DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO · capaz de salvaguardar a sua vida e que possa ter como ... acontece o...

33
DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO FONTES DE INFORMAÇÃO DE SOCIOLÓGICA JÚLIA GOUVEIA COIMBRA, DEZEMBRO DE 2004

Transcript of DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO · capaz de salvaguardar a sua vida e que possa ter como ... acontece o...

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

FONTES DE INFORMAÇÃO DE SOCIOLÓGICA JÚLIA GOUVEIA

COIMBRA, DEZEMBRO DE 2004

ÍNDICE INTRODUÇÃO 1 ABORTO: O PROCESSO CLÍNICO 2 A legislação médica e o desenvolvimento físico e psicológico do feto 3 Métodos do aborto 7 BORNDIEP: O BARCO DO ABORTO9 Quem são? 10 Palavra de honra? 12 Aconteceu em Portugal... 16 DESCRIÇÃO DETALHADA DA PESQUISA 18 WWW.WOMENONWAVES.ORG 20 FICHA DE LEITURA 22 CONCLUSÃO 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 30 ANEXOS Anexo I: Direitos humanos Anexo II: Aborto na esteira da longa luta do direito ao corpo

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

1

INTRODUÇÃO

Será que muitos de nós já paramos para pensar sobre a questão do

aborto? O porque de tanta discussão política e social à volta do tema? Da

luta diária para a sua legalização devido à persistência dos movimentos

“em favor da vida”? O porquê de tanta polémica relativamente à entrada de

um barco em águas nacionais?

Este tipo de questões ultrapassa o senso-comum que utiliza, por um

lado, respostas do género “é um bebé que já existe”, e por outro, “é o

direito da mulher!”.

Estas duas posições opostas dividem a opinião pública face a

prática abortiva. Supostamente, devido à ilegalidade da prática, o aborto

não pode ser realizado excepto, em Portugal, no caso de violação e do risco

de saúde física da mulher. Ora, em casos de gravidez indesejada, a mulher

terá que, ilicitamente, recorrer, no caso de ter posses económicas, a uma

clínica legítima em Espanha ou, em caso de ter possibilidades económicas

reduzidas, ir às tão conhecidas aborteiras, mais vulgarmente designadas por

“carniceiras”.

Com este trabalho, pretendo dar uma visão mais ampla sobre o

processo abortivo e sobre o que a mulher passa ao fazê-lo, pois ninguém o

faz de ânimo leve. Outra questão actual é o caso das “women on waves”,

que desde logo foram convidadas a “abortar a missão” pois a nossa

legislação não permitia que uma Ong holandesa nos viesse dar o que ainda

não temos: mais informação sobre o processo e sobre sexualidade.

Estes dois temas serão expostos neste trabalho de modo a responder a

algumas questões.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

2

ABORTO: O PROCESSO CLÍNICO

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

3

A LEGISLAÇÃO MÉDICA E O DESENVOLVIMENTO FISÍCO E

PSICOLÓGICO DO FETO

CÓDIGO DEONTOLÓGICO

ARTIGO 47.º

(PRINCÍPIO GERAL)

1. O médico deve guardar respeito pela vida humana desde o seu início.

2. Constituem falta deontológica grave quer a prática do aborto quer a

prática da eutanásia.

3. Não é considerado aborto, para efeitos do presente artigo, uma

terapêutica imposta pela situação clínica do doente como único meio

capaz de salvaguardar a sua vida e que possa ter como consequência

a interrupção da gravidez, devendo sujeitar-se ao disposto no artigo

seguinte

4. Não é também considerada eutanásia, para efeitos do presente artigo,

a abstenção de qualquer terapêutica não iniciada, quando tal resulte

de opção livre e consciente do doente ou do seu representante legal,

salvo o disposto no artigo 37.º, n.º 1

ARTIGO 48.º

(TERAPÊUTICA QUE IMPLIQUE RISCO DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ)

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

4

1. Quando a única forma de preservar a vida do doente implique o risco

de interrupção de gravidez nos termos do n.º3 do artigo antecedente,

deve o médico assistente, salvo em caso de inadiável urgência,

convocar para uma conferência dois médicos da especialidade, sem

prejuízo da consulta a outros colegas cujo o parecer se possa

considerar necessário.

2. A conferência referida no número anterior deve traduzir-se em

protocolo circunstanciado, em quatro exemplares, do qual constem o

diagnóstico, o prognóstico e as razões científicas que os determinam.

(…)

Como pode ser constatado, a lei vigente na Ordem dos médicos só

permite o aborto em caso de problemas físicos que atentem contra a

integridade da mulher, lei essa que coincide com o código penal. Caso

contrário, constitui “falta deontológica grave (…) a prática do aborto”.

Devido aos avanços da medicina, hoje são poucos os casos em que a vida

da mãe é posta em causa e é quase sempre possível a salvação do binómio

mãe-filho. Obviamente que existem casos, como por exemplo a gestante

ser cardiopata, em que no primeiro trimestre pode acontecer o aborto

indirecto devido ao tratamento cardiovascular; é previsível mas não é

desejado.

O bebé, ainda dentro do útero, já tem desenvolvido o seu sistema

cerebral. Se, ao tocarmos na barriga, entre a 6.ª e a 7.ª semanas de gravidez,

apanharmos os lábios, a criança, tendo já os sentidos desenvolvidos,

acontece o chamado “total patern response” no qual o bebé se vira para um

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

5

lado movimentando os braços rapidamente. O seu pensamento leva-o a

aumentar a sua pulsação de 6 a 10 segundos antes de iniciar um

movimento, tal como acontece com os adultos. A característica de quem

sonha são os REM (Rapid Eye Movements) e, através de ultrasons foi

provado que a partir da 23ª semana de gestação, o bebé já os apresenta. Dr.

Freud, o neto de Sigmound Freud, após a observação de muitas ecografias,

conseguiu constatar que “o feto tem muitíssima intencionalidade” pois foi-

lhe possível observar dois gémeos à luta.

Após a combinação dos genes do homem e da mulher é desde logo

gerado um novo ser vivo. O desenvolvimento da criança dá-se logo desde o

primeiro dia, em que se dá a primeira divisão do útero em quatro células

subindo as trompas em direcção ao útero, apesar de não ser logo

diagnosticável com os testes de gravidez. Entre o quinto e o nono dia de

gestação desenvolvem-se 9 das 45 gerações de replicações celulares que

acontecem até ao momento da morte do indivíduo. Só ao décimo quarto dia

é que a menstruação da mãe é suprimida e as células do cérebro estão

completamente formadas. O desenvolvimento do coração, bem como o seu

batimento e o aparecimento dos olhos dão-se entre o vigésimo e vigésimo

quarto dias. Até ao quadragésimo quinto dias, desenvolvem-se os músculos

do bebé tornando visíveis as pernas e os braços; a boca, orelhas e nariz

tomam formas e o esqueleto da criança está completamente formado. O

cérebro está activo e os dentes de leite estão presentes. Até à nona semana,

à excepção dos pulmões, o bebé já apresenta todos os órgãos vitais e o

cérebro já controla os sinais vitais como o da respiração. Já na nona semana

o bebé é capaz de apertar qualquer objecto e já lhe aparecem as unhas. A

capacidade de se rir devido ao desenvolvimento total das expressões faciais

é detectada na décima primeira semana. As feições, a maturidade e a

personalidade são apresentadas nas décima segunda e décima terceira

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

6

semanas. A partir do quarto mês notam-se os REM (rapid eye

movements) em que o bebé, no caso de ser incidida luz sobre o abdómen,

tapa os olhos. Criados os hábitos de sono, ao quinto mês, qualquer som

violento pode assustar a criança e, uma música suave pode embala-lo. Entre

o sexto mês e

o momento do nascimento, nono mês, crescem o cabelo e as sobrancelhas e

os olhos começam a abrir e a fechar. São largadas, por ele, as hormonas

que provocam o parto.

Esta síntese acerca do desenvolvimento do bebé é um dos

argumentos que prova que a prática abortiva é uma discussão bastante

complexa, visto a criança estar completamente desenvolvida no momento

do parto.

Tal como o código deontológico nos diz, o aborto não pode ser

praticado excepto em caso de risco do corpo da mão ou em caso de aborto.

O porquê de o aborto não ser permitido pelos médicos deve-se ao facto de

eles terem conhecimento do processo de desenvolvimento levando-os a

verem-se como “criminosos”. Averiguando o código penal, constatamos

que o aborto é proibido por lei – logo, os médicos, iriam ser culpados por

um crime. Se, em termos legais, o aborto fosse permitido, este argumento

de desenvolvimento físico e psicológico, só serviria para decidir até que

mês era permitido o aborto, que possivelmente seria no menor tempo

possível para que a criança não estivesse ainda muito desenvolvida.

A pressão social que este tema exerce leva os movimentos de

“defesa da vida” a utilizar este tipo de argumentos contra a liberalização

do aborto. Já o argumento utilizado pelos movimentos a favor do aborto é

muito diferente mostrando que a mulher tem direito de opção pois o corpo

é dela.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

7

MÉTODOS DO ABORTO

Apesar de todos os métodos serem bastante traumatizantes para

quem pratica o aborto, há alguns que não são tão frios e dolorosos para a

criança.

ESQUARTEJAMENTO: O feto é esquartejado dentro do ventre

da mãe sendo retirado por partes. É uma morte fria pois o feto, sentindo um

objecto dentro do útero tenta fugir.

RETIRADA DO LÍQUIDO AMNIÓTICO: A mais lenta e

dolorosa morte. É retirado o líquido amniótico e inserida uma substância

com sal, retirando o bebé após a morte. É jogada ao lixo.

SUCÇÃO: A criança é sugada assim como tudo que a envolve. Por

vezes tomam um medicamento que expele tudo o que estiver no útero.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

8

SUFOCAMENTO: O chamado “Parto parcial” em que o bebé é

puxado para fora estando apenas a cabeça dentro. Posteriormente, um tubo

suga o crânio da criança.

Adquirido o conhecimento da forma como o bebé se desenvolve

conseguimos perceber o quão “sufocante” deve ser para este a prática

abortiva. Devido ao sistema cerebral desenvolvido, o bebé pode sentir

qualquer tipo de aborto, seja ele mais ou menos doloroso. A própria mulher

pode, após a intervenção cirúrgica necessitar de apoio psicológico

especializado pois o sentimento de culpa invade a vida da mesma.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

9

BORNDIEP: O BARCO

DO ABORTO

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

10

Quem são?

Estávamos no ano de 1997 quando, no México, nasceu um

projecto que tinha como objectivo não só combater entre 60 e 100 mortes

anuais devido ao aborto clandestino como também, levando as mulheres

para águas internacionais, faze-lo de forma digna e legal, dando toda a

assistência necessária pós-aborto.

Inicialmente, o barco chamava-se “Sea change” e foi fundado pela

ideóloga Rebecca Gomperts.

Nascida a 1967, a Líder das WOW (Women on Waves), estudou

medicina e artes plásticas em Amesterdão nos anos oitenta; seguidamente

esteve num internato numa missão no Suriname (Antiga colónia holandesa

conhecida como Guiana Holandesa) e na Guiné Equatorial. Foi Também

médica residente no navio “Rainbow Warrior II”, do Greenpeace, viajando

dois anos pelas águas da América do sul.

Para iniciar este projecto, Rebecca necessitava de um milhão de

dólares, tendo, em dois anos, angariado 117 mil dólares pelo que,

inicialmente, utilizava barcos alugados e cumpria missões mediante os

fundos disponíveis.

A WOW é uma clínica marítima designada “Borndiep” que, para

além de fazer abortos com condições de segurança e de forma legal (visto

faze-lo em águas internacionais), faz também a distribuição de

contraceptivos (preservativos, pílulas, DIU,…) e fornece informação

necessária a mulheres grávidas para que tomem a decisão de uma forma

consciente. A tão controversa pílula abortiva é transportada a bordo do

navio sendo utilizada caso a gravidez esteja nos primeiros dias.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

11

Ajudada por um grupo de médicas e enfermeiras voluntárias, a

organização também se preocupa com os direitos humanos tentando fazer

frente a todos os governos que são contra o aborto utilizando, como

argumentos, a violação dos artigos 1, 3, 12, 19 e 27.1 da Declaração

Universal dos direitos humanos, as quatro conferências mundiais das

mulheres em Pequim e a conferência internacional da União Europeia

sobre População e Desenvolvimento no Cairo.

A instituição está registada na Holanda como uma instituição de

solidariedade vivendo de donativos dados por quem defende a causa e pelo

Estado. A ajuda pedida é também em termos de voluntariado de medicina

ou enfermagem.

A organização tem duas autorizações do ministério holandês: a

primeira permite fazer o aborto quando a gravidez é de dezasseis dias em

qualquer lugar da Holanda e em águas internacionais; a segunda permite

praticar o aborto até doze semanas mas só em Amesterdão, não por razões

médicas mas sim políticas.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

12

PALAVRA DE HONRA?

Se existe uma luta por parte deste movimento é porque existe um

motivo. Esse motivo deve-se ao facto de muitos países não cumprirem três

compromissos: não violar os direitos humanos; Cumprir as promessas das

conferências de Pequim e das conferências sobre população e

desenvolvimento, no Cairo.

Atentemos o mapa.

FONTE: WWW.WOMENONWAVES.ORG

Nos países assinalados de vermelho, o aborto é ilegal em qualquer

caso ou permitido apenas para salvar a vida das mulheres. O panorama é o

mesmo nos países coloridos de cor-de-rosa, acrescentando que também é

permitido para proteger o corpo da mulher. Com a cor amarela estão os

países em que o aborto é legal para protecção da saúde mental da mulher e,

no tom azul, são permitidos em casos de baixos níveis socioeconómicos.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

13

Para finalizar, a branco, encontram-se os locais em que as politicas

abortivas estão a ser discutidas.

Com este panorama, somos levados a ver a confirmação dos três

argumentos utilizados pelas WOW.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Conforme se pode constatar na Declaração Universal dos Direitos

Humanos (ver anexo I), há um desrespeito destes direitos humanos pois a

mulher é livre de tomar as suas atitudes visto “ninguém sofrer intromissões

arbitrárias na sua vida privada”. Mesmo sendo ilegal, o aborto é uma

prática constante que mata uma mulher em cada seis minutos originada por

falta de condições de saúde e higiene pois não há participação no

“progresso científico” e nos “benefícios que deste resultam”, salvo em

casos de violação, integridade física e psicológica da mulher. Sem criticas e

negações, os humanos devem “agir (…) em espírito de fraternidade”.

(Fonte: Declaração Universal dos direitos humanos, anexo I)

CONFERÊNCIAS DE PEQUIM

Em 1995 realizou-se a IV conferência mundial da mulher em

Pequim, na qual estiveram representados 189 países. Anteriormente houve

outras conferências de igual importância para a igualdade, a justiça e os

direitos humanos (Conferência do México em 1975; Conferência de

Copenhaga em 1980; Conferência de Nairobi em 1985).

Desde 1946 que a ONU (Organização das Nações Unidas), na

declaração dos direitos humanos, fala em igualdade de direitos do homem e

da mulher.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

14

Consciencializadas dos seus direitos, as mulheres entraram no

mercado de trabalho assim como na vida política. Tudo isto graças à

resistência de mulheres de diferentes raças, religiões, etnias, classes ou

ideologias.

As discussões das mulheres foram postas em causa em Pequim, de

modo a que todos os países participantes assumissem compromissos. Entre

eles destacam-se:

G) Respeitar os direitos reprodutivos, implementando serviços

adequados de atenção à saúde da mulher em todas as fases da sua vida;

serviços de planeamento familiar com respeito à livre decisão dos casais ou

do indivíduo, serviços de orientação sexual a crianças e adolescentes, com

respeito ao seu direito à informação e à confidencialidade (…)

H) Reconhecer o aborto como um problema de saúde pública,

pedindo atenção aos abortamentos inseguros, recomendando aos países que

revissem as suas leis que penalizam as mulheres que fizeram abortos

ilegais.

Não são estes os únicos compromissos desrespeitados mas são os

mais importantes para defender a causa das WOW. Poucos são os países

que não têm uma lei que penalize o aborto e preferem que o acto seja

praticado ilegalmente levando mulheres a procurar, por factores de ordem

económica, as tão conhecidas aborteiras designadas de “carniceiras” onde a

vida da mulher é posta em causa, ou levando mulheres a tentar o aborto

natural, utilizando, métodos pouco recomendados como dar quedas

propositadas ou dar socos na barriga.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

15

CONFERÊNCIA DA ONU SOBRE POPULAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO

ARTIGO 3.13.º

A discriminação social da mulher, o acesso limitado aos serviços

sociais e de saúde, incluindo os serviços de saúde reprodutiva os quais

incluem os serviços de planeamento familiar se encontram entre os factores

que contribuem para os elevados níveis de fertilidade, doença e

mortalidade, assim como para uma baixa produtividade económica.

Posto isto, só resta concluir que a luta das WOW é digna de ser

apoiada pelo número máximo de mulheres de modo a lutarem pelos seus

direitos que supostamente já deveriam estar em prática.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

16

ACONTECEU EM PORTUGAL…

A convite da associação Portuguesa “Não Te Prives” o Borndiep

decidiu fazer uma missão em Portugal. Após inspecção por parte das

autoridades holandesas e depois de os medicamentos terem sido selados

pelo notário holandês, o barco partiu a 23 de Agosto de 2004 rumo ao

nosso país com os objectivos de alertar os perigos do aborto clandestino,

dar informação sobre sexualidade e tentar mudar a lei nacional referente ao

aborto pois existem entre 20 mil e 40 mil abortos clandestinos por ano em

território lusitano.

Em Junho de 2002, o Parlamento Europeu alertou a União

Europeia para rever as leis do aborto de modo a que ele fosse legal por

condições de segurança e chamou à atenção para não condenar as mulheres

por tal comportamento.

Violando as conferências europeias, o Ministro da Defesa, Paulo

Portas, proibiu a entrada do navio em águas nacionais, apesar de nenhuma

lei nacional ser profanada por o barco atracar no nosso território.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

17

Quando Francisco Louça, Odete Santos e Jamila Madeira pediram

permissão para o barco entrar em águas nacionais e para o visitar, foram

impedidos de o fazer. Os ministros holandeses, ao reconhecerem que

Portugal estava a violar as conferências internacionais em relação aos

territórios marítimos tentaram falar com os ministros portugueses mas,

mesmo assim, a entrada do barco não foi permitida.

No dia 6 de Setembro, Rebecca foi a tribunal mas o juiz deixou

claro que não se podia ir contra a decisão do Paulo Portas. Mesmo assim,

não se tocou no assunto de Portugal estar a violar os direitos humanos

sobre liberdade de informação e expressão, o que leva a crer que até o

tribunal estava sobre pressão política. Esta decisão do tribunal abriu um

precedente que poderá vir a prejudicar outros navios como o Greenpeace e

os Médicos Sem Fronteiras. As WOW irão recorrer em Portugal de modo a

acabar com as injustiças.

Visto não terem conseguido entrar em águas nacionais, pensaram

noutra hipótese de ajudar as mulheres portuguesas. A organização anunciou

aos média que iria estar disponível no seu site o modo correcto de utilizar a

pílula abortiva Misoprostol. Milhares de mulheres portuguesas recorreram

ao website para se informarem sobre o medicamento. Desafiando os

políticos portugueses e os movimentos anti-aborto, Rebecca foi ao

programa matinal da SIC, o “SIC 10 horas”, ensinar a utilizar Misoprostol

de forma segura e eficaz.

No dia 9 de Setembro de 2004 o navio rumou à Holanda mas ficou

a promessa de lutar contra as leis portuguesas e de voltar antes das eleições.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

18

PROCESSO DE DESCRIÇÃO DA

PESQUISA

Inicialmente, o trabalho realizado tinha outra estrutura, que, para

além de apresentar conteúdos sobre o processo clínico e o projecto WOW,

teria também outras partes dedicadas à legislação portuguesa e à mulher.

Ao começar a pesquisa google e altavista e após a visita a inúmeros sites, vi

que muita informação estava sempre a ser lançada sobre este tema e senti

necessidade de optar por encurtar o trabalho. Os tópicos posteriormente

excluídos, seriam referidos nos temas escolhidos. Comprova-se que um

projecto inicial pode ser modificado no final do trabalho.

Navegando na net e fazendo uma pesquisa google sobre “aborto”,

remetia-nos para um site (www.aborto.no.sapo.pt) onde a quantidade de

informação era imensa sendo suficiente para elaborar vários trabalhos,

apesar de o site ter uma influência anti-aborto. Todos os sites por mim

visitados tinham muita informação mediante várias perspectivas e, em 6

dias apareceram 3 sites novos sobre o tema do aborto; de referir também,

os vários artigos diários de jornais on-line.

Quanto aos jornais, pouco se falou após a ida do Borndiep,

havendo algumas referências ao julgamento de Aveiro.

De salientar a dificuldade de arranjar literatura sobre o processo

clínico do aborto, o que leva a crer que, devido a ser ilegal, o acesso à

informação também o é. A ajuda da ordem dos médicos foi preciosa para

conseguir o processo clínico do aborto.

Sobre as WOW, a pesquisa foi muito fácil, visto fazer-se muito

para explorar esta organização.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

19

Na tentativa de complementar o meu trabalho, tentei recorrer à

técnica das entrevistas mas, dos casos que eu conheço, ninguém quis

colaborar apesar de ter prometido o anonimato.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

20

WWW.WOMENONWAVES.ORG

Ao navegarmos na net e entrarmos no site oficial das Women On

Waves, podemos consciencializar-nos da sua luta pelos direitos das

mulheres. A sua página dá-nos a conhecer quem são, como nasceram, qual

a sua missão, quais as suas viagens e uma espécie de “diário de bordo”,

informações sobre contraceptivos e métodos abortivos. Qualquer

informação sobre contraceptivos, sexualidade e planeamento é-nos

fornecida na página ou, caso surjam dúvidas, podemos contactar a

organização tendo uma resposta imediata. O teste foi elaborado tendo sido

obtida em dois dias uma resposta satisfatória à pergunta realizada.

A página é esclarecedora, sendo apenas necessário um

conhecimento médio sobre a legislação portuguesa, sobre os direitos

humanos, conferências de Pequim e do Cairo.

A disposição da página, a linguagem corrente e imagens são

positivas, podendo visitar qualquer link sem problemas.

Cativante, faz com que haja uma vontade imensa de visitar todo o

site de modo a conhecer melhor a organização e de responder a dúvidas

pessoais.

Como pontos negativos, saliento:

• Não haver uma explicação sobre o principio do projecto;

• Falta de uma biografia ou curriculum da fundadora;

• Ausência de link que explique os argumentos utilizados

(direitos humanos violados, conferências de Pequim e do

Cairo)

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

21

Sobre a viagem a Portugal é-nos dada muita informação mas

mesmo assim penso que devia ser mais aprofundada porque ficam muitas

interrogações ao ser lida a notícia.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

22

FICHA DE LEITURA DATA DE LEITURA: 27 de Dezembro de 2004 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: Revista “Manifesto” de Abril de 2004, 80-89 TÍTULO DO ARTIGO: “Aborto na esteira da longa luta pelo direito ao corpo” AUTORA: Manuela Tavares ÁREA CIENTÍFICA: Estudos sobre as mulheres SUB-ÁREA CIENTÍFICA: Aborto PALAVRAS-CHAVE: Aborto; corpo; sexualidade; maternidade; criminalidade; direito ao corpo.

A AUTORA

Nascida a 2 de Julho de 1950 em Lisboa, Maria Manuela Paiva

Fernandes Tavares, Licenciou-se no Instituto Superior de Economia em

1974, fazendo um mestrado na Faculdade de Alberta na área de estudos

sobre as mulheres.

Na área da investigação, publicou o livro "Movimentos de

Mulheres em Portugal nas décadas de 70 e 80", Livros Horizonte, Lisboa,

2000 e participou nos projectos "Mulheres, Cidadania e Política no século

XX em Portugal" (Projecto financiado pela FCT) e "Genre et gestion local

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

23

du changement dans sept pays de l'Union Europénne" (Projecto

financiado pela Comissão Europeia DG XII). Organizou, também, vários

debates, seminários e fora sobre a posição das mulheres e vários problemas

das mesmas.

RESUMO

Através deste texto, Manuela Tavares pretende mostrar a evolução

da condição da mulher relativamente ao seu corpo. Começa por nos

apresentar a mulher da Grécia Antiga, onde era apenas mãe ou escrava,

passando pela Idade Média, onde apesar de os partos serem de risco a sua

condição se mantinha e finalizando pela problemática actual deste tão

“complexo” tema, que é o aborto. De salientar, também, a evolução da

mentalidade que, graças ao neomalthusianismo, a mulher já pôde ter uma

sexualidade livre e não só para procriar e as várias posições sociais sobre o

aborto.

ABORTO NA ESTEIRA DA LONGA LUTA PELO DIREITO AO

CORPO

MANUELA TAVARES

Graças às feministas, a partir das décadas de 1960 e 70, a mulher

pôde ter opção de escolha quanto à sexualidade pois, até lá, a mulher era

símbolo da maternidade e do prazer do homem. Como refere Neves em

1987(apud Tavares, Manuela, 2004), a mulher foi, desde a Grécia Antiga,

afastada da vida na Pólis e, esta situação arrastou-se durante séculos.

CORPO E MATERNIDADE

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

24

A oposição feminino/natureza e homem/cultura remonta ao

pensamento aristotélico, sendo também credível na época medieval pois o

corpo feminino era algo "inacabado, frio, fraco e doente por natureza”. As

mulheres romanas eram apenas vistas como mães ou escravas que atendiam

as ordens dos seus amos. Havia ainda, no final da Idade Média um medo

que invadia a mulher nas questões em torno da gravidez e parto. Inclusivé

na arte, a imagem feminina era encarada como mulher símbolo da

reprodução.

A figura feminina nunca podia ser alvo de afirmação pois a sua

vida resumia-se, por um lado, à vida doméstica e, por outro, à maternidade,

caracteristica que, segundo Irigaray ,1981(apud Tavares, Manuela, 2004),

era invejada pelo homem.

A luta feminina desde o início do séc. XX baseia-se na conciliação

da militância feminina com a maternidade e, no ante 1ª guerra Mundial

uma das poucas feministas que se pronunciou foi Nelly Roussel visto ter

defendido a opção de escolha da mulher perante o seu corpo.

Com o "Segundo Sexo" (1949), de Simone Beauvoir (apud

Tavares, Manuela, 2004), dentro do contexto pós-guerra, houve uma

transição do contexto do feminismo igualitarista para a era do feminismo

centrado na mulher sujeito eclodindo com o feminismo contemporâneo.

CORPO, SEXUALIDADE E ABORTO

Ao contrário da figura masculina, a repressão do corpo e

sexualidade feminina fazia delas um ser passivo tendo que seguir as ditas

regras de etiqueta da Antiguidade e mostrar o seu corpo única e

exclusivamente aos seus maridos. Já Aristóteles defendia que as mulheres

eram o receptáculo do sémen masculino.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

25

Na Germânia da Idade Média as mulheres transgressoras eram

sepultadas ainda com vida em lama. Em outras sociedades eram também

reprimidas havendo diferentes sanções.

As acusações de bruxarias envolviam o temor pela sedução

feminina onde se defendia que as bruxas tinham práticas de orgias com o

diabo.

Ainda hoje, segundo a Igreja, a mulher tem que ir "pura" para o

casamento tendo só o marido poder de desfrutar o corpo da mulher e

apenas para a reprodução.

Com o ensinamento de sexo ser pecado, as raparigas reprimiam o

seu corpo, sendo desde cedo assim educadas pelas mães, que incutiam de

tal forma esta ideia que chegavam a ter vergonha do seu corpo. A primeira

médica americana, Elisabeth Blackwell, considera que esta ideia é o

resultado da educação.

Com o neomalthusianismo a geração seguinte de médicas já

aconselha contraceptivos o que assusta a sociedade conservadora, pois a

mulher já não é o objecto de procriação e tem o mesmo direito que os

homens ao sexo livre e sem tabus.

O pensamento neomalthusiano instaura-se - nos Estados Unidos a

prioridade para as feministas é a contracepção; na Inglaterra, Annie Besant,

da Liga Neomalthusiana Inglesa é presa pela publicação de um livro e já se

ousa falar em lesbianismo; na Alemanha fala-se na reabilitação de mães-

solteiras.

O receio que invadia as mulheres quanto ao aborto atingia

proporções tamanhas que estas recorriam a práticas tais como pílulas de

chumbo, injecções de água com sabão no útero e, piores ainda, com

agulhas de crochet, arames, galhos de árvores afiados. Para além de

clandestinas, estas formas abortivas eram dolorosas. As mulheres faziam-

no sozinhas por receio aos maridos e à sociedade pois engravidavam sem

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

26

quererem.

Deu-se uma ameaça no meio político que se colocou em causa

visto as figuras femininas das classes médias e altas começarem a fugir à

gravidez, em oposição as famílias cada vez mais numerosas da classe

baixa. Em França, uma médica da liga neomalthusiana foi internada num

hospital psiquiátrico devido à prática do aborto. O povo, tinha as chamadas

aborteiras que até iam às estações ferroviárias esperar as mulheres de terras

próximas.

A rigidez anti-aborto manifesta-se na legislação e iniciam-se nos Estados

Unidos campanhas contra o mesmo alegando que a mulher foge aos seus

deveres de esposa e que se entrega "de corpo e alma nas mãos de homens

malvados e sem escrúpulos" (Walkowitz, apud Tavares, Manuela, 2004)).

A CRIMINALIDADE DO ABORTO

Roma: de um lado Aristóteles, defendendo que o feto se produzia

durante a gravidez; De outro Platão, alegando que o feto não tinha vida

própria.

Na igreja houve uma evolução de pensamento sobre o aborto.

Inicialmente o aborto era associado ao pecado de Fornicação e ao adultério.

S. Tomás de Aquino não via o aborto como homicídio mas sim como

moralmente condenável pois defendia que o embrião sofria uma evolução

do estado vegetivo até à fase em que recebia alma. Teólogo moralista

jesuíta, Sanches, séc. XVI, é a favor do aborto em caso de risco para a

mulher e considera moralmente correcto. O Papa Pio IX introduz a teoria

da personalização imediata, ou seja, o feto recebe alma mal seja concebido

sendo ainda hoje a teoria dominante da igreja o que os leva a ser contra o

aborto.

Razões como pecado sexual, atentado à moral e leis da Igreja , o

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

27

aborto foi considerado crime nos códigos penais passando a ser clandestino

e colocando em risco a vida de milhares de mulheres. O aborto clandestino

ainda hoje coloca em risco a vida do ser feminino.

DIREITO AO CORPO - DISCURSO ACTUAL

Nos anos 60 e 70 surge um slogan que põe em causa as questões do

corpo feminino: "O pessoal é político". A luta política englobou a questão

do aborto, violência doméstica e contracepção. Com diferenciação sexual

procura-se estabelecer a dicotomia da papéis e excluir quem tenha

comportamentos contrários.

Ouve-se falar em escravatura sexual da mulher no que diz respeito

ao emprego, casamento e em tudo que reduza a mulher a objecto sexual -

assim se contestou o discurso naturalista. Segundo Adrienne Rich, falar em

heterosexualidade é falar na apropriação do homem sobre o corpo da

mulher. Este discurso foi revisitado por instituições femininas, como é o

caso do, por exemplo, GAMP (Grupo Autónomo das Mulheres do Porto).

A Campanha Nacional pelo Aborto e Contracepção (CNAC) nos

finais da década de 70, focou essencialmente a questão da saúde em relação

ao aborto, acusando a morte de mil mulheres por ano devido ao aborto

clandestino.

Em 1982, o Partido Comunista Português fala sobre a

despenalização do Aborto argumentando razões sócio-económicas e sendo

apoiado por parte da Esquerda. Nesse mesmo ano a Igreja vai contra o

PCP, argumentando que o Estado cria essas condições para que as

mulheres possam ter filhos. O aborto foi intitulado "chaga social" num

artigo publicado pela revista "Análise Social" da autoria de Graça

Abranches e Virgínia Ferreira em 1980.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

28

A campanha em época de referendo sobre o aborto não trouxe um

discurso inovador quanto à IGV (interrupção voluntária da gravidez) tendo

como slogan "Quem sou eu para condenar?".

Apesar da campanha, os movimentos anti-aborto e a Igreja católica

revelaram-se intolerantes e contra tal comportamento.

O presidente da CFFC (Catholics for a Free Choice) interroga-se

em que medida o corpo deixa de ser da mulher quando esta grávida.

A evolução do direito ao corpo é gradual pois ser mãe não é uma

obrigação.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

29

CONCLUSÃO

Com a elaboração deste trabalho pretendi mostrar as características

mais relevantes sobre as duas temáticas abordadas na questão do aborto. O

tema é bastante complexo pois, para além de haver opiniões contrárias

sobre praticar ou não tal cirurgia, há o facto da consciência pois ninguém

faz tal intervenção de ânimo leve.

Para facilitar a análise do tema, o trabalho está esquematizado em

sub-temas fazendo uma abordagem simplista.

Realçando o projecto Women On Waves, pretendo dar a conhecer

o historial da associação de solidariedade visto ajudar mulheres em

situações complicadas, interligando com a situação sobre as políticas

abortivas do mundo e a reacção portuguesa à chegada do barco.

Quanto ao processo clínico há a alusão aos processos de

transformação do bebé de modo a compreender a sua evolução.

Espero que este trabalho seja tão esclarecedor para os leitores assim

como foi para mim.

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Aborto (s.d.), Associação de Planeamento Familiar, página web visitada a

28 de Dezembro de 2004, disponível em www.apf.pt

Aborto (s.d.), (s.a.), “Breve História sobre o aborto” página web visitada a

20 de Dezembro de 2004, disponível em www.aborto.no.sapo.pt

Aborto (s.d.), (s.a.), “Métodos do Aborto”, página web visitada a 20 de

Dezembro de 2004, disponível em http:://aborto.8m.com

Direitos humanos (s.d.), (s.a.), “Carta Universal dos Direitos Humanos” ,

página web visitada a 22 de Dezembro de 2004, disponível em

www.direitoshumanos.pt

Fonseca, Patricía e Sapage, Sónia (2004), “O aborto por bandeira”, in

Visão, Setembro de 2004, 34-43

Ordem dos Médicos (s.d.), “Ordem dos médicos”, página web visitada a 20

de Dezembro de 2004,disponível em www.ordemdosmedicos.pt

Tavares, Manuela (2004), “Aborto na esteira da longa luta pelo direito do

corpo”, in revista Manifesto, Abril de 2004, 80-89

Women on Waves (Org.), s.d., “o Barco do Aborto”, página web visitada a

20 de Dezembro de 2004, disponível em www.womenonwaves.org

DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

31

ANEXOS

ANEXO I

ARTIGOS DOS DIREITOS HUMANOS

ANEXO II

ABORTO NA ESTEIRA DA LONGA LUTA PELO DIREITO AO

CORPO