVIL. Banco. Fundo mútuo de investimento. Conta ouro. Procuração falsa. Responsabilidade do banco. É do banco a responsabilidade pelo pagamento do saldo de fundo mútuo de investimento feito a quem se apresentou com procuração falsa, se não demonstrada a culpa exclusiva ou concorrente do depositante. Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 267.651/RO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de março de 2001, p. 116). 409
Por oportuno, há didático acórdão proferido pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na apelação nº 39.064, da relatoria do eminente Desembargador Barbosa Moreira, com a seguinte ementa: ―Cheque especial com assinatura grosseiramente falsificada: responde o banco, perante o correntista, pelo respectivo pagamento, se não há prova de culpa exclusiva ou concorrente do titular da conta. Declaração de exoneração inserta na carta-aviso: limites de sua eficácia.‖ (Barbosa Moreira. Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 257). 410
Na hipótese de culpa concorrente, a jurisprudência firmou que o correntista e o banco-sacado devem arcar com o prejuízo proveniente do cheque liquidado: ―Em hipótese de culpa concorrente, a responsabilidade do Banco é mitigada, dividindo-a com o correntista.‖ (REsp nº 52.750/PE, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de novembro de 1994, p. 30.962). ―Cheque falso – Responsabilidade pelo pagamento. Reconhecendo o acórdão ter havido culpa concorrente, do estabelecimento bancário e do correntista, correta a conclusão ao declarar ser aquele responsável pelo ressarcimento de metade do prejuízo.‖ (REsp nº 2.539/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de agosto de 1990, p. 7.334). 411
Em outros termos, displicência, desídia, desleixo, falta de atenção. 412
Vale dizer, imprevisão, apressamento, afoitamento. 413
Isto é, falta de técnica.
149
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24.1. Artigo 171, § 2º, VI, do Código Penal
No que tange aos efeitos penais da emissão de cheque sem suficiente
provisão de fundos e da consequente frustração do pagamento do cheque, incide
o art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal de 1940, consoante determina o art. 65
da Lei nº 7.357/1985.
À vista do art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal, a fraude é elemento do
tipo penal, o que revela a natureza dolosa da infração. Por conseguinte, não há o
crime quando a emissão do cheque sem provisão de fundos ocorre por mera culpa
do correntista, em razão de negligência, imprudência ou imperícia do emitente-
sacador. A propósito, merece ser prestigiado o enunciado nº 246 da Súmula do
Supremo Tribunal Federal: ―Comprovado não ter havido fraude, não se configura o
crime de emissão de cheque sem fundos‖.
Quanto ao processo penal, a competência é aferida à luz do local no qual
ocorreu a recusa do pagamento pelo banco-sacado. Com efeito, não é o lugar da
emissão do cheque sem suficiente provisão de fundos que marca a competência
para o processo penal. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo
Tribunal Federal já aprovaram os enunciados nºs 244 e 521, respectivamente:
―Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato
mediante cheque sem provisão de fundos‖. ―O foro competente para o processo e
julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de
cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento
pelo sacado‖.
Não obstante, o pagamento do cheque sem provisão de fundos antes do
recebimento da denúncia impede o processamento da ação penal em face do
emitente-sacador414.
414
Assim, na jurisprudência: ―RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PAGAMENTO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. Inexiste justa causa para a ação penal, quando, comprovadamente, há o pagamento do cheque sem provisão de fundos, antes do recebimento da denúncia. Precedentes. 2. Recurso provido.‖ (RHC nº 15.039/AM, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de fevereiro de 2006, p. 312). No mesmo sentido,
150
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Em contraposição, o pagamento posterior ao recebimento da denúncia
não impede o curso do processo penal, como já assentou o Supremo Tribunal
Federal mediante o enunciado nº 554: ―O pagamento de cheque emitido sem
provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao
prosseguimento da ação penal‖.
24.2. Artigo 171, caput, do Código Penal e enunciado nº 48 do Superior
Tribunal de Justiça
Além da responsabilidade civil proveniente da falsidade, da falsificação e da
adulteração de cheque estudada no tópico 23.6 do presente capítulo, também há
a responsabilidade criminal, com a incidência do Código Penal, aplicável ex vi do
art. 65 da Lei nº 7.357/1985.
No que tange à falsificação e à adulteração posteriores ao furto ou ao roubo
do cheque, incide o caput do artigo 171 do Código Penal, em razão da tipificação
do crime como estelionato padrão. Daí o enunciado nº 48 do Superior Tribunal de
Justiça: ―Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e
julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque‖. Com efeito,
na hipótese sob exame não incidem o enunciado nº 244 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça e o art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal, estudados no
anterior tópico 24.1.
24.3. Artigo 135-A do Código Penal
Em virtude da Lei nº 12.653, de 2012, houve o acréscimo do artigo 135-A
ao Código Penal brasileiro, com a tipificação da exigência da prévia subscrição de
cheque a título de garantia de pagamento como condição para a prestação de
atendimento médico-hospitalar emergencial.
ainda na jurisprudência: RHC nº 2.285/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 16 de novembro de 1992, p. 21.152. Por fim, vale conferir antigo precedente da Corte Suprema: HC nº 50.935/GB, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 6 de junho de 1973: ―Habeas corpus deferido, eis que o signatário do cheque efetuou o pagamento do seu valor antes do recebimento da denúncia‖.
151
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Na verdade, o condicionamento do atendimento médico-hospitalar de
urgência à prévia subscrição de qualquer título de crédito passou a ser crime, nos
seguintes termos: ―Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer
garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como
condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial‖.
152
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CAPÍTULO V – DUPLICATAS
1. Duplicata mercantil
1.1. Conceito
A duplicata mercantil, também denominada ―duplicata de fatura‖ ou
simplesmente ―duplicata‖, é o título de crédito de emissão facultativa e exclusiva
para as vendas mercantis entre contratantes domiciliados no Brasil415. Trata-se de
ordem de pagamento emitida pelo comerciante vendedor de mercadorias, em seu
próprio favor, em face do comprador-sacado. Embora seja o credor originário da
duplicata, o vendedor-sacador pode transferir e alienar o crédito estampado no
título a terceira pessoa, por meio de endosso.
1.2. Duplicata mercantil e classificações dos títulos de crédito
No que tange à emissão, trata-se de título causal. Com efeito, à vista dos
arts. 1º e 2º da Lei nº 5.474/1968, a emissão de duplicata está atrelada a uma
causa específica: compra e venda mercantil. Daí a impossibilidade jurídica de
emissão de duplicata mercantil fundada em mera locação de bem móvel, como
bem assentou o antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ex vi do
enunciado nº 17: ―O contrato de locação de bem móvel não autoriza o saque de
duplicata‖416.
Embora a duplicata seja titulo causal, em razão da origem do título estar
atrelada a determinado negócio jurídico, não há prejuízo algum à abstração e à
autonomia do título. Se a duplicata circular e cair nas mãos de terceiro de boa-fé,
o devedor principal e os eventuais coobrigados não poderão suscitar vícios
relativos ao negócio jurídico originário para se esquivarem do pagamento da 415
Cf. arts. 1º e 2º da Lei nº 5.474/1968. 416
Cf. Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 372.571, Pleno do 1º TACIVSP, Diário da Justiça de 20 de abril de 1988 e Revista JTA, volume 107, p. 191; in Súmulas. AASP, 1994, p. 376. No mesmo sentido,
na jurisprudência do STJ: ―– Não se admite a emissão de duplicata mercantil com base em contrato de locação de bens móveis, uma vez que a relação jurídica que antecede à sua formação não se enquadra nas hipóteses legais de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços.‖ (REsp nº 397.637/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 23 de junho de 2003, p. 353).
153
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quantia estampada no título. Sem dúvida, quando se afirma que a duplicata é título
causal, tal afirmação diz respeito apenas à origem do título; não significa que há
exceção aos princípios cambiários da abstração, da autonomia e da
inoponibilidade de exceções pessoais.
Quanto ao modelo, trata-se de título vinculado, em razão da existência de
normas de padronização provenientes do Conselho Monetário Nacional, como
bem revelam o art. 27 da Lei nº 5.474/1968, e a Resolução nº 102/1968. Por
conseguinte, só é duplicata mercantil o documento emitido por vendedor
empresário, após a confecção da cártula à luz do padrão normativo estabelecido
na Resolução nº 102.
Por fim, a duplicata é um título nominativo, em razão da necessidade da
indicação dos nomes tanto do emitente-vendedor-credor quanto do sacado-
comprador-devedor417. Não obstante, a duplicata é transmissível mediante
endosso, quando pode ser convertida em título ao portador, por meio de endosso
―em branco‖.
1.3. Prazo da compra e venda mercantil
A combinação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 5.474 conduz à seguinte
conclusão: a duplicata tem origem em venda mercantil a prazo igual ou superior a
trinta dias.
A regra, entretanto, não é absoluta, tendo em vista as exceções insertas no
inciso III do § 1º do art. 2º e no § 2º do art. 3º da Lei nº 5.474/1968, os quais
autorizam a emissão de duplicata para vendas mercantis à vista e a prazo inferior
a trinta dias.
1.4. Sujeitos da duplicata mercantil
Os sujeitos originais da relação jurídica proveniente da duplicata são o
emitente-sacador, na qualidade de credor, e o sacado, na qualidade de devedor 417
Cf. art. 2º, § 1º, inciso IV, da Lei nº 5.474/1968.
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da compra e venda mercantil. Com efeito, o emitente-sacador é o vendedor, o qual
passa a ser credor, enquanto o sacado é o comprador, devedor principal da
duplicata418.
Além dos sujeitos originais da duplicata, também há lugar para a
intervenção de avalistas419 e de endossantes. O primeiro endossante só pode ser
o próprio vendedor-sacador, credor original do título.
Por fim, vale ressaltar que o sacado é o devedor principal da duplicata,
porquanto o aceite é obrigatório, ressalvadas as exceções do artigo 8º da Lei nº
5.474/1968. A hipótese não se confunde com a da letra de câmbio, porquanto o
sacado da duplicata é o comprador das mercadorias, participante, portanto, do
negócio jurídico que dá causa ao título. O mesmo raciocínio não é aplicável à letra
de câmbio, já que o sacado não precisa estar vinculado ao negócio jurídico
originário, motivo pelo qual o aceite é sempre facultativo na letra.
1.5. Legislação de regência da duplicata mercantil
O Código Comercial de 1850 dispôs sobre o instituto no art. 219, preceito
no qual reside a origem da duplicata mercantil420. Hoje, entretanto, o principal
diploma de regência da duplicata é a Lei nº 5.474/1968, com as modificações
realizadas pelo Decreto-lei nº 436/1969, e pela Lei nº 6.458/1977.
Omissa a legislação específica, incide a Lei Uniforme de Genebra sobre
letra de câmbio, ex vi do art. 25 da Lei nº 5.474/1968: ―Art. 25. Aplicam-se à
duplicata e à triplicata, no que couber, os dispositivos da legislação sôbre
emissão, circulação e pagamento das Letras de Câmbio‖.
418
Cf. arts. 1º, caput, e 2º, caput, da Lei nº 5.474/1968, e art. 21, § 4º, da Lei nº 9.492/1997. 419
Cf. art. 12 da Lei nº 5.474/1968. 420
―Art. 219 – Nas vendas em grosso ou por atacado entre comerciantes, o vendedor é obrigado a apresentar ao comprador por duplicado, no ato da entrega das mercadorias, a fatura ou conta dos gêneros vendidos, as quais serão por ambos assinadas, uma para ficar na mão do vendedor e outra na do comprador. Não se declarando na fatura o prazo do pagamento, presume-se que a compra foi à vista (art. nº 137). As faturas sobreditas, não sendo reclamadas pelo vendedor ou comprador, dentro de 10 (dez) dias subseqüentes à entrega e recebimento (art. nº 135), presumem-se contas líquidas‖. Como toda a primeira parte do Código Comercial de 1850, o art. 219 foi revogado pelo Código Civil de 2002, agora de forma expressa, já que o art. 28 da Lei nº 5.474/1968, não o fez de forma expressa.
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No que tange ao protesto da duplicata, além dos arts. 13 e 14 da Lei nº
5.474/1968, também incidem o art. 29 do Decreto nº 2.044/1908, e o art. 21, § 4º,
da Lei nº 9.492/1997.
Omissas as leis especiais, incidem as normas infralegais autorizadas pelo
art. 27 da Lei nº 5.474/1968421, como, por exemplo, a Resolução nº 102/1968.
Outra norma infralegal importante é o Convênio de 15 de dezembro de 1970, por
meio do qual houve a instituição do sistema denominado ―nota fiscal-fatura‖.
Por fim, incide a legislação civil geral, como bem revela o enunciado nº 463
aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As
disposições relativas aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles
regulados por leis especiais, no caso de omissão ou lacuna‖. Importante exemplo
de aplicação subsidiária da legislação civil geral se dá em relação à emissão de
duplicata eletrônica, autorizada por força do artigo 889, § 3º, do Código Civil422.
1.6. Duplicata mercantil e nota fiscal-fatura
A duplicata está atrelada a uma nota fiscal-fatura comprobatória da venda
mercantil. A nota fiscal-fatura é o escrito unilateral de emissão obrigatória pelo
vendedor de mercadorias, para fins tributários e comerciais423, com a descrição
analítica da venda e das condições de pagamento. Já a emissão da duplicata é
facultativa, mas tem a vantagem de constituir título de crédito de fácil negociação
e passível de execução forçada mediante processo judicial, ex vi do art. 585,
inciso I, do Código de Processo Civil.
421
―Art. 27. O Conselho Monetário Nacional, por proposta do Ministério da Indústria e do Comércio, baixará, dentro de 120 (cento e vinte) dias da data da publicação desta lei, normas para padronização formal dos títulos e documentos nela referidos fixando prazo para sua adoção obrigatória‖. 422
―As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação de serviços.‖ (enunciado nº 460 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). ―Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, mediante assinatura com certificado digital, respeitadas as exceções previstas em lei.‖ (enunciado nº 461 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). 423
Vale ressaltar que a nota fiscal-fatura não é título de crédito, nem está submetida ao regime cambiário. Não obstante, é a partir do disposto na nota fiscal-fatura que a duplicata pode ser emitida. Daí a finalidade cambiária da nota fiscal-fatura: é o lastro comprobatório da venda mercantil que enseja a emissão da duplicata.
156
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A realização de uma venda mercantil a prazo com parcelamento pode ser
representada em uma só duplicata, com a indicação das parcelas e das datas dos
respectivos vencimentos, ou em várias duplicatas, uma para cada parcela,
conforme a preferência do sacador-vendedor, tendo em vista a autorização inserta
no § 3º do art. 2º da Lei nº 5.474/1968 e na Resolução nº 102/1968.
Em contraposição, uma duplicata não pode estar atrelada a mais de uma
nota fiscal-fatura, em razão da vedação explícita no § 2º do art. 2º da Lei nº
5.474/1968.
1.7. Duplicata versus letra de câmbio
A duplicata mercantil não se confunde com a letra de câmbio. Em primeiro
lugar, a letra pode ser emitida por qualquer pessoa, física ou jurídica. Já a
duplicata mercantil só pode ser emitida por comerciante, mais especificamente,
por vendedor de mercadorias.
Em segundo lugar, os títulos têm objetos diferentes. A letra pode ser
emitida a partir de qualquer negócio jurídico que não seja a compra e venda
mercantil. Já a duplicata mercantil só pode ser emitida em razão de compra e
venda mercantil.
Com efeito, o caput do art. 2º da Lei nº 5.474/1968 revela que o vendedor
de mercadoria a prazo não pode emitir letra de câmbio para representar o crédito
proveniente da compra e venda mercantil. Sem dúvida, o preceito legal só autoriza
o vendedor a formalizar o crédito mediante duplicata.
Nada impede, entretanto, a emissão de título subscrito pelo comprador, em
prol do vendedor, como a nota promissória e o cheque. Daí a correta interpretação
do caput do art. 2º da Lei nº 5.474/1968: o crédito proveniente de compra e venda
mercantil a prazo só pode ensejar um título de crédito emitido pelo vendedor, qual
157
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seja, a duplicata, mas não impede a emissão de títulos subscritos pelo comprador
em favor do vendedor424.
Por fim, o sacado é o devedor principal da duplicata mercantil, porquanto o
aceite é obrigatório, ressalvadas as exceções do artigo 8º da Lei nº 5.474/1968. A
hipótese não se confunde com a da letra de câmbio, porquanto o sacado da
duplicata é o comprador das mercadorias, participante, portanto, do negócio
jurídico que dá causa ao título. O mesmo raciocínio não é aplicável à letra de
câmbio, já que o sacado não precisa estar vinculado ao negócio jurídico originário,
motivo pelo qual o aceite é sempre facultativo na letra.
1.8. Requisitos formais da duplicata mercantil
O § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474 arrola os requisitos formais relativos à
emissão de duplicata mercantil.
Em primeiro lugar, é necessária a denominação ―duplicata‖, com a
indicação da data da emissão e do número de ordem. Com efeito, à vista do art.
2º, § 1º, inciso I, da Lei nº 5.474/1968, o termo ―duplicata‖ precisa estar inserido no
texto da cártula, para que seja título de crédito.
Em razão do vínculo existente com a compra e venda mercantil, também é
necessária a indicação do número da respectiva fatura425. A despeito da regra
segundo a qual a duplicata é emitida no ato da extração da fatura426, a duplicata
também pode ser emitida depois da extração da fatura427. É que a duplicata é
título de emissão facultativa: cabe ao vendedor decidir se e quando deseja emitir o
424
De acordo, na jurisprudência: ―Em se tratando de dívida resultante de compra de mercadoria a prazo, é vedado ao vendedor emitir letra de câmbio em lugar da duplicata mercantil, mas nada obsta que a compra e venda seja representada por nota promissória ou por cheque, que são títulos sacados pelo comprador (Inteligência do art. 2º da Lei nº 5.474/68).‖ (Apelação nº 2.0000.00.306935-8, 3ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 26 de agosto de 2000). 425
Cf. art. 2º, § 1º, inciso II, da Lei nº 5.474/1968. 426
Cf. art. 2º, caput, proêmio, da Lei nº 5.474/1968. 427
―Direito comercial. Recurso especial. Ação cautelar. Fatura comercial. Data de emissão. Duplicata. Saque em data posterior. Possibilidade. - A duplicata mercantil pode ser sacada em data posterior à de emissão da fatura comercial. - A menção à data de emissão da fatura (Lei nº. 5474/68, art. 2º) deve ser entendida apenas como o termo a quo de saque da duplicata, o qual deve ser observado em obediência à natureza causal deste título de crédito.‖ (REsp nº 292.355/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de fevereiro de 2002, p. 414).
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título para representar o crédito da venda mercantil a prazo documentada por meio
da fatura. Não obstante, a emissão deve ocorrer antes do vencimento428.
A duplicata também deve conter a indicação da data precisa do vencimento
ou a declaração de que o pagamento deve ser à vista429. Não é admissível,
entretanto, a emissão de duplicata a certo termo de vista, ou seja, com o
vencimento contado do dia do lançamento do aceite.
A duplicata deve conter a indicação dos nomes e dos domicílios tanto do
vendedor-sacador-emitente quanto do comprador-sacado430. Por ser o sacado-
comprador o devedor principal da duplicata431, também é necessária a
identificação adicional prevista no art. 3º da Lei nº 6.268/1975, mediante a
indicação do número de inscrição no cadastro nacional de pessoas jurídicas, se o
comprador for pessoa jurídica, ou do número de inscrição no cadastro de pessoas
físicas, da cédula de identidade, do título eleitoral ou da carteira profissional, se o
comprador for pessoa natural, sem prejuízo da qualificação genérica prevista no
inciso IV do § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474/1968.
Por oportuno, vale ressaltar que o sacado-comprador pode ser qualquer
pessoa, física ou jurídica, seja de direito privado, seja de direito público432. Nada
impede, portanto, a extração de duplicata a partir da venda de mercadorias a ente
428
Assim, na doutrina: ―A duplicata mercantil deve ser emitida com base na fatura ou na NF-fatura. Logo, sua emissão se dá após a de uma destas relações de mercadorias vendidas. Mas, embora não fixe a lei um prazo específico máximo para a emissão do título, deve-se entender que ele não poderá ser sacado após o vencimento da obrigação ou da primeira prestação.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23ª ed., 2011, p. 324). 429
Cf. art. 2º, § 1º, inciso III, da Lei nº 5.474/1968. 430
Cf. art. 2º, § 1º, inciso IV, da Lei nº 5.474/1968. 431
Cf. art. 21, § 4º, da Lei nº 9.492/1997. 432
De acordo, na jurisprudência: ―EXECUÇÃO CONTRA O MUNICÍPIO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATAS SEM ACEITE, PORÉM ACOMPANHADAS DE NOTAS FISCAIS, COMPROVANTES DE ENTREGA DA MERCADORIA E INSTRUMENTOS DE PROTESTO. LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE NULIDADE NO PROCESSO EXECUTIVO. EMBARGOS JULGADOS IMPROCEDENTES. - As duplicatas mercantis, embora sem aceite, são títulos hábeis a embasar a execução, quando acompanhadas das respectivas notas fiscais, comprovantes de entrega da mercadoria e instrumentos de protesto. Inteligência dos arts. 585, I, do CPC, e 15, II, da Lei 6.458/77.‖ (Apelação nº 1.0460.05.017779-5/001, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 5 de dezembro de 2006). ―EMBARGOS À EXECUÇÃO - DUPLICATA - COMPROVAÇÃO DE FORNECIMENTO DE MERCADORIAS - VALIDADE DO TÍTULO. - É legítimo o saque de duplicata e o respectivo aponte para protesto, se o título estiver antecedido de comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação de serviço. - Comprovada a prestação de serviços ao executado, é devido o pagamento a ele relativo, sob pena de enriquecimento indevido do Município em prejuízo do licitante vencedor. - Recurso não provido.‖ (Apelação nº 1.0515.06.018955-9/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011).
159
159
público; mas eventual execução segue o rito especial do art. 730 do Código de
Processo Civil, e não o procedimento comum para a execução de títulos cambiais.
Ainda à luz do inciso IV do § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474/1968, constata-se
que a duplicata é título nominativo, já que a cártula deve revelar o nome do credor-
beneficiário: o vendedor das mercadorias.
No que tange à importância a ser paga, a duplicata deve conter a precisa
indicação em algarismos e por extenso, tendo em vista o disposto no art. 2º, § 1º,
inciso V, da Lei nº 5.474/1968.
A duplicata também deve conter a indicação da praça do respectivo
pagamento433. A praça de pagamento constante do título também marca o lugar
do Tabelionato competente para o protesto434. Com efeito, o protesto da duplicata
deve ocorrer no Cartório de Protesto de Títulos da praça do pagamento indicada
na cártula.
A duplicata deve conter a cláusula ―à ordem‖, por ser título endossável435.
Com efeito, a expressão legal ―à ordem‖ significa que o título pode ser transferido
a terceiro mediante endosso. Não é admissível, portanto, a emissão de duplicata
com cláusula ―não à ordem‖.
A duplicata deve conter a declaração de reconhecimento da obrigação de
pagamento436, para posterior apresentação ao sacado-comprador, na busca do
aceite.
Por fim, o vendedor-sacador deve assinar a duplicata, na qualidade de
emitente e credor do título437-438. Além da assinatura de próprio punho do
vendedor-emitente, a Lei nº 6.304/1975 estendeu às duplicatas a subscrição
mediante chancela mecânica, consoante a nova redação conferida ao art. 1º da
433
Cf. art. 2º, § 1º, inciso VI, da Lei nº 5.474/1968. 434
Cf. art. 13, § 3º. 435
Cf. art. 2º, § 1º, inciso VII, da Lei nº 5.474/1968. 436
Cf. art. 2º, § 1º, inciso VIII, da Lei nº 5.474/1968. 437
Cf. art. 2º, § 1º, inciso IX, da Lei nº 5.474/1968. 438
Assim, na doutrina: ―A duplicata é um título sacado pelo próprio credor, sem a participação do devedor.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 66).
160
160
Lei nº 5.589/1970439. Não é só. Em virtude da combinação do artigo 889, § 3º, com
o artigo 903, ambos do Código Civil de 2002, também é admissível a emissão de
duplicata eletrônica, mediante assinatura com certificado digital440.
1.9. Livro de Registro de Duplicatas
Embora seja facultativa a emissão de duplicata mercantil, o vendedor-
emitente que efetuar o saque deve abrir o respectivo livro de registro previsto no
art. 19 da Lei nº 5.474/1968. Daí a conclusão: o saque da duplicata é facultativo,
mas se o título for emitido, a abertura e o lançamento no Livro de Registro de
Duplicatas são obrigatórios.
O Livro de Registro de Duplicatas não pode conter emenda, borrão, rasura
nem entrelinhas, bem como deve ser conservado no próprio estabelecimento
empresarial do emitente-vendedor441. A falsificação e a adulteração da
escrituração do Livro de Registro de Duplicatas são crimes tipificados no parágrafo
único do art. 172 do Código Penal brasileiro.
Já a ausência da abertura do livro de duplicatas e a falta da escrituração
das duplicatas é crime tipificado no artigo 178 da Lei nº 11.101/2005, na
eventualidade de decretação de falência do emitente de duplicata mercantil.
Por fim, o Livro de Registro de Duplicatas tem grande serventia na
eventualidade de perda ou extravio da duplicata, para a emissão da triplicata.
1.10. Triplicata
439
"Art. 1º Os títulos ou certificados de ações, debêntures ou obrigações, bem como suas cautelas representativas, de emissão das sociedades anônimas de capital aberto, e as duplicatas emitidas ou endossadas pelo emitente, podem ser autenticadas mediante chancela mecânica, obedecidas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional. Parágrafo único. Aquele que utilizar chancela mecânica, obriga-se e responde integralmente pela legitimidade e valor dos títulos e endossos assim autenticados, inclusive nos casos de uso indevido ou irregular de tal processo, por quem quer que seja." (sem o grifo no original). 440
―Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, mediante assinatura com certificado digital, respeitadas as exceções previstas em lei.‖ (enunciado nº 461 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). ―As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação de serviços.‖ (enunciado nº 460 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). 441
Cf. art. 19, § 2º, da Lei nº 5.474/1968.
161
161
À vista do art. 23 da Lei nº 5.474/1968, o emitente-vendedor tem a
obrigação de emitir triplicata quando há perda ou extravio da duplicata. Não
obstante, a interpretação teleológica do preceito legal revela que a emissão da
triplicata só é obrigatória para que o emitente-vendedor possa acionar o sacado-
comprador mediante execução forçada. Sem dúvida, só há necessidade da
emissão da triplicata por parte do emitente-vendedor se desejar reconstituir título
executivo extrajudicial para cobrar o respectivo crédito mediante ação de
execução442.
Além das duas hipóteses de emissão de triplicata previstas no art. 23 da Lei
nº 5.474/1968, há uma terceira hipótese já reconhecida pelos tribunais pátrios: na
eventualidade de retenção da duplicata pelo sacado-comprador, com a recusa da
devolução do título remetido para aceite, o emitente-vendedor também pode emitir
a triplicata, para poder realizar a cobrança judicial mediante a execução
forçada443.
A emissão da triplicata se da à luz do Livro de Registro das Duplicatas.
Trata-se, a rigor, de uma segunda via da duplicata, ou seja, a segunda reprodução
da nota-fiscal fatura.
Por fim, vale ressaltar que a triplicata tem a mesma natureza jurídica da
duplicata: título executivo extrajudicial. Daí a possibilidade de execução fundada
na triplicata, a despeito da omissão do artigo 585, inciso I, do Código de Processo
Civil. Sem dúvida, o artigo 23 da Lei nº 5.474/1968 dispõe que a triplicata produz
―os mesmos efeitos‖ da duplicata.
442
De acordo, na jurisprudência: ―1. A emissão de triplicata (Art. 23 da Lei 5.474/68) só é necessária quando o vendedor-credor pretender cobrar executivamente o crédito materializado nas duplicatas extraviadas. Tal necessidade desaparece quando o credor, renunciando à cobrança executiva, manejar ação monitória.‖ (REsp nº 819.329/RJ, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 391). 443
Assim, na jurisprudência: ―DIREITO COMERCIAL. DUPLICATAS NÃO DEVOLVIDAS. TRIPLICATAS. EXTRAÇÃO. LICITUDE. LEI 5.474/68, ART. 23. DISSIDIO. RECURSO CONHECIDO MAS DESPROVIDO. I - Não veda a lei a extração de triplicata em face de retenção da duplicata pela sacada. II - Inteligência do art. 23 da Lei 5.474/68.‖ (REsp nº 3.253/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de novembro de 1990, p. 13.262). ―Triplicata. Duplicatas não devolvidas. A jurisprudência admite a extração de triplicata quando o devedor retém as duplicatas que lhe foram enviadas para aceite. Interpretação extensiva ao art. 23 da Lei 5.474/68.‖ (REsp nº 64.227/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 1995, p. 33.570). ―1. A obrigatoriedade da extração de triplicatas alcança os casos de perda ou extravio dos títulos, embora a jurisprudência admita possível a extração havendo retenção.‖ (REsp nº 174.221/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de março de 2000, p. 94).
162
162
1.11. Aceite
Após a emissão pelo vendedor, a duplicata – ou a respectiva triplicata –
deve ser remetida ao sacado-comprador, para o lançamento do respectivo aceite,
à vista dos arts. 2º, § 1º, e 6º, caput, ambos da Lei nº 5.474/1968.
A remessa da duplicata deve ser feita dentro do prazo de trinta dias,
―contado da data de sua emissão‖, quando efetuada pelo próprio emitente-
vendedor444.
Não obstante, se a remessa for feita por intermédio de instituições
financeiras, procuradores, correspondentes ou representantes do emitente-
vendedor, a duplicata deve ser apresentada ao sacado-comprador dentro de dez
dias do recebimento do título na praça de pagamento445.
Após a apresentação da duplicata, o sacado-comprador deve efetuar a
devolução no prazo de dez dias, com o aceite ou o motivo da recusa446. O sacado-
comprador só pode recusar o aceite pelos motivos arrolados no art. 8º: – não-
recebimento da mercadoria ou avaria na mercadoria recebida, ressalvada a
hipótese de o sacado-comprador ter assumido o risco; – vício, defeito ou diferença
na qualidade ou na quantidade da mercadoria; – divergência quanto ao prazo ou
preço.
Como é perceptível primo ictu oculi, ressalvadas as hipóteses taxativas
arroladas no art. 8º, o aceite é obrigatório na duplicata. Daí a importante diferença
entre a duplicata e a letra de câmbio: enquanto na duplicata o aceite é obrigatório,
na letra o aceite é sempre facultativo. A recusa do aceite na letra não gera
responsabilidade cambial alguma para o sacado. O mesmo raciocínio não tem
lugar na duplicata, porquanto a responsabilidade cambial do sacado-comprador
ocorre ex vi legis, e não do aceite em si. Ainda que não aceite a duplicata, o
sacado é o devedor originário e, como tal, pode ser acionado por meio de
execução, desde que cumpridas todas as exigências arroladas no inciso II do art.
15 da Lei nº 5.474/1968.
444
Cf. art. 6º, § 1º, da Lei nº 5.474/1968. 445
Cf. art. 6º, § 2º, da Lei nº 5.474/1968. 446
Cf. art. 7º, caput, da Lei nº 5.474/1968.
163
163
Por fim, vale ressalvar que a duplicata à vista não comporta aceite, mas,
sim, pagamento imediato, no momento da apresentação447.
1.12. Aval
No que tange ao aval, também há lugar para a garantia cambiária na
duplicata, à vista do art. 12 da Lei nº 5.474/1968: ―Art. 12. O pagamento da
duplicata poderá ser assegurado por aval, sendo o avalista equiparado àquele
cujo nome indicar; na falta da indicação, àquele abaixo de cuja firma lançar a sua;
fora dêsses casos, ao comprador‖. Como bem revela o preceito legal, na falta de
indicação do avalizado, considera-se que a garantia foi prestada em favor do
sacado-comprador.
Por fim, vale ressaltar que o aval lançado após o vencimento da duplicata
produz os mesmos efeitos jurídicos que o aval dado antes448.
1.13. Endosso
Na esteira da letra de câmbio e dos demais títulos de crédito, a duplicata
mercantil também é transmissível mediante endosso. Com o endosso, o emitente-
vendedor passa a garantir o título em relação ao aceite e ao pagamento. Por
conseguinte, ainda que não aceita a duplicata e não comprovada a entrega da
mercadoria, a execução pode ter em mira o emitente-sacador que endossou o
título e os respectivos avalistas449.
1.14. Pagamento
447
Cf. art. 7º, caput, proêmio, da Lei nº 5.474/1968. 448
Cf. artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 5.474/1968. 449
Assim, na jurisprudência: ―DUPLICATA - AUSÊNCIA DE ACEITE E DE PROVA DA OPERAÇÃO COMERCIAL - EXECUÇÃO CONTRA ENDOSSANTE E AVALISTAS - POSSIBILIDADE. - A duplicata, mesmo sem aceite e desprovida de prova da entrega da mercadoria ou da prestação do serviço, pode ser executada contra o sacador-endossante e seus garantes. É que o endosso apaga o vínculo causal da duplicata entre endossatário, endossante e avalistas, garantindo a aceitação e o pagamento do título (LUG, Art. 15 c/c Arts. 15, § 1º, e 25 da Lei 5.474/68).‖ (REsp nº 823.151/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2006, p. 285).
164
164
Em virtude da faculdade conferida pelo caput do art. 9º da Lei nº
5.474/1968, o sacado-comprador pode efetuar o pagamento da duplicata mercantil
antes de lançar o aceite e antes do vencimento do título, conforme a sua
preferência. Aliás, é admissível até mesmo o pagamento parcial, ex vi do art. 9º, §
2º, da Lei nº 5.474/1968.
A prova do pagamento da duplicata é o recibo passado pelo credor, no
verso do próprio título ou em documento independente, com referência expressa à
duplicata450. Trata-se, à evidência, de exceção aos princípios cambiais da
cartularidade e da literalidade.
Por fim, na eventualidade do pagamento mediante cheque, a respectiva
liquidação, somada à anotação de que o cheque é destinado ao pagamento da
duplicata, no verso da cártula, também comprova o pagamento da duplicata451.
Não obstante, como o cheque tem natureza pro solvendo, o pagamento da
duplicata só se dá com a liquidação do cheque452.
1.15. Protesto
A duplicata e a respectiva triplicata são passíveis de protesto por recusa de
aceite, por ausência de devolução do título ou por falta de pagamento453. São três,
portanto, as hipóteses legais de protesto da duplicata e da respectiva triplicata:
falta de aceite, falta de devolução da duplicata e falta de pagamento.
Não obstante, a ausência de prévio requerimento de protesto por recusa de
aceite ou por retenção indevida do título não impede o posterior protesto por falta
de pagamento, tendo em vista o disposto no § 2º do art. 13 da Lei nº 5.474/1968,
in verbis: ―§ 2º O fato de não ter sido exercida a faculdade de protestar o título, por
450
Cf. art. 9º, § 1º, da Lei nº 5.474/1968. 451
Cf. art. 9º, § 2º, da Lei nº 5.474/1968. 452
De acordo, na jurisprudência: ―– O mero recebimento, pelo credor, de cheque para pagamento de duplicata não importa novação da dívida, porquanto referenciado cheque tem a característica pro solvendo, importando dizer que somente se concretiza o pagamento após sua compensação.‖ (Apelação nº 2.0000.00.377750-0/001, 2ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 29 de novembro de 2003). ―– Tratando-se de pagamento de dívida com cheque pós-datado, a extinção da obrigação somente se verifica após a liquidação decorrente de sua compensação, em razão do efeito pro solvendo da cártula.‖ (Apelação nº 2.0000.00.400700-3/001, 2ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 20 de dezembro de 2003). 453
Cf. art. 13 da Lei nº 5.474/1968.
165
165
falta de aceite ou de devolução, não elide a possibilidade de protesto por falta de
pagamento‖.
Na eventualidade da ausência de devolução da duplicata por parte do
sacado-comprador, o emitente-vendedor pode realizar o protesto mediante
simples indicações prestadas ao tabelião do cartório de protesto454. À vista da
interpretação jurisprudencial conferida ao art. 23 da Lei nº 5.474/1968, a extração
da triplicata é outra solução juridicamente possível para a eventualidade de
retenção da duplicata pelo sacado-comprador, com a consequente possibilidade
do protesto da triplicata455.
Quanto ao lugar, o protesto da duplicata – ou da respectiva triplicata – deve
ser realizado na praça do pagamento indicada no título456.
No que tange ao prazo, o protesto deve ser realizado dentro de trinta dias
da data do vencimento do título. Com efeito, o § 4º do art. 13 da Lei nº 5.474
dispõe sobre a necessidade do protesto da duplicata dentro do prazo de trinta
dias, sob pena de perda dos direitos cambiários contra os coobrigados:
endossantes e respectivos avalistas457. Por exemplo, o emitente-vendedor é o
credor originário da duplicata e pode ser o primeiro endossante do título; na
hipótese, o emitente-endossante passa a ser coobrigado pelo pagamento da
duplicata, razão pela qual pode ser acionado mediante execução forçada, desde
que o título tenha sido protestado dentro do prazo legal.
Já em relação ao devedor principal da duplicata (sacado-comprador), o
protesto é facultativo. Não obstante, na eventualidade de denegação do aceite, o
454
Cf. art. 13, § 1º, da Lei nº 5.474/1968. 455
Assim, na jurisprudência: ―COMERCIAL. Extração de triplicatas. Obrigatoriedade e faculdade. O art. 23 da lei 5474/68 obriga o vendedor a extrair triplicata, em casos de extravio ou perda da duplicata, mas não exclui a faculdade de fazê-lo em casos de retenção da duplicata, ou em situações assemelhadas que tolhem a circulação do título e deixam sem possibilidade de aparelhar sua execução.‖ (REsp nº 10.941/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de agosto de 1991, p. 11.401). ―Triplicata. Duplicatas não devolvidas. A jurisprudência admite a extração de triplicata quando o devedor retém as duplicatas que lhe foram enviadas para aceite. Interpretação extensiva ao art. 23 da Lei 5.478/68.‖ (REsp nº 64.227/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 1995, p. 33.570). ―1. A obrigatoriedade da extração de triplicatas alcança os casos de perda ou extravio dos títulos, embora a jurisprudência admita possível a extração havendo retenção.‖ (REsp nº 174.221/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de março de 2000, p. 94). 456
Cf. arts. 2º, § 1º, inciso VI, e 13, § 3º, ambos da Lei nº 5.474/1968. 457
De acordo, na jurisprudência: ―É princípio básico que para se poder exercer o direito de regresso o protesto deve ser lavrado até o 30º dia após o vencimento da duplicata, do contrário ocorre a decadência do direito.‖ (Apelação nº 2.0000.00.516493-2, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 30 de novembro de 2005).
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protesto passa a ser condição de admissibilidade da execução em face do
sacado-comprador, sob pena de carência da ação, conforme se infere do art. 15,
caput e inciso II, letra ―a‖, da Lei nº 5.474/1968458. Não obstante, o protesto exigido
na alínea ―a‖ do inciso II do art. 15 não está condicionado ao trintídio previsto no §
4º do art. 13, porquanto a observância do prazo legal diz respeito à conservação
de direitos cambiários em relação aos coobrigados, ao passo que o sacado-
comprador é devedor principal. Daí a justificativa para a serventia do protesto,
ainda que decorridos mais de trinta dias do vencimento da duplicata459.
1.16. Ações fundadas em duplicata e triplicata
1.16.1. Ação cambial ou execução
1.16.1.1. Introdução
A duplicata e a respectiva triplicata são títulos executivos extrajudiciais que
autorizam a propositura de ação de execução para a cobrança judicial da quantia
proveniente da compra e venda mercantil, ex vi do art. 585, inciso I, do Código de
Processo Civil, e do art. 15 da Lei nº 5.474/1968.
1.16.1.2. Foro competente
No que tange ao foro competente para a ação cambial fundada em
duplicata ou triplicata, o art. 17 da Lei nº 5.474/1968 revela que a execução em
face do sacado-comprador pode ser acionada no lugar do pagamento estampado
no título ou no local do domicílio daquele. Sem dúvida, a regra consagrada no art.
458
De acordo, na doutrina: ―Quando não aceita, o instrumento de protesto é indispensável para a caracterização do título executivo.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de processo civil. Volume III, 2008, p. 66). 459
De acordo, na jurisprudência: ―Embargos à execução - Duplicata - Prazo para o protesto. O prazo de 30 dias, estipulado no art. 13, par. quarto, da Lei número 5.474/68, diz respeito apenas ao direito de regresso do portador contra o endossante e respectivos avalistas. O protesto requerido pelo sacador contra o sacado não se sujeita a tal prazo. Recurso improvido.‖ (Apelação nºs 320.319-4 e 0032031-20.1994.807.000, 1ª Turma Cível do TJDF, acórdão nº 76.509, Diário da Justiça de 17 de maio de 1995, p. 6.417, sem o grifo no original).
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17 da Lei nº 5.474/1968 é a possibilidade do acionamento da execução tanto no
foro da praça do pagamento quanto no foro do domicílio do comprador-devedor.
Não obstante, na eventualidade de o sacado-comprador suscitar a incompetência
relativa do foro da praça do pagamento indicada em título sem aceite, a
competência é do foro do domicílio do comprador-devedor, em razão da incidência
da segunda parte do art. 17 da Lei nº 5.474/1968460.
Já a execução movida em face de coobrigado, deve ser acionada no foro
do respectivo domicílio, conforme determina a parte final do artigo 17, in verbis: ―O
foro competente para a cobrança judicial da duplicata ou da triplicata é o da praça
de pagamento constante do título, ou outra de domicílio do comprador e, no caso
de ação regressiva, a dos sacadores, dos endossantes e respectivos avalistas‖.
1.16.1.3. Prescrição cambial
No que tange ao sacado-comprador e aos respectivos avalistas, a
prescrição da pretensão à execução da duplicata ocorre em três anos, contados
da data do vencimento do título, ex vi do art. 18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968461.
Quanto aos endossantes e respectivos avalistas, entretanto, o prazo
prescricional é de apenas um ano, contado da data do protesto (art. 18, inciso II),
o qual é necessário (art. 13, § 4º).
Na eventualidade de algum coobrigado realizar o pagamento, há sub-
rogação, à vista da qual o pagante pode acionar outros coobrigados anteriores na
460
Assim, na jurisprudência: ―Inexistindo manifestação de adesão, quanto ao foro, unilateralmente fixado no título pelo credor, é de incidir a segunda parte da regra insculpida no artigo 17 da Lei de Duplicatas.‖ (REsp nº 762.683/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 11 de fevereiro de 2008, p. 93). Prestigiou-se, portanto, a mesma tese constante da ementa do acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Paraná: ―PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. LEI DE DUPLICATAS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COBRANÇA. AUSÊNCIA DE CLÁUSULA ESTABELECENDO O FORO COMPETENTE A DIRIMIR DIVERGÊNCIAS CONTRATUAIS. DUPLICATA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. TÍTULO SEM ACEITE. IMPOSSIBILIDADE DO SACADOR FIXAR UNILATERALMENTE A PRAÇA DE PAGAMENTO. PREVALÊNCIA DO FORO DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR. APLICAÇÃO DOS ARTS. 17 DA LEI 5.474/68 C.C. ART. 100, IV, ‗D‘, DO CPC. Recurso desprovido. Em se tratando de duplicata sem aceite, a praça de pagamento não pode ser determinada de forma unilateral pelo emitente, devendo prevalecer, neste caso, a competência do domicílio do comprador, tal como determina a segunda parte do art. 17 da Lei de Duplicatas‖. 461
De acordo, na jurisprudência: ―- De acordo com o art. 18, I, da Lei nº 5.474/68, a ação proposta pelo sacador da duplicata contra o sacado prescreve em 3 anos.‖ (Apelação nº 1.0702.05.246064-0/001, TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2007).
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cadeia de obrigações cambiais, no prazo de um ano da efetivação do pagamento
do título, com fundamento no art. 18, inciso II, da Lei nº 5.474/1968, combinado
com o artigo 15 do mesmo diploma e o artigo 567, inciso III, do Código de
Processo Civil.
1.16.1.4. Condições da ação cambial fundada em duplicata e triplicata
Além da observância do prazo prescricional, a execução depende do
cumprimento de outras exigências legais, consoante as seguintes hipóteses:
1ª) se a duplicata foi aceita e devolvida, o título pode aparelhar a execução
do sacado-comprador e do respectivo avalista, independentemente de protesto
cambial, no prazo de três anos, com fundamento nos termos dos arts. 13, § 4º, 15,
inciso I, e 18, inciso I, todos da Lei nº 5.474/1968.
2ª) se a duplicata foi aceita e devolvida pelo sacado-comprador, o título
pode aparelhar a execução dos coobrigados (endossantes e respectivos
avalistas), desde que efetuado o protesto cambial dentro do prazo de trinta dias do
vencimento da duplicata, e que a execução tenha sido ajuizada dentro do prazo de
um ano da data do protesto, tudo nos termos dos arts. 13, § 4º, 15, inciso I, e 18,
inciso II, da Lei nº 5.474/1968.
3ª) se a duplicata não foi aceita, mas foi devolvida pelo sacado-comprador,
é indispensável o protesto cambial do título devolvido sem aceite e a comprovação
da entrega da mercadoria mediante recibo idôneo, para a posterior propositura da
execução em face do sacado-comprador, no prazo de três anos, nos termos do
art. 15, inciso II, alíneas ―a‖ e ―b‖, e § 1º, e do art. 18, inciso I, ambos da Lei nº
5.474/1968. Vale ressaltar que a inteligência do § 1º do art. 15 revela que o recibo
da entrega da mercadoria só é indispensável quando a execução fundada no
inciso II tem como alvo o sacado-comprador. Quando a ação executiva tem em
mira coobrigado, basta o protesto cambial tempestivo, tendo em vista a
interpretação do § 1º do art. 15 da Lei nº 5.474/1968462.
462
De acordo, na jurisprudência: ―O comprovante de recebimento das mercadorias ou do serviço prestado somente é exigido quando a execução é movida contra o devedor principal.‖ (Apelação nº 2.0000.00.516493-
169
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4ª) se a duplicata não foi aceita nem devolvida pelo sacado-comprador, é
indispensável o protesto cambial por meio da triplicata ou por simples indicações
do credor ao Tabelião do Cartório de Protesto, e também a comprovação da
entrega da mercadoria vendida mediante recibo idôneo, para a posterior
propositura da execução em face do sacado-comprador, no prazo de três anos,
tudo nos termos dos arts. 13, § 1º, in fine, 15, inciso II, alíneas ―a‖ e ―b‖, e § 2º, e
18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968463. No que tange à execução em face de
coobrigado, basta o protesto tempestivo da triplicata com endosso ou aval
subscrito, em virtude da autonomia da obrigação cambial; mas a execução deve
ser acionada no prazo de um ano, sob pena de prescrição.
Por fim, sempre que for o executado for o sacado-comprador, o processo
da ação cambial não subsiste quando há a comprovação da recusa do aceite
dentro do prazo de dez dias, com a observância da forma escrita com fundamento
em algum dos motivos arrolados no art. 8º da Lei nº 5.474/1968. Com efeito, a
prova da recusa pode ser suscitada pelo sacado-comprador em sede de
embargos à execução e impede o processamento da execução, nos termos do art.
15, inciso II, alínea ―c‖, da Lei nº 5.474/1968. Recusado o aceite a tempo e modo
pelo sacado-comprador, resta ao sacador-vendedor efetuar a cobrança por meio
de ação de conhecimento sob o rito ordinário, com fundamento no art. 16 do
mesmo diploma legal.
1.16.2. Ação de enriquecimento sem causa ou de locupletamento indevido
2, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 30 de novembro de 2005). ―Não é facultado ao Juiz indeferir a inicial de ação de execução de duplicata protestada pelo fato de faltar o comprovante de entrega de mercadoria quando o exequente é banco endossatário e a cobrança é endereçada ao endossante e seu avalista. Dada a autonomia dessa garantia cambiária, bastam a apresentação do título e o seu protesto para assegurarem a execução contra aqueles coobrigados. (Apelação nºs 355.299-5 e 0035522-98.1995.807.0000, 1ª Turma Cível do TJDF, acórdão nº 78.743, Diário da Justiça de 13 de setembro de 1995, página 12.935). 463
O mesmo raciocínio é aplicável na hipótese de duplicata eletrônica, autorizada por força do art. 903 do Código Civil, como bem revela o preciso enunciado nº 460 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação de serviços‖.
170
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Decorrido o último prazo prescricional da pretensão executiva464, o sacador-
vendedor ainda pode acionar o sacado-comprador, agora em razão do
locupletamento indevido, dentro do prazo de três anos, com fundamento nos arts.
206, § 3º, inciso IV, e 884, ambos do Código Civil de 2002, no art. 25 da Lei nº
5.474/1968, e no art. 48 do Decreto nº 2.044/1908.
Em razão da natureza cognitiva da demanda de enriquecimento sem causa,
o autor deve escolher entre o rito comum465 e o procedimento monitório, mas não
precisa declinar a origem da dívida na petição inicial, porquanto o locupletamento
indevido é demonstrado pela simples juntada da duplicata aceita prescrita, da
duplicata prescrita sem aceite, mas acompanhada do comprovante da entrega das
mercadorias, ou, ainda, nas mesmas condições, da triplicata466.
Após o processamento da demanda de enriquecimento sem causa sob o
rito ordinário ou sob o procedimento monitório, conforme a escolha do autor, o
título executivo judicial é constituído em favor do autor prejudicado pelo
locupletamento indevido.
1.16.3. Ação de cobrança ou ação causal
Diante da ausência de alguma das exigências arroladas no art. 15 da Lei nº
5.474 para a propositura da execução cambial ou na eventualidade de prescrição
da pretensão executiva, o credor ainda pode escolher entre ajuizar a demanda de
cobrança sob o rito ordinário, com fundamento no art. 16 da Lei nº 5.474, ou sob o
procedimento monitório, à vista do art. 1.102-A do Código de Processo Civil, com
464
Qual seja, o prazo de três anos previsto no art. 18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968. 465
O procedimento comum é dividido em ordinário e sumário, conforme o valor da causa. 466
Em reforço, vale conferir o didático voto proferido pelo eminente Desembargador Alexandre Freitas Câmara, na qualidade de revisor da Apelação nº 2009.001.07855: ―A partir daí, porém, só se pode demandar com apoio no direito literal e autônomo representado pela duplicata (demanda de enriquecimento, que dispensa a invocação da causa debendi). Neste caso, então, incide o prazo previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, de três anos, contados do término do prazo dentro do qual era adequada a execução. A demanda de enriquecimento, evidentemente, pode ser proposta pelo procedimento ordinário ou monitório, conforme prefira o demandante.‖ (cf. Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ).
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a juntada da prova escrita sem eficácia de título executivo para demonstrar a
origem da dívida declinada na petição inicial467-468.
2. Duplicata de prestação de serviços
A duplicata de prestação de serviços reside nos arts. 20 e 21 da Lei nº
5.474/1968. Trata-se de duplicata cujo objeto é a prestação de serviços. À
prestação de serviços, entretanto, não equivale mera locação de bem móvel,
como bem assentou o Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ao aprovar
o enunciado nº 17: ―O contrato de locação de bem móvel não autoriza o saque de
duplicata‖469. Ainda que por outro fundamento, o crédito proveniente de prestação
de serviços profissionais de advocacia também não autoriza o saque de duplicata,
seja mercantil, seja de prestação de serviços, tendo em vista a vedação
467
Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO MONITÓRIA. DUPLICATA SEM ACEITE, ACOMPANHADA DA NOTA FISCAL/FATURA E DO INSTRUMENTO DE PROTESTO. PROVA ESCRITA. DOCUMENTO QUE NÃO PRECISA SER OBRIGATORIAMENTE EMANADO DO DEVEDOR. - O documento escrito a que se refere o legislador não precisa ser obrigatoriamente emanado do devedor, sendo suficiente, para a admissibilidade da ação monitória, a prova escrita que revele razoavelmente a existência da obrigação. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 167.618/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de junho de 1999, p. 202). ―Ação monitória. Duplicata de prestação de serviço sem aceite. Ausência de documento comprovando o recebimento do serviço. 1. Afirmando o Acórdão recorrido que, no caso, não há documento comprovando o recebimento dos serviços, e admitindo a jurisprudência da Corte que a duplicata sem aceite é título executivo se acompanhado de tal documento, não é possível impedir o autor de exercer o seu direito de credor pela via da ação monitória.‖ (REsp nº 167.222/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de outubro de 1999, p. 55). 468
No mesmo sentido, na doutrina: ―Se a duplicata ou triplicata não preenche os requisitos legais para a execução, pode seu credor recorrer ao procedimento ordinário, ou seja, ao processo de conhecimento, aforando uma ação de cobrança. A mesma alternativa processual socorre o credor na hipótese de prescrição do título. De qualquer sorte, tem-se ainda a possibilidade de manejo da ação monitória, instrumento de previsão mais recente no Direito brasileiro.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 340). 469
Cf. Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 372.571, Pleno do 1º TACIVSP, Diário da Justiça de 20 de abril de 1988 e Revista JTA, volume 107, p. 191. No mesmo sentido, na jurisprudência do STJ: ―– Não se admite a emissão de duplicata mercantil com base em contrato de locação de bens móveis, uma vez que a relação jurídica que antecede à sua formação não se enquadra nas hipóteses legais de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços.‖ (REsp nº 397.637/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 23 de junho de 2003, p. 353). ―DECLARATÓRIA - DUPLICATA - EMISSÃO COM BASE EM RELAÇÃO LOCATÍCIA - IMPOSSIBILIDADE. A locação de bens móveis, inclusive a de veículos, não pode ser fato gerador do ISS. A duplicata, por ser título causal, só pode ser emitida nas hipóteses legais de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços, não se admitindo a sua emissão com base em contrato de locação de bens móveis, uma vez que relação jurídica que antecede a sua formação não se classifica como prestação de serviços.‖ (Apelação nº 1.0024.05.582373-6/001, 15ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 17 de setembro de 2007). ―APELAÇÃO CÍVEL. DUPLICATA. INEXIGIBILIDADE. LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. 1. A duplicata mercantil é um título de crédito causal e somente pode ser emitida de forma válida e regular desde que lastreada em compra e venda mercantil ou em prestação de serviços, conforme o disposto no art. 1º e art. 20 da Lei n.º 5.474/68. 2. Considerando que a locação de bens móveis não constitui prestação de serviços, não pode a mesma, lastrear a emissão de duplicata.‖ (Apelação nºs 1.0702.07.373859-4/001 e 3738594-41.2007.8.13.0702, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 27 de agosto de 2010).
172
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estampada no artigo 42 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados
do Brasil470-471.
Feitas as ressalvas, a duplicata de prestação de serviços pode ser emitida
por empresário individual, por sociedade empresária, bem assim por fundação e
por sociedade civil472. Não obstante, sempre tem natureza cambial, até mesmo
quando emitida por fundação ou por sociedade simples.
Em relação ao sacado, o devedor na duplicata pode ser qualquer pessoa,
física ou jurídica, seja de direito privado, seja de direito público473. Nada impede,
portanto, a extração de duplicata vinculada à prestação de serviços em prol de
ente público; mas eventual execução segue o rito especial do artigo 730 do
Código de Processo Civil, e não o procedimento comum para a execução
aparelhada em títulos cambiais.
No que tange aos requisitos formais, além dos requisitos gerais arrolados
no § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474, a duplicata de prestação de serviço também
470
Com efeito, o artigo 42 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil só autoriza a ―emissão de fatura, desde que constitua exigência do constituinte ou assistido, decorrente de contrato escrito, vedada a tiragem de protesto‖. 471
De acordo, na jurisprudência: ―AÇÃO ANULATÓRIA DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB. VEDAÇÃO À EMISSÃO DE DUPLICATA OU O PROTESTO DESTA. A duplicata sacada pela apelante não se reveste de legalidade, por não encontrar substrato em efetiva prestação de serviço, pois, em que pesem o cuidado e o zelo da apelante com o oferecimento de bem à penhora e o cumprimento das obrigações assumidas no contrato de prestação de serviços firmado com a apelada, certo é que o ‗êxito‘ existente na ação fiscal deveu-se apenas ao cancelamento da dívida da parte executada naquele processo. O art. 42 do Código de Ética e Disciplina da OAB é claro quanto à proibição de emissão, por advogado ou sociedade de advogados, de qualquer título de crédito de natureza mercantil, com exceção da fatura, e esta, sob certas condições.‖ (Apelação nºs 2.0000.00.491669-8/000 e 4916698-54.2000.8.13.0000 , 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 24 de novembro de 2006). 472
Vale dizer, sociedade simples. 473
De acordo, na jurisprudência: ―EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA. ACEITE. AUSÊNCIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEMONSTRAÇÃO. TÍTULO LEVADO A PROTESTO. REQUISITOS PRESENTES. EMBARGOS INACOLHIDOS. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. O município pode ser demandado em ação de execução que tem por objeto a cobrança de título extrajudicial. Precedentes do colendo STJ. Em se tratando de execução fundada em duplicata não aceita, o credor deve demonstrar, cumulativamente, o protesto do título e a prestação do serviço.‖ (Apelação nº 1.0295.03.004524-5/001, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de maio de 2008). ―EMBARGOS À EXECUÇÃO - DUPLICATA - COMPROVAÇÃO DE FORNECIMENTO DE MERCADORIAS - VALIDADE DO TÍTULO. - É legítimo o saque de duplicata e o respectivo aponte para protesto, se o título estiver antecedido de comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação de serviço. - Comprovada a prestação de serviços ao executado, é devido o pagamento a ele relativo, sob pena de enriquecimento indevido do Município em prejuízo do licitante vencedor. - Recurso não provido.‖ (Apelação nº 1.0515.06.018955-9/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011).
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deve conter a natureza do serviço prestado e a respectiva importância a ser
paga474.
Tal como a duplicata mercantil, a emissão de duplicata de prestação de
serviço torna obrigatória a abertura do Livro de Registro de Duplicatas, porquanto
incidem as regras gerais de regência da duplicata mercantil.
Na mesma esteira, o art. 21 versa sobre os motivos de recusa do aceite, à
vista do disposto no art. 8º. Por conseguinte, tal como ocorre com a duplicata
mercantil devolvida sem aceite, é admissível o protesto cambial fundado na
comprovação da prestação dos serviços, com a posterior abertura da via executiva
em prol do credor, o qual pode acionar tanto a execução civil quanto a falência. A
propósito, vale conferir o preciso enunciado nº 248 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça: ―Comprovada a prestação de serviços, a duplicata não aceita,
mas protestada, é título hábil para instruir pedido de falência‖.
Por fim, na esteira da duplicata mercantil, a duplicata de prestação de
serviços também é transmissível mediante endosso. Com o endosso, o emitente-
sacador passa a garantir o título em relação ao aceite e ao pagamento. Por
conseguinte, ainda que não aceita a duplicata e não comprovada a prestação do
serviço, o emitente-sacador que endossou o título e os respectivos avalistas
podem ser executados475.
3. Conta de prestação de serviços
A conta de prestação de serviços consta do art. 22 da Lei nº 5.474/1968.
Trata-se de título de crédito impróprio consubstanciado em fatura emitida por
profissionais liberais ou prestadores eventuais de serviços. Por exemplo, o artigo
42 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil dispõe
474
Cf. art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei nº 5.474/1968. 475
Assim, na jurisprudência: ―DUPLICATA - AUSÊNCIA DE ACEITE E DE PROVA DA OPERAÇÃO COMERCIAL - EXECUÇÃO CONTRA ENDOSSANTE E AVALISTAS - POSSIBILIDADE. - A duplicata, mesmo sem aceite e desprovida de prova da entrega da mercadoria ou da prestação do serviço, pode ser executada contra o sacador-endossante e seus garantes. É que o endosso apaga o vínculo causal da duplicata entre endossatário, endossante e avalistas, garantindo a aceitação e o pagamento do título (LUG, Art. 15 c/c Arts. 15, § 1º, e 25 da Lei 5.474/68).‖ (REsp nº 823.151/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2006, p. 285).
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sobre a ―emissão de fatura, desde que constitua exigência do constituinte ou
assistido, decorrente de contrato escrito, vedada a tiragem de protesto‖.
Tal como na duplicata de prestação de serviços, o objeto da fatura ou conta
também é a prestação de serviços, como, à vista do exemplo exposto, os serviços
profissionais advocatícios.
Não obstante, não há Livro de Registro de Duplicatas, porquanto não há
emissão de duplicata alguma, mas, sim, de mera fatura ou conta, com o simples
registro no Tabelionato de Títulos de Documentos476. Vale ressaltar que o registro
previsto no § 2º do art. 22 da Lei nº 5.474/1968 é indispensável para que a fatura
ou conta de serviço seja considerada título executivo extrajudicial idôneo para
ensejar execução forçada477.
Por fim, os requisitos formais da fatura ou conta estão arrolados no § 1º do
art. 22: natureza do serviço prestado; valor do serviço; local e data do pagamento;
vínculo contratual originário do serviço.
4. Duplicata rural
O diploma de regência da duplicata rural é o Decreto-lei nº 167/1967, com
as alterações conferidas da Lei nº 6.754/1979.
No que tange ao objeto, a duplicata rural pode ser emitida para representar
venda a prazo de bens de natureza rural: agrícola, pastoril ou extrativa. Por
conseguinte, a duplicata rural pode ser emitida por produtores rurais e por
cooperativas rurais.
Quanto aos requisitos formais, são, mutatis mutandis, os mesmos arrolados
no § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474/1968, com as adaptações necessárias ao objeto
e ao emitente da duplicata rural. Eis os requisitos formais previstos no Decreto-lei
nº 167/1967: designação ―duplicata rural‖; data do pagamento; nomes e domicílios
do comprador e do vendedor; importância a pagar, em algarismos e por extenso;
476
Cf. art. 22, § 2º, da Lei nº 5.474/1968. 477
De acordo, na jurisprudência: Apelação nº 2004.022313-7, Câmara Especial Regional de Chapecó do TJSC, Diário da Justiça de Santa Catarina de 1º de setembro de 2009, p. 495.
175
175
praça do pagamento; indicação dos produtos rurais vendidos; data e lugar da
emissão; cláusula ―à ordem‖; reconhecimento da obrigação pelo comprador, a ser
subscrito no momento da apresentação para aceite; assinatura do vendedor.
Por fim, diferentemente dos títulos de crédito em geral (letra de câmbio,
nota promissória, cheque, duplicata), os quais são apenas créditos quirografários,
a duplicata rural goza de privilégio especial, ex vi do art. 53 do Decreto-lei nº
167/1967, razão pela qual deve ser paga com prioridade em relação aos demais
títulos de crédito, na eventualidade de falência do devedor, tudo nos termos do art.
83, incisos IV e VI, da Lei nº 11.101/2005.
5. Duplicata simulada
A emissão de fatura, duplicata ou nota de venda sem exata
correspondência à mercadoria vendida ou ao serviço prestado é crime tipificado
no art. 172 do Código Penal, cuja redação atual foi dada pela Lei nº 8.137/1990.
Com maior razão, a emissão de duplicata sem venda de mercadoria alguma e
sem prestação de serviço algum também deve ser apenada à luz do art. 172 do
Código Penal478. Em qualquer caso, a ação penal é pública incondicionada.
Em razão da natureza formal do crime tipificado no art. 172 do Código
Penal, há a consumação com a emissão e a circulação da duplicata simulada,
sem depender da ocorrência de prejuízo a outrem479. Por conseguinte, há a
478
De acordo, na jurisprudência: ―1. A nova redação do art. 172 do Código Penal, dada pela Lei nº 8.137/90, não excluiu do tipo o ato de emitir duplicata que não corresponda a uma venda de mercadoria ou prestação de serviço efetivamente realizadas. Precedente da Suprema Corte.‖ (REsp nº 443.929/SP, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 25 de junho de 2007, p. 307). ―1. Responde pelo crime de duplicata simulada o agente que emite duplicata que não corresponde a efetiva transação comercial.‖ (HC nº 9.444/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1999, p. 72). 479
Assim, na jurisprudência: ―RECURSO ESPECIAL. PENAL. PENAL E PROCESSO PENAL. DUPLICATA SIMULADA. ARTS. 172 E 71 DO CÓDIGO PENAL. CRIME CONTINUADO. CONCURSO DE PESSOAS. LEGISLAÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. O delito do art. 172 do CP sempre foi, na antiga e na atual redação, crime de natureza formal. Consuma-se com a expedição da duplicata simulada, antes mesmo do desconto do título falso perante a instituição bancária.‖ (REsp nº 147.507/RS, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de setembro de 2000, p. 147). ―PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DUPLICATA SIMULADA. A consumação do delito previsto no art. 172 do CP se dá com a simples e efetiva colocação da duplicata em circulação, independentemente do prejuízo (Precedente).‖ (CC nº 27.049/PE, 3ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 14 de agosto de 2000, p. 135). ―A consumação do delito previsto no art. 172 do CP, crime formal e unissubsistente, dá-se com a simples e efetiva colocação da duplicata em circulação, independentemente do prejuízo.‖ (RHC nº 16.053/SP, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de setembro de 2005, p. 368).
176
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consumação do crime com a simples remessa da duplicata simulada ao sacado-
comprador ou com o lançamento do endosso pelo emitente-vendedor, seguido da
tradição a outrem.
Sob outro prisma, trata-se de crime doloso consubstanciado na vontade de
emitir duplicata mercantil, sem perfeita vinculação com venda de mercadorias, ou
sem a correspondente prestação de serviços, no caso da duplicata de prestação
de serviço. Por conseguinte, a emissão de duplicata proveniente de negligência,
imprudência ou imperícia não configura o crime, porquanto não há a modalidade
culposa no art. 172 do Código Penal.
Por fim, a duplicata simulada não tem efeito cambial, razão pela qual não
pode aparelhar a execução prevista no art. 15 da Lei nº 5.474/1968, e no art. 585,
inciso I, do Código de Processo Civil. Eventual execução ajuizada com esteio em
duplicata simulada é passível de embargos à execução, para a desconstituição do
título de crédito e a extinção do processo executivo480.
480
De acordo, na jurisprudência: ―DIREITO PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - DUPLICATA SIMULADA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO À UNANIMIDADE. I – Diante do fato de as notas fiscais que originaram a execução não corresponderem ao negócio jurídico entabulado entre as partes, verifica-se a existência de duplicata simulada, impondo-se a anulação desta. II – Devem, portanto, ser acolhidos os embargos à execução opostos para desconstituir os títulos que embasaram a execução em face da simulação de entrega de mercadoria.‖ (Apelação nº 1999.01.1.074963-0, 3ª Turma Cível do TJDF, acórdão registrado sob o nº 150.097, Diário da Justiça de 13 de março de 2002, p. 47).
177
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CAPÍTULO VI – AÇÃO CAMBIAL
1. Conceito de ação cambial
À vista do proêmio do art. 49 do Decreto nº 2.044/1908: ―A ação cambial é
executiva‖. Daí a explicação para as expressões ―execução cambial‖ e ―execução
cambiária‖481.
Não obstante, autorizada doutrina sustenta que tanto a execução quanto a
demanda cognitiva de enriquecimento sem causa fundadas em título de crédito
são ―ações cambiais‖482. Ainda que muito respeitável a tese, prestigia-se o
disposto no art. 49 do Decreto nº 2.044/1908, segundo o qual a ―ação cambial‖
tem natureza executiva. A demanda de enriquecimento sem causa não é
verdadeira ―ação cambial‖, por ter natureza cognitiva e por não estar fundada em
obrigação cambial, mas, sim, na obrigação civil prevista no art. 884 do Código
Civil. Com efeito, a demanda de enriquecimento sem causa tem como escopo
evitar o locupletamento de uma pessoa que obteve ganho sem cumprir a
481
De acordo, na doutrina: ―A ação cambial, no direito brasileiro, é uma ação executiva típica.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 25ª ed., 2008, nº 599, p. 465). ―Mas o nome ação cambial, por tradição, ficou mantido, quando poderia ser execução cambial. No entanto, pouco importa se se trata de execução, ação de execução, execução cambial ou ação cambial. Isso quer dizer que a ação cambial segue o mesmo caminho estabelecido pelo processo civil brasileiro vigente para o processo de execução. Entenda-se, pois: a ação cambial corresponde ao processo de execução (arts. 586 e seguintes do CPC), especialmente com a aplicação do inciso I do art. 585, bem como dos arts. 646 e seguintes do Código de Processo Civil.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 275). ―Assim é denominada a ação que tem por título a cambial. Notadamente a ação que tem o portador da cambial para obter o pagamento, ou quando já paga, para conseguir o reembolso dos co-obrigados anteriores. Nos termos da lei processual, a ação cambiária será executiva (Cód. Proc. Civil, art. 298, nº XIII), razão pela qual, na prática forense, é ela mais conhecida pelo nome de executivo cambiário.‖ (Carvalho Santos. Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Volume II, p. 1). ―AÇÃO CAMBIAL. É a ação típica para a cobrança executiva dos títulos de crédito: letra de câmbio, nota promissória ou conta assinada (duplicata). É uma ação executiva, por também se conhece vulgarmente pelos nomes de executivo cambial ou executivo cambiário.‖ (De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico. Vo lume I, 6ª ed., 1980, p. 16). Ainda a respeito da distinção, merece ser prestigiada a lição do Professor Luiz Pinto Ferreira, especialmente na parte final, quando bem ensina que a ação de enriquecimento indevido não é ação cambial: ―AÇÃO DE CHEQUE. A ajuizada para exigir o importe do título com os encargos complementares, atribuída ao beneficiário, ao co-obrigado que tenha pago e ao avalista, contra todos os co-obrigados ou mesmo um só (Lei Uniforme sobre o Cheque, Anexo I, art. 52; Lei nº 7.357, de 2-9-1985, art. 47). Prescreve em seis meses, contados da data de expiração do prazo de apresentação. Permanece, entretanto, o direito do beneficiário de cobrar o que lhe é devido, não mais por ação cambiária, e sim por ação de enriquecimento ilícito.‖ (Pinto Ferreira. Vocabulário jurídico das ações e dos recursos. 1999, p. 11). 482
Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 451 e 452, in verbis: ―As ações cambiais do cheque são duas: a execução, que prescreve nos 6 meses seguintes ao
término do prazo de apresentação; e a de enriquecimento indevido, que tem natureza cognitiva e pode ser proposta nos 2 anos seguintes à prescrição da execução. Nas duas, operam-se os princípios do direito cambiário e, assim, o demandado não pode argüir, na defesa, matéria estranha à sua relação com o demandante.‖.
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contraprestação devida. Por conseguinte, a demanda de enriquecimento sem
causa tem em mira apenas o beneficiário do locupletamento indevido, e não todos
os obrigados cambiais483, como se dá na única ―ação cambial‖, vale dizer, a
execução fundada em título de crédito.
Por tudo, a ação de execução movida à vista dos arts. 43, 47 e 53 da Lei
Uniforme de Genebra, dos arts. 15 e 18 da Lei nº 5.474/1968, dos arts. 47 e 59 da
Lei nº 7.357/1985, e do inciso I art. 585 do Código de Processo Civil é a única
ação cambial, porquanto está submetida às regras do Direito Cambiário.
Em suma, à vista do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, dos
arts. 43, 47, 53, 70 e 77 da Lei Uniforme de Genebra, dos arts. 15 e 18 da Lei nº
5.474/1968, e dos arts. 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985, ação cambial é a execução
forçada aparelhada em título de crédito; as outras ―ações‖484 admissíveis para a
cobrança judicial de ―títulos de crédito‖ prescritos, rasurados, rasgados ou
descaracterizados por outro motivo não são propriamente cambiais, porquanto
não são fundadas na responsabilidade nem na solidariedade especiais
provenientes da relação jurídico-cambial, mas, sim, nas regras comuns do Direito
Civil485.
2. Objeto da ação cambial
483
No mesmo sentido, na jurisprudência: ―Ação monitória. Cheque prescrito. Avalista. Prescrito o cheque, desaparece a relação cambial e, em consequência, o aval. Permanece responsável pelo débito apenas o devedor principal, salvo se demonstrado que o avalista se locupletou.‖ (REsp nº 200.492/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto de 2000, p. 123). ―Direito comercial. Recurso especial. Embargos à ação monitória. Cheque prescrito. Propositura de ação contra o avalista. Necessidade de se demonstrar o locupletamento. Precedente. – Prescrita a ação cambial, desaparece a abstração das relações jurídicas cambiais firmadas, devendo o beneficiário do título demonstrar, como causa de pedir na ação própria, o locupletamento ilícito, seja do emitente ou endossante, seja do avalista.‖ (REsp nº 457.556/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 16 de dezembro de 2002, p. 331). 484
Por exemplo, a ação de locupletamento indevido e a ação de cobrança fundada na relação jurídica causal, tanto sob o rito comum quanto sob o procedimento monitório. Tanto a demanda de enriquecimento sem causa quanto a demanda de cobrança estão sujeitas às regras comuns do Direito Civil, razão pela qual não são verdadeiras ações cambiais. 485
De acordo, na jurisprudência: ―Nos termos do art. 70 da Lei Uniforme, normativo legal aplicado à letra de câmbio, é a ação cambial (ação de execução) que vem perecer com a incidência do instituto da prescrição, todavia, sobrevivendo ação de conhecimento (de cobrança), de cunho civil‖ (Apelação nº 1.0702.04.184212-2/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 12 de outubro de 2006).
179
179
No que tange ao objeto486, a execução abrange a quantia estampada no
título de crédito, os juros de mora contados a partir do vencimento487, a correção
monetária também contada a partir do vencimento488, as eventuais despesas
cartorárias com o protesto, se existentes, bem assim as despesas processuais
antecipadas pelo exequente, por força dos arts. 19, 257 e 598 do Código de
Processo Civil, e os honorários advocatícios fixados à luz do art. 652-A, caput, do
mesmo diploma.
3. Ação cambial de letra de câmbio
A ação cambial fundada em letra de câmbio está prevista no art. 585, inciso
I, do Código de Processo Civil. O credor pode acionar tanto o devedor principal
(sacado-aceitante da letra) quanto os respectivos avalistas mediante ação direta
de execução, isto é, sem a necessidade de prévio protesto. À vista do art. 70 da
Lei Uniforme de Genebra, a execução contra o devedor principal (aceitante e
respectivos avalistas) deve ser proposta dentro do prazo de três anos, contados
do vencimento da letra de câmbio489. Trata-se de prazo prescricional disponível
para o credor exercer a respectiva pretensão patrimonial contra o devedor
principal, contra os respectivos avalistas (do devedor principal), contra qualquer
um ou até contra todos, se assim preferir490.
486
Cf. art. 52 da Lei nº 7.357/1985. 487
Assim, na jurisprudência: ―– Cambial. Cobrança executiva de nota promissória. Contam-se os juros do vencimento do título.‖ (RE nº 54.280/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 13 de dezembro de 1967). ―Os juros da mora contam-se do vencimento do título.‖ (RE nº 47.956/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 1967). Em abono, merece ser prestigiado o verbete nº 17 aprovado pela 1ª Câmara Civil do antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―Os juros nos títulos executivos cambiais devem ser contados a partir do vencimento.‖ (Minas Gerais, Parte II, Diário do Judiciário de 26 de fevereiro de 1982, p. 1). Na esteira do verbete nº 17, houve a aprovação unânime da conclusão nº 18 no 6º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, in verbis: ―Os juros, nos títulos executivos cambiais, devem ser contados a partir do vencimento.‖ (cf.
Theotonio Negrão. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 25ª ed., 1994, p. 263, nota 9 ao art. 293). 488
Cf. art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981. 489
De acordo, na jurisprudência: ―Estabelece o art. 70 da Lei Uniforme, relativa às letras de câmbio, ser de 03 (três) anos o prazo para a propositura da ação executiva contra aceitante, na ordem de pagamento, e emitente, na promessa de pagamento, e seus avalistas, contados a partir do vencimento da cambial.‖ (Apelação nº 2.0000.00.484560-9/000, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de julho de 2006). ―Estabelece o art. 70 da Lei Uniforme, relativa às letras de câmbio, ser de 03 anos o prazo para a propositura da ação executiva contra aceitante, na ordem de pagamento, e emitente, na promessa de pagamento, e seus avalistas, contados a partir do vencimento da cambial.‖ (Apelação nº 1.0433.07.221751-9/001, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de junho de 2008). 490
Cf. arts. 43 e 47 da Lei Uniforme de Genebra.
180
180
Quanto aos coobrigados da letra, quais sejam, o emitente-sacador, o
tomador-endossante, os demais endossantes e os avalistas dos mesmos, o credor
tem o prazo de um ano para ajuizar a execução fundada no art. 585, inciso I, do
Código de Processo Civil. Trata-se de prazo prescricional que corre da data do
protesto tempestivo ou do vencimento do eventual título ―sem despesas‖. Com
efeito, no que tange ao emitente-sacador, endossantes e respectivos avalistas, a
ação cambial deve ser proposta dentro do prazo prescricional de um ano, a contar
da data do protesto tempestivo ou da data do vencimento, se a letra tiver a
cláusula ―sem protesto‖, tudo nos termos do art. 70 da Lei Uniforme.
Na eventualidade de algum coobrigado efetuar o pagamento da letra, o
mesmo pode, com fundamento na sub-rogação, exercer o direito de regresso
contra outros coobrigados, por meio de ação de execução, a qual deve ser
proposta dentro do prazo prescricional de seis meses. Com efeito, à vista dos arts.
47, terceiro parágrafo, e 70, terceiro parágrafo, ambos da Lei Uniforme, o
coobrigado que efetuar o pagamento tem o prazo de seis meses para acionar
coobrigados pretéritos na cadeia de anterioridade, por meio de ação executiva de
regresso. Por força do art. 567, inciso III, do Código de Processo Civil, o sub-
rogado pode iniciar nova execução ou até mesmo dar seguimento à execução
movida pelo credor originário, hipótese na qual o coobrigado pagante passa a
ocupar o lugar deixado pelo credor original cujo crédito foi satisfeito.
4. Ação cambial de nota promissória
Diante do vencimento491 sem o respectivo pagamento da nota promissória,
o credor pode executar tanto o devedor principal492 quanto os coobrigados, em
conjunto ou isoladamente, conforme a livre preferência, tudo nos termos dos arts.
43 e 47 da Lei Uniforme, aplicáveis por força do art. 77 do mesmo diploma.
No que tange ao devedor principal e ao respectivo avalista, o credor pode
mover ação de execução aparelhada em título extrajudicial, com fundamento no
491
Vencimento que pode ser ordinário ou extraordinário. 492
O emitente-sacador da nota promissória.
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181
art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, de forma direta493. Já em relação
aos coobrigados, a subsistência dos direitos cambiários do credor depende do
prévio protesto no prazo legal, ex vi do art. 53 da Lei Uniforme, aplicável à nota
promissória em razão do art. 77 do Decreto nº 57.663, de 1966.
O prazo prescricional para a execução cambial fundada na nota promissória
também varia conforme o executado seja o devedor principal ou algum
coobrigado. Em regra, a execução deve ser proposta dentro do prazo de três anos
do vencimento da nota promissória494. Trata-se de prazo prescricional disponível
para o credor exercer a respectiva pretensão patrimonial contra o devedor
principal, contra o respectivo avalista ou contra ambos, se assim preferir495.
Quanto aos coobrigados496, o credor tem o prazo de um ano para ajuizar a
execução fundada no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Trata-se de
493
Vale dizer, sem a necessidade de prévio protesto. 494
Assim, na jurisprudência: ―- COMERCIAL. NOTA PROMISSÓRIA. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO CAMBIAL. O prazo é atualmente de três anos, consoante os arts. 70 e 77 da Lei Uniforme relativa às letras de câmbio e notas promissórias, promulgada pelo Decreto nº 57.663, de 24.1.66.‖ (RE nº 91.050/RJ, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 1º de julho de 1983, p. 9.996). Colhe-se do voto condutor do Ministro-Relator: ―Tais dispositivos prevêem a prescrição das ações contra o aceitante da letra de câmbio ou emitente da nota promissória, e, conseqüentemente, contra seus avalistas, no prazo de três anos‖. ―EXECUÇÃO - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - NOTA PROMISSÓRIA - PRAZO PRESCRICIONAL DE TRÊS ANOS - ARTS. 70 E 77 DA LEI UNIFORME DE GENEBRA - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA. A execução embasada em nota promissória prescreve em três anos, em consonância com os arts. 70 e 77 da LUG.‖ (Apelação nº 1.0024.05.829981-9/002, TJMG, Diário da Justiça de 23 de agosto de 2008). ―APELAÇÃO - EMBARGOS DO DEVEDOR - NOTA PROMISSÓRIA - DEMORA NA CITAÇÃO - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA. - De acordo com o art. 18, I, da Lei nº 5.474/68, a ação proposta pelo sacador da duplicata contra o sacado prescreve em 3 anos. Idêntico o prazo prescricional para a execução de nota promissória, nos termos do art. 70, da Lei Uniforme, promulgada em nosso país pelo Decreto nº 57.663/66.‖ (Apelação nº 1.0702.05.246064-0/001, TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2007). ―PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA São aplicáveis às notas promissórias as disposições relativas à letra de câmbio constante do Decreto n.57.663/66, na parte que não sejam contrárias à natureza do título. Preceitua o referido decreto, em seu art. 70 que ‗todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento‘, sendo este, portanto, o prazo prescricional aplicável à nota promissória.‖ (Apelação nº 10382040389027001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 28 de junho de 2010). Por oportuno, colhe-se do voto-vencedor proferido pelo Desembargador-Relator: ―Uma vez que, no caso da nota promissória podemos equiparar o emitente ao aceitante da letra de câmbio, conforme antes definiu o Decreto n. 2.044/1908 em seu art. 56, tendo a nota promissória apresentada com a exordial vencido no dia 28 de janeiro de 2002 (f. 12 e 17), o credor poderia tê-la cobrado judicialmente, através de execução, até o dia 27 de janeiro de 2005. Verificando-se que o feito foi ajuizado em março de 2004 e os requeridos foram citados em agosto do mesmo ano de 2004 (f. 42 verso e 43 verso), não havia ainda escoado o prazo prescricional, motivo pelo qual o feito poderia ter prosseguido regularmente, visto que não cabia sua extinção com resolução do mérito tal como proferido pelo Juízo. Firme em tais considerações, dou provimento ao recurso para anular a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito‖. 495
Cf. arts. 70, primeiro parágrafo, e 77, ambos da Lei Uniforme, combinados com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. 496
Na nota promissória, o beneficiário-endossante, os demais endossantes e avalistas dos mesmos.
182
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prazo prescricional que corre da data do protesto tempestivo ou do vencimento do
eventual título ―sem despesas‖497.
Na eventualidade de algum endossante ou avalista de endossante efetuar o
pagamento, pode exercer o direito de regresso contra outros endossantes e
respectivos avalistas no prazo prescricional de seis meses, em virtude da sub-
rogação. Com efeito, o coobrigado que efetuar o pagamento dispõe do prazo de
seis meses para acionar coobrigados pretéritos na cadeia de anterioridade, em
execução regressiva498. Por força do art. 567, inciso III, do Código de Processo
Civil, o sub-rogado pode iniciar nova execução ou até mesmo dar seguimento à
execução movida pelo credor originário, quando o coobrigado pagante passa a
ocupar o lugar deixado pelo credor original cujo crédito foi satisfeito.
5. Ação cambial de cheque
Como estudado no capítulo específico destinado ao cheque, o título deve
ser apresentado para pagamento perante o banco-sacado dentro de trinta dias da
data da emissão, quando emitido no mesmo lugar do pagamento499. Emitido o
cheque em lugar diverso do local do pagamento, ou seja, em outra praça, o prazo
para apresentação é de sessenta dias da data da emissão500. Decorrido in albis o
prazo de apresentação, o credor-beneficiário perde o direito de executar os
coobrigados, ou seja, os endossantes e os respectivos avalistas501-502. Já em
relação ao emitente-sacador e ao respectivo avalista, a execução pode ser
ajuizada até mesmo quando o cheque foi apresentado ao banco-sacado depois do
decurso do prazo de apresentação, desde que ainda não ocorrida a prescrição
semestral. Foi o que bem assentou o Supremo Tribunal Federal no enunciado nº
600 da Súmula da Corte: ―Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas,
497
Cf. arts. 46, 70 e 77 da Lei Uniforme. 498
Cf. arts. 47, terceiro parágrafo, 70, terceiro parágrafo, e 77, todos da Lei Uniforme. 499
Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 500
Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 501
Cf. art. 47, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 502
À vista do art. 47, § 3º, da Lei nº 7.357/1985, o credor-benefício pode perder o direito de executar até mesmo o emitente-sacador, se o mesmo tinha fundos disponíveis durante o prazo da apresentação, mas deixou de tê-los em razão de fato alheio à sua vontade.
183
183
ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não
prescrita a ação cambiária‖503.
A prescrição da ação cambiária ocorre com o decurso do prazo de seis
meses do término do prazo de apresentação, conforme o enquadramento do caso
concreto em uma ou em outra hipótese do art. 33 da Lei nº 7.357/1985. Se o local
do pagamento é o mesmo da emissão, o prazo de seis meses corre do término
dos trinta dias disponíveis para apresentação; se o lugar do pagamento for diverso
do local da emissão, o prazo de seis meses corre somente depois do decurso dos
sessenta dias para a apresentação. Por conseguinte, a data da emissão constante
do título tem enorme relevância para a conferência da prescrição da execução
fundada no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, e nos arts. 47 e 59 da
Lei nº 7.357/1985. Imagine-se, por exemplo, que o cheque foi emitido no dia 19 de
janeiro de 2010, mês com trinta e um dias, para pagamento na mesma praça. O
termo inicial é o próprio dia 19, dia da emissão, o qual é excluído da contagem,
por força da combinação dos arts. 33 e 64, parágrafo único, ambos da Lei nº
7.357/1985, com o art. 132, caput, do Código Civil. Por conseguinte, a contagem
dos trinta dias previstos no art. 33 da Lei nº 7.357 começa no dia 20 de janeiro e
termina no dia 18 de fevereiro, dia útil bancário504. Resta saber qual é o termo
inicial do prazo de seis meses para a execução. À vista dos arts. 47 e 59 da Lei nº
7.357, o termo inicial do prazo prescricional coincide com o termo final do prazo de
apresentação do cheque, no exemplo, dia 18 de fevereiro. Como o prazo de seis
meses é contado à luz do § 3º do art. 132 do Código Civil, o termo final do prazo
prescricional reside no dia 18 de agosto, dia útil forense.
A execução pode ser movida contra o devedor principal, o emitente-sacador
do cheque, mas também contra todos, alguns ou um dos coobrigados, em
conjunto ou isoladamente, se assim desejar o credor-beneficiário, porquanto todos
são devedores solidários, ex vi do art. 51 da Lei nº 7.357/1985.
503
É o que também se depreende da combinação dos incisos I e II do art. 47, com o art. 59, ambos da Lei nº 7.357/1985. 504
Por força do § 1º do art. 132 do Código Civil, o termo final do prazo deve ser dia útil, vale dizer, dia com expediente bancário regular.
184
184
O cheque não precisa ser protestado para a propositura da imediata ação
de execução forçada contra o emitente-sacador e o respectivo avalista505. Em
contraposição, no que tange aos coobrigados (endossante e respectivos
avalistas), a execução depende do cumprimento de três exigências legais
cumulativas: 1ª) apresentação do cheque dentro do prazo legal506; 2ª) propositura
da ação executiva dentro de seis meses da expiração do prazo de apresentação
do cheque507; 3ª) comprovação da recusa do pagamento mediante protesto
cambial, por simples declaração escrita e datada proveniente do banco-sacado ou,
ainda, por declaração escrita e datada expedida na câmara de compensação508,
ressalvada a exceção consubstanciada na dispensa tanto do protesto quanto de
declaração equivalente, em relação ao cheque que contém a cláusula ―sem
protesto‖509.
Por fim, além da quantia determinada indicada no cheque510, o credor-
beneficiário também pode cobrar na ação cambial: – os juros de mora legais
cabíveis desde o dia da apresentação do cheque511; – as despesas em geral,
como as referentes ao eventual protesto cambial e as relativas ao processo
executivo512; – a correção monetária pela perda do valor aquisitivo da moeda, a
ser calculada a contar da respectiva apresentação do cheque513.
6. Ação cambial de duplicata e de triplicata
A duplicata e a respectiva triplicata são títulos executivos extrajudiciais que
autorizam a propositura de ação de execução forçada, com fundamento no art.
585, inciso I, do Código de Processo Civil, e nos arts. 15 e 18 da Lei nº
5.474/1968.
505
Cf. art. 47, inciso I, da Lei nº 7.357/1985, combinado com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. 506
Cf. arts. 33 e 47, inciso II, ambos da Lei nº 7.357/1985. 507
Cf. arts. 33, 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985. 508
Cf. art. 47, inciso II e § 1º, da Lei nº 7.357/1985. 509
Cf. art. 50 da Lei nº 7.357/1985. 510
Cf. art. 52, inciso I, da Lei nº 7.357/1985. 511
Cf. art. 52, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 512
Cf. art. 52, inciso III, da Lei nº 7.357/1985, e arts. 19, 257, 598 e 652-A, caput, todos do Código de Processo Civil. 513
Cf. art. 52, inciso IV, da Lei nº 7.357/1985, combinado com o art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981.
185
185
No que tange ao sacado-comprador e aos respectivos avalistas, a
prescrição da pretensão à execução da duplicata ocorre em três anos, contados
da data do vencimento do título, ex vi do art. 18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968514.
Já em relação aos endossantes e respectivos avalistas, o prazo prescricional é de
apenas um ano, contado da data do protesto515, o qual é necessário516.
Além da observância do prazo prescricional, a execução depende do
cumprimento de outras exigências legais. Se a duplicata foi aceita e devolvida pelo
sacado-comprador, o título pode aparelhar a execução do mesmo (sacado-
comprador) e dos respectivos avalistas, no prazo de três anos,
independentemente de protesto cambial517. Ainda na hipótese de duplicata aceita
e devolvida pelo sacado-comprador, o título também pode aparelhar a execução
dos coobrigados (endossantes e respectivos avalistas), desde que efetuado o
protesto cambial dentro do prazo de trinta dias do vencimento da duplicata, e que
a execução seja ajuizada dentro do prazo de um ano da data do protesto518.
Já se a duplicata não é aceita, mas é devolvida pelo sacado-comprador, é
indispensável o protesto cambial do título devolvido sem aceite, com a
comprovação da entrega da mercadoria mediante recibo idôneo, para o posterior
ajuizamento da execução contra o sacado-comprador ou contra os coobrigados,
nos prazos de três anos e de um ano, respectivamente519. Não obstante, o recibo
da entrega da mercadoria só é imprescindível quando a execução fundada no
inciso II do art. 15 da Lei nº 5.474 tem em mira o sacado-comprador. Quando a
ação executiva tem como alvo algum coobrigado, basta o protesto cambial
tempestivo, tendo em vista a interpretação do § 1º do mesmo art. 15520.
514
De acordo, na jurisprudência: ―– De acordo com o art. 18, I, da Lei nº 5.474/68, a ação proposta pelo sacador da duplicata contra o sacado prescreve em 3 anos.‖ (Apelação nº 1.0702.05.246064-0/001, TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2007). 515
Cf. art. 18, inciso II, da Lei nº 5.474/1968. 516
Cf. art. 13, § 4º, da Lei nº 5.474/1968. 517
Cf. arts. 13, § 4º, 15, inciso I, e 18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968. 518
Cf. arts. 13, § 4º, 15, inciso I, e 18, inciso II, da Lei nº 5.474/1968. 519
Cf. arts. 15, inciso II, alíneas ―a‖ e ―b‖, e § 1º, e 18, incisos I e II, da Lei nº 5.474/1968. 520
De acordo, na jurisprudência: ―O comprovante de recebimento das mercadorias ou do serviço prestado somente é exigido quando a execução é movida contra o devedor principal.‖ (Apelação nº 2.0000.00.516493-2, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 30 de novembro de 2005).
186
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Por fim, se a duplicata não é aceita nem é devolvida pelo sacado-
comprador, é indispensável o protesto por meio da triplicata ou por simples
indicações do credor perante o tabelião do cartório de protesto, reforçado (o
protesto) com a comprovação da entrega da mercadoria vendida mediante recibo
idôneo, para a ulterior propositura da execução contra o sacado-comprador ou
contra os coobrigados, nos respectivos prazos521. Ainda em relação à negativa do
aceite, a execução não subsiste se o sacado-comprador comprova, na respectiva
ação de embargos, ter recusado o aceite dentro do prazo de dez dias, com a
observância da forma escrita exigida para a recusa e com fundamento em algum
dos motivos arrolados no art. 8º da Lei nº 5.474/1968522.
7. Ação cambial de debênture
À vista do artigo 52 da Lei nº 6.404, de 1976, com a redação conferida pela
Lei nº 10.303, de 2001, a debênture é título de crédito cuja emissão se dá pelas
sociedades empresárias anônimas, na busca de capitalização, por meio de
modalidade especial de empréstimo conferido por terceiro. Como não há preceito
especial naquele diploma, incide a regra geral consagrada no artigo 206, § 3º,
inciso VIII, do Código Civil, razão pela qual a execução deve ser proposta dentro
do prazo de três anos, a partir do vencimento523.
8. Polo passivo na ação cambial
Como já ressaltado, a ação cambial pode ser movida contra o devedor
principal do respectivo título de crédito, bem assim contra todos os coobrigados,
em litisconsórcio passivo facultativo, à vista dos arts. 43, 47 e 77 da Lei Uniforme
521
Cf. arts. 13, § 1º, in fine, 15, inciso II, alíneas ―a‖ e ―b‖, e § 1º, e 18, incisos I e II, da Lei nº 5.474/1968. 522
Cf. art. 15, inciso II, alínea ―c‖. 523
De acordo, na jurisprudência: ―Como visto, as debêntures são títulos executivos que possuem natureza jurídica de título de crédito, e como tal podem ser executados diretamente, não necessitando da ação cognitiva, valendo por si só. Omissis. No que se refere ao prazo prescricional, de acordo com o inciso VIII, § 3º, do artigo 206, do CC, prescreve em três anos ‗a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvado disposição de lei especial‘. Este artigo refere-se à ação cambial na modalidade de execução (artigo 585, I, do CPC), porque findo o prazo desta, remanesce a possibilidade de exigir o crédito por outra via processual‖. (Apelação nº 1.0433.06.179018-7/002, 13ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 14 de junho de 2008, sem os grifos no original).
187
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de Genebra, do art. 18, §§ 1º e 2º, da Lei nº 5.474/1968, e dos arts. 47 e 51, caput
e §§ 1º, 2º e 3º, da Lei nº 7.357/1985. Com efeito, o credor pode acionar tanto o
devedor principal quanto os coobrigados, em conjunto ou isoladamente, porquanto
o credor pode mover a execução contra todos ou contra aquele que bem preferir.
9. Procedimento da ação cambial
A ação cambial segue o procedimento previsto nos arts. 646 a 724 do
Código de Processo Civil, por ser verdadeira execução por quantia certa contra
devedor solvente524.
10. Juízo competente para a ação cambial
A competência para a execução cambial é do juízo do foro do local do
cumprimento da obrigação, qual seja, o lugar no qual deve ocorrer o pagamento
do título de crédito525. É a regra extraída da combinação dos arts. 100, inciso IV,
alínea ―d‖, 576 e 598, todos do Código de Processo Civil, com os arts. 1º, número
5, e 75, número 4, ambos da Lei Uniforme de Genebra, e o art. 17 da Lei nº
5.474/1968.
11. Propositura da ação cambial
O acionamento da cobrança judicial de título de crédito se dá em razão da
propositura da ação cambial, por meio de petição inicial de execução, nos termos
do Código de Processo Civil. 524
Na eventualidade da insolvência do devedor, há lugar para a ação de falência, prevista nos arts. 94 e seguintes da Lei nº 11.101, de 2005, ou para a ação de insolvência civil, prevista nos arts. 748 a 786-A do Código de Processo Civil, conforme o devedor seja empresário (falência) ou civil (insolvência civil). 525
De acordo, na jurisprudência: ―Execução com base em título executivo extrajudicial (nota promissória). Competência. Hipótese de competência do foro onde a obrigação deve ser satisfeita (local de pagamento). Conflito conhecido e declarado competente o suscitado.‖ (CC nº 1.422/MG, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 1º de abril de 1991, p. 3.412). ―PROCESSUAL CIVIL. Conflito negativo de competência. 1. Execução por quantia certa, nota promissória (título executivo extrajudicial). 2. Competência do foro do local de pagamento da obrigação. 3. Precedentes.‖ (CC nº 1.218/MG, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 21 de outubro de 1991, p. 14.727). ―COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO. DUPLICATA. PROTESTO. É competente para a execução lastreada em duplicata o foro da praça de pagamento constante do título (art. 17, da L. 5.474/68). Irrelevante que o protesto tenha sido tirado no local em que estabelecida a devedora. Agravo não provido.‖ (AGI nº 2007.00.2.004505-5, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 14 de junho de 2007, p. 168).
188
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À vista dos arts. 2º, 262 e 598 do Código de Processo Civil, cabe ao
jurisdicionado acionar a execução, se e quando desejar a satisfação da obrigação
estampada no título de crédito, desde que dentro do prazo prescricional.
Considera-se proposta a execução com o deferimento da petição inicial
pelo juiz, com a consequente interrupção da prescrição da pretensão executiva,
em virtude da combinação do art. 617 do Código de Processo Civil com o art. 202,
inciso I, do Código Civil.
12. Petição inicial da ação cambial
Como já anotado, a execução cambial deve ser acionada mediante petição
inicial, endereçada ao juízo competente, com a observância das formalidades
previstas nos arts. 39, inciso I, 282, 283 e 614, todos do Código de Processo Civil.
Além de outros elementos constitutivos indispensáveis, a petição inicial deve
conter a qualificação completa das partes e o pedido de citação do executado,
deve ser instruída com o documento representativo do título de crédito526 e com a
memória dos cálculos527, bem como deve revelar o valor atribuído à causa,
correspondente ao montante executado.
O inciso III do art. 614 do Código de Processo Civil exige que o exequente
instrua a petição inicial da execução com a prova do cumprimento da condição ou
da ocorrência do termo, conforme o caso. Por exemplo, na eventualidade de
vencimento antecipado do título de crédito por falta de aceite, o exequente deve
instruir a petição inicial com o respectivo instrumento de protesto cambial. Enfim,
sempre que o caso exigir a demonstração do cumprimento da condição ou a
526
Não obstante, a regra consubstanciada na necessidade da apresentação do original do título de crédito não é absoluta. Se o original do título constar dos autos de outro processo judicial, o credor pode requerer certidão de inteiro teor, a fim de instruir a petição inicial da execução, como bem autorizam o art. 9º, parágrafo único, última parte, e o art. 94, § 3º, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. À vista do art. 17 da Lei nº 9.492/1997, também é admissível a propositura de execução aparelhada em certidão de inteiro teor expedida pelo escrivão do tabelionato no qual o título original foi apresentado para protesto. Outra exceção reside no art. 15, § 2º, da Lei nº 5.474/1968, com a redação determinada pela Lei nº 6.458, de 1977, porquanto é admissível a execução sem o título original quando a duplicata não é aceita nem é devolvida, hipótese na qual a petição inicial da execução pode ser instruída com o instrumento de protesto mediante indicações. Por tudo, nem sempre a execução depende da apresentação do título extrajudicial original. 527
Cf. art. 614, inciso II, do Código de Processo Civil.
189
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ocorrência do termo, o exequente deve instruir a petição inicial com a respectiva
documentação.
A petição inicial também deve ser instruída com a procuração outorgada ao
advogado constituído pelo exequente ou pelo menos conter o pedido de futura
juntada, nos termos do art. 37 do Código de Processo Civil, porquanto o advogado
é o titular da capacidade postulatória, ex vi do art. 36 daquele diploma.
À vista do § 2º do art. 652 do Código de Processo Civil, o exequente tem a
faculdade de indicar, na petição inicial, bens penhoráveis do executado, para a
eventualidade de o executado não pagar a quantia devida no prazo legal de três
dias.
Ao distribuir a petição inicial, o exequente pode requerer a expedição de
certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com a referência às partes
do processo e ao valor da cobrança, para solicitar as anotações nos cartórios
imobiliários, nos departamentos de trânsito de veículos automotores dos Estados
e do Distrito Federal, nas juntas comerciais e em outros órgãos públicos e
privados de bens em geral, tudo nos termos do art. 615-A do Código de Processo
Civil. À vista do enunciado nº 375 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, é
conveniente que o exequente tome a providência prevista no art. 615-A, para
assegurar futura declaração judicial de fraude de execução, no próprio processo,
na eventualidade da posterior transferência de bens do executado para terceiros.
Por fim, as custas processuais devem ser adiantadas pelo exequente, com
a juntada da respectiva guia de recolhimento ao final da petição inicial, em
cumprimento ao caput do art. 19 do Código de Processo Civil528. Se o exequente
não instruir a petição inicial com a guia de custas, deve recolher e comprovar o
depósito no prazo de trinta dias, sob pena de cancelamento da distribuição da
execução, salvo deferimento de pedido de assistência judiciária529.
528
Aliás, vale notar que o caput do art. 19 do Código de Processo Civil é explícito acerca da respectiva incidência ―na execução‖. 529
Cf. arts. 19, caput, e 257, ambos do Código de Processo Civil.
190
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13. Juízo de admissibilidade da petição inicial da ação cambial
Distribuída a petição inicial da execução, compete ao juiz proferir o juízo de
admissibilidade da mesma, com o exame oficial das condições da ação, dos
pressupostos processuais e da prescrição executiva.
Se a petição inicial contiver algum vício sanável, em razão, por exemplo, da
falta de indicação do valor da causa, o juiz deve determinar a intimação do
exequente, por intermédio do respectivo advogado, para a correção da petição
inicial, no prazo de dez dias, sob pena de indeferimento, tudo com fundamento no
art. 616 do Código de Processo Civil.
Em contraposição, se o juiz constar a carência da ação executiva530, a
prescrição executiva ou algum defeito insanável na petição inicial da execução,
deve proferir sentença de indeferimento liminar da petição, com fundamento nos
arts. 267, inciso I, 269, inciso IV, 295 e 598, todos do Código de Processo Civil.
Por fim, se a petição inicial for apta, o juiz deve fixar os honorários
advocatícios à luz do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil e determinar a
citação do executado, para efetuar o pagamento em três dias, sob pena de
constrição mediante arresto e penhora, tudo nos termos dos arts. 652 e 652-A
daquele diploma.
14. Citação
Os arts. 213, 214, 598, 616 e 652 do Código de Processo Civil revelam que
a citação é o ato processual por meio do qual pelo qual a parte ocupante do polo
passivo da relação processual é chamada, pela vez primeira, para participar do
processo. O executado é citado para pagar a quantia objeto da execução cambial
530
Por exemplo, um vício formal no ―título de crédito‖, como na hipótese do precedente jurisprudencial resumido na seguinte ementa: ―APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSO DE EXECUÇÃO - REQUISITOS DE FORMALIDADE - NOTA PROMISSÓRIA - RASURA NO VALOR NUMÉRICO - OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL. I - Em se tratando de processo de execução, pode e deve o julgador cercar-se da certeza de estarem presentes os requisitos de formalidade inerentes aos títulos cambiais, independentemente da matéria argüida em sede de embargos.‖ (Apelação nº 51.223/99, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 1999, p. 13, sem o grifo no original).
191
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no prazo de três dias. Em regra, a citação do executado se dá por oficial de
justiça, em cumprimento de mandado de citação subscrito pelo juiz.
Na eventualidade de o oficial de justiça não localizar o executado para
efetuar a citação pessoal, deve arrestar os bens do mesmo que encontrar, tantos
quantos bastem para garantir a execução, em cumprimento ao art. 653 do Código
de Processo Civil. Nos dez dias seguintes à efetivação do arresto, o oficial de
justiça deve procurar o executado três vezes em dias distintos. Se não encontrar o
executado, o oficial deve certificar a dificuldade da localização do mesmo ou até a
impossibilidade de fazê-lo, a fim de que o juiz autorize a citação por hora certa ou
a citação por edital, conforme o caso. À vista do art. 654 do Código de Processo
Civil, portanto, a citação do executado pode se dar por hora certa e até por edital,
em razão da dificuldade ou da impossibilidade da citação pessoal.
Por fim, a citação do executado não pode ser efetuada mediante os
correios, em razão da vedação prevista na alínea ―d‖ do art. 222 do Código de
Processo Civil.
15. Atitudes possíveis do executado citado
15.1. Pagamento voluntário
A primeira atitude possível – e esperada – do executado citado é a
realização do pagamento da quantia cobrada, no prazo de três dias da juntada aos
autos do mandado de citação531.
Na eventualidade do pagamento integral do valor executado dentro do
tríduo legal, a verba honorária fixada em prol do advogado do exequente é
reduzida pela metade, ex vi do parágrafo único do art. 652-A do Código de
Processo Civil. Por conseguinte, ao invés dos honorários advocatícios fixados na
531
No caso de citação por edital, o tríduo legal só tem início após o decurso do prazo assinado no edital. Cf. art. 241, inciso V, do Código de Processo Civil.
192
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decisão interlocutória de admissão da petição inicial da execução, o executado
tem o benefício da redução pela metade da verba de patrocínio.
15.2. Requerimento de parcelamento, com depósito prévio de pelo menos
trinta por cento do valor total
Ao invés de efetuar o pagamento integral da quantia cobrada, o executado
também pode efetuar o depósito de apenas trinta por cento do valor total532, no
prazo de quinze dias da juntada do mandado de citação, junto com o requerimento
de parcelamento do restante em até seis parcelas mensais, com incidência de
correção monetária e de juros de um por cento, tudo com fundamento no art. 745-
A do Código de Processo Civil.
Formulado o requerimento de parcelamento pelo executado, deve o juiz
abrir vista em prol do exequente, por iguais quinze dias, em respeito aos princípios
constitucionais da isonomia e do contraditório. O exequente pode discordar do
requerimento de parcelamento, mas apenas com fundamento no descumprimento
de alguma exigência prevista no caput do art. 745-A do Código de Processo Civil:
intempestividade do requerimento de parcelamento e ausência do depósito prévio
mínimo de trinta por cento, por exemplo. Colhida a manifestação de anuência ou
de discordância do exequente, o juiz resolve o incidente mediante decisão
interlocutória agravável.
Deferido o requerimento de parcelamento pelo juiz, o processo de execução
é suspenso. Não obstante, se o executado não efetuar o pagamento de alguma
das parcelas mensais, há o vencimento antecipado de todas as parcelas
remanescentes e o prosseguimento da execução, com a imediata aplicação de
multa de dez por cento sobre o valor pendente e a subsequente penhora de bens
do executado. Com efeito, na eventualidade de alguma parcela não ser
depositada no mês correspondente, há o vencimento antecipado de todas as
demais, com a imposição de multa adicional de dez por cento sobre o valor das
532
Vale dizer, incluídos os honorários advocatícios e as custas processuais adiantadas pelo exequente, nos termos do art. 19, caput, do Código de Processo Civil.
193
193
prestações pendentes e o imediato prosseguimento da execução forçada contra o
executado, tudo nos termos do § 2º do art. 745-A do Código de Processo Civil.
Além do imediato prosseguimento da execução forçada, o executado
inadimplente também perde a oportunidade de embargar a execução, por força do
mesmo § 2º do art. 745-A. Na verdade, o executado que requer o parcelamento
previsto no art. 745-A sempre perde a oportunidade de embargar a execução. Há
preclusão lógica: o executado que requer o parcelamento não pode ajuizar
embargos à execução, porquanto os dois atos processuais são incompatíveis
entre si533. Se o executado descumprir a decisão interlocutória autorizadora do
parcelamento, com maior razão não pode embargar a execução, por força da
preclusão lógica e também da preclusão temporal, em razão do decurso do prazo
previsto no art. 738 do Código de Processo Civil.
No que tange ao depósito inicial realizado pelo executado534, cujo
comprovante já deve instruir a petição de requerimento do parcelamento, pode ser
levantado pelo exequente, assim que o juiz deferir o requerimento do
executado535.
Resta saber se o parcelamento previsto no art. 745-A do Código de
Processo Civil é direito subjetivo do executado ou se o juiz pode indeferir o
requerimento de parcelamento, ainda que cumpridas as exigências previstas
naquele preceito, especialmente se o exequente não concordar com o pleito. À
evidência, trata-se de direito subjetivo do executado536: cumpridas as exigências
insertas no caput do art. 745-A, o executado tem direito subjetivo ao
parcelamento, independentemente da anuência do exequente. Não pode o juiz,
portanto, indeferir o requerimento por outro fundamento que não seja o
descumprimento de exigência prevista no caput do art. 745-A; e o preceito legal
não condiciona o deferimento do parcelamento ao consentimento do exequente.
533
De acordo, na jurisprudência: ―A apresentação de embargos de devedor é atitude incompatível com o pedido de parcelamento do débito constante no art. 745-A do CPC.‖ (Apelação nº 1.0707.09.179423-0/001, 15ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 14 de setembro de 2009). 534
Em regra correspondente a trinta por cento (cf. art. 745-A, caput, do Código de Processo Civil). 535
Cf. art. 745-A, § 1º, do Código de Processo Civil. 536
De acordo, na jurisprudência: ―- O parcelamento constitui um direito subjetivo do executado, impondo-se o seu deferimento, mesmo diante de oposição do credor, na hipótese de o devedor preencher os requisitos legais.‖ (Agravo nº 2009.002.13546, 9ª Câmara Cível do TJRJ).
194
194
Pouco importa se há anuência do exequente, ou não. Satisfeitas as formalidades
estampadas no caput do art. 745-A, o executado tem direito ao parcelamento.
15.3. Ajuizamento de embargos à execução
A terceira atitude que o executado pode tomar é aviar embargos à
execução, mediante o exercício do direito de ação contra o exequente, com
fundamento nos arts. 736, 738 e 745 todos do Código de Processo Civil.
15.4. Inércia do executado
Por fim, o executado citado pode permanecer inerte, em silêncio absoluto,
sem comparecer ao processo. Se a citação se deu de forma pessoal, a execução
forçada segue rumo à penhora e à alienação judicial dos bens, para a satisfação
do crédito em favor do exequente.
Se, todavia, a citação se deu por hora certa ou por edital, a inércia do
executado atrai a incidência do art. 9ª do Código de Processo Civil, por força do
enunciado nº 196 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―Ao executado que,
citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador
especial, com legitimidade para apresentação de embargos‖.
16. Arresto
16.1. Conceito de arresto
O arresto previsto no art. 653 do Código de Processo Civil é o ato
processual consubstanciado na apreensão forçada de bens de executado em
lugar incerto, para garantir o resultado útil de execução por quantia, após a
conversão em penhora e a alienação dos bens constritos. Por conseguinte, são
arrestáveis os bens penhoráveis, à vista do art. 655 do Código de Processo Civil,
com as ressalvas insertas nos arts. 648 e 649 do mesmo diploma.
195
195
16.2. Procedimento do arresto
Na falta de citação pessoal do executado, o oficial de justiça deve promover
o imediato arresto dos bens que encontrar, a fim de garantir a execução,
consoante o disposto no art. 653 do Código de Processo Civil.
Realizado o arresto, o oficial de justiça deve, nos dez dias seguintes,
procurar o executado por três vezes, em dias distintos, para tentar realizar a
citação537. Se não o encontrar, o oficial deve certificar o arresto e o
desaparecimento do executado. Em seguida, o oficial deve devolver o mandado
judicial na secretaria do juízo da execução.
Após, o exequente é intimado da constrição dos bens do executado. Para
preservar a eficácia da constrição, cabe ao exequente protocolizar petição, no
prazo de dez dias da respectiva intimação do arresto, com o requerimento de
citação do executado mediante edital, à vista do art. 654 do Código de Processo
Civil. Se o exequente deixar o decêndio legal correr in albis, o arresto não
subsiste.
Veiculado o requerimento de citação por edital, o juiz assina prazo de vinte
a sessenta dias, com fundamento no art. 232, inciso IV, do Código de Processo
Civil. Decorrido o prazo, o executado é considerado citado, com o início do tríduo
legal previsto no art. 652, para o pagamento da quantia objeto da execução. Se o
executado pagar o montante cobrado, levanta o arresto. Em contraposição, se o
executado permanecer inerte, o juiz converte o arresto em penhora, com
fundamento no art. 654, in fine, do Código de Processo Civil. Com efeito, o arresto
é convertido em penhora, a fim de que os bens apreendidos possam ser
alienados, para a satisfação do crédito em prol do exequente.
Por fim, decorridos in albis todos os prazos legais, o juiz nomeia curador
especial em prol do executado, com fundamento no art. 9º do Código de Processo
537
Cf. art. 653, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
196
196
Civil e no enunciado nº 196 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, com
legitimidade para ajuizar embargos à execução.
17. Penhora
17.1. Conceito de penhora
A penhora é o ato processual consubstanciado na apreensão de bens do
executado que não efetua o pagamento no prazo do art. 652 do Código de
Processo Civil, para a posterior alienação dos mesmos, a fim de satisfazer a
obrigação pecuniária em prol do exequente. Com efeito, se o executado não
efetua o pagamento da quantia cobrada no tríduo legal, há a penhora, ato de
constrição de bens do executado necessários à satisfação do crédito do
exequente.
17.2. Bens impenhoráveis
Impenhoráveis são os bens que não estão sujeitos à execução, nos termos
dos arts. 648, 649 e 650 do Código de Processo Civil. A impenhorabilidade pode
ser absoluta ou relativa: os bens absolutamente impenhoráveis estão arrolados no
art. 649 do Código de Processo Civil. Já os bens relativamente impenhoráveis
constam do art. 650 do mesmo diploma.
À vista dos arts. 648 e 649 do Código de Processo Civil, são absolutamente
impenhoráveis os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não
sujeitos à execução, como o bem de família538, nos termos dos arts. 1.711 e 1.715
do Código Civil, da Lei nº 8.009, de 1990, e do enunciado nº 364 da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça, e os bens gravados por força de testamento com
538
Pouco importa o valor do bem de família, tendo em vista o veto presidencial ao parágrafo único do art. 650 do Código de Processo Civil, preceito que autorizaria a penhora do valor do bem que família que ultrapassasse mil salários mínimos. Eis o teor do parágrafo vetado: ―Parágrafo único. Também pode ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a 1000 (mil) salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade‖.
197
197
cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade. Com efeito, os bens
gravados em virtude de cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade não
são passíveis de constrição judicial.
Na esteira do bem de família, os bens móveis que guarnecem a residência
do executado também são impenhoráveis. Não obstante, os bens móveis de
elevado valor e os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a
um médio padrão de vida são passíveis de penhora, em virtude do disposto na
segunda parte do inciso II do art. 649 do Código de Processo Civil.
Segundo o art. 649, inciso III, do Código de Processo Civil, os vestuários e
os pertences de uso pessoal do executado também não são passíveis de penhora,
ressalvados, entretanto, os de elevado valor.
À vista do art. 649, inciso IV e § 2º, do Código de Processo Civil, os
vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de
aposentadoria, pensões, honorários de profissional liberal e ganhos de trabalhador
autônomo também são impenhoráveis, salvo para pagamento de prestação
alimentícia. Pouco importa o valor dos vencimentos, subsídios, soldos, salários,
remunerações, proventos de aposentadoria, pensões etc: a impenhorabilidade
sempre alcança o valor integral, porquanto o § 3º do art. 649 foi vetado pelo
Presidente da República539. Não obstante, a despeito da vedação legal, há
precedentes jurisprudenciais em favor da penhora de vencimentos, subsídios,
soldos, salários, remunerações, para a satisfação dos créditos em geral, até
mesmo sem caráter alimentar, desde que o desconto não ultrapasse o equivalente
a trinta por cento do total percebido pelo executado, conforme dispõe o enunciado
nº 13.18 aprovado nas Turmas Recursais do Paraná: ―Não existindo outros bens a
satisfazer o crédito exequendo, possível a penhora de conta-salário no limite de
30%‖540. Ainda que muito respeitável, a orientação jurisprudencial não se coaduna
539
Eis o teor do parágrafo vetado: ―§ 3o Na hipótese do inciso IV do caput deste art., será considerado
penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios‖. 540
No mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - PENHORA ON LINE - DESCONTOS NA CONTA BANCÁRIA - DEPÓSITO DE SALÁRIO - LIMITE DE 30%.- A parte devedora deve responder por seus débitos sem, no entanto, comprometer o seu sustento e de sua família.
198
198
com o disposto no Código de Processo Civil vigente, especialmente em razão do
vetado presidencial oposto ao § 3º do artigo 649, motivo pelo qual a vedação
estampada no inciso IV subsiste in totum, ressalvada apenas a exceção do § 2º
acerca da execução alimentícia.
Segundo o art. 649, inciso V, do Código de Processo Civil, os livros, as
máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos de trabalho e outros
bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão são
absolutamente impenhoráveis.
À vista do art. 649, inciso VI, do Código de Processo Civil, o seguro de vida
também é impenhorável. Na verdade, tanto o título representativo do seguro de
vida quanto o valor proveniente do seguro já pago também são impenhoráveis.
Por força do art. 649, inciso VII, do Código de Processo Civil, os materiais
necessários para obras em andamento também são impenhoráveis, salvo se o
imóvel em construção é penhorável e foi objeto de constrição.
A pequena propriedade rural explorada por família também é bem
impenhorável, em virtude do art. 649, inciso VIII, do Código de Processo Civil: ―VIII
- a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela
família‖.
Os recursos públicos recebidos por instituições particulares para aplicação
obrigatória em educação, saúde e assistência social também são impenhoráveis,
ex vi do art. 649, inciso IX, do Código de Processo Civil.
Legítima a penhora sobre 30% do valor depositado em conta bancária onde a parte recebe salário." (Agravo de Instrumento n° 1.0024.08.097406-6/001, TJMG). ―AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PENHORA 30% SALÁRIO. POSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DECISÃO MANTIDA. Aplicando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, possível é a penhora de 30% do salário do devedor, em função da segurança das relações jurídicas e para se evitar a inadimplência" (Agravo n° 1.0090.06.012523-5/001, TJMG). "AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO FISCAL - AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL - BLOQUEIO DE VALORES EM CONTA CORRENTE - SALÁRIO - POSSIBILIDADE - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - LIMITAÇÃO - PENHORA DE 30% DO SALÁRIO. Considerando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além das particularidades inerentes ao caso, a penhora incidente sobre valores não superiores a 30% (trinta por cento) do salário, tem o condão de ponderar a menor onerosidade possível a ser imposta ao devedor com a efetividade da execução." (Agravo n° 1.0024.08.076643-9/001, TJMG).
199
199
À vista do art. 649, inciso X, do Código de Processo Civil, o montante
equivalente a até quarenta salários mínimos depositados em caderneta de
poupança não é passível de constrição judicial.
Por fim, os recursos financeiros do fundo partidário recebidos por partido
político são impenhoráveis por força do art. 649, inciso XI, do Código de Processo
Civil, acrescentado pela Lei nº 11.694, de 2008.
17.3. Bens penhoráveis
Os bens penhoráveis estão arrolados no art. 655 do Código de Processo
Civil, em ordem de preferência. A gradação legal, entretanto, não é absoluta,
como bem assentou o Superior Tribunal de Justiça ao aprovar o enunciado nº 417,
à vista do art. 655 do Código de Processo Civil. Com efeito, o juiz pode determinar
a incidência da penhora sobre bem que, a despeito de constar entre os primeiros
bens passíveis de penhora, seja o único localizado no foro da execução ou o único
bem livre de gravame, por exemplo541.
À vista do inciso I do art. 655 do Código de Processo Civil, o dinheiro é o
primeiro e principal bem passível de penhora, seja dinheiro em espécie, seja
dinheiro depositado ou aplicado em instituição financeira, quando há lugar para o
bloqueio eletrônico dos valores, na forma prevista no art. 655-A do mesmo
diploma. Em virtude da regra estampada no art. 612 do Código de Processo Civil,
a penhora sobre dinheiro prevalece como primeira opção, a despeito do art. 620
daquele diploma. Daí o acerto do enunciado nº 117 do Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro: ―A penhora on line, de regra, não ofende o princípio da execução
menos gravosa para o devedor‖. Enfim, a penhora em dinheiro do executado é a
primeira e principal opção prevista no art. 655 do Código de Processo Civil, como
bem revela o enunciado nº 417, inciso I, da Súmula do Tribunal Superior do
Trabalho: ―I - Não fere direito líquido e certo do impetrante o ato judicial que
determina penhora em dinheiro do executado, em execução definitiva, para
garantir crédito exeqüendo, uma vez que obedece à gradação prevista no art. 655
541
Cf. art. 656, incisos III e IV, do Código de Processo Civil.
200
200
do CPC‖. Por oportuno, vale ressaltar que no conceito de dinheiro também deve
ser incluída a carta de fiança bancária, em virtude da liquidez e da segurança da
mesma, como bem revela a orientação jurisprudencial nº 59 da Segunda
Subseção do Tribunal Superior do Trabalho: ―A carta de fiança bancária equivale a
dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 655
do CPC‖.
Em segundo lugar, são penhoráveis os ―veículos de via terrestre‖542, como
as motocicletas e os automóveis em geral.
Em terceiro lugar, são penhoráveis os ―bens móveis em geral‖543, como os
semoventes544 e os títulos de crédito, como bem revela o art. 672 do Código de
Processo Civil: ―Art. 672. A penhora de crédito, representada por letra de câmbio,
nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-á pela apreensão do
documento, esteja ou não em poder do devedor‖.
Em quarto lugar, são penhoráveis os ―bens imóveis‖545. Na eventualidade
de a penhora recair sobre bem imóvel, o cônjuge do executado também deve ser
intimado da constrição, em cumprimento ao disposto no § 2º do art. 655 do Código
de Processo Civil: ―§ 2º. Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado
também o cônjuge do executado‖. Não obstante, o direito de meação do cônjuge
alheio à execução não impede a penhora nem a alienação de bem imóvel do
casal. Com efeito, à vista do art. 655-B, o produto da alienação do bem responde
pela meação do cônjuge do executado.
Em quinto lugar, são penhoráveis os navios e as aeronaves do
executado546.
Em sexto lugar, são penhoráveis as ações e as cotas de sociedades
empresárias547.
542
Cf. art. 655, inciso II, do Código de Processo Civil. 543
Cf. art. 655, inciso III, do Código de Processo Civil. 544
Cf. art. 677 do Código de Processo Civil. 545
Cf. art. 655, inciso IV, do Código de Processo Civil. 546
Cf. art. 655, inciso V, do Código de Processo Civil. 547
Cf. art. 655, inciso VI, do Código de Processo Civil.
201
201
Em sétimo lugar, há possibilidade da penhora sobre o faturamento da
sociedade empresária executada548. Não obstante, à vista do art. 620 do Código
de Processo Civil, a penhora sobre o faturamento deve alcançar percentual que
não coloque em risco a subsistência da própria sociedade executada, conforme a
atividade empresarial exercida pela mesma. Em abono, merece ser prestigiada a
orientação jurisprudencial nº 93 da Segunda Subseção do Tribunal Superior do
Trabalho: ―É admissível a penhora sobre renda mensal ou faturamento de
empresa, limitada a determinado percentual, desde que não comprometa o de
desenvolvimento regular de suas atividades‖. Na mesma esteira, vale conferir o
preciso enunciado nº 100 da Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―A
penhora de receita auferida por estabelecimento comercial, industrial ou agrícola,
desde que fixada em percentual que não comprometa a respectiva atividade
empresarial, não ofende o princípio da execução menos gravosa, nada impedindo
que a nomeação do depositário recaia sobre o representante legal do devedor‖.
Por fim, mais do que a penhora sobre o faturamento, o art. 677 do Código de
Processo Civil autoriza a penhora até mesmo do estabelecimento comercial ou
empresarial, com o reforço do enunciado nº 451 da Súmula do Superior Tribunal
de Justiça: ―É legítima a penhora da sede do estabelecimento comercial‖.
Em oitavo lugar, são penhoráveis as ―pedras e metais preciosos‖549, como
diamantes, ouro, prata e bronze.
Em nono lugar, são penhoráveis os títulos da dívida pública da União, dos
Estados-membros e do Distrito Federal, com cotação no mercado550.
Em décimo lugar, são penhoráveis os títulos e valores mobiliários com
cotação no mercado de capitais551.
Por fim, são penhoráveis ―outros direitos‖552 com conteúdo econômico,
passíveis de alienação.
548
Cf. art. 655, inciso VII, do Código de Processo Civil. 549
Cf. art. 655, inciso VIII, do Código de Processo Civil. 550
Cf. art. 655, inciso IX, do Código de Processo Civil. 551
Cf. art. 655, inciso X, do Código de Processo Civil. 552
Cf. art. 655, inciso X, do Código de Processo Civil.
202
202
17.4. Efetivação da penhora
Quando o executado citado não efetua o pagamento no prazo legal de três
dias, o oficial de justiça ou meirinho, munido da segunda via do mandado, realiza
a penhora dos bens. À vista do § 1° do art. 652, portanto, cabe ao oficial de justiça
efetuar a penhora dos bens do executado, com a utilização da segunda via do
mesmo mandado judicial, porquanto a primeira via do mandado fica nos autos do
processo executivo, já que a mesma é utilizada para a realização da citação
prevista no caput do mesmo art. 652.
Na verdade, a penhora deve ser determinada pelo juiz e efetuada pelo
oficial de justiça, à vista do eventual pedido do exequente553 e do rol inserto no art.
655 do Código de Processo Civil.
Lavrado o auto de penhora pelo oficial de justiça, o executado deve ser
intimado por intermédio do respectivo advogado ou pessoalmente, se ainda não
tiver constituído advogado nos autos do processo, para que possa requerer a
substituição da penhora, tudo nos termos dos arts. 652, §§ 1º e 5º, e 656, ambos
do Código de Processo Civil. Na verdade, o exequente também deve ser intimado
da lavratura do auto de penhora, porquanto tem igual legitimidade para requerer a
substituição, com fundamento no mesmo art. 656.
Em contraposição, se o oficial de justiça não encontrar bem algum, também
deve certificar a falta na segunda via do mandado, a ser juntada aos autos, para
conclusão ao juiz. À vista do princípio da cooperação ou princípio da colaboração,
o juiz pode determinar a intimação do executado, para que indique bens passíveis
de penhora, com fundamento nos arts. 600, inciso V, e 652, § 3º, do Código de
Processo Civil.
17.5. Penhora de bem penhorado e princípio da anterioridade
À vista do art. 613 do Código de Processo Civil, o bem penhorado pode
sofrer novas penhoras, mas a primeira tem preferência em relação às demais – e
553
Cf. art. 652, § 2º, do Código de Processo Civil.
203
203
assim por diante: a segunda penhora em relação à terceira, a terceira penhora em
relação à quarta etc.
Na verdade, não só o bem já penhorado, mas também o bem gravado com
ônus real554 é passível de penhora.
Em suma, a penhora pode incidir sobre bem já penhorado e também sobre
bem gravado com ônus real, sem prejuízo do direito de preferência de cada titular,
à vista do princípio da anterioridade.
17.6. Consequências jurídicas da penhora
A primeira consequência jurídica da penhora é a garantia da execução, a
segurança do juízo: a execução está segura rumo à satisfação da obrigação. Para
a efetiva garantia do juízo, os bens penhorados ficam sob a guarda de depositário,
auxiliar do juízo responsável pela guarda dos bens, nos termos dos arts. 148 a
150 do Código de Processo Civil.
Outra importante consequência da penhora é tornar o exequente
privilegiado em relação aos bens apreendidos e ao produto dos mesmos. É o
direito de preferência consagrado nos arts. 612 e 613 do Código de Processo
Civil. Com efeito, diante da possibilidade de um mesmo bem sofrer duas ou mais
penhoras, tem preferência o exequente do processo no qual houve a primeira
penhora – ou o primeiro arresto, depois convertido em penhora. Enquanto o
executado for solvente, não há paridade entre os credores, mas, sim, preferência
do exequente com penhora anterior.
Não obstante, a regra da preferência do exequente com penhora anterior
não subsiste na eventualidade da decretação de falência ou da insolvência civil do
executado. Com efeito, os credores só concorrem em igualdade de condições, nas
respectivas classes, se e quando ocorrer a decretação da falência ou da
insolvência civil do executado. Tanto a falência quanto a insolvência ocasionam a
abertura de concurso universal de credores, mediante verdadeiro processo
554
Vale dizer, penhor, anticrese ou hipoteca, nos termos do art. 1.419 do Código Civil.
204
204
coletivo destinado ao rateio proporcional entre os credores, com a insubsistência
da penhora como garantia individual.
Ressalvadas eventuais falência e insolvência civil supervenientes, portanto,
a penhora tem o condão de vincular o bem apreendido ao respectivo processo
executivo, com a individualização do bem sujeito à execução. A penhora,
entretanto, não torna o bem indisponível. O executado pode alienar o bem
penhorado com validade, na qualidade de proprietário. Embora seja válida a
alienação, a mesma não tem eficácia em relação processo no qual o bem foi
penhorado555.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a penhora não retira a
propriedade do executado, mas apenas a posse direta do bem penhorado. Com
efeito, a posse direta passa a ser exercida pelo Estado-juiz, por intermédio do
respectivo auxiliar, vale dizer, o depositário, após assumir o encargo previsto no
art. 148 do Código de Processo Civil. Não obstante, o executado preserva a posse
indireta do bem penhorado, na qualidade de proprietário do mesmo. Só há a
transferência da propriedade com a expropriação do bem penhorado, por meio de
adjudicação, de alienação particular ou hasta pública.
17.7. Destino dos bens penhorados
No que tange ao destino dos bens penhorados, os mesmos podem ser
adjudicados pelo executado ou alienados a terceiro, para a satisfação do valor
devido, com o resultado do produto da alienação.
17.8. Ausência de bens penhoráveis
Por fim, na falta de bens penhoráveis do executado, há a suspensão do
processo de execução. Com efeito, se não for encontrado bem a ser penhorado,
suspende-se a execução, com fundamento no art. 791, inciso III, do Código de
555
A despeito de o Superior Tribunal de Justiça exigir a averbação da penhora, com fundamento no enunciado nº 375.
205
205
Processo Civil556. A suspensão da execução por falta de bens penhoráveis do
executado implica ―execução frustrada‖, com a possibilidade de novo acionamento
do executado, agora por meio de falência557 ou de insolvência558, conforme seja
empresário ou civil, respectivamente.
18. Modalidades de expropriação e de pagamento
18.1. Generalidades
À vista dos arts. 647 e 708 do Código de Processo Civil, a expropriação dos
bens penhorados do executado e o posterior pagamento do exequente podem ser
realizados pelas seguintes formas, conforme a preferência do exequente:
- adjudicação dos bens penhorados, nos termos dos arts. 647, inciso I, 685-
A e 708, inciso II, todos do Código de Processo Civil;
- alienação particular por iniciativa do exequente, com a posterior entrega
do dinheiro resultante da alienação dos bens penhorados do executado, nos
termos dos arts. 647, inciso II, 685-C e 708, inciso I, todos do Código de Processo
Civil;
- alienação em hasta pública dos bens penhorados do executado, com a
posterior entrega do dinheiro ao exequente, nos termos dos arts. 647, inciso III,
686 e 708, inciso I, todos do Código de Processo Civil;
- usufruto de bem do executado, com o gradual pagamento do exequente,
tudo nos termos dos arts. 647, inciso IV, 708, inciso III, 716 e 717, todos do
Código de Processo Civil.
Por fim, cabe ao exequente a escolha da modalidade de expropriação e de
pagamento da quantia devida, em virtude do disposto no art. 612 do Código de
Processo Civil.
556
De acordo, na jurisprudência: - Não encontrados bens do devedor, suspende-se a execução (art. 791, III, do CPC).‖ (REsp nº 327.293/DF, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de novembro de 2001, p. 285). 557
Cf. art. 94, inciso II e § 4º, da Lei nº 11.101, de 2005. 558
Cf. art. 750, inciso I, do Código de Processo Civil.
206
206
18.2. Adjudicação
A adjudicação é a modalidade de expropriação consubstanciada na
transferência do próprio bem penhorado em favor do exequente, para a satisfação
da obrigação pecuniária. Com efeito, a adjudicação consiste na transferência do
bem penhorado para o patrimônio do exequente, no lugar do recebimento da
quantia devida pelo executado. À vista dos arts. 647, inciso I, e 685-A, ambos do
Código de Processo Civil, é a primeira modalidade de expropriação e de
satisfação da obrigação, na ordem de preferência estabelecida pelo legislador,
mas se assim também desejar o exequente.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não só o exequente pode
requer a adjudicação dos bens penhorados. O exequente, sem dúvida, é quem
legitimidade em primeiro lugar, à vista do caput do art. 685-A do Código de
Processo Civil.
Não obstante, o mesmo direito à adjudicação pode ser exercido pelos
eventuais credores com garantia real, pelos eventuais credores em outro processo
no qual houve a posterior penhora do mesmo bem, o cônjuge, os descendentes e
os ascendentes do executado, desde que efetuem o imediato depósito do valor da
avaliação dos bens penhorados, para o posterior levantamento do dinheiro pelo
exequente.
Em virtude da possibilidade da adjudicação dos bens penhorados pelo
cônjuge, por descendentes e por ascendentes do executado, os arts. 787, 788,
789 e 790 do Código de Processo Civil foram revogados pela Lei nº 11.382/2006,
tendo em vista a ampliação da legitimidade para requerer a adjudicação. Por
conseguinte, o instituto da ―remição de bens‖ em prol do cônjuge, dos
descendentes e dos ascendentes do executado foi extinto do Direito Processual
Civil brasileiro. Se desejar impugnar a adjudicação, o executado dispõe de cinco
dias para ajuizar embargos à adjudicação, com fundamento no art. 746 do Código
de Processo Civil.
207
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Se é certo que o instituto da ―remição de bens‖ foi extinto, a ―remição da
execução‖ subsiste no art. 651 do Código de Processo Civil. A remição da
execução pode ser requerida pelo executado, desde que antes da adjudicação ou
da alienação dos bens penhorados. Com efeito, à vista do art. 651, o executado
pode remir a execução, por meio do pagamento ou da consignação do valor
atualizado da dívida, mais juros, custas e honorários advocatícios.
18.3. Alienação particular por iniciativa do exequente
Ao invés da adjudicação, o exequente pode preferir a satisfação da quantia
devida por meio do valor obtido como produto da alienação dos bens penhorados.
Com efeito, o exequente pode requerer ao juiz, com fundamento no art.
685-C do Código de Processo Civil, que a alienação seja realizada de forma
particular, por iniciativa do próprio exequente ou por intermédio de corretor
credenciado perante a autoridade judiciária.
Não obstante, o executado dispõe de cinco dias para impugnar a alienação
mediante embargos, com fundamento no art. 746 do Código de Processo Civil.
Não ajuizados ou julgados improcedentes os embargos à alienação, o juiz
autoriza o levantamento do dinheiro resultante da alienação dos bens penhorados,
até a satisfação integral do valor devido, em prol do exequente, tudo nos termos
do art. 709 do Código de Processo Civil.
18.4. Alienação em hasta pública
Se o exequente não requerer a adjudicação dos bens penhorados nem a
realização da alienação particular dos mesmos, o juiz determina a expedição de
edital de hasta pública, para a alienação mediante praça dos bens imóveis e o
leilão dos móveis, tudo nos termos do art. 686 do Código de Processo Civil.
208
208
Ainda à luz do art. 686 do Código de Processo Civil, constata-se que a
expressão ―hasta pública‖ é gênero do qual a ―praça‖ e o ―leilão‖ são espécies,
para a alienação de bens imóveis e móveis, respectivamente.
Realizada a alienação pública em virtude da arrematação dos bens do
executado, o arrematante deve efetuar o pagamento, na forma do art. 690 do
Código de Processo Civil.
Não obstante, o executado dispõe de cinco dias para impugnar a
arrematação mediante embargos, com fundamento no art. 746 do Código de
Processo Civil.
Não ajuizados ou julgados improcedentes os embargos à arrematação, o
juiz autoriza o levantamento, em prol do exequente, do dinheiro resultante da
arrematação dos bens penhorados, até a satisfação integral do valor devido pelo
executado559.
18.5. Usufruto de bem do executado
O usufruto de bem é a modalidade de ―expropriação temporária‖ para o
pagamento da quantia devida, por meio dos frutos e rendimentos provenientes do
bem de propriedade do executado, até a satisfação da obrigação pecuniária.
A combinação dos arts. 647, inciso IV, 708, inciso III, 716 e 717 revela que
o usufruto pode ter como objeto bem móvel, bem imóvel e até o estabelecimento
empresarial. O bem objeto do usufruto pode ser arrendado e alugado, nos termos
dos arts. 723 e 724, ―até que o exeqüente seja pago do principal, juros, custas e
honorários advocatícios‖560.
19. Embargos à execução, embargos do executado ou ―embargos de
primeira fase‖
559
Cf. art. 709 do Código de Processo Civil. 560
Cf. art. 717 do Código de Processo Civil.
209
209
19.1. Natureza jurídica dos embargos e petição inicial
Por meio dos embargos o executado pode acionar o exequente, em razão
do inconformismo com a execução promovida, no todo ou em parte. A natureza
dos embargos à execução, portanto, é de demanda contraposta de cunho
cognitivo-constitutivo561. Ajuizados os embargos, portanto, há a instauração de
novo processo de conhecimento, para a desconstituição do título ou para a
extinção do processo executivo, no todo ou em parte.
À vista da natureza jurídica, os embargos devem ser propostos mediante
petição inicial, com os elementos constitutivos indispensáveis arrolados no art. 282
do Código de Processo Civil. Em cumprimento aos arts. 283 e 736, parágrafo
único, a petição inicial deve ser instruída com fotocópias das peças processuais
dos autos principais necessárias para o desate dos embargos, como, por exemplo,
da petição inicial da execução, do título extrajudicial, da procuração outorgada ao
advogado do exequente, da memória de cálculos, do mandado de citação e da
certidão de juntada. As fotocópias devem ser declaradas autenticas pelo
advogado do executado-embargante, com fundamento no parágrafo único do art.
736 do Código de Processo Civil.
No que tange ao valor dos embargos, em regra corresponde ao valor da
execução. Se, entretanto, os embargos forem parciais, o valor da causa deve ser
proporcional. Daí o acerto da conclusão nº 51 do 6º Encontro Nacional dos
Tribunais de Alçada: ―Nos embargos à execução e nos de terceiro, o valor da
causa não é obrigatoriamente o mesmo atribuído à causa principal‖.
19.2. Prazo para os embargos
No que tange ao prazo, os embargos à execução devem ser propostos em
quinze dias562, contados da data da juntada do mandado de citação563. O termo
561
De acordo, na jurisprudência: ―1. Os embargos à execução constituem verdadeira ação autônoma de conhecimento, incidente à execução, como instrumento de defesa do executado.‖ (REsp nº 985.324/AM, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 8 de junho de 2009). 562
Vale lembrar que o prazo para o ajuizamento dos embargos era de dez dias. Com o advento da Lei nº 11.382, de 2006, o prazo foi majorado para quinze dias. 563
Cf. art. 738, caput, do Código de Processo Civil.
210
210
inicial, portanto, é o mesmo para o pagamento, o requerimento de parcelamento e
o ajuizamento dos embargos. Para realizar o pagamento, o executado tem três
dias. Já para requerer o parcelamento ou para ajuizar os embargos, o executado
tem quinze dias. O termo inicial, entretanto, é o mesmo.
Na eventualidade de o executado se antecipar à juntada do mandado de
citação e depositar o valor em juízo, para pode ajuizar os embargos com pedido
suspensão da execução, o prazo de quinze dias é contado a partir do depósito,
cuja data passa a ser o termo inicial, o qual, entretanto, é excluído da contagem,
por força do caput do art. 184 do Código de Processo Civil, aplicável à execução
em virtude do art. 598 do mesmo diploma.
Resta saber se o art. 191 do Código de Processo Civil é aplicável aos
embargos à execução movida contra dois ou mais litisconsortes passivos, com
diferentes advogados. Em outros termos, há a duplicação do prazo para os
embargos na eventualidade de litisconsórcio passivo, cujos executados têm
advogados distintos? A resposta é negativa, por força do § 3º do art. 738 do
Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 11.382/2006, in verbis: ―§ 3º
Aos embargos do executado não se aplica o disposto no art. 191 desta Lei‖. À
evidência, a Lei nº 11.382 encampou a tradicional orientação jurisprudencial
consagrada no enunciado nº 8 do antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São
Paulo: ―A lei processual civil não enseja prazo em dobro para embargar, mesmo
quando diversos os procuradores das partes‖.
Na eventualidade de intempestividade dos embargos à execução, incide o
art. 739, inciso I, do Código de Processo Civil, razão pela qual o juiz deve proferir
sentença de indeferimento liminar dos embargos intempestivos.
Por fim, ainda que decorrido o prazo legal para propositura dos embargos, o
executado ainda pode veicular contraposição à execução, por meio de simples
petição avulsa endereçada ao juízo da execução, para ser juntada aos próprios
autos do processo executivo. Embora seja conhecida na prática forense pela
211
211
expressão ―exceção de pré-executividade‖, trata-se, na verdade, de ―objeção de
não-executividade‖, porquanto só tem lugar diante de matéria de ordem pública564.
19.3. Desnecessidade de prévia segurança do juízo
À vista do revogado art. 737 do original Código de Processo Civil de 1973, a
admissibilidade dos embargos dependia da prévia segurança do juízo por meio de
penhora ou de depósito. Hoje, entretanto, os embargos não estão condicionados à
prévia garantia da execução, quer mediante penhora, quer por depósito ou por
qualquer outro título de caução.
Sem dúvida, à vista do art. 736 do Código de Processo Civil vigente, a
admissibilidade dos embargos à execução não depende de penhora, de depósito
da quantia, muito menos de caução, real ou fidejussória.
Nada impede, todavia, que o executado realize o depósito da quantia, se
assim desejar, na busca da suspensão da execução, com fundamento no art. 739-
A, § 1º, in fine, do Código de Processo Civil. Não há mais, entretanto, a
necessidade da garantia do juízo para a admissibilidade dos embargos à
execução.
19.4. Distribuição ao juízo da execução e autuação em apartado
À vista do parágrafo único do art. 736 do Código de Processo Civil, os
embargos devem ser distribuídos por dependência ao juízo competente da
execução. A petição inicial dos embargos deve ser autuada em apartado, com as
fotocópias juntadas pelo executado-embargante. Apensados os autos, sobem
conclusos ao juiz, para a admissão dos embargos e a fixação dos efeitos do
recebimento.
19.5. Embargos e suspensão do processo de execução: regra e exceção
564
Por exemplo, a prescrição executiva e a carência da ação podem ser suscitadas mediante simples petição de ―exceção de pré-executividade‖, independentemente de prazo e de forma legais.
212
212
Como já anotado, os embargos à execução não ocasionam a suspensão
automática da execução. Sem dúvida, não há suspensão ex vi legis, em razão do
simples ajuizamento dos embargos à execução. A regra, portanto, é a seguinte: os
embargos não suspendem o processo de execução565.
Não obstante, o juiz pode determinar a suspensão do processo executivo, à
vista de requerimento do executado-embargante fundado no § 1º do art. 739-A do
Código de Processo Civil. Sem dúvida, se a execução já estiver garantida por
penhora, depósito ou caução, e o prosseguimento do processo implicar dano de
difícil ou incerta reparação, é possível conferir efeito suspensivo aos embargos
ajuizados a tempo e modo pelo executado566.
Ainda que recebidos os embargos com efeito suspensivo, a suspensão do
processo de execução não impede a realização de alguns atos processuais, como
a penhora e a avaliação dos bens constritos, em virtude do disposto no § 6º do art.
739-A do Código de Processo Civil: ―§ 6o A concessão de efeito suspensivo não
impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens‖. Não é só: o
juiz também pode determinar a realização de atos processuais urgentes, com
fundamento no art. 793, in fine, daquele diploma.
19.6. Matérias passíveis de embargos
As matérias passíveis de embargos à execução estão arroladas no art. 745
do Código de Processo Civil.
19.6.1. Nulidade da execução, por não ser executivo o título
Em primeiro lugar, o executado pode suscitar a nulidade da execução, por
não ser executivo o título apresentado pelo exequente, com fundamento nos arts.
580, 586, 618, inciso I, e 745, inciso I, todos do Código de Processo Civil, em
razão da incerteza, da iliquidez ou da inexigibilidade da obrigação estampada no
565
Cf. art. 739-A, caput, do Código de Processo Civil. 566
Cf. art. 791, inciso I, do Código de Processo Civil, combinado com o caput do art. 739-A do mesmo diploma.
213
213
documento. Em todos os casos (incerteza, iliquidez e inexigibilidade), há carência
da execução, por falta de título executivo, com a consequente extinção do
processo, por meio de sentença.
Na verdade, a carência da ação cambial por ser o documento título de
crédito pode ser suscitada mediante embargos à execução, por simples petição,
denominada ―exceção de pré-executividade‖, e até mesmo de ofício pelo juiz,
quando da prolação do juízo de admissibilidade da petição inicial567.
19.6.2. Penhora incorreta ou avaliação errônea
À vista do art. 745, inciso II, do Código de Processo Civil, o executado pode
suscitar nos embargos a erronia tanto da penhora quanto da avaliação dos bens
penhorados. Por exemplo, o executado pode evocar os arts. 648 e 649 do Código
de Processo Civil para suscitar a impenhorabilidade dos bens penhorados.
Na eventualidade do acolhimento dos embargos fundados no inciso II do
art. 745 do Código de Processo Civil, não há extinção do processo; o processo
segue, após o levantamento da penhora indevida, após a realização de nova
penhora com a observância das formalidades legais568 ou após a determinação da
realização de nova avaliação, conforme o caso.
19.6.3. Excesso de execução ou cumulação indevida de execuções
O inciso III do art. 745 do Código de Processo Civil dispõe sobre duas
hipóteses distintas: o excesso de execução e a cumulação indevida de execuções.
19.6.3.1. Excesso de execução
567
De acordo, na jurisprudência: ―APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSO DE EXECUÇÃO - REQUISITOS DE FORMALIDADE - NOTA PROMISSÓRIA - RASURA NO VALOR NUMÉRICO - OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL. I - Em se tratando de processo de execução, pode e deve o julgador cercar-se da certeza de estarem presentes os requisitos de formalidade inerentes aos títulos cambiais, independentemente da matéria argüida em sede de embargos.‖ (Apelação nº 51.223/99, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 1999, p. 13, sem o grifo no original). 568
Cf. art. 661 do Código de Processo Civil.
214
214
À vista do art. 745, inciso III, do Código de Processo Civil, o executado
pode embargar a execução em razão de excesso por parte do exequente.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o conceito de ―excesso
de execução‖ não está restrito à hipótese de excesso em relação ao valor cobrado
por meio da execução. Esta é a principal hipótese de excesso de execução, mas
não é a única. Com efeito, o art. 743 do Código de Processo Civil arrola cinco
diferentes hipóteses de excesso de execução: ―I - quando o credor pleiteia quantia
superior à do título; II - quando recai sobre coisa diversa daquela declarada no
título; III - quando se processa de modo diferente do que foi determinado na
sentença; IV - quando o credor, sem cumprir a prestação que Ihe corresponde,
exige o adimplemento da do devedor (art. 582); V - se o credor não provar que a
condição se realizou‖. Como é perceptível primo ictu oculi, o fundamento
consubstanciado no ―excesso de execução‖ é muito mais amplo do que pode
parecer à primeira vista.
Resta saber se o excesso de execução implica nulidade ou extinção do
processo. A resposta depende do fundamento evocado pelo embargante. Se os
embargos estão fundamentos no inciso I do art. 743 do Código de Processo Civil,
o processo segue em relação ao valor devido, após o decote do excesso. A
propósito, merece ser prestigiado antigo verbete sumular aprovado pela Primeira
Câmara Cível do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―9. O excesso de
execução não importa em nulidade desta, mas no acolhimento (total ou parcial,
conforme o caso) dos embargos‖. Por conseguinte, constado o excesso do valor
objeto da execução, os embargos devem ser julgados procedentes, no todo ou em
parte, conforme o caso, mas sem a extinção do processo de execução, o qual
prossegue em relação ao valor julgado devido pelo juiz. Não obstante, se os
embargos estão fundamentos nos incisos II, III, IV ou V do art. 743 do Código de
Processo Civil, há lugar para a extinção do processo executivo, na eventualidade
de acolhimento dos embargos mediante sentença de procedência dos mesmos
(embargos).
215
215
19.6.3.2. Cumulação indevida de execuções
À vista do art. 573 do Código de Processo Civil569 e do enunciado nº 27 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça570, é admissível a cumulação, em um só
processo, de execuções fundadas em diferentes títulos executivos extrajudiciais,
desde que o executado, o juízo competente e o procedimento adequado sejam o
mesmo.
Na eventualidade de cumulação indevida de execuções, há lugar para
embargos, com fundamento no art. 745, inciso III, in fine, do Código de Processo
Civil.
19.6.4. Qualquer matéria de defesa passível de alegação em processo de
conhecimento
O inciso V do art. 745 do Código de Processo Civil revela que o executado
pode suscitar todas as matérias de defesa disponíveis no processo de
conhecimento, como, por exemplo, prescrição, transação, renúncia,
compensação, pagamento, novação, além de todas as defesas arroladas no art.
301 daquele diploma, como a incompetência absoluta, a falta ou a nulidade de
citação, a inépcia da petição inicial. Enfim, é amplo o rol de matérias passíveis de
alegação nos embargos à execução.
No que tange às matérias de ordem pública, quais sejam, aquelas que
podem ser conhecidas de ofício pelo juiz, em razão da predominância do interesse
público em relação ao interesse particular, podem ser alegadas mediante
embargos e também por meio de simples petição, a qualquer tempo. Tal petição
avulsa é a chamada ―exceção de pré-executividade‖ e autoriza a arguição de
todas as questões de ordem pública, como a prescrição, a carência da ação
executiva, a incompetência absoluta e a falta de outros pressupostos processuais.
569
―Art. 573. É lícito ao credor, sendo o mesmo o devedor, cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, desde que para todas elas seja competente o juiz e idêntica a forma do processo.‖ (sem o grifo no original). 570
―Pode a execução fundar-se em mais de um título extrajudicial relativos ao mesmo negócio.‖ (sem o grifo no original).
216
216
Em abono, merece ser prestigiado o enunciado sumular nº 25 aprovado pelos
Desembargadores da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, in verbis: ―A arguição de prescrição é matéria passível de apreciação em
exceção de pré-executividade, não sendo necessária a oposição de embargos de
devedor‖.
19.7. Embargos à execução e exceção ritual de incompetência relativa, de
suspeição ou de impedimento
À vista do art. 742 do Código de Processo Civil, a incompetência relativa do
juízo, a suspeição do juiz e o impedimento do juiz ensejam exceção ritual, em
petição distinta, mas que deve ser protocolizada no mesmo momento do
ajuizamento dos embargos à execução, ex vi da expressão contida no bojo do art.
742: ―juntamente com os embargos‖.
19.8. Indeferimento liminar dos embargos à execução
Distribuídos e autuados os embargos, há a conclusão ao juiz da execução,
para a prolação do juízo de admissibilidade dos embargos.
Constatada a intempestividade dos embargos, o juiz profere sentença de
indeferimento liminar, com fundamento no art. 739, inciso I, do Código de
Processo Civil: ―O juiz rejeitará liminar os embargos: I - quando intempestivos;‖.
À vista dos arts. 295 e 739, inciso II, ambos do Código de Processo Civil,
também há indeferimento liminar na hipótese de inépcia da petição inicial dos
embargos.
A terceira hipótese de indeferimento liminar reside no inciso III do art. 739
do Código de Processo Civil: embargos manifestamente protelatórios. Embargos
manifestamente protelatórios são os veiculados com intuito meramente
procrastinatório, evidenciado pela total improcedência das alegações, perceptível
primo ictu oculi.
217
217
A quarta hipótese de indeferimento liminar dos embargos à execução reside
no § 5º do art. 739 do Código de Processo Civil: os embargos veiculados com
fundamento em excesso de execução devem ser indeferidos liminarmente se o
executado-embargante não indica o valor que considera devido na respectiva
petição inicial ou deixa de instruir a mesma com a planilha de cálculos, quando os
embargos versam apenas sobre o excesso de execução.
Em todas as hipóteses, há a prolação de sentença de indeferimento liminar,
contra a qual cabe recurso de apelação, mas sem efeito suspensivo, tendo em
vista o disposto no art. 520, inciso V, do Código de Processo Civil.
19.9. Admissão e procedimento dos embargos à execução
Recebidos os embargos, com ou sem a suspensão da execução, o
exequente-embargado deve ser citado571, por intermédio do respectivo advogado,
pelo Diário da Justiça Eletrônico ou pessoalmente, na secretaria do juízo ou até
por carta, a fim de que possa impugnar (rectius, contestar) os embargos, em
quinze dias, tudo nos termos do art. 740 do Código de Processo Civil.
Não obstante, a ausência de impugnação (rectius, contestação) não implica
presunção da veracidade dos fatos narrados nos embargos à execução. Com
efeito, é firme a orientação jurisprudencial contrária à aplicação do art. 319 do
Código de Processo Civil no processo instaurado por força dos embargos, como
bem revela o enunciado nº 13 aprovado pela Primeira Câmara Cível do antigo
Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―Nos embargos à execução não se verificam
os efeitos da revelia‖.
Ainda à vista do art. 740 do Código de Processo Civil, não há lugar para
reconvenção, ação declaratória incidental, denunciação da lide nem chamamento
ao processo nos embargos à execução, em razão da celeridade e da
especialidade que marcam o respectivo procedimento. Por oportuno, vale conferir
571
Citado, e não apenas intimado, porquanto os embargos instauram novo processo. De acordo, na jurisprudência: ―2. A intimação para que a parte embargada apresente impugnação aos embargos à execução trata-se, em verdade, de citação, sendo nulo o processo que deixa de promovê-la.‖ (REsp nº 657.387/RS, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de maio de 2006, p. 136, sem o grifo no original).
218
218
o preciso enunciado nº 8 aprovado pela Primeira Câmara Cível do antigo Tribunal
de Alçada de Minas Gerais: ―Nos embargos à execução não são admitidos o
chamamento ao processo, a denunciação da lide e a declaratória incidental‖. Na
mesma esteira, a Primeira Câmara Civil do extinto Tribunal de Alçada de Minas
Gerais também aprovou o correto enunciado nº 11: ―Não cabe reconvenção nos
processos executivo e cautelar‖. Com igual teor, há a conclusão nº 13 aprovada
no 6º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada: ―Não cabe reconvenção nos
processos executivo e cautelar‖. Enfim, embora os embargos à execução
ocasionem a instauração de verdadeiro processo de conhecimento, a celeridade e
a especialidade que marcam o respectivo procedimento, ex vi do art. 740 do
Código de Processo Civil, impedem a utilização de institutos processuais que são
próprios do rito ordinário, como a reconvenção, a ação declaratória incidental, a
denunciação da lide e o chamamento ao processo.
Apresentada a impugnação (rectius, contestação) do exequente-
embargado, o juiz pode determinar a produção de provas pericial e testemunhal,
com a designação de audiência de instrução e julgamento, se julgar necessária
dilação probatória. No mais das vezes, entretanto, a prova documental já é
suficiente para o desate dos embargos desde logo, por meio de sentença.
19.10. Julgamento mediante sentença, recorribilidade por apelação e
prosseguimento da execução
Os arts. 520, inciso IV, e 740, caput, ambos do Código de Processo Civil,
revelam que os embargos à execução são julgados mediante sentença, contra a
qual cabe recurso de apelação, sem efeito suspensivo.
Proferida sentença de rejeição liminar ou de improcedência ao final,
portanto, a execução prossegue, já que o recurso apelatório não produz efeito
suspensivo. Sem dúvida, a execução por quantia certa proveniente de título
extrajudicial prossegue com força definitiva, em virtude da regra consagrada no
219
219
proêmio do art. 587 do Código de Processo Civil e no enunciado nº 317 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça572.
Não obstante, se o juiz conferiu efeito suspensivo aos embargos, quando
do recebimento, com fundamento no § 1º do art. 739-A do Código de Processo
Civil, a execução prossegue, mas de forma provisória, tendo em vista o disposto
na segunda parte do art. 587 do mesmo diploma573. Sem dúvida, a regra
consagrada no enunciado nº 317 do Superior Tribunal de Justiça não é absoluta; o
verbete sumular subsiste, mas com a ressalva da exceção proveniente da
combinação do art. 587, segunda parte, com o § 1º do art. 739-A, ambos do
Código de Processo Civil.
19.11. ―Embargos de segunda fase‖
Além dos embargos à execução admissíveis no prazo de quinze dias
contados da citação do executado, também conhecidos como ―embargos de
primeira fase‖, o art. 746 do Código de Processo Civil dispõe sobre os ―embargos
de segunda fase‖, admissíveis no prazo de cinco dias da adjudicação, da
alienação ou da arrematação, com fundamento na nulidade da execução ou em
causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à penhora.
Aos embargos de segunda fase são aplicáveis as regras gerais relativas aos
embargos à execução, tendo em vista o disposto no art. 746, caput, in fine, do
Código de Processo Civil.
Findo o processamento dos embargos, o juiz profere sentença, contra a qual
cabe recurso de apelação, em quinze dias. À vista dos arts. 520, inciso V, e 746,
caput, in fine, ambos do Código de Processo Civil, a apelação interposta de
sentença prolatada em embargos à arrematação não produz efeito suspensivo,
572
―É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos.‖ (sem o grifo no original). 573
Vale notar que a referência ao art. 739 existente ao final do art. 587 deve ser entendida como ao § 1º do art. 739-A, em razão das alterações promovidas pela Lei nº 11.382, de 2006. Leia-se, portanto, ao final do art. 587, a expressão ―(art. 739-A, § 1º)‖, no lugar de ―(art. 739)‖. Eis mais um dos muitos erros de referência existentes no Código de Processo Civil vigente, após as dezenas de atualizações legais efetuadas desde 1973.
220
220
como bem revela o preciso enunciado nº 331 da Súmula do Superior Tribunal de
Justiça: ―A apelação interposta contra sentença que julga embargos à
arrematação tem efeito meramente devolutivo‖.
20. ―Exceção de pré-executividade‖ ou objeção de não-executividade
20.1. Generalidades
A objeção de não-executividade, conhecida na linguagem forense como
―exceção de pré-executividade‖, é o incidente processual admissível nas
execuções em geral, para a arguição de matéria de conhecimento oficial,
independentemente de prazo, de penhora, de depósito ou de caução.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a objeção de não-
executividade subsistiu ao advento das Leis nºs 11.232/2005 e 11.382/2006,
porquanto as matérias de ordem pública podem ser suscitadas mediante simples
petição, independentemente da observância do prazo legal disponível para a
impugnação à execução e para os embargos à execução, conforme o caso. Em
abono, merece ser prestigiado o preciso enunciado nº 25 aprovado pela Quarta
Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―A arguição de prescrição é
matéria passível de apreciação em exceção de pré-executividade, não sendo
necessária a oposição de embargos de devedor‖.
20.2. Recorribilidade
Fixada a premissa da subsistência da objeção de não-executividade como
incidente processual adequado para a veiculação, mediante simples petição, de
matéria de ordem pública, já é possível analisar a problemática relativa ao recurso
cabível contra o pronunciamento referente à objeção de não-executividade.
Mutatis mutandis, aplica-se à espécie o mesmo raciocínio consagrado no art.
475-M, § 3º, do Código de Processo Civil. Com efeito, se o juiz extinguir a
221
221
execução em virtude do acolhimento integral da objeção de não-executividade, há
a prolação de sentença apelável. Em contraposição, se o juiz de primeiro grau
resolver a objeção sem extinguir a execução, com o consequente prosseguimento
do processo, ainda que em parte, há a prolação de decisão interlocutória
agravável por instrumento. Na verdade, tanto a rejeição quanto o acolhimento
apenas parcial da objeção não-executividade ocasionam a prolação decisão
interlocutória agravável; só há sentença passível de apelação quando o juiz acolhe
a objeção de não-executividade in totum e extingue o processo.
Um exemplo pode facilitar a compreensão do raciocínio: movida a execução
contra dois executados, um deles veicula objeção de não executividade fundada
na respectiva ilegitimidade passiva. Se o juiz reconhecer a ilegitimidade passiva
de ambos os executados, extingue o processo mediante sentença apelável. Em
contraposição, se o juiz acolher a objeção somente em relação ao executado
peticionário, profere decisão interlocutória passível de agravo de instrumento. Da
mesma forma, se o juiz rejeitar a objeção de não executividade, também profere
decisão interlocutória agravável.
Em suma, só cabe recurso de apelação quando há o acolhimento integral da
objeção de não executividade; no mais, cabe recurso de agravo de instrumento.
Incide, portanto, o disposto no art. 475-M, § 3º, do Código de Processo Civil,
aplicável à espécie por força do art. 126 do mesmo diploma.
21. Suspensão do processo de execução
21.1. Conceito de suspensão do processo
A suspensão é a paralisação temporária do processo, no todo ou em parte. A
suspensão total é denominada ―suspensão própria‖, porquanto há a paralisação
do processo por inteiro, ressalvados apenas os atos urgentes. Já a ―suspensão
imprópria‖ ocasiona a paralisação parcial do processo, para o prévio julgamento
222
222
dos embargos recebidos com efeito suspensivo574 ou de algum incidente
processual, como, por exemplo, alguma exceção ritual575 ou o incidente de
falsidade do título de crédito576.
21.2. Suspensão do processo e prática de atos urgentes: possibilidade
Como já anotado no tópico anterior, a suspensão não ocasiona a
paralisação do processo de forma absoluta, tendo em vista a possibilidade da
prática de atos processuais urgentes, autorizados por força do art. 793, in fine, do
Código de Processo Civil. Daí a existência, a validade e a eficácia jurídicas dos
atos urgentes praticados durante a suspensão do processo, como, por exemplo, o
arresto de bens do executado não localizado. Em contraposição, são nulos os atos
ordinários praticados durante a suspensão do processo.
21.3. Suspensão do processo e eficácia das medidas cautelares:
subsistência
Como já estudado no tópico anterior, é lícita a prática de atos urgentes
durante a suspensão do processo, como, por exemplo, a determinação de
medidas acautelatórias, como o arresto577 e o sequestro578. Resta saber se a
eficácia da medida cautelar já concedida em processo cautelar autônomo ou no
próprio processo executivo subsiste durante a suspensão do processo.
Em regra, a eficácia da medida cautelar concedida subsiste até mesmo
quando há suspensão do processo, seja o cautelar ou o principal. Com efeito, a
regra da subsistência da eficácia da medida cautelar durante a suspensão do
processo está consagrada nos arts. 793, in fine, e 807, parágrafo único, ambos do
Código de Processo Civil. Sem dúvida, a cessação da eficácia da medida cautelar
por superveniência de suspensão do processo cautelar ou executivo depende da
574
Cf. art. 739-A, § 1º, do Código de Processo Civil. 575
Cf. arts. 265, inciso III, e 791, inciso III, ambos do Código de Processo Civil. 576
Cf. arts. 390 e 394 do Código de Processo Civil. 577
Cf. arts. 813 a 821 do Código de Processo Civil. 578
Cf. arts. 822 a 825 do Código de Processo Civil.
223
223
prolação de decisão judicial específica, como bem revela o parágrafo único do art.
807 do Código de Processo Civil: ―Salvo decisão judicial em contrário, a medida
cautelar conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo‖.
21.4. Hipóteses de suspensão do processo de execução
As principais hipóteses de suspensão do processo executivo estão
arroladas no art. 791 do Código de Processo Civil. Não obstante, o rol não é
taxativo, porquanto há outros casos de suspensão do processo de execução. Sem
dúvida, além das hipóteses arroladas no art. 791, também há suspensão do
processo executivo nos casos dos arts. 394, 792 e 1.052 todos do Código de
Processo Civil.
21.4.1. Suspensão por recebimento de embargos com efeito suspensivo
Em regra, os embargos do executado não ocasionam a suspensão do
processo de execução. Não obstante, o juiz pode conferir efeito suspensivo aos
embargos, com fundamento no art. 739-A, § 1º, do Código de Processo Civil, com
a consequente suspensão do processo de execução, até o julgamento dos
embargos. É a hipótese de suspensão que consta do art. 791, inciso I, daquele
diploma: ―Art. 791. Suspende-se a execução: I - no todo ou em parte, quando
recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução (art. 739-A)‖.
Ainda que recebidos os embargos com efeito suspensivo, a suspensão do
processo de execução não impede a realização de alguns atos processuais, como
a penhora e a avaliação dos bens constritos, em virtude do disposto no § 6º do art.
739-A do Código de Processo Civil: ―§ 6o A concessão de efeito suspensivo não
impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens‖.
21.4.2. Suspensão nas hipóteses do art. 265, incisos I a III, do C.P.C.
224
224
O inciso II do art. 791 do Código de Processo Civil dispõe sobre a
suspensão do processo de execução nas hipóteses do art. 265, incisos I, II e III,
do mesmo diploma, em razão do falecimento ou da perda da capacidade
processual de alguma das partes, dos representantes ou dos procuradores, de
convenção das partes e de oferecimento de exceção ritual, respectivamente.
21.4.2.1. Suspensão por falecimento ou perda da capacidade processual
O inciso I do art. 265 e o inciso II do art. 791 do Código de Processo Civil
dispõem sobre a suspensão do processo por motivo de falecimento ou perda da
capacidade processual das partes, dos representantes legais ou dos respectivos
procuradores.
Tanto na hipótese de falecimento quanto na de perda da capacidade
processual, é imediata a suspensão do processo, desde o momento em que se dá
o falecimento ou a perda da capacidade processual. A regra, portanto, é a
declaração judicial da suspensão com efeito retroativo, vale dizer, ex tunc, a partir
do falecimento ou da perda da capacidade processual das partes, dos
representantes legais ou dos advogados, conforme o caso.
Estudados os aspectos gerais do inciso I do art. 265, já é possível examinar
as peculiaridades de cada hipótese inserta no preceito.
No que tange ao falecimento de alguma das partes, incidem os arts. 43,
1.055 a 1.062, todos do Código de Processo Civil, com a suspensão do processo
para a habilitação dos sucessores e a consequente substituição do falecido pelos
respectivos sucessores.
No caso de falecimento do único advogado de alguma das partes, também
há a suspensão do processo, mas para que sejam tomadas as providências
previstas no § 2º do art. 265 do Código de Processo Civil.
Resta saber se o falecimento do advogado substabelecente também
ocasiona a suspensão do processo. A despeito do disposto no art. 682, inciso II,
do Código Civil, doutrina e jurisprudência sustentam que não há necessidade de
225
225
suspensão do processo, ao fundamento de que o substabelecimento subsiste por
si só, razão pela qual o advogado substabelecido pode dar seguimento ao
processo, independentemente do falecimento do advogado substabelecente.
Estudada a suspensão proveniente do falecimento, voltam-se os olhos para
a segunda parte do inciso I do art. 265 do Código de Processo Civil.
Sob outro prisma, a ―capacidade processual‖ é a capacidade de estar em
juízo, vale dizer, a legitimação para o processo: legitimatio ad processum. Trata-se
de pressuposto processual indispensável para a prática de atos válidos em juízo,
em virtude da capacidade civil plena.
Com efeito, nem toda pessoa que pode ser parte pode praticar atos válidos
em processo judicial. Daí a distinção entre a capacidade de ser parte e a
capacidade processual. A capacidade processual depende da capacidade de ser
parte, mas também da capacidade civil plena, à vista da combinação dos arts. 7º,
8º e 12 do Código de Processo Civil, com os arts. 3º, 4º e 5º do Código Civil.
Assim, por exemplo, os menores podem ser partes, mas não têm capacidade
processual, porquanto não têm capacidade civil plena. Necessitam, por
consequência, de assistência ou de representação, conforme o caso, para que
possam praticar atos válidos em juízo.
Por ser pressuposto processual, a eventual incapacidade processual deve
ser conhecida de ofício pelo juiz. Aliás, a eventual incapacidade processual deve
ser conhecida de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição. Trata-se de
pressuposto processual de validade do processo, razão pela qual a incapacidade
pode ser suscitada na pendência do processo, por meio de embargos e até
mesmo por simples petição (―exceção de pré-executividade‖).
Reconhecida a incapacidade processual na pendência do processo, o juiz
deve suspender o mesmo e marcar prazo para a respectiva sanação. Com efeito,
a incapacidade processual ocasiona a suspensão do processo, tendo em vista a
combinação do art. 13, caput, com o art. 265, inciso I, e com o art. 791, inciso II,
todos do Código de Processo Civil.
226
226
Estudada a capacidade processual, com a respectiva distinção da
capacidade de ser parte, resta saber se o inciso I do art. 265 deve ser interpretado
de forma literal, já que cuida apenas da ―perda da capacidade processual‖. A
despeito da literalidade do preceito, deve ser prestigiada a interpretação extensiva,
a fim de alcançar não só a capacidade processual, mas também a capacidade de
ser parte e até mesmo a capacidade postulatória, à vista da interpretação
teleológica do art. 265, inciso I e § 2º, do Código de Processo Civil.
No que tange à capacidade de ser parte, a mesma já consta do proêmio do
inciso I, porquanto o falecido não tem capacidade de ser parte, razão pela qual já
há a suspensão do processo para a substituição prevista no art. 43: ―Ocorrendo a
morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos
seus sucessores, observado o disposto no art. 265‖.
Já a capacidade postulatória – ou ius postulandi – é o pressuposto
processual consubstanciado na possibilidade de postular em juízo, ou seja, de
patrocinar causa perante os órgãos do Poder Judiciário. Diante da superveniente
incapacidade postulatória, como nas hipóteses dos arts. 28, 30, 37 e 38 da Lei nº
8.906, de 1994, o juiz também deve suspender o processo e abrir prazo para a
sanação da incapacidade, nos termos dos arts. 13 e 265, § 2º, ambos do Código
de Processo Civil.
Daí a conclusão: ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o inciso
I do art. 265 não trata apenas da ―perda da capacidade processual‖; na verdade, o
preceito também alcança a perda da capacidade de ser parte e da capacidade
postulatória.
21.4.2.2. Suspensão por convenção das partes
O inciso II do art. 265 e o inciso II do art. 791 do Código de Processo Civil
versam sobre a suspensão do processo em virtude de convenção das partes,
para, por exemplo, a tentativa de transação.
227
227
Quanto ao prazo da suspensão fundada no inciso II do art. 265, a
paralisação do processo não pode exceder seis meses, tendo em vista o disposto
no § 3º do art. 265: ―§ 3o A suspensão do processo por convenção das partes, de
que trata o no Il, nunca poderá exceder 6 (seis) meses; findo o prazo, o escrivão
fará os autos conclusos ao juiz, que ordenará o prosseguimento do processo‖.
Por fim, a hipótese prevista no inciso II do art. 265 não se confunde com a
inserta no art. 792 do Código de Processo Civil. A suspensão por convenção das
partes fundada no inciso II do art. 265 está sujeita ao prazo máximo de seis
meses, o que não ocorre com a suspensão prevista no art. 792, porquanto as
partes podem estabelecer prazo maior para a suspensão do processo de
execução, a fim de que o executado cumpra voluntariamente a obrigação.
Ademais, como já anotado, a suspensão fundada no art. 792 tem finalidade
específica: o cumprimento voluntário da obrigação pelo executado. Já a
suspensão prevista no inciso II do art. 265 é genérica, razão pela qual as partes
podem requerer a suspensão do processo para diversos fins, como, por exemplo,
para a simples tentativa de transação. Daí a explicação para a coexistência dos
dois preceitos no Código de Processo Civil.
21.4.2.3. Suspensão por exceções rituais
À vista do art. 742 do Código de Processo Civil, a incompetência relativa do
juízo, a suspeição do juiz e o impedimento do juiz ensejam exceção ritual, em
petição distinta, mas que deve ser protocolizada no mesmo momento do
ajuizamento dos embargos à execução, ex vi da expressão contida no bojo do art.
742: ―juntamente com os embargos‖.
Já o inciso III do art. 265 e o inciso II do art. 791 do mesmo Código revelam
que há suspensão da execução em razão do oferecimento de exceção de
incompetência relativa do juízo, de exceção de suspeição do juiz ou de exceção
de impedimento do juiz.
Apresentada a exceção, há a imediata suspensão da execução, para o
julgamento da exceção ritual. Julgada a exceção ritual, a execução volta a ter
228
228
seguimento no mesmo ou em outro juízo, sob a direção do mesmo juiz ou de outro
magistrado, conforme o resultado da exceção veiculada.
21.4.3. Suspensão pela ausência de bens penhoráveis do executado
À vista do art. 791, inciso III, do Código de Processo Civil, também há a
suspensão do processo de execução por ausência de bens penhoráveis do
executado579.
Resta saber se o prazo prescricional volta a correr durante a suspensão do
processo, por falta de bens penhoráveis. Prestigia-se, no presente compêndio, a
interpretação firmada na jurisprudência: o prazo prescricional não corre durante a
suspensão da execução proveniente da inexistência de bens penhoráveis580. A
combinação do inciso I do art. 202 Código Civil com a parte final do parágrafo
único do mesmo art. conduz ao seguinte raciocínio: a prescrição interrompida pelo
ato processual por meio do qual a citação é ordenada pelo juiz só recomeça a
correr da data do último ato do respectivo processo, vale dizer, com o trânsito em
julgado da sentença extintiva do processo; como a suspensão não é o último ato
do processo, já que não se confunde com a extinção, o prazo prescricional não
recomeça a correr após a suspensão.
Sob outro prisma, o exequente não tem a obrigação de indicar bens
penhoráveis do executado; trata-se de mera faculdade, porquanto o exequente
―poderá‖ indicar os bens, ex vi do § 2º do art. 652 do Código de Processo Civil. Na
verdade, o inciso IV do art. 600 revela que quem tem a obrigação de indicar os
bens penhoráveis é o executado. Ademais, o instituto da prescrição tem em mira a
inércia do titular da pretensão, o que não ocorre na hipótese do inciso III do art.
791, porquanto a paralisação processual se dá em razão de omissão imputável ao
executado, e não ao exequente.
579
De acordo, na jurisprudência: - Não encontrados bens do devedor, suspende-se a execução (art. 791, III, do CPC).‖ (REsp nº 327.293/DF, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de novembro de 2001, p. 285). 580
―II - Estando suspensa a execução a requerimento do credor, pela inexistência, em nome do devedor, de bens penhoráveis, não tem curso o prazo de prescrição. Inteligência dos arts. 791, III e 793, do Código de Processo Civil.‖ (REsp nº 154.782/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de março de 1999, p. 166).
229
229
Por fim, a suspensão do processo não torna a obrigação imprescritível: o
executado pode requerer a respectiva insolvência civil, com fundamento nos arts.
750, inciso I581, e 757, ambos do Código de Processo Civil, a fim de que a
prescrição das obrigações tenha lugar à luz dos arts. 777 e 778582 do mesmo
diploma. Já o executado que é empresário ou sociedade empresária pode acionar
a falência, com fundamento nos arts. 97, inciso I, 105, 106 e 107 da Lei nº
11.101/2005, para que a prescrição das obrigações tenha lugar à luz dos arts.
157, 158 e 159 do mesmo diploma. Enfim, qualquer que seja o executado, civil ou
empresarial, a obrigação objeto da execução suspensa não é imprescritível,
embora a prescrição não tenha fluência durante a suspensão do processo
executivo; cabe ao executado requerer a respectiva insolvência civil ou falência,
com as consequências jurídicas daí provenientes.
21.4.4. Suspensão para o cumprimento voluntário da obrigação pelo
executado
O art. 792 do Código de Processo Civil autoriza a suspensão do processo
em virtude de convenção das partes, pelo prazo concedido pelo exequente, para
que o executado possa cumprir voluntariamente a obrigação objeto da execução,
no prazo acordado.
Trata-se de hipótese diversa da prevista no inciso II do art. 265 do Código
de Processo Civil, por duas razões: a uma, porque a suspensão autorizada pelo
art. 792 não está sujeita ao prazo previsto no § 3º do art. 265; a duas, porque a
suspensão objeto do art. 792 se dá em virtude de convenção com finalidade
específica, qual seja, o cumprimento da obrigação por parte do executado.
Findo in albis o prazo concedido ao executado, o processo executivo
retoma o curso, rumo à satisfação forçada da obrigação, ex vi do art. 792,
parágrafo único, do Código de Processo Civil.
581
―Art. 750. Presume-se a insolvência quando: I – o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora;‖. 582
―Art. 778. Consideram-se extintas todas as obrigações do devedor, decorrido o prazo de 5 (cinco) anos, contados da data do encerramento do processo de insolvência‖.
230
230
21.4.5. Suspensão por embargos de terceiro
À vista dos arts. 1.046 e 1.052 do Código de Processo Civil, o recebimento
de embargos de terceiro relativos a todos os bens penhorados ocasiona a
suspensão do processo de execução.
21.4.6. Suspensão por incidente de falsidade
À vista dos arts. 390 e 394 do Código de Processo Civil, a arguição de
falsidade do título de crédito ocasiona a suspensão do processo executivo, até o
julgamento do incidente.
21.4.7. Suspensão por motivo de força maior
O inciso V do art. 265 do Código de Processo Civil versa sobre a
suspensão do processo por motivo de força maior. Força maior é o acontecimento
coletivo alheio à vontade das partes como, por exemplo, os terremotos, as
enchentes, as guerras, as revoluções, os golpes de estado, enfim, todo evento
transindividual que impede ou dificulta a prática de atos processuais.
Diante do evento de força maior, o processo executivo deve ser suspenso.
Na verdade, a declaração da suspensão do processo tem efeito ex tunc, ou seja,
retroage até a data do acontecimento coletivo que impediu ou dificultou a prática
de atos processuais.
22. Extinção do processo de execução
22.1. Conceito
231
231
A extinção é o encerramento do processo, quando o mesmo chega ao fim no
primeiro grau de jurisdição. A extinção do processo de execução se dá mediante
sentença, conforme revelam os arts. 794 e 795 do Código de Processo Civil.
22.2. Hipóteses de extinção do processo de execução
As principais hipóteses de extinção do processo executivo estão arroladas
no art. 794 do Código de Processo Civil. Não obstante, o rol não é taxativo,
porquanto há outros casos de extinção do processo de execução. Sem dúvida,
além das hipóteses arroladas no art. 794, também há extinção do processo
executivo à vista dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil, aplicáveis à
execução por força do art. 598 do mesmo diploma.
22.2.1. Extinção por satisfação da obrigação
Em primeiro lugar, há extinção do processo de execução em virtude da
satisfação da obrigação pelo executado. É o que dispõe o art. 794, inciso I, do
Código de Processo Civil: ―Extingue-se a execução quando: I - o devedor satisfaz
a obrigação;‖.
À vista do art. 659 do Código de Processo Civil e do art. 389 do Código
Civil, a extinção da obrigação só se dá mediante o pagamento integral da dívida,
com correção monetária, juros, custas processuais e honorários advocatícios.
Sem dúvida, a extinção do processo executivo só se dá diante do efetivo
pagamento integral da obrigação pecuniária objeto da execução.
22.2.2. Extinção por remissão total da dívida e por outros casos de extinção
da obrigação
À vista do art. 794, inciso II, do Código de Processo Civil, a remissão total
da dívida pelo exequente ocasiona a extinção da obrigação e do respectivo
processo de execução. Remissão significa perdão da dívida. Não se confunde,
232
232
portanto, com a ―remição da execução‖, prevista no art. 651 do Código de
Processo Civil, muito menos com a extinta ―remição de bens‖, instituto que
constava dos revogados arts. 787 a 790 do original Código de 1973.
Na verdade, o inciso II do art. 794 revela que a extinção do processo de
execução também pode se dar mediante transação. É lícito às partes terminarem
o litígio quanto a direitos patrimoniais de caráter privado mediante concessões
mútuas583. Pouco importa se a transação conduz à remissão da dívida, ou não. Se
as partes transigirem, o juiz profere sentença, com fundamento nos arts. 267,
inciso III, 598 e 794, inciso II, todos do Código de Processo Civil, e no art. 842, in
fine, do Código Civil.
A interpretação dos arts. 360 e 364 do Código Civil revela que a novação
acerca da dívida também ocasiona a extinção da obrigação e da consequente
execução sobre a mesma.
Por fim, o processo executivo também deve ser extinto quando há confusão
entre exequente e executado. Há a confusão quando uma mesma pessoa é, a um
só tempo, credora e devedora da obrigação, com a consequente extinção da
mesma, ex vi do art. 381 do Código Civil. Daí a explicação para a extinção do
processo de execução, em virtude da combinação do art. 267, inciso X, com o art.
598, ambos do Código de Processo Civil.
22.2.3. Extinção por renúncia ao crédito
Na esteira do inciso II do art. 794 do Código de Processo Civil, também há
extinção do processo executivo quando o exequente renuncia ao crédito sobre o
qual versa a execução, com fundamento no inciso III do art. 794: ―III – o credor
renunciar ao crédito‖.
A renúncia não se confunde com a desistência, porquanto aquela (renúncia)
ocasiona a prolação de sentença de mérito, com produção de coisa julgada
material. Já a desistência ocasiona a prolação de simples sentença terminativa,
583
Cf. arts. 840 e 841 do Código Civil.
233
233
sem produção de coisa julgada material, tanto que o exequente que promover
nova execução contra o executado.
Diante da diferença estudada, a renúncia não depende da anuência do
executado, nem mesmo após o ajuizamento de embargos do executado.
22.2.4. Extinção por desistência da ação cambial
A desistência é o ato unilateral de vontade por meio do qual o exequente
abdica da execução em curso, mas não do direito material subjacente. A
desistência pode ser declarada oralmente pelo próprio exequente, em
audiência584, ou por petição, subscrita por advogado com procuração com poder
especial para ―desistir‖585.
À vista do caput do art. 569 do Código de Processo Civil, o exequente pode
desistir da execução livremente, desde que o faça antes do ajuizamento de
embargos do executado.
Na verdade, a desistência da execução também pode se dar até mesmo
depois do ajuizamento de embargos do executado, mas com as ressalvas das
alíneas ―a‖ e ―b‖ do parágrafo único do art. 569 do Código de Processo Civil: os
processos de execução e de embargos são extintos, às custas do exequente586,
se os embargos versarem apenas sobre questões processuais; se os embargos
versarem sobre questões de mérito, há a extinção da execução, mas a
homologação da desistência dos embargos depende da anuência do executado-
embargante.
Em todas as hipóteses, a desistência da execução só produz o efeito
extintivo do processo executivo após a homologação pelo juiz, tendo em vista a
combinação dos arts. 158, parágrafo único, 267, inciso VIII, 569 e 598, todos do
Código de Processo Civil.
584
À vista do art. 599, inciso I, do Código de Processo Civil, o juiz da execução também designar audiência, para o comparecimento do exequente e do executado. 585
Cf. art. 38 do Código de Processo Civil. 586
Na verdade, o exequente que desiste depois do ajuizamento dos embargos do executado arcar tanto com as despesas processuais quanto com os honorários advocatícios, por força do art. 569, inciso I, alínea ―a‖, do Código de Processo Civil.
234
234
Por fim, a desistência da execução não se confunde com a renúncia ao
crédito, razão pela qual o exequente desistente pode acionar nova execução
aparelhada no mesmo título executivo, para a cobrança da dívida. Já o exequente
renunciante não pode acionar o executado, porquanto a renúncia extingue a
obrigação.
22.2.5. Extinção por indeferimento da petição inicial e por prescrição da
pretensão executiva
À vista dos arts. 598 e 616, in fine, ambos do Código de Processo Civil, o
processo de execução também é extinto quando o juiz indefere a petição inicial,
com fundamento nos arts. 267, inciso I, e 295, daquele diploma.
Em regra, o indeferimento da petição inicial ocasiona a prolação de
sentença terminativa, com fundamento processual. Não obstante, quando o
indeferimento da petição inicial tem lugar por força da prescrição, à vista dos arts.
219, § 5º, 220, 295, inciso IV, e 598, todos do Código de Processo Civil, incide o
art. 269, inciso IV, razão pela qual a sentença é de mérito. A respeito da exceção,
merece ser prestigiada a conclusão nº 14 do Simpósio de Direito Processual Civil
de Curitiba: ―Quando o juiz indefere a petição inicial, por motivo de decadência ou
prescrição, há encerramento do processo com julgamento do mérito‖. Sem dúvida,
a pronúncia da prescrição da pretensão executiva implica extinção do processo de
execução, em razão da incidência do art. 269, inciso IV, do Código de Processo
Civil.
Resta saber se a admissão da petição inicial pelo juiz impede a posterior
extinção do processo, em razão da inépcia da petição ou por outro fundamento
arrolado no art. 295 do Código de Processo Civil.
Ainda que a petição inicial tenha sido admitida pelo juiz da execução, nada
impede a posterior extinção do processo com fundamento na inépcia da petição
inicial ou por qualquer outro fundamento arrolado no art. 295 do mesmo diploma.
Em abono, vale transcrever o verbete nº 18 da Primeira Câmara Cível do antigo
Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―A circunstância de não ter o juiz indeferido
235
235
liminarmente a inicial não o impede de extinguir posteriormente o processo‖. Na
esteira do verbete nº 18, houve a posterior aprovação da conclusão nº 23 durante
o 6º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada: ―A circunstância de não ter o juiz
indeferido liminarmente a inicial não o impede de extinguir posteriormente o
processo‖. As proposições merecem ser prestigiadas, porquanto a petição inicial
apta é pressuposto processual passível de conhecimento oficial em qualquer
tempo e grau de jurisdição, razão pela qual não há preclusão, nos termos do art.
267, inciso IV e § 3º, do Código de Processo Civil. Por conseguinte, a posterior
sentença deve ser fundamentada no inciso IV, e não no inciso I do art. 267.
Em suma, só é possível falar que há indeferimento da petição inicial quando
o juiz profere sentença in limine litis, antes da citação do executado, como se dá
na hipótese do art. 616, in fine, do Código de Processo Civil. Em contraposição, se
o juiz constatar a inépcia da petição inicial após a citação do executado, não há
mais lugar para o indeferimento da petição inicial, mas, sim, para a extinção do
processo com fundamento nos arts. 267, inciso IV e § 3º, e 598, porquanto a
petição inicial apta é pressuposto processual de validade do processo.
22.2.6. Extinção por paralisação do processo por negligência das partes
Quando ambas as partes deixam o processo paralisado por mais de um
ano, o mesmo de ser extinto, com fundamento no inciso II do art. 267 do Código
de Processo Civil, aplicável ao processo de execução por força do art. 598, como
bem assentou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao aprovar o enunciado nº
133, in verbis: ―Aplica-se supletivamente e no que couber o art. 267, II e II do
Código de Processo Civil ao processo de execução e ao cumprimento de
sentença‖.
Antes da prolação da sentença, todavia, o juiz deve ordenar a intimação
pessoal das partes, em cumprimento ao disposto no § 1º do mesmo art. 267,
236
236
porquanto a extinção só tem lugar quando ambas as partes deixam o processo
paralisado sem justificativa plausível587.
A propósito da intimação pessoal, a mesma pode ser realizada tanto por
oficial de justiça quanto pelo correio588, desde que a carta com aviso de
recebimento seja subscrita pela própria parte intimada. A propósito, merece ser
prestigiada a proposição nº 67 do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro: ―A intimação pessoal, de que trata o art. 267, § 1º, do CPC, pode ser
realizada sob a forma postal‖.
Resta saber, entretanto, se o juiz pode agir de ofício na hipótese do inciso
II, ao constatar que o processo está paralisado por mais de um ano, por
negligência das partes.
Sim, o juiz pode agir de ofício na hipótese do inciso II, como bem revela a
conclusão nº 14 aprovada durante o Simpósio de Direito Processual Civil de
Curitiba: ―A extinção do processo, sem julgamento do mérito, poderá ser
decretada de ofício, na hipótese do item II do art. 267‖.
22.2.7. Extinção por paralisação do processo por abandono da causa pelo
exequente
O processo deve ser extinto com fundamento no art. 267, inciso III, do
Código de Processo Civil, quando o demandante abandona a causa por mais de
trinta dias. À vista do art. 598 do mesmo diploma, o disposto no inciso III do art.
267 também é aplicável ao processo de execução, como bem assentou o Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro ao aprovar o enunciado nº 133, in verbis: ―Aplica-se
587
Uma justificativa plausível reside no inciso III do art. 791 do Código de Processo Civil, quando o processo deve ser suspenso, e não extinto. De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. SUSPENSÃO. NÃO LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. ART. 791-III, CPC. PRAZO. VINCULAÇÃO À PRESCRIÇÃO DO DÉBITO. PRECEDENTES. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL. RECURSO PROVIDO. - Sem estar em discussão a prescrição do débito, a execução suspensa com base no art. 791-III, CPC não pode ser extinta por negligência do exeqüente, nem por abandono da causa (arts. 267, II e III, CPC), principalmente se restaram atendidas todas as intimações para o prosseguimento do feito.‖ (REsp nº 327.173/DF, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de setembro de 2001, p. 316). 588
Vale lembrar que a ―citação‖ da execução não pode se dar pelo correio. Não obstante, a vedação estampada na alínea ―d‖ do art. 222 do Código de Processo Civil não alcança a ―intimação‖.
237
237
supletivamente e no que couber o art. 267, II e II do Código de Processo Civil ao
processo de execução e ao cumprimento de sentença‖.
Não obstante, o juiz não atua de ofício na hipótese do inciso III, ex vi do
enunciado nº 240 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―A extinção do
processo, por abandono da causa pelo autor, depende de requerimento do réu‖. À
vista do requerimento do executado, o juiz deve determinar a intimação pessoal do
exequente, em cumprimento ao § 1º do art. 267 do Código de Processo Civil.
Como já anotado no tópico anterior, a intimação pessoal pode ser realizada
por oficial de justiça e também por carta com aviso de recebimento.
Se o exequente permanecer silente após ser intimado pessoalmente, o juiz
deve proferir sentença extintiva da execução e condenar o exequente a pagar as
despesas processuais e os honorários do advogado do executado, com
fundamento no art. 28 do Código de Processo Civil.
Por fim, o exequente só pode ajuizar nova execução contra o executado
após comprovar o pagamento das despesas processuais e dos honorários
advocatícios589.
22.2.8. Extinção por ausência de pressupostos processuais
Os pressupostos processuais são requisitos formais necessários para a
constituição e para o desenvolvimento de todo e qualquer processo, até mesmo
do processo executivo.
Diante das finalidades dos pressupostos processuais, os mesmos são
classificados em pressupostos de constituição e em pressupostos de validade. Os
pressupostos de constituição ou de existência são a jurisdição, a propositura da
demanda, a capacidade postulatória e a citação. Já os pressupostos de validade
são a petição inicial apta, a capacidade de ser parte, a capacidade processual, a
competência do juízo e a imparcialidade do juiz.
589
Cf. art. 28, in fine, do Código de Processo Civil.
238
238
Resta saber se a ausência de pressuposto processual ocasiona a extinção
do processo. Em regra, a resposta é afirmativa: a falta de pressuposto processual
gera a extinção do processo, à vista da combinação do inciso IV do art. 267 com o
art. 598 do Código de Processo Civil.
Não obstante, a regra não é absoluta. A incompetência, por exemplo, não
ocasiona a extinção do processo, mas, sim, a remessa dos autos ao juízo
competente, com a nulidade das decisões proferidas no juízo incompetente, tudo
nos termos do § 2º do art. 113 do Código de Processo Civil. O mesmo raciocínio
alcança a suspeição e o impedimento, tendo em vista o disposto no art. 314, in
fine, do Código de Processo Civil. Daí a conclusão: em regra, a ausência de
pressuposto processual ocasiona a extinção do processo, mas não na totalidade
dos casos.
Por fim, os pressupostos processuais ensejam apreciação oficial em
qualquer tempo e grau de jurisdição. É a regra consagrada no § 3º do art. 267 do
Código de Processo Civil, também aplicável à execução por força do art. 598 do
mesmo diploma. Não obstante, a regra não é absoluta: a incompetência relativa e
a suspeição são pressupostos processuais que dependem de provocação da
parte.
22.2.9. Extinção por carência da ação
O inciso VI do art. 267 do Código de Processo Civil versa sobre as
condições da ação, quais sejam, a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes
e o interesse processual, indispensáveis também para a ação de execução, por
força do art. 598 daquele diploma.
A primeira condição da ação é a possibilidade jurídica do pedido, rectius,
possibilidade jurídica da demanda, já que tanto o pedido quanto a causa de pedir
não podem ser vedados por lei e devem ser compatíveis com ordenamento
jurídico. Daí a impossibilidade jurídica da execução de dívida de jogo590 e da
590
Cf. art. 814, primeira parte, do Código Civil.
239
239
execução de honorários advocatícios de parte beneficiária da assistência
judiciária.
A segunda condição da ação é a legitimidade das partes ou legitimidade ad
causam. A legitimidade é aferida à luz da relação de direito material: é essencial
que os fatos narrados na petição inicial revelem que há alguma relação de direito
material entre as partes em litígio.
A terceira condição da ação é o interesse processual ou interesse de agir.
O interesse processual é aferido à luz da necessidade da prestação jurisdicional,
da utilidade da mesma para a obtenção do fim almejado e da adequação da via
acionada para a obtenção do fim.
À vista do § 3º do art. 267, as condições da ação devem ser apreciadas de
ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição, porquanto são matérias de ordem
pública, não passíveis de preclusão, portanto. Daí o acerto da conclusão nº 15
aprovada durante o Simpósio de Direito Processual Civil de Curitiba: ―A preclusão
não se opera quanto às matérias enumeradas nos nºs IV, V e VI do art. 267 do
CPC‖. Na mesma esteira, merece ser prestigiada a conclusão nº 9 do 6º Encontro
Nacional dos Tribunais de Alçada: ―Em se tratando de condições da ação não
ocorre preclusão, mesmo existindo explícita decisão a respeito (CPC, art. 267, §
3º)‖.
Por fim, a aferição da carência da ação deve ser realizada pelo juiz à luz
das asserções lançadas pelo exequente na petição inicial da execução. Se os
termos da petição inicial já revelarem a impossibilidade jurídica, a ilegitimidade das
partes ou a falta de interesse de agir, o juiz deve proferir sentença extintiva do
processo desde logo.
22.2.10. Extinção por acolhimento de embargos à execução
A procedência dos embargos do executado também pode ocasionar a
extinção do processo de execução, como nos casos do art. 618 do Código de
Processo Civil: ―Art. 618. É nula a execução: I - se o título executivo extrajudicial
240
240
não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível (art. 586); II - se o devedor
não for regularmente citado; III - se instaurada antes de se verificar a condição ou
de ocorrido o termo, nos casos do art. 572‖.
Na verdade, os embargos também servem para a arguição da prescrição da
pretensão executiva, da carência da ação, da falta de pressupostos processuais,
matérias que também podem ser suscitadas mediante petição avulsa (―exceção de
pré-executividade‖) e até mesmo de ofício pelo juiz.
Na eventualidade da procedência dos embargos do executado em razão da
nulidade do título executivo, da inexistência de título executivo, da nulidade do
processo de execução, da prescrição da pretensão executiva, o processo deve ser
extinto, por meio de sentença.
Por tudo, além das hipóteses arroladas no art. 794 do Código de Processo
Civil, há outros tantos casos de extinção do processo de execução.
22.3. Sentença extintiva do processo de execução
À vista do art. 795 do Código de Processo Civil, só há a extinção do
processo de execução com a prolação de sentença pelo juiz de primeiro grau, com
fundamento em alguma das hipóteses legais acima estudadas, como, por
exemplo, as arroladas no art. 794 do mesmo diploma.
Não obstante, a sentença extintiva do processo de execução é passível de
recurso de apelação, em quinze dias, com fundamento nos arts. 162, § 1º, 508,
513, 598 e 795, todos do Código de Processo Civil.
241
241
CAPÍTULO VII – AÇÃO MONITÓRIA
1. Preceitos de regência e enunciados sumulares
A ação monitória está prevista nos arts. 1.102-A a 1.102-C do Código de
Processo Civil, acrescentados pela Lei nº 9.079/1995. Além dos preceitos legais,
há vários enunciados da Súmula do Superior Tribunal de Justiça sobre a ação
monitória591, em virtude da enorme importância do instituto na prática forense,
especialmente em relação aos títulos de crédito prescritos.
2. Conceito e natureza jurídica
A monitória é um procedimento especial de processo cognitivo592,
porquanto tem início sem título executivo algum e permite ampla discussão593
acerca da existência do direito sub iudice, na busca da formação do título
executivo judicial passível de execução. Com efeito, na eventualidade de o réu
não oferecer defesa mediante embargos, ou de os embargos monitórios
veiculados serem rejeitados, incide o disposto no Capítulo X do Título VIII do Livro
I do Código de Processo Civil, destinado ao cumprimento de sentença por meio da
execução padrão que tem lugar após a fase cognitiva de todo processo594. São,
em suma, as justificativas que conduzem à conclusão em favor da predominância
da natureza cognitiva do processo sujeito ao procedimento monitório.
Por tudo, a denominada ―ação monitória‖595 é o processo cognitivo que se
desenvolve sob procedimento especial marcado pela celeridade rumo à execução,
591
Cf. enunciados nºs 247, 282, 292, 299 e 339, por exemplo. 592
De acordo, na jurisprudência: ―I - O procedimento monitório, também conhecido como injuntivo, introduzido no atual processo civil brasileiro, largamente difundido e utilizado na Europa, com amplo sucesso, tem por objetivo abreviar a formação do título executivo, encurtando a via procedimental do processo de conhecimento. II - A ação monitória tem a natureza de processo cognitivo sumário e a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional, sendo facultada a sua utilização, em nosso sistema, ao credor que possuir prova escrita do débito, sem força de título executivo, nos termos do art. 1.102a, CPC.‖ (REsp nº 220.887/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 3 de novembro de 1999, p. 118). 593
Tanto que há lugar para a conversão do procedimento em ordinário, ex vi do art. 1.102-C, § 2º, do Código
de Processo Civil. 594
Cf. art. 1.102-C, caput e § 3º, combinados com os arts. 475-I e seguintes, todos do Código de Processo Civil. 595
Cf. art. 1.102-A do Código de Processo Civil.
242
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em prol do portador de prova escrita sem eficácia de título executivo, para a
obtenção de pagamento de soma em dinheiro, da entrega de coisa fungível ou de
bem móvel.
3. Facultatividade do procedimento monitório
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a adoção do
procedimento monitório é facultativa. Com efeito, cabe ao portador do documento
sem eficácia de título executivo escolher entre a cobrança judicial por meio de
processo cognitivo sob o rito monitório ou sob o procedimento comum, ordinário
ou sumário, conforme o valor da causa e a natureza da causa596. Em reforço, o §
1º do art. 1.102-C do Código de Processo Civil revela a facultatividade do
procedimento monitório, porquanto o autor pode desejar o pagamento não só do
principal, mas também das custas judiciais recolhidas597 e dos honorários
advocatícios598. Daí a conclusão: cabe ao credor a escolha entre o procedimento
comum ou o monitório para a cobrança judicial599.
Em contraposição, se o documento tiver eficácia executiva, a cobrança
judicial deve ocorrer mediante execução forçada, cuja admissibilidade conduz à
carência da ação sob o procedimento monitório, pela ausência do interesse
processual. Com efeito, à vista do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil,
só é admissível a demanda mediante o procedimento monitório quando não há
lugar para execução forçada600.
596
Cf. art. 275, incisos I e II, do Código de Processo Civil. 597
Cf. art. 257 do Código de Processo Civil. 598
Cf. art. 20 do Código de Processo Civil. 599
De acordo, na jurisprudência: ―II - A ação monitória tem a natureza de processo cognitivo sumário e a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional, sendo facultada a sua utilização, em nosso sistema, ao credor que possuir prova escrita do débito, sem força de título executivo, nos termos do art. 1.102a, CPC.‖ (REsp nº 220.887/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 3 de novembro de 1999, p. 118). 600
De acordo, na doutrina: ―Obviamente, porque se tivesse título teria execução e faltar-lhe-ia o interesse processual necessário ao provimento monitório.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 262 e 263). Ainda na melhor doutrina, o Professor Sergio Bermudes também sustenta ―o estreitamento do âmbito de incidência da ação monitória, que não pode ser usada, se couber a ação executiva.‖ (Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de
direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 271). Por fim, há precedentes do Superior Tribunal de Justiça que reforçam a lição da doutrina: REsp nº 167.618/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de junho de 1999, p. 202; e Ag nº 216.816/DF – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 31 de maio de 1999, p. 149: ―1. Constituindo as
243
243
4. Hipóteses de admissibilidade do procedimento monitório
A primeira hipótese de admissibilidade do rito monitório diz respeito à
cobrança de soma em dinheiro comprovada mediante prova escrita sem eficácia
executiva. É indispensável que o credor seja portador de documento escrito
comprobatório do valor a ser cobrado. O exemplo mais frequente na prática
forense reside na cobrança judicial de títulos de crédito prescritos, como bem
atesta o enunciado nº 299 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―É
admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito‖. Aliás, a tese
consagrada no enunciado nº 299 pode ser aplicada aos títulos de crédito em geral,
como a nota promissória601, as duplicatas602, por exemplo. Enfim, todos os títulos
de crédito prescritos servem como prova escrita necessária para o ajuizamento de
ação monitória.
Outro importante exemplo de prova escrita idônea para a cobrança
mediante o procedimento monitório reside no contrato de abertura de crédito em
conta-corrente, acompanhado do extrato bancário demonstrativo do débito. Com
efeito, o contrato bancário de abertura de crédito em conta-corrente não goza de
certeza, razão pela qual não pode ser considerado título executivo extrajudicial603.
Não obstante, o contrato é idôneo para a cobrança judicial sob o rito monitório: é
prova escrita, não tem eficácia executiva e versa sobre soma em dinheiro. Daí a
admissibilidade da cobrança judicial sob o procedimento monitório, como bem
revela o enunciado nº 247 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―O contrato
atas de assembleias e as convenções condominiais títulos executivos extrajudiciais, cabível é a via executiva e não o ajuizamento de ação monitória‖. Contra, entretanto, também há forte corrente jurisprudencial: ―AÇÃO MONITÓRIA. Título executivo. O credor que tem em mãos título executivo pode dispensar o processo de execução e escolher a ação monitória. Precedentes.‖ (REsp nº 435.319/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de março de 2003, p. 231). Conforme revela a ementa, o acórdão está fundamentado em precedentes da Corte, com igual orientação: REsp nº 182.084/MG e REsp nº 210.030/RJ. 601
De acordo, na jurisprudência: ―IV. Cabível o uso da monitória para a cobrança de valores alusivos a nota promissória alcançada pela prescrição.‖ (REsp nº 437.136/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 9 de junho de 2008). 602
Assim, na jurisprudência: ―2. Cópias de duplicatas são documentos hábeis para instruir ação monitória.‖ (REsp nº 819.329/RJ, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 391). 603
Cf. enunciado nº 233 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, enunciado nº 49 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e enunciado nº 14 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
244
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de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de
débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória‖.
Na verdade, toda prova documental que não tenha eficácia de título
executivo e que seja idônea para demonstrar a existência de obrigação pecuniária
pode instruir a petição inicial de demanda sob o procedimento monitório, para a
cobrança judicial de soma em dinheiro604. Aliás, à luz do art. 1.102-A do Código de
Processo Civil, não há necessidade de que a prova escrita tenha sido assinada
pelo devedor605, nem mesmo que o documento esteja assinado606. Nada impede,
portanto, que a prova escrita tenha sido constituída de forma unilateral607. Não
obstante, compete ao juiz, à vista da espécie, avaliar a prova documental
604
Em sentido conforme, na doutrina: ―Prova escrita é a documental, não necessariamente o instrumento do negócio jurídico. Podemos citar, entre outras: o documento assinado pelo devedor, mas sem testemunhas, os títulos cambiários após o prazo de prescrição, a duplicata não aceita antes do protesto ou a declaração de venda de um veículo, por exemplo.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 263). O Professor Sergio Bermudes também formula didático exemplo: ―Imagine-se a carta na qual um amigo agradece ao outro o empréstimo de dinheiro, enuncia o montante da soma e declara que irá pagá-la num determinado dia.‖ (Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In
Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 271). 605
Por exemplo, duplicata sem aceite, quando não há prova da entrega da mercadoria ou da prestação do serviço. Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO MONITÓRIA. DUPLICATA SEM ACEITE, ACOMPANHADA DA NOTA FISCAL/FATURA E DO INSTRUMENTO DE PROTESTO. PROVA ESCRITA. DOCUMENTO QUE NÃO PRECISA SER OBRIGATORIAMENTE EMANADO DO DEVEDOR. - O documento escrito a que se refere o legislador não precisa ser obrigatoriamente emanado do devedor, sendo suficiente, para a admissibilidade da ação monitória, a prova escrita que revele razoavelmente a existência da obrigação. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 167.618/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de junho de 1999, p. 202). ―Ação monitória. Duplicata de prestação de serviço sem aceite. Ausência de documento comprovando o recebimento do serviço. 1. Afirmando o Acórdão recorrido que, no caso, não há documento comprovando o recebimento dos serviços, e admitindo a jurisprudência da Corte que a duplicata sem aceite é título executivo se acompanhado de tal documento, não é possível impedir o autor de exercer o seu direito de credor pela via da ação monitória. 2. Recurso especial não conhecido.‖ (REsp nº 167.222/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de outubro de 1999, p. 55). 606
Assim, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO MONITÓRIA - INSTRUÇÃO DA INICIAL POR NOTAS FISCAIS - MATÉRIA DE FATO. I - Não é imprescindível que o documento esteja, para embasar a inicial da Monitória, assinado, podendo mesmo ser acolhido o que provém de terceiro ou daqueles registros, como os do comerciante ou dos assentos domésticos que não costumam ser assinados, mas aos quais se reconhece natural força probante (CPC, art. 371).‖ (REsp nº 164.190/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de junho de 1999, p. 186). 607
Ao julgar incidente de uniformização de jurisprudência, o Conselho Especial do TJDF aprovou a seguinte orientação jurisprudencial: ―O documento unilateral emitido por condomínio é eficiente para instruir ação monitória‖. O respectivo acórdão contém a seguinte ementa: ―PROCESSUAL CIVIL - UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - ADMISSIBILIDADE - AÇÃO MONITÓRIA - COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS - DOCUMENTO UNILATERAL - POSSIBILIDADE. VERIFICADA A DIVERGÊNCIA DE POSICIONAMENTOS ACERCA DA APLICABILIDADE DE DETERMINADO DIREITO, IMPÕE-SE A ADMISSÃO DO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CABÍVEL A AÇÃO MONITÓRIA DESDE QUE A PROVA ESCRITA APRESENTADA PREENCHA OS REQUISITOS DO ART. 1.102-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E, AINDA, ESTEJA CLARA A RELAÇÃO JURÍDICA DE CRÉDITO E DÉBITO ENTRE AS PARTES, MESMO QUE A REFERIDA PROVA SEJA CONSTITUÍDA UNILATERALMENTE. PRECEDENTES DO COLENDO STJ.‖ (UNJ nº 2007.00.2.011888-7, Conselho Especial do TJDF, Diário da Justiça de 6 de março de 2009, p. 47).
245
245
acostada à petição inicial, para formar a respectiva convicção acerca da
demonstração dos fatos, ou não. Se a prova documental for julgada suficiente
para demonstrar o quadro fático delineado pelo autor, o juiz deve admitir a petição
inicial e determinar a expedição do mandado inicial de citação, já com a ordem de
pagamento da quantia, tudo nos termos do art. 1.102-B do Código de Processo
Civil. Em contraposição, se o juiz formar convencimento contrário à luz da petição
inicial e da respectiva documentação, deve proferir sentença extintiva do processo
sob o procedimento monitório.
Exposta a primeira – e mais importante – hipótese de admissibilidade do
procedimento monitório, passa-se ao estudo das demais hipóteses previstas no
art. 1.102-A do Código de Processo Civil.
A segunda e a terceira hipóteses de admissibilidade do procedimento
monitório têm lugar nas obrigações para a entrega de coisa608, com igual
demonstração mediante prova escrita, conforme revela o art. 1.102-A do Código
de Processo Civil: ―A ação monitória compete a quem pretender, com base em
prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro,
entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel‖. Quanto ao alcance da
expressão legal ―bem móvel‖, incidem os arts. 82 a 84 do Código Civil de 2002. No
que tange ao significado de ―coisa fungível‖, incide o art. 85 do Código Civil. A
coexistência das duas alternativas (―coisa fungível‖ ou ―bem móvel‖) amplia o
alcance do procedimento monitório, com a possibilidade da cobrança da entrega
de coisas fungíveis609, assim como de bens móveis que não são fungíveis610. Em
608
A propósito, vale conferir didático exemplo de autoria do Professor Sergio Bermudes: ―Pense-se no bilhete, deixado pelo fazendeiro, na propriedade vizinha, onde afirma que apanhou certo número de sacas de café, que devolverá, impreterivelmente, em igual dia da semana seguinte.‖ (Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado
Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 271). 609
Por exemplo, semoventes, navios, aeronaves. No mesmo sentido, na doutrina: Sergio Bermudes. Ação
monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 274. 610
Por exemplo, um quadro de famoso pintor já falecido, os originais de antigo livro escrito por importante autor, o instrumento musical utilizado por músico de fama internacional em concerto humanitário de significativa importância histórica.
246
246
contraposição, o procedimento monitório não é admissível para a veiculação de
pretensões de entrega de imóveis, de fazer e de não fazer611.
5. Legitimidade ativa e passiva
O procedimento monitório pode ser acionado por toda pessoa, tanto a
pessoa natural quanto a pessoa jurídica, quer seja pública, quer seja privada. A
amplitude da legitimidade ativa é fruto da expressão genérica inserta no art. 1.102-
A: ―quem pretender‖.
O polo passivo da demanda também pode ser ocupado pelas pessoas
física e jurídica, tanto a privada quanto a pública. Aliás, após o advento do
enunciado nº 339 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça612, não há mais
dúvida acerca da admissibilidade da adoção do rito monitório em processo movido
contra pessoa jurídica de direito público interno. Não incidem, entretanto, ao final
do processo sob rito monitório contra a Fazenda Pública, os arts. 475-I a 475-R do
Código de Processo Civil, ou seja, a regra prevista no art. 1.102-C, mas, sim, os
arts. 730, 731 e 741, preceitos específicos para a execução contra a Fazenda
Pública.
6. Prazo
O Código de Processo Civil não estabelece prazo algum para a propositura
da denominada ―ação monitória‖; e a razão é simples: monitório é o procedimento,
e não a ação destinada ao exercício de uma pretensão. A pretensão, sim, é
passível de prazo, o qual tem natureza prescricional, tendo em vista o disposto no
art. 189 do Código Civil. Assim, por exemplo, é prescritível a pretensão de
enriquecimento sem causa exercida mediante demanda sob o procedimento
611
De acordo, na doutrina: ―Conforme expressa previsão legal, as obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa imóvel não podem ser objeto de demanda monitória, pois esta é limitada às obrigações de pagar e entregar coisas móveis, pouco importando se a pretensão se funda em direito das obrigações ou em direito real.‖ (Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de direito processual civil. 2009, p. 1.312). 612
―É cabível ação monitória contra a Fazenda Pública‖.
247
247
comum ou sob o procedimento monitório613. Sem dúvida, é a pretensão de
enriquecimento sem causa que sofre a incidência da prescrição, à vista dos
diferentes prazos prescricionais existentes para cada caso: por exemplo, dois
anos, no caso do cheque, por força do art. 61 da Lei nº 7.357/1985, e três anos,
nos casos da letra de câmbio, da nota promissória e das duplicatas, à vista do art.
206, § 3º, inciso IV, do Código Civil.
Além da pretensão de enriquecimento sem causa fundamentada no título
de crédito prescrito que não foi honrado, a pretensão causal também pode ser
veiculada mediante o procedimento monitório, mas com fundamento na causa
debendi, vale dizer, na origem da dívida, a qual precisa ser declinada na petição
inicial614. Por conseguinte, a prescrição deve ser observada à luz da pretensão
causal, tendo em vista o disposto nos arts. 205 e 206 do Código Civil615.
Em suma, a ―ação monitória‖ em si não está sujeita a prazo algum; na
verdade, a prescrição diz respeito à pretensão exercida mediante a ação, por meio
de demanda cujo procedimento pode ser o monitório. O prazo prescricional deve
ser aferido à luz da espécie, em cada caso concreto, tendo em vista a pretensão
objeto da demanda sob o procedimento monitório.
7. Petição inicial
A petição inicial da demanda sob o procedimento monitório deve ser
elaborada à luz dos arts. 39, inciso I, 258, 282, todos do Código de Processo Civil.
613
Em reforço ao entendimento defendido no presente compêndio, vale conferir o didático voto do Desembargador Alexandre Freitas Câmara: ―A demanda de enriquecimento, a ser proposta pelo credor, poderá levar à utilização do procedimento monitório ou de procedimento comum (ordinário ou sumário, conforme o caso), por opção do demandante. Impende, pois, considerar que a assim chamada ‗ação monitória‘ não é figura distinta da ‗ação de enriquecimento‘ mas, tão somente, o nome dado pela lei processual a um dos procedimentos que podem ser usados para o desenvolvimento do processo instaurado pela propositura da ‗ação de enriquecimento‘.‖ (Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ). 614
Tal exigência não se dá quando a ação monitória veicula pretensão de enriquecimento sem causa, porquanto a simples juntada do título de crédito prescrito que não foi pago já é suficiente para revelar a ocorrência do locupletamento indevido. 615
Não obstante, segundo forte corrente jurisprudencial, a pretensão causal enseja demanda de cobrança sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Foi o que assentou o Tribunal de Justiça de São Paulo ao aprovar o verbete sumular nº 18, em 2010: ―Súmula 18: Exigida ou não a indicação da causa subjacente, prescreve em cinco anos o crédito ostentado em cheque de força executiva extinta (Código Civil, art. 206, § 5º, I)‖. Ainda que muito respeitável o entendimento predominante, defende-se no presente compêndio raciocínio diverso, segundo o qual a prescrição da pretensão causal depende de cada caso concreto, ou seja, de cada causa debendi.
248
248
Como toda causa, também ser conferido valor à submetida ao
procedimento monitório, em cumprimento ao art. 258 do Código de Processo Civil.
Ao contrário do que ocorre no procedimento comum, cujo valor da causa pode
interferir na adoção do rito ordinário ou sumário, o mesmo não ocorre no
procedimento monitório, o qual pode ter ser adotado em causas com valores
inferiores e superiores a sessenta salários mínimos.
Em cumprimento aos arts. 283 e 1.102-B, a petição inicial deve ser
―devidamente instruída‖ com a prova documental elucidativa do valor ou da coisa
objeto da cobrança judicial. À luz da prova escrita juntada pelo autor, o juiz realiza
cognição perfunctória acerca da pertinência do pedido monitório, para indeferir ou
admitir a petição inicial616. Indeferida a petição inicial, cabe apelação, em quinze
dias, nos termos dos arts. 267, inciso I, 295, 296, 508 e 513, todos do Código de
Processo Civil.
Não obstante, se a petição inicial estiver incompleta, incide o art. 284 do
Código de Processo Civil, a fim de que o autor emende a inicial, em dez dias, sob
pena de indeferimento.
8. Admissibilidade da petição inicial e expedição do mandado inicial
Se a petição estiver regular à luz dos arts. 39, inciso I, 258, 282, 283, 1.102-
A e 1.102-B, todos do Código de Processo Civil, e também for adequado o rito
monitório, à vista da cobrança de soma em dinheiro, da entrega de coisa fungível
ou de bem móvel com lastro em prova documental, o juiz admite a inicial e
determina a expedição do mandado de citação, com a ordem de pagamento ou da
entrega da coisa, conforme o caso. Com efeito, o mandado monitório contém a
determinação de citação do réu, com a ordem de pagamento ou da entrega da
coisa, no prazo de quinze dias, tudo nos termos do art. 1.102-B, in fine, do Código
616
De acordo, na doutrina: ―Depois de cognição sumária, o juiz defere a expedição do mandado de cumprimento da obrigação.‖ (Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José
Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 272). ―No procedimento monitório, há cognição desenvolvida pelo juiz, consubstanciada no convencimento de que há verossimilhança nas alegações do autor. Somente após tal cognição deverá o juiz proferir o pronunciamento inicial positivo, com a expedição do mandado monitório.‖ (Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de direito processual civil. 2009, p. 1.315).
249
249
de Processo Civil. Nada dispõe, entretanto, sobre honorários advocatícios nem
custas processuais, até mesmo em razão da isenção legal617 existente em prol do
réu que paga ou entrega a coisa no prazo de quinze dias da citação. A
condenação ao pagamento de honorários advocatícios e das custas processuais
se dá apenas ao final da fase cognitiva, no momento da prolação da sentença pelo
juiz.
No que tange à natureza do pronunciamento previsto no art. 1.102-B, trata-
se de verdadeira decisão interlocutória618, porquanto o juiz decide acerca da
regularidade da petição inicial e também profere juízo de delibação acerca da
própria admissibilidade do procedimento monitório.
Resta saber se há lugar para recurso de agravo contra a decisão
interlocutória proferida à luz do art. 1.102-B. Segundo o entendimento
predominante na doutrina e na jurisprudência, a decisão interlocutória prevista no
art. 1.102-B é irrecorrível, por falta de interesse recursal619.
Coerente com o raciocínio sustentado em trabalho específico sobre
recursos620, prestigia-se no presente compêndio a doutrina minoritária que
defende o cabimento do recurso de agravo de instrumento621, porquanto a
617
Cf. art. 1.102-C, § 1º, do Código de Processo Civil. 618
De acordo, na doutrina: Antônio Raphael Silva Salvador. Da ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada: comentários à Lei nº 9.079, de 14.7.95. 1995, p. 23 e 24: ―Quando o juiz defere a inicial, fundamentando a sua decisão, para determinar a expedição do mandado de pagamento ou de entrega de coisa, está proferindo decisão interlocutória, capaz de atingir o direito do réu‖. Também no mesmo sentido, ainda na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 263: ―Esse ato é decisão interlocutória, contra a qual cabe agravo de instrumento‖. Contra, entretanto, há autorizada doutrina: Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 275 (―Ao menos por enquanto, vejo o pronunciamento, que defere a expedição do mandado, como ato de prestação jurisdicional. Trata-se, no meu sentir, de sentença condenatória condicional, proferida na forma de despacho (ou de decisão interlocutória, para os que, como não penso, só admitem a existência de despachos de mero expediente.‖). 619
Cf. Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 275: ―Não me parece que o réu da ação monitória possa recorrer do ato de deferimento da expedição do mandado. Faltar-lhe-ia interesse recursal, porquanto a lei põe ao seu dispor, no art. 1.102 c, embargos com efeito suspensivo da eficácia daquela ordem‖. 620
Cf. Bernardo Pimentel Souza. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 8ª ed., 2011. 621
Cf. Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 263; e Antônio Raphael Silva Salvador. Da ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada: comentários à Lei nº 9.079, de 14.7.95. 1995, p. 23 e 24: ―Quando o juiz defere a inicial, fundamentando a sua decisão, para determinar a expedição do mandado de pagamento ou de entrega de coisa, está proferindo decisão interlocutória, capaz de atingir o direito do réu. Este, se o desejar, poderá agravar de instrumento, mesmo ainda não citado, pois pode
250
250
admissão da petição inicial da ação monitória pode causar gravame até mesmo ao
autor, que pode não concordar com algum dos termos da decisão interlocutória622.
9. Citação do réu
A citação do réu no procedimento monitório pode ser realizada por todas as
formas arroladas no art. 221 do Código de Processo Civil.
A respeito da possibilidade da citação pela forma prevista no inciso III do
art. 221, o enunciado nº 282 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça autoriza a
citação por edital: ―Cabe a citação por edital em ação monitória‖. Na eventualidade
de citação por edital e da posterior ocorrência de revelia, o juiz deve nomear
curador especial para exercer a defesa do réu mediante embargos, em
observância ao disposto no art. 9º, inciso II, in fine, do Código de Processo Civil623.
Mutatis mutandis, aplica-se à espécie o mesmo raciocínio consagrado no
enunciado nº 196 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, em virtude da natureza cognitiva da demanda veiculada sob o
procedimento monitório, não incide a vedação contida no inciso ―d‖ do art. 222 do
Código de Processo Civil, razão pela qual a citação pelo correio também é
compatível com o procedimento monitório.
preferir atacar desde logo a decisão, não aguardando o momento em que poderia discutir o direito do autor através dos chamados embargos‖. 622
A propósito, o antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais conheceu e deu provimento a recurso de agravo de instrumento interposto pelo autor contra a decisão interlocutória de admissão da petição inicial, por não concordar com todos os termos do pronunciamento proferido em primeiro grau de jurisdição: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA - DESPACHO INICIAL - CONTEÚDO DECISÓRIO - RECORRIBILIDADE - MODIFICAÇÃO INICIAL DOS JUROS E DA CORREÇÃO MONETÁRIA COBRADOS - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. O despacho que manda expedir o mandado monitório tem conteúdo eminentemente decisório, equiparando-se a uma verdadeira decisão interlocutória, que desafia o recurso de agravo. Ao despachar a inicial da ação monitória, o juiz, além de verificar os requisitos da peça, as condições da ação e os pressupostos processuais comuns a qualquer procedimento, deverá fazer um prévio juízo de valor a respeito da prova escrita ofertada. Todavia, uma vez aceita esta prova e admitida como verdadeira a assunção da obrigação, não pode o Magistrado alterar os encargos que sobre ela se fizeram incidir, posto que tais questões pertinem à matéria de defesa dos embargos monitórios.‖ (AGI nº 307.730-7, 7ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 23 de agosto de 2000). 623
Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO MONITÓRIA. Citação por edital. É possível a citação por edital do réu em ação monitória; sendo ele revel, nomear-se-á curador especial para exercer a sua defesa através de embargos (art. 1.102 do CPC). Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 175.090/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de fevereiro de 2000, p. 87).
251
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10. Cumprimento do mandado inicial pelo réu
Após a citação, o réu tem a opção de cumprir o mandado inicial previsto no
art. 1.102-B do Código de Processo Civil, quando fica isento do pagamento das
custas processuais adiantadas pelo autor, bem assim dos honorários advocatícios,
em virtude do disposto no § 1º do art. 1.102-C do mesmo diploma.
Como é perceptível primo ictu oculi, o § 1º do art. 1.102-C tem como
escopo estimular o réu a cumprir o mandado inicial, mediante o pagamento da
quantia ou a entrega da coisa, conforme o caso, dentro dos quinzes dias
posteriores à citação.
Cumprido o mandado inicial pelo réu, o juiz profere sentença extintiva do
processo, em virtude do pagamento da soma em dinheiro ou da entrega da coisa,
conforme o caso624.
11. Inércia do réu: descumprimento do mandado monitório e ausência de
embargos
Apesar de citado, o réu pode permanecer silente, sem aviar embargos à
monitória na quinzena legal. Diante da omissão do réu, incide a segunda parte do
caput do art. 1.102-C, com a imediata conversão ex vi legis do mandado inicial em
mandado executivo, independentemente de sentença do juiz. É a interpretação
prevalecente tanto na doutrina625 quanto na jurisprudência626.
624
De acordo, na doutrina: ―Cumprido o mandado, só lhe resta declarar extinto o processo pela satisfação do direito do credor. Ocorrerá, aqui, embora não se trate de execução no sentido próprio, a hipótese do art. 794, I, do Código, na qual o devedor satisfaz a obrigação, cabendo ao juiz proferir declaratória da extinção semelhante à referida no art. 795.‖ (Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 272 e 273). 625
Conferir, na doutrina: Alexandre Freitas Câmara. Lições de direito processual civil. Volume III, 12ª ed., 2007, p. 543: ―É de se notar que a conversão do provimento inicial em título executivo se dá, nos termos da lei, de pleno direito, o que significa afirmar que não há necessidade de prolação de qualquer provimento judicial declarando ter-se constituído o título executivo‖. Assim, ainda na doutrina: Antônio Raphael Silva Salvador. Da ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada: comentários à Lei nº 9.079, de 14.7.95. 1995, p. 36: ―Portanto, independe a formação desse título de qualquer decisão judicial, podendo o autor, diante da inércia do réu, iniciar a execução, com petição inicial nos mesmos autos, pedindo a entrega da coisa certa (arts. 621 e ss.) ou o pagamento de quantia certa contra o devedor solvente (arts. 646 e ss.). Esta execução assim se iniciará, evitando-se que o juiz precise proferir qualquer ato jurisdicional antes, quando possibilitaria ao réu procrastinar a chegada à execução, com o recurso que pudesse interpor‖. Também com igual opinião, na doutrina: Elaine Harzheim Macedo. Do procedimento monitório. 1999, p. 153: ―Na prática, isso significa que o magistrado, constatando o decurso do prazo para o oferecimento de embargos sem sua interposição,
252
252
Ainda que muito respeitável o entendimento predominante na doutrina e na
jurisprudência, prestigia-se, no presente compêndio, a tese minoritária, segundo a
qual o juiz deve proferir sentença de conversão do mandado inicial em mandado
executivo, para constituir o título executivo judicial, quando poderá627 reexaminar
as matérias de ordem pública, como a prescrição e a incompetência absoluta do
juízo, por exemplo. Com efeito, à vista da parte final do art. 1.102-C do Código de
Processo Civil, incidem os arts. 475-I a 475-R do mesmo diploma, os quais
versam sobre o ―cumprimento da sentença‖. É imprescindível, portanto, a prolação
de uma sentença, ainda que concisa, a fim de que a ―execução‖ prevista no art.
475-I esteja aparelhada em ―sentença‖, tal como exige o preceito legal628 aplicado
por força da parte final do art. 1.102-C.
Ademais, o art. 475-L restringe as matérias passíveis de impugnação, na
certeza de que outras tantas (muitas delas de conhecimento oficial, como a
prescrição e a incompetência absoluta do juízo) já foram julgadas na sentença.
Daí a necessidade da prolação de sentença, até mesmo para faça sentido o
ouvindo o autor ou mesmo de ofício, determinará o prosseguimento do feito como execução para entrega de coisa ou para pagamento de quantia certa, independente de qualquer ato decisório. Despacho ordinatório, irrecorrível, que marca o início da execução forçada, a fim de atuar o direito de crédito, agora adjetivado pela certeza decorrente não de uma sentença condenatória típica, mas de um comando sumário, emitido condicionalmente, cuja condição verificou-se frente à não oposição do demandado‖. 626
Conferir, na jurisprudência: ―MONITÓRIA - APELAÇÃO - HIPÓTESE DE NÃO CABIMENTO - EMBARGOS NÃO OFERTADOS - CONVERSÃO DO MANDADO DE PAGAMENTO EM TÍTULO EXECUTIVO. - A revelia do executado constitui, de pleno direito, o mandado inicial em título executivo, independentemente de sentença, hipótese em que, por consequência, não cabe apelação.‖ (Apelação nº 343.723-8, 6ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 23 de outubro de 2001). ―AÇÃO MONITÓRIA - NÃO OPOSIÇÃO DE EMBARGOS - CONVERSÃO DO MANDADO INICIAL EM MANDADO EXECUTIVO - APELAÇÃO - HIPÓTESE INICIAL EM MANDADO EXECUTIVO - APELAÇÃO - HIPÓTESE DE NÃO CABIMENTO. Quando não há o oferecimento de embargos - que reclamou ato decisório -, a conversão do mandado inicial de pagamento em mandado executivo, nos moldes do art. 1.102c, caput, do CPC, independe de sentença, ou de qualquer outra formalidade, tratando-se unicamente de um despacho ordinatório de conversão.‖ (Apelação nº 1.0016.05.488737-6/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 11 de agosto de 2006). ―AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA -APELAÇÃO - HIPÓTESE DE NÃO CABIMENTO. 1 — Na ação monitória, se, no prazo de quinze dias, não são opostos embargos pelo réu, constitui-se de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo, independentemente de sentença ou qualquer outra formalidade, hipótese em que não é cabível apelação‖ (AGI nº 8.434/97, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 1998, p. 63). Colhe-se do voto condutor: ―Se não são opostos embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em título executivo, independentemente de sentença ou de qualquer outra formalidade, conforme Theotônio Negrão (ob. cit). ‗Trata-se de um estranho título executivo judicial, porque prescinde de sentença. Ao que parece, tal natureza lhe é atribuída pela lei para evitar que o réu oponha, posteriormente, embargos à execução com fundamento no art. 745, em vez de ficar restrito às hipóteses do art. 741.‘ (apud Theotônio Negrão, ob. cit). Segue-se daí que, não sendo oferecido embargos, o mandado inicial é convertido em título
executivo independentemente de sentença ou qualquer outra formalidade. A decisão, da qual se apelou, sequer era, portanto, necessária. Não é cabível dela, assim, apelação‖. 627
Rectius, deverá! 628
Vale dizer, o art. 475-I do Código de Processo Civil.
253
253
disposto na parte final do inciso VI do art. 475-L: ―omissis ou prescrição, desde
que superveniente à sentença‖.
Por tudo, parece ser necessária a prolação de sentença, para o juiz julgar o
pedido monitório e converter o mandado inicial em mandado executivo, com a
constituição do título executivo629.
Não obstante, como já anotado, prevalece o entendimento segundo o qual
a inércia do réu diante da citação ocasiona a imediata conversão do mandado
inicial em mandado executivo por força de lei, sem a prolação de sentença pelo
juiz.
Por fim, a despeito do silêncio anterior, o réu, agora executado, pode aviar
impugnação na fase de cumprimento da sentença, ainda que a respectiva defesa
fique limitada às matérias arroladas no art. 475-L do Código de Processo Civil.
Sem dúvida, o fato de o réu não ter veiculado embargos à monitória não gera
preclusão em relação à impugnação do art. 475-L do Código de Processo Civil.
Não obstante, quando a demanda sob o procedimento monitório é movida contra
pessoa jurídica de direito público interno, incidem o art. 100 da Constituição
Federal e os arts. 730, 731 e 741 do Código de Processo Civil. Por conseguinte,
no lugar da impugnação prevista no art. 475-L, são admissíveis os embargos à
execução dos arts. 730 e 741 daquele diploma.
12. Contraposição mediante embargos
629
De acordo, na doutrina: ―Resta indagar se, igualmente, se faz necessário algum ato judicial, na hipótese de faltarem os embargos, ou de virem eles intempestivamente. Parece-me que sim, e por mais de um motivo. Diferente do processo de execução, com o qual não se confunde porque relação cognitiva, dependerá de uma sentença, como acontece em qualquer outro processo. Seria temerário proceder-se à execução sem um ato judicial de reconhecimento da constituição do título – título executivo judicial, como está no art. 1.102c, criado pela atividade jurisdicional pelo Estado – porque a ausência dos embargos não implica, necessariamente, a consolidação do título provisório, representado pelo mandado. Pense-se, por exemplo, na citação inexistente, ou nula, que acarreta a invalidade do processo e impede a configuração da contumácia do réu. Por conseguinte, urge que se profira uma sentença declaratória positiva de que se operou, de pleno direito, a constituição aludida no art. 1.102c. Essa sentença completa a formação do título executivo judicial, consolidando-o, tanto quanto a sentença de rejeição dos embargos, prevista no § 3º.‖ (Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 276 e 277). Com igual opinião, também na doutrina: ―Não embargada a ação monitória, será proferida sentença (constituição do título executivo judicial), prosseguindo o feito com o cumprimento da sentença. O mesmo ocorre quando os embargos monitórios forem julgados improcedentes.‖ (Bianca Oliveira de Farias e Milton Delgado Soares. Direito processual civil. Volume I, 2009, p. 286).
254
254
Citado, o réu pode discordar e apresentar defesa mediante embargos,
dentro da quinzena disponível para o pagamento da soma em dinheiro ou para a
entrega da coisa. Com efeito, é de quinze dias o prazo disponível para a
veiculação dos embargos à monitória, com fundamento nos arts. 1.102-B, in fine, e
1.102-C, proêmio, ambos do Código de Processo Civil.
Os embargos são veiculados mediante simples petição, endereçada ao
mesmo juízo do processo sob o rito monitório. Feito o protocolo, a petição já é
juntada no bojo dos autos do mesmo processo, consoante o disposto no art.
1.102-C, § 2º, do Código de Processo Civil. Com efeito, a petição dos embargos à
monitória não passa pela distribuição nem depende de recolhimento de custas. Os
embargos à monitória também não dependem da segurança do juízo, ex vi do
mesmo art. 1.102-C, § 2º. Sem dúvida, não há necessidade de penhora nem do
depósito da quantia ou da coisa objeto do processo.
Veiculados os embargos pelo réu, há a imediata suspensão da eficácia do
mandado inicial, com a consequente conversão do procedimento monitório em
ordinário, por força do art. 1.102-C, § 2º, do Código de Processo Civil. Com efeito,
a simples apresentação de embargos tempestivos suspende a eficácia do
mandado inicial previsto no art. 1.102-B, até o posterior julgamento pelo juiz, já
sob o procedimento ordinário, com a possibilidade de ampla discussão e de
dilação probatória630.
No que tange à natureza jurídica, os embargos à monitória não se
confundem com os embargos à execução previstos nos arts. 736 e 738 do Código
de Processo Civil. Os embargos à execução têm natureza jurídica de ação
autônoma e formam novo processo, porquanto são veiculados mediante petição
inicial631, têm autonomia procedimental632 e são julgados em sentença própria633.
Já os embargos à monitória têm natureza jurídica de resposta defensiva do réu,
630
De acordo, na jurisprudência: ―IV - Em relação à liquidez do débito e à oportunidade de o devedor discutir os valores, a forma de cálculo e a própria legitimidade da dívida, assegura-lhe a lei a via dos embargos, previstos no art. 1102c, que instauram amplo contraditório e levam a causa para o procedimento ordinário.‖ (REsp nº 218.459/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1999, p. 68). 631
Cf. arts. 295 e 739, inciso II, ambos do Código de Processo Civil. 632
Cf. art. 736, parágrafo único, do Código de Processo Civil. 633
Cf. art. 740 do Código de Processo Civil.
255
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porquanto são veiculados em petição simples e não têm autonomia procedimental,
já que são juntados aos próprios autos do mesmo processo, o qual passa a seguir
o procedimento ordinário, tudo nos termos do art. 1.102-C, § 2º, do Código de
Processo Civil. Daí a conclusão: os embargos à monitória têm natureza de
contestação.
Por fim, vale anotar que a natureza de contestação não é peculiaridade dos
embargos monitórios; os embargos previstos no art. 755 do Código de Processo
Civil têm igual natureza jurídica. Na verdade, o termo ―embargos‖ é equívoco no
direito brasileiro e pode significar ―ação‖, ―recurso‖ ou ―contestação‖, conforme o
disposto na legislação. No que tange aos ―embargos‖ previstos no art. 1.102-C,
caput e §§, do Código de Processo Civil, o instituto é verdadeira contestação634.
13. Indeferimento liminar dos embargos monitórios
Como anotado no tópico anterior, os embargos monitórios são a via
processual defensiva à disposição do réu citado em demanda monitória, para
impedir a conversão do mandado monitório em executivo e para converter o
procedimento monitório em ordinário, com o prosseguimento da cognição de
forma ampla.
A dúvida surge quando o juiz de primeiro grau indefere os embargos
monitórios in limine litis, por intempestividade. Discute-se se há a prolação de
decisão interlocutória agravável ou de sentença apelável. Autorizada doutrina
sustenta a primeira tese: decisão interlocutória agravável por instrumento635. À
vista da lição doutrinária transcrita na nota anterior, o Tribunal de Justiça de Minas
634
Em abono, na jurisprudência: ―Segundo a mens legis os embargos na ação monitória não têm ‗natureza jurídica de ação‘, mas se identificam com a contestação. Não se confundem com os embargos do devedor, em execução fundada em título judicial ou extrajudicial, vez que, inexiste ainda título executivo a ser desconstituído.‖ (REsp nº 222.937/SP, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 2 de fevereiro de 2004, p. 265). No mesmo sentido, na doutrina: Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume II, 3ª ed., 2007, p. 427; e Rodrigo Mazzei. Reforma do CPC. Volume I, 2006, p. 323. 635
Cf. Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 4ª ed., 1999, p. 1.380, nota 5: ―Indeferidos liminarmente os embargos, essa decisão se caracteriza como interlocutória, desafiando o recurso de agravo de instrumento (não retido).‖ ―O ato que indefere liminarmente os embargos não é sentença, porque não encerra nenhum processo, já que os embargos são defesa e não se processam em separado‖.
256
256
Gerais não conheceu de recurso de apelação636. Assim também decidiu o Tribunal
de Justiça de Goiás, em acórdão, todavia, reformado pelo Superior Tribunal de
Justiça637.
Ainda que muito respeitável o entendimento contrário, merece ser prestigiada
a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça638, porquanto o
indeferimento liminar dos embargos monitórios ocasiona o encerramento da
cognição na demanda sob o procedimento monitório, com o início da execução
mediante cumprimento de sentença, tudo consoante o disposto nos arts. 475-I,
475-J e 1.102-C, caput, todos do Código de Processo Civil.
Com efeito, o indeferimento liminar dos embargos à monitória implica
encerramento do conhecimento e início da execução, com a conclusão em favor
da procedência do pedido objeto da demanda, em razão da conversão prevista no
caput do art. 1.102-C. Daí a compatibilidade com o disposto nos arts. 162, § 1º, e
269, inciso I, com o consequente cabimento do recurso de apelação, sem prejuízo,
entretanto, da aplicação da fungibilidade recursal, com a igual admissibilidade de
eventual recurso de agravo de instrumento, à vista do art. 579, caput e parágrafo
único, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 126 do Código de
Processo Civil.
636
Cf. Apelação nº 2.0000.00.486880-4/001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 21 de outubro de 2005: ―AÇÃO MONITÓRIA - EMBARGOS - INTEMPESTIVIDADE - APELAÇÃO - RECURSO INADEQUADO - AGRAVO DE INSTRUMENTO. O ato do MM. juiz que rejeita liminarmente os embargos monitórios, por intempestividade, é decisão interlocutória, pois não põe fim ao processo. O agravo de instrumento é recurso próprio para atacar decisão que resolve questão incidente no curso do processo‖. Como anotado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais prestigiou a autorizada lição dos Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, conforme revela o seguinte trecho extraído do voto-vencedor proferido pela Desembargadora-Relatora, in verbis: ―Nesse sentido, é também pertinente o entendimento de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery: ‗Indeferidos liminarmente os embargos, essa decisão se caracteriza como interlocutória, desafiando o recurso de agravo de instrumento (não retido). (...) O ato que indefere liminarmente os embargos não é sentença, porque encerra nenhum processo, já que os embargos são defesa e não se processam em separado. (...)‘ (Código de Processo Civil Comentado, 8ª ed, 2004, p. 1314) (grifo nosso). Mediante tais considerações, não conheço da apelação, uma vez que se mostra recurso inadequado para atacar a r. decisão interlocutória proferida.‖ (cf. Apelação nº 2.0000.00.486880-4/001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 21 de outubro de 2005). 637
Cf. REsp nº 803.418/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 2006, p. 300. 638
Cf. REsp nº 803.418/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 2006, p. 300: ―Recurso especial. Ação monitória. Recurso cabível contra decisão que rejeita liminarmente os embargos. Apelação. - Deve ser interposta apelação contra a decisão que rejeita liminarmente os embargos à monitória ou os julga improcedentes, pois, nesta hipótese, há extinção do processo de conhecimento com resolução de mérito em razão do acolhimento do pedido do autor, sendo inaugurada a fase executória. Recurso especial conhecido e provido‖.
257
257
14. Reconvenção
Fixadas as premissas de que os embargos à monitória têm natureza de
contestação e ocasionam a conversão do procedimento em ordinário, não há
dúvida de que o réu também pode aviar reconvenção, nos termos dos arts. 297 e
299 do Código de Processo Civil. Em abono à conclusão defendida no presente
compêndio, vale conferir o enunciado nº 292 da Súmula do Superior Tribunal de
Justiça: ―A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do
procedimento em ordinário‖.
Na eventualidade de o juiz indeferir a petição inicial da reconvenção, cabe
recurso de agravo de instrumento, tendo em vista a natureza interlocutória do
pronunciamento, porquanto o indeferimento se dá no bojo do mesmo processo, o
qual prossegue na fase cognitiva por força da demanda primitiva.
Além da contestação e da reconvenção, também há lugar para as outras
respostas disponíveis aos réus em geral: impugnação ao valor da causa, exceção
de incompetência relativa, exceção de suspeição e exceção de impedimento, tudo
nos termos dos arts. 261 e 297 do Código de Processo Civil639.
15. Julgamento dos embargos admitidos
Opostos e admitidos os embargos à monitória pelo juiz, há a suspensão do
mandado de pagamento ou entrega, com a conversão do procedimento em
ordinário, a fim de que o réu tenha assegurada a ampla defesa, com dilação
probatória.
Findo o processamento sob o rito ordinário, o juiz profere sentença, quando
julga os embargos mediante sentença. Da sentença cabe apelação640, em quinze
dias, nos termos dos arts. 508 e 513 do Código de Processo Civil.
639
Assim, na jurisprudência: ―- A ação monitória, com a impugnação do réu através de embargos, se torna ação normal de conhecimento regida pelo procedimento ordinário podendo, assim, dar ensejo a exceções processuais, reconvenção inclusive.‖ (REsp nº 147.945/MG, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de novembro de 1998, p. 133). 640
De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO. I. Cabe apelação da decisão que rejeita os embargos opostos em ação monitória. II. Agravo improvido.‖ (AG nº 539.424/DF – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de
258
258
Rejeitados os embargos mediante sentença de procedência do pedido
monitório, forma-se o título judicial idôneo para a execução à luz dos arts. 475-I a
475-R, todos do Código de Processo Civil, consoante a regra consagrada no art.
1.102-C, § 3º, do mesmo Código. Não obstante, a regra comporta exceção: na
eventualidade de a monitória ter sido movida contra a Fazenda Pública, incidem
os arts. 730, 731 e 741 do Código de Processo Civil e o art. 100 da Constituição
Federal.
16. Efeito suspensivo e apelação contra sentença em embargos à monitória
Consoante anotado no tópico anterior, após o oferecimento pelo réu e a
admissão para processamento pelo juiz, os embargos monitórios são julgados
mediante sentença apelável. Resta saber quais os efeitos do recebimento da
apelação.
O antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo assentou que a
exceção ao efeito suspensivo prevista no inciso V do art. 520 do Código de
Processo Civil não alcança a apelação interposta contra sentença proveniente de
embargos à monitória, nos termos do enunciado nº 47: ―A apelação interposta da
sentença que julga os embargos ao mandado monitório será recebida, também,
no efeito suspensivo‖.
À vista das premissas fixadas no anterior tópico 12, o enunciado nº 47
merece ser prestigiado. Com efeito, os embargos à monitória não se confundem
com os embargos à execução previstos nos arts. 520, inciso V, e 736, ambos do
Código de Processo Civil. Os embargos à execução têm natureza jurídica de ação
autônoma e formam novo processo, porquanto são veiculados mediante petição
inicial, têm autonomia procedimental e são julgados em sentença própria. Já os
embargos à monitória têm natureza jurídica de defesa do réu, de verdadeira
contestação, porquanto são veiculados em petição simples e não têm autonomia
março de 2004, p. 248). ―PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS. JULGAMENTO. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO. CPC, ARTS. 162, § 1º, 515 E 1.102C, § 2º. I. Cabe apelação da decisão que rejeita os embargos opostos pelo réu em ação monitória.‖ (REsp nº 171.350/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 367).
259
259
procedimental, tanto que os embargos à monitória são juntados aos próprios autos
do processo já em curso, o qual passa a seguir o procedimento ordinário, tendo
em vista o disposto no art. 1.102-C, § 2º, do Código de Processo Civil.
Ora, se os embargos à monitória são julgados em processo sob o
procedimento ordinário, ou seja, o procedimento comum adotado como regra pelo
Código de Processo Civil641, também deve incidir a regra consagrada no proêmio
do caput do art. 520, qual seja, o recebimento da apelação também no efeito
suspensivo, porquanto uma regra atrai a incidência da outra.
Ademais, a combinação do § 3º do art. 1.102-C com o art. 475-I642 não
permite a conclusão de que a sentença tem eficácia imediata, porquanto o
proêmio do § 1º do próprio art. 475-I é compatível com a regra consagrada no
caput do art. 520, segundo a qual a apelação também é recebida no efeito
suspensivo, sem possibilidade de execução antes do trânsito em julgado. Ainda à
luz do § 1º do art. 475-I, só há a execução imediata na excepcional pendência de
algum recurso sem efeito suspensivo. Não obstante, tal como a segunda parte e
os incisos do art. 520 são exceções no sistema, a segunda parte do § 1º do art.
475-I também é excepcional. A regra reside no proêmio tanto do § 1º do art. 475-I
quanto do caput do art. 520: em regra, a apelação produz efeito suspensivo e não
há lugar para execução alguma antes do trânsito em julgado. O raciocínio também
alcança a apelação proveniente dos embargos à monitória, porquanto o § 3º do
art. 1.102-C atrai a incidência do art. 475-I, cujo § 1º está em harmonia com os
arts. 520 e 521 do mesmo diploma.
Sopesados todos os argumentos, exsurge a conclusão de que a apelação
interposta contra a sentença proveniente dos embargos à monitória também tem
efeito suspensivo643. Aliás, o recebimento do recurso também no efeito suspensivo
641
Cf. arts. 271, 272, parágrafo único, segunda parte, e 274, todos do Código de Processo Civil. 642
Preceito que deve ser aplicado por força do § 3º do art. 1.102-C. 643
Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS JULGADOS IMPROCEDENTES. RECEBIMENTO DA APELAÇÃO NO DUPLO EFEITO. Inaplicabilidade da regra inscrita no art. 520, inc. V, do CPC, uma vez que, tratando-se de norma de exceção, deve ser interpretada restritivamente.‖ (REsp nº 170.482/SC, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de abril de 1999, p. 160). ―AÇÃO MONITÓRIA. Embargos. Apelação. Efeitos. Tem duplo efeito a apelação interposta de sentença que julga improcedentes os embargos opostos na ação monitória. Interpretação restritiva do disposto no art. 520, V, do CPC. Precedente. Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 207.750/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 23 de agosto de
260
260
alcança a apelação interposta da sentença de improcedência do pedido monitório
(ou seja, de acolhimento dos embargos à monitória), bem como a apelação
interposta da sentença de procedência do pedido monitório (ou seja, de rejeição
dos embargos à monitória). Diante do duplo efeito da apelação interposta contra a
sentença, não há lugar para execução alguma, nem mesmo provisória, na
pendência do recurso apelatório, em virtude da subsistência da suspensão
ocasionada pela oposição dos embargos à monitória644.
1999, p. 133). De acordo, na doutrina: ―Com efeito, por não ter ocorrido (ainda) alteração no rol do art. 520 do CPC, deverá prevalecer o entendimento (já sedimentado) de que o recurso que desafia a decisão de rejeição dos embargos monitórios deve ser recebido no duplo efeito, isto é, conferindo-se efeito suspensivo. Sem a retificação no art. 520 do CPC, não nos parece possível, diante do quadro atual e apenas com a sistemática introduzida pela Lei 11.232/2005, afirmar que será possível a execução provisória em título decorrente de ação monitória, caso a decisão que rejeitar os embargos seja impugnada via recurso de apelação.‖ (Rodrigo Mazzei. Ação monitória. Reforma do CPC. Volume I, 2006, p. 337 e 338 e nota 18). Também com igual opinião, ainda na doutrina: ―omissis, merecendo elogios a corrente doutrinária que defende o recebimento da
apelação no duplo efeito, pelo menos até modificação legislativa.‖ (Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de direito processual civil. 2009, p. 1.328). 644
Contra, todavia, há respeitável doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 264.
262
262
CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DO DIREITO FALIMENTAR
1. Conceito
O direito falimentar é o sub-ramo do direito empresarial que trata das
falências dos empresários e das sociedades empresárias que não revelaram
aptidão ou idoneidade para o exercício da atividade empresarial, e também versa
sobre as recuperações empresariais que são cabíveis diante de crise econômico-
financeira daqueles (empresários e sociedades empresárias). Enquanto as
recuperações são processos destinados à subsistência do empresário ou da
sociedade empresária, a partir do restabelecimento da normalidade da atividade
empresarial, as falências são processos de execução coletiva para o pagamento
dos credores em concurso, com a alienação dos bens do empresário ou da
sociedade empresária insolvável645-646. O direito falimentar versa as falências, mas
também sobre as recuperações empresariais647.
2. Falência versus execução civil
A regra da vida em sociedade é a quitação das dívidas pelos devedores em
prol dos credores. Na eventualidade de inadimplemento do devedor, o credor pode
acionar o Poder Judiciário, a fim de que o patrimônio daquele (devedor) seja
constrito e ocorra a satisfação do crédito, mediante a respectiva execução forçada,
a qual pode ser individual ou concursal, e pode ter natureza civil ou comercial,
conforme o caso.
Diante da existência de várias dívidas, sem o correspondente lastro no
patrimônio do devedor, a regra da execução individual dá lugar à concursal,
marcada pela execução coletiva, com a presença de todos os credores do
645
De acordo, na doutrina: ―Quando um devedor comerciante não paga suas obrigações, instaura-se contra ele execução coletiva:‖ (Celso Agrícola Barbi. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 86, nº 126). 646
Vale ressaltar, que a insolvabilidade que interessa para o direito falimentar é a jurídica. Daí a possibilidade de um empresário com solvabilidade econômico-financeira sofrer a decretação da falência, nos casos arrolados no inciso III do art. 94 da Lei nº 11.101/2005. 647
Aliás, a expressão ―direito recuperativo falimentar‖ é a que melhor retrata os institutos sub examine.
263
263
devedor. Ao invés de inúmeras execuções singulares em face do mesmo devedor
insolvente, há apenas um processo de execução, com a igualdade de tratamento
entre os credores da mesma classe, a fim de que tenham as mesmas
oportunidades na tentativa da satisfação dos respectivos créditos, em homenagem
ao princípio par conditio creditorum, consagrado nos arts. 91, parágrafo único,
115, 126 e 149, §§ 1º e 2º, todos da Lei nº 11.101/2005.
Com efeito, a execução do devedor depende da respectiva solvabilidade ou
insolvabilidade e da natureza civil ou empresarial do devedor. A execução singular
do devedor civil ou empresarial que seja solvável ocorre em processo singular, à
vista dos artigos 646 e seguintes do Código de Processo Civil. Constatada,
todavia, a insolvabilidade do devedor civil, há lugar para a execução universal ou
concurso de credores em processo de insolvência civil648.
Além da execução coletiva em face do devedor civil insolvente, há a
falência propriamente dita, a qual tem em mira o empresário individual, a empresa
individual de responsabilidade limitada e a sociedade empresária insolvente.
Sem dúvida, a execução concursal de empresário ou sociedade empresária
é denominada falência ou quebra, terminologia utilizada no antigo Código
Comercial de 1850, cuja Parte Terceira tinha o seguinte título: ―DAS QUEBRAS‖.
É certo que os respectivos arts. 797 a 913 do Código de 1850 foram revogados
com o advento do Decreto-lei nº 7.661/1945, intitulado ―Lei de Falências‖. Em
seguida, com a superveniência da Lei nº 11.101/2005, houve a revogação do
Decreto-lei nº 7.661/1945. Assim, a Lei nº 11.101/2005 é o atual diploma de
regência da falência e da recuperação de empresário individual, de empresa
individual de responsabilidade limitada e de sociedade empresária.
Vale ressaltar que a Lei nº 11.101/2005 revela uma nova opção do
legislador brasileiro: a falência só deve ser decretada quando não há chance de
recuperação do empresário individual, da empresa individual de responsabilidade
limitada ou da sociedade empresária649. Com efeito, o atual diploma tem como
648
Cf. arts. 748 e 751, inciso III, ambos do Código de Processo Civil. 649
De acordo, na jurisprudência: ―III - No moderno Direito falimentar, o interesse social preponderante é manter a empresa em atividade (L. 11.101/05, Art. 1º).‖ (REsp nº 971.215/RJ, 3ª Turma do STJ, Diário da
264
264
escopo principal a recuperação do empresário individual, da empresa individual de
responsabilidade limitada e da sociedade empresária cujas dívidas contraídas
prejudicam ou até impossibilitam o regular exercício da respectiva atividade
econômica, na busca, se possível for, do restabelecimento da normalidade
empresarial e da solvabilidade. Diante do escopo consubstanciado na preservação
da empresa, a Lei nº 11.101/2005 apresenta três formas para evitar a decretação
da falência: recuperação judicial (arts. 47 a 69), recuperação especial (arts. 70 a
72) e recuperação extrajudicial (arts. 161 a 167). São modernos institutos jurídicos
que consagram o princípio da preservação da empresa, em razão da importância
da respectiva subsistência para os empregados, os consumidores, para o
mercado financeiro e até mesmo para o fisco.
Resta saber qual é a execução concursal mais favorável ao devedor: a civil
ou a falimentar? Não há dúvida de que há importantes vantagens na Lei nº
11.101/2005, em relação à legislação civil650. Em primeiro lugar, o empresário e a
sociedade empresária são beneficiados pela recuperação, instituto por meio do
qual é possível ampliar o prazo para o pagamento de dívidas e até mesmo reduzir
o valor a ser pago. Sob outro prisma, o empresário individual, a empresa individual
de responsabilidade limitada e a sociedade empresária são favorecidos pela
extinção das obrigações em virtude do pagamento de mais de cinquenta por cento
dos créditos quirografários, com o ativo disponível do devedor (art. 158, inciso
II)651. Daí a importância da discussão quanto aos sujeitos excluídos da incidência
da Lei nº 11.101/2005, total ou parcialmente, tema do tópico subsequente.
Justiça de 15 de outubro de 2007, p. 268). Assim, na doutrina: ―A preservação da atividade negocial é o ponto mais delicado do regime jurídico de insolvência. Só deve ser liquidada a empresa inviável, ou seja, aquele que não comporta uma reorganização eficiente ou não justifica o desejável resgate.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 629). 650
De acordo, na doutrina: ―Ao empresário, quando insolvente, o direito nacional destina um regime jurídico próprio. Excepcionando o concurso de credores previsto no CPC (arts. 751 e ss), submete-o ao sistema falimentar. Este lhe confere a possibilidade de obter recuperação. Pode solucionar seu passivo obrigacional em condições mais vantajosas que aquelas proporcionadas ao devedor civil e, conforme o caso, até escapar do exício negocial.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 59). 651
Vale ressaltar, após o pagamento integral dos créditos preferenciais aos créditos quirografários, à vista da ordem de preferência estabelecida no art. 83 da Lei nº 11.101/2005. Sem dúvida, só há a extinção das obrigações do falido que efetua o pagamento de mais de cinquenta por centro dos créditos quirografários, após o prévio pagamento integral dos créditos preferenciais.
265
265
3. Sujeitos da recuperação empresarial e da falência
Como revelam tanto o comando inicial quanto o art. 1º da Lei nº
11.101/2005, o diploma versa sobre a recuperação e a falência do empresário
individual e da sociedade empresária652. Daí a incidência do art. 966 do Código
Civil de 2002: ―Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços‖.
Com efeito, o conceito de empresário é extraído do art. 966 do Código Civil,
combinado com os arts. 967 e 982 do mesmo diploma de 2002. Por conseguinte,
o conceito de empresário tem sentido amplo, de forma a alcançar não só o
empresário individual (arts. 966 e 967), mas também a sociedade empresária
(arts. 967 e 982, caput, primeira parte) e até mesmo a denominada ―empresa
individual de responsabilidade limitada‖ (art. 980-A, caput e § 6º).
Como é perceptível primo ictu oculi, o art. 966 do Código Civil de 2002
revela a adoção da ―teoria da empresa‖, consagrada no direito italiano, no lugar da
antiga ―teoria dos atos de comércio‖, proveniente do direito francês, cujo Código
Comercial Napoleônico de 1808 inspirou a redação do Código Comercial brasileiro
de 1850653.
À luz do art. 966 do Código Civil de 2002, só é considerado empresário
aquele que tem como profissão alguma atividade econômica organizada relativa à
produção ou à circulação de bens ou serviços, na busca de lucro. A ideia de
profissão pressupõe o exercício habitual654, por intermédio de outras pessoas
contratadas para concretizarem a produção ou a circulação de bens ou serviços
em relação aos quais o empregador tem conhecimento específico. É possível
resumir, portanto, o requisito do profissionalismo no binômio habitualidade-
pessoalidade: exercício frequente da atividade econômica na busca do lucro, por
652
Deve-se acrescentar também a denominada ―Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI‖, ainda que se considere que o instituto ―não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária‖ (enunciado nº 3 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal). Daí a conclusão: a empresa individual de responsabilidade limitada não se confunde com o empresário individual, nem com a sociedade empresária. Trata-se de pessoa jurídica especial, constituída por apenas uma pessoa física. 653
Cf. César Fiúza. Direito Civil: curso completo. 11ª ed., 2008, p. 72. 654
Vale dizer, ―a profissionalidade habitual da mercancia‖, consoante a expressão do Professor Waldo Fazzio Júnior (Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 50).
266
266
intermédio de empregados contratados e que trabalham sob orientação e
supervisão do empresário. Ademais, a atividade econômica deve ser organizada,
em razão da interligação do capital, com a mão-de-obra (empregados), com os
insumos (matéria-prima) e com a tecnologia (conhecimentos específicos para a
produção de bens, a prestação de serviços ou a circulação de ambos). Por fim, a
produção consiste na fabricação de bens e na prestação de serviços, enquanto a
circulação significa intermediação, ou seja, fazer a ligação entre o produtor e o
consumidor (dos bens ou serviços)655.
O empresário pode ser pessoa física ou pessoa jurídica; ambas são
consideradas empresárias para os fins da Lei nº 11.101/2005. A pessoa física ou
natural é o empresário individual, o empresário unipessoal, o empresário
singular656. Já a pessoa jurídica por excelência é a sociedade empresária,
constituída por duas ou mais pessoas naturais unidas na busca do lucro comum,
denominadas sócios. Por fim, há uma pessoa jurídica especial, qual seja, a
―empresa individual de responsabilidade limitada‖, novo ente jurídico instituído por
força da Lei nº 12.441/2011657, ―distinto da pessoa do empresário e da sociedade
empresária‖ (enunciado nº 3 aprovado na Jornada de Direito Comercial do
Conselho da Justiça Federal).
Como já anotado, o empresário individual (incluído o respectivo espólio658),
a sociedade empresária (com os respectivos sócios de responsabilidade
ilimitada659) e a ―empresa individual de responsabilidade limitada‖ são sujeitos da
recuperação empresarial e da falência, em razão da incidência da Lei nº
11.101/2005.
655
Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 247; e Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 11, 12 e 13. 656
É certo que há inscrição do empresário individual no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, tendo em vista o disposto no art. 150, caput e § 1º, do Decreto 3.000/1999. Não obstante, o empresário individual não é pessoa jurídica, porquanto não consta do rol do artigo 44 do Código Civil de 2002. Sem dúvida, o empresário individual é pessoa natural, razão pela qual pode ingressar em juízo em nome próprio, a despeito da inscrição no CNPJ. 657
Com igual opinião, na doutrina: ―A Lei n. 12.441/2011 alterou dispositivos do Código Civil, criando a figura da ‗empresa individual de responsabilidade limitada‘ (pessoa jurídica), que também se submete às regras falimentares.‖ (Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 10, sem o grifo no original). 658
Cf. arts. 48, parágrafo único, 97, inciso II, e 125, todos da Lei nº 11.101, de 2005. 659
Cf. arts. 81 e 190 da Lei nº 11.101, de 2005.
267
267
O mesmo não ocorre, entretanto, com as pessoas físicas e jurídicas regidas
pelo direito civil, como as sociedades simples, antes denominadas ―sociedades
civis‖660. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 49 da Súmula do Tribunal
de Justiça de São Paulo: ―A lei nº 11.101/2005 não se aplica à sociedade simples‖.
Na mesma esteira, as sociedades cooperativas também não são alcançadas pela
Lei nº 11.101/2005, porquanto as sociedades cooperativas jamais são
empresariais, ex vi dos arts. 982, in fine e parágrafo único, segunda parte, 1.093 e
1.096, todos do Código Civil, e do art. 4º da Lei nº 5.764, de 1971661. Daí a
conclusão: tal como a sociedade simples, a sociedade cooperativa também não
está sujeita ao regime da Lei n° 11.101/2005662.
Algumas atividades econômicas também são consideradas civis por força
de lei. Não são empresários, por exemplo, os profissionais intelectuais que
exercem atividades de natureza científica, literária ou artística, ainda que com a
participação e com o auxílio de empregados. É o que revela a primeira parte do
parágrafo único do art. 966 do Código Civil de 2002: ―Não se considera
empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou
artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores‖. Não obstante,
se a atividade econômica perder o caráter individual e o profissional deixar de ser
o centro da atividade, incide a exceção contida na parte final do mesmo parágrafo
660
O art. 786 do Código de Processo Civil de 1973 revela que as sociedades civis (melhor dito, sociedades simples) em insolvência estão sujeitas ao regime de execução civil previsto nos arts. 748 a 786-A daquele diploma. 661
Assim, na jurisprudência: ―3. As sociedades cooperativas não se sujeitam à falência, dada a sua natureza civil e atividade não-empresária, devendo prevalecer a forma de liquidação extrajudicial prevista na Lei 5.764/71, que não prevê a exclusão da multa moratória pleiteada pela recorrente, nem a limitação dos juros moratórios, posteriores à data da liquidação judicial, à hipótese de existência de saldo positivo no ativo da sociedade. 4. A Lei de Falências vigente à época - Decreto-lei nº 7.661/45 – em seu art. 1º, considerava como sujeito passivo da falência o comerciante, assim como a atual Lei 11.101/05, que a revogou, atribui essa condição ao empresário e à sociedade empresária. No mesmo sentido, a norma insculpida no art. 982, § único c/c art. 1093, do Código Civil de 2002, corroborando a natureza civil das referidas sociedades, razão pela qual não lhes são aplicáveis os preceitos legais da Lei de Quebras às cooperativas.‖ (REsp nº 770.861/SP, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 8 de outubro de 2007, p. 214). 662
De acordo, na jurisprudência: ―Agravo de instrumento. Ação de recuperação judicial. Art. 1º, da Lei nº 11.101, de 2005. Cooperativa. Sociedade simples. Recuperação judicial de empresa inviável. Recurso provido. 1. O art. 1º da Lei nº 11.101, de 2005, descreve com clareza o rol de quem tem direito à recuperação judicial de empresa, quais sejam, o empresário e a sociedade empresária. 2. A cooperativa é sociedade simples de pessoas, nos termos do parágrafo único do art. 982 do Código Civil de 2002. Logo, não tem direito à recuperação judicial, circunstância que torna o pedido juridicamente impossível. 3. Agravo de instrumento conhecido e provido para indeferir o pedido da recuperação judicial da agravada, preliminar rejeitada.‖ (Agravo N° 1.0019.11.000925-5/003, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 20 de janeiro de 2012).
268
268
único do art. 966663, razão pela qual deixa de ser profissional civil e passa a ser
empresário sujeito à incidência da Lei nº 11.101/2005.
No que tange ao profissional que exerce atividade rural, a distinção entre
aquele que é considerado empresário para o civil depende exclusivamente da
inscrição perante a Junta Comercial, o órgão de Registro Público das Empresas
Mercantis. À vista do art. 971 do Código Civil, o profissional rural que efetuar a
inscrição na Junta Comercial passa a ser considerado empresário, razão pela qual
fica submetido ao regime da Lei nº 11.101/2005. Em contraposição, o profissional
rural sem inscrição na Junta Comercial é considerado civil e fica sujeito apenas ao
disposto nos Códigos Civil e de Processo Civil, até mesmo na eventualidade de
insolvência.
Além da exclusão das sociedades simples, das sociedades cooperativas e
dos profissionais civis arrolados nos arts. 966, parágrafo único, primeira parte, 971
e 982 do Código Civil, o art. 2º da Lei nº 11.101/2005 também afasta outras
sociedades do regime especial da recuperação e da falência, a despeito da
natureza empresarial. Resta saber quais são as sociedades empresárias
excluídas da incidência da Lei nº 11.101/2005.
Em primeiro lugar, o art. 2º da Lei nº 11.101 afasta a incidência do regime
recuperativo-falimentar em relação às empresas públicas e às sociedades de
economia mista, porquanto são entidades da administração pública indireta, razão
pela qual ficam totalmente excluídas daquele regime jurídico (recuperativo-
falimentar). Com efeito, embora sejam pessoas jurídicas submetidas ―ao regime
jurídico próprios das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias‖664, as empresas públicas e
as sociedades de economia mista foram excluídas da incidência da Lei nº
11.101/2005. Com maior razão, as pessoas jurídicas – de direito público interno –
arroladas no artigo 41 do Código Civil também não estão sujeitas ao regime
recuperativo-falimentar.
663
In verbis: ―salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa‖. 664
Cf. art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal.
269
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Em seguida, o art. 2º também afasta a incidência da Lei nº 11.101/2005 em
relação às instituições financeiras privadas, cooperativas de crédito665, consórcios,
entidades de previdência complementar, sociedades operadoras de plano de
assistência à saúde, sociedades seguradoras, sociedades de capitalização e
outras entidades legalmente equiparadas, todas submetidas ao regime especial de
liquidação extrajudicial previsto em leis específicas666. A exclusão do regime
consagrado na Lei nº 11.101/2005, todavia, não é absoluta, porquanto aquelas
sociedades podem ser atingidas pela falência, em razão do disposto no art. 197 da
Lei nº 11.101/2005: ―esta Lei aplica-se subsidiariamente‖. Tanto que os arts. 1º, 12
e 21 da Lei nº 6.024/1974 dispõem sobre a ―falência‖ de ―instituições financeiras
privadas‖667 e ―cooperativas de crédito‖.
Situação peculiar é a dos empresários e das sociedades empresárias
irregulares, ou seja, que exercem atividade empresarial sem o cumprimento do
disposto nos arts. 967 e 1.150, primeira parte, ambos do Código Civil. Os
empresários e as sociedades irregulares não são beneficiados pela recuperação
empresarial, mas podem ser alcançados pela falência668, até mesmo em razão da
possibilidade do requerimento da autofalência669.
Por fim, vale ressaltar que as classificações existentes na legislação
tributária não têm relevância para a incidência da Lei nº 11.101/2005; importa
apenas o disposto no Código Civil e na própria Lei nº 11.101/2005, como restou
bem assentado no enunciado nº 475 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil
do Conselho da Justiça Federal: ―Eventuais classificações conferidas pela lei
tributária às sociedades não influem para sua caracterização como empresárias
ou simples, especialmente no que se refere ao registro dos atos constitutivos e à 665
Vale ressaltar que as cooperativas de crédito não se confundem com as sociedades cooperativas. As sociedades cooperativas são regidas pela Lei nº 5.764/1971, cujo art. 4º afasta a aplicação da legislação falimentar por inteiro. Já as cooperativas de crédito são regidas pela Lei nº 6.024/1974, cujo art. 1º equipara as cooperativas de créditos às instituições financeiras, até mesmo em relação à excepcional possibilidade de decretação de falência. 666
Cf. Decreto nº 22.456, de 1993, Decreto-lei nº 73, de 1966, Lei nº 5.768, de 1971, Lei nº 6.024, de 1974, Lei nº 9.656, de 1998, Lei nº 10.190, de 2002. 667
Por exemplo, o Banco Santos S.A. teve a falência decretada em setembro de 2005. 668
De acordo, na doutrina: ―A falência incide tanto sobre o empresário ou sociedade empresária regular, como sobre o empresário de fato, mas a recuperação só alcança os que praticam a empresa conforme a lei‖. ―Para fins falitários, a inscrição no registro do comércio não é, pois, requisito indispensável à qualificação do empresário.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 637). 669
Cf. art. 105, inciso IV, segunda parte, da Lei nº 11.101/2005.
270
270
submissão ou não aos dispositivos da Lei nº 11.101/2005‖. É o que se dá, por
exemplo, com o empresário individual, o qual é pessoa natural, vale dizer, pessoa
física, a despeito de a legislação tributária revelar que a inscrição do empresário
individual no Ministério da Fazenda ocorre no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas – CNPJ670.
670
Sem dúvida, é certo que há inscrição do empresário individual no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, tendo em vista o disposto no art. 150, caput e § 1º, do Decreto 3.000/1999. Não obstante, o empresário individual não é pessoa jurídica, porquanto não consta do rol do artigo 44 do Código Civil de 2002. Na verdade, o empresário individual é pessoa natural, razão pela qual pode ingressar em juízo em nome próprio, a despeito da inscrição no CNPJ.
271
271
CAPÍTULO II – INSTITUTOS COMUNS
ÀS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS E ÀS FALÊNCIAS
1. Administração da recuperação judicial e da falência
1.1. Conceito de administrador judicial
O administrador judicial é o auxiliar do juízo nomeado pelo juiz da
recuperação ou da falência, para zelar pelo regular seguimento do processo e pela
conservação dos bens sujeitos à sua guarda, sob a fiscalização do próprio juiz e
do Comitê de Credores (se e quando constituído o órgão). Na verdade, o atual
administrador judicial da Lei nº 11.101/2005 ocupa o lugar dos anteriores
comissário e síndico do antigo Decreto-lei nº 7.661/1945, na concordata e na
falência, respectivamente.
Em suma, o juiz preside, dirige o processo; já o administrador judicial,
auxiliar daquele, é o administrador da recuperação ou da falência, porquanto
exerce as atribuições insertas no art. 148 do Código de Processo Civil, além das
arroladas no art. 22 da Lei nº 11.101/2005.
1.2. Nomeação
Compete ao juiz nomear o administrador judicial, com a observância do
disposto no art. 21 da Lei nº 11.101/2005. O administrador judicial deve ser
profissional idôneo, da confiança do juiz. Sempre que possível, o administrador
judicial deve ser nomeado entre algum dos seguintes profissionais, observada a
ordem de preferência do art. 21: advogado, economista, administrador de
empresas ou contador. O juiz pode, entretanto, optar pela nomeação de pessoa
jurídica especializada (em prestação de serviços de consultoria empresarial). Em
suma, tanto pessoa natural quanto pessoa jurídica podem ser nomeadas pelo juiz.
A nomeação pelo juiz, todavia, não obriga o profissional designado, o qual
pode recusar a respectiva nomeação.
272
272
1.3. Impedidos
Não pode ser nomeado administrador judicial o profissional que exerceu o
cargo de administrador judicial ou foi membro de Comitê em processo de
recuperação ou de falência nos últimos cinco anos, se foi destituído, deixou de
prestar contas ou teve a prestação desaprovada (art. 30).
Também não pode ser nomeado administrador judicial o profissional que
tiver relação de parentesco até o terceiro grau671 ou afinidade672 com o empresário
individual, os administradores, os controladores ou representantes legais da
sociedade empresária, bem assim o profissional que tiver relação de amizade,
inimizade ou dependência com qualquer deles (art. 30, § 1º).
1.4. Arguição do impedimento do administrador
O empresário individual, os representantes legais da sociedade empresária,
qualquer credor e o Ministério Público têm legitimidade para suscitar o
impedimento mediante simples petição endereçada ao juiz, a fim de que o
administrador judicial impedido seja substituído. Suscitado e juntado no próprio
processo673, o incidente de impedimento deve ser decidido pelo juiz no prazo de
vinte e quatro horas após a conclusão674. Trata-se, à evidência, de prazo
impróprio, isto é, não sujeito à preclusão. Da respectiva decisão interlocutória cabe
recurso de agravo de instrumento, em dez dias675.
671
Na linha reta, os pais e os filhos são parentes de primeiro grau, os avós e os netos são parentes de segundo grau e os bisavós e os bisnetos são parentes de terceiro grau. Já na linha colateral, os irmãos são parentes de segundo grau, enquanto os tios e os sobrinhos são parentes de terceiro grau. 672
Os afins são os parentes do cônjuge ou companheiro; o grau da afinidade se dá à luz do grau de parentesco com o cônjuge ou companheiro. Por exemplo, o sogro e a sogra são afins de primeiro grau, enquanto os cunhados e as cunhadas são afins de segundo grau. À vista do art. 1.595, § 1º, do Código Civil, a ―afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro‖. Por conseguinte, não há afinidade em relação aos tios e sobrinhos do cônjuge ou companheiro. 673
Com efeito, não incide o disposto no art. 299, in fine, do Código de Processo Civil, porquanto o impedimento não é veiculado mediante exceção, mas, sim, por simples petição. 674
Cf. art. 30, §§ 2º e 3º, da Lei nº 11.101/2005. 675
Cf. art. 189 da Lei nº 11.101/2005, combinado com os arts. 522 e 524 do Código de Processo Civil.
273
273
1.5. Assinatura do termo de compromisso
Após a nomeação pelo juiz, o administrador judicial será intimado
pessoalmente676 para assinar o termo de compromisso, quando assume a
responsabilidade de desempenhar o cargo ―bem e fielmente‖ (art. 33).
O termo de compromisso deve ser assinado na sede do juízo, dentro das
quarenta e oitos horas seguintes à intimação da nomeação. Se o profissional
nomeado não assinar o termo de compromisso no prazo de quarenta e oito horas,
o juiz deve nomear outro profissional, em substituição ao nomeado em primeiro
lugar (art. 34).
Também é admissível a posterior substituição do administrador judicial. A
substituição pode ocorrer por determinação do juiz ou por renúncia do próprio
administrador judicial. Em regra, o administrador substituído tem direito à
remuneração proporcional ao trabalho desempenhado. Em contraposição, se
renunciar sem razão relevante ou for destituído (pelo juiz) por dolo, culpa ou
qualquer descumprimento das obrigações legais, o administrador perde o direito à
remuneração677.
1.6. Responsabilidade do administrador
Ao assinar o termo de compromisso, o administrador judicial assume todas
as responsabilidades pelo bom e fiel desempenho do munus678. Daí a
responsabilidade do administrador pelos prejuízos que causar ao empresário679 ou
aos respectivos credores, em razão de dolo ou de culpa680. Por força do art. 22 da
Lei nº 11.101/2005, tanto o juiz quanto o eventual Comitê de Credores exercem a
fiscalização do administrador judicial.
1.7. Atribuições do administrador judicial
676
Por exemplo, por oficial de justiça, munido de mandado judicial. 677
Cf. art. 24, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, e art. 150, primeira parte, do Código de Processo Civil. 678
Cf. art. 32 da Lei nº 11.101/2005, e art. 150 do Código de Processo Civil. 679
Rectius, empresário individual ou sociedade empresária. 680
Vale dizer, em razão de imprudência, de negligência ou de imperícia do administrador.
274
274
Ao assinar o termo de compromisso, o administrador judicial passa a ter
várias atribuições, as quais são realizadas sob a fiscalização do juiz e do Comitê
de Credores (se existente o último, por ser órgão de constituição facultativa).
As atribuições do administrador estão arroladas no art. 22. O rol, todavia,
não é exaustivo, porquanto há ―outros deveres‖, como a obrigação de verificar e
classificar os créditos (art. 7º, § 2º). O art. 28 reforça a conclusão de que as
atribuições arroladas no art. 22 não são exaustivas, porquanto também cabe ao
administrador exercer as atribuições do Comitê de Credores, quando não
constituído o órgão. O proêmio do art. 37 indica outra importante atribuição do
administrador judicial: presidir a Assembleia-Geral dos Credores. Não é só. Na
eventualidade de afastamento do empresário individual ou do administrador da
sociedade empresária da direção da atividade empresarial (art. 64), o
administrador judicial ainda exerce a função de gestor até a Assembleia-Geral
deliberar sobre o nome do gestor judicial (art. 65), oportunidade na qual o
administrador judicial assume de forma provisória a condução da atividade
empresarial.
À luz do art. 22, a primeira obrigação do administrador – depois de assinar
o termo de compromisso – é enviar correspondência aos credores constantes da
relação nominal que acompanha a petição inicial, com a comunicação acerca do
processo (recuperacional ou falimentar, conforme o caso) e da classificação inicial
conferida aos créditos681.
O administrador judicial também deve fornecer todas as informações
adicionais solicitadas pelos credores, sempre com a máxima presteza possível
(art. 22, inciso I, alínea ―b‖). O administrador ainda deve conceder aos
interessados os extratos dos livros comerciais e fiscais do empresário individual ou
da sociedade empresária, a fim de permitir tanto a habilitação quanto a
impugnação dos créditos (art. 22, inciso I, letra ―c‖). Para cumprir tais obrigações,
o administrador judicial pode exigir dos credores, do empresário individual e dos
administradores da sociedade empresária todas as informações que julgar
681
Cf. arts. 22, inciso I, alínea ―a‖, 51, inciso III, e 52, § 1º, inciso II, todos da Lei nº 11.101/2005.
275
275
necessárias (art. 22, inciso I, letra ―d‖). Denegadas as informações exigidas, o
administrador judicial apresenta requerimento endereçado ao juiz, a fim de que as
informações sejam prestadas pessoalmente pelo devedor em juízo, sob pena de
crime de desobediência, em audiência com a presença do administrador judicial
(art. 22, § 2º).
Apresentadas eventuais habilitações ou divergências (art. 7º, § 1º), cabe ao
administrador judicial elaborar a Relação de Credores682. Em seguida, o
administrador deve providenciar a publicação de edital com a Relação de
Credores e a indicação do local e do horário para que os credores, o Ministério
Público, o empresário individual, os sócios da sociedade empresária e o Comitê
tenham acesso aos documentos utilizados na elaboração daquela relação, para
que possam veicular as eventuais impugnações (art. 8º). Após as impugnações e
as respectivas decisões do juiz da recuperação ou da falência, conforme o caso,
cabe ao administrador consolidar o Quadro-Geral dos Credores à luz da anterior
Relação de Credores e das posteriores decisões proferidas pelo juiz nas
impugnações oferecidas683.
À vista do art. 22, inciso I, letra ―g‖, compete ao administrador judicial
requerer a convocação da Assembleia-Geral dos Credores, a qual também pode
ser requerida ao juiz sempre que o administrador julgar necessária a oitiva da
assembleia.
No exercício das respectivas obrigações, o administrador judicial pode,
após autorização judicial, contratar profissionais e empresas especializadas para
auxiliá-lo684, os quais são remunerados pelo empresário individual ou pela
sociedade empresária (art. 25). As remunerações dos auxiliares do administrador
serão fixadas pelo juiz, em razão da complexidade dos trabalhos a serem
executados e dos valores praticados no mercado para o desempenho de
atividades semelhantes (art. 22, § 1º).
682
Cf. arts. 7º, § 2º, e 22, inciso I, alínea ―e‖, ambos da Lei nº 11.101/2005. 683
Cf. arts. 18 e 22, inciso I, alínea ―f‖, ambos da Lei nº 11.101/2005. 684
Cf. art. 22, inciso I, alínea ―h‖, da Lei nº 11.101/2005, e art. 149, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
276
276
Outra importante atribuição do administrador judicial é a de fiscalização: o
administrador deve sempre fiscalizar as atividades do empresário individual ou da
sociedade empresária em recuperação judicial, bem assim o cumprimento do
plano de recuperação (art. 22, inciso II, alínea ―a‖). Na eventualidade de
descumprimento do plano de recuperação pelo empresário individual ou pela
sociedade empresária, cabe ao administrador judicial requerer a decretação da
falência pelo juiz (art. 22, inciso II, letra ―b‖). Daí a legitimidade ativa do
administrador judicial para acionar a falência do empresário.
Em decorrência da atividade de fiscalização que exerce, o administrador
judicial deve apresentar ao juiz relatório mensal das atividades do empresário
individual ou da sociedade empresária (art. 22, inciso II, alínea ―c‖). Não é só. No
prazo de quinze dias da sentença de encerramento da recuperação judicial, o
administrador deve apresentar ao juiz relatório final sobre a execução do plano
(arts. 22, inciso II, letra ―d‖, e 63, inciso III). Se o administrador judicial deixar de
apresentar algum relatório, será intimado pessoalmente a fazê-lo no prazo de
cinco dias, sob pena de crime de desobediência (art. 23).
Por fim, o administrador judicial também tem a obrigação de prestar contas
ao juiz, no prazo de trinta dias do encerramento da recuperação (art. 63, inciso I),
sob pena de crime de desobediência (art. 23); na eventualidade, todavia, de
substituição ou destituição no curso do processo, o administrador deve prestar as
respectivas contas desde logo.
1.8. Remuneração do administrador judicial
Em compensação às responsabilidades e às atribuições assumidas, o
administrador judicial tem direito à remuneração fixada pelo juiz685.
Após sopesar o grau de complexidade do trabalho, os valores praticados no
mercado de trabalho para o desempenho de atividades similares e a capacidade
de pagamento da empresa, cabe ao juiz indicar tanto o valor quanto a forma de
685
Cf. art. 24, caput, da Lei nº 11.101/2005, e art. 149, caput, do Código de Processo Civil.
277
277
pagamento da remuneração do administrador judicial. Trata-se de decisão
interlocutória passível de impugnação mediante agravo de instrumento, recurso
que pode ser interposto pelo empresário individual, pela sociedade empresária,
bem assim pelos demais legitimados previstos no art. 499 do Código de Processo
Civil (por exemplo, algum credor, o Ministério Público).
Quanto ao valor, a remuneração jamais pode ser superior a cinco por cento
dos créditos pendentes686.
No que tange à forma, não é admissível o imediato pagamento integral da
remuneração ao administrador judicial. Quarenta por cento ficam reservados para
pagamento somente depois da apresentação do relatório final do administrador
judicial, da aprovação do relatório final pelo juiz, da prestação de contas pelo
administrador e do julgamento das contas pelo juiz687
A propósito, o administrador judicial que tiver suas contas desaprovadas
pelo juiz perde o direito de remuneração688. Ainda em relação à sentença de
rejeição das contas, o juiz também deve fixar a responsabilidade civil do
administrador judicial, pode determinar a indisponibilidade e até o sequestro689 de
bens do administrador, bem assim determinar a remessa de fotocópias dos autos
ao Ministério Público, para a apuração de eventual responsabilidade penal do
administrador690. A sentença de rejeição das contas serve como título executivo
para a execução da indenização devida pelo administrador judicial (art. 154, § 5º).
Tal como o administrador com contas rejeitadas, também perde o direito à
remuneração o administrador substituído por renúncia sem razão relevante ou
destituído pelo juiz por dolo, culpa, desídia ou descumprimento de qualquer
obrigação legal. Em contraposição, se a renúncia ao munus for considerada
686
Cf. art. 24, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. 687
Cf. arts. 24, § 2º, 63, inciso I, e 154 da Lei nº 11.101/2005. 688
Cf. art. 24, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, e art. 919, in fine, do Código de Processo Civil. 689
Rectius, arresto. Sem dúvida, a despeito da literalidade do preceito legal, na verdade, trata-se de arresto, porquanto a condenação ao pagamento de indenização enseja execução por quantia certa. Com a mesma opinião, na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 176, sem o grifo no original: ―Entre eles se encontra o do já comentado art. 653, inserido na execução, e o do art. 154, § 5º, da Lei de Falências (a lei refere-se a sequestro, mas o caso é de arresto)‖. Por oportuno, o capítulo VII do presente tomo versa sobre as cautelares de sequestro e de arresto. 690
Cf. arts. 179, 184, caput, e 188, todos da Lei nº 11.101/2005, combinados com o art. 40 do Código de Processo Penal.
278
278
justificada pelo juiz, subsiste o direito à remuneração em prol do administrador
judicial, mas apenas proporcional ao trabalho realizado691.
Quanto à natureza do crédito relativo à remuneração do administrador
judicial, trata-se de crédito extraconcursal, conforme revela o art. 84, inciso I, da
Lei nº 11.101/2005. Daí a respectiva preferência de pagamento em relação a
outros créditos, como os arrolados no art. 83.
Por fim, a responsabilidade pelo pagamento da remuneração do
administrador judicial é do empresário individual ou da sociedade empresária,
conforme o caso692.
1.9. Prestação de contas pelo administrador judicial
Por força dos arts. 24, § 2º, e 63, inciso I, ambos da Lei nº 11.101/2005, o
administrador judicial tem o dever de prestar contas ao juiz, no prazo de trinta dias
da sentença de encerramento do processo (de recuperação judicial ou de falência,
conforme o caso), com a observância do disposto nos arts. 154 e 155, preceitos
aplicáveis à vista do § 2º do art. 24.
Com efeito, cabe ao próprio administrador efetuar a prestação mediante
petição instruída com os documentos comprobatórios das contas, no prazo de
trinta dias da sentença de encerramento do processo (arts. 63, caput e inciso I,
154, caput e § 1º).
Na eventualidade de inércia, cabe ao juiz determinar a intimação pessoal do
administrador, a fim de que preste as contas em cinco dias, sob pena de crime de
desobediência (art. 23 da Lei nº 11.101/2005).
Ainda em relação à omissão do administrador judicial, a ação de prestação
de contas também pode ser proposta por quem tem o direito de exigi-las, como o
empresário individual e a sociedade empresária, em razão do pagamento da
remuneração em prol do administrador (art. 25 da Lei nº 11.101/2005).
691
Cf. art. 24, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 692
Cf. art. 25 da Lei nº 11.101/2005.
279
279
Prestadas as contas pelo administrador judicial, a petição deve ser autuada
em separado. Em seguida, o juiz determina a publicação do aviso de que as
contas estão disponíveis aos interessados, os quais têm dez dias para
oferecimento de impugnação (art. 154, §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.101/2005).
Decorrido o decêndio de impugnação ou, impugnadas as contas, realizadas
as eventuais diligências necessárias à apuração dos fatos, o juiz intima o
Ministério Público para apresentação de parecer, em cinco dias (art. 154, § 3º, da
Lei nº 11.101/2005).
Apresentada impugnação por algum interessado693 ou manifestação
contrária do Ministério Público, é aberta vista ao administrador judicial, a fim de
que seja ouvido, em cinco dias694.
Após, o juiz profere sentença, com o julgamento das contas, com
fundamento no art. 154, § 4º, da Lei nº 11.101/2005. Na eventualidade da rejeição
das contas, o juiz deve fixar a responsabilidade civil do administrador judicial,
quando também pode determinar a indisponibilidade e até o sequestro695 de bens
na própria sentença de rejeição, a qual serve como título executivo contra o
administrador judicial responsável pela indenização696.
Ainda em relação à sentença de rejeição das contas, se constatar algum
delito cometido pelo administrador judicial, cabe ao juiz determinar a remessa de
fotocópias dos autos ao Ministério Público, para a apuração de eventual
responsabilidade penal do administrador judicial697.
A sentença é impugnável mediante apelação, em quinze dias698. Após o
trânsito em julgado, os autos da prestação de contas devem ser apensados aos
autos do processo de recuperação ou de falência (art. 154, § 1º).
693
Por exemplo, pelo empresário individual, pela sociedade empresária, por algum credor. 694
Cf. arts. 154, § 3º, e 189, ambos da Lei 11.101, de 2005, e art. 185 do Código de Processo Civil. 695
Melhor dito, arresto. Com a mesma opinião, na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 176: ―Entre eles se encontra o do já comentado art. 653, inserido na execução, e o do art. 154, § 5º, da Lei de Falências (a lei refere-se a sequestro, mas o caso é de arresto)‖. 696
Cf. art. 154, § 5º, da Lei nº 11.101/2005. 697
Cf. arts. 179, 184 e 188, todos da Lei nº 11.101/2005, combinados com o art. 40 do Código de Processo Penal. 698
Cf. arts. 154, § 6º, e 189, da Lei 11.101, de 2005, e art. 508 do Código de Processo Civil.
280
280
1.10. Exoneração do administrador judicial
Proferida a sentença de encerramento da recuperação judicial, aprovado o
relatório final da recuperação, prestadas as contas pelo administrador e paga a
parcela remanescente da respectiva remuneração, há a exoneração do
administrador judicial pelo juiz, ato derradeiro que marca o término da atuação do
administrador no processo de recuperação (art. 63, inciso IV). Mutatis mutandis, o
mesmo ocorre no processo de falência, com a prolação da sentença de
encerramento da falência (art. 156), com a consequente exoneração do
administrador judicial.
2. Classificação, verificação e habilitação dos créditos
2.1 Conceito
A classificação dos créditos consiste na elaboração do rol de preferência de
recebimento dos credores consoante a espécie da obrigação e a capacidade de
pagamento do empresário individual ou da sociedade empresária em recuperação
judicial ou com a falência decretada, conforme o caso. A ordem de prioridade é
extraída dos arts. 83 e 84 da Lei nº 11.101/2005. No que tange ao processo de
recuperação judicial, há lugar para alteração do rol legal; já no processo de
falência, a ordem legal de preferência é taxativa, de observância obrigatória.
2.2. Existência da classificação dos créditos na recuperação judicial
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a classificação dos
créditos não diz respeito apenas ao processo de falência, mas também ao
processo de recuperação judicial, no qual há a igual necessidade da classificação
para pagamento dos credores, como bem revelam os arts. 22, inciso I, alínea ―a‖,
51, inciso III, e 52, § 1º, inciso II, todos da Lei nº 11.101/2005, in verbis:
―classificação de cada crédito‖. A ordem de pagamento, todavia, pode ser
modificada no plano de recuperação a ser submetido à deliberação dos credores.
281
281
É certo, entretanto, que a classificação dos créditos tem maior importância
no processo de falência, em razão da impossibilidade de alteração da ordem legal,
a qual só é possível no processo de recuperação judicial. Diante do caráter
absoluto do rol de créditos no processo falimentar, os respectivos preceitos de
regência foram incluídos no bojo do capítulo V da Lei nº 11.101, de 2005,
destinado à falência, mas isto não significa que a classificação só tenha lugar no
processo falimentar699.
2.3. Ordem legal de classificação dos créditos
Os arts. 83 e 84 trazem a ordem de classificação dos créditos, a qual,
entretanto, enseja modificação no processo de recuperação judicial, consoante o
disposto no plano de recuperação a ser aprovado em assembleia. De qualquer
forma, as classificações dos créditos realizadas antes da aprovação do plano
devem seguir o disposto nos arts. 83 e 84 da Lei nº 11.101/2005.
Antes de qualquer outro pagamento, devem ser pagos, em prazo não
superior a trinta dias, os créditos trabalhistas dos últimos três meses anteriores ao
ajuizamento da recuperação judicial, até o limite de cinco salários mínimos por
trabalhador (arts. 54, parágrafo único, e 151).
Em seguida, devem ser pagas as restituições em dinheiro determinadas
mediante sentenças proferidas em eventuais processos de restituição (arts. 86,
parágrafo único, 149 e 151)700.
Após, devem ser pagos os créditos extraconcursais, consoante a ordem
estabelecida no art. 84: a remuneração do administrador judicial e dos respectivos
auxiliares contratados mediante autorização judicial (art. 84, inciso I); as quantias
699
Com igual opinião, na doutrina: ―O procedimento de verificação e habilitação dos créditos é o mesmo na falência e na recuperação judicial. Na primeira, entretanto, o pagamento deve ser feito de acordo com uma ordem de preferência já estabelecida na própria lei (arts. 83 e 84), enquanto na recuperação a ordem legal não é obrigatória, pois a lei permite que outra seja pactuada entre as partes, desde que respeitada a prevalência dos créditos trabalhistas.‖ ―Na falência, todavia, a ordem para o pagamento dos credores deve ser aquela expressamente descrita na lei (art. 83), enquanto na recuperação judicial outra ordem pode ser proposta pelo devedor no plano por ele apresentado.‖ (Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 31 e 101, respectivamente). 700
O posterior capítulo VIII versa sobre a ação de restituição.
282
282
fornecidas pelos credores ao empresário individual ou à sociedade empresária
durante o processo (art. 84, inciso II); as despesas com a arrecadação, a
administração, a realização do ativo e a distribuição do passivo entre os credores
(art. 84, inciso III); as custas judiciais em geral (art. 84, incisos III e IV); e as
obrigações resultantes de atos jurídicos praticados durante a recuperação judicial
(arts. 67 e 84, inciso V).
Após o pagamento dos créditos extraconcursais, há a incidência do art. 83,
com a observância da ordem de preferência dos créditos concursais. Em primeiro
lugar, são pagos os créditos trabalhistas e os acidentários701, embora com a
limitação do pagamento preferencial daqueles (créditos trabalhistas) até o valor de
cento e cinquenta salários mínimos (art. 83, inciso I), porquanto o crédito
trabalhista superior remanescente passa a integrar a classe destinada aos créditos
quirografários (art. 83, inciso VI, alínea ―c‖)702.
Em segundo lugar, são pagos os créditos com garantia real703, mas apenas
até o limite do bem gravado (art. 83, inciso II e § 1º), porquanto o crédito superior
remanescente passa a integrar a classe destinada aos créditos quirografários (art.
83, inciso VI, letra ―b‖). Em abono, vale conferir o enunciado nº 51 aprovado na
Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―51. O saldo do
crédito não coberto pelo valor do bem e/ou garantia dos contratos previstos no §
3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005 é crédito quirografário, sujeito à recuperação
judicial‖. Dentro do limite do valor do bem gravado, todavia, os créditos com
garantia real têm preferência em relação aos créditos tributários, privilegiados
(especial e geral), quirografários etc.
701
Vale dizer, créditos decorrentes de acidente de trabalho. 702
O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 83, incisos I e IV, da Lei nº 11.101, de 2005, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.934, cujo acórdão foi publicado com a seguinte ementa: ―AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 1º, III, E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I – Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial. II – Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão dos créditos trabalhistas. III – Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV – Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V – Ação direta julgada improcedente.‖ (ADI nº 3.934DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 5 de novembro de 2009). 703
Cf. art. 1.419 do Código Civil.
283
283
Em terceiro lugar, são pagos os créditos tributários (art. 83, inciso III), mas
não as multas tributárias, as quais integram a classe destinada às multas e são
pagas depois dos créditos quirografários (art. 83, inciso VII).
Em quarto lugar, são pagos os créditos com privilégio especial (art. 83,
inciso IV), assim considerados os arrolados no art. 964 do Código Civil704, sem
prejuízo de outros créditos com privilégio especial ex vi legis, como o Decreto-lei
nº 167, de 1967, em prol dos credores de nota promissória rural705 e de duplicata
rural706.
Em quinto lugar, são pagos os créditos com privilégio geral (art. 83, inciso
V), assim considerados os previstos no art. 965 do Código Civil, além de outros
créditos com privilégio geral previstos em lei, como os honorários advocatícios
arbitrados em decisão judicial (art. 24, caput, da Lei nº 8.906, de 1994)707.
Em sexto lugar, são pagos os créditos quirografários, como os títulos de
crédito em geral708, os contratos comerciais, os créditos não satisfeitos pela
alienação de bem gravado com garantia real, os créditos trabalhistas superiores a
cento e cinquenta salários mínimos e os créditos trabalhistas cedidos a terceiros
(art. 83, inciso VI e § 4º).
Vale ressaltar que os eventuais créditos trabalhistas objeto de contrato de
cessão também são considerados quirografários, ainda que iguais ou inferiores ao
equivalente a cento e cinquenta salários mínimos. Com efeito, o § 4º do art. 83 da
704
Por exemplo, o crédito proveniente de aluguel de imóvel por parte do empresário falido ou da sociedade empresarial falida: ―3. Crédito com privilégio especial é aquele que incide sobre um determinado bem ou conjunto de bens, mas sem a natureza de direito real de garantia (art. 102, I a IV e § 2º, do DL 7661/45 - classificação). Implica no direito de um credor de executar com preferência sobre outros uma parte específica do patrimônio do devedor. Assim, por exemplo, o credor de aluguel tem privilégio especial, pois tem direito de ser pago com o resultado da venda dos móveis que guarneciam o estabelecimento falido, salvo outro crédito com privilégio ou preferência superior. Neste sentido é que o crédito tem privilégio especial, ou seja, não é apenas ordem de pagamento preferencial (privilégio geral), mas sim direito de fazer a execução incidir sobre bem específico.‖ (Apelação nº 2001.38.00.007341-6 / MG, 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Diário da Justiça de 5 de outubro de 2007, p. 66, sem o grifo no original). 705
―Art 45. A nota promissória rural goza de privilégio especial‖. 706
―Art 53. A duplicata rural goza de privilégio especial‖ 707
De acordo, na jurisprudência: ―FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRIVILÉGIO GERAL. O crédito oriundo de honorários advocatícios, proveniente de decisão judicial, com trânsito em julgado, possui privilégio geral e não especial.‖ (Apelação nº 70005595095, 5ª Câmara Cível do TJRS, Diário da Justiça de 18 de junho de 2003). 708
Ressalvadas as exceções consubstanciadas na nota promissória rural e na duplicata rural, títulos de crédito que têm privilégio especial.
284
284
Lei nº 11.101/2005 estabelece, sem ressalva alguma, que os ―créditos trabalhistas
cedidos a terceiros serão considerados quirografários‖.
Em sétimo lugar, são pagas as multas em geral, até mesmo as tributárias
(art. 83, inciso VII). Com efeito, as multas em geral só são pagas depois dos
créditos quirografários.
Por fim, são pagos os créditos subordinados, assim considerados os
créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício, além de
outros previstos em lei (art. 83, inciso VIII).
É certo, entretanto, que a classificação dos créditos provenientes dos arts.
83 e 84 tem maior importância no processo de falência, no qual é de observância
obrigatória. Não obstante, também tem utilidade no processo de recuperação
judicial, ainda que para a elaboração da petição inicial, da posterior Relação de
Credores pelo administrador judicial, com repercussão na elaboração do Quadro-
Geral de Credores. A ordem de pagamento, todavia, segue o disposto no plano de
recuperação judicial, no qual é possível modificar não só a ordem, mas também a
forma e até o valor dos créditos, sempre sob a condição da aprovação pelos
credores em assembleia.
2.4. Classificação inicial
A petição inicial da recuperação judicial e da autofalência deve ser instruída
com a relação nominal dos credores, acompanhada da classificação inicial e do
valor dos créditos, conforme determinam o inciso III do art. 51 e o inciso II do art.
105 da Lei nº 11.101/2005.
Com efeito, a classificação inicial deve instruir a petição inicial tanto da
recuperação judicial quanto da autofalência, isto é, da falência requerida pelo
empresário individual ou pela sociedade empresária.
É certo que nas demais falências a classificação inicial dos credores
também deve ser apresentada pelo empresário individual ou pela sociedade
285
285
empresária, mas posteriormente, no prazo de cinco dias após a intimação da
decretação da quebra (art. 99, inciso III).
2.5. Primeiro edital
Se admitir o processamento da recuperação judicial, o juiz determina a
publicação do primeiro edital no Diário da Justiça, com a relação nominal de
credores e a classificação inicial dos créditos previstas no inciso III do art. 51 (art.
52, § 1º, inciso II). Não basta, entretanto, a publicação do edital com a relação no
Diário da Justiça; à vista da Lei 11.101/2005, o administrador judicial deve enviar
correspondência a cada um dos credores constantes da relação nominal, com a
comunicação da classificação inicial dos créditos (art. 22, inciso I, alínea ―a‖).
Mutatis mutandis, o mesmo procedimento tem lugar na falência e na
autofalência, tendo em vista o disposto nos arts. 22, inciso I, letra ―a‖, 99, inciso III
e parágrafo único, e 105, inciso II, todos da Lei nº 11.101/2005.
2.6. Prazo de quinze dias para habilitações e divergências
Como consequência da publicação do primeiro edital com a relação nominal
dos credores e a classificação inicial dos créditos709, há o início do prazo de
quinze dias para que os credores e demais interessados710 apresentem as
respectivas divergências e habilitações711.
2.7. Diferença entre divergência e habilitação
Os institutos da divergência e da habilitação não se confundem: a
divergência versa sobre créditos já relacionados na classificação inicial, enquanto
a habilitação veicula créditos não relacionados na classificação inicial (art. 7º, §
1º).
709
Cf. arts. 52, § 1º, inciso II, e 99, incisos III e IV, e parágrafo único, ambos da Lei nº 11.101/2005. 710
Por exemplo, credores não relacionados na classificação inicial. 711
Cf. arts. 7º, § 1º, e 52, § 1º, inciso III, primeira parte, ambos da Lei nº 11.101/2005.
286
286
Outra diferença importante reside na consequência jurídica da ausência de
habilitação e da inexistência de divergência na quinzena legal: a ausência de
habilitação de créditos não ocasiona a preclusão, em razão da inexistência de
intimação pessoal ao requerente, porquanto o mesmo não integra a relação
nominal de credores que acompanha a petição inicial. Há o recebimento de
habilitação retardatária como impugnação, a fim de que seja julgado o pedido de
inclusão do crédito do até então terceiro em relação ao processo (art. 10, § 5º). O
mesmo raciocínio não tem aplicação ao credor que deixa de apresentar
divergência na quinzena legal, porquanto o credor foi intimado por
correspondência enviada pelo administrador judicial (art. 22, inciso I, letra ―a‖). Daí
a impossibilidade da aplicação do art. 10, § 5º, em prol do credor omisso:
dormientibus non succurrit ius.
2.8. Forma da habilitação e da divergência
As habilitações de crédito devem ser veiculadas na quinzena legal mediante
requerimento endereçado ao administrador judicial, com a indicação do nome e do
endereço do credor, bem assim do endereço em que o credor deseja ser intimado
dos atos do processo (arts. 7º, § 1º, e 9º, caput e inciso I, todos da Lei nº
11.101/2005).
O requerimento de habilitação também deve conter o valor, a origem do
crédito e a respectiva classificação. O requerimento também deve ser instruído
com os documentos comprobatórios do crédito, sem prejuízo da produção de
outras provas para a demonstração do crédito (art. 9º, incisos II e III, da Lei nº
11.101/2005).
Em regra, a habilitação deve ser instruída com os documentos e títulos
originais, salvo se estiverem em autos de outro processo, hipótese na qual é
permitida a apresentação de fotocópia autenticada (art. 9º, parágrafo único, da Lei
nº 11.101/2005).
287
287
Na eventualidade da existência de crédito com garantia, o credor também
deve apresentar o instrumento da garantia, com a petição de habilitação (art. 9º,
incisos IV e V, da Lei nº 11.101/2005).
Vale ressaltar que a petição de habilitação não precisa ser subscrita por
advogado; o próprio credor pode subscrever o requerimento de habilitação, em
virtude da interpretação extraída do art. 9º da Lei nº 11.101/2005712. Só haverá
necessidade de contratação de advogado se o pedido de habilitação for indeferido
pelo administrador judicial e o credor desejar impugnar a relação de credores. É
que a impugnação tem natureza jurídica de incidente processual da competência
do juiz do processo de recuperação ou de falência, o que explica a necessidade
de representação do credor mediante advogado713. Com maior razão, também é
imprescindível a representação por advogado na eventualidade de interposição de
recurso de agravo de instrumento contra a decisão judicial denegatória
impugnação.
Mutatis mutandis, o art. 9º também é aplicável por analogia às eventuais
divergências dos credores já relacionados, salvo em relação às informações já
existentes nos autos do processo de recuperação judicial ou de falência714, as
quais não precisam ser reiteradas no requerimento de divergência.
712
De acordo, na doutrina: ―2. No sistema anterior, e a partir do exame conjunto dos arts. 31 e 82 daquela lei, a jurisprudência pacificou-se no sentido de ser desnecessária a contratação de advogado, para a habilitação de crédito. No sistema da nova lei, não há necessidade de que o credor se valha de advogado para habilitar-se, podendo ele mesmo, credor, assinar a petição e indicar o melhor meio de ser mantido informado do andamento do processo, até porque a habilitação se inicia extrajudicialmente.‖ (Manoel Justino Bezerra Filho. Nova lei de recuperação e falências comentada. 3ª ed., Revista dos Tribunais, p. 71). Com igual opinião, na doutrina: ―Publicado o edital, os credores terão o prazo de 15 dias para manifestar, perante o administrador judicial, divergências quanto o seu conteúdo ou requerer a habilitação de algum crédito ausente (art. 7º, § 1º). Nas ‗divergências‘ os credores podem, por exemplo, contestar a presença de outros credores na lista, o valor atribuído a um crédito, a classificação a ele dada etc. Nos termos do art. 7º, caput, da lei, caberá ao administrador decidir a respeito do que tiver sido requerido. Nesse momento, o procedimento não está sujeito ao crivo do juiz, de modo que não é necessário que o credor se manifeste por meio de advogado.‖ (Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 31 e 32). 713
Assim, na doutrina: ―Apresentada a impugnação, deverá ela ser autuada em separado, como incidente processual, para não tumultuar o andamento da ação principal. Como se trata de procedimento submetido ao crivo judicial, deve ser feito por meio de advogado.‖ (Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 32). 714
Por exemplo, nome e endereço do credor.
288
288
Por fim, tanto as habilitações quanto as divergências devem ser juntadas
aos próprios autos principais do processo de recuperação judicial ou de falência,
conforme o caso.
2.9. Elaboração da relação de credores pelo administrador judicial
Decorrido o prazo de quinze dias para as divergências e as habilitações, o
administrador judicial realiza a verificação dos créditos715, com a consideração da
classificação inicial e dos respectivos documentos que acompanharam a petição
inicial, bem assim das divergências e das habilitações apresentadas pelos
credores e interessados. À vista das informações e documentos já existentes nos
autos e das supervenientes divergências e habilitações dos credores e
interessados, portanto, o administrador judicial elabora a relação de credores, com
a respectiva classificação dos créditos, dentro de quarenta e cinco dias do término
da quinzena destinada às habilitações e divergências716.
2.10. Segundo edital
Dentro dos mesmos quarenta e cinco dias do término da quinzena
destinada às habilitações e divergências, o administrador judicial também deve
providenciar a publicação do segundo edital no Diário da Justiça, com a relação de
credores e a respectiva classificação. O edital deve conter o local, o horário e o
prazo comum para que o Ministério Público, o Comitê, os credores, o empresário
individual ou os sócios da sociedade empresária tenham acesso e conhecimento
dos documentos à vista dos quais o administrador judicial realizou a verificação
dos créditos e elaborou a relação de credores, com a respectiva classificação dos
créditos (art. 7º, § 2º).
2.11. Prazo de dez dias para impugnações contra a relação de credores
715
Cf. art. 7º, caput, da Lei nº 11.101/2005. 716
Cf. arts. 7º, §§ 1º e 2º, e 22, inciso I, alínea ‖e‖, da Lei nº 11.101/2005.
289
289
Publicado o edital com a relação de credores, o Ministério Público, o
Comitê, os credores e o empresário individual ou os sócios da sociedade
empresária têm dez dias para a apresentarem as respectivas impugnações contra
a relação elaborada pelo administrador judicial (art. 8º, caput).
2.12. Ausência de impugnação e homologação da relação de credores pelo
juiz
Decorrido in albis o decêndio legal para impugnação da relação de
credores, o juiz profere decisão homologatória, quando aquela relação é
homologada já na qualidade de Quadro-Geral de Credores (art. 14).
2.13. Apresentação de impugnação
Apresentada alguma impugnação no decêndio legal, deve ser autuada em
separado (art. 8º, parágrafo único). Na eventualidade da veiculação de mais de
uma impugnação sobre o mesmo crédito, as impugnações devem ser autuadas
em conjunto, mas também em apenso (art. 13, parágrafo único).
As impugnações devem ser oferecidas mediante petição endereçada ao
mesmo juízo do processo, com fundamentação na ausência de algum crédito, na
ilegitimidade, no excesso, na insuficiência ou na irregularidade da ordem de
classificação de crédito relacionado (art. 8º).
Além de fundamentadas, as petições devem ser instruídas com os
documentos comprobatórios das respectivas impugnações, sem prejuízo da
possibilidade da produção de outras provas (art. 13).
2.14. Habilitação retardatária convertida em impugnação
A habilitação de crédito retardatária, isto é, apresentada depois do prazo de
quinze dias da publicação do primeiro edital (art. 7º, § 1º), é recebida e
290
290
processada como se impugnação fosse, desde que tenha sido veiculada antes da
homologação do Quadro-Geral de Credores (art. 10, § 5º)717.
2.15. Intimação dos credores para contestação das impugnações
Os credores com créditos impugnados são intimados e têm cinco dias para
contestarem as impugnações (art. 11). As contestações podem ser instruídas com
os documentos que os credores considerarem relevantes para a comprovação dos
respectivos créditos, sem prejuízo do requerimento de produção de outras provas.
As contestações devem ser juntadas aos autos separados das respectivas
impugnações.
2.16. Intimação do empresário, da sociedade empresária e do Comitê
Em seguida, são intimados o empresário individual ou a sociedade
empresária, conforme o caso, bem assim o Comitê, se constituído, para
manifestação no prazo comum718 de cinco dias (art. 12).
2.17. Parecer do administrador
Depois da intimação do empresário, da sociedade empresária e do Comitê,
há a intimação do administrador judicial, para emitir parecer circunstanciado no
prazo de cinco dias (art. 12, parágrafo único).
2.18. Última fase do processamento das impugnações
Após o parecer do administrador judicial, os autos das impugnações sobem
conclusos ao juiz, para a fixação dos pontos controvertidos e a determinação da
717
De acordo, na jurisprudência: ―O credor deverá observar os requisitos do art. 9º para proceder a sua habilitação e aquelas consideradas retardatárias, se apresentadas antes da homologação do quadro-geral de credores, serão recebidas como impugnação e processadas na forma dos artigos 13 a 15 daquela Lei.‖ (Agravo nº 1.0148.09.068089-0/001, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 5 de abril de 2011). 718
Vale dizer, todos os intimados têm o mesmo prazo, em conjunto, simultaneamente, e não sucessivamente.
291
291
produção de provas adicionais. Na mesma oportunidade, o juiz também deve
designar a audiência de instrução e julgamento. Na eventualidade, todavia, de
instrução já suficiente, o juiz pode julgar desde logo as impugnações (art. 15).
2.19. Decisão interlocutória agravável
No que tange à natureza do pronunciamento por meio do qual o juiz resolve
as impugnações contra a relação dos credores elaborada pelo administrador
judicial, o parágrafo único do art. 18 da Lei nº 11.101/2005 conduz o intérprete em
falsa pista em razão do termo ―sentença‖, in verbis: ―sentença que houver julgado
as impugnações‖719. À vista do preceito legal, poder-se-ia imaginar que o
pronunciamento tem natureza sentencial. Não obstante, trata-se de verdadeira
decisão interlocutória, porquanto há a resolução de mero incidente processual.
Com efeito, a interpretação sistemática dos arts. 17, 18 e 189 da Lei nº
11.101/2005, combinados com o art. 162, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil,
conduz ao raciocínio segundo o qual o pronunciamento não é sentença, mas, sim,
decisão interlocutória.
Por conseguinte, a decisão interlocutória é impugnável mediante agravo de
instrumento, como bem revela o art. 17 da Lei nº 11.101/2005. É o recurso cabível
na hipótese sub examine. O agravo de instrumento deve ser interposto no prazo
de dez dias, por meio de petição endereçada ao tribunal de justiça competente,
tendo em vista a combinação dos arts. 522, 524 e 525 do Código de Processo
Civil com o art. 189 da Lei nº 11.101/2005.
Em suma, à vista dos arts. 17, 18 e 189 da Lei nº 11.101/2005, o
pronunciamento por meio do qual o juiz resolve impugnação é decisão
719
Com igual crítica à terminologia empregada na parte final do parágrafo único do art. 18 da Lei nº 11.101/2005, na doutrina: ―Aqui o legislador, além de cair em contradição, acabou por cometer grave equívoco técnico, pois, embora tenha reconhecido a natureza jurídica da decisão que acolhe ou rejeita os incidentes de impugnação, habilitação ou reserva de créditos como decisão interlocutória, tanto que indicou o manejo de recurso de agravo de instrumento, acabou por denominá-la, indevidamente, de sentença, na parte final do parágrafo único.‖ (Luiz Guerra. Falências e recuperações de empresas. Volume I, 2011, p. 471, sem o grifo no original).
292
292
interlocutória agravável720 – e não sentença agravável721, muito menos sentença
apelável.
2.20. Consolidação do quadro-geral de credores pelo administrador
Proferidas todas as decisões acerca das impugnações aviadas contra a
Relação dos Credores elaborada pelo administrador judicial, cabe ao mesmo
consolidar o quadro-geral de credores, com a consideração daquela relação e das
decisões prolatadas pelo juiz ao julgar as impugnações (art. 18, caput).
720
De acordo com a opinião defendida no presente compêndio, na jurisprudência: ―APELAÇÃO CÍVEL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO RETARDATÁRIA. IMPUGNAÇÃO. DECISÃO JUDICIAL. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. O recurso cabível contra decisão judicial que julga habilitação retardatária em sede de recuperação judicial de empresas é o agravo de instrumento, forte nas disposições do art. 10, § 5º, c/c art. 17, ambos da Lei nº 11.101/05, de 09 de fevereiro de 2005. Precedentes da Corte. 2. Constitui erro grosseiro a interposição de recurso de apelação quando cabível agravo de instrumento, razão pela qual incabível ao caso sub judice o princípio da fungibilidade recursal. RECURSO NÃO CONHECIDO. UNÂNIME.‖ (Apelação nº 70028841872, 5ª Câmara Cível do TJRS, julgamento em 31 de março de 2010). Em abono, na jurisprudência: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO – HABILITAÇÃO DE CRÉDITO RETARDATÁRIA AJUIZADA ANTES DA HOMOLOGAÇÃO DO QUADRO-GERAL DE CREDORES – MANEJO DO RECURSO DE APELAÇÃO – RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL – NEGATIVA DE SEGUIMENTO – DECISÃO QUE DESAFIA AGRAVO DE INSTRUMENTO SEGUNDO O ART. 17 C/C § 5º DO ART. 10 DA LEI 11.101/2005 – ERRO GROSSEIRO – PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE – INAPLICABILIDADE. – O agravo de instrumento é o recurso cabível contra decisão proferida em habilitação retardatária de crédito apresentada antes da homologação do quadro-geral de credores, por se tratar de impugnação, conforme dispõe o art. 17 e o § 5º do art. 10 da Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005).‖ (Apelação nº 1.0024.09.644879-0/001, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 17 de fevereiro de 2012). Também no mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: ―FALÊNCIA - HABILITAÇÃO DE CRÉDITO - DECISÃO - RECURSO - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Das decisões proferidas em habilitação de crédito falimentar, o recurso cabível é o agravo, em correta aplicação do art. 17 da Lei nº 11.101/2005.‖ (Apelação nº 1.0024.08.072473-5/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 25 de agosto de 2009). No último precedente, o recurso de apelação não foi conhecido, pelos seguintes fundamentos veiculados no voto do desembargador-relator: ―Primeiramente, suscito de ofício, preliminar de não conhecimento do feito, por inadequabilidade da via eleita. Reza o art. 17 da nova Lei de Falência nº 11.101/2005, que; ‗da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo. Recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à decisão que reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu valor ou classificação no quadro-geral de credores, para fins de exercício de direito de voto em assembléia-geral‘. A lei atual modificou o sistema recursal. O art. 97 da lei anterior, na verdade estabelecia um sistema confuso, fixava o cabimento do recurso de apelação contra a sentença que julgava o crédito impugnado, determinando, porém, que o prazo para o recurso fosse contado do dia em que viesse a ser publicado o quadro-geral de credores, o que poderia ocorrer anos depois da prolação da sentença. Entretanto, o art. 17, de forma objetiva, estabelece o cabimento do recurso de agravo, sendo que o prazo será contado da forma normal estabelecida no art. 522 do Código de Processo Civil. É certo, que o art. 18, em seu parágrafo único, fala expressamente em ‗sentença‘, todavia, em análise da natureza jurídica da decisão que examina a habilitação de crédito, não se pode concebê-la como terminativa ou mesmo extintiva, que põe fim ao processo falimentar. Ante o exposto, não conheço do recurso.‖ (sem os grifos no original). 721
Contra a opinião defendida no presente compêndio, autorizada doutrina sustenta a respeitável tese da natureza sentencial do pronunciamento, ainda que passível de recurso de agravo: ―Contra a sentença proferida na impugnação de crédito cabe agravo.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 343, sem os grifos no original). ―Da sentença que versar sobre verificação de crédito caberá agravo,‖ (Waldo Fazzio Júnior. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 3ª ed., p. 87, sem os grifos no original).
293
293
Por oportuno, vale ressaltar que o quadro-geral de credores deve conter o
montante e a classificação de cada crédito (art. 18, parágrafo único).
2.21. Homologação do quadro-geral pelo juiz
Em seguida, o juiz homologa o quadro-geral de credores consolidado pelo
administrador judicial e juntado aos autos do processo, bem assim determina a
imediata publicação do inteiro teor do quadro-geral no Diário da Justiça eletrônico
(art. 18, caput e parágrafo único).
O pronunciamento homologatório do quadro-geral de credores também tem
natureza de decisão interlocutória. A propósito, enquanto a decisão sobre o
incidente de impugnação é proferida nos respectivos autos separados, a decisão
homologatória do quadro-geral de credores é prolatada nos próprios autos do
processo de recuperação judicial ou de falência, conforme o caso, com a posterior
publicação (art. 18, parágrafo único).
2.22. Ação anulatória
Decorrido o prazo de dez dias para interposição de agravo de instrumento
contra a decisão interlocutória, a homologação não poderá mais ser discutida no
processo de recuperação judicial nem no processo falimentar, conforme o caso.
Há, todavia, a possibilidade do ajuizamento de ação anulatória sob o
procedimento ordinário perante juiz de primeiro grau, consoante a combinação dos
arts. 19 e 189 da Lei nº 11.101/2005, com os arts. 352, inciso II, e 486, ambos do
Código de Processo Civil. Com efeito, a ação prevista no art. 19 da Lei nº 11.101
não é a rescisória722 do art. 485 do Código de Processo Civil, mas, sim, a
722
Não obstante, autorizada doutrina ensina que a ação prevista no art. 19 é ―rescisória‖, ou seja, ―ação de rescisão‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 344). Ainda que muito respeitável a denominação sugerida pela melhor doutrina, a ação sub examine não tem
ligação com a ação rescisória do art. 485 do Código de Processo Civil, mas, sim, com a ação anulatória do art. 486. Daí a opção pela segunda denominação: ação anulatória. A respeito das diferenças entre a ação rescisória e a ação anulatória: Bernardo Pimentel Souza. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 8ª ed., 2011.
294
294
anulatória do art. 486, porquanto tem como alvo a decisão homologatória do
Quadro-Geral de Credores do art. 18.
Em regra, a ação anulatória deve ser proposta perante o juízo do processo
de recuperação judicial ou de falência, conforme o caso, salvo quando o crédito for
de natureza trabalhista ou proveniente de ação por quantia ilíquida, hipóteses nas
quais a ação anulatória deve ser proposta no juízo de origem (art. 19, § 1º).
Quanto aos legitimados, a ação anulatória pode ser ajuizada pelo Ministério
Público, pelo administrador judicial, pelo Comitê e também por qualquer credor,
até o encerramento do processo de recuperação judicial ou da falência, conforme
o caso, tudo à luz dos arts. 19, 63 e 156.
A ação anulatória tem como escopo a exclusão, outra classificação ou a
retificação de qualquer crédito, em razão da descoberta de falsidade, dolo,
simulação, fraude, erro essencial, bem assim de documentos ignorados no
momento do julgamento do crédito ou da respectiva inclusão no Quadro-Geral de
Credores.
Proposta a ação anulatória, o titular do crédito questionado somente pode
levantar o pagamento da respectiva importância mediante caução no mesmo valor
(art. 19, § 2º).
2.23. Ação de retificação do quadro-geral de credores
O crédito não habilitado até a homologação judicial do Quadro-Geral de
credores só pode ser pleiteado mediante ação própria, intitulada ação de
retificação, também sob o procedimento ordinário previsto no Código de Processo
Civil, a ser proposta perante o mesmo juízo da recuperação judicial ou da falência,
conforme o caso, a fim de que seja retificado o quadro-geral de credores, com a
inclusão do crédito não habilitado, tudo consoante o disposto no art. 10, § 6º, da
Lei nº 11.101/2005.
3. Assembleia-Geral de Credores
295
295
3.1. Conceito
A Assembleia-Geral é o órgão coletivo de constituição obrigatória723 que
congrega todos os credores classificados nos processos de recuperação judicial e
de falência.
3.2. Atribuições
A Assembleia-Geral de Credores tem várias atribuições tanto no processo
de recuperação judicial quanto no processo falimentar.
No que tange ao processo de recuperação judicial, compete à Assembleia-
Geral (art. 35, inciso I):
— deliberar sobre a aprovação, a rejeição e até sobre a modificação do
Plano de Recuperação Judicial apresentado pelo empresário individual
ou pela sociedade empresária (art. 35, inciso I, alínea ―a‖, combinado
com o art. 53, caput). A deliberação sobre do Plano de Recuperação
ocorre em cada uma das classes de credores arroladas no art. 41 da Lei
nº 11.101/2005, com a observância do quorum qualificado previsto no
art. 45 da mesma lei.
— deliberar sobre a conveniência da existência do Comitê de Credores e,
se aprovada a constituição, escolher os respectivos membros, bem
assim os eventuais substitutos (art. 35, inciso I, letra ―b‖), sempre em
votação separada em cada classe (art. 44).
— deliberar sobre o pedido de desistência da recuperação judicial após a
decisão concessiva do processamento (art. 35, inciso I, alínea ―d‖,
combinado com o art. 52, § 4º). Com efeito, proposta a ação de
recuperação judicial e deferido o respectivo processamento pelo juiz,
não é admissível a desistência pelo empresário individual ou sociedade
723
Assim, na doutrina: ―Como se percebe, as mais relevantes questões relacionadas ao processo de recuperação judicial inserem-se na esfera de competência da Assembleia dos Credores. Simplesmente não tramita a recuperação judicial sem a atuação desse colegiado.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. 7ª ed., 2007, p. 393).
296
296
empresária, ressalvada a hipótese de a Assembleia-Geral de Credores
aprovar a desistência.
— deliberar sobre o nome do gestor judicial, na eventualidade do
excepcional afastamento do empresário individual ou do administrador
da sociedade empresária da direção da respectiva atividade empresarial
(arts. 35, inciso I, letra ―e‖, 64 e 65).
— deliberar sobre qualquer outra matéria que possa afetar os interesses
dos credores, por ser a Assembleia-Geral o órgão representativo dos
credores na recuperação judicial (art. 35, inciso I, alínea ―f‖).
Por fim, em razão do veto presidencial que atingiu a alínea ―c‖ do inciso I do
art. 35 do Projeto da Lei nº 11.101/2005, a Assembleia-Geral de Credores não tem
competência para deliberar sobre a substituição do administrador judicial nomeado
pelo juiz. Tanto a nomeação quanto a substituição do administrador judicial são da
competência exclusiva do juiz. É certo, todavia, que os credores em geral e o
Comitê de Credores podem requerer a substituição do administrador judicial (art.
30, § 2º), mas a decisão cabe ao juiz, e não à Assembleia-Geral de Credores,
muito menos ao Comitê de Credores.
3.3. Competência para convocar e legitimidade para requerer a convocação
da Assembleia-Geral
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, só o juiz do processo tem
competência para convocar a Assembleia-Geral de Credores (art. 36, caput). O
juiz pode efetuar a convocação de ofício (por exemplo, nas hipóteses dos arts. 56
e 65) ou em virtude de requerimento dos legitimados (por exemplo, nas hipóteses
dos arts. 22, inciso I, alínea ―g‖, 27, inciso I, letra ―e‖, e 36, § 2º).
Com efeito, o administrador judicial, o eventual Comitê e os credores com
pelo menos vinte e cinco por cento dos créditos de alguma classe têm legitimidade
para requerer a convocação da Assembleia-Geral ao juiz, mas não para convocar
297
297
desde logo a Assembleia-Geral, porquanto a convocação é atribuição exclusiva do
juiz do processo (art. 36, caput).
3.4. Classes de credores na Assembleia-Geral
Em regra, as deliberações assembleares são feitas em plenário, sem a
separação dos votos em classes, com a consideração apenas da proporção do
valor do crédito de cada credor presente (arts. 38, caput, primeira parte, e 42,
primeira parte). A regra, todavia, comporta exceções, nas quais há votações
separadas em diferentes classes de credores.
Para a aprovação e qualquer outra deliberação acerca do Plano de
Recuperação Judicial (art. 45), os credores são divididos nas três classes
previstas no art. 41: titulares de créditos trabalhistas em geral, incluídos os
decorrentes de acidentes de trabalho, independentemente do valor dos
respectivos créditos (art. 41, inciso I e § 1º); titulares de créditos com garantia real,
os quais, todavia, votam na presente classe até o limite do valor do bem gravado,
quando passam a votar na classe subsequente, em relação aos créditos
remanescentes (art. 41, inciso II e § 2º); e titulares de créditos quirografários,
subordinados, com privilégio especial, com privilégio geral, bem assim os com
garantia real, mas apenas em relação aos créditos superiores ao valor do bem
gravado (art. 41, inciso III e § 2º).
No que diz respeito à aprovação da constituição do Comitê de Credores e a
escolha dos respectivos membros, os credores também são separados em
classes (arts. 42, segunda parte, e 44), mas com outra composição. Com efeito,
no que tange às deliberações referentes ao Comitê, os credores são distribuídos
nas classes arroladas no art. 26: titulares dos créditos trabalhistas em geral (art.
26, inciso I); titulares dos créditos com garantia real e privilégios especiais (arts.
26, inciso II, e 83, incisos II e IV, da Lei nº 11.101/2005, arts. 964 e 1.149 do
Código Civil, e Decreto-lei nº 167, de 1967); e titulares dos créditos quirografários
e com privilégios gerais (arts. 26, inciso III, e art. 83, incisos V e VI, da Lei nº
11.101/2005, e art. 965 do Código Civil).
298
298
Por fim, as demais deliberações da Assembleia-Geral relativas ao processo
de recuperação judicial são tomadas em plenário724, com a observância do
disposto no proêmio do caput do art. 38 e na primeira parte do art. 42.
3.5. Convocação e instalação da Assembleia-Geral
Se o juiz do processo constatar a necessidade da oitiva da Assembleia-
Geral725 ou for apresentado requerimento de convocação pelo administrador
judicial, pelo Comitê ou pelos credores que representam ao menos vinte e cinco
por cento dos créditos de alguma das classes do art. 41, há a convocação da
Assembleia-Geral pelo juiz.
Com efeito, a convocação é sempre feita pelo juiz, mediante a publicação
de edital no órgão oficial de imprensa e em jornais de grande circulação nas
localidades do estabelecimento empresarial principal e das eventuais filiais (art.
36). Além da publicação do edital, fotocópias do aviso de convocação também
devem ser afixadas de forma ostensiva tanto no estabelecimento empresarial
principal quanto nas eventuais filiais (art. 36, § 1º).
O edital deve ser publicado com pelo menos quinze dias de antecedência
da data designada para a Assembleia-Geral, com a indicação do dia, da hora e do
local da reunião, da pauta dos trabalhos, com a respectiva ordem do dia, além do
local no qual os credores podem ter prévio acesso ao Plano de Recuperação
Judicial a ser submetido à deliberação da assembleia, se a reunião for versar
sobre a aprovação ou a rejeição do Plano (art. 36, incisos I, II e III).
Para a instalação da Assembleia-Geral em primeira convocação há a
necessidade da presença de credores titulares de mais da metade dos créditos de
cada uma das três classes previstas no art. 41 (art. 37, § 2º). A apuração é
realizada com a consideração dos valores dos créditos pendentes, e não pelo
número de credores presentes. A regra consagrada no caput do art. 38 revela que
724
De acordo, na doutrina: ―Sempre que a matéria não disser respeito à constituição do Comitê ou não se tratar do plano de reorganização, cabe a deliberação ao plenário.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 397). 725
Por exemplo, nas hipóteses dos arts. 56 e 65 da Lei nº 11.101, de 2005.
299
299
os créditos (e não os credores) é que são considerados tanto na apuração do
quorum para a instalação dos trabalhos quanto nas deliberações em geral726.
Na eventualidade de ausência do quorum previsto no § 2º do art. 37 para a
instalação da assembleia na primeira convocação, ocorre a instalação da
assembleia em segunda convocação, a qual só pode ser realizada em prazo igual
ou superior a cinco dias da primeira convocação (art. 36, inciso I). Ao contrário da
primeira convocação, não há fixação de quorum mínimo para a realização da
Assembleia-Geral em segunda convocação, conforme revela o art. 37, § 2º, in
fine: ―em 2ª (segunda) convocação, com qualquer número‖.
Resta saber se o juiz deve determinar a publicação de novo edital destinado
à segunda convocação ou se a data da segunda convocação deve ser fixada no
primeiro edital, já com a observância do prazo mínimo de cinco dias da primeira
convocação. Autorizada doutrina727 sustenta a tese consubstanciada na
publicação de novo edital para a segunda convocação. Ainda que muito
respeitável o entendimento favorável à publicação de novo edital específico para a
segunda convocação, o comando do art. 36 permite a conclusão de que há a
publicação de apenas um ―edital‖, já com as datas tanto da primeira convocação
quanto da segunda convocação, e com a observância do lapso mínimo de cinco
dias entre as duas datas. A conclusão extraída da literalidade do caput do art. 36
(―edital‖) é reforçada pelos princípios processuais da economia e da celeridade,
consagrados no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, e no art. 75,
parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005. Por tudo, o edital (frise-se, único!) deve
conter as duas datas para a primeira e a segunda convocações, com a
observância do prazo mínimo exigido pelo inciso I do art. 36.
3.6. Despesas com as convocações e com a realização da Assembleia-
Geral
726
Há, todavia, a exceção prevista no § 2º do art. 45 da Lei nº 11.101, de 2005, ressalvada no próprio art. 38. 727
―Caso não seja alcançado ou mesmo se a Assembleia não se realizar por qualquer outra razão, o anúncio da segunda convocação deverá ser publicado com a antecedência mínima de 5 dias da data programada para a realização da reunião.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. 7ª ed., 2007, p. 393).
300
300
Em regra, as despesas com as convocações e com a realização das
assembleias correm por conta do empresário individual ou da sociedade
empresária em recuperação judicial ou já em falência, conforme o caso. Em duas
hipóteses, entretanto, as despesas são pagas pelos credores. Com efeito, quando
o requerimento de convocação parte do Comitê (arts. 27, inciso I, alínea ―e‖, e 36,
§ 3º) ou de credores que representam pelo menos vinte e cinco por cento dos
créditos de alguma classe (arts. 36, §§ 2º e 3º, e 41), as despesas com a
convocação são pagas pelos próprios credores.
3.7. Presidência da Assembleia-Geral
Em regra, cabe ao administrador judicial exercer a presidência da
Assembleia-Geral de Credores (art. 37). Não obstante, quando a deliberação
assemblear versar sobre alguma matéria em relação à qual há incompatibilidade
com a presidência do administrador judicial, o titular do maior crédito assume a
presidência da Assembleia-Geral (art. 37, § 1º).
É certo que a principal hipótese de incompatibilidade do administrador
judicial (qual seja, a deliberação sobre a substituição do administrador judicial) não
subsistiu à sanção presidencial, conforme revela o veto oposto pelo Presidente da
República à alínea ―c‖ do inciso I e à letra ―a‖ do inciso II do art. 35 da Lei nº
11.101, de 2005. Não obstante, ainda há possibilidade de incompatibilidade entre
o exercício da presidência da assembleia pelo administrador judicial à vista de
alguma matéria sob deliberação assemblear. Imagine-se, por exemplo, que o
nome do administrador tenha sido incluído em lista tríplice apresentada pelos
credores para discussão, votação e eleição do gestor judicial. Na hipótese, a
presidência da assembleia deve ser exercida pelo credor titular do maior crédito.
3.8. Lista de presença
Em regra, só pode participar da assembleia, com direito de voz e voto, o
credor cujo nome constar da lista de presença elaborada à luz da última
301
301
classificação vigente na data da reunião (arts. 37, § 3º, e 39, caput, proêmio). Com
efeito, há três classificações ao longo do processo de recuperação judicial e
também no processo falimentar: 1ª) a classificação que acompanha a petição
inicial (art. 51, inciso III, e art. 105, inciso II); 2ª) a classificação do administrador
judicial consubstanciada na Relação de Credores (art. 7º, § 2º); 3ª) a classificação
consolidada no Quadro-Geral de Credores (art. 18). Por conseguinte, a lista de
presença para a assembleia depende da última classificação vigente, conforme a
fase processual na qual se encontra a recuperação judicial ou a falência, no
momento da realização da assembleia (arts. 37, § 3º, e 39, caput, proêmio).
Além dos credores incluídos na classificação vigente no momento da
assembleia, também as pessoas com habilitações sub iudice na data da
realização da assembleia e as beneficiadas por decisão judicial têm direito de voz
e voto na Assembleia-Geral (art. 17, parágrafo único, e 39, caput).
Para participar das deliberações assembleares com direito de voz e de
voto, o credor deve assinar a lista de presença, a qual será encerrada no
momento da instalação da respectiva assembleia (art. 37, § 3º).
Por fim, na eventualidade de posterior alteração da classificação dos
créditos, as deliberações da Assembleia-Geral já tomadas à luz da classificação
vigente na data da reunião não podem ser invalidadas por posterior decisão
judicial (art. 39, § 2º)728.
3.9. Interpretação sistemática dos arts. 17, parágrafo único, e 40 da Lei nº
11.101/2005
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não há contradição entre
o disposto no parágrafo único do art. 17 e o teor do art. 40, ambos da Lei nº
11.101/2005. Enquanto o último preceito (art. 40) veda a prolação de decisão
728
Assim, na doutrina: ―Note-se de nenhuma deliberação da assembleia geral será invalidada caso uma decisão judicial posterior venha a desconstituir, reduzir o valor ou reclassificar qualquer dos créditos que serviram de base para o cálculo dos quóruns de instalação ou deliberação. Se tais decisões pudessem interferir no resultado de assembleias passadas, o processo de recuperação judicial estaria exposto a significativos entraves.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. 7ª ed., 2007, p. 397).
302
302
judicial para suspender a realização e para adiar a assembleia em razão de
discussão sobre a classificação dos créditos, aquele dispositivo (art. 17) permite a
prolação de decisão judicial apenas para impedir ou para garantir a efetiva
participação de algum credor na assembleia, conforme o caso. Ainda que de
forma implícita, o art. 17 confirma o disposto no art. 40: ambos revelam que a
assembleia não deve ser suspensa nem adiada; mas é possível a concessão de
tutela jurisdicional para impedir ou garantir a participação de algum credor na
assembleia, a qual, todavia, deve ser realizada na data designada pelo juiz.
3.10. Admissibilidade da representação de credor por procurador
O credor pode ser representado por procurador constituído para atuar em
seu nome durante a assembleia. A representação do credor mediante procurador,
entretanto, depende da apresentação do respectivo instrumento de mandato ou da
indicação das folhas dos autos do respectivo processo, até vinte e quatro horas
antes da data designada no edital de convocação da Assembleia-Geral (art. 37, §
4º).
3.11. Deliberações da Assembleia-Geral
Em regra, são aprovadas as propostas que alcançam mais da metade do
valor total dos créditos cujos titulares participam da assembleia, sem a
consideração das respectivas classes. Com efeito, à vista dos arts. 38, caput,
início, e 42, primeira parte, ambos da Lei nº 11.101/2005, todos os credores
presentes participam com votos proporcionais ao valor dos respectivos créditos,
sem a consideração das classes. A regra, todavia, não é absoluta. Há três
hipóteses — previstas nos arts. 44, 45 e 46 — nas quais o critério de votação é de
tal forma diferenciado que pode ser denominado qualificado. Enquanto a primeira
(art. 44) tem lugar nos processos de recuperação judicial e de falência, a segunda
(art. 45) é própria da recuperação judicial, e a última (art. 46) é exclusiva do
processo falimentar.
303
303
A propósito da primeira exceção, a votação sobre a constituição e a
composição do Comitê de Credores não segue o padrão previsto no proêmio do
art. 42. Ao invés da deliberação plenária padrão, a votação é feita em separado,
em cada classe (arts. 26 e 44); e basta a aprovação da constituição em uma
classe para a formação do Comitê de Credores (art. 26).
A segunda exceção diz respeito ao Plano de Recuperação Judicial. As
deliberações sobre o Plano de Recuperação devem ocorrer em cada uma das três
classes previstas no art. 41, ou seja, em separado. Na classe relativa aos créditos
trabalhistas (inciso I), basta a aprovação por maioria simples dos credores
presentes à assembleia, sem a consideração do valor dos respectivos créditos
(art. 45, § 2º). Já nas outras duas classes (incisos II e III), há a necessidade da
aprovação pela maioria simples dos credores presentes à assembleia e que
também representem mais da metade do valor total dos créditos de titulares
presentes (art. 45, § 1º).
Por fim, a terceira exceção reside no processo falimentar. Com efeito, a
adoção de forma alternativa de alienação do ativo da massa falida depende do
voto favorável de dois terços dos créditos presentes à assembleia (arts. 46 e 145).
3.12. Credores impedidos de votar nas deliberações da Assembleia-Geral
Os titulares de créditos excetuados não são considerados para a verificação
do quorum de instalação nem podem participar de deliberação alguma (art. 39, §
1º, combinado com os arts. 49, §§ 3º e 4º, e 86, inciso II).
3.13. Possibilidade de participação do empresário individual e de sócios da
sociedade empresária na Assembleia-Geral
O empresário individual, os sócios da sociedade empresária, as sociedades
coligadas, controladoras, controladas e as que tenham sócio ou acionista com
participação superior a dez por cento do capital social da sociedade empresária
304
304
podem participar da assembleia, mas sem direito de voto e sem a consideração
para a apuração do quorum de instalação e de deliberação (art. 43).
O art. 43 da Lei nº 11.101/2005 está em perfeita harmonia com o art. 5º,
inciso LV, da Constituição Federal, porquanto assegura o empresário individual e
aos sócios da sociedade empresária o contraditório no processo de recuperação
judicial e a ampla defesa no processo falimentar. A ausência do direito de voto é
lógica e jurídica, porquanto a assembleia deve refletir a vontade dos credores, e
não do devedor.
3.14. Credor impedido de votar na deliberação sobre o Plano de
Recuperação
O credor cujo crédito não sofrer alteração alguma no que tange ao valor e
às condições originais de pagamento não participa da votação acerca da
aprovação do Plano de Recuperação. Aliás, nem há a consideração do respectivo
credor para a apuração de quorum (art. 45, § 3º).
3.15. Ata da Assembleia-Geral
Finda a assembleia, é lavrada a respectiva ata, com o relato do ocorrido e
das deliberações. A ata é assinada pelo presidente (em regra, o administrador
judicial), pelo empresário individual ou pelo representante da sociedade
empresária, bem assim por dois representantes de cada uma das classes
votantes. Lançadas as assinaturas, a respectiva ata e a lista de presença devem
ser entregues ao juiz dentro das quarenta e oito horas do término da assembleia,
mediante petição de juntada da ata da assembleia aos autos do processo (art. 37,
§ 7º).
3.16. Rejeição do Plano de Recuperação
305
305
Na eventualidade de o Plano de Recuperação Judicial ter sido rejeitado na
assembleia (art. 56, § 4º), há lugar para a decretação da falência do empresário
individual ou da sociedade empresária mediante decisão judicial de convolação da
recuperação em falência (art. 73, inciso III, combinado com o art. 56, § 4º)729.
Trata-se de decisão interlocutória, razão pela qual é impugnável por meio de
agravo de instrumento (art. 100, primeira parte), em dez dias (art. 189 da Lei nº
11.101/2005, combinado com o art. 522 do Código de Processo Civil), endereçado
ao tribunal de segundo grau competente (art. 524 do Código de Processo Civil).
Com efeito, rejeitado o plano, a regra é a convolação da recuperação
judicial em falência, mas há a excepcional possibilidade de divergência
qualificada, quando o juiz pode conceder a recuperação judicial, a despeito da
rejeição do plano pela Assembleia-Geral (art. 58, § 1º).
4. Comitê de Credores
4.1. Conceito
O Comitê é o órgão de constituição facultativa para a fiscalização e defesa
dos interesses dos credores no processo de recuperação judicial e também de
falência.
4.2. Constituição do Comitê
O Comitê é formado em razão da aprovação de qualquer uma das classes
de credores do art. 26 da Lei nº 11.101/2005. A constituição do Comitê, todavia, é
facultativa; mas basta a votação majoritária favorável em alguma classe de
credores para a instalação do órgão.
4.3. Composição do Comitê
729
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a regra consagrada no § 4º do art. 56 e no inciso III do art. 73 está sujeita à exceção prevista no § 1º do art. 58, consoante reforça o parágrafo posterior do próprio texto principal.
306
306
Em regra, o Comitê tem três membros titulares. Cada titular é escolhido em
conjunto com dois suplentes, para a eventualidade do não-comparecimento ou até
da destituição daquele (art. 31, § 1º). Os representantes titulares e suplentes são
escolhidos pelas respectivas classes de credores, assim divididas para a
indicação dos componentes do Comitê: classe de credores trabalhistas; classe de
credores com direitos reais de garantia e com privilégios especiais; e classe de
credores quirografários e com privilégios gerais.
Por força do art. 44, apenas os respectivos credores podem votar na
escolha dos representantes de cada classe no Comitê. Assim, os credores
trabalhistas têm um representante titular e dois suplentes. Da mesma forma, os
credores com direitos reais de garantia e privilégios especiais escolhem um titular
e dois suplentes. Por fim, os credores quirografários e com privilégios gerais
escolhem um titular e dois suplentes.
4.4. Presidência do Comitê
Os próprios membros do Comitê de Credores escolhem o respectivo
presidente entre si (art. 26, § 3º).
4.5. Comitê com menos de três membros
Embora a regra seja a composição do Comitê com três membros titulares, o
§ 1º do art. 26 autoriza o funcionamento do órgão com número inferior, na
eventualidade da ausência de indicação da respectiva representação por alguma
classe. Aliás, é até mesmo possível o funcionamento do Comitê com a
representação de apenas uma classe de credores.
4.6. Impedidos
O credor que foi membro de Comitê ou administrador judicial nos últimos
cinco anos e foi destituído, deixou de prestar as contas devidas nos prazos legais
307
307
ou teve as contas prestadas rejeitadas não pode integrar o Comitê. Também está
impedido de integrar o Comitê o credor com relação de parentesco até o terceiro
grau ou de afinidade com o empresário individual ou os administradores,
controladores ou representantes legais da sociedade empresária em recuperação
judicial (ou em falência, conforme o caso). Da mesma forma, o credor que tiver
relação de amizade, inimizade ou dependência com qualquer um deles também
não pode integrar o Comitê (art. 30, caput e § 1º, da Lei nº 11.101/2005).
Qualquer credor, o Ministério Público, o empresário individual, bem assim
os administradores, controladores e representantes legais da sociedade
empresária têm legitimidade para suscitar o impedimento de algum membro do
Comitê nomeado em desobediência ao disposto no art. 30 da Lei nº 11.101/2005.
Suscitado o impedimento de algum membro do Comitê, o juiz deve proferir
a respectiva decisão no prazo impróprio de vinte e quatro horas da conclusão dos
autos, com a confirmação da nomeação ou a destituição do nomeado e a
convocação do primeiro suplente escolhido pela mesma classe (arts. 26, § 2º, 31,
§ 1º, e 44, todos da Lei nº 11.101/2005). Da respectiva decisão interlocutória cabe
agravo de instrumento, em dez dias (art. 189 da Lei nº 11.101/2005, combinado
com o art. 522 do Código de Processo Civil).
4.7. Destituição dos membros do Comitê
O juiz pode determinar a destituição dos membros do Comitê mediante
requerimento de qualquer interessado ou até mesmo de ofício, quando verificar
que houve nomeação de credor impedido ou que o membro do Comitê não
cumpre os respectivos deveres, é omisso, negligente ou age de forma lesiva às
atividades do empresário individual, da sociedade empresarial ou contra terceiros
(art. 31 da Lei nº 11.101/2005). Destituído o titular de alguma classe, o juiz
convocará o primeiro suplente para recompor o Comitê (art. 31, § 1º).
4.8. Representação superveniente e substituição da representação
308
308
A classe ainda não representada no Comitê de Credores pode apresentar
requerimento endereçado ao juiz, com a indicação dos respectivos
representantes: tanto o titular quanto os suplentes. O requerimento deve ser
subscrito pelos credores com maioria dos créditos da respectiva classe. À luz do
requerimento com as indicações dos escolhidos, compete ao juiz efetuar a
nomeação dos representantes titular e suplentes, sem a necessidade da oitiva da
Assembleia-Geral (art. 26, § 2º, inciso I, da Lei nº 11.101/2005).
A substituição dos representantes mediante deliberação de cada classe
segue o mesmo procedimento, com a posterior nomeação, pelo juiz, do titular e
dos suplentes substitutos escolhidos pela respectiva classe de credores. Com
efeito, o juiz leva em consideração o requerimento subscrito pelos credores com
maioria dos créditos da classe cuja representação será substituída, no todo ou em
parte (art. 26, § 2º, inciso II).
4.9. Assinatura do termo de compromisso
Nomeados pelo juiz os escolhidos pelas respectivas classes de credores,
os futuros membros do Comitê são desde logo intimados pessoalmente para a
assinatura do termo de compromisso na sede do juízo, dentro das quarenta e oito
horas posteriores à intimação (art. 33). A propósito, o mesmo raciocínio alcança os
membros do Comitê nomeados em substituição, consoante o disposto no inciso II
do § 2º do art. 26.
4.10. Responsabilidade dos membros do Comitê
Assinado o termo do compromisso, os membros do Comitê passam a ser
responsáveis pelos eventuais prejuízos causados ao empresário individual, à
sociedade empresária ou aos credores, em decorrência de atos dolosos e
culposos. A responsabilidade se dá tanto no campo penal quanto no plano cível.
Por conseguinte, na eventualidade de um membro do Comitê não concordar com
alguma deliberação dos demais, deve consignar a divergência em ata, a fim de
309
309
afastar as possíveis responsabilidades pelo ato danoso doloso ou culposo
praticado pelo Comitê (art. 32 da Lei nº 11.101/2005).
4.11. Atribuições do Comitê
O Comitê de Credores tem várias atribuições arroladas no art. 27, além de
outras tantas previstas nos demais preceitos da Lei nº 11.101/2005. Por exemplo,
o art. 8º versa sobre a legitimidade do Comitê para impugnar a Relação de
Credores elaborada pelo administrador judicial. Outro exemplo reside no art. 66:
após a distribuição da petição inicial da recuperação judicial, o empresário
individual ou a sociedade empresária em recuperação judicial não pode alienar ou
onerar bens ou direitos do ativo sem a prévia audiência do Comitê730. Daí a
conclusão: a relação das atribuições do art. 27 não é exaustiva.
Em primeiro lugar, o Comitê de Credores tem várias atribuições de
fiscalização. Com efeito, cabe ao Comitê fiscalizar as atividades e examinar as
contas do administrador judicial (arts. 27, inciso I, alínea ―a‖, e 63, inciso I). Ao
Comitê também compete fiscalizar e elaborar relatórios mensais acerca das
atividades administrativas e mercantis do empresário individual ou da sociedade
empresária (arts. 27, inciso II, letra ―a‖, e 64). Ainda no tocante à fiscalização, cabe
ao Comitê acompanhar a execução do Plano de Recuperação Judicial (arts. 27,
inciso II, alínea ―b‖, 53, caput).
O Comitê também deve zelar pela regularidade do processo, a fim de que
as determinações legais sejam observadas (art. 27, inciso I, letra ―b‖). Tanto que
cabe ao Comitê comunicar ao juiz eventual prejuízo aos interesses dos credores
ou algum desrespeito aos respectivos direitos (art. 27, inciso I, alínea ―c‖). Aliás,
diante de alguma reclamação dirigida ao Comitê, compete ao órgão apurar e
elaborar o respectivo parecer (art. 27, inciso I, letra ―d‖).
730
Ressalvados aqueles bens e direitos em relação aos quais o plano de recuperação aprovado já indica a alienação ou a constituição de ônus (art. 66, in fine).
310
310
Também cabe ao Comitê requerer ao juiz a convocação da Assembleia,
quando for necessária ou conveniente a manifestação dos credores em geral (art.
27, inciso I, alínea ―e‖).
Por fim, na eventualidade do afastamento do empresário individual ou dos
administradores da sociedade empresária da direção das respectivas atividades
(arts. 64 e 65), cabe ao Comitê submeter à autorização do juiz a alienação de
bens do ativo, a constituição de ônus reais ou outras garantias, e o endividamento
indispensáveis à continuação da atividade empresarial no período anterior à
aprovação do Plano de Recuperação (art. 27, inciso II, alínea ―c‖).
4.12. Deliberações do Comitê
Em regra, as deliberações do Comitê são tomadas em votação majoritária
dos três membros titulares – ou unânime, quando convergentes todos os votos.
Na eventualidade de empate na votação, porquanto o Comitê pode funcionar com
menos de três membros (art. 26, § 1º), cabe ao administrador judicial resolver o
impasse. Diante de eventual incompatibilidade do administrador judicial, cabe ao
juiz solucionar a divergência. Em todas as hipóteses, as decisões tomadas pelo
Comitê devem ser consignadas no livro de atas, a ser rubricado pelo juiz em
seguida. O livro de atas é guardado na secretaria do juízo, mas fica disponível
para consulta do administrador judicial, dos credores em geral, do empresário
individual ou dos administradores, controladores ou representantes legais da
sociedade empresária (art. 27, §§ 1º e 2º).
4.13. Remuneração dos membros do Comitê
A remuneração dos membros do Comitê deve ser objeto de deliberação na
Assembleia-Geral, porquanto são os próprios credores os responsáveis pelo
eventual pagamento, por ser o órgão constituído para representar os interesses
dos credores. Com efeito, ao contrário do administrador judicial e dos respectivos
auxiliares, cujas remunerações são provenientes do empresário individual ou da
311
311
sociedade empresária (art. 25), os membros do Comitê não são remunerados pelo
empresário nem pela sociedade empresária em recuperação judicial (art. 29).
Quando muito, são remunerados pelos próprios credores, se assim decidirem em
assembleia731.
Diante de eventual dificuldade para a composição do Comitê em razão da
aprovação de ingresso voluntário (ou seja, sem remuneração alguma), o órgão
pode não ser constituído, por falta de credor interessado em assumir o munus. Já
a constituição mediante remuneração só encontra justificativa em processos de
grandes sociedades empresárias (especialmente as sociedades anônimas), com
credores com capacidade econômico-financeira para arcar com a remuneração
dos membros do Comitê. Fora daí, não há explicação para a existência do Comitê,
até mesmo por ser o órgão de constituição facultativa.
4.14. Ressarcimento de despesas do Comitê
Ao contrário do que ocorre com a remuneração, as despesas relacionadas
aos atos do Comitê no exercício das atribuições legais (como as arroladas no art.
27) devem ser ressarcidas pelo empresário individual ou pela sociedade
empresária, conforme o caso, após a comprovação e a autorização do juiz. Na
verdade, o ressarcimento depende não só da comprovação das despesas e da
autorização do juiz, mas também da disponibilidade de caixa (art. 29).
4.15. Ausência de Comitê
Na eventualidade de ausência de Comitê, consoante deliberações
negativas de todas as classes de credores, as atribuições do órgão são desde
731
De acordo, na doutrina: ―A função dos membros do Comitê pode ou não ser remunerada. Depende da deliberação adotada pela Assembleia dos Credores. Se deliberado que a função é gratuita, aquele que não se interessar por exercê-la nessas condições deve simplesmente não aceitar a indicação para compor o órgão. Se, por outro lado, a Assembleia dos Credores aprovar alguma remuneração aos membros do Comitê, ela deve também votar o valor e quem deverá arcar com o pagamento. Quanto a esse último aspecto, proíbe a lei que a remuneração dos membros do Comitê seja paga pelo devedor em recuperação ou pela massa falida. Quer dizer, os credores devem se cotizar para levantar os recursos necessários ao pagamento que a Assembleia aprovou.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 2007, p. 79).
312
312
logo exercidas pelo administrador judicial. Diante de incompatibilidade do
administrador, cabe ao juiz exercer as atribuições destinadas ao Comitê de
Credores (art. 28).
313
313
CAPÍTULO III – RECUPERAÇÃO JUDICIAL
1. Conceito, natureza jurídica e escopo da recuperação judicial
A recuperação judicial é o processo instaurado perante o Poder Judiciário,
por meio de ação proposta por empresário individual, empresa individual de
responsabilidade limitada, sociedade empresária, cônjuge sobrevivente, herdeiros,
inventariante ou sócio remanescente, diante de crise econômico-financeira, na
busca do restabelecimento da normalidade da atividade empresarial, em prol não
só do empresário e dos sócios, mas também dos empregados, dos credores, dos
consumidores e até mesmo do Estado, tanto em razão da arrecadação fiscal
quanto em virtude do fortalecimento da economia nacional. A propósito, reforça o
art. 47 da Lei nº 11.101/2005: ―A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir
a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses
dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e
o estímulo à atividade econômica‖.
2. Legitimidade ativa
À luz da combinação dos arts. 1º e 48 da Lei nº 11.101/2005, a ação de
recuperação judicial pode ser proposta por empresário individual, por empresa
individual de responsabilidade limitada e por sociedade empresária regulares, no
exercício da atividade econômica organizada há mais de dois anos, bem assim
pelo cônjuge sobrevivente, pelos herdeiros do empresário falecido, pelo
inventariante e pelo sócio remanescente, conforme autoriza o parágrafo único do
art. 48 daquele diploma.
Por fim, o concordatário com pedido formulado na vigência do Decreto-lei nº
7.661, de 1945, também pode requerer a recuperação judicial com fundamento na
Lei nº 11.101/2005, consoante autoriza o § 2º do art. 192. Deferido o
processamento da recuperação judicial, o anterior processo de concordata é
314
314
extinto e os respectivos créditos são inscritos na recuperação judicial, com a
observância do valor original, menos as eventuais parcelas já pagas pelo
concordatário (art. 192, § 3º).
3. Requisitos para a propositura da recuperação judicial
Além da legitimidade ativa e do exercício da atividade econômica há mais
de dois anos, o art. 48 da Lei nº 11.101 arrola outros requisitos para a propositura
da recuperação judicial, os quais devem ser preenchidos cumulativamente:
— não ser falido ou, se o foi, ter a declaração da extinção das
responsabilidades mediante sentença transitada em julgado (art. 48,
inciso I, combinado com os arts. 158 e 159). Quanto ao falido, é
imprescindível que não tenha cometido crime falimentar732, em razão da
restrição prevista no inciso IV do art. 48. Com efeito, ainda que
reabilitado por força dos arts. 158 e 159, o falido que cometeu crime
falimentar não tem direito à recuperação empresarial, em razão do
disposto no inciso IV do art. 48;
— não ter sido já beneficiado pela concessão da recuperação judicial há
menos de cinco anos (art. 48, inciso II);
— não ter sido já beneficiado pela concessão da recuperação judicial
especial para microempresas e empresas de pequeno porte há menos
de oito anos (art. 48, inciso III, combinado com os arts. 70, 71 e 72);
— não ter sido condenado por crime concursal empresarial733, o
empresário individual, algum administrador ou sócio controlador da
sociedade empresarial (art. 48, inciso IV, combinado com os arts. 168 e
seguintes da Lei nº 11.101/2005). Ao contrário do que pode parecer à
732
O Título XI do Decreto-lei nº 7.661 era assim intitulado: ―DOS CRIMES FALIMENTARES‖. O atual diploma de regência, qual seja, a Lei nº 11.101, de 2005, todavia, não prestigiou aquela expressão. Por outro lado, os arts. 168 e seguintes versam sobre os crimes cometidos no processo falimentar, mas também nos processos de recuperação judicial e extrajudicial. Por fim, o comando e o art. 1º da Lei nº 11.101 revelam a adoção de nova terminologia, em consonância com o disposto nos arts. 966 e seguintes do Código Civil de 2002. Daí a explicação em prol da expressão ―crimes concursais empresariais‖. 733
Cf. nota anterior.
315
315
primeira vista, não há contradição entre o inciso IV do art. 48 e o inciso I
do art. 64. O inciso IV do art. 48 versa sobre a ilegitimidade ativa do
empresário individual condenado mediante decisão transitada em
julgado e da sociedade empresária cujo administrador ou sócio
controlador foi condenado por crime concursal empresarial. Já o inciso I
do art. 64 tem lugar quando o processamento da recuperação judicial já
foi admitido. Com efeito, o inciso I do art. 64 incide quando há o
superveniente trânsito em julgado da condenação no curso do processo
de recuperação judicial, bem assim quando há mudança do
administrador na recuperação judicial já em processamento (arts. 1.062,
1.063 e 1.071, incisos II e III, do Código Civil, e art. 50, inciso IV, da Lei
nº 11.101/2005). Em contraposição, o inciso IV do art. 48 conduz ao
indeferimento liminar da petição inicial da recuperação judicial, em
razão da ilegitimidade ativa. Tanto quanto sutil, a diferença é relevante,
porquanto o art. 64 permite o seguimento da recuperação judicial, com a
nomeação de gestor judicial.
A ausência de algum dos requisitos ocasiona o indeferimento liminar da
petição inicial, com a prolação de sentença terminativa, fundada nos arts. 267,
inciso VI, e 295, ambos do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189
da Lei nº 11.101/2005. Com efeito, trata-se de sentença terminativa, porquanto a
hipótese não se enquadra no disposto no art. 73 da Lei nº 11.101/2005, quando há
a prolação de decisão interlocutória (agravável) de decretação da falência, em
razão da convolação da recuperação judicial, por improcedência da última (art. 72,
parágrafo único). No caso sob comento, todavia, não há convolação da
recuperação em falência, mas, sim, mera extinção do processo de recuperação
judicial por carência da ação, com prolação de sentença (arts. 267, inciso VI, e
295, ambos do Código de Processo Civil).
316
316
Da sentença cabe apelação, em quinze dias734. Diante da natureza
terminativa da sentença, nada impede a propositura de nova ação de recuperação
judicial, tão logo esteja satisfeito o requisito formal antes ausente. Com efeito, a
combinação do art. 268 do Código de Processo Civil com o art. 48 da Lei nº
11.101 conduz ao raciocínio de que o posterior cumprimento do requisito formal
antes ausente permite a propositura de nova ação de recuperação judicial.
4. Créditos alcançados pela recuperação judicial
Por força do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, ―todos‖ os créditos existentes na
data da propositura são alcançados pela recuperação judicial, até mesmo os ainda
não vencidos. Com efeito, a recuperação judicial não alcança apenas os créditos
vencidos, mas também os vincendos.
Como regra, as obrigações anteriores à recuperação judicial preservam as
condições originais contratadas ou estabelecidas em lei, mas há a possibilidade
de modificação no plano de recuperação735.
Ainda em relação aos créditos alcançados pela recuperação judicial, os
credores preservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, como os
fiadores e os avalistas736. Daí a possibilidade do acionamento dos coobrigados
mediante ação e execução individuais, cujos processos não são alcançados pela
regra estampada no caput do art. 6º da Lei nº 11.101/2005, como bem revela o
enunciado nº 43 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da
Justiça Federal: ―43. A suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da
Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor‖.
5. Créditos excetuados da recuperação judicial: créditos protegidos
A regra (da sujeição de todos os créditos à recuperação judicial) inserta no
caput do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, entretanto, comporta exceções, porquanto
734
Cf. arts. 508 e 513 do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº 11.101, de 2005. 735
Cf. art. 49, § 2º, da Lei n° 11.101, de 2005. 736
Cf. art. 49, § 1º, da Lei n° 11.101, de 2005.
317
317
alguns créditos não são alcançados pela recuperação judicial. Alguns créditos
estão protegidos, como os créditos excetuados objeto deste tópico.
A importância entregue ao empresário individual ou à sociedade empresária
decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação não é
alcançada pela recuperação judicial737. Por conseguinte, o credor poderá pedir a
imediata restituição em dinheiro da importância adiantada em razão de contrato de
câmbio para exportação, mediante ação de restituição738.
Quanto ao credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens
móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente
vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou
irretratabilidade, até mesmo em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em
contrato de venda com reserva de domínio, os créditos não se submetem aos
efeitos da recuperação judicial, porquanto prevalecem os direitos de propriedade
sobre a coisa e as condições contratuais originais, tendo em vista a legislação
respectiva. Não se permite, contudo, durante o prazo de suspensão de cento e
oitenta dias, a venda ou a retirada dos bens de capital essenciais à atividade
empresarial do estabelecimento do empresário individual ou da sociedade
empresária (§ 3º do art. 49).
Como são créditos excetuados da recuperação judicial, os processos
singulares – como as ações de restituição ou de embargos de terceiro – não são
suspensos em razão do deferimento do processamento da recuperação judicial
(art. 52, inciso III, in fine). Daí a conclusão: os créditos excetuados são créditos
protegidos da recuperação judicial – e também da falência.
6. Créditos inexigíveis na recuperação judicial: créditos desprotegidos
O art. 5º da Lei nº 11.101/2005 arrola créditos que também não são
incluídos no processo recuperativo, nem podem ser cobrados no curso daquele
737
Cf. art. 49, § 4º, da Lei nº 11.101, de 2005. 738
Cf. art. 86, inciso II, da Lei nº 11.101, de 2005, combinado com o art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 1965
318
318
processo – e também do processo falimentar. São os créditos inexigíveis por força
de lei, como os provenientes de obrigações a título gratuito, cujo melhor exemplo é
a doação, e as despesas que os credores tiveram para tomar parte na
recuperação judicial, como os honorários do advogado contratado739.
Em suma, os créditos inexigíveis previstos no art. 5º da Lei nº 11.101/2005
são créditos desprotegidos, porquanto não podem ser cobrados nem incluídos no
bojo do processo de recuperação judicial – nem no processo falimentar. Só
poderão ser cobrados mediante execução singular após o decurso do prazo de
cento e oitenta dias previsto no § 4º do art. 6º ou depois do encerramento do
processo de falência, conforme o caso.
7. Meios de recuperação judicial
Os meios de recuperação são as soluções empresariais propostas pelo
empresário individual ou pela sociedade empresária em crise econômico-
financeira, na tentativa de restabelecer a lucratividade da atividade empresarial.
O art. 50 da Lei 11.101 arrola os meios disponíveis para a obtenção da
recuperação do empresário individual e da sociedade empresária. O rol, todavia,
não é exaustivo, porquanto o preceito de regência não afasta a utilização de
outros meios (―dentre outros‖). Os principais meios, entretanto, são os seguintes:
– concessão de prazos adicionais e condições favorecidas para pagamento
tanto de dívidas já vencidas quanto das vincendas;
– cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição
de subsidiária integral, ou cessão de quotas ou ações;
– mudança do controle societário;
– substituição dos administradores ou em seus órgãos administrativos;
739
Não obstante, as eventuais custas decorrentes do anterior processo cognitivo movido em face do empresário ou da sociedade empresária para o reconhecimento do crédito são passíveis de inclusão na recuperação judicial – e também na falência. A propósito da distinção conceitual entre despesas e custas processuais: cf. Bernardo Pimentel Souza. Despesas processuais, honorários advocatícios e assistência judiciária. In Revista de Direito. Número 4, p. 25 a 48. Viçosa, Universidade Federal de Viçosa, Abril de 2011 (www.dpd.ufv.br).
319
319
– outorga aos credores da escolha de administradores e também do poder
de veto nas hipóteses estabelecidas pelo plano de recuperação;
– aumento do capital social;
– trespasse (isto é, transferência) ou simples arrendamento do
estabelecimento, até mesmo para sociedade constituída pelos respectivos
empregados;
– redução salarial, compensação de horários e redução da jornada de
trabalho, tudo mediante acordo ou convenção coletiva740;
– dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo; – constituição
de sociedade de credores;
– venda parcial dos bens;
– equalização (isto é, alinhamento, equilíbrio, isonomia) dos encargos
financeiros relativos a todos os débitos;
– usufruto da empresa;
– administração compartilhada;
– emissão de valores mobiliários para participação de cotação em Bolsa de
Valores, como ações, debêntures, bônus de subscrição;
– constituição de sociedade para adjudicar ativos do empresário individual
ou da sociedade empresária, como forma de realizar pagamentos dos créditos.
São os meios de recuperação arrolados no art. 50 da Lei nº 11.101/2005,
sem prejuízo de outras soluções empresariais que podem ser apresentadas pelo
empresário ou pela sociedade empresária.
8. Petição inicial
740
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o meio de recuperação empresarial inserto no art. 50, inciso VIII, da Lei nº 11.101, de 2005, está em harmonia com o disposto no art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal: ―VI – irredutibilidade de vencimentos, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;‖.
320
320
Além das exigências comuns previstas no art. 282 do Código de Processo
Civil, cuja aplicação encontra sustentação no art. 189 da Lei nº 11.101/2005, a
petição inicial da recuperação judicial deve conter a exposição das causas
concretas da situação patrimonial do empresário individual ou da sociedade
empresária, bem assim as razões da crise econômico-financeira741.
A inicial deve ser instruída com as demonstrações contábeis dos três
últimos exercícios, incluídos o balanço patrimonial, a demonstração de resultados
acumulados, a demonstração do resultado desde o último exercício social, o
relatório gerencial do fluxo de caixa e de sua projeção para o futuro742.
A exordial também deve ser instruída com a relação nominal e a
qualificação completa dos credores e dos empregados743.
A petição inicial precisa ser acompanhada da certidão comprobatória da
regularidade da inscrição no Registro Público de Empresas, ou seja, na Junta
Comercial, consoante a combinação do art. 51, inciso V, da Lei nº 11.101/2005,
com os arts. 967 e 1.150 do Código Civil744.
Além da certidão obtida na Junta Comercial, a inicial também deve ser
instruída com os atos constitutivos (por exemplo, contrato de firma individual do
empresário individual, contrato social da sociedade limitada, estatuto da sociedade
por ações), bem assim com as atas de nomeação dos atuais administradores.
Não é só. A exordial ainda deve ser instruída com a relação dos bens
particulares dos sócios controladores e dos administradores, com os extratos
atualizados das contas bancárias do empresário individual ou da sociedade
empresária, com as eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, até
mesmo em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas
respectivas instituições financeiras745.
741
Cf. art. 51, inciso I, da Lei nº 11.101/2005. 742
Cf. art. 51, inciso II, da Lei nº 11.101/2005. 743
Cf. art. 51, incisos III e IV, da Lei nº 11.101/2005. 744
―Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público das Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade‖. ―Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais‖. 745
Cf. art. 51, incisos VI e VII, da Lei nº 11.101/2005.
321
321
A petição inicial também deve ser acompanhada das certidões dos cartórios
de protesto da comarca do domicílio do empresário individual ou da sede da
sociedade empresária, bem assim das certidões dos cartórios de protesto das
comarcas das respectivas filiais746.
A inicial ainda deve ser instruída com a relação dos processos nos quais o
empresário individual ou a sociedade empresária é parte, até mesmo os
processos trabalhistas747.
No que tange aos livros comerciais, embora seja dispensável a instrução
imediata da petição inicial, ficam à disposição do juiz que preside o processo e
também do administrador judicial, bem como podem ser consultados por qualquer
interessado, após autorização judicial748. Aliás, o juiz pode determinar o depósito
em cartório dos livros comerciais ou de fotocópias749.
Por fim, vale ressaltar que a petição inicial não precisa ser instruída com o
plano de recuperação empresarial; o plano poderá ser apresentado pelo
empresário ou pela sociedade empresária no prazo de sessenta dias da
publicação da decisão de deferimento do processamento da recuperação
judicial750.
9. Juízo competente
É competente para deferir a recuperação judicial o juízo cível ou
empresarial existente na comarca do local do ―principal estabelecimento‖ do
empresário individual ou sociedade empresária nacional, ou da filial de empresa
que tenha sede fora do país.
A propósito do conceito de ―principal estabelecimento‖, não importa o
indicado no contrato ou no estatuto, conforme o caso, mas, sim, o estabelecimento
no qual reside o comando da atividade empresarial, ainda que não seja o maior do
746
Cf. art. 51, inciso VIII, da Lei nº 11.101/2005. 747
Cf. art. 51, inciso IX, da Lei nº 11.101/2005. 748
Cf. art. 51, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. 749
Cf. art. 51, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 750
Cf. art. 53 da Lei nº 11.101/2005.
322
322
ponto de vista físico. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 465 aprovado
na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―Para fins do
Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem
as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro
público‖.
No que tange às sociedades multinacionais, com sede fora do país, a
recuperação empresarial pode ser proposta no juízo cível ou empresarial existente
na comarca do local da filial nacional.
Ainda em relação à competência prevista no art. 3º da Lei nº 11.101/2005,
tem natureza absoluta, pode ser declarada de ofício pelo juiz, bem como pode ser
suscitada na contestação ou veiculada a qualquer tempo mediante simples
petição751.
Ademais, a distribuição da ação de recuperação judicial previne a
competência do juízo para qualquer outro pedido de recuperação judicial, relativo
ao mesmo empresário individual ou à mesma sociedade empresarial752. É a
denominada força atrativa ou vis attractiva da recuperação judicial.
Não obstante, o juízo da recuperação judicial não é competente para
processar e julgar embargos de terceiro nem outras ações que versem sobre a
constrição de bens alheios ao plano de recuperação, como bem revela o
enunciado nº 480 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―O juízo da
recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens
não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa‖.
10. Possibilidade de emenda da petição inicial: aplicabilidade do art. 284 do
C.P.C.
751
De acordo, na jurisprudência: ―Por envolver questão que diz respeito à competência absoluta (ratione materiae), tendo sido deferido no juízo de origem o processamento da ação em aparente desconformidade com o disposto no artigo 3º da Lei nº 11.101/2.005, o exame pode ser feito nesta Instância, por via do recurso de Agravo de Instrumento. O foro competente para o processamento da ação de Recuperação Judicial, por expressa previsão em lei de regência, é aquele onde ocorrem as principais atividades econômicas da empresa, centro de suas decisões administrativas. Inteligência do artigo 3º da Lei nº 11.101/2.005.‖ (Agravo nº 1.0015.11.004724-6/001, 1ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 13 de julho de 2012). 752
Cf. art. 6º, § 8º, da Lei nº 11.101/2005.
323
323
Em virtude da compatibilidade do art. 284 do Código de Processo Civil com
a Lei nº 11.101/2005, cujo art. 189 determina a aplicação subsidiária daquele
diploma, a petição inicial incompleta é passível de emenda, em dez dias, contados
da intimação do advogado subscritor da exordial.
Ao determinar a emenda da petição inicial da recuperação judicial, cabe ao
juiz arrolar as omissões a serem sanadas. Em abono, vale conferir o preciso
enunciado nº 56 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―Na recuperação
judicial, ao determinar a complementação da inicial, o juiz deve individualizar os
elementos faltantes‖.
11. Pronunciamento acerca do processamento da recuperação judicial
Se a petição inicial estiver completa, o juiz defere o processamento da
recuperação judicial, oportunidade na qual também nomeia o administrador
judicial. Com efeito, há a nomeação do administrador judicial no mesmo
pronunciamento de admissão da petição inicial e do processamento da
recuperação judicial753.
Na mesma oportunidade, o juiz dispensa o empresário individual ou a
sociedade empresária da apresentação de certidões negativas para o exercício
das respectivas atividades, salvo para contratação com pessoas jurídicas de
direito público interno754 e para o recebimento de incentivos fiscais ou creditícios.
Não obstante, em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo
empresário individual ou pela sociedade empresarial em recuperação judicial
devem ser acrescidos os termos "em Recuperação Judicial", após o nome
empresarial755.
Discute-se se o juiz também já deve determinar a anotação correspondente
na Junta Comercial logo ao deferir o processamento da recuperação judicial.
Autorizada doutrina756 sustenta que a anotação da recuperação judicial no
753
Cf. arts. 21 e 52, inciso I, ambos da Lei 11.101/2005. 754
Cf. art. 41 do Código Civil. 755
Cf. art. 52, inciso II, combinado com o art. 69, ambos da Lei nº 11.101/2005. 756
Cf. Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 685 e 687.
324
324
Registro de Empresas é consequência da decisão sobre o plano, a qual consta
dos arts. 58 e 59 da Lei nº 11.101/2005. Ainda que muito respeitável a lição
doutrinária, a combinação do inciso II do art. 52 com o parágrafo único do art. 69
permite a conclusão de que a anotação na Junta Comercial deve ser ordenada
pelo juiz desde logo, já com a admissão do processamento da recuperação
judicial, até mesmo para conferir maior segurança jurídica e evitar prejuízos
provenientes de eventual conluio fraudulento. À vista da combinação dos arts. 52,
inciso II, in fine, e 69, parágrafo único, portanto, o juiz deve determinar a imediata
anotação do deferimento da recuperação judicial, no registro do empresário
individual ou da sociedade empresária perante a Junta Comercial.
Em contraposição, o deferimento do processamento da recuperação judicial
não tem o condão de cancelar protestos tirados em face do empresário individual
ou da sociedade empresária, nem de sobrestar anotações existentes nos órgãos
de proteção do crédito, como bem revela o enunciado nº 54 da Jornada de Direito
Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―54. O deferimento do processamento
da recuperação judicial não enseja o cancelamento da negativação do nome do
devedor nos órgãos de proteção ao crédito e nos tabelionatos de protesto‖.
No que tange às ações movidas em face do empresário individual, a
sociedade empresária e o sócio solidário, são suspensas pelo juiz na própria
decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial, com a
permanência dos processos nos respectivos juízos de origem757. Por conseguinte,
os processos cognitivos e executivos singulares movidos em face do empresário,
da sociedade empresária ou de sócio solidário devem ser suspensos758 – e não
extintos759.
757
Cf. arts. 6º, caput e § 4º, e 52, inciso III e § 3º, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. 758
De acordo, na jurisprudência: ―O artigo 6º, caput, da Lei nº 11.101/05 determina a suspensão de todas as ações e execuções ajuizadas contra a sociedade empresária que teve o pedido de recuperação judicial deferido. Com relação à suspensão das execuções individuais, o § 4º do art. 6º da lei em comento determina o prazo de 180 (cento e oitenta) dias.‖ (Agravo nº 20090020095296, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça Eletrônico de 14 de setembro de 2009, p. 134). 759
Assim, na jurisprudência: ―3. O deferimento da recuperação judicial, conquanto afete as bases negociais originalmente estabelecidas entre a empresa e seus credores, não implicando a deflagração de execução concursal, não enseja a extinção das ações e execuções individuais promovidas em desfavor da devedora, irradiando, de acordo com a regulação que lhe é conferida, simplesmente o efeito de ensejar a suspensão do curso das demandas promovidas em seu desfavor pelo prazo assinado pelo legislador, que, inclusive, cuidara de estabelecer que, expirado o interregno que assinalara, o direito de os credores retomarem ou aviarem
325
325
A propósito do período de suspensão dos processos singulares, a despeito
de o legislador ter estabelecido o prazo máximo de cento e oitenta dias, prevalece
o entendimento segundo o qual há lugar para excepcional prorrogação, conforme
revela o enunciado nº 42 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho
da Justiça Federal: ―42. O prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n.
11.101/2005 pode excepcionalmente ser prorrogado, se o retardamento do feito
não puder ser imputado ao devedor‖.
No que tange à comunicação da suspensão aos juízos dos processos
cognitivos e executivos nos quais o autor ocupa o polo passivo, a iniciativa cabe
ao próprio empresário ou à sociedade empresária, por intermédio do respectivo
responsável legal, conforme o caso760.
Não obstante, a regra da suspensão não é absoluta. Com efeito, o
deferimento do processamento da recuperação judicial não tem o condão de
suspender alguns processos específicos. Por exemplo, as ações que versam
sobre quantia ilíquida devem prosseguir no mesmo juízo de origem (art. 6º, § 1º,
da Lei nº 11.101/2005). As execuções fiscais e as correlativas ações de embargos
às execuções fiscais também não são suspensas pelo deferimento do
processamento da recuperação judicial (art. 6º, § 7º, da Lei nº 11.101/2005, e arts.
5º e 29 da Lei nº 6.830, de 1980). As ações de natureza trabalhista também
devem prosseguir perante a Justiça do Trabalho, com a posterior inclusão, no
quadro-geral de credores, do valor estipulado na sentença do juiz do trabalho (art.
6º, § 2º, da Lei nº 11.101/2005). Igualmente não são suspensas as ações relativas
aos créditos excetuados da recuperação judicial761, ou seja, as ações sobre
importâncias entregues ao empresário individual ou à sociedade empresária como
adiantamento a contrato de câmbio para exportação762, bem assim as ações
movidas por credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou
imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de
ações em desfavor da obrigada é restabelecido (Lei nº 11.101/05, art. 6º e § 4º). 4. Agravo conhecido. Preliminar rejeitada. Desprovido. Unânime.‖ (Agravo nº 20100020069527AGI, Acórdão n. 439739, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 23 de agosto de 2010). 760
Cf. arts. 6º, caput e § 4º, e 52, inciso III e § 3º, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. 761
Cf. art. 49, §§ 3º e 4º, da Lei nº 11.101, de 2005. 762
Por exemplo, ação de restituição e ação de embargos de terceiro.
326
326
imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou
irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em
contrato de venda com reserva de domínio (art. 52, inciso III, in fine, combinado
com o art. 49, §§ 3º e 4º). São, em suma, as exceções à regra da suspensão
temporária (por cento e oitenta dias) das ações movidas em face do empresário
individual ou sociedade empresária em recuperação judicial.
De volta ao pronunciamento de deferimento da recuperação judicial, o juiz
também determina, ao empresário individual ou à sociedade empresária, a
apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar o processo
(art. 52, inciso IV).
Ainda em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial,
o juiz ordena a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às
Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios nos quais o
empresário individual ou a sociedade empresarial tiver estabelecimento
empresarial principal ou filial (art. 52, inciso V).
Por fim, o juiz ordena a expedição do edital763 previsto no § 1º do art. 7º da
Lei nº 11.101/2005, para publicação no Diário da Justiça eletrônico, com a
observância das exigências arroladas nos incisos do § 1º do art. 52.
12. Impossibilidade da desistência da ação: regra e exceção
Proposta a ação de recuperação judicial e deferido o respectivo
processamento pelo juiz, não é admissível a desistência pelo empresário
individual ou sociedade empresária, conforme o caso, ressalvada a hipótese
excepcional de a Assembleia-Geral de Credores aprovar a desistência (art. 52, §
4º, da Lei nº 11.101/2005).
13. Natureza jurídica do pronunciamento do art. 52 da Lei nº 11.101/2005
763
É o denominado ―primeiro edital‖.
327
327
À primeira vista, o pronunciamento de deferimento do processamento da
recuperação judicial tem natureza de despacho, razão pela qual seria irrecorrível,
em virtude da combinação do art. 189 da Lei nº 11.101/2005, com o art. 504 do
Código de Processo Civil.
Uma segunda reflexão, entretanto, conduz à conclusão de que o
pronunciamento previsto no art. 52 tem conteúdo decisório, porquanto ocasiona a
suspensão das outras ações em geral764 movidas contra o empresário individual
ou a sociedade empresária, conforme o caso, pelo prazo de cento e oitenta dias
(art. 6º, caput e § 4º, da Lei nº 11.101/2005). Daí a verdadeira natureza de decisão
interlocutória, como bem revelam o inciso I do § 1º do art. 52 e o caput do art. 53
da Lei nº 11.101/2005, in verbis: ―decisão que defere o processamento da
recuperação judicial‖; ―decisão que deferir o processamento da recuperação
judicial‖. Por conseguinte, cabe recurso de agravo de instrumento, com
fundamento no art. 522 do Código de Processo Civil765, como bem revela o
enunciado nº 52 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da
Justiça Federal: ―52. A decisão que defere o processamento da recuperação
judicial desafia agravo de instrumento‖.
14. Plano de Recuperação
14.1. Responsabilidade pela apresentação do plano de recuperação
A apresentação da proposta inicial do plano de recuperação judicial cabe ao
empresário individual ou à sociedade empresária, conforme o caso (art. 53 da Lei
nº 11.101/2005).
14.2. Prazo para a apresentação do plano de recuperação
764
Ressalvadas as exceções insertas na parte final do inciso III do art. 52 da Lei nº 11.101, de 2005. 765
Por exemplo, o recurso de agravo de instrumento pode ser interposto pelo terceiro prejudicado pela suspensão da respectiva ação movida contra o empresário individual ou a sociedade empresária. O recurso de agravo também pode ser interposto pelo Ministério Público, como custos legis, na eventualidade de a petição inicial admitida pelo juiz não cumprir as exigências legais.
328
328
A proposta referente ao plano de recuperação judicial deve ser apresentada
dentro do prazo de sessenta dias, da intimação da decisão de deferimento do
processamento da recuperação judicial (arts. 50 e 53 da Lei nº 11.101/2005).
14.3. Consequência jurídica do decurso do prazo: decretação da falência
O decurso in albis do prazo destinado à apresentação do plano de
recuperação ocasiona a convolação em falência (arts. 53, caput, e 73, inciso II).
Com efeito, o juiz deve decretar a falência se o plano de recuperação não for
apresentado pelo empresário individual ou pela sociedade empresária dentro do
prazo legal de sessenta dias.
Vale ressaltar que não há intimação específica do empresário individual ou
da sociedade empresária, para a apresentação do plano de recuperação, sob
pena de falência. A omissão quanto ao prazo de sessenta dias conduz à imediata
convolação em falência, tendo em vista o disposto nos arts. 53, caput, e 73, inciso
II, ambos da Lei nº 11.101/2005, os quais revelam que não há nova intimação do
empresário individual ou da sociedade empresária silente, mas, sim, a imediata
decretação da quebra pelo juiz.
Não obstante, a decisão de convolação da recuperação em falência é
impugnável mediante recurso de agravo de instrumento (art. 100, proêmio),
porquanto a falibilidade humana pode ocasionar erro na contagem do prazo legal
pelo juiz e até mesmo erro de percepção do juiz acerca da apresentação do plano.
14.4. Elementos do plano de recuperação
A proposta apresentada pelo empresário individual ou pela sociedade
empresária deve conter a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação
escolhidos para tentar restabelecer a normalidade das atividades empresárias e
vencer a atual crise econômico-financeira. Além dos meios de recuperação
arrolados no art. 50, há possibilidade de indicação de outras soluções imaginadas
pelo empresário individual ou pelos administradores da sociedade empresária.
329
329
Após a exposição analítica dos meios de recuperação escolhidos, a proposta
também deve conter o respectivo resumo, em cumprimento ao disposto no art. 53,
inciso I, da Lei nº 11.101/2005.
Além da exposição analítica e do resumo dos meios de recuperação, a
proposta ainda deve conter a demonstração da viabilidade econômica, nos termos
do art. 53, inciso II, da Lei nº 11.101/2005.
Por fim, o projeto de plano de recuperação deve ser instruído com laudo
econômico-financeiro subscrito por profissional legalmente habilitado766, com a
avaliação dos bens e ativos do empresário individual e da sociedade empresária
em recuperação judicial767.
14.5. Aviso de recebimento do plano em juízo e prazo para objeções dos
credores
Apresentada a proposta com o plano de recuperação judicial, o juiz deve
ordenar a publicação de edital no Diário da Justiça eletrônico768, com a notícia do
recebimento do plano na secretaria do juízo, a fim de que os credores possam
suscitar as respectivas objeções, no prazo de trinta dias769.
Na verdade, a contagem do prazo de trinta dias depende da já ocorrência
da publicação da relação de credores elaborada pelo administrador judicial770, ou
não.
Se o edital com o aviso de recebimento do plano tiver sido publicado antes
da divulgação da relação dos credores, o prazo de trinta dias para as objeções
dos credores é contado da publicação do edital previsto no § 2º do art. 7º, isto é,
do edital com a relação dos credores771.
766
Por exemplo, contador, economista, administrador de empresas. 767
Cf. art. 53, inciso III, da Lei nº 11.101/2005. 768
Na mesma oportunidade, o edital também deve ser afixado na sede do juízo, em virtude da interpretação sistemática do artigo 189 da Lei nº 11.101/2005, do artigo 232, inciso II, do Código de Processo Civil, e do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. 769
Cf. arts. 53, parágrafo único, e 55, ambos da Lei nº 11.101/2005. 770
Cf. art. 7º, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 771
Cf. arts. 53, parágrafo único, e 55, caput, da Lei nº 11.101/2005.
330
330
Em contraposição, se o aviso de recebimento do plano em juízo ainda não
estiver publicado no momento da disponibilização da relação de credores, o prazo
de trinta dias corre do edital referente ao aviso do recebimento do plano de
recuperação772. É que os credores não têm como apresentar as respectivas
objeções antes da entrega do plano em juízo.
Em suma, o prazo de trinta dias para objeções só começa a correr depois
da publicação do último edital, seja o referente ao aviso de recebimento do
plano773, seja o edital com a relação de credores774.
14.6. Restrições legais ao plano de recuperação judicial
A proposta do empresário individual ou da sociedade empresária não pode
estabelecer prazo superior a um ano para o pagamento de todos os créditos
trabalhistas e provenientes de acidentes do trabalho já vencidos no momento da
propositura da recuperação judicial775.
A proposta do plano também não pode prever prazo superior a trinta dias
para o pagamento dos créditos de natureza estritamente salarial776 vencidos nos
últimos três meses antes do ajuizamento da recuperação, mas somente até o
limite de cinco salários mínimos por trabalhador777. Os créditos salariais
excedentes ficam sujeitos à regra do caput do art. 54 da Lei nº 11.101/2005:
previsão de pagamento no prazo máximo de um ano.
14.7. Existência de objeção e convocação da assembleia-geral de credores
Apresentada alguma objeção por qualquer credor, o juiz deve convocar a
assembleia-geral, a fim de que as três classes de credores deliberem sobre a
aprovação, a modificação ou a rejeição do plano de recuperação judicial. A
772
Cf. art. 55, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005. 773
Cf. art. 53 da Lei nº 11.101/2005. 774
Cf. art. 7º, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 775
Cf. art. 54 da Lei nº 11.101/2005. 776
Somente os créditos provenientes dos contratos de trabalho, sem a inclusão dos créditos referentes aos acidentes do trabalho. 777
Cf. art. 54, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005.
331
331
assembleia deve ser realizada dentro dos cento e cinquenta dias do deferimento
do processamento da recuperação judicial778.
Aprovado o plano de recuperação, os credores também podem decidir pela
constituição do Comitê, bem assim escolher os respectivos membros, tudo na
mesma oportunidade. A escolha dos membros do Comitê, entretanto, deve
observar o disposto nos arts. 26 e 44, com votações separadas em cada uma das
classes de credores779.
14.8. Modificação do plano de recuperação: plano alternativo
A proposta apresentada pelo empresário individual ou sociedade
empresária é passível de alteração durante as deliberações na assembleia.
Não obstante, o plano alternativo dos credores depende da anuência
expressa do empresário individual ou do representante legal da sociedade
empresária780.
Também não é possível a modificação da proposta original em prejuízo
somente dos credores ausentes à assembleia; é admissível o plano alternativo
que implique diminuição e restrição aos credores em geral, mas não apenas em
prejuízo dos credores ausentes781.
14.9. Rejeição do plano de recuperação
Se a proposta de plano apresentada pelo empresário individual ou pela
sociedade empresária em recuperação for rejeitada por alguma das classes de
credores, há a convolação da recuperação em falência782, ressalvada a hipótese
excepcional de divergência qualificada, quando o juiz pode conceder a
778
Cf. arts. 35, inciso I, letra ―a‖, 45, e 56, todos da Lei nº 11.101/2005. 779
Cf. art. 56, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 780
Na eventualidade de abuso de direito, todavia, o juiz pode desconsiderar a manifestação de vontade do empresário devedor, como bem revela o enunciado nº 45 da Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―45. O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito‖. 781
Cf. arts. 35, inciso I, letra ―a‖, e 56, § 3º, ambos da Lei nº 11.101/2005. 782
Cf. arts. 56, § 4º, e 73, inciso III, ambos da Lei nº 11.101/2005.
332
332
recuperação judicial783. Em regra, portanto, rejeitado o plano de recuperação
judicial, compete ao juiz decretar a falência do empresário individual ou da
sociedade empresária, por meio de decisão interlocutória, a qual, todavia, é
impugnável mediante agravo de instrumento784.
15. Procedimento final do processo de recuperação judicial
15.1. Deliberação judicial sobre o requerimento de recuperação
Decorrido o prazo de trinta dias sem objeção alguma ou aprovado o plano
de recuperação em assembleia, em razão da improcedência da objeção veiculada
por algum credor, o juiz concede a recuperação judicial mediante decisão
interlocutória passível de agravo de instrumento785.
Na verdade, a concessão da recuperação judicial não é automática; cabe
ao juiz do processo verificar a legalidade do plano de recuperação, à vista das
exigências e restrições legais, como, por exemplo, as previstas no caput e no
parágrafo único do art. 54 da Lei nº 11.101/2005. Daí o acerto do enunciado nº 44
aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―44. A
homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está
sujeita ao controle judicial de legalidade‖.
Por fim, questiona-se se a concessão da recuperação judicial depende da
apresentação de certidões negativas de débitos tributários. A despeito do teor do
art. 57 da Lei nº 11.101/2005, a resposta é negativa, ex vi do enunciado nº 55
aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―55. O
parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial é um direito do
contribuinte, e não uma faculdade da Fazenda Pública, e, enquanto não for
editada lei específica, não é cabível a aplicação do disposto no art. 57 da Lei n.
11.101/2005 e no art. 191-A do CTN‖786.
783
Cf. art. 58, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. 784
Cf. art. 100, proêmio, da Lei nº 11.101/2005. 785
Cf. arts. 58, caput, e 59, § 2º, ambos da Lei nº 11.101/2005. 786
Assim, na jurisprudência: ―EMPRESARIAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO - AUSÊNCIA DE CERTIDÃO FISCAL NEGATIVA - POSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR SOBRE PARCELAMENTO DO
333
333
15.2. Decisão concessiva da recuperação e rejeição do plano
A decisão concessiva também pode ser proferida até mesmo quando plano
não obtém aprovação integral, ou seja, não alcança o quorum qualificado do art.
45 da Lei nº 11.101/2005.
Com efeito, mesmo que o plano não tenha alcançado aprovação em todas
as classes, há lugar para a concessão da recuperação pelo juiz. A prolação da
decisão concessiva, entretanto, depende da ocorrência de divergência qualificada,
em virtude da existência de uma corrente significativa de credores em prol da
aprovação do plano. Por conseguinte, o juiz pode conceder o benefício da
recuperação quando o plano tenha alcançado de forma cumulativa na assembleia:
– voto favorável de credores titulares de mais da metade dos créditos presentes à
assembleia, sem consideração das classes; – voto favorável de pelo menos duas
das três classes arroladas no art. 41 da Lei nº 11.101/2005787 ou, na
eventualidade da ausência de alguma classe durante a assembleia, que uma das
duas classes presentes tenha optado pela aprovação do plano; – voto favorável de
pelo menos um terço dos credores da classe contrária à aprovação. Satisfeitas
todas as exigências mínimas arroladas no § 1º do art. 58, de forma cumulativa, o
juiz pode conceder a recuperação judicial.
Por fim, vale ressaltar que o juiz do processo também pode desconsiderar
os votos de credores provenientes de abuso de direito, para conceder a
recuperação judicial, com fundamento no enunciado nº 45 da Jornada de Direito
Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―45. O magistrado pode desconsiderar
DÉBITO TRIBUTÁRIO - RISCO DE LESÃO AO PRINCÍPIO NORTEADOR DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - IMPROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 47, 57 E 68 TODOS DA LEI Nº 11.101/2005 E ART. 155-A, §§ 2º E 3º DO CTN. A recuperação judicial deve ser concedida, a despeito da ausência de certidões fiscais negativas, até que seja elaborada Lei Complementar que regule o parcelamento do débito tributário procedente de tal natureza, sob risco de sepultar a aplicação do novel instituto e, por conseqüência, negar vigência ao princípio que lhe é norteador‖ (Agravo nº 1.0079.06.288873-4/001, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 6 de junho de 2008). No mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: ―A exigência do art. 57 da Lei de Recuperação de Empresas deve ser mitigada tendo em vista o princípio de viabilização da empresa de que trata o art. 47, bem como diante da inexistência de lei específica que regule o parcelamento de débitos fiscais das empresas em recuperação (art. 68 da Lei 11.101/05)‖ (Agravo nº 1.0079.07.371306-1/002, 7ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 16 de outubro de 2009). 787
Cf. art. 45 da Lei nº 11.101/2005.
334
334
o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso
de direito‖.
15.3. Consequências jurídicas da concessão da recuperação judicial
Homologado o plano e concedida a recuperação judicial, há a novação dos
créditos anteriores, com a obrigação do empresário individual ou da sociedade
empresária em recuperação, bem assim de todos os credores submetidos ao
processo788. A decisão concessiva da recuperação é título executivo judicial, razão
pela qual poderá fundamentar futura execução civil ou falencial789.
15.4. Recorribilidade da decisão concessiva
Cabe agravo de instrumento contra a decisão concessiva da recuperação
judicial790, recurso que deve ser interposto no prazo de dez dias e endereçado ao
tribunal de segundo grau competente791.
15.5. Prazo máximo do processo de recuperação
O processo de recuperação judicial pode durar até dois anos, prazo que
somente é computado depois da decisão concessiva da recuperação. Com efeito,
ainda que o plano contenha parcelamento por prazo superior792, o processo de
recuperação deve ser encerrado no prazo máximo de dois anos, em cumprimento
ao disposto no art. 61 da Lei nº 11.101/2005.
15.6. Desrespeito ao plano no curso do biênio legal 788
Cf. arts. 49 e 59 da Lei nº 11.101/2005. Vale ressaltar que até mesmo os credores vencidos na deliberação da assembleia-geral são alcançados pela decisão judicial homologatória do plano de recuperação empresarial. 789
Cf. arts. 59, § 1º, e 62, ambos da Lei nº 11.101/2005, combinado com o art. 475-N, inciso III, do Código de Processo Civil vigente. Por oportuno, vale ressaltar que
o art. 584 do original Código de Processo Civil de
1973 foi revogado, com a transposição da matéria para o art. 475-N do Código vigente. É preciso ler, portanto, ―art. 475-N, inciso III‖, no lugar de ―art. 584, inciso III‖, no § 1º do art. 59 da Lei nº 11.101/2005. 790
Cf. art. 59, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 791
Cf. arts. 522 e 524 do Código de Processo Civil, aplicáveis à vista do art. 189 da Lei nº 11.101/2005. 792
Por exemplo, sessenta meses.
335
335
O descumprimento ao disposto no plano de recuperação durante o prazo de
dois anos ocasiona a imediata falência, decretada em razão da convolação da
recuperação793. Sem dúvida, a convolação em falência pode ocorrer por
desrespeito a qualquer obrigação assumida no plano de recuperação judicial794.
Vale ressaltar, entretanto, que os atos empresariais795 praticados durante a
recuperação judicial com a observância das formalidades legais são considerados
válidos e eficazes, até mesmo quando a recuperação é convolada em falência.
Com efeito, o art. 74 da Lei nº 11.101/2005 revela que são válidos e eficazes os
atos empresariais realizados à vista da legislação, ainda que a recuperação
judicial seja convolada em falência.
Na eventualidade de decretação da falência por qualquer das hipóteses
legais de convolação796, os créditos de obrigações supervenientes ao ajuizamento
da recuperação serão considerados extraconcursais no processo falimentar, razão
pela qual têm preferência e serão pagos antes dos créditos concursais797.
Resta saber se o deferimento da recuperação judicial no curso do processo
falimentar798 impede a posterior convolação em falência. Não: é irrelevante se a
recuperação judicial foi concedida na pendência da falência799; o descumprimento
do plano de recuperação sempre autoriza a convolação em falência800, ainda que
a recuperação judicial tenha sido concedida em virtude de resposta veiculada pelo
empresário individual ou pela sociedade empresária no bojo de processo
falimentar.
15.7. Desrespeito ao plano depois do biênio legal
No que tange às obrigações previstas no plano com vencimento somente
depois do biênio legal, o descumprimento pode ocasionar a propositura de
793
Cf. arts. 61, § 1º, e 73, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005. 794
Cf. art. 94, inciso III, letra ―g‖, da Lei nº 11.101/2005. 795
Por exemplo, alienação, oneração de bens, endividamento. 796
Cf. art. 73 da Lei nº 11.101/2005. 797
Cf. arts. 67, 83 e 84, inciso V, todos da Lei nº 11.101/2005. 798
Cf. art. 96, inciso VII, da Lei nº 11.101/2005. 799
Cf. fundamental legal exposto na nota anterior. 800
Cf. arts. 73, inciso IV, e 94, inciso III, alínea ―g‖, ambos da Lei nº 11.101/2005.
336
336
execução civil fundada na decisão concessiva da recuperação judicial ou a
propositura da falência, desde que preenchidas as exigências legais801.
15.8. Satisfação das obrigações constantes do plano durante o biênio legal
Cumpridas todas as obrigações previstas no plano de recuperação durante
o biênio legal, há a prolação de sentença pelo juiz, com o encerramento do
processo recuperativo.
A despeito do encerramento da recuperação, há ainda a necessidade da
observância das providências finais, as quais são tomadas depois da prolação da
sentença802.
Por fim, a sentença prevista no art. 63 da Lei nº 11.101 é impugnável
mediante apelação, em quinze dias803.
801
Cf. arts. 59, § 1º, 62 e 94, inciso III, letra ―g‖, todos da Lei nº 11.101/2005, e art. 475-N, inciso III, do Código de Processo Civil vigente. 802
Cf. art. 63 da Lei nº 11.101/2005. 803
Cf. arts. 508 e 513 do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº 11.101/2005.
337
337
CAPÍTULO IV– RECUPERAÇÃO JUDICIAL ESPECIAL
1. Conceitos de microempresa e empresa de pequeno porte
Por força dos arts. 170, inciso IX, e 179, da Constituição Federal de 1988,
as microempresas e as empresas de pequeno porte devem receber tratamento
privilegiado, com o recebimento de incentivos e a simplificação das obrigações
tributárias, creditícias, previdenciárias e administrativas.
Na mesma esteira, o art. 970 do Código Civil de 2002 também assegura o
tratamento privilegiado, nos termos da legislação especial.
A regulamentação específica reside na Lei Complementar nº 123, de 2006,
e na Lei Complementar nº 139, de 2011, diplomas que indicam os conceitos de
microempresário e de empresário de pequeno porte. À luz do art. 3º da Lei
Complementar nº 123, com a redação conferida pela Lei Complementar nº 139,
microempresa é a firma mercantil individual, a empresa individual de
responsabilidade limitada ou a sociedade empresária que tiver receita bruta anual
igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). Já a empresa de
pequeno porte é a firma mercantil individual, a empresa individual de
responsabilidade limitada ou a sociedade empresária que tiver receita bruta anual
superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), desde que não seja
superior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)804.
2. Facultatividade do plano especial
804
Por oportuno, merece ser conferido o disposto no art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 2006, com a redação determinada pela Lei Complementar nº 139, de 2011: ―Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei n
o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de
Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II - no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)‖.
338
338
A adoção do plano especial é facultativa, em prol apenas das
microempresas e das empresas de pequeno porte805.
No que tange às microempresas e às empresas de pequeno porte
concordatárias na vigência do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, podem requerer a
recuperação judicial, mas não a recuperação especial806.
3. Oportunidade para a escolha entre o plano especial e o plano comum
A escolha do plano entre o especial807 e o comum808 deve ser indicada na
petição inicial da recuperação judicial809.
4. Créditos alcançados pelo plano especial: créditos quirografários
O plano especial abrange apenas credores quirografários. Com efeito, não
são todos os créditos alcançados, mas apenas os quirografários810.
Por conseguinte, os credores que não são quirografários não participam do
processo, porquanto os respectivos créditos não podem ser habilitados na
recuperação judicial fundada em plano especial811.
5. Inexistência de suspensão dos processos cujos créditos não constam do
plano especial
Apenas as ações e execuções cujos créditos foram alcançados pelo plano
especial são atingidas pela recuperação judicial especial; as demais têm curso
normal812.
805
Cf. arts. 70, § 1º, e 72, caput, ambos da Lei nº 11.101/2005. 806
Cf. art. 192, § 2º, in fine, da Lei nº 11.101/2005. 807
Cf. arts. 70 a 72 da Lei nº 11.101/2005. 808
Cf. arts. 49 a 54 da Lei nº 11.101/2005. 809
Cf. art. 70, § 1º, combinado com o art. 51, ambos da Lei nº 11.101/2005. 810
Cf. art. 71, inciso I, da Lei nº 11.101/2005. 811
Cf. art. 70, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 812
Cf. art. 71, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005.
339
339
6. Prazo para a apresentação do plano especial: sessenta dias
Tal como o plano comum de recuperação judicial, o plano especial deve ser
apresentado no prazo de sessenta dias da intimação da decisão de admissão do
processamento da recuperação813.
7. Parcelamento máximo dos créditos: trinta e seis meses
Os créditos quirografários alcançados pelo plano especial podem ser
divididos em até trinta e seis meses, em parcelas mensais iguais, com correção
monetária e juros de doze por cento ao ano814.
8. Prazo máximo para o pagamento da primeira parcela: cento e oitenta
dias
A primeira parcela deve ser paga no prazo máximo de cento e oitenta dias
da distribuição da petição inicial da ação de recuperação especial815.
9. Aumento de despesas e contratação de empregados: necessidade de
autorização judicial
O empresário individual e a sociedade empresária em recuperação judicial
pelo regime especial previsto nos arts. 70 a 72 só podem aumentar despesas e
contratar empregados mediante expressa autorização do juiz, com a prévia
manifestação do administrador judicial e do eventual Comitê de Credores816.
10. Aprovação do plano especial pelo juiz: inexistência de convocação de
assembleia
813
Cf. arts. 53, caput, e 71, caput, ambos da Lei nº 11.101/2005. 814
Cf. art. 71, inciso II, da Lei nº 11.101/2005. 815
Cf. art. 71, inciso III, da Lei nº 11.101/2005. 816
Cf. art. 71, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005.
340
340
Ainda que apresentadas objeções pelos credores, não há a convocação de
assembleia de credores para a aprovação do plano especial, porquanto a
competência para a respectiva aprovação é do juiz. Com efeito, cabe apenas ao
juiz julgar o pedido de recuperação especial817.
11. Improcedência da recuperação especial em razão de objeções
Na eventualidade de credores titulares de mais da metade dos créditos
apresentarem objeções ao plano especial, o juiz deve julgar improcedente a
recuperação judicial especial, com a imediata decretação da falência818.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o pronunciamento judicial
previsto no parágrafo único do art. 72 não é sentença apelável, mas, sim, decisão
interlocutória agravável, em razão da conversão do processo de recuperação
especial em falência819.
12. Proibição de novo benefício no prazo de oito anos
A microempresa e a empresa de pequeno porte já beneficiadas pela
concessão da recuperação com base no plano especial não podem requerer nova
recuperação dentro do prazo de oito anos820.
13. Aplicação subsidiária das regras da recuperação judicial fundada em
plano comum
No que for omissa a Seção V do Capítulo III da Lei nº 11.101/2005,
específica sobre o plano especial, incidem as regras gerais relativas à
recuperação fundada em plano comum.
817
Cf. art. 72, caput, da Lei nº 11.101/2005. 818
Cf. art. 72, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005. 819
Cf. art. 100, proêmio, da Lei nº 11.101/2005. 820
Cf. art. 48, inciso III, da Lei nº 11.101/2005.
341
341
CAPÍTULO V – RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
1. Conceito e natureza jurídica da recuperação extrajudicial
A recuperação extrajudicial é o processo no qual o empresário individual ou
a sociedade empresária em crise econômico-financeira busca a homologação
judicial de plano de recuperação empresarial proveniente de prévia negociação
extrajudicial com os respectivos credores, a fim de que as dívidas possam ser
pagas em prol dos credores, mas em condições também favoráveis ao devedor.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a recuperação
extrajudicial é um processo judicial, o qual, todavia, é precedido por uma fase
extrajudicial, consubstanciada na negociação extrajudicial do empresário individual
ou da sociedade empresária com os respectivos credores821.
2. Legitimados ativos
A legitimidade ativa para requerer a homologação judicial do plano de
recuperação extrajudicial é extraída da combinação dos arts. 48 e 161 da Lei nº
11.101/2005.
Em primeiro lugar, só o empresário individual e a sociedade empresária
com regular registro na Junta Comercial há mais de dois anos têm legitimidade
para propor a homologação da recuperação extrajudicial822.
Em contraposição, não tem legitimidade ativa o empresário individual ou a
sociedade empresária ainda sob a pecha da falência, ou seja, que ainda não teve
as respectivas obrigações e responsabilidades declaradas extintas mediante
821
Ainda a respeito do conceito e da natureza jurídica da recuperação extrajudicial, merece ser prestigiada a lição da doutrina: ―A recuperação extrajudicial é um procedimento concursal preventivo que contém uma fase preambular de livre contratação e outra final ancorada à formalização judicial. A validade do pacto celebrado envolvendo credores e devedor é condicionada à homologação judicial.‖ ―A recuperação extrajudicial é, sobretudo, um negócio plurilateral. Com efeito, trata-se de um acordo celebrado entre o devedor e alguns credores ou entre o devedor e todos os credores que, consubstanciado formalmente num plano de recuperação do devedor, é levado à homologação judicial.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 668 e 669). 822
Cf. arts. 48, caput, e 161, caput, da Lei nº 11.101/2005.
342
342
sentença transitada em julgado em processo de reabilitação empresarial823. Com
maior razão, não tem legitimidade ativa o empresário individual ou a sociedade
empresária cujo administrador foi condenado por crime concursal empresarial824.
Por fim, a legitimidade ativa do empresário individual ou da sociedade
empresária depende da inexistência de processo de recuperação judicial em curso
e que também não tenha ocorrido a concessão da recuperação judicial ou a
homologação da recuperação extrajudicial nos últimos dois anos825.
A falta de algum dos requisitos legais826 conduz à carência da ação, com a
prolação de sentença terminativa ou processual fundada no art. 267, inciso VI, do
Código de Processo Civil. Incide, por conseguinte, o art. 268 do Código de
Processo Civil, com a possibilidade da propositura de outra ação, com novo
pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial, desde que
cumpridos os requisitos legais827.
3. Vedações ao plano
O plano de recuperação extrajudicial não pode estabelecer o pagamento
antecipado de dívidas, nem conferir tratamento desfavorável aos credores cujos
créditos não foram alcançados, sob pena de a homologação judicial ser denegada
pelo juiz828.
4. Inexistência de suspensão das ações
A propositura do requerimento de homologação judicial do plano de
recuperação extrajudicial não suspende os processos em curso, nem mesmo as
execuções829. Não incide, por conseguinte, o disposto no art. 6º, preceito que
alcança apenas os processos de falência e de recuperação judicial, mas não o
823
Cf. art. 48, inciso I, combinado com os arts. 158 e 159, todos da Lei nº 11.101/2005. 824
Cf. art. 48, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005. 825
Cf. art. 161, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 826
Cf. arts. 48, caput e incisos I e IV, e 161, caput e § 3º, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. 827
Cf. art. 164, § 8º, da Lei nº 11.101/2005. 828
Cf. art. 161, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 829
Cf. art. 161, § 4º, da Lei nº 11.101/2005.
343
343
processo de homologação do plano de recuperação extrajudicial, cujo preceito de
regência é o art. 161.
5. Regra da impossibilidade de desistência dos credores que aderiram ao
plano
Em regra, os credores que participaram da prévia negociação e aderiram ao
plano de recuperação extrajudicial não podem desistir. Só é possível a desistência
com a concordância expressa de todos os subscritores do plano, até mesmo do
empresário individual ou do representante legal da sociedade empresária,
conforme o caso830.
Com efeito, ao contrário do que ocorre em vários preceitos831 da Lei nº
11.101/2005, não há, no § 5º do art. 161, referência somente ao ―devedor‖, nem
apenas aos ―credores‖, mas, sim, aos ―signatários‖. Daí a conclusão: só é
admissível a desistência de algum credor quando há a anuência do devedor832,
bem como dos outros credores subscritores do plano.
6. Possibilidade de propositura de falência pelos credores não sujeitos ao
Plano
Os credores titulares de créditos não alcançados pelo plano de recuperação
extrajudicial podem requerer a falência do empresário individual ou da sociedade
empresária, ainda que na pendência do processo de homologação extrajudicial
daquele plano833.
7. Créditos excluídos da recuperação extrajudicial
830
Cf. art. 161, § 5º, da Lei nº 11.101/2005. 831
Por exemplo, no art. 161, caput e §§ 2º, 3º e 4º, da Lei nº 11.101, de 2005, são encontrados os vocábulos ―devedor‖ e ―credores‖. 832
Vale dizer, empresário individual ou sociedade empresária, à vista do art. 1º da Lei nº 11.101/2005. 833
Cf. art. 161, § 4º, in fine, da Lei nº 11.101/2005.
344
344
Não são todos os créditos que são compatíveis com a recuperação
extrajudicial, a qual não alcança créditos tributários, trabalhistas, acidentários e
alguns créditos contratuais especiais834.
Sem dúvida, a recuperação extrajudicial não é admissível em relação aos
créditos de natureza tributária, trabalhista, acidentária. Também não podem ser
incluídos os créditos de adiantamento em razão de contrato de câmbio para
exportação835 e os relativos aos contratos de alienação fiduciária, arrendamento
mercantil836 e de promessa de compra e venda de imóvel com cláusulas de
irrevogabilidade e de irretratabilidade837.
8. Créditos incluídos no plano extrajudicial: créditos com garantia real, com
privilégio especial, com privilégio geral, quirografários e subordinados
À vista da interpretação a contrario sensu do § 1º do art. 161 da Lei nº
11.101, todos os créditos das classes arroladas nos incisos II838, IV839, V840, VI841 e
VIII842 do art. 83 podem ser incluídos no plano de recuperação extrajudicial. Aliás,
é possível a inclusão de todos os créditos de uma determinada classe, bem assim
de apenas um grupo dos respectivos credores843.
Não obstante, somente os créditos incluídos no plano são considerados na
apuração da existência de maioria qualificada de três quintos (ou seja, de
sessenta por cento), quando há divergência por parte de credores em relação ao
plano proposto pelo empresário individual ou pela sociedade empresária,
conforme o caso844.
834
Cf. art. 161, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. 835
Cf. arts. 49, § 4º, 86, inciso II, e 161, § 1º, todos da Lei nº 11.101/2005, combinados com o art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 1965. 836
Isto é, leasing. 837
Cf. art. 49, § 3º, combinado com o art. 161, § 1º, ambos da Lei nº 11.101/2005. 838
Créditos com garantia real. 839
Créditos com privilégio especial. 840
Créditos com privilégio geral. 841
Créditos quirografários. 842
Créditos subordinados. 843
Cf. art. 163, § 1º, primeira parte, da Lei nº 11.101/2005. 844
Cf. art. 163, §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.101/2005.
345
345
Subscrito o plano extrajudicial por pelo menos três quintos dos credores
titulares de créditos de uma mesma classe845, os demais credores incluídos no
plano também ficam obrigados à vista do caput e do § 1º do art. 163 da Lei nº
11.101/2005.
9. Petição inicial
A petição inicial da ação de homologação do plano de recuperação
extrajudicial sem divergência com os credores alcançados deve ser
fundamentada, ―juntando sua justificativa‖846, e instruída com o documento no qual
constam os termos e condições do plano extrajudicial, com as assinaturas dos
credores que aderiram.
Além das exigências gerais previstas no art. 162, a petição inicial da ação
de homologação de plano extrajudicial com divergência também deve conter
elementos adicionais, à vista da interpretação do § 6º do art. 163, combinado com
aquele preceito:
– a exposição da situação patrimonial do empresário individual ou da
sociedade empresária;
– as demonstrações contábeis relativas ao último exercício social;
– os documentos comprobatórios dos poderes especiais de novação e
transação conferidos aos subscritores do plano;
– a relação nominal completa dos credores;
– a classificação e o valor atualizado dos créditos;
– o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros
contábeis de cada transação pendente.
À evidência, é muito mais complexa a petição inicial da ação de
homologação de pedido extrajudicial com divergência com credor alcançado pelo
plano. 845
Vale dizer, ao menos sessenta por cento dos créditos de igual natureza sujeitos ao plano. 846
Cf. art. 162 da Lei nº 11.101/2005.
346
346
10. Procedimento único para as recuperações extrajudiciais sem e com
divergência
Recebidas as petições iniciais com os pedidos de homologações dos
planos de recuperação extrajudicial sem e com divergência847, o juiz deve ordenar
a publicação de edital no Diário da Justiça eletrônico e também em jornal de
grande circulação nacional ou na localidade do estabelecimento empresarial, a fim
de que os credores possam tomar ciência da abertura do prazo de trinta dias, para
impugnações ao plano848.
11. Prazo para impugnação ao plano de recuperação extrajudicial: trinta
dias
Os credores podem apresentar impugnações no prazo de trinta dias,
contados da publicação do edital849. Como é necessária a veiculação do edital no
Diário da Justiça eletrônico e em jornal impresso de grande circulação, o prazo só
começa a correr da última publicação. É o que se infere da interpretação
sistemática do art. 164, caput e § 2º, à vista dos arts. 53, parágrafo único, e 55,
caput e parágrafo único, todos da Lei nº 11.101/2005.
Ainda no mesmo prazo de trinta dias, deve ser comprovada a remessa de
correspondência a todos os credores sujeitos ao plano extrajudicial. A postagem
que fica a cargo do empresário individual ou da sociedade empresária, conforme o
caso850.
12. Matérias passíveis de veiculação na impugnação ao plano de
recuperação extrajudicial
847
Cf. arts. 162 e 163 da Lei nº 11.101/2005, respectivamente. 848
Cf.art. 164, caput, da Lei nº 11.101/2005. 849
Cf. art. 164, caput e § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 850
Cf. art. 164, § 1º, da Lei nº 11.101/2005.
347
347
A impugnação só pode versar sobre as matérias arroladas no § 3º do art.
164 da Lei nº 11.101/2005. Em primeiro lugar, o credor pode suscitar preliminares
referentes ao descumprimento dos requisitos legais previstos nos arts. 48, 161 e
163 da Lei nº 11.101/2005. No mérito, o credor pode apontar atos fraudulentos e
simulados arrolados nos arts. 94, inciso III, e 130 do mesmo diploma.
Ao contrário do que ocorre com a impugnação cabível contra a relação de
credores, a qual é autuada em separado por força dos arts. 8º e 13, o mesmo não
ocorre com a impugnação ao plano de recuperação extrajudicial. Com efeito, a
impugnação ao plano é juntada nos próprios autos do processo de recuperação
extrajudicial.
13. Réplica
Protocolizada alguma impugnação, é aberta vista ao empresário individual
ou à sociedade empresária, com a oportunidade de réplica, em cinco dias851.
14. Julgamento das impugnações
As eventuais impugnações são decididas pelo juiz mediante sentença, com
a concessão ou a denegação da homologação, conforme o caso. Tanto a
sentença concessiva quanto a sentença denegatória da homologação são
impugnáveis mediante apelação, sem efeito suspensivo, ex vi dos arts. 161, § 6º,
e 164, §§ 5º, 6º e 7º, todos da Lei nº 11.101/2005. Por conseguinte, a sentença
homologatória do plano de recuperação tem eficácia desde logo, como bem revela
o caput do art. 165 da Lei nº 11.101/2005852.
Por fim, vale ressaltar que o efeito suspensivo inexistente ex vi legis pode
ser concedido pelo juiz de primeiro grau, desde que solicitado pelo apelante nas
razões do recurso, com fundamento nos arts. 518, caput, 520 e 558, parágrafo
851
Cf. art. 164, § 4º, da Lei nº 11.101/2005. 852
De acordo, na doutrina: ―Qualquer decisão judicial sobre o plano, positiva ou negativa, o recurso cabível será sempre de apelação sem efeito suspensivo. De tal arte que, se o juiz homologar o plano, embora haja recurso do Ministério Público ou de algum credor discordante, o que foi homologado começa a produzir efeitos.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 674).
348
348
único, todos do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº
11.101, de 2005853. Ainda que denegado o pleito pelo juiz de origem, há lugar para
a concessão em agravo de instrumento endereçado ao tribunal ad quem
competente854.
15. Natureza jurídica do pronunciamento de homologação: sentença
Ainda em relação ao pronunciamento referente ao plano de recuperação
extrajudicial, será sempre sentença, independentemente da existência de
impugnação, ou não, e da homologação judicial ou da respectiva denegação855.
Em todas as hipóteses, há a prolação de sentença, a qual é impugnável mediante
recurso de apelação, em quinze dias.
Por fim, a sentença homologatória do plano de recuperação extrajudicial
constitui título executivo judicial, a ensejar o requerimento de cumprimento da
sentença previsto no art. 475-I do Código de Processo Civil856.
16. Inexistência de coisa julgada em decorrência da sentença denegatória
Ao contrário da sentença concessiva da homologação do plano de
recuperação extrajudicial, a qual tem natureza de título executivo judicial e
ocasiona a formação da coisa julgada material, o mesmo não ocorre com a
sentença denegatória da homologação. Daí a possibilidade da propositura de novo
requerimento de homologação judicial do plano extrajudicial, tão logo sejam
cumpridas as exigências legais pelo empresário individual ou pela sociedade
empresária, conforme o caso857.
853
Cf. Bernardo Pimentel Souza. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 9ª ed., 2013, p. 284 e 285. 854
Cf. arts. 522, in fine, 527, inciso III, e 558, caput, todos do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº 11.101, de 2005. 855
Cf. arts. 161, § 6º, e 164, §§ 5º, 6º e 7º, da Lei nº 11.101/2005, e art. 475-N, inciso III, do Código de Processo Civil. 856
Cf. art. 161, § 6º, da Lei nº 11.101/2005. 857
Cf. art. 164, § 8º, da Lei nº 11.101/2005.
349
349
17. Possibilidade de acordos privados supervenientes
A pendência do processo de recuperação extrajudicial e até mesmo a
prolação da respectiva sentença homologatória não impedem a realização de
acordos privados entre os credores e o empresário individual ou a sociedade
empresária, ainda que os acordos sejam supervenientes à propositura da ação de
recuperação extrajudicial ou à prolação da sentença homologatória858.
858
Cf. art. 167 da Lei nº 11.101/2005.
350
350
CAPÍTULO VI – FALÊNCIA
1. Conceito de falência
A falência é o processo judicial consubstanciado na execução concursal –
ou coletiva859 – movida contra o empresário individual ou a sociedade empresária,
a fim arrecadar o ativo para liquidar o respectivo passivo em favor dos credores,
com o imediato afastamento do empresário, da sociedade e dos respectivos
sócios ilimitadamente responsáveis das atividades empresárias (arts. 1º, 75, 81,
115 e 190 da Lei nº 11.101/2005).
2. Etimologia
As raízes históricas do termo ―falência‖ residem no latim ―fallere‖, cujo
significado (falhar, faltar, enganar) revela a essência do instituto jurídico: omissão
do empresário individual ou da sociedade empresária em relação ao pagamento
das obrigações com os respectivos credores, por falta de recursos financeiros ou
por conduta fraudulenta na administração empresarial860.
859
De acordo, na doutrina: ―Quando um devedor comerciante não paga suas obrigações, instaura-se contra ele execução coletiva:‖ (Celso Agrícola Barbi. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 86, nº 126). 860
De acordo, na doutrina: ―Convém, nestes estudos preliminares, indagarmos da origem etimológica do vocábulo falência ou, mais precisamente, do verbo falir. Proveio, sem dúvida, do verbo latino fallere – faltar,
enganar. Significa falta do cumprimento de uma obrigação ou do que foi prometido. De expressão comum o verbo passou, tecnicamente, no meio jurídico, a expressar a impossibilidade do devedor pagar suas dívidas, em conseqüência da falta de meios decorrentes de escasso e insuficiente patrimônio.‖ (Rubens Requião. Curso de direito falimentar. Volume I, 14ª ed., 1991, p. 3, com os destaques em itálico no original).
351
351
Com efeito, a execução concursal – ou coletiva – de empresário ou
sociedade empresária é denominada ―falência‖, tendo em vista o disposto na Lei
nº 11.101/2005. Não obstante, o sinônimo ―quebra‖ é o termo encontrado no
antigo Código Comercial de 1850, cuja Parte Terceira tinha o seguinte título: ―DAS
QUEBRAS‖. É certo que os respectivos arts. 797 a 913 do Código de 1850 foram
revogados com o advento do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, diploma intitulado ―Lei
de Falências‖. Consagrou-se, a partir daí, o termo ―falência‖, prestigiado na atual
Lei nº 11.101/2005.
Além dos vocábulos ―falência‖ e ―quebra‖, o antigo termo ―bancarrota‖
também pode ser utilizado para designar a falência861, com bem revela o art. 263
do Código Criminal de 1830: ―A bancarrôta que for qualificada de fraudulenta, na
conformidade das Leis do Comércio, será punida com a prisão com trabalho por
oito annos.‖862.
Já o termo ―insolvência‖ não pode ser considerado sinônimo de ―falência‖,
tendo em vista o disposto no direito positivo brasileiro. Com efeito, o vocábulo
―insolvência‖ designa instituto do direito processual civil, como bem revelam os
arts. 748 e seguintes do Código de Processo Civil. Em suma, os termos ―quebra‖ e
―bancarrota‖ são sinônimos de ―falência‖, mas não o vocábulo ―insolvência‖,
porquanto o mesmo tem lugar no direito processual civil, para designar o processo
contra o devedor civil cujas dívidas superam os bens pessoais.
Por fim, os vocábulos ―falimentar‖ e ―falencial‖ também podem ser utilizados
para designar a falência e o respectivo processo.
3. Princípios do processo falimentar
O processo falimentar é norteado pelos princípios da celeridade e da
economia processual (art. 75, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005). Aliás, mais
do que princípios do processo falimentar, os princípios da celeridade e da
861
É preciso reconhecer, entretanto, que a doutrina clássica ensina que o termo ―bancarrota‖ significa falência fraudulenta: cf. Rubens Requião. Curso de direito falimentar. Volume I, 14ª ed., 1991, p. 3 e 4. Não obstante, o art. 263 do Código Criminal de 1830 permite sustentar que há sinonímia com o termo ―falência‖. 862
Texto transcrito com a redação original.
352
352
economia são princípios constitucionais norteadores dos processos em geral (arts.
5º, LXXVIII, e 93, inciso XV, ambos da Constituição Federal vigente).
No que tange ao processo falimentar, é possível encontrar a influência dos
princípios da celeridade e da economia processual em vários preceitos da Lei nº
11.101/2005. Por exemplo, o art. 79 assegura a preferência863 de julgamento das
ações, dos incidentes e dos recursos relativos à falência em todos os graus de
jurisdição, em razão da celeridade que marca o processo falimentar. Já a
economia processual é encontrada no art. 80, preceito segundo o qual os créditos
incluídos no Quadro-Geral de Credores durante a recuperação judicial já são
considerados habilitados na falência. Outro exemplo de incidência do princípio da
economia processual reside na segunda parte do § 3º do art. 159, em virtude da
possibilidade da declaração da extinção das obrigações do falido na própria
sentença de encerramento da falência, sem a necessidade da prolação de
sentença específica para a reabilitação.
4. Distribuição imediata e obrigatória
Além da distribuição imediata garantida às ações em geral à vista do inciso
XV do art. 93 da Constituição Federal vigente, a distribuição da ação falimentar
também é obrigatória. Por conseguinte, o disposto no art. 257 do Código de
Processo Civil não alcança a ação falimentar, porquanto prevalece o preceito
específico, qual seja, o art. 78, caput, da Lei nº 11.101/2005, segundo o qual a
distribuição é obrigatória, vale dizer, a distribuição da falência não está sujeita ao
pagamento de custas iniciais. À luz da combinação do art. 84, inciso III, in fine,
com o art. 149, caput, ambos da Lei nº 11.101/2005, as custas processuais
somente são pagas depois da arrecadação dos bens e da realização do ativo e
das restituições, quando são pagos os créditos extraconcursais.
863
O art. 79 da Lei nº 11.101, entretanto, deve ser interpretado conforme a Constituição Federal, porquanto as ações constitucionais de habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e ação popular têm preferência em relação à ação de falência.
353
353
5. Juízo competente
À vista do art. 3º da Lei nº 11.101/2005, é competente para processar e
julgar a falência o juízo cível ou empresarial existente na comarca do local do
―principal estabelecimento‖ do empresário individual ou da sociedade empresária
nacional. Trata-se de competência absoluta864, a qual pode ser declarada de ofício
pelo juiz, bem como pode ser suscitada na contestação ou veiculada a qualquer
tempo mediante simples petição.
No que tange ao conceito de ―principal estabelecimento‖, não importa o
indicado no contrato ou no estatuto, conforme o caso, mas, sim, o estabelecimento
no qual reside o comando da atividade empresarial, ainda que não seja o maior do
ponto de vista físico. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 465 aprovado
na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―Para fins do
Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem
as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro
público‖865.
Já em relação às sociedades empresárias estrangeiras, a competência é do
juízo do local da filial existente no país, ex vi do art. 3º, in fine, da Lei nº
11.101/2005.
864
De acordo, na jurisprudência: ―FALÊNCIA. FORO DO ESTABELECIMENTO PRINCIPAL DO DEVEDOR. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. Conforme prescrição expressa no art. 7º do Decreto-Lei nº 7.661/45, bem como no art. 3º da nova Lei de Falências – Lei nºº 11.101/05 -, o foro competente para declaração da falência é aquele onde o devedor mantém o seu principal estabelecimento.‖ (AGI nº 2004.00.2.003330-5, Acórdão registrado sob o nº 218.531, 2ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 4 de agosto de 2005, 63). ―- A competência do juízo falimentar é absoluta.‖ (CC nº 37.736/SP, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 16 de agosto de 2004). Ainda em sentido semelhante, também na jurisprudência: RE nº 98.928/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 12 de agosto de 1983, p. 11.766. 865
No mesmo diapasão, na jurisprudência: ―II - Consoante entendimento jurisprudencial, respaldado em abalizada doutrina, ‗estabelecimento principal é o local onde a atividade se mantém centralizada‘, não sendo, de outra parte, ‗aquele a que os estatutos conferem o título principal, mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor‘.‖ (CC nº 32.988/RJ, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 269). De acordo, também na jurisprudência: CJ nº 6.025/SP, Pleno do STF, Diário da Justiça de 18 de fevereiro de 1977, Revista Trimestral de Jurisprudência, volume 81, p. 705. Por fim, ainda na jurisprudência: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE FALÊNCIA. COMPETÊNCIA. SEDE DESIGNADA NOS ESTATUTOS. PREVALÊNCIA DO PRINCIPAL ESTABELECIMENTO. I - É competente para declarar a falência o juízo do local em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil. Inteligência do art. 3° da Lei n° 11.101/2005. II - Consoante entendimento jurisprudencial, respaldado em abalizada doutrina, ‗estabelecimento principal é o local onde a atividade se mantém centralizada‘, não sendo, de outra parte, ‗aquele a que os estatutos conferem o título principal, mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor‘ (CC 32.988/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, SEGUNDA SEÇÃO‘. III – Deu-se provimento.‖ (AGI nº 2007.00.2.007081-3, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 30 de agosto de 2007, p. 106).
354
354
Por fim, a distribuição da ação de falência previne a competência do juízo
para qualquer outro pedido de falência relativo ao mesmo empresário individual ou
à mesma sociedade empresarial (art. 6º, § 8º, da Lei nº 11.101/2005)866.
6. Juízo universal da falência
Em regra, as ações sobre bens, negócios e interesses em geral do
empresário individual e da sociedade empresária também são processadas
perante o juízo da falência, o qual é universal. Com efeito, além da ação de
falência, o juízo falimentar tem competência para a generalidade das ações
relacionadas aos bens, negócios e interesses do empresário individual e da
sociedade empresária. É a regra extraída do proêmio do art. 76 da Lei nº
11.101/2005.
7. Distribuição por dependência das ações sujeitas ao juízo universal da
falência
Na esteira da ação de falência, as inúmeras ações conexas devem ser
distribuídas no mesmo juízo da falência, por dependência ao processo falimentar
já instaurado (art. 78, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005). A ação de
retificação do art. 10, § 6º, a ação de responsabilização do art. 82, a ação de
restituição do art. 85, a ação de embargos de terceiro do art. 93, a ação de
recuperação judicial dos arts. 95 e 96, inciso VII, a ação revocatória dos arts. 130
e 132, a ação de prestação de contas do art. 154 e a ação de reabilitação do art.
159, por exemplo, devem ser propostas no juízo da falência e distribuídas por
dependência ao processo falimentar.
Ainda em relação às ações conexas, o administrador judicial nomeado pelo
juiz no processo falimentar deve ser intimado para participar de todas as ações,
866
Assim, na jurisprudência: AGI nº 2005.00.2.007098-9, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 7 de março de 2006, p. 90: ―1. A fixação da competência para o conhecimento e julgamento de ações falimentares se opera quando da distribuição da primeira ação manejada com esse mister, estando prevento o juízo que primeiro cuidou da matéria‖.
355
355
sob pena de nulidade dos respectivos processos (art. 76, parágrafo único, com o
reforço do art. 22, inciso III, alínea ―c‖).
8. Exceções ao juízo universal da falência
O art. 76 da Lei nº 11.101 indica as ações que não são processadas
perante o juízo da falência, porquanto a regra da universalidade não é absoluta.
Em primeiro lugar, a combinação do art. 6º, § 2º, segunda parte, com o art.
76 da Lei nº 11.101 revela que as ações de natureza trabalhista não são
processadas perante o juízo falimentar, ainda que ajuizadas depois da decretação
da falência. À vista do art. 114 da Constituição Federal, a competência é da
Justiça do Trabalho.
Por força da combinação do art. 6º, § 7º, com o art. 76, ambos da Lei nº
11.101, as ações de execução fiscal e de embargos à execução fiscal também
não são processadas perante o juízo da falência. Em reforço, o art. 187 do Código
Tributário Nacional e os arts. 5º e 29 da Lei nº 6.830 estabelecem que a cobrança
judicial do crédito tributário não está sujeita a concurso de credores nem
habilitação na falência. Com efeito, como as execuções fiscais e as correlativas
ações de embargos não são da competência do juízo da falência, devem ser
distribuídas segundo os princípios da alternatividade, do sorteio e da
publicidade867 perante os juízos especializados da Fazenda Pública ou, na falta
dos mesmos, entre os juízos cíveis, sem dependência alguma ao processo
falimentar868. Nada impede, entretanto, que a pessoa jurídica de direito público
interno titular do crédito tributário opte pela habilitação do mesmo no processo
falimentar, quando fica sujeita ao juízo da falência869.
867
Cf. arts. 252 e 256 do Código de Processo Civil. 868
Assim, na jurisprudência: ―CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA DA EXECUTADA. A teor do disposto no art. 187, do Código Tributário Nacional e na Lei de Execuções Fiscais, não há obrigação, por parte da Fazenda Pública, em habilitar-se perante o juízo universal da falência, uma vez que a cobrança judicial de crédito tributário não está sujeita ao concurso de credores. Precedentes jurisprudenciais. CONFLITO ACOLHIDO.‖ (CC nº 70014787964, 5ª Câmara Cível do TJRS, Diário da Justiça de 31 de maio de 2007). 869
Assim, na jurisprudência: ―CRÉDITO TRIBUTÁRIO. HABILITAÇÃO NA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO. 1- O crédito tributário – cuja cobrança judicial se faz por meio de procedimento próprio, a execução fiscal – não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência. 2- No entanto, poderá a
356
356
Também não compete ao juízo da falência processar as ações não
reguladas pela Lei nº 11.101, quando movidas pelo empresário individual, pela
sociedade empresária ou pelos sócios com responsabilidade ilimitada, na
qualidade de autor ou de litisconsórcio ativo (art. 76, caput, in fine). Com efeito, as
ações propostas pelo empresário individual, pela sociedade empresária ou pelos
sócios com responsabilidade ilimitada não são da competência do juízo da
falência870.
Salvo a ação de falência, não compete ao juízo falimentar processar e
julgar as ações em geral nas quais a União, as autarquias e as empresas públicas
federais participam na qualidade de autoras, rés, opoentes ou assistentes, ainda
que movidas contra o empresário individual ou a sociedade empresária em regime
falimentar. À vista do art. 109, inciso I, da Constituição, trata-se de competência da
Justiça Federal871.
Não obstante, as ações trabalhistas, fiscais e cíveis processadas fora do
juízo da falência são acompanhadas pelo administrador judicial, o qual deve ser
intimado, sob pena de nulidade dos respectivos processos (art. 76, parágrafo
único, com o reforço do art. 22, inciso III, alínea ―c‖, da Lei nº 11.101/2005).
Sob outro prisma, as ações penais também não são da competência do
juízo da falência (art. 183 da Lei nº 11.101/2005). Com efeito, compete ao juízo
criminal conhecer da ação penal pelos crimes previstos na Lei nº 11.101/2005. A
ação penal só é processada perante o mesmo juízo da falência nas comarcas de
interior com vara única. Nas demais comarcas, a ação penal é processada perante
o juízo criminal.
Fazenda Pública optar pela habilitação de seu crédito na falência, caso em que a competência para eventual impugnação será do juízo falimentar. 3 - Agravo provido‖ (AGI nº 2008.00.2.001657-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 2 de abril de 2008, p. 110). 870
A propósito, merece ser prestigiada a lição do Professor Waldo Fazzio Júnior: ―A lei não menciona, mas também prosseguem contra o devedor mesmo as ações tangentes com o direito de família (ação de divórcio, de nulidade matrimonial etc), visto que personalíssimas.‖ (Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 648). 871
Assim, na jurisprudência: ―COMPETÊNCIA. CONFLITO. AÇÃO AJUIZADA POR EMPRESA PÚBLICA FEDERAL CONTRA MASSA FALIDA. PRECEDENTES DA SEÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. — Não se tratando de causa de falência, assim entendida aquela em que se pede a decretação da quebra ou é regulada pela lei respectiva, a competência para as ações em que figure como autora, ré, assistente ou opoente a União, autarquia ou empresa pública federal, é da Justiça Federal, ainda que movimentada contra massa falida.‖ (CC nº 16.115/RS, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 24 de fevereiro de 2003, p. 179).
357
357
Por fim, as ações que versam sobre quantia ilíquida iniciadas antes da
falência têm prosseguimento no mesmo juízo no qual foram propostas, ainda que
movidas contra o empresário individual ou a sociedade empresária (art. 6º, § 1º,
da Lei nº 11.101/2005)872. Com a superveniência da falência, o administrador
judicial assume a representação judicial da massa falida, no juízo original no qual
a ação tramita, sem deslocamento para o juízo falimentar (art. 22, inciso III, alínea
―c‖, da Lei nº 11.101/2005).
9. Legitimados ativos para a falência
A falência do empresário individual ou da sociedade empresária pode ser
requerida por qualquer um dos legitimados arrolados no art. 97 da Lei nº
11.101/2005.
Em primeiro lugar, há a possibilidade da denominada autofalência,
porquanto o empresário individual e a sociedade empresária podem requerer as
respectivas falências (arts. 97, inciso I, 105 a 107).
O cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro e o inventariante do processo de
inventário do empresário individual também têm legitimidade ativa para o
requerimento da falência do espólio do empresário individual falecido (art. 97,
inciso II). Com efeito, o espólio do empresário individual falecido cujo passivo
supera o ativo é rateado mediante processo de falência, segundo a classificação
dos créditos e o princípio da par conditio creditorum (arts. 97, inciso II, e 125,
todos da Lei nº 11.101/2005). O requerimento de falência, entretanto, não pode
872
Em abono, na doutrina: ―Em cinco hipóteses, contudo, abrem-se exceções ao princípio da universalidade do juízo falimentar: omissis; b) ações que demandam quantia ilíquida, independentemente da posição da massa falida na relação processual, também não são atraídas pelo juízo universal da falência, caso já estivessem em tramitação ao tempo da decretação desta; nesse caso, elas continuam se processando no juízo no qual haviam sido distribuídas; imagine que o culpado pelo acidente de trânsito era o motorista empregado da sociedade empresária e que a ação de indenização proposta pela vítima já corria quando foi decretada a falência da demandada; como se trata de ação referente a quantia ilíquida, o juízo falimentar não terá força atrativa.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 262 e 263).
358
358
ser apresentado após um ano do falecimento do empresário individual (art. 96, §
1º, in fine)873.
Os cotistas e acionistas de sociedade empresária também têm legitimidade
para o requerimento da falência, na forma da lei, do estatuto ou do contrato social
(art. 97, inciso III).
À vista do art. 97, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005, tanto o credor civil
quanto o credor empresário podem requerer a falência do empresário individual ou
da sociedade empresária. Sem dúvida, o credor civil também tem legitimidade
ativa para a propositura da ação falimentar. Em abono, vale conferir o preciso
enunciado nº 47 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―O credor não
comerciante pode requerer a quebra do devedor‖874.
Vale ressaltar que cada credor – civil ou empresário – tem legitimidade ativa
por si só. Não há necessidade, portanto, de pluralidade de credores para que a
ação falimentar seja admissível. Daí o acerto do enunciado nº 44 da Súmula do
Tribunal de Justiça de São Paulo: ―A pluralidade de credores não constitui
pressuposto da falência‖.
No que tange especificamente ao credor empresário, o pedido de
decretação da falência deve ser instruído com a certidão comprobatória da
regularidade da atividade empresarial do requerente, obtida perante a Junta
Comercial875.
Já o credor domiciliado no exterior deve cumprir o disposto nos arts. 97, §
2º, e 101, ambos da Lei nº 11.101/2005: o pedido de decretação da falência
depende da prestação de caução, para a eventualidade de condenação do autor
ao pagamento de indenização por requerimento doloso, além das custas
873
À vista do art. 983 do Código de Processo Civil, o processo de inventário deve ser iniciado dentro de sessenta dias da abertura da sucessão e deve ser concluído nos doze meses subsequentes. 874
De acordo com o texto do parágrafo, na jurisprudência: REsp nº 237.419/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de julho de 2004. 875
Cf. art. 97, § 1º, da Lei nº 11.101, de 2005, combinado com o proêmio do art. 1.150 do Código Civil de 2002.
359
359
processuais876. Trata-se de caução similar à prevista no art. 835 do Código de
Processo Civil, denominada cautio pro expensis e cautio iudicatum solvi877.
O credor domiciliado no exterior deve oferecer a caução já na petição inicial
da falência. Na eventualidade de omissão, o autor deve ser intimado para prestar
a caução, ex vi do art. 284 do Código de Processo Civil, combinado com o art. 189
da Lei nº 11.101/2005. Se a omissão subsistir, o juiz deve indeferir a petição inicial
da falência, por meio de sentença.
Embora a Lei nº 11.101/2005 seja omissa em relação ao montante da
caução, o artigo 18 do Código de Processo Civil pode ser aplicado por analogia,
com destaque para o § 2º, motivo pelo qual cabe ao juiz exigir a prestação de
caução correspondente a vinte por cento do valor objeto da falência.
Ainda em relação à admissibilidade de falência acionada por credor,
prevalece o entendimento segundo o qual a Fazenda Pública credora não tem
legitimidade nem interesse processual para ajuizar falência em face de empresário
e de sociedade empresária devedores, tendo em vista a previsão de processo
especial na Lei nº 6.830/1980 para a cobrança dos respectivos créditos. Daí a
justificativa para a aprovação do enunciado nº 56 na Jornada de Direito Comercial
do Conselho da Justiça Federal: ―56. A Fazenda Pública não possui legitimidade
ou interesse de agir para requerer a falência do devedor empresário‖878.
Por fim, além dos legitimados arrolados no art. 97 da Lei nº 11.101/2005, há
outros legitimados ativos por força de leis especiais. Por exemplo, os arts. 12 e 21 876
De acordo, na jurisprudência: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO - REQUERIMENTO DE FALÊNCIA – CREDOR NÃO DOMICILIADO NO BRASIL - PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 97, §2º, LEI 11.101/05 - RECURSO IMPROVIDO. - O credor que requer a falência de empresa brasileira terá, conforme dispõe o art. 97, §2º, da lei de falências, que prestar caução a título de eventual indenização decorrente do art. 101 da mesma lei.‖ (Agravo nº 1.0035.10.017011-3/001, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 19 de julho de 2011). 877
De acordo, na doutrina: ―Os arts. 835 a 838 tratam de uma caução especial, a cautio judicatum solvi, exigida do autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, para garantia das custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhe assegurem o pagamento. Idêntica caução é exigida do credor que não tenha domicílio no Brasil para requerer a falência (art. 97, § 2º, da Lei Falimentar).‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 19ª ed., 2008, p. 193 e 194). 878
Assim, na jurisprudência: ―FALÊNCIA. LEGITIMIDADE. FAZENDA PÚBLICA. A Fazenda Pública não tem legitimidade para requerer a falência.‖ (REsp nº 138.868/MG, 4ª Turma do STJ). ―É defeso à Fazenda Pública cobrar seus créditos fiscais através do processo falimentar, pois a ela são conferidos diversos privilégios que dispensam e suplantam esta necessidade, ocorrendo, ‗in casu‘, a falta de interesse de agir e a ilegitimidade ativa para a causa.‖ (Apelação nº 000.246.591-2/00, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 1º de outubro de 2002).
360
360
da Lei nº 6.024/1976 conferem legitimidade ativa ao interventor e ao liquidante
para o ajuizamento de falência em face de instituição financeira privada e de
cooperativa de crédito, após prévia autorização do Banco Central.
10. Causas de pedir da falência
O art. 94 arrola inúmeras causas que autorizam a decretação da falência do
empresário individual ou da sociedade empresária, quais sejam: impontualidade
injustificada, execução frustrada e atos de falência.
10.1. Impontualidade injustificada: inteligência do inciso I do art. 94 da Lei nº
11.101
Com efeito, a primeira causa de pedir reside na impontualidade
injustificada, isto é, a falta de pagamento de obrigação líquida proveniente de título
protestado cujo valor supera o equivalente a quarenta salários mínimos, sem
relevante razão de direito879. É líquida a obrigação de valor determinado
proveniente de título executivo judicial ou extrajudicial880 (arts. 475-N e 585 do
Código de Processo Civil). Não obstante, ainda que líquidos, créditos provenientes
de obrigações a título gratuito e eventuais despesas881 realizadas para
reconhecimento de crédito não autorizam a propositura da ação falimentar (arts. 5º
e 94, § 2º, da Lei nº 11.101/2005).
879
São exemplos de falta de pagamento por relevante razão de direito: — queda das ações da sociedade anônima na Bolsa de Valores em razão de crise econômica internacional; — restrições internacionais às mercadorias nacionais produzidas pela sociedade empresária acionada; — bloqueio governamental de ativos do empresário individual ou da sociedade empresária; — liquidação extrajudicial do banco no qual estão depositados os respectivos ativos (os últimos dois exemplos são de autoria do Professor Fábio Ulhoa Coelho). 880
Como os títulos de crédito insertos no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Assim, na jurisprudência: Apelação nº 2004.01.1.107170-5, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de março de 2007, p. 80: ―– O pagamento parcial da dívida não pode afastar o direito de ajuizar pedido de falência, com base em cheque devolvido por insuficiência de fundos, pois o mesmo configura título líqüido, certo e inexigível‖. Em contraposição, títulos de crédito prescritos não autorizam a propositura da falência, em razão da perda do atributo da executividade: ―O cheque prescrito não é título hábil para embasar o pedido de falência, assim como a duplicata sem aceite, protestada, mas sem a necessária prova da efetiva prestação de serviços. Precedentes.‖ (Apelação nº 2004.01.1.068011-4, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 21 de março de 2006, p. 106). 881
Por exemplo, com honorários advocatícios, com perito judicial.
361
361
No que tange ao valor mínimo para a imediata propositura da ação
falimentar, é possível a formação de litisconsórcio ativo de credores, com a soma
dos respectivos créditos, a fim de alcançar quantia superior ao piso de quarenta
salários mínimos (art. 94, § 1º, da Lei nº 11.101/2005).
A petição inicial da falência deve ser instruída com o título executivo
original; no lugar do título executivo original, entretanto, é igualmente admissível a
juntada da respectiva reprodução autenticada em juízo882.
Ainda em relação à petição inicial da falência, também deve ser instruída
com o instrumento comprobatório do protesto, em razão do disposto no art. 94, §
3º, da Lei nº 11.101/2005, e no art. 23, parágrafo único, da Lei nº 9.492/1997. Com
efeito, a petição da ação falimentar precisa ser acompanhada do ―protesto
especial‖ ou ―protesto falimentar‖, previsto no parágrafo único do art. 23 da Lei nº
9.492/1997, ou pelo menos do protesto comum, consoante autoriza o enunciado
nº 41 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―O protesto comum
dispensa o especial para o requerimento de falência‖.
Tanto no protesto falimentar quanto no protesto comum, todavia, a validade
da notificação depende da identificação da pessoa que a receber no
estabelecimento empresarial, como bem revelam o enunciado nº 361 da Súmula
do Superior Tribunal de Justiça e o enunciado nº 52 da Súmula do Tribunal de
Justiça de São Paulo, respectivamente: ―A notificação do protesto, para
requerimento de falência da empresa devedora, exige a identificação da pessoa
que a recebeu‖; ―Para a validade do protesto basta a entrega da notificação no
estabelecimento do devedor e sua recepção por pessoa identificada‖.
Não obstante, há lugar para cautelar de sustação protesto com esteio no
art. 17 da Lei nº 9.492/1997, para impedir a lavratura do protesto indispensável
para a propositura da ação de falência fundada na impontualidade, quando existir
justo motivo para a não realização do pagamento883.
882
Cf. art. 9º, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005. 883
Em sentido conforme, na doutrina: ―São freqüentes, por exemplo, as cauções fixadas em ações cautelares de sustação de protesto, com liminar inaudita altera parte‖. ―Na sustação de protesto, em regra a caução é exigida para demonstrar a solvência do requerente, mormente quando se trata de empresa que pode postular
362
362
10.2. Execução frustrada: inteligência do inciso II do art. 94 da Lei nº 11.101
A segunda causa de pedir da ação falimentar é a execução frustrada, assim
considerada a falta de pagamento dentro do prazo legal de três dias pelo
executado, somada à ausência de bens penhoráveis, em execução por quantia
líquida movida contra o empresário individual ou a sociedade empresária,
conforme o caso884-885.
Com efeito, decorrido o prazo de três dias, o oficial de justiça efetua a
penhora de bens (art. 652, § 1º, do Código de Processo Civil). Não encontrados
bens penhoráveis pelo oficial, o juiz, de ofício ou a requerimento do exeqüente,
pode determinar a intimação do executado, para indicar bens passíveis de
penhora (arts. 600, inciso IV, e 652, § 3º, do Código de Processo Civil). Na falta de
bens penhoráveis, suspende-se o processo executivo civil (art. 791, inciso III, do
Código de Processo Civil). Diante da execução frustrada, há lugar para a
propositura da falência pelo exeqüente, após a obtenção de certidão
comprobatória da frustração da execução civil perante o juízo competente (art. 94,
§ 4º, da Lei nº 11.101/2005)886.
Ainda a respeito da segunda causa de pedir, a ação de falência proveniente
de execução frustrada independe do valor da obrigação líquida, a qual pode até
ser inferior ao piso legal de quarenta salários mínimos do inciso I do art. 94 da Lei
nº 11.101/2005. Com efeito, frustrada a execução, há lugar para a falência, a medida para impedir o ajuizamento de pedido de quebra ou a retroação dos termos legais desta.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 290). 884
Cf. art. 94, inciso II, da Lei nº 11.101/2005, combinado com o art. 652, caput, do Código de Processo Civil, com a redação conferida pela Lei nº 11.328/2006. 885
Em abono, na jurisprudência: ―APELAÇÃO – PEDIDO DE FALÊNCIA – EXECUÇÃO FRUSTRADA – AUSÊNCIA DE REQUISITO ESSENCIAL - CITAÇÃO – PESSOA JURÍDICA – REPRESENTANTE PROCESSUAL. 1. Para decretação da falência com fundamento no art. 94, inciso II, da Lei 11.101/2005, faz-se necessário que a empresa, devidamente citada na pessoa do representante legal, não tenha pago, depositado ou indicado bens em valor suficiente ao adimplemento da obrigação executada.‖ (Apelação nº 2006.01.1.026514-2, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 5 de setembro de 2007, p. 144). 886
Em sentido semelhante, na jurisprudência: ―É possível o pedido de certidão falimentar quando evidenciada a inadimplência da devedora (art. 94 da Lei nº 11.101/05).‖ (ÀGI nº 2007.00.2.008520-4, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de setembro de 2007, p. 95). Colhe-se do didático voto condutor proferido pelo Desembargador-Relator: ―Evidenciou-se a inadimplência da agravante, pois, não obstante a determinação pelo magistrado de origem para o cumprimento da obrigação de pagar quantia certa ou indicar bens à penhora, permaneceu a mesma inerte. Foi, ainda, requerido pelo agravado e autorizado o bloqueio via Bacen Jud, sem a obtenção de êxito. Logo, o pedido de certidão falimentar está em consonância com o disposto no §4º do art. 94 da Lei n º 11.101/05‖.
363
363
independentemente do valor objeto da execução. Em abono, vale conferir o
preciso enunciado nº 39 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No
pedido de falência fundado em execução frustrada é irrelevante o valor da
obrigação não satisfeita‖.
Além dos requisitos gerais previstos nos arts. 282 e 283 do Código de
Processo Civil, bem assim nos §§ 1º e 2º do art. 97 da Lei nº 11.101/2005, a
petição inicial da falência fundada no inciso II do art. 94 deve ser instruída com
certidão expedida no juízo da execução (art. 94, § 4º, da Lei nº 11.101/2005). A
execução individual proposta contra o empresário individual ou a sociedade
empresária à luz do Código de Processo Civil, entretanto, fica suspensa com a
decretação da falência, até a ulterior prolação da sentença de encerramento do
processo falimentar (arts. 6º, caput, 99, inciso V, e 157, da Lei nº 11.101/2005,
combinados com o art. 265, inciso IV, alínea ―a‖, do Código de Processo Civil)887.
Por fim, não há necessidade de protesto para a propositura da ação de
falência fundada na causa arrolada no inciso II888 do art. 94 da Lei nº 11.101/2005,
porquanto o § 3º do art. 94 exige o protesto falimentar apenas na quebra requerida
com esteio no inciso I. Com igual conclusão, vale conferir o preciso enunciado nº
50 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No pedido de falência com
fundamento na execução frustrada ou nos atos de falência não é necessário o
protesto do título executivo‖.
887
Em abono, ainda que na jurisprudência construída à luz do anterior Decreto-lei nº 7.661, de 1945: ―EXECUÇÃO. PEDIDO DE FALÊNCIA SUPERVENIENTE FORMULADO COM ARRIMO NO ART. 2º, INC. I, DA LEI DE QUEBRAS. SUSPENSÃO DO PROCESSO EXECUTIVO. EXTINÇÃO DO FEITO AFASTADA. É permitido ao credor requerer a suspensão do processo de execução, quando por ele ajuizado pedido de falência contra o executado comerciante nos termos do art. 2º, inc. I, do Dec. Lei nº 7.661, de 21.06.45. Recurso especial conhecido pela letra ‗c‘ e provido.‖ (REsp nº 146.648/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de junho de 1998). Ainda no mesmo sentido: ―A execução contra devedor falido fica suspensa desde que seja declarada a falência até o seu encerramento.‖ (REsp nº 196.303/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de setembro de 2002). ―III – Aforado pelo credor exeqüente o requerimento de falência, a execução singular ajuizada deverá pelo menos ficar suspensa, sendo viciados os atos que nela vierem a ter lugar a partir de então.‖ (REsp nº 6.782/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 22 de março de 1993). 888
A respeito da dispensa do protesto falimentar quando a quebra é requerida com esteio no inciso II do art. 94 da Lei nº 11.101, de 2005, na jurisprudência: ―2 - O pedido de falência fundado em título executivo judicial pode ser instruído apenas com a certidão do juízo da execução, sendo dispensável o protesto especial para fins de falência. Não há porque exigir-se o protesto especial de um título judicial, porquanto, em sede de execução, a inadimplência e o descumprimento da obrigação já são suficientemente provadas.‖ (AGI nº 2006.00.2.012704-5, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2007, p. 253).
364
364
10.3. Atos de falência: inteligência do inciso III do art. 94 da Lei nº 11.101
A terceira e última causa de pedir reside na prática de algum ato de falência
arrolado na Lei nº 11.101/2005. Trata-se, na verdade, de amplo rol de atos que
não versam sobre impontualidade nem execução frustrada, mas que igualmente
permitem a decretação da falência.
Com efeito, salvo quando constar do plano de recuperação judicial, a
prática de algum dos atos arrolados no inciso III do art. 94 autoriza a decretação
da falência, independentemente da impontualidade do empresário individual ou da
sociedade empresária. Eis os atos que também ensejam a decretação da falência:
liquidação precipitada dos ativos ou utilização de meios ruinosos ou fraudulentos
para a realização de pagamentos por parte do empresário individual ou da
sociedade empresária (art. 94, inciso III, letra ―a‖); realização de negócio simulado
ou alienação de ativos, para retardar pagamentos ou fraudar credores (art. 94,
inciso III, alínea ―b‖); transferência ou simulação de transferência do
estabelecimento empresarial (art. 94, inciso III, letras ―c‖ e ―d‖); concessão ou
reforço de garantia em prol de algum credor, em prejuízo dos demais (art. 94,
inciso III, alínea ―e‖); abandono do estabelecimento empresarial ou do domicílio
pessoal (art. 94, inciso III, letra ―f‖); descumprimento de obrigação assumida no
plano de recuperação judicial (art. 94, inciso III, alínea ―g‖, combinado com o art.
73, inciso IV).
Em qualquer caso arrolado no inciso III do art. 94, a petição inicial deve
conter a descrição analítica do ato ilegal, a especificação das provas a serem
produzidas, bem como já deve ser instruída com as provas documentais
disponíveis no momento da propositura da ação falimentar (art. 94, § 5º, da Lei nº
11.101/2005).
Por fim, também não há necessidade de protesto para a propositura da
ação de falência fundada em ato de falência previsto no inciso III do art. 94 da Lei
nº 11.101/2005, porquanto o § 3º do art. 94 exige o protesto falimentar apenas na
quebra requerida com esteio no inciso I. Com igual conclusão, vale conferir o
preciso enunciado nº 50 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No
365
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pedido de falência com fundamento na execução frustrada ou nos atos de falência
não é necessário o protesto do título executivo‖.
11. Emenda da petição inicial
Se a petição inicial contiver algum defeito passível de correção (por
exemplo, ausência de indicação das provas), o juiz deve conceder ao autor o
prazo de dez dias para a emenda da inicial, tal como dispõe o art. 284 do Código
de Processo Civil, aplicável ao processo falimentar à vista do art. 189 da Lei nº
11.101/2005.
12. Citação, contestação e depósito elisivo
12.1. Citação para contestar em dez dias
Após a admissão da petição inicial pelo juiz da falência, há a citação do
empresário individual, da sociedade empresária e até dos sócios com
responsabilidade ilimitada, com a abertura de prazo de dez dias para a
contestação à ação falimentar (arts. 81, caput, e 98, caput, ambos da Lei nº
11.101/2005)889.
12.2. Formas de citação no processo falimentar
A citação na falência é realizada à vista dos arts. 221 a 231 do Código de
Processo Civil. Em regra, a citação é feita por oficial de justiça, mas também é
admissível a citação por edital, como bem revela o preciso enunciado nº 51 da
Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No pedido de falência, se o devedor
não for encontrado em seu estabelecimento será promovida a citação editalícia
889
Não há citação nem contestação na hipótese de autofalência, isto é, quando o pedido de falência é formulado à luz do art. 105, pelo próprio empresário individual ou pela sociedade empresária.
366
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independentemente de quaisquer outras diligências‖890. Na eventualidade de o réu
citado por edital permanecer revel, o juiz deve nomear curador especial, nos
termos do art. 9º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo falimentar por
força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005. Em abono, vale conferir o preciso
enunciado nº 38 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No pedido de
falência, feita citação por editais e ocorrendo a revelia é necessária de curador
especial ao devedor‖.
Por fim, vale ressaltar que não é admissível a citação pelo correio, em
razão da restrição contida na alínea d do art. 222 do Código de Processo Civil,
porquanto a falência é verdadeira espécie de processo de execução.
12.3. Contagem do decêndio legal
A contagem do prazo de dez dias para a contestação segue o disposto nos
arts. 184, 240 e 241 do Código de Processo Civil, aplicáveis ao processo
falimentar por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005.
Em contraposição, o art. 191 do Código de Processo Civil não é aplicável
ao processo falimentar, por ser incompatível com o princípio da celeridade
processual consagrado no parágrafo único do art. 75 da Lei nº 11.101/2005. Daí o
acerto do enunciado nº 58 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―Os
prazos previstos na lei nº 11.101/2005 são sempre simples, não se aplicando o
artigo 191, do Código de Processo Civil‖.
12.4. Possibilidade de depósito elisivo
Se a causa de pedir da falência versar sobre impontualidade injustificada
(inciso I do art. 94) ou execução frustrada (inciso II do art. 94)891, o réu pode
890
De acordo, na jurisprudência: ―II – Não encontrada a empresa no domicílio constante de seus cadastros, válida é a citação por edital.‖ (REsp nº 63.669/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de junho de 2002, p. 254). 891
A despeito da explícita restrição legal prevista no parágrafo único do art. 98 da Lei nº 11.101, de 2005, autorizada doutrina sustenta outra interpretação dos preceitos, em prol da admissibilidade do depósito elisivo até mesmo quando há ato de falência, nas hipóteses do inciso III do art. 94 da Lei nº 11.101, de 2005: ―Embora a lei não preveja expressamente, deve ser admitido o depósito elisivo também nos pedidos de credor
367
367
efetuar o depósito elisivo892 do valor da dívida, com o acréscimo de correção
monetária, juros e honorários advocatícios, dentro do prazo de dez dias para a
contestação (art. 98, parágrafo único). A respeito do tema, merece ser prestigiado
o enunciado nº 29 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―No pagamento em
juízo para elidir falência, são devidos correção monetária, juros e honorários de
advogado‖. Reforça o preciso enunciado nº 1 da Súmula do Tribunal de Justiça do
Mato Grosso do Sul: ―Nos casos de elisão de falência pelo depósito da quantia
devida com finalidade de efetuar o pagamento, cabe a condenação do devedor em
honorários advocatícios, bem como a atualização do débito mediante correção
monetária, a partir do vencimento do título, na forma da Lei nº 6.889/81‖893.
Além da hipótese consubstanciada no depósito elisivo integral (isto é, do
principal e das verbas acessórias), a decretação da falência também não tem
lugar quando o réu apresenta contestação fundada em alguma das defesas
arroladas no art. 96 da Lei nº 11.101/2005, com a respectiva comprovação do
alegado. Com efeito, não há a decretação da falência requerida com base no art.
94, inciso I, quando o réu contesta e prova a falsidade do título, a ocorrência de
prescrição, a nulidade da obrigação ou do título, o pagamento da dívida, a
ocorrência de qualquer outro fato extintivo ou suspensivo da obrigação ou da
respectiva cobrança, a existência de vício no protesto ou no respectivo
instrumento, a propositura de ação de recuperação judicial, ou a cessação da
atividade empresarial mais de dois anos antes da propositura da falência,
demonstrada mediante documento hábil da Junta Comercial (art. 96, caput e
incisos, da Lei nº 11.101/2005). A propósito do ajuizamento de ação de
recuperação judicial, ainda que não decretada a falência em virtude do
deferimento da recuperação em prol do empresário individual ou da sociedade
fundados em ato de falência, já que ele afasta a legitimidade do requerente. Assegurado, pelo depósito, o pagamento do crédito por ele titularizado, não tem interesse legítimo na instauração do concurso falimentar.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 264 e 265). ―A lei não prevê o depósito elisivo se o fundamento do pedido diz respeito a prática de ato de falência. Mas deve ser admitido também nessa hipótese, porque com o depósito do valor do seu crédito, perde o requerente o interesse na instauração do concurso de credores.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 324). 892
―O depósito elisivo nada mais é do que a possibilidade à falida de evitar o decreto de quebra com base na impontualidade de pagamento.‖ (AGI nº 2005.00.2.010110-1, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 20 de abril de 2006, p. 158). 893
Súmulas. Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, volume 2, São Paulo, 1995, p. 77.
368
368
empresária (art. 96, inciso VII), nada impede a posterior decretação da quebra,
porquanto a concessão da recuperação judicial não afasta a possibilidade da
ulterior convolação da mesma em falência (arts. 73, inciso IV, e 94, inciso III,
alínea ―g‖).
O réu também pode contestar mediante a arguição de preliminar prevista no
art. 301 do Código de Processo Civil, em virtude da incidência do art. 189 da Lei
nº 11.101/2005. Daí a possibilidade de o réu suscitar, por exemplo, a
incompetência absoluta do juízo na contestação à ação falimentar.
O réu, entretanto, não precisa depositar e contestar. O empresário
individual e a sociedade empresária têm a opção entre depositar e também
contestar, depositar e não contestar, ou contestar e não depositar, porquanto as
três alternativas podem evitar a decretação da falência. Basta, portanto, o depósito
integral (do principal e dos acessórios) para elidir a decretação da falência, ainda
que não contestada a ação falimentar. Se o réu apenas contestar, a falência só
não será decretada se alguma defesa veiculada na contestação for acolhida pelo
juiz894.
12.5. Outras respostas
Além da contestação e do depósito elisivo, o réu ainda pode apresentar
outras respostas. Com efeito, também são admissíveis a impugnação ao valor da
causa e as exceções processuais de impedimento e de suspeição, as quais
podem ser veiculadas em petições distintas e devem ser autuadas em apenso
(arts. 261 e 299 do Código de Processo Civil). Quanto ao prazo para a
apresentação das outras respostas admissíveis, deve ser observado o disposto no
art. 98 da Lei nº 11.101/2005, ou seja, o prazo de dez dias, e não o prazo previsto
894
Em abono ao raciocínio sustentado no presente compêndio, há respeitável precedente jurisprudencial: ―II – No prazo da defesa do processo falimentar, três caminhos surgem para o comerciante: a) pagar a quantia cobrada, com os seus consectários, com conseqüente extinção do feito; b) fazer o depósito juntamente com a contestação sobre a validade do crédito, impedindo a decretação de falência e proporcionando uma apuração das alegações das partes pelo juiz; c) simplesmente contestar, sem o mencionado depósito. Destarte, a oferta pura e simples de defesa, desacompanhada de caução, é possível, não obstante seja um risco para a devedora, tendo em vista que o não-acatamento das razões de contestação leva à decretação de sua falência.‖ (REsp nº 30.536/PB, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de março de 1996).
369
369
no art. 297 do Código de Processo Civil, em homenagem aos princípios da
celeridade e da economia processual, consagrados no parágrafo único do art. 75
da legislação específica (Lei nº 11.101/2005).
Por fim, não há previsão de reconvenção no processo falimentar. O réu
pode, entretanto, dentro do prazo de dez dias para a contestação, ajuizar a ação
de recuperação judicial, com a distribuição por dependência ao processo
falimentar (arts. 51, 78, parágrafo único, 95 e 96, inciso VII, todos da Lei nº
11.101/2005).
13. Intimação do Ministério Público na fase pré-falencial: obrigatoriedade
O Presidente da República vetou o art. 4ª do Projeto que deu lugar à Lei nº
11.101/2005. O preceito vetado versaria sobre a obrigatoriedade da intervenção
do Ministério Público nos processos de recuperação judicial e de falência, bem
assim nas ações movidas pela e contra a massa falida. À vista da literalidade da
Lei nº 11.101/2005, o Ministério Público só é intimado da existência do processo
após a decretação da falência (cf. art. 99, inciso XIII).
A despeito do veto presidencial, há séria controvérsia acerca da
necessidade da intimação do representante do Ministério Público já na primeira
fase do processo falimentar, ou seja, antes da decretação da falência. Predomina
a correta tese de que o juiz deve determinar a intimação do Ministério Público já
na fase pré-falimentar, isto é, antes da prolação da decisão de decretação da
quebra, sob pena de nulidade895. De outro lado, entretanto, há respeitável
895
Cf. AGI nº 2006.00.2.013721-9, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 15 de maio de 2007, p. 180: ―DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. SENTENÇA. OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Em virtude do relevante interesse social nessa espécie de demanda, necessária a oitiva do Ministério Público mesmo na fase preliminar, ou seja, antes do decreto de falência (art. 82, III, do Código de Processo Civil). 2. Recurso provido‖. No mesmo sentido: AGI nº 2006.00.2.013013-8, 2ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 21 de junho de 2007, p. 87: ―PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO FALIMENTAR. INTERESSE PÚBLICO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. INDISPENSABILIDADE. OMISSÃO DA LEI ESPECÍFICA (LEI Nº 11.101/05). IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO DA REGRA GERAL (CPC, ART. 82, III). FALÊNCIA. DECRETAÇÃO. SENTENÇA. NULIDADE INSANÁVEL. AGRAVO. INSTRUMENTO. FORMAÇÃO ADEQUADA. Omissis 2. A
falência, redundando na paralisação das atividades da quebrada e na liquidação dos seus ativo e passivo de forma a ser preservado o exercitamento da livre iniciativa de conformidade com os primados que governam o regime capitalista, prevenindo-se que empreendimento desprovido de viabilidade continue operando em detrimento da ordem jurídica e com menosprezo para com o crédito e fé públicos, reveste-se de evidente
370
370
entendimento jurisprudencial contrário à necessidade da intimação do Ministério
Público antes da decretação da falência896.
Ainda que muito respeitável o entendimento contrário, tudo indica que é
necessária a intimação do Ministério Público ainda na fase pré-falencial, para
tomar conhecimento do processo e oferecer parecer na qualidade de fiscal da lei,
antes mesmo da prolação do julgamento acerca da falência, em razão do
interesse público em jogo, porquanto os empregados, os consumidores, o fisco e
até a economia (nacional, regional ou local, conforme o caso) são prejudicados
pela quebra.
Com efeito, o Ministério Público deve ser intimado ainda na fase pré-
falimentar, quando poderá intervir no processo, logo após as manifestações das
partes, mas antes da decisão do juiz, tendo em vista o disposto no art. 83 do
Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005.
interesse público, irradiando essa natureza aos processos falimentares. 3. Conquanto a nova Lei de Falências – Lei nº 11.101/05 – tenha ficado desprovida de disposição específica acerca da indispensabilidade de o Ministério Público ser ouvido nas ações que a têm como estofo, o parquet, valendo-se da legitimação ordinária que lhe é conferida – CPC, art. 82, IIII – ante a natureza das disposições que nela estão impregnadas e do interesse público de que se revestem as ações de insolvência civil e comercial, deve necessariamente delas participar, velando pela correta aplicação do legalmente prescrito, resguardando o direito dos credores e do próprio falido e fiscalizando a atuação do administrador nomeado à massa. 4. Aferido que o itinerário procedimental não fora percorrido de conformidade com o legalmente delineado ante a omissão havida quanto à necessária intervenção do Ministério Público na ação falimentar, o processo resta maculado por vício insanável, afetando, por conseguinte, a intangibilidade da sentença que afirmara a quebra, determinando sua anulação, independentemente da ocorrência de prejuízo para as partes diretamente envolvidas na relação processual, pois da simples omissão havida emerge a nulidade (CPC, arts. 84 e 246). 5. Recurso conhecido e provido. Unânime‖. Também no mesmo sentido: AGI nº 2006.00.2.010808-7, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 17 de abril de 2007, p. 130: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO – FALÊNCIA – MINISTÉRIO PÚBLICO – AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO – NULIDADE. 1. A Lei de Falências em vigor não prevê a intervenção do Ministério Público em todos os atos do procedimento falimentar, mas o parquet deverá ser intimado deste o início do procedimento, mesmo que opte por não se manifestar, por força
do art. 82, inciso III, do Código do Código de Processo Civil. O fiscal da Lei é que dirá se há ou não interesse público. 2. Não se trata de derrubar o veto presidencial ao art. 4º da novel Lei de Falência, mas de reconhecer a presença de interesse público nas ações falimentares e de recuperação judicial, o que implica a impossibilidade de afastar o Ministério Público, já que fiscal da lei e guardião de todos os interesses indisponíveis. 3. Recurso do Ministério Público provido. Recurso da empresa prejudicado‖. 896
Cf. AGI nº 2006.00.2.006521-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 21 de junho de 2007, p. 123: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA. DECISÃO QUE DECRETA A QUEBRA. FALTA DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PRÉ-FALIMENTAR. IRRELEVÂNCIA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Inexiste nulidade na sentença que decretou a falência sem a manifestação prévia do Ministério Público, vez que a nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101, de 09.02.2005) não prevê a atuação ministerial na fase pré-falimentar. 2. Segundo o magistério de FÁBIO ULHOA COELHO (in Comentários à Nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas, Saraiva, 3ª ed., p.
30), ‗O Ministério Público só começa a participar do processo falimentar depois da sentença declaratória da falência. A lei prevê sua intimação apenas no caso de o juiz decretar a quebra do devedor insolvente (art.99, XIII). Durante a tramitação do pedido de falência, não há sentido nenhum em colher sua manifestação‘. 3. Agravo conhecido e improvido‖.
371
371
A ausência de efetiva intervenção do Ministério Público, todavia, não
ocasiona nulidade alguma no processo falimentar, em virtude do veto presidencial
ao art. 4º do projeto que deu lugar à Lei nº 11.101/2005. Para a regularidade do
processo, basta a intimação do promotor de justiça que oficia perante o juízo
competente, independentemente da existência de efetiva intervenção ministerial
no processo falimentar.
14. Decisão de decretação da falência: natureza e recorribilidade
Improcedentes as defesas suscitadas na contestação e inexistente,
insuficiente ou intempestivo o depósito elisivo, o juiz decreta a falência do
empresário individual ou da sociedade empresária.
A rigor, o pronunciamento de decretação da falência não tem natureza de
sentença, nem é apelável. Trata-se de decisão interlocutória agravável, consoante
revelam o parágrafo único do art. 99 e o proêmio do art. 100, ambos da Lei nº
11.101/2005.
Não obstante, autorizada doutrina897 sustenta que há a prolação de
sentença agravável quando o juiz decreta a falência do empresário individual ou
da sociedade empresária, hipótese que é considerada exceção ao binômio
sentença-apelação, segundo o entendimento predominante na literatura
especializada898.
Ainda que muito respeitável a lição da doutrina, o pronunciamento de
decretação da falência não tem natureza de sentença. Trata-se de decisão
interlocutória agravável, consoante revelam o parágrafo único do art. 99 e o
proêmio do art. 100, ambos da Lei nº 11.101/2005. Além da combinação dos
preceitos da Lei nº 11.101, outros motivos também sustentam a conclusão
defendida no presente compêndio: a de que não há a prolação de sentença, mas,
897
Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 267 e 270; Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha. Curso de direito processual civil. 3ª ed., 2007, p. 35, 95, 96 e 97; e Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 735, 736 e 742. 898
Cf. nota anterior.
372
372
sim, de decisão interlocutória, a qual é compatível com o cabimento do recurso de
agravo de instrumento.
No que tange ao argumento de que há resolução de mérito quando o juiz
decreta a falência, sem dúvida, merece ser prestigiado. Não obstante, não é a
existência de resolução de mérito no pronunciamento que revela a sua natureza
jurídica. Tanto que o direito brasileiro reconhece a existência de sentença de
mérito (art. 269 do Código de Processo Civil) e de sentença processual (art. 267
do mesmo diploma). Não é, portanto, a existência de resolução de mérito que
esclarece se o pronunciamento proferido pelo juiz é sentença, ou não. Vale
relembrar, há sentença sem resolução do mérito (art. 267). Outro, portanto, é o
critério para a identificação da sentença.
Com efeito, o critério distintivo adotado no direito pátrio é o casuístico-legal:
só é sentença o pronunciamento de autoria de juiz de primeiro grau assim
considerado pelo legislador, independentemente da resolução do mérito no
provimento jurisdicional. É possível perceber que o critério legal vigente no direito
brasileiro é pragmático, sem preocupação científica. Assim, por exemplo, se o juiz
de primeiro grau reconhece a existência de prescrição, há sentença apelável. Em
contraposição, se o juiz afasta a mesma alegação de prescrição, há decisão
interlocutória agravável, a despeito de versar sobre matéria de mérito. Vale o que
dispõe a lei: no exemplo, o disposto nos arts. 162, § 1º, 269, inciso IV, e 513,
todos do Código de Processo Civil. O mesmo critério casuístico-legal também é
adotado no art. 100 da Lei nº 11.101/2005: a decisão de decretação da falência é
agravável e a sentença de improcedência é apelável. Com efeito, se o juiz
reconhece a prescrição suscitada com esteio no art. 96, inciso II, da Lei nº 11.101,
profere sentença apelável (cf. arts. 96, caput, e 100, in fine); se o juiz afasta a
mesma alegação de prescrição, profere decisão interlocutória agravável (art. 100,
primeira parte). Bem examinadas as hipóteses, constata-se que a Lei nº 11.101
segue o padrão consagrado no Código de Processo Civil, em harmonia, aliás, com
o disposto no art. 189 daquela lei.
373
373
Sob outro enfoque, a decisão de decretação da falência é similar à decisão
igualmente agravável prevista no art. 475-M, § 3º, do Código de Processo Civil,
porquanto a falência também é um processo de execução, ainda que de natureza
concursal e que tem lugar contra empresário individual ou sociedade empresária.
A falência é execução concursal fundada em título executivo já constituído (arts.
94 e 97 da Lei nº 11.101/2005), o que afasta a analogia à fase cognitiva do
processo sincrético, destinada à formação do título executivo, para a posterior
execução. Na falência, como dito, o título executivo já existe; não há uma fase
autônoma de conhecimento, mas, sim, a possibilidade da contraposição incidental,
da mesma forma que ocorre na execução no processo sincrético (cf. arts. 475-L e
475-M do Código de Processo Civil). Daí a explicação para a igual solução
extraída do art. 100, primeira parte, da Lei nº 11.101/2005, e do art. 475-M, § 3º,
do Código de Processo Civil: cabimento do recurso de agravo de instrumento
contra a decisão interlocutória de resolução do incidente proveniente da
contraposição (mediante ―contestação‖, na falência, ou por meio de ―impugnação‖,
na fase executiva do processo sincrético). Ambas as hipóteses partem da mesma
premissa: existência de título executivo. Há um simples incidente processual no
qual o juiz resolve se a execução (empresarial ou civil, conforme o caso) deve
prosseguir, ou não. Se a resposta for positiva, decreta-se a falência, com o
prosseguimento da execução e o cabimento de recurso de agravo de instrumento
(art. 100, primeira parte). Se a resposta for negativa, extingue-se a execução
falimentar, com o cabimento do recurso de apelação (art. 100, segunda parte).
Mutatis mutandis, igual solução é encontrada no art. 475-M, § 3º, do Código de
Processo Civil, porquanto ambas as hipóteses partem da mesma premissa: título
executivo já existente. Em suma, as duas hipóteses são de execução (civil ou
falimentar, conforme o executado), o que explica a igual solução acerca da
recorribilidade.
Por fim, além da hipótese inserta na primeira parte do art. 100, há outro
exemplo de decisão interlocutória de mérito passível de agravo na mesma Lei nº
11.101/2005. Com efeito, o caput e os §§ 1º e 2º do art. 59 revelam a possibilidade
jurídica da prolação de decisão interlocutória de mérito impugnável mediante
374
374
recurso de agravo de instrumento. Daí a conclusão: é juridicamente possível a
prolação de decisão interlocutória de mérito, sem que o conteúdo (de mérito) da
decisão interfira na respectiva recorribilidade.
Sob todos os prismas, a decretação da falência se dá mediante decisão
interlocutória agravável; só há sentença apelável quando o juiz indefere a petição
inicial, denega a falência e encerra o processo falimentar899. Não obstante o
entendimento defendido no presente compêndio em favor da existência de
decisão interlocutória agravável, prevalece outra orientação na doutrina e na
jurisprudência predominantes: sentença agravável.
15. Decisão de decretação da falência: conteúdo
Como toda decisão jurisdicional, a decisão de decretação da falência
também deve ser fundamentada (art. 93, inciso IX, da Constituição Federal). À
vista o inciso I do art. 99 da Lei nº 11.101/2005, além da fundamentação, a
decisão de decretação da falência também deve conter relatório, com a síntese do
pedido falimentar, a identificação do falido e os nomes dos respectivos
administradores, porquanto os últimos também podem ser responsabilizados tanto
no plano civil (art. 82) quanto na esfera penal (arts. 99, inciso VII e 179).
Na mesma oportunidade, o juiz já decide acerca do ―termo legal da
falência‖, o qual pode alcançar período correspondente a até noventa dias antes
do primeiro protesto, da distribuição da recuperação judicial ou da distribuição da
falência, conforme o caso (art. 99, inciso II). O termo legal da falência é o período
anterior à decretação da quebra no qual são ineficazes os atos, contratos e
pagamentos contrários aos credores em geral (art. 129, incisos I, II e III).
Ao proferir a decisão de decretação da falência, o juiz deve determinar que
o falido apresente, no prazo máximo de cinco dias, sob pena de crime de
desobediência, a relação nominal de credores, bem assim a respectiva
classificação analítica dos créditos, para a posterior publicação de edital no órgão
899
Cf. arts. 267, inciso I, 295, 296 e 513, do Código de Processo Civil, e arts. 100, segunda parte, 156, caput e parágrafo único, e 189, da Lei nº 11.101/2005.
375
375
oficial de imprensa, com a veiculação do inteiro teor da decisão de decretação da
falência, da relação nominal de credores e da respectiva classificação dos
créditos. A publicação do edital marca a abertura de prazo de quinze dias para as
eventuais habilitações e as divergências dos credores (arts. 7º, § 1°, 99, incisos III
e IV, e parágrafo único, e 104, inciso XI e parágrafo único).
Ao decretar a falência, o juiz também deve ordenar a suspensão das ações
e execuções movidas contra o falido, ressalvadas as ações trabalhistas e as cíveis
que versam sobre quantia ilíquida (arts. 6º, §§ 1º e 2º, e 99, inciso V)900. Ainda
como consequência da decretação da falência, também há a suspensão do
inventário do empresário individual falecido, com a posterior intervenção do
administrador judicial (art. 125).
O juiz ainda deve nomear o administrador judicial (arts. 22, inciso III, e 99,
inciso IX). Em virtude do veto presidencial à alínea ―a‖ do inciso II do art. 35, a
Assembleia-Geral de Credores não tem competência para deliberar sobre a
substituição do administrador judicial nomeado pelo juiz, porquanto não subsiste a
parte final do inciso IX do art. 99. Por outro lado, ressalvada a existência do
Comitê de Credores na anterior recuperação judicial convertida em falência, o juiz
também deve determinar a convocação da Assembleia-Geral dos Credores, a fim
de que ocorra a deliberação sobre a constituição do Comitê (art. 99, inciso XII).
Ainda em relação à decisão de decretação da falência, o juiz também deve
proibir a prática de atos de alienação e oneração dos bens do falido (arts. 99,
inciso VI, e 103, caput), bem como resolver entre a lacração do estabelecimento
empresarial ou a continuação provisória das atividades sob a direção do
administrador judicial (arts. 99, inciso XI, e 109).
Na mesma oportunidade, o juiz deve determinar a anotação da falência e
da inabilitação empresarial do falido perante a Junta Comercial (arts. 99, inciso
VIII, e 102). O juiz também deve ordenar a expedição de ofícios aos órgãos 900
Em abono, na doutrina: ―Discute-se se a decretação da quebra ou a liquidação extrajudicial do réu seria causa para a suspensão do processo, pois que caberia ao credor habilitar o seu crédito no juízo universal. Se o processo for de execução, haverá suspensão, já que o crédito deverá ser habilitado no concurso de credores. Se o processo for de conhecimento, porém, não há razão para que o juiz determine a suspensão, pois, para que o crédito seja habilitado, é preciso que ele seja primeiro reconhecido por sentença.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume I, 4ª ed., 2007, p. 281).
376
376
públicos em geral (art. 99, inciso X), a intimação pessoal do Ministério Público e a
comunicação das Fazendas Públicas Federal, Estadual, Distrital e Municipal
mediante carta, para dar ciência da decretação da falência e permitir eventuais
intervenções no respectivo processo falimentar (art. 99, inciso XIII).
Por fim, constatada a ocorrência de crime falimentar, o juiz pode ordenar a
prisão do falido e dos administradores na própria decisão de decretação da
falência (art. 99, inciso VII). Trata-se de prisão preventiva fundada em crime
falimentar, razão pela qual não há lugar para a incidência do enunciado nº 280 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, o verbete nº 280 versa sobre
a antiga prisão administrativa prevista no art. 35 do revogado Decreto-lei nº 7.661,
de 1945, preceito que não encontra similar na atual Lei nº 11.101/2005. Na
verdade, a prisão autorizada pelo inciso VII do art. 99 tem natureza penal, ainda
que preventiva. Daí a compatibilidade do preceito com o art. 5º, inciso LXVII, da
Constituição Federal de 1988.
16. Efeitos jurídicos da decretação da falência
A decretação da falência produz vários efeitos jurídicos. Muitos deles já
foram apontados no anterior tópico 14, destinado ao estudo do art. 99 da Lei nº
11.101/2005. Não obstante, além dos arrolados no art. 99 da Lei nº 11.101, há
muitos outros efeitos jurídicos provenientes da decretação da falência.
À vista do art. 77, a decretação da falência ocasiona o vencimento
antecipado de todas as dívidas do empresário individual, da sociedade
empresária, bem assim dos sócios com responsabilidade ilimitada, os quais ficam
sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida
(cf. art. 81).
Ainda por força do art. 77, a decretação da falência também ocasiona a
conversão de todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda nacional,
observado o câmbio do dia da decisão judicial.
377
377
Sob outro prisma, a decretação da falência suspende o curso da prescrição
em face do empresário individual, da sociedade empresária e dos sócios com
responsabilidade ilimitada (cf. arts. 6º e 81, caput, ambos da Lei nº 11.101/2005).
O prazo prescricional só volta a correr a partir do dia em que transitar em julgado a
sentença de encerramento da falência (cf. art. 157 da Lei nº 11.101/2005)901.
Outro importante efeito da decretação da falência é proveniente do princípio
par conditio creditorum902, consagrado no art. 115 da Lei nº 11.101/2005. Após a
decretação da falência, todos os credores só podem exercer os respectivos
direitos no processo falimentar, com a impossibilidade da execução individual, a
qual dá lugar à execução concursal da falência. Por conseguinte, não subsistem
as penhoras realizadas nas execuções civis individuais processadas à vista do
Código de Processo Civil903, porquanto todos os bens são arrecadados para a
formação da massa objetiva904, também denominada ―massa ativa‖905, para o
posterior pagamento dos credores (massa subjetiva), consoante a ordem de
classificação dos créditos e as forças daquela (massa objetiva).
Ex vi do art. 6º da Lei nº 11.101/2005, a decretação da falência também é
causa impeditiva da propositura de execuções individuais previstas no Código de
Processo Civil906.
No que tange aos processos executivos individuais pendentes, devem ser
suspensos durante todo o processamento da falência. Sem dúvida, o caput do art.
6º da Lei nº 11.101/2005 revela que a decretação de falência ocasiona a
suspensão dos processos executivos individuais acionados em face do
901
Assim, na jurisprudência: ―A afirmação da falência enseja a suspensão do curso da prescrição e todas as execuções promovidas em desfavor da falida, inclusive aquelas aviadas pelos credores particulares do sócio solidário, devendo o fluxo das ações ser suspenso desde o momento da decretação da quebra até o encerramento do processo falimentar (Lei nº 11.101/05, art. 6º).‖ (AGI nº 2006.00.2.015007-6 – AGR, 2ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 9 de agosto de 2007, p. 76). 902
Paridade de condições dos créditos. 903
De acordo, na doutrina: ―Recompôs o Código vigente a precedência do credor que primeiro penhorar, preferência essa que desaparece, dando lugar à igualdade entre os credores de igual categoria perante a lei civil (par conditio creditorum), se for decretada sua insolvência, como, aliás, acontece na falência.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 12). 904
Cf. art. 108 da Lei nº 11.101, de 2005. 905
Cf. Celso Agrícola Barbi. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 86, nº 126: ―Quando um devedor comerciante não paga suas obrigações, instaura-se contra ele execução coletiva: os seus bens são arrecadados, formando uma massa ativa‖. 906
Assim, na doutrina: Barbosa Moreira. O novo processo civil brasileiro. 25ª ed., 2007, p. 199.
378
378
empresário ou da sociedade empresária, conforme o caso. Vale ressaltar que a
hipótese é de suspensão, e não de extinção dos processos individuais de
execução907.
Sob outro prisma, a decretação da falência afasta a exigibilidade de juros
posteriores à quebra, ainda que previstos em contrato ou até mesmo em lei. É a
regra consagrada no art. 124, caput, da Lei nº 11.101/2005. Não obstante, há
lugar para a exigência de juros na excepcional hipótese de o ativo do falido ser
suficiente para o pagamento até mesmo dos titulares de créditos subordinados.
Por outro lado, são sempre exigíveis da massa falida os juros provenientes das
debêntures908 e dos créditos com garantia real (art. 124, parágrafo único).
No que tange aos eventuais contratos, se o falido for locador, a locação
subsiste; se o falido for locatário, a locação também subsiste, salvo quando o
contrato é denunciado pelo administrador judicial (art. 119, inciso VII). Já o
mandato outorgado pelo empresário individual ou pelo representante legal da
sociedade empresária antes da falência, não subsiste à decretação da quebra (art.
120).
Por fim, a decretação da falência ocasiona a inabilitação para o exercício da
atividade empresarial, bem como a perda do direito de administração e de
disposição em relação aos bens (arts. 102 e 103). Tanto que as contas correntes
do falido são encerradas ex vi legis, no momento da decretação da falência, com a
apuração do respectivo saldo (art. 121).
17. Pessoas alcançadas pela decretação da falência
907
De acordo, na jurisprudência: ―DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA - EXECUÇÃO INDIVIDUAL - CAUSA DE SUSPENSÃO - ART. 6º DA LEI 11.101/2005 - EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. - A declaração de falência é causa é suspensão da execução individual e não de extinção desta, nos termos do art. 6º da Lei 11.101/2005.‖ (Apelação nºs 1.0271.02.014903-2/001 e 0149032-40.2002.8.13.0271, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 16 de janeiro de 2012). 908
A debênture é o título de crédito (executável à vista do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil) proveniente de contrato de mútuo a médio ou longo prazo (com vencimento de três a cinco anos) que confere àquele que emprestou à companhia o crédito correspondente constante da escritura de emissão, perante a companhia beneficiada pelo empréstimo (arts. 52 e 54, § 2º, e 55, todos da Lei nº 6.404, de 1976). Trata-se de importante mecanismo de captação de recursos financeiros em prol das sociedades anônimas. A debênture tem valor nominal expresso geralmente em moeda nacional (art. 54 da Lei nº 6.404, de 1976) e pode ser convertida em ação da companhia emissora consoante o disposto na escritura de emissão (art. 57 da Lei nº 6.404, de 1976).
379
379
A decretação da falência alcança o empresário individual, a sociedade
empresarial e os sócios com responsabilidade ilimitada (arts. 1º, 81, caput, e 190
da Lei nº 11.101), quais sejam, todos os sócios de sociedade em nome coletivo
(art. 1.039 do Código Civil), os sócios comanditados de sociedade em comandita
simples (arts. 1.045 do Código Civil) e o sócio ostensivo de sociedade em conta
de participação (art. 991 do Código Civil).
18. Ação de responsabilização
No que tange aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e
administradores da sociedade empresária falida, todos podem ser
responsabilizados pessoalmente, à vista do art. 28 do Código do Consumidor909 e
do art. 50 do Código Civil.
Com efeito, as eventuais responsabilidades pessoais sócios de
responsabilidade limitada, aos controladores e administradores podem ser
apuradas em processo próprio, instaurado por força de ―ação de
responsabilização‖, a qual é processada sob o rito ordinário previsto no Código de
Processo Civil (cf. art. 82 da Lei nº 11.101/2005).
No que tange ao juízo competente, a ação de responsabilização é
processada perante o juízo falimentar, após a distribuição por dependência ao
processo de falência (cf. arts. 78, parágrafo único, e 82, ambos da Lei nº
11.101/2005).
Quanto ao prazo, a pretensão de responsabilização dos sócios, dos
controladores e dos administradores pelos danos provocados prescreve em dois
anos do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência (cf. arts. 82,
§ 1º, e 156, ambos da Lei nº 11.101/2005). Por conseguinte, o biênio prescricional
não é contado da decisão de decretação da falência prevista no proêmio do art.
100, mas apenas da sentença de encerramento do processo falimentar (cf. art.
156). Vale ressaltar que a prescrição pode ser pronunciada de ofício pelo juiz,
909
Com efeito, o caput do art. 28 do Código do Consumidor é expresso acerca da possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica em caso de ―falência‖ causada por má administração.
380
380
tendo em vista a combinação dos arts. 219, § 5º, e 295, IV, do Código de
Processo Civil, com o art. 189 da Lei nº 11.101/2005.
Por fim, o juiz do processo da ação de responsabilização pode determinar a
indisponibilidade dos bens particulares dos réus até a resolução daquele
(processo) por meio de sentença. Vale ressaltar que a indisponibilidade de bens
particulares dos réus autorizada no § 2º do art. 82 da Lei nº 11.101/2005 pode ser
determinada até mesmo de ofício pelo juiz. Com maior razão, a indisponibilidade
também pode ser ordenada pelo juiz mediante provocação do autor da ação de
responsabilização, sem prejuízo do igual requerimento de outros interessados na
preservação do patrimônio pessoal dos réus, como outros credores além do autor,
o administrador judicial da falência, o Ministério Público, por exemplo. No que
tange à natureza do pronunciamento por meio do qual o juiz ordena a
indisponibilidade dos bens dos réus até a resolução do processo de
responsabilização, trata-se de decisão interlocutória passível de impugnação
mediante recurso de agravo de instrumento, em dez dias, tudo nos termos do art.
522 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 189 da Lei n.
11.101/2005.
19. Sentença denegatória da falência
Elidida a falência pelo depósito ou procedente alguma das defesas
veiculadas na contestação do réu (empresário individual, sociedade empresária ou
sócio com responsabilidade ilimitada), o juiz extingue o processo falimentar. A
improcedência da falência é proferida mediante sentença (cf. art. 100, segunda
parte). Além de julgar improcedente a falência, o juiz também pode condenar o
autor que agiu com dolo ao ajuizar a ação falimentar, à vista do art. 101 da Lei nº
11.101/2005.
20. Fungibilidade recursal
381
381
Ainda em relação ao cabimento dos recursos de agravo de instrumento e
de apelação, há o problema da contradição existente entre os arts. 99 e 100. Com
efeito, o proêmio do art. 99 contém a seguinte expressão: ―A sentença que
decretar a falência‖. Reforça a primeira parte do art. 180: ―A sentença que decreta
a falência‖. Em contraposição, dispõe o proêmio do art. 100: ―Da decisão que
decreta a falência cabe agravo‖. Na mesma esteira, o parágrafo único do art. 99
trata ―da decisão que decreta a falência‖. Assim também dispõe o proêmio do art.
81: ―Da decisão que decreta a falência‖.
Diante da contradição legislativa, a melhor opção é a fungibilidade recursal,
a fim de que eventual apelação interposta seja recebida e processada como
agravo de instrumento, recurso correto contra a verdadeira decisão interlocutória
de decretação da falência. Com efeito, o art. 579 do Código de Processo Penal
merece ser prestigiado, até mesmo em razão do disposto no art. 188 da Lei nº
11.101/2005.
Não obstante, prevalece na jurisprudência o entendimento contrário à
aplicação da fungibilidade recursal910.
21. Prazos dos recursos falimentares
Da decisão de decretação da falência cabe agravo de instrumento, em dez
dias (art. 100, primeira parte, da Lei nº 11.101/2005); já a sentença denegatória da
falência é passível de apelação, em quinze dias (art. 100, segunda parte, da Lei nº
11.101/2005). Ademais, sempre há lugar para embargos de declaração, em cinco
dias (art. 536 do Código de Processo Civil, combinado com o art. 189 da Lei nº
11.101/2005).
910
Conferir: ―DIREITO COMERCIAL. FALÊNCIA. SENTENÇA DECLARATÓRIA. RECURSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APELAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. FUNGIBILIDADE. ERRO GROSSEIRO. Deve ser mantida a decisão que, em sede de ação de falência, não conhece da apelação interposta contra a sentença que declara a quebra, porquanto aquela desafia o recurso de agravo de instrumento. Para que seja aplicado o princípio da fungibilidade recursal é necessário que o recorrente não tenha incidido em erro grosseiro.‖ (Agravo nº 1.0433.02.046435-3/001, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 14 de maio de 2004). ―APELAÇÂO CÍVEL. FALÊNCIA. DECRETAÇÃO DE QUEBRA. RECURSO DE APELAÇÃO. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. INAPLICABILIDADE. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. Havendo expressa determinação legal quanto ao cabimento do agravo de instrumento para atacar sentença que decretou a quebra, não há como ser conhecido o recurso de apelação interposto.‖ (Apelação nº 70013291950, 6ª Câmara Cível do TJRS, julgamento em 31 de agosto de 2006).
382
382
Independente do recurso a ser interposto, o prazo está atrelado à intimação
da decisão ou da sentença, diante da incidência dos arts. 184, 240, 242 e 506 do
Código de Processo Civil, prestigiados no enunciado nº 25 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça.
Por fim, são duplicados todos os prazos dos recursos interpostos pelo
Ministério Público, tendo em vista a aplicação subsidiária do art. 188 do Código de
Processo Civil, por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005.
22. Preparo dos recursos falimentares
No que tange ao preparo, a regra reside no caput do art. 511 do Código de
Processo Civil, aplicável aos recursos falimentares por força do art. 189 da Lei nº
11.101/2005.
Tal como a regra inserta no caput do art. 511, as exceções consagradas
nos parágrafos são igualmente aplicáveis. Daí a dispensa do preparo quando o
recorrente é o Ministério Público.
Resta saber se aos recursos interpostos pela massa falida deve ser
aplicada a regra inserta no caput do art. 511 do Código de Processo Civil ou se há
preceito específico na legislação de regência do processo falimentar.
Consoante a jurisprudência consolidada no Tribunal Superior do Trabalho
sob a égide do art. 208 do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, os recursos interpostos
pela massa falida não estão sujeitos à regra do preparo imediato, conforme revela
o proêmio do enunciado nº 86 da Súmula daquela Corte Superior: ―Não ocorre
deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou de
depósito do valor da condenação‖. Com efeito, o art. 208 do Decreto-lei nº 7.661
ensejava a efetuação do ―preparo‖ ―oportunamente‖, com o conseqüente
afastamento da pena de deserção, em razão da dispensa provisória911.
911
Assim, na doutrina: ―Também goza do privilégio da dispensa provisória do pagamento de custas a massa falida (Súmula nº 86 do TST)‖ (Júlio César Bebber. Recursos no processo do trabalho. p. 147).
383
383
À luz do mesmo art. 208 do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, entretanto, o
Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência em favor da dispensa provisória
do preparo apenas em relação aos recursos interpostos pela massa falida no
processo falimentar propriamente dito912.
Revogado o antigo Decreto-lei nº 7.661, de 1945, com o advento da Lei nº
11.101/2005, a vexata quaestio agora deve ser solucionada à luz da nova
legislação que versa sobre a recuperação empresarial e a falência.
À vista dos incisos III e IV do art. 84 da Lei nº 11.101/2005, é possível
concluir que a orientação consagrada no proêmio do enunciado nº 86 da Súmula
do Tribunal Superior do Trabalho subsiste à luz da atual legislação, porquanto os
incisos III e IV do art. 84 e o caput do art. 149 revelam que o pagamento das
custas processuais relativas às ações em geral da massa falida só são pagas ao
final do processo falimentar, ou seja, depois da realização do ativo e das
restituições. Por conseguinte, a regra prevista no caput do art. 511 do Código de
Processo Civil não alcança os recursos interpostos nos processos em geral nos
quais a massa falida é vencida. Com efeito, diante da existência de legislação
específica (arts. 84, incisos III e IV, e 149, caput, da Lei nº 11.101/2005) em prol
da massa falida, não há lugar para a incidência do preceito genérico do Código de
Processo Civil, ou seja, do caput do art. 511. Daí a dispensa do preparo recursal
imediato em favor da massa falida nas ações em geral, na mesma linha do
proêmio do enunciado nº 86 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: ―Não
ocorre deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou
de depósito do valor da condenação‖. 912
Cf.: ―Processual civil. Ação de indenização. Massa falida. Custas. Deserção. I. - O art. 208 da Lei de Falências só incide sobre o processo principal da falência, sendo excluída a sua aplicação em ações autônomas de que a massa seja parte. Não efetuado o preparo quando do recurso de apelação em ação de indenização, a deserção se impunha.‖ (REsp nº 400.342/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de maio de 2004, p. 214;). ―COMERCIAL. FALÊNCIA. MASSA FALIDA. AÇÃO REVOCATÓRIA. APELAÇÃO. PREPARO. ART. 208 DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45. NÃO INCIDÊNCIA. 1 - O art. 208 do Decreto-Lei nº 7.661/45 ao autorizar o pagamento de preparo em momento oportuno, somente se aplica ao processo falimentar propriamente dito, não alcançando os incidentes a ele correlatos, como por exemplo, na espécie, a ação revocatória. Precedente desta Corte.‖ (REsp nº 254.558/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de novembro de 2003, p. 308). No mesmo sentido, também na jurisprudência: ―MASSA FALIDA - AÇÃO ORDINÁRIA - APELAÇÃO - ART. 208 DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45 - NÃO INCIDÊNCIA - PREPARO - NECESSIDADE - PENA DE DESERÇÃO - APELAÇÃO ADESIVA - NÃO CONHECIMENTO. O art. 208 do Decreto-Lei nº 7.661/45, ao autorizar o pagamento de preparo em momento oportuno, somente se aplica ao processo falimentar propriamente dito, não alcançando as demais ações em que a Massa Falida litiga.‖ (Apelação nº 1.0024.98.077804-7/001, 1ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de maio de 2005).
384
384
23. Cabimento de embargos infringentes no processo falimentar
No que tange ao cabimento de embargos infringentes em apelação no
processo falencial (por exemplo, art. 100, segunda parte), a ausência de restrição
no art. 530 do Código de Processo Civil permite a conclusão em prol da
admissibilidade do recurso contra todas as apelações, desde que cumpridas as
outras exigências do preceito legal. Com efeito, diante da inexistência de vedação
no texto codificado e na legislação especial de regência do processo falimentar, é
possível concluir pela igual adequação do recurso do art. 530 do Código. Aliás, na
mesma esteira do antigo caput913 do art. 207 do revogado Decreto-lei nº 7.661, o
art. 189 da novel Lei nº 11.101 também sugere a incidência do Código de
Processo Civil: ―Aplica-se a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de
Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei‖. Subsiste,
por conseguinte, o preciso enunciado nº 88 da Súmula do Superior Tribunal de
Justiça: ―São admissíveis embargos infringentes em processo falimentar‖. Por
tudo, cabem embargos infringentes contra acórdão de provimento por maioria em
apelação interposta de sentença de mérito no processo falencial.
24. Arrecadação dos bens
Após ser nomeado pelo juiz na decisão de decretação da falência (art. 99,
inciso IX), o administrador judicial deve ser intimado pessoalmente para assinar o
termo de compromisso (art. 33). Em seguida, o administrador judicial deve efetuar
a arrecadação dos bens e dos documentos do falido, bem como elaborar o
respectivo laudo de arrecadação e de avaliação dos bens (arts. 22, inciso III,
alíneas ―f‖ e ―g‖, e 108, caput).
O falido pode acompanhar a arrecadação e a avaliação realizadas pelo
administrador judicial (art. 108, § 2º). Se constatar, entretanto, a existência de
risco para a efetivação da arrecadação ou para a preservação dos bens, o
913
Com a redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973.
385
385
administrador judicial pode requerer ao juiz da falência a lacração do
estabelecimento empresarial (arts. 99, incisos XI, e 109).
25. Bens impenhoráveis
Durante a arrecadação, o administrador judicial deve levar em consideração
a impenhorabilidade de alguns bens ex vi legis (art. 108, § 4º), como, por exemplo,
os bens arrolados no art. 649 do Código de Processo Civil, com a redação
conferida pela Lei nº 11.382/2006.
Por força do art. 1º da Lei nº 8.009, de 1990, o bem de família também é
impenhorável, razão pela qual não é alcançado por dívidas de natureza civil,
comercial, fiscal e previdenciária. Ressalvadas as exceções arroladas no art. 3º
daquele diploma, a impenhorabilidade subsiste in totum, independente do valor do
bem de família, porquanto o Presidente da República vetou o parágrafo único que
seria acrescentado ao art. 650 do Código de Processo Civil, a fim de limitar a
impenhorabilidade até o valor correspondente a mil salários mínimos.
26. Custódia dos bens
Os bens arrecadados ficam sob a guarda do administrador judicial ou de
pessoa escolhida pelo mesmo, sob a responsabilidade do administrador (art. 108,
§ 1º, proêmio, da Lei nº 11.101/2005, e do art. 148 do Código de Processo Civil).
Para a melhor guarda e conservação, os bens arrecadados podem ser
removidos para depósito, mas continuam sob a responsabilidade do administrador
(art. 112 da Lei nº 11.101/2005).
Não obstante, não é absoluta a regra da custódia dos bens pelo
administrador judicial ou por pessoa de sua confiança, sob a sua
responsabilidade. Com efeito, o falido e os representantes da sociedade
empresária falida também podem ser nomeados depositários dos bens (art. 108, §
1º, in fine). Não obstante, tanto o falido quanto os respectivos representantes da
sociedade empresária falida só passam a ser responsáveis quando assumem
386
386
expressamente o encargo, mas não podem sofrer prisão civil, ex vi do enunciado
vinculante nº 26 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―É ilícita a prisão civil de
depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito‖.
27. Auto de arrecadação e laudo de avaliação
O auto de arrecadação deve conter o inventário dos bens e o respectivo
laudo de avaliação, bem como deve ser assinado pelo administrador judicial, pelo
falido ou seus representantes, bem assim por outras pessoas (por exemplo, oficial
de justiça) que auxiliarem ou presenciarem o ato (art. 110). Em seguida, o auto de
arrecadação é juntado aos autos do processo de falência (art. 139).
Se não for possível, todavia, a avaliação imediata dos bens no momento da
arrecadação, o administrador judicial pode requerer ao juiz a concessão de prazo
adicional de até trinta dias, para apresentar o laudo de avaliação em separado
(art. 110, § 1º). Concluído o laudo de avaliação, o mesmo também deve ser
juntado aos autos do processo de falência.
28. Término da arrecadação e início da realização do ativo
Findas a arrecadação e a avaliação dos bens, e juntados o auto de
arrecadação e o laudo de avaliação aos autos do processo falimentar, tem início a
realização do ativo, com a alienação dos bens arrecadados e o pagamento dos
credores (art. 139).
29. Alienação e adjudicação antecipadas em favor de credores
É admissível, todavia, a alienação e a adjudicação antecipadas, isto é,
antes mesmo do término da arrecadação e da avaliação de todos os bens do
falido. Com efeito, sopesados os custos de conservação dos bens, o interesse da
massa falida e a preferência na ordem legal de classificação dos créditos, o juiz da
falência, ouvido o Comitê de Credores (se constituído!), pode autorizar tanto a
387
387
alienação quanto a adjudicação de bens arrecadados, pelo valor da respectiva
avaliação, em favor de credores interessados, com a compensação dos
respectivos créditos (art. 111). O eventual remanescente da alienação entrará
para a massa falida (art. 108, § 3º).
30. Alienação antecipada para terceiros
Além da alienação e da adjudicação antecipadas de bens em prol de
credores, também é admissível a imediata alienação para terceiros, especialmente
em relação aos bens perecíveis, deterioráveis ou de conservação dispendiosa. Em
qualquer caso, a alienação depende de decisão do juiz da falência, após a
concessão de vista ao Comitê de Credores (se constituído!) e ao falido, pelo prazo
comum de quarenta e oito horas (art. 113).
31. Formas de alienação ordinária
Ressalvadas as excepcionais alienações antecipadas (ou extraordinárias)
previstas nos arts. 111 e 113, a alienação dos bens pode ser realizada pelas
formas previstas no art. 140, observada a seguinte ordem de preferência: –
alienação dos estabelecimentos empresariais em bloco; – alienação isolada dos
estabelecimentos empresariais, filiais ou unidades produtivas; – alienação em
bloco dos bens de cada um dos estabelecimentos; – alienação isolada dos bens.
32. Consequências jurídicas da alienação
A alienação dos bens do falido produz as seguintes consequências
jurídicas: – sub-rogação de todos os credores (massa falida subjetiva) no produto
da alienação (arts. 108, § 3º, proêmio, e 141, inciso I); – o objeto da alienação fica
livre de ônus (art. 141, inciso II, proêmio); – não há sucessão do arrematante nas
obrigações do falido, até mesmo em relação às obrigações tributárias, trabalhistas
388
388
e acidentárias (art. 141, inciso II, segunda parte, e § 2º, in fine)914; – os
empregados contratados pelo arrematante são admitidos mediante novos
contratos de trabalho (art. 141, § 2º).
33. Modalidades de alienação pública
Após a manifestação do administrador judicial e do eventual Comitê de
Credores, o juiz determina a alienação por uma das seguintes modalidades: –
leilão, por lances orais; – propostas fechadas; – pregão. Com efeito, compete ao
juiz ordenar a alienação do ativo do falido após a manifestação do administrador
judicial e consoante a orientação do Comitê de Credores (art. 142, caput).
Além das três modalidades arroladas no art. 142, o juiz pode autorizar a
alienação por outra modalidade sugerida pelo administrador judicial ou pelo
Comitê de Credores (art. 144).
Independente da modalidade de alienação determinada pelo juiz, o
Ministério Público deve ser sempre intimado pessoalmente, sob pena de nulidade
da alienação (art. 142, § 7º).
A divulgação da alienação pública ocorre mediante edital de anúncio da
venda, publicado em jornal de grande circulação, com pelo menos quinze ou trinta
dias de antecedência, conforme a alienação alcance bens móveis ou imóveis,
respectivamente (art. 142, § 1º). No que tange ao conteúdo, o edital deve conter o
dia, o horário, o local e outras informações relativas à alienação do ativo do falido.
As quantias recebidas em razão da alienação do ativo do falido devem ser
depositadas em conta remunerada em favor da massa falida (arts. 108, § 3º,
914
O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 141, inciso II, da Lei nº 11.101, de 2005, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.934, cujo acórdão foi publicado com a seguinte ementa: ―AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 1º, III, E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I – Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial. II – Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão dos créditos trabalhistas. III – Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV – Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V – Ação direta julgada improcedente.‖ (ADI nº 3.934DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 5 de novembro de 2009).
389
389
primeira parte, e 147), sob administração do administrador judicial e fiscalização
do juiz.
34. Leilão
A primeira modalidade de alienação pública prevista no art. 142 é o leilão
por lances orais, com a alienação pelo maior valor oferecido, ainda que inferior ao
valor da avaliação (art. 142, § 2º).
O leilão por lances orais segue o disposto na Lei nº 11.101/2005, no Código
de Processo Civil (art. 142, § 3º, da Lei nº 11.101) e no edital de anúncio da
alienação (art. 142, § 1º, da Lei nº 11.101).
O leilão do processo falimentar não se confunde com o leilão do processo
civil, porquanto aquele (falimentar) alcança todos os bens do falido, tanto os
móveis quanto os imóveis. Não há, portanto, no processo falimentar, a distinção
terminológica entre leilão (para bens móveis) e praça (para bens imóveis), própria
do direito processual civil.
35. Propostas fechadas
Segundo a modalidade de alienação pública por propostas fechadas, os
interessados na aquisição de bens do falido devem apresentar as respectivas
propostas em envelopes lacrados perante o cartório do juízo da falência, sob
recibo (art. 142, § 4º).
As propostas são abertas pelo juiz, no dia, hora e local indicados no edital
de anúncio da alienação (art. 142, inciso II e § 4º).
Tal como o leilão, a alienação mediante propostas fechadas também ocorre
pelo maior valor, ainda que inferior ao da avaliação (art. 142, § 2º).
36. Pregão
390
390
O pregão é uma modalidade constituída pela soma das anteriores
(propostas fechadas e leilão por lances orais). A primeira fase do pregão consiste
na apresentação das propostas (art. 142, § 5º, inciso I). Em seguida, há o leilão
por lances orais, do qual participam apenas os proponentes que apresentaram
propostas iguais ou superiores a noventa por cento da maior proposta (art. 142, §
5º, inciso II).
37. Impugnação
Independente da modalidade de alienação ordenada pelo juiz, há lugar para
apresentação de impugnação pelo Ministério Público, pelo falido e por qualquer
credor, no prazo comum de quarenta e oito horas da arrematação (art. 143). A
impugnação deve ser juntada aos próprios autos do processo falimentar, para
posterior decisão do juiz, no prazo impróprio de cinco dias (art. 143). Julgada
improcedente a impugnação, o juiz ordena a entrega do bem ao arrematante,
observadas as condições previstas no edital de anúncio da alienação pública. A
decisão interlocutória acerca da impugnação é agravável por instrumento, no
prazo de dez dias, com possibilidade de requerimento de efeito suspensivo ao
relator no tribunal, a fim de evitar a imediata entrega do bem ao arrematante (arts.
522, 527, inciso III, e 558, todos do Código de Processo Civil, aplicados por força
do art. 189 da Lei nº 11.101/2005).
38. Pagamento aos credores
Tão logo exista disponibilidade de caixa em favor da massa falida, deve ser
realizado o pagamento imediato dos créditos trabalhistas provenientes de salários
vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco
salários mínimos por trabalhador (art. 151).
Após, são realizadas as restituições em dinheiro (arts. 86, parágrafo único,
e 149). Depois, são pagos os créditos extraconcursais (arts. 84 e 149). Em
seguida, há o pagamento dos credores arrolados no Quadro-Geral, consoante a
391
391
ordem de classificação dos créditos prevista no art. 83 (art. 149). Pagos todos os
credores, o eventual saldo remanescente deve ser entregue ao falido (art. 153).
Por fim, se ficar evidenciado dolo ou má-fé de algum credor na constituição
do respectivo crédito ou garantia, deverá restituir em dobro as quantias recebidas,
acrescidas de juros legais, em favor da massa ou do falido, conforme o caso.
39. Prestação de contas
Após a alienação do ativo e a distribuição do produto entre os credores
arrolados no Quadro-Geral, o administrador deve prestar suas contas ao juiz, no
prazo de trinta dias (arts. 22, inciso III, alínea ―r‖, primeira parte, e 154).
Se o administrador judicial deixar de apresentar suas contas no prazo
previsto no art. 154, o juiz deve determinar a intimação pessoal do administrador
para apresentar as respectivas contas em cinco dias, sob pena de crime de
desobediência (art. 23 da Lei nº 11.101/2005, combinado com o art. 330 do
Código Penal). Nada impede, por outro lado, que a ação de prestação de contas
seja proposta pelo Comitê, por qualquer credor e pelo falido, contra o
administrador judicial (art. 914, inciso I, do Código de Processo Civil).
Na eventualidade de o administrador judicial tomar a iniciativa que lhe cabe,
deve instruir a petição inicial com os documentos comprobatórios da prestação
das contas (art. 154, § 1º, da Lei nº 11.101/2005). A prestação de contas deve ser
feita de forma mercantil, ou seja, contábil, com uma coluna para as despesas e
outra para as receitas, as quais devem ser demonstradas mediante documentos
acostados à petição, em virtude da incidência do art. 917 do Código de Processo
Civil, aplicável por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005.
A prestação de contas do administrador judicial deve ser distribuída por
dependência ao processo falimentar, com a autuação em separado da petição
inicial e dos respectivos documentos, para posterior apensação aos autos da
falência (arts. 78, parágrafo único, e 154, § 1º, ambos da Lei nº 11.101/2005, e art.
919 do Código de Processo Civil).
392
392
Em seguida, o juiz ordena a publicação de aviso de que as contas do
administrador judicial estão disponíveis para consulta e impugnação, em dez dias
(art. 154, § 2º, da Lei nº 11.101/2005). Na eventualidade de impugnação quanto
aos fatos, o juiz pode ordenar a conversão em diligência (art. 154, § 3º), para, por
exemplo, a realização de perícia contábil.
Após, o juiz determina a intimação do membro do Ministério Público, para
apresentação de parecer, no prazo de cinco dias (art. 154, § 3º). Veiculada
alguma impugnação às contas ou apresentado parecer contrário à aprovação pelo
Ministério Público, o administrador judicial é intimado para oferecer réplica (art.
154, § 3º, in fine), em cinco dias (art. 185 do Código de Processo Civil, aplicado
por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005).
Findo o processamento, o juiz profere sentença de procedência ou
improcedência da prestação das contas do administrador (art. 154, § 4º).
Rejeitadas as contas, o juiz já fixa na própria sentença de improcedência as
responsabilidades do administrador judicial, condena o administrador a indenizar a
massa e pode determinar a indisponibilidade ou o sequestro (melhor dito,
arresto915) de bens do administrador (art. 154, § 5º).
Por fim, da sentença (de improcedência ou de procedência) cabe apelação,
em quinze dias, com efeito suspensivo (arts. 154, § 6º, e 189, ambos da Lei nº
11.101/2005, combinados com os arts. 508 e 520, primeira parte, do Código de
Processo Civil).
40. Relatório final do administrador judicial
Julgadas as contas, o administrador judicial deve apresentar relatório final
da falência, no prazo de dez dias (art. 155). O relatório final deve conter a
indicação do valor do ativo, do produto da respectiva alienação, do valor do
915
A despeito da literalidade do § 5º do art. 154 (―sequestro de bens‖), trata-se, na verdade, de arresto, porquanto o preceito dispõe sobre futura execução por quantia certa, em razão da condenação do administrador judicial ao pagamento de indenização à massa falida.
393
393
passivo, dos pagamentos feitos aos credores, bem assim das responsabilidades
do falido que subsistem (art. 155).
Se o administrador judicial deixar de apresentar o relatório final no prazo
legal (de dez dias), o juiz deve determinar a intimação pessoal daquele
(administrador judicial), a fim de que apresente o relatório final no prazo adicional
de cinco dias, sob pena de crime de desobediência (art. 23).
41. Sentença de encerramento do processo falimentar
Apresentado o relatório final pelo administrador judicial, o juiz encerra o
processo de falência mediante sentença, a qual deve ser publicada por edital no
órgão oficial de imprensa (art. 156, caput e parágrafo único, da Lei nº
11.101/2005).
Da sentença de encerramento da falência cabe apelação, em quinze dias,
com efeito suspensivo (arts. 156, caput e parágrafo único, e 189 da Lei nº
11.101/2005, combinados com os arts. 508 e 520, primeira parte, do Código de
Processo Civil).
Quanto aos prazos prescricionais que estavam suspensos desde a decisão
de decretação da falência (ou da decisão de deferimento do processamento da
recuperação judicial, se a falência foi decretada mediante convolação da
recuperação), voltam a correr a partir do trânsito em julgado da sentença de
encerramento da falência (arts. 6º, caput, e 157, ambos da Lei nº 11.101/2005).
42. Extinção das obrigações do falido pelo pagamento
As obrigações do falido são extintas mediante o pagamento de todos os
créditos (art. 158, inciso I), bem assim pelo pagamento de mais de cinquenta por
cento dos créditos quirografários, depois de realizado todo o ativo (art. 158, inciso
II, primeira parte). Não alcançada a percentagem extintiva das obrigações após a
integral liquidação do ativo, o falido ainda pode efetuar o depósito da quantia
necessária para ultrapassar o piso de cinquenta por cento dos créditos
394
394
quirografários, a fim de obter a extinção das obrigações (art. 158, inciso II,
segunda parte).
43. Extinção das obrigações do falido pelo decurso de prazo
Além da extinção das obrigações em virtude do pagamento total ou parcial,
o decurso de prazo também é fato extintivo das obrigações do falido. Com efeito,
há a extinção das obrigações após o decurso do prazo de cinco anos do
encerramento do processo de falência, desde que o falido não tenha sido
condenado por crime falimentar (art. 158, inciso III). Na hipótese de condenação
do falido por crime falimentar, a extinção das obrigações só ocorre após o decurso
do prazo de dez anos do encerramento do processo de falência (art. 158, inciso
IV).
44. Reabilitação
Configurada alguma das hipóteses previstas no art. 158 (isto é, pagamento
total, pagamento parcial ou decurso de prazo), o falido pode ajuizar a ação de
reabilitação, com o requerimento da declaração da extinção das obrigações (art.
159, caput).
A ação de reabilitação é distribuída por dependência ao processo falimentar
(art. 159, caput), com a posterior autuação em separado da petição inicial e dos
respectivos documentos (art. 159, § 1º, primeira parte). Admitida a petição inicial,
há a publicação de edital de citação no órgão oficial de imprensa e também em
jornal de grande circulação (art. 159, § 1º, in fine). Qualquer credor pode
contestar, no prazo próprio de trinta dias, cuja contagem só tem início após a
última publicação do edital (art. 159, §§ 1º e 2º). Em seguida, o juiz profere
sentença no processo de reabilitação, no prazo impróprio de cinco dias (art. 159, §
3º, primeira parte). Da sentença cabe apelação (art. 159, § 5º), em quinze dias
(art. 508 do Código de Processo Civil). Transitada em julgado a sentença da
395
395
reabilitação, os respectivos autos são apensados aos autos do processo
falimentar (art. 159, § 6º).
Na eventualidade de reabilitação ajuizada ainda na pendência do processo
falimentar, o juiz pode declarar a extinção das obrigações do falido na própria
sentença de encerramento da falência (art. 159, § 3º, in fine), com igual cabimento
de recurso de apelação (arts. 156, caput, e 159, § 5º).
Em qualquer caso, da sentença de declaração da extinção das obrigações
do falido sempre devem ser comunicadas todas as pessoas e entidades
informadas da decretação da falência, especialmente a Junta Comercial, a fim de
que proceda à anotação da reabilitação no registro do empresário ou da
sociedade empresária (arts. 99, incisos VIII e X, e 159, § 4º, da Lei nº
11.101/2005).
396
396
CAPÍTULO VII – AÇÃO REVOCATÓRIA
1. A revogação e a ineficácia à luz da Lei nº 11.101
A Lei nº 11.101 dispõe sobre a revogação e a ineficácia de atos916
praticados pelo empresário individual e pela sociedade empresária em prejuízo
aos credores. A despeito da existência de diferenças entre a revogação e a
ineficácia, ambas têm como escopo comum a proteção da massa falida subjetiva,
ou seja, dos credores.
A primeira diferença entre os institutos é de cunho processual. A revogação
só pode ser alcançada em ação própria, denominada ―ação revocatória‖ (art. 132).
Já a ineficácia pode ser declarada no curso do processo falimentar, até mesmo de
ofício, bem assim mediante petição avulsa veiculada no próprio processo falencial.
Além da possibilidade da declaração incidental no curso do processo de falência,
a ineficácia pode ser objeto de ação própria, de natureza declaratória (art. 129,
parágrafo único).
A segunda diferença reside na causa de pedir. A revocatória tem causa de
pedir subjetiva. Com efeito, a ação de revogação tem em mira atos praticados com
a intenção de prejudicar os credores, pelo conluio entre o empresário individual ou
a sociedade empresária (por intermédio dos seus controladores ou
administradores) e o terceiro participante do contrato causador de prejuízo à
massa falida (art. 130). Já a ineficácia tem causa de pedir objetiva, isto é, não está
atrelada à intenção de fraudar credores, mas apenas ao ato em si, independente
do conhecimento do estado de crise econômico-financeira pelo terceiro
contratante e da intenção fraudulenta do empresário individual ou dos
administradores, diretores, sócios-controladores da sociedade empresária, em
prejuízo da massa falida. Para a declaração da ineficácia basta a incidência do ato
praticado pelo empresário individual ou pela sociedade empresária em alguma das
916
Por exemplo, doação, contrato de compra e venda, contrato de cessão civil.
397
397
hipóteses legais arroladas no art. 129, sem necessidade alguma de comprovação
da intenção de prejudicar os credores.
Por fim, a terceira diferença diz respeito ao prazo. A revocatória é uma ação
constitutiva negativa com prazo decadencial de três anos (art. 132). Em
contraposição, a Lei nº 11.101 não estabelece prazo para a declaração da
ineficácia, em razão da natureza declaratória (art. 129, parágrafo único, 136 e
138), cuja eventual ação não está sujeita a prazo algum.
2. Ação revocatória
A revocatória é a ação de natureza constitutiva sujeita a prazo decadencial
de três anos, adequada para a revogação dos atos fraudulentos praticados em
razão do conluio do empresário individual ou da sociedade empresária com
terceiro, a fim de prejudicar os credores do empresário ou da sociedade insolvente
(arts. 130 e 132, ambos da Lei nº 11.101/2005).
A ação revocatória, também denominada ―ação pauliana falimentar‖, pode
ser ajuizada pelo Ministério Público, pelo administrador judicial ou por qualquer
credor, porquanto todos são legitimados ativos à vista do art. 132. Com efeito,
além do administrador judicial e dos credores, também o Ministério Público tem
legitimidade ativa para promover a ação revocatória, a fim de evitar a perpetuação
da fraude à lei.
No que tange à legitimidade passiva, a revocatória pode ser ajuizada em
face de todos os contratantes, inclusive os respectivos herdeiros e legatários (art.
133). Com efeito, a ação revocatória pode ser movida contra todos os que
participaram do ato fraudulento, bem assim contra outras pessoas beneficiadas
pelo mesmo.
A ação revocatória é da competência do próprio juízo da falência e é
processada sob o rito ordinário (art. 134). Com efeito, trata-se de ação da
competência do juízo falimentar e processada sob o procedimento ordinário do
Código de Processo Civil.
398
398
Ademais, o autor da ação revocatória pode requerer medida cautelar de
sequestro do bem objeto do ato fraudulento cuja revogação é pleiteada (art. 137
da Lei nº 11.101/2005)917. A medida cautelar pode ser requerida antes (mediante
ação cautelar antecedente ou preparatória), no curso (por meio de ação cautelar
incidental) ou até mesmo no bojo do próprio processo da revocatória (por
intermédio de simples petição avulsa, consoante autoriza o art. 273, § 7º, do
Código de Processo Civil).
Por fim, a sentença proferida na ação revocatória ocasiona a
desconstituição dos atos fraudulentos. Da sentença proferida na revocatória,
entretanto, cabe apelação (art. 135 da Lei nº 11.101/2005), com efeito suspensivo
(art. 520, caput, proêmio, do Código de Processo Civil). Já da sentença no
eventual processo cautelar de sequestro também cabe apelação, mas sem efeito
suspensivo, por força do art. 520, inciso IV, do Código de Processo Civil, razão
pela qual a efetivação da apreensão do bem é imediata.
3. Declaração de ineficácia
A ineficácia dos atos praticados pelo empresário individual ou pela
sociedade empresária (por intermédio dos respectivos administradores ou
controladores) pode ser declarada no bojo do próprio processo falimentar ou em
ação própria, independente da existência de prévio conhecimento do estado de
crise econômico-financeira por parte do terceiro contratante com o empresário
individual ou com a sociedade empresária, ainda que sem a ocorrência de conluio
fraudulento para prejudicar os credores (art. 129, caput e parágrafo único).
Na verdade, a declaração da ineficácia depende apenas do enquadramento
do ato praticado em alguma das hipóteses objetivas previstas nos incisos do art.
129, como a ocorrência de pagamento de dívidas não vencidas, pelo empresário
917
O Professor Vicente Greco Filho sustenta que o caso do art. 137 da Lei nº 11.101 não é de sequestro, mas de arresto (cf. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 178). Ainda que muito respeitável a douta lição do eminente processualista, sustenta-se no presente compêndio que a hipótese prevista no art. 137 é de sequestro, porquanto tem em mira bem determinado objeto de litígio proveniente de ação revocatória, para a posterior entrega do bem à massa falida, tal como determinam os arts. 130, 132 e 136, todos da Lei nº 11.101, de 2005. Daí o perfeito enquadramento no conceito de sequestro, estudado em capítulo específico do presente compêndio.
399
399
individual ou pela sociedade empresária, dentro do termo legal, período de até
noventa dias antes do primeiro protesto, da propositura da recuperação judicial ou
do ajuizamento da falência, fixado pelo juiz na decisão de decretação da falência
(arts. 99, inciso II, e 129, inciso I), salvo quando há previsão do respectivo
pagamento no plano de recuperação judicial (art. 131).
Também é ineficaz o pagamento, dentro do termo legal, de dívidas já
vencidas e exigíveis, salvo quando o pagamento se dá mediante o disposto no
prévio contrato (art. 129, inciso II) ou consta do plano de recuperação judicial (art.
131).
Da mesma forma, não tem eficácia a constituição de direito real de garantia
dentro do termo legal (art. 129, inciso III), salvo quando há previsão específica no
plano de recuperação judicial (art. 131).
É igualmente ineficaz qualquer ato a título gratuito praticado nos dois anos
anteriores à decretação da falência (art. 129, inciso IV). Pelo mesmo motivo, não
tem eficácia a renúncia à herança918 ou a legado919 nos dois anos anteriores à
decretação da falência (art. 129, inciso V)920.
Não têm eficácia a venda e a transferência do estabelecimento empresarial
sem o consentimento ou o prévio pagamento de todos os credores (art. 129, inciso
VI), salvo quando há previsão da venda ou da transferência no plano de
recuperação judicial (art. 131).
Também são ineficazes os registros de direitos reais e de transferência de
propriedade entre vivos921 após a decretação da falência, ressalvada anterior
prenotação (art. 129, inciso VII).
Em suma, salvo quando constar do plano de recuperação judicial (art. 131),
o ato previsto no art. 129 deve ser declarado ineficaz mediante decisão judicial,
918
Universalidade de bens cuja transferência ocorre em razão do falecimento de uma pessoa natural (arts. 1.784 e 1.791 do Código Civil de 2002). 919
Bem certo e especificado deixado pelo falecido em favor de outrem mediante testamento (art. 1.912 do Código Civil). 920
O inciso V do art. 129 da Lei nº 11.101, de 2005, tem o mesmo escopo do art. 1.813 do Código Civil, a fim de que os credores não sejam prejudicados pela renúncia à herança, razão pela qual aqueles (credores) podem aceitar a herança no lugar do renunciante. 921
Por exemplo, doação.
400
400
independente do prévio conhecimento do estado de crise econômico-financeira
por parte do terceiro participante do ato e da existência de conluio fraudulento
para prejudicar os credores.
401
401
CAPÍTULO VIII – ARRESTO E SEQUESTRO
Nota explicativa
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o direito empresarial não
prescinde do estudo do arresto e do sequestro, em razão da importância dos
institutos para a compreensão dos arts. 103, caput, 137 e 154, § 5º, todos da Lei
nº 11.101/2005. Daí a explicação para a abertura de um capítulo específico para o
estudo do arresto e do sequestro, a fim de que aqueles preceitos tantas vezes
citados ao longo do presente compêndio possam ser interpretados sob o prisma
técnico-processual.
1. Arresto
1.1. Conceito de arresto
Arresto é a medida cautelar admissível em prol do credor, destinada à
apreensão de bens indeterminados do devedor, a fim de afastar sério risco de
dilapidação do patrimônio e resguardar o resultado útil de execução por quantia
certa.
1.2. Arresto: natureza do processo principal
Como o arresto está diretamente relacionado à execução por quantia certa,
questiona-se se a cautelar pode ser ajuizada na pendência de processo de
conhecimento. Sem dúvida, o arresto cautelar também pode ser requerido no
curso de um processo de conhecimento, como bem revela o art. 814, parágrafo
único, in fine, do Código de Processo Civil. Com efeito, quando o processo de
conhecimento for a fonte da futura execução por quantia certa, não há dúvida da
admissibilidade do arresto cautelar. Por fim, a futura ou atual execução por quantia
402
402
certa autorizadora do arresto cautelar pode ser civil ou falimentar. Com efeito, o
arresto cautelar também tem lugar na falência922.
1.3. Arresto antecedente e arresto incidental
À vista dos arts. 796 e 812 do Código de Processo Civil, o arresto cautelar
pode ser antecedente ou incidental, exercido mediante ação cautelar específica,
consubstanciada em petição inicial própria, autuada em separado (art. 809).
Não obstante, o arresto cautelar incidental também pode ser requerido no
bojo dos autos do processo principal. Com efeito, após o advento da Lei nº
10.444/2002, as cautelares incidentais podem ser concedidas até mesmo dentro
do próprio processo principal, em virtude do art. 273, § 7º, do Código de Processo
Civil. Aliás, o arresto pode ser determinado até de ofício pelo juiz do processo
principal, em virtude do poder geral de cautela consagrado no art. 798 do Código
de Processo Civil.
1.4. Hipóteses de arresto: inteligência do art. 813 do C.P.C.
O art. 813 do Código de Processo Civil arrola as principais hipóteses de
arresto923, todas à luz da mesma premissa: resguardar o resultado útil de
execução por quantia certa diante do risco de dilapidação do patrimônio pelo
devedor. O preceito, entretanto, não é exaustivo. Aliás, o inciso IV do próprio art.
813 revela a existência de outros tantos casos de arresto: art. 154, § 5º, da Lei nº
922
De acordo, na jurisprudência: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO – CAUTELAR DE ARRESTO – DEFERIMENTO DE LIMINAR – DETERMINAÇÃO DE QUE O AGRAVADO FIQUE COMO DEPOSITÁRIO FIEL DOS BENS ARRESTADOS – LEI DE FALÊNCIA – ART. 666 DO CPC.‖ (AGI nº 2003.00.2.006965-1, 5ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 10 de dezembro de 2003, p. 62). 923
―Art. 813. O arresto tem lugar: I - quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado; II - quando o devedor, que tem domicílio: a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores; III - quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas; IV - nos demais casos expressos em lei‖.
403
403
11.101/2005924, art. 731 do Código de Processo Civil925, art. 45, caput e § 2º, da
Lei nº 6.024, de 1974, art. 16, caput e § 1º, da Lei nº 8.429, de 1992926, e arts.
136, 137, 138, 139, 141, 143 e 144, todos do Código de Processo Penal. Em
suma, além das hipóteses arroladas no art. 813 do Código de Processo Civil, há
lugar para arresto cautelar em outros casos927, sempre que o credor demonstrar, a
um só tempo, a plausibilidade do respectivo direito (fumus boni iuris) e o perigo da
demora (periculum in mora)928.
1.5. Dívida em dinheiro, certeza acerca da existência e vencimento:
desnecessidade
À primeira vista, os arts. 813 e 814 do Código de Processo Civil
condicionam a concessão do arresto ao prévio reconhecimento da dívida e ao
vencimento da obrigação pecuniária.
Não obstante, fixada a premissa de que as hipóteses arroladas no art. 813
não são taxativas, o arresto pode ter lugar antes do vencimento da dívida e até
mesmo antes do reconhecimento da obrigação pecuniária, desde que
comprovados o fumus boni iuris, à luz da plausibilidade do direito do requerente, e
o periculum in mora, à vista do risco iminente de dilapidação do patrimônio por
parte do devedor.
924
Com a mesma opinião, na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 176: ―Entre eles se encontra o do já comentado art. 653, inserido na execução, e o do art. 154, § 5º, da Lei de Falências (a lei refere-se a sequestro, mas o caso é de arresto)‖. 925
Em sentido conforme, na doutrina: Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. Volume II, 27ª ed., 1999, nº 1.057, p. 444. 926
Em erudito voto proferido no julgamento do REsp nº 206.222/SP, o Ministro Teori Albino Zavascki sustenta a respeitável tese de que o sequestro previsto no art. 16 da Lei nº 8.429, de 1992, ora tem natureza de arresto, ora tem natureza de sequestro. Ainda que muito respeitável a tese do eminente Professor, o sequestro inserto no art. 16 da Lei nº 8.429 tem natureza de arresto, porquanto alcança bens indeterminados como garantia de execução por quantia certa, conforme se infere do art. 7º da mesma lei. 927
No mesmo sentido, na jurisprudência: ―- O art. 813 do CPC deve ser interpretado sob enfoque ampliativo, sistemático e lógico, de sorte a contemplar outras hipóteses que não somente as expressamente previstas no dispositivo legal.‖ (REsp nº 909.478/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de agosto de 2007, p. 249). ―- As hipóteses numeradas no art. 813, do CPC, são meramente exemplificativas, de forma que é possível ao juiz deferir cautelar de arresto fora dos casos enumerados.‖ (REsp nº 709.479/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de fevereiro de 2006, p. 548). 928
No mesmo sentido, na jurisprudência: ―II - Considerando que a medida cautelar de arresto tem a finalidade de assegurar o resultado prático e útil do processo principal, é de concluir-se que as hipóteses contempladas no art. 813, CPC, não são exaustivas, mas exemplificativas, bastando, para a concessão do arresto, o risco de dano e o perigo da demora.‖ (REsp nº 123.659/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de setembro de 1998, p. 175).
404
404
Com efeito, o arresto é admissível mesmo antes da propositura da
execução, ainda que na pendência do processo de conhecimento, como autoriza o
parágrafo único do art. 814. A propósito, merece ser prestigiada a conclusão nº 71
aprovada no Simpósio de Processo Civil de Curitiba, sob a relatoria do Professor
Cândido Dinamarco: ―ARRESTO E EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA – A exigibilidade
da dívida não é requisito indispensável à concessão do arresto‖929.
Em suma, o arresto não depende do vencimento da dívida nem do
reconhecimento da existência da obrigação mediante sentença transitada em
julgado, mas apenas do fumus boni iuris e do periculum in mora, ou seja, a
probabilidade da existência da dívida somada com o sério risco de dissipação de
bens pelo requerido. Em outros termos, dispensa-se a prova literal da dívida
líquida e certa para a efetivação do arresto nas hipóteses do art. 813 do Código de
Processo Civil.
1.6. Bens arrestáveis
O arresto pode ocasionar a apreensão de bens móveis, semoventes e
imóveis do devedor. Não obstante, à vista dos arts. 818 e 821 do Código de
Processo Civil, somente os bens penhoráveis podem ser objeto da constrição
mediante arresto. Por conseguinte, os bens impenhoráveis arrolados no art. 649
do Código de Processo Civil, no art. 1.715 do Código Civil e na Lei nº 8.009, de
1990, não são passíveis de arresto.
O arresto deve incidir em tantos bens quantos bastem para a satisfação da
execução por quantia, com o pagamento do principal atualizado, juros, custas e
honorários advocatícios (arts. 659, caput, e 821, ambos do Código de Processo
Civil).
929
Cf. Revista Forense, volume 252, p. 23 e 28: ―40. CÂNDIDO DINAMARCO apresentou esta dúvida: é necessário que a dívida esteja vencida para possibilitar o arresto? (arts. 586 e 814 – I). CÂNDIDO DINAMARCO: exigibilidade não é requisito para arresto. A medida, entretanto, perderia a finalidade se não proposta a ação dentro de trinta dias. E se a dívida, nestes trinta dias, ainda não estiver vencida? LUÍS RENTATO PEDROSO: parece que houve cochilo do legislador neste caso. GALENO LACERDA: não se restringe o direito do credor ao prazo fatal de trinta dias. Isto não seria compreensível. MOURA ROCHA: nem todas as medidas cautelares são preparatórias. Decisão do SIMPÓSIO: o arresto pode ser concedido antes de vencida a dívida, permanecendo a sua eficácia até trinta dias após a exigibilidade da mesma (arts. 814 e 586).‖ (Edson Prata. Simpósio de Processo Civil. Revista Forense, volume 252, p. 23).
405
405
1.7. Petição inicial do arresto
Em regra, a medida cautelar de arresto é requerida mediante ação própria,
especialmente quando a medida é solicitada antes da propositura da ação
principal. Daí a regra: a ação cautelar de arresto é veiculada mediante petição
inicial, a qual deve ser elaborada à luz dos arts. 39, inciso I, 258, 282, 283 e 801,
todos do Código de Processo Civil. As formalidades tradicionais somente podem
ser relevadas quando a medida cautelar é incidental e é requerida no bojo do
próprio processo principal, quando o arresto pode ser solicitado mediante simples
petição, como autoriza o art. 273, § 7º, do Código de Processo Civil.
1.8. Arresto cautelar liminar
À vista dos arts. 804 e 812 do Código de Processo Civil, é admissível a
concessão do arresto cautelar in limine litis, mediante decisão interlocutória
proferida pelo juiz. Tanto a decisão concessiva quanto a denegatória do arresto
liminar são passíveis de impugnação mediante recurso de agravo de instrumento,
no prazo de dez dias (art. 522).
1.9. Audiência de justificação: inteligência do art. 815 do C.P.C.
Se a prova documental juntada com a petição de arresto não for suficiente
para o convencimento do juiz em prol da imediata concessão da medida cautelar,
o magistrado pode designar audiência de justificação prévia, a fim de colher outras
provas requeridas na petição de arresto. Com efeito, ao contrário do que pode
parecer à primeira vista, a necessidade da medida cautelar de arresto pode ser
demonstrada por outros meios de prova além da documental. Daí a possibilidade
da oitiva de testemunhas e até mesmo de prova pericial na audiência de
justificação prévia. Colhidas as provas adicionais, o juiz decide se concede ou
denega o arresto liminar, conforme o caso concreto.
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1.10. Exigência da caução para a concessão da liminar: faculdade do juiz
A combinação dos arts. 804 e 816, inciso II, do Código de Processo Civil,
revela que o juiz pode condicionar a concessão do arresto liminar à prestação de
caução pelo requerente da cautelar. Trata-se de caução facultativa e poderá ser
exigida ou dispensada pelo juiz, à vista do caso concreto930. A caução prevista no
inciso II do art. 816 tem natureza de contracautela, porquanto tem como escopo
mitigar os eventuais danos causados por um eventual arresto indevido (cf. arts.
804 e 811).
1.11. Efetivação da medida, auto de arresto e nomeação do depositário
A medida cautelar de arresto pode ser efetiva em qualquer dia, até mesmo
nos feriados, tendo em vista o disposto no art. 173, inciso II, do Código de
Processo Civil.
À vista do art. 821 do Código de Processo Civil, a efetivação do arresto
segue o disposto nos arts. 659 e seguintes do mesmo diploma. Não há execução
propriamente dita, mas apenas a expedição de mandado judicial para a efetivação
da medida cautelar. O arresto é efetivado mediante a apreensão e o depósito dos
bens, com a lavratura do auto de arresto. Na eventualidade de mais de arresto,
também há mais de um auto, um para cada arresto.
Se o devedor oferecer resistência, incidem os arts. 579, 660, 661, 662 e
663 do Código de Processo Civil, com a requisição de força policial para a
efetivação do arresto.
Os bens arrestados ficam sob a guarda do depositário, nomeado pelo juiz.
Na nomeação do depositário dos bens móveis e imóveis, tem preferência o
depositário judicial931. Nada impede, entretanto, que o depositário seja um dos
litigantes, até mesmo o devedor, desde que o credor concorde com a nomeação.
Qualquer que seja o depositário nomeado pelo juiz, o encargo só é assumido com
930
De acordo, na jurisprudência: ―- Nas hipóteses do art. 813 do CPC, é facultativa a exigência de caução pelo juiz da causa, da mesma forma como o é em relação ao art. 804, do CPC.‖ (REsp nº 709.479/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de fevereiro de 2006, p. 548). 931
Cf. art. 666, inciso II, do Código de Processo Civil.
407
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a assinatura do depositário no auto de arresto, quando os bens arrestados
passam à guarda do depositário, responsável pela conservação, nos termos do
art. 148 do Código de Processo Civil.
Por fim, vale ressaltar que o art. 819 do Código de Processo Civil determina
a suspensão da efetivação do arresto quando o devedor paga ou deposita em
juízo a importância da dívida, os honorários advocatícios e as custas, presta
caução para garantir a dívida, os honorários e as causas, e também quando o
devedor indica fiador idôneo. Além das hipóteses de suspensão do arresto
previstas no art. 819, também há casos de cessão do arresto, arrolados no art.
820: cessa o arresto pelo pagamento, pela novação e pela transação.
1.12. Efeitos do arresto
O arresto cautelar produz alguns importantes efeitos jurídicos. O primeiro
efeito do arresto é vincular o bem apreendido ao processo principal. Na
eventualidade de o bem arrestado ser alienado a terceiro, a alienação não tem
eficácia alguma em relação ao processo acautelado mediante o arresto.
Realmente, o arresto não gera a imediata perda da propriedade, razão pela qual o
devedor ainda pode alienar o bem arrestado. Não obstante, a alienação não tem
eficácia alguma em relação ao processo principal ao qual o bem arrestado está
vinculado, o que explica a possibilidade de o bem ser penhorado e alienado no
processo principal, com o pagamento do credor.
Ademais, o arresto ocasiona a perda da posse direta do bem pelo
proprietário do mesmo, ou seja, o devedor. Com o arresto, o Estado-juiz assume a
posse direta do bem arrestado. Daí a nomeação do depositário pelo juiz, auxiliar
do juízo que fica pela guarda e pela conservação do bem arrestado (art. 148 do
Código de Processo Civil). O devedor cujo bem foi arrestado ainda tem a
propriedade e a posse indireta, tanto que é possível a alienação do bem a terceiro,
mas sem eficácia em relação ao processo garantido por meio do arresto.
408
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1.13. Art. 806 do C.P.C.: incidência na cautelar de arresto
Diante da natureza constritiva do arresto, incide o art. 806 do Código de
Processo Civil. Por conseguinte, o requerente deve ajuizar a ação principal no
prazo de trinta dias da efetivação da cautelar concedida in limine litis, sob pena de
perda da eficácia da medida (art. 808, inciso I).
1.14. Procedimento do arresto
Estudados os atos processuais em tópicos específicos, resta fechar o
procedimento do arresto cautelar, após a síntese da soma daqueles (atos
processuais).
Após a distribuição da petição inicial de arresto, perante o juízo competente
para o processo principal (cf. art. 800), o juiz decide acerca do pedido liminar.
Pode o juiz designar audiência de justificação prévia, a fim de colher provas
testemunhal e pericial, antes de decidir o pleito liminar. Trata-se de faculdade
conferida ao juiz, se a prova documental juntada com a petição inicial não permitir
a formação do convencimento ao juiz. Deferido o arresto liminar, há a imediata
efetivação da medida. Na mesma oportunidade ou logo em seguida, o requerido é
citado para contestar, em cinco dias (art. 802). Se houver necessidade de dilação
probatória, o juiz designa audiência de instrução e julgamento (art. 803). Na
mesma oportunidade ou logo em seguida, o juiz profere sentença (arts. 456 e
803), quando julga procedente ou improcedente o pedido cautelar,
independentemente de ter concedido ou denegado o pleito liminar. É, em suma, o
procedimento do arresto cautelar.
1.15. Coisa julgada: inteligência dos arts. 810 e 817 do C.P.C.
Em regra, a sentença proferida no processo cautelar de arresto não produz
coisa julgada material (ou seja, substancial), tendo em vista o disposto nos arts.
810 e 817 do Código de Processo Civil. À vista de ambos os preceitos, só há coisa
julgada material se o juiz pronunciar a prescrição da pretensão principal ou a
409
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decadência do direito em si. Ressalvadas as duas exceções, a sentença de
procedência do arresto cautelar só produz coisa julgada formal, apenas com o
impedimento de renovação da discussão no mesmo processo já sentenciado.
1.16. Subsistência do arresto e conversão em penhora
À vista dos arts. 807 e 818 do Código de Processo Civil, o arresto subsiste
durante a pendência do processo principal, com a posterior conversão em
penhora, para a satisfação da execução por quantia certa.
2. Sequestro
2.1. Conceito de sequestro
O sequestro é a medida cautelar típica de proteção de execução para
entrega de coisa e que ocasiona a apreensão judicial de bem determinado, objeto
do litígio. Daí das duas características que marcam o sequestro cautelar:
apreensão de bem específico, determinado, litigioso; e proteção de execução para
entrega de coisa.
2.2. Sequestro e arresto: diferenças e fungibilidade
Sequestro e arresto são espécies do mesmo gênero, razão pela qual têm
em comum a finalidade de resguardar o resultado útil de uma execução, atual ou
futura. Não obstante, os institutos não se confundem: enquanto o sequestro diz
respeito a execução para entrega de coisa e tem em mira bem determinado, o
arresto está relacionado a execução por quantia certa e que tem como alvo bens
indeterminados, mas passíveis de conversão em dinheiro.
A despeito das diferenças entre o arresto e o sequestro, o requerimento de
um no lugar do outro é erro escusável, passível de fungibilidade. Com efeito, à
vista dos arts. 154, caput, 798 e 823, todos do Código de Processo Civil, incide o
princípio da fungibilidade das cautelares, segundo o qual a cautelar inadequada
410
410
deve ser recebida como se fosse a correta para a espécie. Nada justifica o
indeferimento liminar da petição inicial do sequestro, ao fundamento de que a
cautelar adequada é o arresto, porquanto o inciso V do art. 295 do Código de
Processo Civil só autoriza o indeferimento da petição quando não for possível
adaptar a inicial ao tipo de procedimento legal, obstáculo que não alcança as
cautelares de sequestro e de arresto, como bem revela o art. 823 do Código de
Processo Civil. Aliás, por vezes o próprio legislador conduz o intérprete em falsa
pista, ao chamar de sequestro o que é verdadeiro arresto, como, por exemplo, no
art. 154, § 5º, da Lei nº 11.101/2005932, no art. 731 do Código de Processo Civil,
no art. 45, caput e § 2º, da Lei nº 6.024, de 1974933, art. 16, caput e § 1º, da Lei nº
8.429, de 1992, e nos arts. 136 e 137 do Código de Processo Penal de 1941934,
antes das correções feitas pela Lei nº 11.435, de 2006. Por tudo, há lugar para
fungibilidade entre as cautelares de sequestro e de arresto935.
2.3. Aplicação subsidiária das regras do arresto em relação ao sequestro
Como estudado no tópico anterior, o art. 823 do Código de Processo Civil
determina a aplicação subsidiária das regras do arresto em relação ao sequestro,
porquanto ambos os institutos são medidas cautelares protetivas de execução
932
Com a mesma opinião, na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 176: ―Entre eles se encontra o do já comentado art. 653, inserido na execução, e o do art. 154, § 5º, da Lei de Falências (a lei refere-se a sequestro, mas o caso é de arresto)‖. 933
Assim, na doutrina: ―Outro exemplo é o do art. 45 da Lei nº 6.024, de 13 de janeiro de 1974, que trata da liquidação extrajudicial das instituições financeiras e prevê o arresto de bens dos ex-administradores que não tenham sido atingidos pela indisponibilidade, prevista no art. 36 dessa lei. Conquanto o dispositivo mencione sequestro, trata-se de verdadeiro arresto, porque não recai sobre um bem determinado, mas sobre bens suficientes para a efetivação da garantia da responsabilidade desses administradores.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 307). 934
Com igual opinião, na doutrina: Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. Volume II, 27ª ed., 1999, nº 1.062, p. 447: ―Também o Código de Processo Penal, arts. 136 e 137, embora usando indevidamente a expressão sequestro, prevê casos de arresto contra o indiciado para garantir o ressarcimento do dano sofrido pela vítima do delito, antes da condenação, caso em que, também, não há, previamente, liquidez da obrigação, nem mesmo certeza dela‖. ―Esses casos tanto podem aparecer nas leis processuais como nas substanciais, que muitas vezes não usam linguagem rigorosamente técnica, já que é comum encontrar-se em diplomas legais extravagantes o emprego da palavra sequestro para designar hipóteses que, a rigor, seriam de arresto, como, por exemplo, se dá com o Código de Processo Penal, quando regula a medida cautelar de garantia da ação de indenização civil pelo dano oriundo do crime (arts. 136 e 137).‖ (Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. Volume II, 27ª ed., 1999, nº 1.083, p. 460). 935
De acordo, na jurisprudência: ―- O erro na indicação da medida cautelar não pode levar o Poder Judiciário a simplesmente afirmar que o expediente jurídico é inadequado. Cabe ao juiz, com base na fungibilidade das medidas cautelares, processar o pedido da forma que se mostrar mais apropriada.‖ (REsp nº 909.478/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de agosto de 2007, p. 249).
411
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mediante apreensão e depósito judicial de bens. Por conseguinte, todas as
omissões existentes na Seção do Código de Processo Civil destinada ao
sequestro são sanadas pela incidência dos preceitos referentes ao arresto.
2.4. Hipóteses de sequestro: inteligência do art. 822 do C.P.C.
O art. 822 do Código de Processo Civil arrola os principais casos de
sequestro cautelar936, todos à vista da mesma premissa: apreensão judicial de
bens litigiosos determinados para a posterior entrega da coisa na respectiva
execução. O art. 822, todavia, não contém rol exaustivo, mas, sim, exemplos de
sequestro, sem prejuízo de outros casos, como bem revela o inciso IV do próprio
art. 822, in verbis: ― IV – nos demais casos expressos em lei‖. Sem dúvida, o art.
822 arrola alguns casos de sequestro cautelar, mas não todos. O art. 137 da Lei
nº 11.101/2005, por exemplo, traz importante caso de sequestro, in verbis: ―O juiz
poderá, a requerimento do autor da ação revocatória, ordenar, como medida
preventiva, na forma da lei processual civil, o sequestro dos bens retirados do
patrimônio do devedor que estejam em poder de terceiros‖937. Os arts. 125, 126 e
127 do Código de Processo Penal versam sobre outro importante exemplo de
sequestro cautelar. De volta ao Código de Processo Civil, os arts. 1.016, § 1º, e
1.039 revelam a admissibilidade de sequestro cautelar de bem objeto de inventário
litigioso. Daí a conclusão: os casos previstos no art. 822 do Código de Processo
Civil não são as únicas hipóteses de sequestro cautelar no direito brasileiro. Na
verdade, sempre que existir risco iminente de um litigante dissipar, dilapidar,
danificar bens determinados, o outro litigante prejudicado ou ameaçado de sofrer o
prejuízo proveniente da dissipação, dilapidação ou danificação dos bens litigiosos
936
―Art. 822. O juiz, a requerimento da parte, pode decretar o sequestro: I - de bens móveis, semoventes ou imóveis, quando lhes for disputada a propriedade ou a posse, havendo fundado receio de rixas ou danificações; II - dos frutos e rendimentos do imóvel reivindicando, se o réu, depois de condenado por sentença ainda sujeita a recurso, os dissipar; III - dos bens do casal, nas ações de desquite (rectius, de
separação judicial) e de anulação de casamento, se o cônjuge os estiver dilapidando; IV - nos demais casos expressos em lei‖. 937
O Professor Vicente Greco Filho sustenta que o caso do art. 137 da Lei nº 11.101 não é de sequestro, mas de arresto (cf. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 178). Ainda que muito respeitável a lição do eminente processualista, sustenta-se no presente compêndio que a hipótese do art. 137 é de sequestro, porquanto tem em mira bem determinado objeto de litígio proveniente de ação revocatória, para a posterior entrega do bem à massa falida, tal como determinam os arts. 130, 132 e 136, todos da Lei nº 11.101, de 2005. Daí o perfeito enquadramento no conceito de sequestro.
412
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pode requerer o sequestro cautelar dos mesmos. Em suma, demonstrados o
periculum in mora e o fumus boni iuris, há lugar para sequestro cautelar,
independentemente de a espécie constar do rol do art. 822, ou não.
Por fim, quanto ao objeto, o sequestro pode alcançar os mais diversos
bens: móveis, semoventes e imóveis (art. 822, inciso I). Aliás, por serem bens
móveis, os títulos de créditos são passíveis de apreensão mediante sequestro.
2.5. Sequestro antecedente e sequestro incidental
À vista do art. 796 do Código de Processo Civil, as cautelares podem ser
antecedentes ou incidentais em relação ao processo principal. Incidentais são as
cautelares requeridas na pendência do processo principal. Antecedentes são as
cautelares ajuizadas antes mesmo da propositura da ação principal, razão pela
qual também são denominadas ―preparatórias‖. Por conseguinte, o sequestro
cautelar pode ser tanto antecedente quanto incidental em relação ao processo
principal.
Em regra, o sequestro é exercido mediante ação cautelar autônoma,
consubstanciada em petição inicial, autuada em separado – ainda que apensados
os respectivos autos aos do processo principal (art. 809). A despeito da regra da
autonomia, com o advento da Lei nº 10.444/2002, passou a ser possível o
requerimento de cautelar incidental no bojo do próprio processo principal,
mediante simples petição, como autoriza o art. 273, § 7º, do Código de Processo
Civil938. Daí a conclusão: em regra, o sequestro cautelar é exercido mediante ação
cautelar autônoma, a qual pode ser antecedente ou incidental ao processo
principal; nada impede, todavia, que o requerimento de sequestro incidental
mediante simples petição veiculada no próprio processo principal.
No que tange ao processo principal, o sequestro busca garantir execução
de entrega de coisa. Não obstante, o sequestro pode ser – e geralmente é –
938
De acordo, na jurisprudência: ―Não há, porém, qualquer impedimento a que seja formulado o mesmo pedido de medida cautelar de sequestro incidentalmente, inclusive nos próprios autos da ação principal, como permite o art. 273, § 7º, do CPC.‖ (REsp nº 206.222/SP, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 13 de fevereiro de 2006, p. 661).
413
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antecedente em relação à execução, até mesmo para garantir o resultado útil da
mesma. Por conseguinte, o sequestro cautelar pode ser requerido antes ou no
curso de processo de conhecimento como, por exemplo, de ação possessória (art.
822, inciso I, do Código de Processo Civil), de ação reivindicatória (art. 822,
incisos I e II, do Código de Processo Civil), de ação de separação judicial (art. 822,
inciso III, do Código de Processo Civil), de ação de anulação de casamento (art.
822, inciso III, do Código de Processo Civil), de ação revocatória (art. 137 da Lei
nº 11.101/2005), ação de inventário (arts. 1.016, § 1º, e 1.039, do Código de
Processo Civil). Por tudo, é possível concluir que o processo principal da cautelar
de sequestro pode ser a própria execução para entrega de coisa, mas também o
processo de conhecimento pretérito à execução para entrega de coisa.
2.6. Petição inicial e liminar
Como estudado no tópico anterior, subsiste a regra de que o sequestro é
exercido mediante ação cautelar autônoma, consubstanciada em petição inicial. A
inicial do sequestro cautelar deve ser elaborada à luz dos arts. 39, inciso I, 258,
282, 283 e 801, todos do Código de Processo Civil. A petição inicial deve ser
endereçada ao juízo competente para o processo principal, tendo em vista a regra
do art. 800.
À vista dos arts. 258 e 282, inciso V, ambos do Código de Processo Civil, a
petição inicial da ação cautelar de sequestro deve conter valor da causa, tendo em
vista o valor do bem a ser sequestrado.
Na eventualidade de o sequestro cautelar ser antecedente, o requerente
deve indicar o processo principal na petição inicial, com a respectiva exposição
(art. 801, inciso III e parágrafo único).
Ainda em relação à petição inicial, o requerente pode pedir a concessão do
sequestro liminar (art. 804). Diante do periculum in mora e do fumus boni iuris
comprovados in limine litis, o juiz pode proferir imediata decisão interlocutória, com
a ordem de sequestro dos bens litigiosos. Contra a decisão, entretanto, cabe
agravo de instrumento (arts. 522 e 558).
414
414
Resta saber se o juiz pode decretar o sequestro de ofício, ou seja,
independentemente de requerimento na petição inicial. Trata-se de vexata
quaestio. À vista da combinação dos arts. 798 e 804, ambos do Código de
Processo Civil, é lícito concluir em prol do sequestro cautelar até mesmo de ofício
pelo juiz939.
2.7. Efetivação da medida
Não há execução propriamente dita no processo cautelar, mas, sim, a
efetivação da medida cautelar mediante mandado judicial. Daí a imediata
expedição de mandado de sequestro dos bens determinados.
A medida cautelar de sequestro pode ser efetiva em qualquer dia, até
mesmo nos feriados, tendo em vista o disposto no art. 173, inciso II, do Código de
Processo Civil.
Se o requerido oferecer resistência à ordem judicial de sequestro dos bens,
cabe ao juiz requisitar força policial (arts. 579, 662 e 825, parágrafo único, todos
do Código de Processo Civil).
Compete ao juiz nomear o depositário dos bens, tendo em vista o disposto
nos arts. 666 e 824 do Código de Processo Civil. A regra reside na nomeação do
depositário público (art. 666, inciso II), mas o juiz pode nomear um dos litigantes,
até mesmo o devedor (art. 824, inciso II).
Os bens sequestrados ficam sob a guarda do depositório nomeado pelo
juiz, tão logo o depositário assine o compromisso940. Cabe ao depositário a guarda
e a conservação dos bens941.
2.8. Substituição do sequestro por caução
939
Em abono, há antigo precedente jurisprudencial da Corte Suprema: MS nº 9.535/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 12 de julho de 1962, p. 1.714. Colhe-se da ementa a tese prestigiada no presente compêndio: ―O juiz pode decretar ex officio o sequestro, para evitar rixas ou a dilapidação da coisa‖. 940
Cf. art. 825, caput, do Código de Processo Civil. 941
Cf. art. 148 do Código de Processo Civil.
415
415
À vista do art. 805, o requerido pode solicitar ao juiz a substituição do
sequestro por caução, real ou fidejussória (art. 826).
2.9. Propositura da ação principal
Se o sequestro for antecedente, o requerente deve ajuizar a ação principal
dentro do prazo legal de trinta dias da efetivação da medida, sob pena de perda
da eficácia da cautelar. Com efeito, diante da natureza constritiva do sequestro,
incide a regra do art. 806 do Código de Processo Civil.
2.10. Efeitos do sequestro cautelar
O sequestro cautelar produz alguns efeitos, como a vinculação jurídica do
bem sequestrado em relação ao processo principal por ele garantido. Daí a
possibilidade da expedição de mandado judicial contra o eventual terceiro
adquirente do bem, com a ordem de depósito do bem em juízo. Sem dúvida, o
sequestro cautelar não significa perda da propriedade, mas apenas da posse
direta, a qual é transferida ao Estado-juiz, por intermédio do depositário nomeado
pelo juiz. Por conseguinte, o requerido preserva o domínio e a posse indireta,
tanto que pode alienar o bem sequestrado a terceiro. Não obstante, a alienação
não tem eficácia jurídica em relação ao processo principal garantido por meio do
sequestro (art. 626).
416
416
CAPÍTULO IX – AÇÃO DE RESTITUIÇÃO
1. Conceito
A restituição é a ação incidental ao processo falimentar por meio da qual o
proprietário pode pedir a devolução de bem arrecadado pelo administrador judicial
no processo de falência942, de bem que se encontre em poder do empresário
individual ou da sociedade empresária na data da decretação da quebra (art. 85,
caput) e de coisa vendida a crédito, desde que tenha sido entregue ao empresário
individual ou à sociedade empresária nos quinze dias anteriores à distribuição da
falência, mas não alienada a terceiro (art. 85, parágrafo único).
2. Alcance do vocábulo legal ―bem‖
O vocábulo ―bem‖ inserto no art. 85 da Lei nº 11.101 deve ser interpretado
em sentido amplo, a fim de alcançar dinheiro, coisas em geral e demais bens
arrolados no art. 655 do Código de Processo Civil.
3. Legitimidade ativa
À vista do caput do art. 85 da Lei nº 11.101/2005, somente o proprietário
pode ajuizar a ação de restituição; ao mero possuidor resta a ação de embargos
de terceiro943, consoante a combinação do art. 93 da Lei nº 11.101 com o art.
1.046 do Código de Processo Civil.
4. Causas de pedir da ação de restituição
O art. 85 da Lei nº 11.101 arrola três causas de pedir para a restituição. A
primeira causa autorizadora da restituição protege o proprietário de bem
942
Na verdade, a ação de restituição também é admissível na pendência de recuperação judicial: cf. arts. 49, § 4º, e 86, inciso II, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. 943
Cf. enunciado nº 84 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
417
417
injustamente arrecadado pelo administrador judicial, no processo de falência (arts.
22, inciso III, alínea ―f‖, 85, caput, e 108, caput).
A segunda causa autorizadora da restituição protege o proprietário de bem
que se encontra em poder do empresário individual ou da sociedade empresária,
na data da prolação da decisão de decretação da falência (art. 85, caput, in fine).
É o caso, por exemplo, de arrecadação pelo administrador judicial de bem objeto
de alienação fiduciária na qual figura como devedor o empresário individual ou a
sociedade empresária, conforme autoriza o art. 7º do Decreto-lei nº 911, in verbis:
―Art. 7º Na falência do devedor alienante, fica assegurado ao credor ou
proprietário fiduciário o direito de pedir, na forma prevista em lei, a restituição do
bem alienado fiduciariamente‖.
Por fim, pode ser objeto de ação de restituição a coisa vendida a crédito e
entregue ao empresário individual ou à sociedade empresária nos quinze dias
anteriores à distribuição da falência, desde que ainda não tenha sido alienada (art.
85, parágrafo único). Com efeito, não há lugar para a restituição quando a coisa
vendida a crédito na quinzena anterior à distribuição da falência já tiver sido
alienada pelo empresário individual ou pela sociedade empresária, a quem cabe o
ônus da prova da respectiva alienação. Se a coisa vendida a crédito não é
encontrada, mas não é comprovada a respectiva alienação pelo empresário
individual ou sociedade empresária, a restituição deve ser feita em dinheiro,
consoante o enunciado nº 495 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―A
restituição em dinheiro da coisa vendida a crédito, entregue nos quinze dias
anteriores ao pedido de falência ou de concordata, cabe, quando, ainda que
consumida ou transformada, não faça o devedor prova de haver sido alienada a
terceiro‖.
No que tange ao prazo de quinze dias, conta-se da efetiva entrega da coisa,
e não da simples remessa ao empresário individual ou à sociedade empresária.
Cabe ao autor da ação de restituição o ônus da prova da entrega da coisa na
quinzena anterior à distribuição da falência. A respeito do tema, merece ser
prestigiado o enunciado nº 193 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Para a
418
418
restituição prevista no art. 76, § 2º, da LF, conta-se o prazo de quinze dias da
entrega da coisa e não de sua remessa‖. Embora o enunciado nº 193 tenha sido
aprovado na vigência do antigo Decreto-lei nº 7.661, de 1945, subsiste a
orientação jurisprudencial, porquanto o atual parágrafo único do art. 85 da Lei nº
11.101 tem redação similar à do anterior § 2º do art. 76 do Decreto-lei nº 7.661.
Daí a possibilidade da aplicação do enunciado nº 193 mesmo após o advento da
Lei nº 11.101/2005.
5. Formas de restituição: própria coisa ou dinheiro
A primeira forma de restituição consiste na devolução da própria coisa, tal
como determina o caput do art. 88: ―A sentença que reconhecer o direito do
requerente determinará a entrega da coisa no prazo de 48 (quarenta e oito)
horas‖.
Quando o bem injustamente arrecadado ou que se encontre em poder do
empresário individual ou da sociedade empresária na data da decretação da
falência for dinheiro, também a restituição deve ser feita em dinheiro, como bem
assentou o Supremo Tribunal Federal no enunciado nº 417: ―Pode ser objeto de
restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem,
ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade‖. É o que ocorre,
por exemplo944, na hipótese do parágrafo único do art. 51945 da Lei nº 8.212, de
1991, em relação aos valores descontados pelo empresário individual ou pela
sociedade empresária dos respectivos empregados e não recolhidos ao Instituto
Nacional de Seguro Social. Ainda a respeito do tema, merece ser prestigiado o
enunciado nº 21 da Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―É passível
de restituição, na falência, a contribuição previdenciária arrecadada dos
empregados, da qual é depositário o falido, não tendo dela disponibilidade‖.
944
Cf. REsp nº 501.643/RS, 2ª Turma do STJ, Informativo nº 334. 945
―Art. 51. O crédito relativo a contribuições, cotas e respectivos adicionais ou acréscimos de qualquer natureza arrecadados pelos órgãos competentes, bem como a atualização monetária e os juros de mora, estão sujeitos, nos processos de falência, concordata ou concurso de credores, às disposições atinentes aos créditos da União, aos quais são equiparados. Parágrafo único. O Instituto Nacional do Seguro Social-INSS reivindicará os valores descontados pela empresa de seus empregados e ainda não recolhidos‖.
419
419
A restituição também deve ser feita em dinheiro nas três hipóteses previstas
no art. 86. Em primeiro lugar, a restituição deve ser feita em dinheiro quando a
coisa arrecadada injustamente ou que se encontre em poder do empresário
individual ou da sociedade empresária na data da decretação da falência não mais
existir quando a ação restituição for ajuizada, ainda que a coisa tenha sido
alienada (art. 86, inciso I). Com efeito, no que tange às duas hipóteses previstas
no caput do art. 85, é irrelevante se a inexistência da coisa decorre de alienação,
ou não. Em ambas as hipóteses, a restituição deve ser feita em dinheiro logo
depois de realizado o pagamento previsto no art. 151 (art. 86, parágrafo único). A
restituição em dinheiro da coisa inexistente deve ser feita à luz da avaliação e, no
caso de ter ocorrido alienação, pelo respectivo preço, sempre com a atualização
monetária (art. 86, inciso I). Situação bem diferente é a prevista no parágrafo único
do art. 85: se a coisa não mais existir em razão de alienação comprovada da
mesma, não há lugar para a restituição em dinheiro, mas, sim, para a mera
habilitação do credor consoante a classificação do respectivo crédito946. Se,
entretanto, a coisa não mais existir, mas não for comprovada a alienação da
mesma pelo empresário individual ou pela sociedade empresária, deve ser feita a
restituição em dinheiro, na esteira do enunciado nº 495 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal.
À vista da segunda hipótese arrolada no art. 86, deve ser realizada a
restituição em dinheiro da importância entregue, ao empresário individual ou à
sociedade empresária, em moeda corrente nacional, em razão de adiantamento a
contrato de câmbio para exportação, previsto no art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº
4.728, de 1965 (art. 86, inciso II, da Lei nº 11.101/2005). Aliás, a importância
entregue ao empresário individual ou à sociedade empresária decorrente de
adiantamento a contrato de câmbio para exportação também não é alcançada
pela recuperação judicial (art. 49, § 4º, da Lei nº 11.101/2005). Por conseguinte, o
credor poderá pedir a restituição em dinheiro da importância adiantada em razão
946
Assim, na jurisprudência: ―CONCORDATA. Coisa vendida a crédito. Entrega quinze dias antes do requerimento. A venda a crédito de mercadoria entregue menos de quinze dias antes do ajuizamento do pedido de concordata, alienada a terceiros, não autoriza a restituição, devendo o crédito ser habilitado como quirografário. Precedentes do STJ. Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 437.596/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 10 de fevereiro de 2003, p. 221).
420
420
de contrato de câmbio para exportação, ainda que na pendência tanto de
processo de recuperação quanto de processo de falência947.
A restituição da importância adiantada deve ser feita com a correção
monetária correspondente, na esteira do enunciado nº 36 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça: ―A correção monetária integra o valor da restituição, em caso
de adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência‖. A propósito,
não incide a exigência da quinzena prevista no parágrafo único do art. 85 em
relação importância decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para
exportação, porquanto aquele lapso só precisa ser observado para a restituição de
coisa vendida a prazo, como bem assentou o Superior Tribunal de Justiça no
enunciado nº 133: ―A restituição da importância adiantada, a conta de contrato de
câmbio, independe de ter sido a antecipação efetuada nos quinze dias anteriores
ao requerimento da concordata‖.
Resta saber se o enunciado nº 307 da Súmula do Superior Tribunal de
Justiça subsiste em sua totalidade. Dispõe o verbete sumular: ―A restituição de
adiantamento de contrato de câmbio, na falência, deve ser atendida antes de
qualquer crédito‖. Consoante o parágrafo único do art. 86, todavia, a restituição
em dinheiro somente pode ocorrer após o pagamento dos créditos trabalhistas de
natureza salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até
o limite de cinco salários mínimos por trabalhador. Com efeito, por força do art.
151, tão logo haja disponibilidade de caixa, devem ser pagos em primeiro lugar os
trabalhadores com salários vencidos nos três últimos meses anteriores à
decretação da falência, dentro do limite de cinco salários mínimos por trabalhador.
Só após tem lugar a restituição em dinheiro prevista no art. 86. Por conseguinte, o
enunciado nº 307 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça aprovado em 6 de
dezembro de 2004 deve ser interpretado cum grano salis, com a ressalva da
exceção contida no parágrafo único do art. 86 da Lei nº 11.101/2005948.
947
Cf. arts. 49, § 4º, e 86, inciso II, da Lei nº 11.101, de 2005, combinados com o art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 1965. 948
Não obstante, a ressalva defendida no presente compêndio não foi prestigiada em recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça. A Corte não seguiu acolheu a ressalva contida no parágrafo único do art. 86 da Lei nº 11.101, de 2005, e aplicou a tese consagrada no enunciado nº 307, porquanto ―reafirmou que as contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados pelo empregador falido que deixaram
421
421
Por fim, o art. 86 versa sobre a restituição em dinheiro também tem lugar
em relação aos valores entregues ao empresário individual ou à sociedade
empresária pelo contratante de boa-fé, na eventualidade da declaração da
ineficácia (art. 129) ou da revogação de contrato (art. 130). Com efeito, a
combinação do inciso III do art. 86 com o caput do art. 136 revela a
admissibilidade da restituição em dinheiro em prol daquele que contratou de boa-
fé e é surpreendido pela declaração da ineficácia ou pela revogação do contrato,
no que tange aos valores entregues ao empresário individual ou à sociedade
empresária.
6. Petição inicial da ação de restituição
A ação de restituição deve ser proposta mediante petição inicial, com a
observância do art. 282 do Código de Processo Civil. A petição inicial também
deve conter a descrição do bem reclamado e a fundamentação que sustenta o
pedido de restituição (art. 87, caput, da Lei nº 11.101/2005).
7. Distribuição por dependência
A petição da ação de restituição deve ser distribuída por dependência ao
processo de falência (art. 78, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005).
8. Autuação em separado aos autos do processo falimentar
Após a distribuição por dependência, o juiz da falência deve determinar a
autuação em separado da petição inicial, com os respectivos documentos que a
acompanham (art. 87, § 1º, proêmio).
9. Indisponibilidade do bem
de ser repassadas aos cofres previdenciários não integram o patrimônio do falido. Por isso devem ser restituídas antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista.‖ (REsp nº 501.643/RS, 2ª Turma do STJ, Informativo nº 334).
422
422
O art. 91 da Lei nº 11.101 revela a suspensão ex vi legis da disponibilidade
do bem reclamado até o trânsito em julgado da sentença proferida na ação de
restituição, independentemente de pronunciamento específico do juiz. A eventual
alienação do bem litigioso não tem eficácia algum e pode ser reconhecida perante
o juízo da falência.
10. Intimações
O juiz deve determinar a ―intimação‖ do empresário individual ou do
representante da sociedade empresária, para eventual manifestação, em cinco
dias. A despeito da literalidade do § 1º do art. 87 da Lei nº 11.101, vale dizer, do
vocábulo ―intimação‖, trata-se de verdadeira citação do empresário individual ou
da sociedade empresária, conforme o caso, para ocupar o polo passivo do
processo instaurado por força da ação de restituição.
Em seguida, o juiz deve determinar a intimação do Comitê de Credores,
para possível manifestação, em cinco dias. Com efeito, como o § 1º do art. 87
estabelece que o prazo é sucessivo, os cinco dias só correm após a intimação do
Comitê, na pessoa do respectivo presidente.
Depois, há a intimação de cada um dos credores arrolados na relação
nominal prevista nos arts. 99, inciso III, e 105, inciso II, ambos da Lei nº
11.101/2005. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista pela existência da
expressão ―prazo sucessivo‖ no bojo do § 1º do art. 87, o prazo de cinco dias dos
credores é comum, ou seja, corre para todos os credores de uma só vez. Com
efeito, a expressão ―prazo sucessivo‖ diz respeito às classes de legitimados
passivos: 1) empresário individual ou sociedade empresária, conforme o caso; 2)
Comitê de Credores; 3) Credores; e 4) Administrador Judicial. Aliás, os credores já
podem estar representados pelo Comitê, quando têm, a rigor, duas oportunidades
de manifestação. Sob outro prisma, a interpretação do § 1º do art. 87 na linha de
raciocínio de que o prazo de cinco dias referente aos credores é comum a todos
encontra sustentação nos princípios da celeridade e da economia processual
consagrados no parágrafo único do art. 75. Embora o prazo seja comum, o
423
423
quinquídio só começa a correr após a intimação do último credor, em virtude da
incidência do art. 241, inciso III, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.
189 da Lei nº 11.101/2005.
Por fim, há a intimação do administrador judicial, na qualidade de
representante judicial da massa falida (art. 22, inciso III, alínea ―c‖), para a
respectiva manifestação, em cinco dias.
11. Natureza jurídica da manifestação contrária: contestação
Eventual manifestação contrária à restituição vale como contestação (art.
87, § 1º, in fine).
12. Instrução
Contestada a restituição, o juiz deve decidir sobre as provas requeridas e
designar audiência de instrução e julgamento, se considerar necessária a
produção de provas em audiência (art. 87, § 2º).
13. Conclusão para sentença
Não solicitada prova alguma além da documental ou indeferidas as provas
adicionais requeridas pelas partes, os autos devem ser conclusos ao juiz para
sentença (art. 87, § 3º).
Na eventualidade de deferimento e produção de provas além da
documental, finda a instrução, o juiz pode proferir sentença desde logo ou
determinar a conclusão dos autos para posterior prolação da sentença (arts. 454 e
456 do Código de Processo Civil).
14. Sentença de procedência da restituição
424
424
Julgado procedente o pedido de restituição, o juiz deve determinar a
entrega da coisa reclamada, em quarenta e oito horas (art. 88, caput).
No caso condenação de restituição em dinheiro, o juiz deve determinar o
depósito tão logo seja realizado o pagamento previsto no art. 151 (art. 86,
parágrafo único), ou seja, com preferência em relação aos créditos
extraconcursais e concursais (arts. 83, 84 e 149).
Por fim, o juiz deve condenar a massa em honorários advocatícios, salvo
quando não há contestação, vale dizer, manifestação contrária à restituição (art.
88, parágrafo único).
15. Sentença de improcedência parcial
Denegada a restituição na sentença, mas reconhecido o crédito, o juiz
determina a inclusão do nome do autor no quadro-geral de credores, na
classificação que lhe couber (art. 89).
16. Sentença de total improcedência
Denegada a restituição e nem sequer reconhecido o crédito pelo juiz, há a
prolação de sentença de total improcedência, sem inclusão do nome do autor no
quadro-geral de credores.
17. Recorribilidade da sentença
Em qualquer caso, da sentença cabe apelação (art. 90, caput). Na esteira
do enunciado nº 25 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, o prazo de quinze
dias para a interposição da apelação corre das respectivas intimações das partes,
representadas por seus advogados (arts. 184, 242, 506 e 508 do Código de
Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº 11.101/2005).
O recurso apelatório, todavia, não tem efeito suspensivo (art. 90, caput),
razão pela qual é admissível a execução provisória da sentença.
425
425
Ainda a respeito da apelação, contra o respectivo acórdão majoritário de
provimento cabe o recurso de embargos infringentes (enunciado nº 88 da Súmula
do Superior Tribunal de Justiça, art. 189 da Lei nº 11.101/2005, e art. 530 do
Código de Processo Civil).
18. Execução provisória e caução
A execução da sentença na pendência de recurso depende da prestação de
caução, a fim de que o autor possa efetuar desde logo o levantamento da coisa ou
da quantia reclamada (art. 90, parágrafo único).
19. Insuficiência dos valores
Na eventualidade de restituição em dinheiro, deve ser feito o rateio
proporcional do disponível, se insuficiente o saldo existente (art. 91, parágrafo
único). Tal rateio, todavia, só tem lugar depois do pagamento dos salários
vencidos dos empregados, na forma prevista no art. 151.
20. Ação de restituição e de embargos de terceiro
À luz do caput do art. 85, a restituição só pode ser proposta por proprietário,
em razão da natureza reivindicatória da ação. Já o possuidor tem apenas a ação
de embargos de terceiro, porquanto o § 1º do art. 1.046 do Código de Processo
Civil autoriza a propositura dos embargos tanto por proprietário quanto por
possuidor. Por conseguinte, além do possuidor, o proprietário também pode
ajuizar ação de embargos de terceiro; já aquele (possuidor) não tem legitimidade
para a ação de restituição, mas, sim, para a ação de embargos de terceiro949.
Resta saber se o proprietário pode escolher entre as duas ações ou se
alguma tem caráter subsidiário. Por força do art. 93, os embargos de terceiro são
949
Por exemplo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. Quem exerce o comércio em prédio que lhe foi locado pela falida tem legitimidade para opor embargos de terceiro contra o ato de arrecadação do imóvel, impedindo o prosseguimento da atividade empresarial.‖ (REsp nº 579.490/MA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de outubro de 2005, p. 291).
426
426
admissíveis quando ―não couber pedido de restituição‖. Daí a conclusão: a ação
de embargos de terceiro tem caráter subsidiário, ou seja, só é admissível quando
não for adequada a ação de restituição.
Segundo autorizada doutrina950, há outro critério distintivo entre a
admissibilidade da restituição e dos embargos de terceiro, conforme a existência
de relação jurídica com o empresário individual ou à sociedade empresarial, ou
não. Se a indevida apreensão do bem decorre da existência de alguma relação
jurídica, é admissível a restituição do art. 85. Se a apreensão ocorreu a despeito
da inexistência de relação jurídica alguma, são admissíveis embargos de terceiro.
Por fim, em virtude da importância dos embargos de terceiro na falência, o
próximo capítulo é destinado ao estudo do instituto.
950
Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 344.
427
427
CAPÍTULO X – EMBARGOS DE TERCEIRO
1. Admissibilidade em processos de recuperação e de falência
À vista do art. 351º, número 2, do Código de Processo Civil de Portugal,
com a redação conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A, de 1995, não são admissíveis
embargos de terceiro quando a apreensão de bens de terceiro tem lugar em
processos de recuperação empresarial e de falência, in verbis: ―2. Não é admitida
a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada
no processo especial de recuperação de empresa e de falência‖951.
Em contraposição, o direito brasileiro admite a propositura de embargos de
terceiro até mesmo quando a apreensão de bens se dá nos processos de
recuperação e de falência, como bem revela o art. 93 da Lei nº 11.101/2005: ―Nos
casos em que não couber pedido de restituição, fica resguardado o direito dos
credores de propor embargos de terceiros, observada a legislação processual
civil‖. Sem dúvida, ressalvados os casos de ação de restituição952, são admissíveis
embargos de terceiro referentes a bens apreendidos em processos de
recuperação e de falência, quer pelo administrador judicial nomeado pelo juiz,
quer por ordem do próprio juiz953.
951
Como bem ensina a melhor doutrina lusitana, os embargos de terceiro são inadmissíveis quando a apreensão de bens ocorre em processos de recuperação e de falência, em razão da vedação inserta no art. 351º, número 2, do Código de Processo Civil de Portugal, bem assim da existência de via própria para a restituição de bens na legislação especial dos processos de recuperação e de falência: ―2. A restituição e separação de bens no âmbito do processo especial de recuperação de empresa e de falência rege-se pelo disposto nos arts. 201º e ss. do CPEREF, aprovado pelo DL nº 132/93, de 23-4.‖ (Abílio Neto. Código de Processo Civil anotado. 15ª ed., 1999, p. 473 e 474). 952
Cf. arts. 85 e 86 da Lei nº 11.101, de 2005. 953
Por exemplo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. Quem exerce o comércio em prédio que lhe foi locado pela falida tem legitimidade para opor embargos de terceiro contra o ato de arrecadação do imóvel, impedindo o prosseguimento da atividade empresarial.‖ (REsp nº 579.490/MA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de outubro de 2005, p. 291). ―PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. AÇÃO POSSESSÓRIA. COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. LEI 11.101/05, ART. 66. 1. O Juízo que determinou a reintegração de posse da INFRAERO em áreas aeroportuárias que eram ocupadas pela VASP tem competência para o processamento e julgamento dos embargos de terceiro opostos sob a alegação de turbação na posse de bens que se encontram na referida área (CPC, art. 1.049). 2. A regra prevista no art. 66 da Lei 11.101/05 não impõe a remessa dos autos dos embargos de terceiro ao Juízo em que tramita o processo de recuperação judicial da VASP, uma vez que, no caso, não se cogita a alienação de bens da empresa aérea. 3. O pedido de substituição do fiel depositário não foi objeto de deliberação pelo Juiz a quo e, portanto, o seu exame pelo Tribunal configuraria supressão de instância. 4. Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento.‖ (AGI nº 2006.01.00.046041-6/AM, 6ª Turma do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça de 2 de abril de 2007, p. 135).
428
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2. Embargos de terceiro: preceitos de regência e enunciados sumulares
Os embargos de terceiro estão previstos nos arts. 173, inciso II, 1.046 a
1.054, todos do Código de Processo Civil, bem assim no art. 93 da Lei nº
11.101/2005.
Além dos preceitos legais, os embargos de terceiro também constam de
alguns enunciados das Súmulas do Superior Tribunal de Justiça954, do antigo
Tribunal Federal de Recursos955 e do extinto Tribunal de Alçada Civil do Rio de
Janeiro956, em razão da grande importância do instituto na prática forense.
3. Embargos de terceiro: nomen iuris e objeto
Além da denominação consagrada nos preceitos de regência, os embargos
de terceiro também são denominados ―embargos de separação‖, porquanto
ensejam a exclusão de bem de terceiro de injusta constrição judicial. Daí o objeto
dos embargos de terceiro: a proteção tanto da posse quanto da propriedade em
prol de pessoa que sofre apreensão indevida de bem em processo no qual não é
parte, a fim de que o bem seja excluído da injusta constrição judicial. Não versam
os embargos de terceiro, entretanto, sobre o objeto do processo originário, mas
apenas sobre a exclusão de bem de terceiro indevidamente apreendido no
processo primitivo.
4. Embargos de terceiro: natureza jurídica e conceito
O termo ―embargos‖ tem vários significados à vista da legislação brasileira.
Há ações de embargos957, recursos de embargos958 e até mesmo embargos com
natureza de contestação959.
954
Cf. enunciados nºs 84, 134, 195 e 303. 955
Cf. enunciados nºs 33 e 184. 956
Cf. enunciado nº 17. 957
Por exemplo, os embargos à execução (cf. arts. 736 e seguintes do Código de Processo Civil) e os embargos de terceiro (cf. arts. 1.046 do Código de Processo Civil) são ações.
429
429
No que tange aos embargos de terceiro, não há dúvida de que têm
natureza de ação, porquanto formam um novo processo distinto do anterior
processo no qual houve a apreensão de bem de terceiro. Aliás, a existência de
―contestação‖960 como forma de contraposição aos embargos de terceiro reforça a
conclusão acerca da natureza do instituto: ação961.
Estudada a natureza jurídica, já é possível conceituar os embargos de
terceiro: ação cognitiva, de cunho constitutivo962, processada sob procedimento
especial de jurisdição contenciosa.
Sob outro prisma, os embargos de terceiro são, a um só tempo, ação
autônoma e incidental: autônoma, em razão da formação de um novo processo
diverso daquele no qual houve a apreensão judicial de bem de terceiro, com
petição inicial, autuação, citação, contestação e sentença próprias; incidental, em
razão da distribuição por dependência ao processo anterior, com o apensamento
dos autos dos embargos aos autos do processo originário, por força do art. 1.049
do Código de Processo Civil.
Por tudo, os embargos de terceiros são a ação autônoma de impugnação
que tem em mira apreensão judicial de bem de terceiro alheio ao processo no qual
houve a constrição indevida.
5. Embargos de terceiro e classificações
Ao contrário das demandas petitórias típicas e das demandas possessórias
específicas, os embargos de terceiro não podem ser incluídos em nenhuma das
classes, porquanto podem ser fundados na propriedade, mas também podem ser
958
Por exemplo, os embargos infringentes (cf. arts. 496 e 530 do Código de Processo Civil), os embargos de divergência (cf. arts. 496 e 546 do Código de Processo Civil), os embargos de declaração (cf. arts. 496, 535, 538 e 554 do Código de Processo Civil) e os embargos infringentes de alçada (cf. art. 34 da Lei nº 6.830, de 1980) têm natureza recursal. 959
Por exemplo, os embargos previstos nos arts. 755 e 1.102-C do Código de Processo Civil têm natureza de contestação. 960
Cf. art. 1.053 do Código de Processo Civil. 961
Assim, na jurisprudência: CC nº 54.437/SC, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 6 de fevereiro de 2006, p. 189: ―Tendo os embargos de terceiro natureza de ação‖. 962
Melhor dito, constitutiva negativa, porquanto os embargos desconstituem, desfazem o ato judicial de apreensão indevida de bens do terceiro.
430
430
veiculados pelo possuidor. Daí a dificuldade da inclusão dos embargos de terceiro
em alguma das classes tradicionais.
Com efeito, embora possam ser veiculados com fundamento na posse, os
embargos de terceiro também podem ser fundados na propriedade, razão pela
qual não são verdadeiros interditos possessórios.
Ademais, os embargos de terceiro só têm mira esbulho, turbação e ameaça
provenientes de ato judicial, ao contrário dos verdadeiros interditos possessórios,
admissíveis contra esbulho, turbação e ameaça provenientes de pessoas naturais
ou jurídicas em geral.
À vista das distinções apontadas, os embargos de terceiro não são
interditos possessórios; mas também não têm natureza petitória, em virtude da
admissibilidade fundada apenas na posse, à vista do § 1º do art. 1.046 do Código
de Processo Civil.
6. Alvo dos embargos de terceiro
A ação de embargos tem em mira ato de constrição judicial de bem de
terceiro, como a arrecadação, o sequestro, o arresto, a alienação judicial e
qualquer outra modalidade de apreensão judicial de bem de terceiro em relação
ao processo no qual houve a constrição indevida, tendo em vista o caráter
exemplificativo do caput do art. 1.046 do Código de Processo Civil.
7. Embargos de terceiro e recurso de terceiro
Os embargos de terceiro não se confundem com o recurso de terceiro.
Segundo o art. 1.046 do Código de Processo Civil, os embargos são ação
autônoma de impugnação em favor de terceiro alheio ao processo no qual foi
exarado o ato judicial lesivo. Por conseguinte, os embargos de terceiro ocasionam
a formação de novo processo, tendo como alvo o ato de apreensão judicial
praticado em processo anterior. Já o recurso de terceiro tem, à vista do art. 499 do
Código de Processo Civil, verdadeira natureza recursal, porquanto a impugnação
431
431
tem lugar no bojo do mesmo processo no qual foi proferido o julgamento contrário
ao terceiro.
Resta saber se o terceiro ao processo no qual houve a prolação de decisão
judicial que ocasiona a apreensão de bem pode recorrer no mesmo processo ou
se necessita instaurar outro processo mediante a ação de embargos de terceiro.
Trata-se de vexata quaestio, com opiniões antagônicas na melhor doutrina.
Com efeito, autorizada doutrina963 sustenta que o terceiro que dispõe dos
embargos do art. 1.046 do Código de Processo Civil pode optar pela interposição
do recurso de terceiro previsto no art. 499, caput e § 1º, do mesmo diploma. O
terceiro, portanto, tem liberdade de escolha, desde que observe os respectivos
prazos legais.
Em contraposição, doutrina964 muito abalizada sustenta a incompatibilidade
das vias impugnativas previstas nos arts. 499, caput e § 1º, e 1.046, ambos do
Código de Processo Civil, ao fundamento de que o terceiro não pode agregar nova
demanda na angusta via recursal.
Ainda que muito respeitáveis ambas as teses antagônicas, tudo indica que
há lugar para uma solução intermediária: o terceiro não pode agregar nova
demanda mediante recurso de terceiro, tendo em vista a impossibilidade jurídica
da modificação do pedido e da causa de pedir em grau de recurso, ex vi do
parágrafo único do art. 264 do Código de Processo Civil; mas há lugar para a livre
escolha entre o recurso de terceiro e os embargos de terceiro quando a
impugnação do terceiro suscitar questão diretamente relacionada ao processo
originário e que necessite apenas de julgamento à luz do conjunto probatório
963
Cf. Pontes de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo VII, 3ª ed., 1999, p. 59: ―Assim, o art. 499 e § 1º funcionam como espécie de evitador da inovação dos arts. 56-61 e 1.046-1.054; quer dizer: quem apela, ou, em geral, recorre, como terceiro prejudicado, evita a oposição de terceiro, e os embargos de terceiro contra a futura sentença ou contra a execução judicial (no mais amplo sentido). Quem poderia opor embargos de terceiro pode recorrer como terceiro prejudicado, porém nem todo terceiro prejudicado pode opor embargos de terceiro‖. 964
Cf. Fredie Didier Jr. Recurso de terceiro. 2002, p. 120 e 121: ―Consideramos, entretanto, inadmissível a possibilidade de o possível opoente e, a fortiori, o embargante, recorrer como terceiro prejudicado. O recurso de terceiro é modalidade interventiva que não amplia objetivamente a causa; adere, o terceiro, a pretensão de umas das partes, com intuito de que esta prevaleça. Não exerce, o terceiro, ação de direito material, pelo recurso‖.
432
432
disponível nos próprios autos965. Imagine-se, por exemplo, o avalista cujo bem foi
constrito em execução movida apenas contra o avalizado, a despeito da nulidade
formal do título de crédito que aparelhou a execução. Ora, a nulidade formal do
título de crédito e a nulidade da respectiva execução cambial podem ser
veiculadas mediante recurso de terceiro e também por embargos de terceiro,
conforme a livre escolha do avalista. Daí a conclusão: o terceiro com legitimidade
para ajuizar embargos de terceiro pode interpor recurso de terceiro, desde que a
impugnação recursal não veicule demanda nova; para tanto, ou seja, para veicular
demanda nova, o terceiro deve optar pela propositura dos embargos do art. 1.046
do Código de Processo Civil.
Em suma, o recurso de terceiro e os embargos de terceiro são institutos
distintos, tendo em vista a natureza jurídica de cada: recurso e ação autônoma de
impugnação, respectivamente. Não obstante, é admissível a interposição de
recurso de terceiro por quem tem legitimidade para ajuizar embargos de terceiro,
desde que o recurso não traga nova demanda ao processo em curso, mas, sim,
verse sobre a própria demanda que é o objeto do processo em curso.
8. Admissibilidade dos embargos de terceiro em geral
A admissibilidade da ação de embargos de terceiro está sujeita às
seguintes condições específicas: – apreensão judicial de bem ou ameaça de
constrição; – condição de possuidor ou de proprietário do bem apreendido; –
condição de terceiro em relação ao processo no qual houve a apreensão; –
observância do prazo legal.
8.1. Apreensão judicial de bem
Os embargos de terceiro têm em mira ato judicial que já ocasionou a
constrição de algum bem. Além dos embargos repressivos, entretanto, também
965
Em reforço, no julgamento do REsp nº 656.498/PR, a 3ª Turma do STJ reformou acórdão do TJPR, para determinar o conhecimento de recurso interposto por terceiro com igual legitimidade para ajuizar embargos de terceiro.
433
433
são admissíveis embargos preventivos, em razão de iminente ameaça de
apreensão indevida de bens de terceiro.
Com efeito, a regra reside nos embargos repressivos, ajuizados após a
efetiva ocorrência da apreensão judicial indevida de bem de terceiro; mas também
são admissíveis embargos preventivos, propostos antes mesmo da constrição,
mas diante da real ameaça de apreensão, a qual também enseja proteção judicial
à vista do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
8.2. Legitimidade ativa: condição de possuidor ou de proprietário do bem
No que tange à legitimidade ativa, os embargos de terceiro podem ser
ajuizados por quem tem a qualidade de possuidor ou de proprietário do bem
apreendido. Com efeito, tanto o possuidor quanto o senhor têm legitimidade ativa
para o ajuizamento dos embargos de terceiro. É o que se infere do § 1º do art.
1.046 do Código de Processo Civil: ―Os embargos podem ser de terceiro senhor e
possuidor, ou apenas possuidor‖.
A propósito da legitimidade ativa do apenas possuidor, o Superior Tribunal
de Justiça aprovou o correto enunciado nº 84: ―É admissível a oposição de
embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso
de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro‖. Na esteira do
enunciado nº 84, o antigo Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro aprovou o
preciso enunciado nº 17, in verbis: ―São cabíveis os embargos de terceiro,
fundamentados na posse, ainda que decorrente de título não registrado‖. Com
igual orientação, também merece ser prestigiado o verbete sumular nº 52 da
Advocacia-Geral da União: ―É cabível a utilização de embargos de terceiros
fundados na posse decorrente do compromisso de compra e venda, mesmo que
desprovido de registro‖. Daí a conclusão: os embargos podem ser veiculados com
fundamento apenas na posse do terceiro, por não ser procedimento exclusivo de
proprietário, à vista do § 1º do art. 1.046 do Código de Processo Civil.
Ainda a respeito da legitimidade ativa, há na doutrina a lição da
inadequação dos embargos por quem é senhor sem posse, ao fundamento de que
434
434
o § 1º do art. 1.046 do Código confere legitimidade ao senhor que é possuidor e
ao possuidor que não é senhor; não, entretanto, ao senhor que não é possuidor do
bem. Embora a tese seja muito respeitável, o § 1º do art. 1.046 não enseja
interpretação restritiva. Com efeito, o § 1º confere a máxima proteção possível em
favor do terceiro prejudicado pela constrição judicial, até mesmo ao terceiro
―apenas possuidor‖. Com maior razão, ao proprietário também deve ser conferida
legitimidade ativa para a ação de embargos de terceiro, independentemente de
ser possuidor, ou não. Basta que seja proprietário.
8.3. Condição de terceiro
Sob outro prisma, a ação de embargos é outorgada em prol de quem não é
parte no processo no qual houve a constrição judicial do bem. Só é parte quem
tem o nome inserto na petição inicial e é citado, ou então comparece de forma
espontânea ao processo, quando supre a falta da citação. Por outro lado, não é
parte quem é apenas intimado de algum ato processual, ainda que a intimação
seja da própria constrição judicial, como nas hipóteses previstas nos arts. 615,
inciso II, 655, § 2º, e 698, todos do Código de Processo Civil. Daí a
admissibilidade da ação de embargos de terceiro por quem foi apenas intimado (e
não citado!) no processo no qual houve a apreensão judicial. Assim dispõe o
preciso enunciado nº 134 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―Embora
intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor
embargos de terceiro para defesa de sua meação‖.
Já quem foi citado (e não apenas intimado!) no processo no qual houve a
apreensão de bens atua na qualidade de parte, razão pela qual não tem
legitimidade para aviar embargos de terceiro966. A propósito, merece ser
prestigiado o enunciado nº 184 da Súmula do antigo Tribunal Federal de
Recursos: ―Em execução movida contra sociedade por quotas, o sócio-gerente,
966
Assim, na jurisprudência: ―1. Os embargos a serem manejados pelo sócio-gerente contra quem se redirecionou ação executiva, regularmente citado e, portanto, integrante do pólo passivo da demanda, são os de devedor.‖ (EREsp nº 98.484/ES, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 17 de dezembro de 2004, p. 394).
435
435
citado em nome próprio, não tem legitimidade para opor embargos de terceiro,
visando livrar da constrição judicial seus bens particulares‖.
Por tudo, é possível concluir que os embargos de terceiro podem ser
propostos tanto pelo proprietário quanto pelo possuidor, desde que não tenham
sido citados no processo no qual houve a apreensão judicial dos bens.
8.4. Propositura da ação dentro do prazo legal
Quanto ao prazo dos embargos de terceiro, depende do processo originário
no qual houve a indevida apreensão judicial do bem do terceiro. Com efeito, a
injusta constrição judicial pode ter lugar em processos cognitivos, executivos e
cautelares. Daí a explicação para a existência de prazos diferenciados no art.
1.048 do Código de Processo Civil.
No que tange à apreensão judicial de bens em processo cognitivo, os
embargos de terceiro podem ser propostos a qualquer tempo, desde que antes do
trânsito em julgado da decisão judicial final967.
Diante de apreensão judicial indevida em processo de execução ou na fase
de execução de processo sincrético, o prazo dos embargos de terceiro é de até
cinco dias depois da adjudicação, da alienação ou da arrematação, desde que
antes da assinatura da respectiva carta de adjudicação968, de alienação969 ou de
arrematação970, conforme o caso.
Com efeito, à vista do art. 1.048, in fine, do Código de Processo Civil, a
tempestividade dos embargos de terceiro em sede de execução deve ser aferida
sob dois enfoques: em primeiro lugar, a ação de embargos de terceiro deve ser
proposta até cinco dias depois da adjudicação, da alienação ou da arrematação;
em segundo lugar, a ação de embargos deve ser ajuizada antes da assinatura da
carta de adjudicação, de alienação ou de arrematação, ainda que a carta tenha
sido assinada no curso do quinquídio posterior à adjudicação, à alienação ou à
967
Cf. art. 1.048, proêmio, do Código de Processo Civil. 968
Cf. art. 685-B do Código de Processo Civil. 969
Cf. art. 685-C, § 2º, do Código de Processo Civil. 970
Cf. art. 693 do Código de Processo Civil.
436
436
arrematação, conforme o caso. Daí a conclusão: são intempestivos os embargos
de terceiro ajuizados depois da assinatura da carta, ainda que dentro do
quinquídio previsto no art. 1.048.
Quanto ao processo cautelar, o prazo dos embargos de terceiro segue a
mesma regra do processo principal, conforme o caso. Por conseguinte, se a
apreensão judicial ocorreu em processo cautelar cujo processo principal é
cognitivo, os embargos de terceiros são tempestivos se propostos antes do
trânsito em julgado da sentença do processo de conhecimento. Já a constrição
judicial em processo cautelar de proteção de execução pode ser impugnada
mediante embargos de terceiro dentro do prazo de cinco dias da adjudicação, da
alienação ou da arrematação, desde que antes da assinatura da respectiva carta.
No que tange à natureza do prazo previsto no art. 1.048 do Código de
Processo Civil, trata-se de prazo decadencial, o qual ocasiona a perda apenas do
direito de embargar como terceiro mediante procedimento especial marcado pela
celeridade. Com efeito, a perda do prazo previsto no art. 1.048 não interfere no
direito à desconstituição do ato judicial de apreensão indevida dos bens do
terceiro. Daí a possibilidade da propositura da ação anulatória consagrada no art.
486 do Código de Processo Civil, sob o procedimento comum.
9. Admissibilidade dos embargos de terceiro para a defesa da meação do
cônjuge
À vista do § 3º do art. 1.046 do Código de Processo Civil, os embargos de
terceiro são adequados para que um cônjuge defenda a respectiva meação diante
de constrição judicial indevida efetuada em anterior processo movido apenas
contra o outro cônjuge.
Ainda a respeito do § 3º do art. 1.046 do Código de Processo Civil, a
legitimidade ativa para os embargos de terceiro subsiste ainda que o cônjuge
tenha sido intimado da constrição judicial realizada no processo movido somente
contra o outro cônjuge. A propósito, merece ser prestigiado o enunciado nº 134 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―Embora intimado da penhora em imóvel
437
437
do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de
sua meação‖. Em contraposição, se ambos os cônjuges foram citados no
processo no qual houve a apreensão indevida, não há lugar para embargos de
terceiro, porquanto são partes, em litisconsórcio passivo.
Ainda que procedentes os embargos para a defesa da meação do terceiro,
se o bem constrito for indivisível, a apreensão judicial deve ser preservada, com a
posterior entrega ao terceiro do produto da alienação do bem correspondente à
meação, ex vi do art. 655-B do Código de Processo Civil.
Por fim, a despeito da legitimidade ativa do cônjuge não citado, a
apreensão judicial dos bens deve ser mantida quando a dívida objeto da cobrança
por meio do processo originário foi contraída em benefício do casal ou da família,
à vista de prova a cargo do embargado.
10. Embargos de terceiro e defesa de garantia real
À vista dos arts. 615, inciso II, e 698, combinados com os arts. 1.047, inciso
II, e 1.054, todos do Código de Processo Civil, o credor cuja garantia real for
objeto de apreensão judicial em processo alheio deve ser intimado da constrição,
a fim de que possa ajuizar embargos de terceiro, para a defesa do direito de
preferência em virtude da garantia real, como a hipoteca, o penhor e a anticrese.
11. Parte equiparada a terceiro
O § 2º do art. 1.046 do Código de Processo Civil versa sobre hipótese
peculiar de embargos de terceiro: os embargos podem ser ajuizados por quem já
é parte no processo no qual houve a indevida apreensão judicial, quando a
constrição alcança bem que não poderia ter sido apreendido, tendo em vista o
título da aquisição ou a qualidade da posse. Imagine-se, por exemplo, uma
demanda de despejo movida contra o locatário de dois imóveis contíguos
alugados mediante contratos distintos, ambos do mesmo locador. Não obstante, a
demanda de despejo por falta de pagamento teve como objeto apenas um imóvel
438
438
locado, em relação ao qual foi proferida a sentença de procedência. Na
eventualidade de o mandado judicial de despejo compulsório ter em mira o outro
imóvel, que não foi objeto da demanda, o réu poderá ajuizar embargos de terceiro,
com fundamento no § 2º do art. 1.046 do Código de Processo Civil. Os embargos
seriam igualmente admissíveis por parte do réu em processo de reintegração de
posse, se a ordem judicial de desocupação compulsória tivesse em mira imóvel
contíguo ao objeto da demanda971.
12. Petição inicial
A petição inicial dos embargos de terceiro deve ser elaborada à vista dos
arts. 39, inciso I, 258, 282, 283 e 1.050, todos do Código de Processo Civil.
Por conseguinte, a petição inicial deve conter a indicação do valor da
causa, à vista dos arts. 258 e 282, inciso V, ambos do Código de Processo Civil.
971
De acordo, na doutrina: ―A admissibilidade dos embargos de terceiro, manifestados por quem seja parte no processo principal, está condicionada à distinção entre os títulos que tenha sobre a coisa objeto dos embargos ou da constrição judicial. Assim, o vencido na ação, ou o obrigado, pode manifestar embargos de terceiro quanto aos bens que, pelo título, ou qualidade em que os possuir, não devem ser atingidos pela diligência judicial constritiva. A mesma pessoa física ou jurídica pode ser simultaneamente parte e terceiro no mesmo processo, se são diferentes os títulos jurídicos que justificam esse duplo papel. A palavra ter significa não só a pessoa física ou jurídica que não tenha participado do feito, como também a pessoa que participou do processo, mas que, aqui, nos embargos, é titular de um direito diferente, outro que não o que foi objeto da decisão judicial. Assim, por exemplo, o condômino que seja também proprietário do prédio contíguo, mesmo participando da ação de divisão, pode embargar, como terceiro, se a linha do perímetro invadir a propriedade que é sua. Do mesmo modo, a viúva meeira e inventariante tem qualidade para oferecer embargos de terceiro à arrecadação dos bens deixados pelo marido, se, por exemplo, argüir sua qualidade de comerciante e quanto aos bens de seu ramo comercial‖. ―A pessoa que foi parte na ação possessória poderá valer-se dos embargos de terceiro, quando a restituição a que for condenada na ação possessória, ou a que foi obrigada em consequência da ação – como nas liminares –, compreende bens sobre que não versa a demanda. É a mesma pessoa, mas agindo com outros títulos, ou seja, vindo a juízo noutro processo e com outra qualidade e litigando sobre outros bens.― (Hamilton de Moraes e Barros. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume IX, 294 e 295). No mesmo sentido, ainda na doutrina: ―É o caso, por exemplo, de ato de apreensão judicial numa possessória que vem atingir um bem do réu, mas que não foi objeto da ação.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 256). Também em sentido conforme, ainda na doutrina: ―A parte, no processo principal, poderá ter apreendidos bens que possui, mas, dependendo da qualidade de sua posse, fica ela equiparada a terceiro, podendo opor embargos, quando, em razão da mesma posse, ditos bens não puderem ser apreendidos (art. 1.046, § 2º). É o caso, por exemplo, do locatário que, executado, vê penhorado o bem locado; ou o do devedor fiduciante que teve arrestada ou seqüestrada a coisa alienada fiduciariamente. Em ambas as hipóteses, o equiparado a terceiro poderá defender-se, alegando domínio alheio, ficando também o possuidor indireto, no caso o locador e credor fiduciário, com o direito de opor embargos. A coisa, pelo título de aquisição, não pode, às vezes, receber o ato de constrição judicial. Exemplo comum é o da coisa recebida com cláusula de inalienabilidade e penhorada em execução. Da mesma forma, o herdeiro poderá ser demandado pelas dívidas da herança, depois de feita a partilha, mas apenas os bens que recebeu é que respondem pela execução e não os primitivamente seus. Em ambos os casos, pelo título de aquisição, poderão o executado e os herdeiros embargar como terceiros, embora sejam partes no processo de onde se originou a apreensão (art. 1.050, § 2º).‖ (Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil. Volume III, 10ª ed., 2006, p. 140).
439
439
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a valor da causa dos embargos
não está vinculado ao valor da causa do processo originário no qual houve a
apreensão indevida de bem do terceiro. A propósito, merece ser prestigiado o
verbete nº 51 da Primeira Câmara Civil do antigo Tribunal de Alçada de Minas
Gerais: ―Nos embargos à execução e nos de terceiro, o valor da causa não é
obrigatoriamente o mesmo atribuído à causa principal‖.
Diante da natureza jurídica dos embargos de terceiro, o autor deve formular
pedido específico de citação do réu, porquanto há a instauração de novo
processo.
Ainda que de forma perfunctória, o autor também já deve comprovar a
qualidade de terceiro e a respectiva posse ou propriedade, por meio de prova
documental, tendo em vista o disposto no caput do art. 1.050 do Código de
Processo Civil.
Por fim, a petição inicial deve ser instruída com o rol de testemunhas, para
a eventualidade de o juiz designar a audiência prevista no § 1º do art. 1.050 do
Código de Processo Civil.
13. Competência, distribuição e autuação
À vista do art. 1.049 do Código de Processo Civil, os embargos de terceiro
são da competência do mesmo juízo do processo primitivo no qual houve a
constrição judicial. Trata-se de competência funcional e, por consequência,
absoluta, razão pela qual é passível de apreciação oficial pelo juiz.
A petição inicial dos embargos de terceiro, portanto, deve ser distribuída ao
mesmo juízo, por dependência em relação ao processo original no qual houve a
indevida apreensão judicial. Diante de apreensão indevida na falência, os
embargos de terceiro devem ser distribuídos por dependência do processo
falimentar, ex vi da combinação do art. 78, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005,
com o art. 1.049 do Código de Processo Civil.
440
440
Após a distribuição, a petição inicial é autuada em separado972, mas os
autos dos embargos de terceiro são apensados aos autos originais.
Na eventualidade de apreensão judicial mediante carta precatória, os
embargos de terceiro podem ser oferecidos tanto no juízo deprecante quanto no
juízo deprecado, consoante autoriza o proêmio do art. 747 do Código de Processo
Civil, com a redação determinada pela Lei nº 8.953, de 1994. Em seguida, os
embargos são distribuídos, processados e julgados no juízo deprecado, salvo se o
bem constrito tiver sido indicado pelo próprio juiz deprecante, quando compete ao
mesmo (juízo deprecante) decidir os embargos de terceiro. A propósito, vale
conferir o enunciado nº 33 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos: ―O
juízo deprecado, na execução por carta, é o competente para julgar os embargos
de terceiro, salvo se o bem apreendido foi indicado pelo juízo deprecante‖973.
Reforça a precisa conclusão nº 74 do Simpósio de Curitiba, de 1975:
―EMBARGOS DE TERCEIRO: JUÍZO COMPETENTE EM EXECUÇÃO POR
CARTA – Os embargos de terceiro, na execução por carta, correm perante o juízo
deprecado, se a apreensão do bem foi por este determinada, mas se o juiz
deprecante indica o bem a ser apreendido, perante ele correrão os embargos‖974.
Com efeito, se o bem objeto da constrição judicial mediante carta precatória foi
designado pelo juiz deprecante, incide o art. 1.049, com a distribuição por
dependência ao processo originário975.
Por fim, na eventualidade de os embargos de terceiro serem ajuizados pela
União, por autarquia federal ou por empresa pública federal, incide o art. 109,
inciso I, da Constituição Federal, razão pela qual a competência passa a ser da
Justiça Federal. 972
Cf. art. 1.049 do Código de Processo Civil. 973
Em abono, na jurisprudência moderna: ―COMPETÊNCIA. EMBARGOS. JUÍZO DEPRECANTE. A Turma decidiu que compete ao juízo deprecante apreciar os embargos de terceiro opostos contra a penhora do imóvel por ele indicado (Súm. Nº 33-TFR).‖ (REsp nº 1.033.333/RS, 3ª Turma do STJ, Informativo nº 364). ―2 - Se, quando da expedição da carta precatória, o Juízo deprecante não especifica os bens a serem arrestados, a competência para apreciar os embargos de terceiro, visando à desconstituição da constrição, é do Juízo deprecado. Incidência da Súmula 33 do extinto TFR, verbis: ‗O juízo deprecado, na execução por carta, é o competente para julgar os embargos de terceiro, salvo se o bem apreendido foi indicado pelo juízo deprecante‘.‖ (CC nº 44.223/GO, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2005, p. 313). 974
Cf. Revista Forense, volume 252, p. 28. 975
De acordo, na jurisprudência: ―EMBARGOS DE TERCEIRO - PRECATÓRIA. Se o juízo deprecante indicou precisamente qual o bem a ser penhorado, será o competente para os embargos de terceiro.‖ (CC nº 331/MG, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 20 de novembro de 1989, p. 17.290).
441
441
14. Indeferimento liminar da petição inicial
Diante de embargos de terceiro fora do prazo976 ou com petição inicial
inepta, incidem os arts. 267, inciso I, e 295, ambos do Código de Processo Civil,
com a prolação de sentença de indeferimento liminar da petição inicial.
Indeferida a petição inicial dos embargos de terceiro, não há suspensão do
processo originário. Da sentença, entretanto, cabe apelação, com efeitos
devolutivo e suspensivo, em virtude da regra consagrada no proêmio do art. 520
do Código de Processo Civil. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a
existência do efeito suspensivo na apelação não significa que a apreensão judicial
fica suspensa nem que o processo originário é suspenso.
Em síntese, o indeferimento da petição inicial não atrai a incidência dos
arts. 1.051 e 1.052, porquanto o indeferimento liminar significa que os embargos
de terceiros não produzem efeito jurídico algum. Por conseguinte, a produção do
efeito suspensivo do recurso apelatório não traz consequência alguma977.
15. Petição inicial com defeito sanável
Diante de petição inicial com defeito sanável978, o juiz determina a
respectiva emenda, à vista do art. 284 do Código de Processo Civil, sob pena de
indeferimento.
16. Fungibilidade
Na eventualidade da propositura de embargos de terceiro por quem, na
verdade, é parte no processo originário no qual houve a apreensão judicial, o juiz,
ao invés de indeferir a petição inicial in limine litis, deve examinar se há lugar para
976
Cf. art. 1.048 do Código de Processo Civil. 977
―A suspensão do não é nada, já que não se transforma em sim‖ (PET nº 513/ES – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 22 de novembro de 1993). 978
Por exemplo, ausência de indicação do valor da causa.
442
442
a conversão dos embargos de terceiro na via processual cabível: embargos à
execução ou impugnação à execução, conforme o caso.
Cumpridos todos os requisitos legais, em especial o prazo do art. 1.048 do
Código de Processo Civil, o juiz deve converter os embargos de terceiro na via
processual adequada, em homenagem ao princípio da instrumentalidade das
formas consagrado nos arts. 154 e 295, inciso V, in fine, do Código de Processo
Civil979.
17. Admissão dos embargos e suspensão do processo originário
Diante de petição inicial apta, o juiz recebe os embargos de terceiro e
determina a citação do réu – ou dos réus, no caso de litisconsórcio passivo.
Além de ordenar a citação do réu, o juiz também determina a imediata
suspensão do processo originário no qual houve a constrição judicial, mas só se
os embargos recebidos versarem sobre todos os bens apreendidos, tudo nos
termos dos arts. 265, inciso IV, alínea ―a‖, e 1.052, primeira parte, ambos do
Código de Processo Civil. Se, entretanto, os embargos versarem apenas sobre
alguns dos bens apreendidos, o juiz determina o prosseguimento do processo
originário somente em relação aos bens não embargados980.
18. Decisão interlocutória liminar agravável
Se o juiz considerar suficiente a prova documental que instruiu a petição
inicial ou a prova testemunhal na audiência prevista no § 1º do art. 1.050 do
Código de Processo Civil, profere decisão interlocutória in limine litis à vista do art.
979
De acordo, na jurisprudência: "Os embargos a serem manejados pelo sócio-gerente contra quem se redirecionou ação executiva, regularmente citado e, portanto, integrante do pólo passivo da demanda, são os de devedor, e não por embargos de terceiros, adequados para aqueles que não fazem parte da relação processual. Todavia, em homenagem ao princípio da fungibilidade das formas, da instrumentalidade do processo e da ampla defesa, a jurisprudência admite o processamento de embargos de terceiro como embargos do devedor. Exige, para tanto, entre outras circunstâncias, a comprovação do implemento dos requisitos legais de admissibilidade, notadamente quanto à sua propositura dentro do prazo legal." (EREsp nº 98.484/ES, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 17 de dezembro de 2004). 980
Cf. art. 1.052, segunda parte, do Código de Processo Civil.
443
443
1.051, com a expedição de mandado judicial de manutenção ou de restituição dos
bens em favor do embargante.
Como a decisão interlocutória liminar ocasiona a antecipação da
manutenção ou da restituição da posse em favor do terceiro embargante, não
pode ser classificada como cautelar, mas, sim, como verdadeira antecipação da
tutela, tendo em vista o disposto no art. 273 do Código de Processo Civil981.
Não obstante, a restituição liminar dos bens apreendidos depende de prévia
prestação de caução pelo embargante, tendo em vista o disposto nos arts. 826 e
1.051 do Código de Processo Civil.
Por fim, a decisão interlocutória liminar é passível de agravo de
instrumento, em dez dias, com fundamento no art. 522 do Código de Processo
Civil.
19. Legitimidade passiva
No que tange ao polo passivo dos embargos de terceiro, a regra reside na
inclusão do autor da demanda originária na qual houve a indevida apreensão
judicial, na qualidade de embargado.
Não obstante, a regra comporta exceção: se a constrição judicial é
efetivada em razão de manifestação do demandado no processo originário, como
ocorre quando o executado indica bem de terceiro à penhora982, há a excepcional
formação de litisconsórcio passivo necessário entre o demandante e o demandado
do processo primitivo, os quais devem ser citados como litisconsortes passivos
nos embargos de terceiro. Trata-se, todavia, de exceção, porquanto a regra é a
citação apenas do demandante do processo originário, réu por excelência nos
embargos de terceiro.
981
De acordo, na doutrina: ―3. Antecipação da tutela. A medida liminar tem natureza de tutela antecipatória do provimento final (CPC 273), não se tratando de providência cautelar.‖ (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 4ª ed., 1999, p. 1.356, nota 3 ao art. 1.051). 982
Cf. arts. 600, inciso IV, e 652, § 3º, ambos do Código de Processo Civil.
444
444
20. Citação
No que tange à citação, o § 3º do art. 1.050 do Código de Processo Civil,
acrescentado por força da Lei nº 12.125/2009 dispensa a citação pessoal do réu-
embargado na ação de embargos de terceiros, quando o mesmo já tem advogado
constituído nos autos do processo anterior no qual reside a constrição judicial: ―§
3o A citação será pessoal, se o embargado não tiver procurador constituído nos
autos da ação principal‖.
Com efeito, à vista do § 3º do art. 1.050 do Código de Processo Civil, a
citação do réu-embargado agora se dá na pessoa do respectivo advogado
constituído nos autos do processo originário.
Em suma, agora só há necessidade de citação pessoal do próprio réu-
embargado no processo de embargos se o mesmo não constituiu advogado
constituído nos autos do processo principal.
21. Citação, decisão interlocutória liminar e feriados
À vista do art. 173, inciso II, do Código de Processo Civil, há lugar para a
citação, para o cumprimento da decisão interlocutória concessiva da restituição
liminar e para a prática de outros atos processuais urgentes até mesmo em
feriados.
22. Contestação
À vista do art. 1.053 do Código de Processo Civil, o réu dispõe de apenas
dez dias para contestar os embargos de terceiro. Por conseguinte, não incide a
regra do art. 297, mas, sim, a exceção do art. 1.053, preceito específico acerca da
contestação dos embargos de terceiro. Na eventualidade de litisconsórcio passivo,
com procuradores diferentes, entretanto, o prazo é duplicado por força do art. 191
do Código de Processo Civil.
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445
No que tange à matéria de defesa, o réu pode suscitar fraude de
execução983, porquanto o bem alienado a terceiro continua sujeito à execução,
tendo em vista o disposto no art. 592, inciso V, do Código de Processo Civil. Sem
dúvida, como ato atentatório à dignidade da justiça984, verdadeiro crime985, a
fraude de execução é passível de conhecimento oficial, razão pela qual pode ser
suscitada na contestação do exequente citado como réu nos embargos de
terceiro986.
Resta saber se também há lugar para veiculação de fraude contra credores
na contestação, tema do próximo tópico.
23. Fraude contra credores e contestação aos embargos de terceiro
Durante muitos anos perdurou séria divergência jurisprudencial acerca da
alegação de fraude contra credores pelo embargado, em sede de contestação aos
embargos de terceiro. A Colenda Primeira Câmara Civil do antigo Tribunal de
Alçada de Minas Gerais chegou até mesmo a aprovar orientação jurisprudencial
em favor da possibilidade da veiculação de fraude contra credores em sede de
embargos de terceiro, como revela o teor do verbete nº 10: ―A fraude contra
credores pode ser apreciada em embargos de terceiro, desde que todos os
interessados participem ou tenham sido convocados ao processo‖. Hoje,
entretanto, não há mais lugar para dúvida, em virtude da aprovação do enunciado
983
―A fraude à execução consiste na alienação de bens pelo devedor, na pendência de um processo capaz de reduzi-lo à insolvência, sem a reserva - em seu patrimônio - de bens suficientes a garantir o débito objeto de cobrança. Trata-se de instituto de direito processual, regulado no art. 593 do CPC, e que não se confunde com a fraude contra credores prevista na legislação civil.‖ (REsp nº 684.925/RS, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de outubro de 2005, p. 191). ―Somente se caracteriza a fraude de execução quando a alienação é realizada já pendente aquela demanda que dá origem à penhora, contra a qual se insurge o adquirente mediante embargos de terceiro. Se a alienação é anterior a tal demanda, a hipótese somente pode ser entendida, em tese, como de fraude a credores, ainda que ao tempo da venda outras demandas afetassem o patrimônio do devedor-alienante.‖ (REsp nº 327/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 20 de novembro de 1989, p. 17.302). 984
Cf. art. 600, inciso I, do Código de Processo Civil. 985
Cf. art. 179 do Código Penal. 986
Em sentido conforme, na doutrina: ―2. Fraude de execução. Pode ser alegada e proclamada nos embargos de terceiro, porque se caracteriza como ato atentatório à dignidade da justiça. É ineficaz relativamente ao processo fraudado, prescindindo de ação para ser reconhecida. Deve ser declarara ex officio pelo juiz e pode ser alegada por petição simples. A fortiori, na contestação dos embargos de terceiro, pode-se pedir, sua improcedência, tendo em vista o ato ter sido praticado em fraude de execução (CPC 593).‖ (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 4ª ed., 1999, p. 1.357, nota 2 ao art. 1.053).
446
446
nº 195 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: ―Em embargos de
terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores‖.
Com efeito, não há lugar para veiculação de fraude contra credores em
embargos de terceiro, porquanto a discussão é incompatível com a celeridade
procedimental dos embargos, tendo em vista a aplicação subsidiária do
procedimento cautelar, em razão da combinação dos arts. 803 e 1.053 do Código
de Processo Civil.
Na verdade, a discussão acerca da fraude contra credores depende de
demanda específica a ser movida pelo credor acionado por meio dos embargos de
terceiro, tendo como réus o devedor e o terceiro beneficiado. Em suma, é
imprescindível a propositura da denominada ―ação pauliana‖.
Sob ambos os prismas, não há lugar para veiculação de fraude contra
credores em embargos de terceiro.
24. Impugnação ao valor da causa
Como noticiado no anterior tópico 12 do presente capítulo, a petição inicial
dos embargos de terceiro deve conter a indicação do valor da causa, à vista dos
arts. 258 e 282, inciso V, ambos do Código de Processo Civil.
Quanto ao critério de fixação, o valor da causa dos embargos de terceiro
deve ser atrelado ao valor do bem objeto da apreensão indevida, mas não pode
ser superior ao valor da dívida cobrada no processo originário no qual houve a
constrição judicial987.
987
De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS DE TERCEIRO – VALOR DA CAUSA – CORRESPONDÊNCIA DO VALOR DO BEM SOB CONSTRIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE ULTRAPASSAR O VALOR DA DÍVIDA - SÚMULA 83/STJ. 1 - Nos embargos de terceiro, o valor da causa deve corresponder ao do bem objeto da constrição, não podendo, entretanto, exceder o valor do débito.‖ (REsp nº 787.674/PA, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de março de 2007, p. 245). ―PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE TERCEIRO - VALOR DA CAUSA – CORRESPONDÊNCIA DO VALOR DO BEM SOB CONSTRIÇÃO. Nos embargos de terceiro, o valor da causa deve corresponder ao do bem objeto da constrição, não podendo exceder o valor do débito. Precedentes jurisprudenciais.‖ (REsp nº 323.384/MG, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de agosto de 2001, p. 238).
447
447
Atribuído o valor da causa fora dos parâmetros apontados, há lugar para
impugnação pelo embargado, com fundamento no art. 261 do Código de Processo
Civil, no mesmo prazo da contestação aos embargos: dez dias.
25. Reconvenção e ação declaratória incidental
Não há lugar para reconvenção nem para ação declaratória incidental em
embargos de terceiro, tendo em vista o procedimento especial célere previsto para
os embargos.
Sem dúvida, o art. 1.053 do Código de Processo Civil revela a manifesta
inadmissibilidade de reconvenção e de ação declaratória incidental em sede de
embargos de terceiro, porquanto aquelas demandas pressupõem a adoção do
procedimento ordinário, enquanto os embargos de terceiro seguem procedimento
especial marcado pela celeridade, tendo em vista a combinação daquele preceito
com o art. 803 do Código de Processo Civil.
26. Exceções rituais
No que tange às exceções rituais, são admissíveis as exceções de
suspeição e de impedimento do juiz do processo dos embargos de terceiro. Não é
admissível, entretanto, exceção de incompetência, a qual só tem lugar diante de
incompetência relativa, incompatível com os embargos de terceiro, cuja
competência é funcional e, por consequência, absoluta.
27. Procedimento final
Após a citação e o decurso do prazo de contestação, os embargos de
terceiro seguem o célere procedimento padrão do processo cautelar, ex vi da
combinação do art. 1.053 com o art. 803, ambos do Código de Processo Civil.
448
448
Não contestados os embargos de terceiro, os fatos alegados pelo
embargante podem ser considerados verdadeiros, por força de ficção legal. À vista
da presunção relativa consagrada no art. 319, o juiz profere sentença desde logo.
Em contraposição, se o embargado contestar os embargos de terceiro
dentro do prazo do art. 1.048, o juiz, sem abrir vista para réplica, designa
audiência de instrução e julgamento, se necessária para a colheita de provas
adicionais. Em seguida, profere sentença, tudo nos termos do art. 803 do Código
de Processo Civil.
28. Sentença e ônus da sucumbência
Findo o processamento, os embargos de terceiro são julgados mediante
sentença, cuja natureza é controvertida na doutrina. A sentença de procedência
em embargos de terceiro repressivos tem natureza constitutiva (negativa988),
porquanto desfaz, desconstitui o ato judicial de apreensão indevida do bem do
terceiro. Já a sentença de procedência em embargos de terceiros preventivos tem
natureza condenatória, porquanto impõe obrigação de não fazer.
Resta estudar o problema dos honorários advocatícios nos embargos de
terceiro. Em homenagem ao princípio da causalidade, o Superior Tribunal de
Justiça aprovou o enunciado nº 303, in verbis: ―Em embargos de terceiro, quem
deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios‖. Daí
a possibilidade de o embargante vencedor ser condenado a pagar os honorários
advocatícios989.
988
De acordo, na doutrina: Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 4ª ed., 1999, p. 1.347, nota 1 ao art. 1.046. 989
Cf. REsp nº 641.478/RS, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 16 de abril de 2007, p. 168: ―Em se tratando de embargos de terceiro, deve o magistrado, na condenação dos ônus sucumbenciais, atentar-se aos princípios da sucumbência e da causalidade, pois há casos em que o embargante, embora vencedor na ação, é o responsável por seu ajuizamento, devendo sobre ele recair as despesas do processo e os honorários advocatícios. A respeito do tema, a Corte Especial editou a Súmula 303/STJ, consignando que ‗em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios‘‖. ―Honorários. Hipótese em que, diante das peculiaridades do caso concreto e pela aplicação do princípio da causalidade, deverá o próprio embargante arcar com os honorários de seu advogado.‖ (REsp nº 165.332/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto de 2000, p. 117). ―PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE CULPA DO CREDOR NA PENHORA. VERBA HONORÁRIA INDEVIDA. PRECEDENTES. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO. I - Sem embargo do princípio da sucumbência, adotado pelo Código de Processo Civil vigente, é de atentar-se para
449
449
29. Apelação e efeitos
A sentença em embargos de terceiro desafia recurso de apelação, no prazo
de quinze dias, à vista dos arts. 508 e 513 do Código de Processo Civil.
O recurso apelatório produz tanto efeito devolutivo quanto efeito
suspensivo, porquanto incide a regra do caput do art. 520, e não a exceção do
inciso V, restrita aos embargos à execução. Daí a conclusão: a apelação
proveniente de embargos de terceiro tem efeitos devolutivo e suspensivo990. Por
conseguinte, se o processo originário foi suspenso quando da admissão da
petição inicial dos embargos de terceiro991, subsiste a suspensão até o julgamento
da apelação.
outro princípio, o da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo, ou ao incidente processual, deve arcar com os encargos daí decorrentes. II - Tratando-se de embargos de terceiro, imprescindível que se averigúe, na fixação dos honorários, quem deu causa à constrição indevida. III - O credor não pode ser responsabilizado pelos ônus sucumbenciais por ter indicado à penhora imóvel registrado no Cartório de Imóveis em nome dos devedores mas prometidos à venda aos terceiros-embargantes. A inércia dos embargantes-compradores, em não providenciar o registro do compromisso de compra e venda, deu causa à penhora indevida.‖ (REsp nº 264.930/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 16 de outubro de 2000, p. 319). 990
De acordo, na jurisprudência: ―Processo civil. Embargos de terceiro. Efeitos da apelação. A apelação interposta contra sentença proferida em sede de embargos de terceiro deve ser recebida em seu duplo efeito.‖ (AG nº 643.347/SP – AGRG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 20 de novembro de 2008). ―Direito Processual Civil. Medida Cautelar. Embargos de Terceiro. Apelação Cível. Efeitos. A apelação cível interposta de sentença que rejeita ou acolhe embargos de terceiro deve ser recebida no duplo efeito. Inteligência do art. 520, 1ª parte, do CPC.‖ (MC nº 2003.00.2.008308-9, 2ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 14 de abril de 2004, p. 51). ―II - O Código de Processo Civil, em seu art. 520, I a VII, estabelece, taxativamente, os casos em que a apelação deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo. Nesse rol não constam os embargos de terceiro, caso em que há de se aplicar a regra geral, esculpida no caput do mesmo artigo.‖ (AGI nº 2005.00.2.003639-7, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 6 de setembro de 2005, p. 96). ―1. Embargos de terceiro à execução de mandado possessório não acolhidos. 2. Recurso de apelação a ser recebido em ambos os efeitos.‖ (MSG nº 192.289, Câmara Cível do TJDF, Diário da Justiça de 13 de março de 1990, p. 1). 991
Cf. art. 1.052, primeira parte, do Código de Processo Civil.
450
450
CAPÍTULO XI – AÇÕES PENAIS
1. Nomen iuris
O Título XI do Decreto-lei nº 7.661 tinha a seguinte denominação: ―DOS
CRIMES FALIMENTARES‖. A Lei nº 11.101/2005, todavia, não prestigiou a
tradicional expressão. Com efeito, como os arts. 168 e seguintes versam sobre os
crimes cometidos não só no processo falimentar, mas também nos processos de
recuperação, aquela expressão não parece ser a melhor992. Na verdade, o
comando e o art. 1º da Lei nº 11.101 sugerem a adoção de nova terminologia, em
consonância com o disposto nos arts. 966 e seguintes do Código Civil de 2002.
Daí a explicação para a utilização da expressão ―crimes concursais empresariais‖
no presente compêndio.
2. Incidência subsidiária dos Códigos Penal e de Processo Penal
No que a Lei nº 11.101 for omissa, há a incidência subsidiária dos Códigos
Penal e de Processo Penal, aplicáveis também aos crimes concursais
empresariais, conforme revelam os arts. 182, 185 e 188 da Lei nº 11.101/2005.
3. Condição objetiva de punibilidade dos crimes empresariais
Ex vi do art. 180 da Lei nº 11.101, a existência de provimento judicial de
decretação da falência ou de concessão da recuperação (judicial, especial ou
extrajudicial) é condição objetiva para a punibilidade dos crimes concursais
empresariais.
4. Fase investigatória
992
A melhor doutrina (cf. Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 671), entretanto, ainda prestigia a tradicional expressão ―crimes falimentares‖.
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451
Intimado da decretação da falência ou da concessão da recuperação, o
Ministério Público tem a oportunidade de verificar a ocorrência de crime concursal
empresarial, quando deve requisitar a abertura de inquérito policial ou promover
desde logo a ação penal, se desnecessário o inquérito. Com efeito, o art. 187 da
Lei nº 11.101 revela que o inquérito policial é facultativo e pode ser requisitado
pelo Ministério Público, quando necessário.
Na verdade, em qualquer fase processual da falência ou da recuperação,
se surgir indício da prática de crime concursal empresarial, o juiz da falência ou da
recuperação deve intimar o Ministério Público, consoante determinam o art. 187, §
2º, da Lei nº 11.101/2005, e o art. 40 do Código de Processo Penal.
5. Natureza da ação penal
É pública incondicionada a ação penal adequada para os crimes concursais
empresariais (art. 184, caput); deve, portanto, ser ajuizada mediante denúncia do
Ministério Público, independente de representação.
6. Prazo para oferecimento da denúncia
O prazo para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público depende
da ocorrência de prisão, ou não. Se o réu estiver preso (por exemplo, com
fundamento no art. 99, inciso VII), o Ministério Público deve oferecer a denúncia
em cinco dias, da data do recebimento do inquérito policial (art. 187, § 1º, da Lei nº
11.101/2005, combinado com o art. 46 do Código de Processo Penal). Em
contraposição, se o réu estiver solto ou afiançado, o prazo para o oferecimento da
denúncia é de quinze dias, da data do recebimento do inquérito policial ou, se
preferir, da apresentação do relatório do administrador judicial, com exposição
circunstanciada (arts. 22, inciso III, alínea ―e‖, 186 e 187, § 1º, todos da Lei nº
11.101/2005).
7. Ação penal privada subsidiária
452
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Decorrido in albis o prazo legal para oferecimento da denúncia pelo
Ministério Público, há a abertura da ação penal subsidiária em favor do
administrador judicial e de todos os credores habilitados no processo falimentar ou
recuperativo. Com efeito, trata-se de ação penal privada a ser oferecida mediante
queixa-crime do administrador judicial ou de qualquer credor habilitado. A queixa-
crime deve ser oferecida no prazo de seis meses do término do prazo ministerial,
sob pena de decadência (arts. 184, parágrafo único, e 187, § 1º, ambos da Lei nº
11.101/2005, combinados com o art. 46 do Código de Processo Penal).
8. Juízo competente: criminal
No que tange ao juízo competente para a ação penal por crime concursal
empresarial, tanto para a ação pública quanto para a ação privada subsidiária, a
competência é sempre do juízo criminal da mesma comarca na qual a falência foi
decretada ou a recuperação foi concedida (art. 183).
9. Indeferimento da denúncia ou da queixa
Na eventualidade do não-recebimento da denúncia (proveniente da ação
penal pública) ou da queixa-crime (proveniente da ação privada subsidiária) pelo
juiz criminal, cabe recurso em sentido estrito (art. 581, inciso I, do Código de
Processo Penal), no prazo de cinco dias (art. 586 do Código de Processo Penal),
com a possibilidade da apresentação das razões recursais nos dois dias
posteriores (art. 588 do Código de Processo Penal).
10. Sujeitos
Quanto aos sujeitos alcançados pela Lei nº 11.101/2005, além do
empresário individual, os sócios, diretores, gerentes, administradores e
conselheiros da sociedade empresária podem ser processados por crimes
empresariais. Não é só. O art. 179 estabelece que até mesmo o administrador
judicial pode ser processado por crime empresarial. Por fim, os contadores,
453
453
técnicos contábeis, auditores, outros profissionais e até mesmo credores que
concorrerem para as condutas criminosas também são passíveis de condenação
por crime concursal empresarial (arts. 168, § 3º, e 172, parágrafo único).
11. Penas
No que tange às penas, todos os crimes arrolados nos arts. 168 a 178
ensejam a condenação mediante imposição de multa. Em relação à pena restritiva
de liberdade, a regra é a reclusão (arts. 168 a 177); só o crime previsto no art. 178
dá lugar à detenção.
12. Efeitos da condenação
Além da pena principal imposta, também há os efeitos da condenação
criminal arrolados no art. 181 da Lei nº 11.101/2005: – a inabilitação para o
exercício da atividade empresarial; – o impedimento para o exercício de cargo ou
função em conselho de administração, diretoria ou gerência de sociedades
empresárias; – a impossibilidade gerir sociedade empresária por mandato ou por
gestão de negócio.
Não obstante, os efeitos arrolados no art. 181 não são automáticos,
porquanto o § 1º exige manifestação judicial e fundamentação explícitas na
sentença condenatória. Os efeitos previstos no art. 181 subsistem por até cinco
anos após a extinção da punibilidade, mas podem cessar antes na eventualidade
de reabilitação penal.
13. Prescrição
A prescrição dos crimes empresariais segue o disposto no Código Penal
(art. 182 da Lei nº 11.101/2005, combinado com os arts. 108 a 110 do Código
Penal).
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14. Início da contagem da prescrição
Sob a égide do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, o Supremo Tribunal Federal
aprovou o enunciado nº 147, em relação ao início da contagem do prazo
prescricional: ―A prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que
deveria estar encerrada a falência, ou do trânsito em julgado da sentença que a
encerrar ou que julgar cumprida a concordata‖.
Com o advento da Lei nº 11.101/2005, houve a modificação do termo inicial
do prazo prescricional dos crimes empresariais. Por força do art. 182, a prescrição
dos crimes começa a correr do dia da decretação da falência, da concessão da
recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial,
conforme o caso. Por conseguinte, o enunciado nº 147 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal está superado, por ser incompatível com a Lei nº 11.101/2005.
15. Interrupção da prescrição
A Lei nº 11.101 indica apenas uma hipótese de interrupção da prescrição
dos crimes empresariais, qual seja, a prevista no parágrafo único do art. 182: ―A
decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha
iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano
de recuperação extrajudicial‖. No mais, consoante orientação jurisprudencial
consolidada no enunciado nº 592 da Súmula do Supremo Tribunal Federal e no
verbete nº 13 do Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, as causas interruptivas da prescrição previstas no Código Penal também
incidem em relação aos crimes empresariais.
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