curso_2009

124
Introdução a Física da Matéria Condensada Daniel A. Stariolo Departamento de Física Universidade Federal do Rio Grande do Sul 2009 i

Transcript of curso_2009

Introdução a Física da MatériaCondensada

Daniel A. Stariolo

Departamento de FísicaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

2009

i

Sumário

1 Estrutura da matéria condensada 11.1 A lei de Bragg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 O fator de estrutura e funções de correlação da densidade. . . . . 51.3 Líquidos e gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.3.1 Esferas duras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.4 Estruturas cristalinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.4.1 Redes cristalinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.4.2 A rede recíproca e a condição de von Laue . . . . . . . . 121.4.3 Simetria e estruturas cristalinas . . . . . . . . . . . . . . 16

1.5 Cristais líquidos e ordem orientacional . . . . . . . . . . . . .. . 231.6 Estruturas incomensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 321.7 Frustração geométrica e materiais amorfos . . . . . . . . . . .. . 341.8 Ordem magnética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381.9 Estruturas fractais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 421.10 Simetrias e parâmetros de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

2 Teoria de Campo Médio 522.1 Aproximação de Bragg-Williams para o modelo de Ising . . .. . 522.2 A teoria de Landau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

2.2.1 Transições continuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 572.2.2 Transições de primeira ordem na teoria de Landau . . . . 61

2.3 Sistemas heterogêneos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 632.4 Funções de correlação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

2.4.1 Correlações na teoria de Landau . . . . . . . . . . . . . . 692.5 Sistemas com simetriaO(n) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 722.6 A transição líquido-gás . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

2.6.1 A equação de van der Waals . . . . . . . . . . . . . . . . 762.6.2 A lei dos estados correspondentes . . . . . . . . . . . . . 78

ii

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 iii

2.6.3 Teoria de Landau da transição gás-líquido . . . . . . . . . 782.7 A transição isotrópico-nemática emd = 3 . . . . . . . . . . . . . 812.8 Pontos Multicríticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

2.8.1 Pontos tricríticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 862.8.2 Pontos bicríticos e tetracríticos . . . . . . . . . . . . . . . 882.8.3 Pontos de Lifshitz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

2.9 Teoria de campo médio variacional . . . . . . . . . . . . . . . . . 962.9.1 A aproximação de campo médio . . . . . . . . . . . . . . 992.9.2 O modelo de Potts . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 992.9.3 O modelo de Heisenberg clássico . . . . . . . . . . . . . 101

3 Além da aproximação de campo médio 1043.1 O critério de Ginzburg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1043.2 O modelo Gaussiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1103.3 A aproximação do campo autoconsistente . . . . . . . . . . . . . 1133.4 O modelo XY bidimensional e o papel das flutuações . . . . . . .115

3.4.1 Ordem de quase-longo-alcance . . . . . . . . . . . . . . . 118

Referências Bibliográficas 121

Capítulo 1

Estrutura da matéria condensada

1.1 A lei de Bragg

Nossa intenção é analizar a estrutura da matéria em escalas microscópicas e me-soscópicas, digamos entre1Å e 1µm, ou seja, abarcando 4 ou 5 ordens de mag-nitude. Estamos na escala atómica ou molecular e uma das ferramentas maisconvenientes para sondar as estruturas nestas escalas são as “espectroscopias”.

Se fazemos incidir um feixe de ondas planas sobre uma estrutura formada poruma série de planos paralelos, as ondas irão refletir nos sucessivos planos e umpadrão de interferência será produzido pelas ondas refletidas. Duas ondas sendorefletidas em dois planos separados por uma distânciad irão sofrer interferênciaconstrutiva apenas se a diferença de caminho entre ambas forum número inteirode comprimentos de onda:

2 d sin θ = nλ (1.1)

Esta é alei de Bragg(figura 1.1).O padrão de interferência irá mostrar uma série de picos, chamados “picos de

Bragg” para valores do ânguloθ. O picos de Bragg detectam flutuações da densi-dade com periodicidadeλ/2 sin θ. A ausência de estrutura periódica no materialirá se refletir na ausência de picos ou estrutura no padrão de espalhamento.Alei de Bragg nos diz que para sondar estruturas na escala espacial d devemosutilizar ondas de comprimento específico, ou energias específicas.

Numa descrição um pouco mais detalhada, o fenômeno da difração nas es-calas de interesse da matéria condensada tem origem na interação, descrita pelamecânica quântica, entre a radiação incidente e as partículas do alvo. Sejam|~k〉e |~k′〉 os autoestados das ondas incidente e refletidas. Se as partículas incidentes

1

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 2

Figura 1.1: A lei de Bragg

interagem com o alvo de forma suficientemente fraca através de um potencialU ,a regra de ouro de Fermi permite calcular ataxa de transiçãoentre os estados|~k〉e |~k′〉:

M~k,~k′ = 〈~k|U |~k′〉 =∫

ddx e−i~k·~x U(~x) ei~k′·~x (1.2)

ondeU(~x) é o potencial de interação, responsável pelo espalhamento,e usamosas funções de onde não normalizadas〈~x|~k〉 = ei~k·~x. O módulo quadrado das taxasde transição estão relacionadas àseção de choque ou seção de espalhamentodiferencial :

dΩ∼ 2π

h|M~k,~k′|2. (1.3)

Em um material o potencial de espalhamento é a soma dos potenciais individiuaiscriados por cada partícula do mesmo:

U(~x) =∑

α

Uα(~x− ~xα), (1.4)

onde~xα é a posição daα-ésima partícula do material alvo. Definindo~Rα = ~x−~xα,o elemento de matriz do potencial pode ser escrito como:

〈~k|U |~k′〉 =∑

α

ddx e−i~k·~x Uα(~x− ~xα) ei~k′·~x

=∑

α

dd ~Rα e−i~k·(~xα+~Rα) Uα(~Rα) ei~k′·(~xα+~Rα)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 3

=∑

α

[∫

dd ~Rα e−i~q·~Rα Uα(~Rα)

]

e−i~q·~xα

=∑

α

Uα(~q) e−i~q·~xα, (1.5)

onde~q ≡ ~k − ~k′ eUα(~q) é conhecido comofator de forma atómicoe nada maisé do que a transformada de Fourier do potencial.

Agora, se as partículas do material estivessem fixas nas suasposições, as rela-ções anteriores dariam diretamente a seção de choque. No entanto, na realidade aspartículas dentro dos materiais não são estáticas, se deslocam a medida que passao tempo como efeito da temperatura finita. O aparato de medidatipicamente teráum tempo de resolução muito maior que o tempo característicode relaxação tér-mica das partículas. Então um evento de espalhamento detectado pelo aparatocorresponderá a uma média temporal sobre muitas posições das partículas. Olimite estático ou quase-elásticocorresponde a assumir a validade da hipótese er-gódica no sistema, ou seja, que podemos considerar como equivalentes as médiastemporais a as médias no ensemble de configurações.

Se os potenciais de interação são iguais para todas as partículas, o fatorUα

pode sair fora da soma em (1.5), e:

dΩ∼ |Uα|2 I(~q) (1.6)

onde a funçãoI(~q) = 〈

α,α′

e−i~q·(~xα−~xα′)〉, (1.7)

onde afunção de estruturadepende apenas das posições dos átomos no material.SeN é o número de partículas, esta função é tipicamente de ordemN2. Noentanto se as posições forem aleatórias todos os termos terão médias nulas excetoquandoα = α′. Neste caso, válido para gases e também até certo ponto parafluidos, a função de estrutura é extensiva, de ordemN . Uma versão intensiva dagrandeza se obtém dividindo porN , ou pelo volume do sistemaV :

S(~q) = N−1I(~q) (1.8)

Esta função intensiva chama-sefator de estrutura, sendo uma das quantidadesmais comumente utilizadas para a análise da estrutura dos materiais.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 4

As limitações na utilidade destas funções de estrutura reside na validade daregra de ouro de Fermi, que corresponde a uma aproximação de ordem baixoem teoria de perturbações do potencial. Fisicamente, isto quer dizer que a teo-ria dará resultados válidos quando as partículas incidentes tenham uma interaçãofraca com o potencial, ou quando o caminho livre médio seja muito maior que adistância interpartícula do alvo.

Da lei de Bragg podemos inferir que o comprimento de onda das partículasincidentes deve ser menor que o dobro da distância entre vizinhos próximos nomaterial. Nos materias mais comuns as distâncias interatómicas estão na escalados angstroms, e então devemos considerar qué energias devem ter as partículasincidentes para que seus comprimentos de onda estejan dentro do intervalo válido,e então, de quais materiais ou potenciais elas podem sofrer espalhamento.

Para fótons, a relação de dispersão que relaciona energia com comprimento deonda é:

ǫ = h ω = h c k = h c/λ (1.9)

A luz visível, por exemplo, possuiǫ ∼ 1 eV eλ ≃ 0.4 − 0.7 × 104Å, que é apro-priado para sondar estruturas na escala dos microns. O espalhamento nestes casosé devido a variações no índice de refração do meio ou na constante dielétrica.

Para sondar estruturas na escala do angstrom são necessários fótons de energia∼ 104 eV . Raios X desta energia podem penetrar até1mm dentro do material eproporcionar informação do interior (bulk).

Se quisermos usar espalhamento de elétrons, de massame, temos que levarem conta que a sua relação de dispersão é:

ǫ =h2k2

2me=

h2

2meλ2(1.10)

Para um comprimento deλ ∼ 1Å, a energia correspondente éǫ ∼ 100 eV . Oespalhamento neste caso acontece pelo potencial eletrostático, que normalmenteé grande. A menos que a espessura do material seja pequena (∼ 1µm) haverácomplicações com efeitos de espalhamento múltiplo.

Nêutrons, de massamn, possuem uma relação de dispersão igual, só que amassa é muito maior que a dos elétrons. Novamente, paraλ ∼ 1Å, a energiacorrespondente éǫ ∼ 0.1 eV ∼ 400K. Então, a temperatura ambiente, nêutronstêm a energia correta para produzir espalhamento na escala do Å. O espalhamentoneste caso acontece nos potenciais das forças nucleares ou também no spin ele-trônico, já que o nêutron possui spin.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 5

Partículas mais pesadas, como íons por exemplo, podem apresentar espalha-mento múltiplo, e então são mais utilizadas para sondar superfícies, onde os efei-tos de espalhamento múltiplo são reduzidos. Devido a que os raios X tem ener-gias muito altas na escala do Å, eles são mais utilizados paradeterminar a estru-tura estática dos materiais. Já os nêutrons podem detetar mudanças de energiaspequenas, da ordem de0.1 eV , e então são convenientes para estudar processosdinâmicos. Atualmente estão sendo desenvolvidas espectroscopias de laser, quepermitem medir processos temporais em um amplo intervalo deescalas, entre1até10−6 seg na escala do micron.

1.2 O fator de estrutura e funções de correlação dadensidade

Vimos que a função de estrutura depende apenas das posições das partículas nomaterial. Vamos ver que ela está intimamente relacionada com as correlaçõesda densidade. Ooperador densidade de partículaspor unidade de volume naposição~x é dado por:

n(~x) ≡∑

α

δ(~x− ~xα). (1.11)

Tipicamente, ele é um operador para um sistema quântico, ou uma função do vetorposição para um sistema clássico. A média de ensemble do operador densidadeda a densidade média do material〈n(~x)〉 no ponto~x. Em um fluido isotrópicoe homogêneo〈n(~x)〉 é independente de~x e da simplesmente a densidade médian = N/V . A independência da direção, ou valor de~x, no caso de um fluido éconseqüência direta da invariância rotacional e translacional do estado fluido. Nocaso de um cristal a situação muda, já que ambas invariânciassão quebradas.

Além da densidade média, que é uma função de um ponto, outra grandezamuito importante para caracterizar o estado de um sistema é afunção de correla-ção de dois pontos, definida como:

Cnn(~x1, ~x2) = 〈n(~x1)n(~x2)〉= 〈

α,α′

δ(~x1 − ~xα)δ(~x2 − ~xα′)〉 (1.12)

Se o sistema possui invariância translacional entãoCnn(~x1, ~x2) ≡ Cnn(~x1 − ~x2),e se pode mostrar que a função de estrutura é a transformada deFourier da função

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 6

de correlação da densidade de dois pontos:

I(~q) =∫

dd~x1 dd~x2 e

−i~q·(~x1−~x2) 〈n(~x1)n(~x2)〉= 〈n(~q)n(−~q)〉 (1.13)

onden(~q) =

ddx e−i~q·~x n(~x) =∑

α

e−i~q·~xα (1.14)

é a transformada de Fourier da densidade. Este resultado é muito interessantepois nos diz queexperimentos de espalhamento medem diretamente funções decorrelação.

Exercício: demonstrar a identidade (1.13).

Existem diversas outras funções de correlação úteis e utilizadas em diferen-tes àreas ou contextos. Dentre as mais interessantes está afunção de Urselloucorrelação conectada, definida a partir da anterior como:

Snn(~x1, ~x2) = Cnn(~x1 − ~x2) − 〈n(~x1)〉〈n(~x2)〉= 〈[n(~x1) − 〈n(~x1)〉] [n(~x2) − 〈n(~x2)〉]〉≡ 〈δn(~x1) δn(~x2)〉. (1.15)

Como para distâncias suficientemente grandesCnn(~x1, ~x2) → 〈n(~x1)〉〈n(~x2)〉, afunção conectada decai para zero com a distância, tipicamente acima de algumasdistâncias interpartícula. Da definição notamos queSnn(~x1, ~x1) mede o tamanhodasflutuações da densidaderespeito ao seu valor médio. EntãoSnn(~x1, ~x2) medeas correlações destas flutuações de densidade. Por extensãoa funçãoCnn(~x1, ~x2)é uma correlaçãonão conectada.

Outra função muito usada no estudo de líquidos homogêneos é afunção dedistribuição de pares, definida como:

〈n〉2 g(~x1, ~x2) =1

V

ddx2 〈∑

α6=α′

δ(~x1 − ~xα)δ(~x2 − ~xα′)〉

=1

V

α6=α′

ddx2 δ(~x+ ~x2 − ~xα)δ(~x2 − ~xα′)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 7

=1

V

α6=α′

δ(~x− ~xα + ~xα′),

(1.16)

onde~x = ~x1 − ~x2. Como a soma emα′ varre todos os valores para cadaα, todosos termos da soma emα são iguais, e então:

g(~x) =1

〈n〉

α6=0

δ(~x− ~xα + ~x0)

. (1.17)

Assim definida, afunção distribuição de pares representa a probabilidade deachar uma partícula a uma distância~x de outra que se encontra na posição~x0,normalizada pela densidade média do fluido(considerado homogêneo). A formatípica deg(~x) nos casos de um gás, um líquido e um sólido, pode ser vista nafigura 1.2.

Figura 1.2: A função distribuição de pares nas fases gasosa,líquida e sólida

Da definição deg(~x) surge a identidade:∫

ddx〈n〉 g(~x) = N − 1 (1.18)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 8

válida para um fluido homogêneo. Se as partículas são independentes, como emum gás ideal, a função de distribuição de pares é constante, não depende de~x, eda identidade anterior se obtém queg(~x) = 1 − 1/N → 1 paraN grande.

Para fluidos homogêneos a funçãog(~x) está diretamente relacionada com ofator de estrutura na forma:

S(~q) = 〈n〉[

1 + 〈n〉∫

ddx e−i~q·~x g(~x)]

(1.19)

Exercício: demonstrar a identidade (1.19).

Se o sistema é isotrópicog(~x) → g(r), com r = |~x|. Neste caso ,g(r) seconhece comofunção de distribuição radial.

1.3 Líquidos e gases

Os fluidos, líquidos e gases, são os sistemas que apresentam omaior número desimetrias possível, no sentido que suas propriedades físicas não mudam frente auma série de transformações, especialmente de coordenadas.

Quando dizemos que um fluido é homogêneo e isotrópico, queremos dizer quesuas propriedades são invariantes frente a translações espaciais, rotações arbitrá-rias e reflexões ou inversões respeito da origem de coordenadas (mirror symme-try). O conjunto de transformações que deixam um sistema invariante formam umgrupo, o grupo de simetria. O grupo de simetria que inclui translações, rotaçõese reflexões se chamaGrupo Euclideano. Tipicamente os fluidos são invariantesfrente a operações do grupo euclideano. Fisicamente, isto quer dizer que o en-torno ou a vizinhança de uma pequena região no interior de um fluido é a mesmaindependentemente que a região seja transladada, rotada oude que se faça umareflexão em torno de uma origem de coordenadas. Vamos ver que,de forma geral,o mesmo não acontece com a matéria no estado sólido, os fluidossão os sistemascom a maior simetria possível.

A homogeneidade de um fluido implica invariância translacional. Por exem-plo, para a densidade espacial vale a relação:

〈n(~x)〉 = 〈n(~x+ ~R)〉, (1.20)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 9

onde ~R é um deslocamento arbitrário. Em particular, se~R = −~x obtemos que〈n(~x)〉 = 〈n(0)〉, ou seja, a densidade em qualquer ponto é igual à densidade naorigem. Logo a densidade não depende de~x. Da mesma forma:

Cnn(~x1, ~x2) = Cnn(~x1 + ~R, ~x2 + ~R). (1.21)

Neste caso, escolhendo~R = −~x2 e usando a invariância frente a rotações arbitrá-rias obtemosCnn(~x1, ~x2) = Cnn(~x1 − ~x2, 0) = Cnn(|~x1 − ~x2|). Isto por sua vezimplica que a função de estrutura depende somente do módulo do vetor de onda:

Cnn(~q) = Cnn(|~q|) =∫

ddxe−i~q·~xCnn(|~x|) (1.22)

Então, para um fluido:I(~q) = V Cnn(q). (1.23)

1.3.1 Esferas duras

O modelo tal vez mais simples de um líquido é um sistema formado por bolasou esferas perfeitamente rígidas e impenentráveis. Em um gás de esferas durasas partículas não interagem entre si, exceto pela repulsão infinita que acontecequando uma esfera tenta ocupar o espaço ocupado por outra. A energia potencialdo sistema então pode ser definida como

U(r) =

∞ if r < r00 if r > r0

(1.24)

sendor0 o raio das esferas. O comportamento do sistema depende dafração devolumeou razão entre o volume ocupado pelas esferas e o volume totalacessívelao sistema. Coisas interessantes acontecem a medida que a fração de volumeaumenta. Na figura 1.3 podemos ver o comportamento da função de distribuiçãoradial para um sistema de esferas duras e três frações de volume diferentes.

Se observam uma série de picos, tanto mais intensos quanto maior é a fraçãode volume. O primeiro pico é o mais intenso, e reflete a presença de uma camadade esferas que são vizinhas próximas da esfera central. As correlações com estaprimeira camada são fortes. Os sucessivos picos representam correlações com assucessivas camadas de vizinhos, e se percebe que a intensidade va decaindo atéatingir assintoticamente o valor 1, uma característica da função de distribuição ra-dial. O fator de estrutura tem um comportamento semelhante no espaço recíproco.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 10

Figura 1.3: A função de distribuição radial de um sistema de esferas duras. Re-sultados numéricos utilizando a aproximação de Percus-Yevick.

• O sistema de esferas duras emd = 3 sofre uma transição de fase líquido-sólido como função da densidade. O líquido com fração de volume 0.495coexiste em equilíbrio com o sólido, que forma uma estruturaFCC (facecentered cubic) a uma f.d.v. 0.545.

• Na fase sólida a estrutura FCC apresenta uma f.d.v. de 0.7405, igual à HCP(hexagonal close packed). Se comprimido rapidamente as esferas não con-seguem formar uma estrutura cristalina periódica e formam uma estruturaamorfa com “empacotamente aleatório” (random close packing). A f.d.v.do RCP é 0.638.

• O sistema de esferas duras não é um sistema térmico, a energiatérmica éirrelevante frente a energia repulsiva da superfície. A variável relevante é afração de volume.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 11

1.4 Estruturas cristalinas

1.4.1 Redes cristalinas

Figura 1.4: As redes de Bravais e conjuntos de vetores primitivos

A baixas temperaturas ou altas pressões os materias normalmente cristalizame os átomos se organizam espacialmente em estruturas periódicas, chamadas re-des cristalinas. O tipo de estrutura cristalina na qual um elemente específico irácristalizar depende, essencialmente, do potencial interatômico.

Um conceito importante para o estudo das redes cristalinas éa definição deumarede de Bravais(segundo o Ascroft-Mermin [7]):

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 12

1. Uma rede de Bravais é uma arranjo infinito de pontos discretos, com umaestrutura e orientação que aparecea mesmavista desde qualquer um dospontos da rede.

2. Uma rede de Bravais (tridimensional) consiste de todos ospontos cujosvetores posição podem ser definidos como

~R = n1 ~a1 + n2 ~a2 + n3 ~a3 (1.25)

onde~a1,~a2 e~a3 são três vetores quaisquer não coplanares en1, n2 en3 sãointeiros.

Os vetores~a1,~a2 e~a3 são chamadosvetores primitivose permitem “desenvol-ver” a rede completamente. As magnitudes dos vetores primitivos são conhecidascomoconstantes de rede. Uma célula da rede determinada por um conjunto qual-quer de vetores primitivos se chamacélula primitiva (ver figura 1.4).

Uma célula primitiva também permite obter toda a rede por translações aolongo dos vetores primitivos. Um vetor de translação, ou vetor da rede, conectapontos equivalentes da rede,~T = ~Rl − ~Rl′ , para quaisquer~l e ~l′. O conjuntode vetores de translação~T é um conjunto fechado sob as operações de adição emultiplicação por±1, ou seja, se~T1 e ~T2 são vetores da rede, logo os vetores±~T1,±~T2, ~T1 ± ~T2 e±~T1 + ~T2 também são vetores da rede.

Uma propriedade importante é que uma célula primitiva deve conter um esomente um sítio da rede (a menos que possa haver sítios na suaborda). Na figura1.4 também é evidente que a escolha de célula primitiva não é única. Uma escolhamuito popular é acélula de Wigner-Seitz, formada pela interseção das retas quebisectam a todos os vetores da rede que emergem de um ponto particular da rede,como mostra a figura 1.5.

As duas definições de rede de Bravais são equivalentes, embora isso não éimediatamente óbvio. Por exemplo, numa rede “honeycomb” (favo de abelha),nem todos os sítios são equivalentes, em alguns temos que fazer uma rotação de180o para recuperar o mesmo padrão de vizinhos, como mostra a figura 1.6. Portanto, a rede favo de abelha não é uma rede de Bravais.

1.4.2 A rede recíproca e a condição de von Laue

A rede cristalina no espaço real se chama as vezes“rede direta” . É possíveldefinir uma“rede recíproca” da seguinte forma:

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 13

Figura 1.5: Construção de uma célula de Wigner-Seitz.

(Ashcroft-Mermin) Considere um conjunto de pontos~R formando uma redede Bravais, e uma onda plana,ei~k·~r. Esta onda plana tem uma periodicidade dadapelo comprimento de ondaλ = k/2π. Para um~k arbitrário esta onda não terá, emgeral, a periodicidade da rede de Bravais, mas para alguns conjuntos de vetores~ka terá.

O conjunto de todos os vetores de onda~k que produzem ondas planas com aperiodicidade de uma rede de Bravais dada é conhecido como rede recíproca.

Analiticamente se deve satisfazer:

ei~k·(~r+~R) = ei~k·~r (1.26)

para qualquer~r e para qualquer~R da rede de Bravais. Pela identidade anterior,podemos caracterizar a rede recíproca como o conjunto de vetores de onda~k quesatisfacem

ei~k·~R = 1, (1.27)

para todos os~R da rede de Bravais.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 14

Figura 1.6: uma rede “favo de abelha” bidimensional. Este rede não é uma redede Bravais pois a estrutura espacial de vizinhos depende do ponto (ver texto)

É possível mostrar que a rede recíproca é ela mesma uma rede deBravais.Podemos também definir a rede recíproca da rede recíproca, que não é mais doque a rede de Bravais original. A rede recíproca nem sempre possui a mesmasimetria da rede direta. Por exemplo, a rede recíproca de um rede fcc é uma redebcc.

A célula primitiva de Wigner-Seitz da rede recíproca é conhecida comopri-meira zona de Brillouin.

Uma fórmula alternativa à de Bragg para o padrão de difração de raios X emum material é devida a von Laue. Como vimos, para ter um pico nopadrão dedifração é necessário que as ondas refletidas nos centros de espalhamento (partícu-las) sofram interferência construtiva. Vamos analizar commais detalhe como issoacontece, analizando inicialmente o processo de espalhamento em dois átomos,como mostra a figura 1.7.

Seja X um raio incidente na direção~n, com comprimento de ondaλ e vetor deonda~k = 2π~n/λ. Se o espalhamento é elástico, se observará uma onda refletidana direção~n′ com vetor de onda~k′ = 2π~n′/λ, ou seja, com o mesmo compri-mento de onda. Da figura 1.7 obtemos que a diferença de caminhoentre os raiosincidentes nas duas partículas é dada por:

d cos θ + d cos θ′ = ~d · (~n− ~n′). (1.28)

Para que a interferência entre eles seja construtiva, esta diferença de caminho deveser igual a um número inteiro de comprimentos de onda:

~d · (~n− ~n′) = mλ (1.29)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 15

Figura 1.7: Diferença de caminho para dois raios espalhadospor dois sítios a umadistância d

Multiplicando por2π/λ obtemos uma condição que devem satisfacer os vetoresde onda incidente e refletido:

~d · (~k − ~k′) = 2πm. (1.30)

Se em lugar de dois centros de espalhamento temos uma rede completa, a condi-ção para interferência construtiva é que a equação anteriorseja válidasimultane-amente para todosos vetores da rede de Bravais~R:

~R · (~k − ~k′) = 2πm. (1.31)

ou, de forma equivalenteei(~k−~k′)·~R = 1, (1.32)

que é a definição (1.27) de vetores da rede recíproca. Logo, a condição de vonLaue para o espalhamento diz que

acontecerá interferência construtiva quando a variação entre os vetores de ondaincidente e refletido,~K = ~k − ~k′, seja um vetor da rede recíproca.

Se pode expressar o resultado anterior apenas em função do vetor de onda inci-dente. Como o espalhamento é elástico, os módulos dos vetores de onda incidente

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 16

e refletido são iguais:|~k| = |~k′|. Então|~k| = |~k − ~K|. Elevando ao quadradoobtemos~k · ~K = 1

2| ~K|, ou seja, a componente do vetor incidente na direção do

vetor da rede recíproca~K deve ter a metade do comprimento de~K. Por tanto,para satisfazer a condição de von Laue, o extremo do vetor incidente deve estarsobre um plano perpendicular a~K e que o corte pelo meio, como mostra a figura1.8. Estes planos bisectores do espaço recíproco são chamadosplanos de Bragg.

Figura 1.8: A condição de von Laue

1.4.3 Simetria e estruturas cristalinas

A operação de translação de uma estrutura cristalina por vetores ~T é uma ope-ração de simetria sobre o cristal, no sentido que a distribuição de densidade, ouestrutura do cristal, permance a mesma quando observada desde um ponto inicialou desde outro ponto deslocado pelo vetor~T . O conjunto de translações sobre arede cristalina formam um grupo, o grupo de translações. Os cristais também sãoinvariantes respeito de operações degrupos pontuais, que são rotações, inversõesou reflexões respeito de pontos particulares de simetria.

Por exemplo, a rede triangular da figura 1.9 é invariante frente a rotações deângulo2πp/6 respeito de qualquer ponto da rede. Por qualquer ponto da redepassa um conjunto de 6 eixos de simetria. A rede também é invariante por refle-xões respeito a 6 eixos que passam pelos vizinhos próximos e segundos vizinhosde qualquer ponto da rede, como mostrado na figura 1.9b. No entanto, a rede

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 17

Figura 1.9: A rede triangular em 2d

decorada da figura 1.9c é invariante apenas por rotações de ângulo 2π/3 e não éinvariante por reflexões.

Redes de Bravais bidimensionais

A simetria por translações impõe restrições severas as possíveis simetrias rotacio-nais. É importante lembrar que os vetores de translação possuem um comprimentomínimo, correspondente a mínima distância entre pontos da rede. Por exemplo,vamos mostrar que é impossível para uma rede cristalina bidimensional possuirinvariância rotacional de ordem 5, ou seja, ser invariante por rotações de ângulo2π/5. Vamos assumir que o cristal possua essa simetria e definimos~a0 = (1, 0)como sendo omenorvetor da rede. Como a rede deve possuir simetria rotacionalde ordem 5, os vetores~an = [cos (2πn/5), sin (2πn/5)], comn inteiro, tambémdevem ser vetores da rede direta. Mas a propriedade de clausura para os vetoresda rede impõe que:

~T = ~a4 + ~a1

= [cos (8π/5) + cos (2π/5), sin (8π/5) + sin (2π/5)]

= τ−1 (1, 0) = τ−1 ~a0 (1.33)

ondeτ = (1 +√

5)/2 = 2 cos (2π/10), deve ser também um vetor da rede.O númeroτ é um número irracional chamadomédia dourada(golden mean) e

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 18

satisfazτ 2 = τ + 1. O vetor~T é menor que~a0, o que contradiz a suposição que~a0 era o menor vetor da rede. Por tanto é impossível uma rede em duas dimensõester simetria rotacional de ordem 5. De fato, aplicando argumentos similares, sechega à conclusão que as únicas simetrias em duas dimensões são de ordem 2, 3,4 e 6. Uma conseqüência disto é que existem somente 5 tipos de redes de Bravaisdiferentes em duas dimensões como mostra a figura 1.10.

Figura 1.10: As 5 redes de Bravais em duas dimensões: a) quadrada, b) oblíqua,c) retangular, d) retangular centrada, e) hexagonal.

Os grupos pontuais compatíveis com a simetria translacional periódica sãochamadogrupos pontuais cristalográficos.

A rede triangular possui simetria rotacional de ordem 6. É a rede bidimensio-nal com a maior simetria frente a rotações. Uma propriedade interessante é que o

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 19

empacotamento mais denso possível de círculos de raioR em2d se obtém colo-cando os círculos com os centros nos pontos de uma rede triangular de constantede redea = 2R. Cada círculo é tangente a 6 outros círculos. Uma rede emddimensões capaz de permitir o empacotamento mais denso possível de esferas du-ras é chamada derede compacta(close pack lattice). A rede triangular é a únicarede compacta em2d. A fração de superfície ocupada pelos círculos compactos,chamadafração de empacotamento, é igual a razão entre a área de um círculo ea área de uma célula de Wigner-Seitz com lados de comprimentos = 2R/

√3:

πR2/(3sR) = π√

3/6 = 0.907.

Redes de Bravais em três dimensões

Em três dimensões existem 14 redes de Bravais, como mostradona figura 1.11.Algumas possuem alta simetria, como as redes cúbicas, que possuem 3 eixos desimetria rotacional de ordem 4, 4 eixos de simetria rotacional de ordem 3 (verificar!) e 3 planos de simetria de reflexão. No outro extremo está a estrutura triclínica,cujo único grupo de simetria pontual é o de inversões. Vemos os três tipos deredes cúbicas, a cúbica simples (SC), a centrada na face (FCC) e a centrada nocorpo (BCC).

A célula primitiva da rede SC é também um cubo, e as arestas sãoos vetoresprimitivos. Já as células primitivas das estruturas FCC e BCC não são cubossimples. A rede recíproca de uma rede FCC é uma rede BCC e viceversa.

Embora as células primitivas das redes BCC e FCC não são cubos, as célulasconvencionais para as três redes cúbicas são cubos. No entanto, redes com menorsimetria que a cúbica possuem células convencionais anisotrópicas, e nas quais osângulos entre as arestas podem ser diferentes de90o. Os comprimentos das arestassão indicados pelas letrasa,b,c. Para as redes tetragonal, trigonal e hexagonal,b=c. Então a razãoc/a é uma medida do grau de anisotropia das redes.

Para obter estruturas compactas em3d podemos pensar em empilhar planosformados por esferas centradas nos pontos de uma rede triangular, que é a estru-tura compacta em2d. Os interstícios entre as esferas na rede triangular formamuma rede favo de abelha, que possui dois tipos de sítios inequivalentes, como jávimos. Para obter uma estrutura compacta empilhando estes planos temos quecolocar o segundo plano com os sítios da rede triangular (centros das esferas) di-retamente acima dos sítios da rede favo de abelha formada pelos interstícios entreas esferas no plano inferior. Os planos sucessivos podem serempilhados tendocomo origem três tipos de sítios: a origem de coordenadas do primeiro plano ouqualquer um dos dois tipos de sítios inequivalentes da rede favo de abelha formada

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 20

pelos interstícios no primeiro plano. Chamando A, B e C os três tipos de sítiospodemos formar estruturas compactas com qualquer seqüência na qual o tipo desítio mude de um plano para o seguinte.

Duas estruturas deste tipo são as mais comuns na natureza, asseqüências AB-CABCABCA... formam estruturas FCC, e a seqüência ABABAB...formam umaestrutura compacta hexagonal (HCP).

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 21

Figura 1.11: As 14 redes de Bravais em três dimensões

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 22

Grupos espaciais

O grupo de todas as translações e rotações que deixam um cristal invariante for-mam o chamadogrupo espacial. Comumente, o grupo espacial é formado poroperações de um grupo pontual respeito a pontos de simetria epor translações porvetores da rede direta. Neste caso, chamadosimórfico, o grupo espacial é for-mado pelo produto direto do grupo pontual e do grupo de translações. No entanto,podem haver operações do grupo espacial que não sejam uma combinação de umaoperação do grupo pontual com uma translação por vetores da rede. Neste casoalguma das operações de simetria não estão no grupo espacialindividualmente.Considere a rede da figura 1.12.

Figura 1.12: Rede bidimensional com um plano de deslizamento AA’

Esta rede possui uma base “multi-atômica”, com vetores primitivos ~a1 =(2, 0) e ~a2 = (0, 2). A rede não é invariante frente a reflexões em torno da li-nha AA’. No entanto, é invariante frente a combinação de uma reflexão em tornode AA’ seguida de uma translação pelo vetor~a1/2, que não é um vetor da rededireta. A linha AA’ é uma versão bidimensional de umplano de deslizamento(glide plane).

Uma operação de simetria envolvendo uma rotação no entorno de um eixo desimetria seguida de uma translação por um vetor que não está na rede direta aolongo do eixo de simetria, da lugar a umeixo de parafuso(screw axis).

Grupos espaciais com planos de deslizamento ou eixos de parafuso são cha-madosnão-simórficos.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 23

1.5 Cristais líquidos e ordem orientacional

Os líquidos e os sólidos são dois casos extremos de ordem e simetria. Os líquidosapresentam a máxima simetria possível do grupo espacial: translações e rotaçõesarbitrárias emR3. Os líquidos são maximamente desordenados, apresentam ape-nas ordem de curto alcance, mas nenhum tipo de ordem de longo alcance. Já ossólidos cristalinos apresentam um grupo de operações de simetria muito reduzidorespeito dos líquidos: são invariantes frente um conjunto discreto de translaçõescompatíveis com a periodicidade da rede, e possivelmente frente a um conjuntodiscreto de rotações. Apresentam ordem de longo alcance, originado na estruturacristalina periódica. Daqui em diante vamos definir a ordem determinada pela in-variância frente a translações espaciais como sendo umaordem posicional, e aordem por invariância frente a rotações comoordem orientacional.

Entre estes dois extremos existem materiais que apresentamtodo um espectrode simetrias e ordem intermediários. O exemplo paradigmático são oscristaislíquidos, substâncias formadas por moléculas anisométricas (sem simetria esfé-rica). Moléculas típicas que formam cristais líquidos são de dois tipos básicos:alongadas(moléculas calamíticas)ou com forma de disco(moléculas discóticas).Em geral, a parte interna destas moléculas é rígida e a parte externa, fluida. Estecaráter duplo da estrutura das moléculas dá origem a interações chamadasestéri-cas, que levam a diversos tipos de ordem orientacional, juntamente com o caráterfluido das fases dos cristais líquidos.

• A altas temperaturas, as moléculas em um cristal líquidos (que podemosrepresentar esquematicamente como elipsoides alongados,como na figura1.14), estão desordenadas. A desordem diz respeito tanto aos seus centrosde massa (desordem posicional) quanto as orientações dos eixos de sime-tria das moléculas (desordem orientacional). Neste regime, o cristal líquidoapresenta uma estrutura idêntica à de um fluido isotrópico. Ofator de estru-tura (em função de~k1, ~k2, ~k3) apresentará tipicamente duas cascas esféricascom raios correspondentes aos dois comprimentos característicos das mo-léculas: o comprimentol e o diâmetroa. Em uma projeção bidimensional,como na figura 1.15, as esferas serão círculos.

• Quando o líquido é resfriado abaixo de uma temperatura característica, apa-rece uma primeira fase ordenada conhecida comofase nemática(N). Nestefase as moléculas apontam preferencialmente ao longo de umadireção, es-pecificada por um vetor unitário~n chamadodiretor. Seus centros de massa

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 24

Figura 1.13: Algumas moléculas que produzem fases de cristais líquidos e astransições de fases em função da temperatura.

permanecem desordenados. Por tanto, a fase nemática quebraa simetriaorientacional mas não a translacional. È um exemplo típico de ordem ori-

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 25

Figura 1.14: Ilustração esquemáticas das fases em cristaislíquidos

entacional. O sistema ainda apresenta invariância rotacional em um planoperpendicular ao diretor. Mas em qualquer plano que contenha o diretora simetria é reduzida a rotações discretas de ângulo180o. Na realidade o

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 26

diretor não é propriamente um vetor, mas um pseudo-vetor, jáque os doisextremos são identificados. Vamos ver que a ordem nemática, adiferençada ordem magnética por exemplo, não é vetorial, mas tensorial. Na fasenemática o fator de estrutura (ou sua projeção em 2d) reflete aquebra desimetria orientacional: ele preserva a simetria frente a rotações arbitráriasem um plano perpendicular ao diretor (círculo de raio maior na figura 1.15)e apresenta invariância de rotação porπ apenas na direção de~n.

• Uma possibilidade mais complexa de fase nemática é produzida por molé-culasquirais, como o colesterol , que não apresentam simetria frente a refle-xões. Estas moléculas produzem uma fase nemática quiral oucolestérica,(N∗). Nesta fase, as moléculas na direção de alinhamento rotam formandouma hélice, com um passo que é de alguns milhares de angstroms. Por tantoas moléculas colestéricas espalham luz visível.

• Diminuindo mais a temperatura se pode passar de uma fase nemática parauma nova fase chamamdafase esmética-A(Sm− A). Nesta fase as molé-culas se organizam em camadas bem diferenciadas. Os planos das camadassão perpendiculares aos eixos maiores das moléculas, e a espessura des-tas camadas corresponde tipicamente ao comprimentol das moléculas. Emcada camada as moléculas se encontram desordenadas posicionalmente epodem fluir nos planos. As camadas correspondem à presença deuma ondade densidade na direção perpendicular as mesmas. Por tanto existe ordemtranslacional ou posicional na direção perpendicular as camadas, ao longodos eixosl, ou paralelo ao diretor~n. A onda de densidade de massa podeser definida como:

〈n(~x)〉 = n0 + 2nq0cos (q0 z), (1.34)

ondeq0 = 2π/l, e o eixoz é perpendicular aos planos. Esta onda de den-sidade produz um fator de estrutura caracterizado por dois picos de Braggsimétricos em±q0:

S(~q) = |〈nq0〉|2 (2π)3 [δ(q − q0 ez) + δ(q + q0 ez)] . (1.35)

Na realidade, flutuações térmicas destroem a ordem posicional de longoalcance das camadas, e o fator estrutura em lugar de apresentar duas deltasapresenta dois picos com leis de potências. Estes são chamados quase-picosde Bragg, em lugar de picos de Bragg, e a ordem esmética correspondente

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 27

Figura 1.15: O fator de estrutura nos cristais líquidos

se chamaordem de quase-longo alcance(OQLA), em lugar da ordem delongo alcance (OLA) dos cristais.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 28

• Em alguns cristais líquidos a fase esmética apresenta um projeção finitado diretor sobre o plano das camadas, o diretor está inclinado respeito danormal as camadas. Ainda mais, a projeção apresenta uma direção definida,como mostra a figura 1.14d. Esta fase é chamadafase esmética C(Sm−C).A fase esmética C possui uma simetria inferior a da fase esmética A. Adireção da projeção de~n no plano das camadas define um eixoc oudiretor-c. Pode haver uma transição entre as fases esmética A e esmética C. O fatorde estrutura nestas fases tem a forma genérica descrita na figura 1.15c e d.

• Quando um cristal líquido na fase esmética A é resfriado, elepode con-sensar em uma fase cristalina, com ordem posicional de longoalcance, ouentão pode condensar na chamadafase esmética B. Na fase esmética B ocristal líquido apresenta ordem orientacional de longo alcance no plano dascamadas, com simetria rotacional de ordem 6. Uma fase com esta simetriafrente a rotações se chamafase hexática. No fator de estrutura, esta sime-tria se manisfesta pela presença de arcos difusos no entornodos valores deq = 2π/a, separados por ângulos de2π/6, como mostra a figura 1.16. No-tar a difereça entre os picos de Bragg de uma fase cristalina com simetriahexagonal, na qual as moléculas se encontram sobre os vértices de uma redetriangular no plano, e os picos difusos, ou quase-picos de Bragg de uma fasecom ordem orientacional hexática, onde as moléculas não ocupam os sítiosde uma rede cristalina perfeita. O fator de estrutura de uma fase hexática noplano pode ser expandido em série de Fourier:

S(θ) =∑

n

S6n cos (6nθ) (1.36)

ondeθ corresponde a um ângulo no plano a partir do máximo mais intensodo fator de estrutura, por exemplo. De forma semelhante, se pode definir ograu de ordem em uma fase hexática através da parâmetro de ordem com-plexo:

Ψ6 = e6iθ (1.37)

ondeθ representa o ângulo entre a linha que une dois átomos e o eixox, porexemplo.

• Nos exemplos anteriores as diferentes fases surgem em resposta a varia-ções de temperatura. Nestes casos os cristais líquidos se chamamtermo-trópicos. Em outros casos as fases podem surgir por variações de outrosparâmetros, como concentração de água, óleo ou surfactantes. Estes são

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 29

Figura 1.16: a) Estrutura cristalina hexagonal e fator de estrutura, b) Ordem ori-entacional na fase hexática e fator de estrutura

chamados cristais líquidosliotrópicos. Os mais comuns dentre os c.l. lio-trópicos são formados por lípidos, que são moléculas que apresentam umapartehidrofilica, ou que gosta de água, e uma partehidrofóbica, que nãogosta de água. Quando são postas em contato com a água, os lípidos ten-dem a formar estruturas que “blindam” a parte hidrofóbica docontato coma água. Exemplos de estas estruturas são asmiscelasesféricas, cilíndricas,miscelas invertidas, estruturas bicamadas (como as membranas celulares) evesículas, como exemplificado na figura 1.17.

As diferentes estruturas as vezes estão relacionadas ao empacotamento demoléculas de formas diversas, como mostra a figura. Estas estruturas podem

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 30

Figura 1.17: Diferentes estruturas formadas por moléculasde lípidos

se apresentar numa grande variedade de fases, como nemáticas, esméticas,colunares (ver figura 1.18). Um exemplo destas estruturas é ochamado“pesadelo do encanador” (plumber’s nightmare), no qual umabicamada de

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 31

moléculas lipídicas separa duas regiões idênticas cheias de agua, como semostra na figura 1.18.

Figura 1.18: Acima: diagrama de fases em soluções miscelares. Abaixo: a fase“pesadelo do encanador”.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 32

As caudas hidrocarbonadas das moléculas anfifílicas são hidrofóbicas e so-lúveis em óleo, e as cabeças carregadas são hidrofílicas e dissolvem emágua. Isto permite formar estados de equilíbrio entre água eóleo com a adi-ção de interfaces anfifílicas: estas mesclas são chamadasmicroemulsões,como a espuma de sabão. Exemplos de fases formadas por microemulsõessão mostrados na figura 1.19.

Figura 1.19: (a)Uma fase lamelar de microemulsões. (b) Uma fase bicontinua.

1.6 Estruturas incomensuráveis

É possível observar estruturas que não obedecem a periodicidade da rede crista-lina, porém não são completamente aleatórias. Estas estruturas podem apresentardois ou mais períodosirracionais. Uma causa comum deste fenômeno é a com-petição entre diferentes escalas de comprimento em um mesmosistema.

Um exemplo típico deste comporamento é apresentado por átomos de gases

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 33

nobres (Ar, Kr, Xe) adsorvidos, depositados, sobre um substrato de grafite, porexemplo. O substrato possui uma rede cristalina com simetria hexagonal. Osátomos do gas ao ser adsorvidos e resfriados iriam condensarem uma estruturacritalina própria, se a interação com o potencial periódicodo substrato fosse nula.Se o potencial cristalino for forte, os átomos adsorvidos irão formar uma redehexagonal, com uma constante de rede que será um número inteiro de vezes aconstante de rede do grafite. Neste caso ambas redes se chamamcomensuráveis.

No entanto, uma pequena interação com o substrato faz com queos átomosdo gás adsorvido apresentem uma simetria orientacional hexática, induzida pelopotencial da rede cristalina do grafite. Mas ambas redes agora não se superpõemexatamente, como no caso do potencial forte. Neste caso as redes sãoincomen-suráveis.

A forma mais fácil de visualizar estruturas incomensuráveis é em uma dimen-são. Consideremos um metal unidimensional formado por átomos separados poruma distânciaa. A baixas temperaturas o sistema tende a ser um isolante pelaformação de uma modulação na densidade eletrônica. Isto é, em lugar de reduzirde forma homogênea a densidade de elétrons, o sistema prefere formar uma ondade densidade de carga (charge density wave) eletrônica, quepode ser representadana forma:

δρ(~x) = A cos (2πx/λ) (1.38)

com periodicidadeλ. Sea/λ for um númeroracional P/Q, com P e Q inteirosprimos, se pode formar uma nova célula unitária tomando Q átomos do sistemaoriginal. Esta estrutura é comensurável (ver figura 1.20). No entanto, sea/λ forirracional, a estrutura resultante é incomensurável.

No espaço recíproco, a evidência de uma estrutura incomensurável é a pre-sença de uma série de picos secundários, ou picos “satélite”, junto com os picosde Bragg originais. Os picos secundários aparecem para vetores com comprimen-tos que são múltiplos irracionais dos vetores de onda da redeoriginal. Podemosdescreverlos como~q = ~G ± s(2π/λ)~b, onde~G é um vetor de onda da rede recí-proca, es é um inteiro. Emd = 1 os picos de intensidade do padrão de difraçãode raios X irão aparecer para valores:

G = ±p b1 ± q b2 (1.39)

ondep e q são inteiros,b1 = 2π/a, b2 = 2π/λ e a/λ é irracional. Por tanto, arede recíproca para uma estrutura incomensurável emd = 1 requer dois vetoresprimitivosb1 e b2, e a especificação da posição dos picos de Bragg requer de doisnúmeros inteiros, em lugar de apenas um para estruturas comensuráveis.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 34

Figura 1.20: Exemplo de estruturas comensuráveis em d=1.

Em dimensão arbitrária, uma rede incomensurável genérica consiste em umconjunto de vetores fechado sobre adição e substração, que podem ser expressoscomo uma combinação linear a coeficientes inteiros der vetores de translaçãoprimitivos, comr maior que a dimensionalidade da rede.

1.7 Frustração geométrica e materiais amorfos

O problema da incomensurabilidade se manifesta em toda sua força no espaçõtridimensional. Um ponto importante é reconhecer que as estruturas mais estáveislocais, ou seja, as células unitarias mais estáveis de um ponto de vista energético,nem sempre conseguem “percolar” o espaço de forma compacta.Por exemplo,a estrutura local mais estável para um conjunto pequeno de átomos de gases no-bres é a tetragonal. No entanto, a geometria de um tetraedro não permite recobrirtodo o espaço com tetraedros, no caso de ter um condensado de muitos átomos deAr, por exemplo. Se juntamos tetraedros regulares com uma aresta em comum,veremos que não podemos completar a rotação, irá sobrar uma pequena fenda en-tre os tetraedros dos extremos. Esta incapacidade geométrica de formar estruturascompactas se chamafrustração geométrica. A frustração geométrica leva ao sur-gimento de defeitos e buracos nas estruturas, o que se refletenuma componenteelástica adicional na energia do sistema. Juntando tetraedros com um vértice emcomum podemos formar um icosaedro, um poliedro com 20 faces.Poderiamosesperar então que um condensado de argônio tenha a simetria local do icosaedro.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 35

Um icosaedro tem 6 eixos de simetria de ordem 5, 10 eixos de simetria de ordem3 e 15 eixos de simetria de ordem 2, como mostrado na figura 1.21.

Figura 1.21: O icosaedro

No entanto, um empacotamento tridimensional de icosaedrosainda não é umempacotamento compacto, no sentido que todas as esferas do empacotamento setoquem. Num icosaedro a esfera central, correspondente ao vértice comum dostetraedros, não se encontra na mesma distância até as outrasesferas que os paresde esferas das faces externas. Isto gera uma tensão elásticaadicional, aumentandoa energia. Por outra parte, a elasticidade adicional aumenta a entropia, o queproduz uma estrutura localmente estável.

A frustração geométrica pode estar por trás da existência deestruturas frustra-das, como osvidros. A frustração neste contexto se entende como a incapacidade

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 36

das estruturas locais em satisfacer a condição de mínima energia dos potenciaisde pares, como no caso do icosaedro. Os vidros na realidade são estruturalmentemetastáveis, e por tanto não são estruturas de equilíbrio. Em um sistema comum número grande de partículas ou átomos pode ser muito difícil determinar seuma estrutura é metastável ou não. Os vidros são produzidos por um resfriamentorápido do material desde o estado líquido. A taxa de resfriamento alto impedeque o material cristalize normalmente, e então os graus de liberdade são “quase-congelados” em estruturas frustradas, com um grande númerode defeitos. Es-tes defeitos no entanto podem ir sendo eliminados gradativamente a medida queo vidro “relaxa” para o equilíbrio termodinâmico. O problema é que os temposde relaxação característicos do estado vítreo são imensos,o que lhes confere oaspecto de um sólido cristalino.

Algumas característica marcantes dos vidros são:

• Alto número de estados metastáveis de energia próxima. Estes estados sãolocalmente estáveis e de vida longa. Por isso não se pode falar de uma únicafase vítrea, não existe uma estrutura única que caracterizeum vidro. Umdiagrama esquemático desta multiplicidade de mínimos de energia pode servisto na figura 1.22.

• Estruturalmente a disposição das moléculas em um vidro é semelhante asde um líquido. Não tem como distinguir um líquido de um vidro desde umaperspectiva da estrutura molecular.

• O vidro responde mecanicamente como um cristal elástico. Noentanto asmoléculas do vidro possuem uma difusividade residual não nula, que per-mite em princípio que a estrutura relaxe continuamente.

• Um vidro é produzido por resfriamento rápido a partir da faselíquida su-peresfriada. Existe uma janela de temperaturas muito estreita no qual adifusividade do líquido superesfriado cai rapidamente, e aviscosidade au-menta. Uma relação muito utilizada para o comportamento da viscosidadecom a temperatura é a “lei de Vogel-Fulcher”:

η(T ) = AeF

T−T0 (1.40)

A temperaturaT0 marca uma divergência e se obtém usualmente como ex-trapolação dos dados experimentais, já que na região próxima aT0 a re-laxação é tão lenta que é praticamente impossível medir a viscosidade de

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 37

Figura 1.22: Respresentação esquemática da superfície de energia de um vidro eos dois exemplos de vidros fortes e frágeis.

equilíbrio do sistema. Existem vidros nos quaisT0 6= 0, são chamadosvi-dros frágeis. QuandoT0 = 0 a equação anterior se reduz ao caso Arrenhius,ou devidros fortes. A classificação dos vidros como fortes ou frágeis podeser feita através de um gráfico semi-logarítmico, como o da figura 1.23. Aorigem do comportamento forte ou frágil nos vidros ainda nãoé bem enten-dida.

• Os vidros não são estruturas em equilíbrio termodinâmico. No entanto anatureza da chamadatransição vítrea, que leva a uma série de singularida-des no comportamento de diversas grandezas, como a viscosidade, é aindaobjeto de intenso estudo e a resposta está em aberto.

• As propriedades mais interessantes dos vidros dizem respeito ao comporta-mento dinâmico na vizinhança da transição vítrea. Correlações temporaisou funções de relaxação caracterizam a existência de apenasduas escalas de

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 38

Figura 1.23: Gráfico semi-logarítmico da viscosidade versus temperatura paradiferentes substâncias formadoras de vidros.

tempos de relaxação relevantes: um tempo curto, da ordem dospicosegun-dos, associado à dinâmica rápida das moléculas dentro de gaiolas formadaspelas vizinhas próximas, e uma escala muito maior, que pode ser geológica,de relaxação estrutural.

1.8 Ordem magnética

Os spins em sistemas magnéticos podem apresentar uma grandevariedade de es-truturas ordenadas, tão diversas quanto as encontradas na ordem atômica crista-lina.

Os spins associados aos elétrons atômicos interagem entre si através de diver-sas forças de interação. Uma das mais importantes, que se origina nas interaçõeseletrostáticas dos elétrons, é ainteração de troca, que para uma par de spins~S se

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 39

escreve na forma:−J ~S1 · ~S2. (1.41)

~S representa o operador de spin em sistemas quânticos ou o vetor de momentodipolar magnético em sistemas clássicos. Detalhes importantes desta interação éque não depende da orientação relativa dos spins com respeito à rede cristalina.Depende apenas da orientação relativa dos vetores de spin. Ela é isotrópica. Ainteração de troca é a responsável principal pelo surgimento deferromagnetismoem algumas substâncias como os metais de transição Fe, Ni e Co. Em um sis-tema comN spins em interação, o modelo mais bem sucedido para descreveruma série de propriedades dos materiais ferromagnéticos, como a transição entrefases paramagnética e ferromagnética, correlações entre spins, susceptibilidadesmagnéticas, calor específico, etc. é omodelo de Heisenberg:

H = −J∑

i,j

~Si · ~Sj (1.42)

onde os paresi, j correspondem a todos os pares de vizinhos próximos. O mo-delo de Heisenberg pode ser analizado na versão quântica, naqual as variáveis~Si são operadores de spin, ou na versão clássica, na qual os~Si são vetores. Aconstante de trocaJ pode ser positiva ou negativa. Quando é positiva, a intera-ção tende a alinhar spins vizinhos, o que leva ao estadoferromagnético. QuandoJ < 0 a energia de troca é minimizada quando um spin fica antiparalelo aos seusvizinhos próximos, isto leva ao estadoantiferromagnético, como mostrado esque-maticamente na figura 1.24.

Uma outra interação entre momentos magnéticos importante éa interação di-polar, de origem clássica, que tem a forma:

g∑

i<j

~Si · ~Sj − 3(~Si · eij)(eij · ~Sj)

r3ij

, (1.43)

ondeeij = ~rij/rij são vetores unitários na direção que une os sítiosi ej. Notamosque esta interação é de longo alcance, decaindo com a inversado cubo da distân-cia entre pares de spins. Ela também é anisotrópica, dependendo da orientaçãorelativa dos spins com os vetores da rede~rij . A interação dipolar é tipicamente 4ordens de grandeza menor que a interação de troca, e por tantonão é o fator prin-cipal que leva ao alinhamento dos spins na fase ferromagnética. No entanto, seucaráter de longo alcance produz campos magnéticos locais fortes, sendo respon-sável pela origem dosdomínios magnéticos. Uma substância ferromagnética em

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 40

Figura 1.24: Algumas estruturas magnéticas .

ausência de campo externo não apresenta, pelo geral, um alinhamento global dosspins, mas um mosaico de domínios onde os spins apontam em diferentes dire-ções, como mostra a figura 1.25. Estas configurações são escolhidas pelo sistemapara minimizar a energia magnética global.

Em alguns cristais o efeito do potencial cristalino é forte osuficiente paraser sentido pelos elétrons, produzindo a interação spin-órbita. Uma manifestaçãodeste tipo de interação é a presença de uma campo de anisotropia sobre os spins,chamadaanistropia magnetocristalina. No caso de anisotropia uniaxial de eixofácil z, a forma mais elementar de representar sua contribuição energética é:

−D∑

i

S2iz (1.44)

Notamos que esta anisotropia depende quadraticamente da componentez do spin,e por tanto não distingue sentidos, apenas uma direção no espaço. Esta contribui-ção energética contribui para o alinhamento dos spins na direçãoz.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 41

Figura 1.25: Domínios magnéticos

Quando estas três formas de interação magnética estão presentes simultane-amente em um sistema, podem dar lugar a uma variedade enorme de estruturasmagnéticas no estado fundamental, dependendo das intensidades relativas deJ ,g eD. A temperatura finita transições de fases entre diferentes tipos de ordemmagnética podem surgir. Em filmes magnéticos ultrafinos com anisotropia per-pendicular, a competição entre estas interações produz transições de fase a tempe-raturas finitas entre estruturas semelhantes as fases dos cristais líquidos, somenteque neste caso as estruturas correspondem a ordem de spin e não a ordem posici-onal das moléculas, como se ve na figura 1.26.

Existem diversas técnicas experimentais para detetar e medir ordem magné-tica. Uma técnica clássica é difração de nêutrons, já que o nêutron possui spinque interage com o spin eletrônico. No entanto para poder distinguir picos cor-respondentes a estrutura de spin de picos correspondentes àestrutura cristalina, énecessário que o tamanho das células unitárias magnética e cristalinas sejam di-ferentes. Outras técnicas amplamente utilizadas na atualidade são microscopia de

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 42

Figura 1.26: Domínios em filmes ultrafinos de Fe/Cu(001) com magnetizaçãoperpendicular.

força atômica (AFM), microscopia de força magnética (MFM),e uma variedadede espectrometrias de espalhamento de elétrons, como a microscopia de varredurade elétrons, que permitem obter diretamente imagens da estrutura magnética dosátomos, como por exemplo SEMPA (Scanning electron microscopy with polari-zation analysis), utilizada para obter as imagnes da figura 1.26.

1.9 Estruturas fractais

Até agora a análise geométrica das estruturas encontradas na matéria condensadafoi ancorada fortemente na geometria euclideana. Fizemos uso extensivo dos con-ceitos de ponto, linha reta, plano, e a partir deles descrevemos as estruturas ob-servadas. No entanto a natureza é mais rica e a descrição em termos da geometriaeuclideana aparece muitas vezes como uma severa limitação:“nuvens não são es-

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 43

feras, montanhas não são cones, linhas costeiras não são círculos, latidos não sãosuaves e raios não se propagam em linha reta”, citando a B. Mandelbrot quemcunhou o nome deestruturas fractais para descrever objetos como aglomeradosde partículas, que apresentam invariância de escala.

Quando observamos um objeto fractal em uma escala diferenteda originalr → λr, uma grandeza dadaM(r) se comporta tipicamente como :

M(λr) = λD M(r) (1.45)

ondeλ é o fator de escala aplicado. O expoenteD é umadimensão fractal. Elaindepende der o que evidencia a invariância de escala da grandeza, por exemplo,a massa de um objeto. Para objetos compactosD será um inteiro, em correspon-dência com a dimensão do espaço euclideano. Mas para algumasestruturasDpode ser fracionário, o que caracteriza um objeto fractal.

Um exemplo de sistema fractal é um modelo simples de polímerolinear, for-mado porN monômeros de comprimentoa. Uma configuração do polímero podeser descrita como umacaminhada aleatóriadeN passos de comprimentoa, comomostrado na figura (1.27). Como cada passo é dado em uma direção arbitrária, de-pois de muitos passos a distância relativa entre o último monômero e o primeiroserá nula:〈~R〉 = 0. No entanto, o deslocamento quadrático médio é não nulo eproporcional ao número de passos:

〈R2〉 = N a2. (1.46)

Por tanto, a raíz quadrada desta quantidade representa a dimensão linear caracte-rística do polímero, chamadaraio de giração:

RG ∼√

〈R2〉 = a√N (1.47)

O raio de giração cresce com o número de monômeros com uma potência igual a1/2. O expoente1/2 é um exemplo de dimensão fractal. Então, para distânciasmaiores quea e menores queRG o polímero terá uma estruturaauto semelhante,ou seja ele é invariante de escala nesse intervalo.

Em um modelo um pouco mais sofisticado de polímero se pode levar em contaque a cadeia não se pode cortar a si mesma, por um efeito de volume excluido. Istoleva ao modelo conhecido como “self-avoiding random walk” (SAW). O expoentemuda na formaRG = aNν , com

ν =3

d+ 2, (1.48)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 44

Figura 1.27: Caminhada aleatória e C. A. auto-excludente (self-avoiding randomwalk), em um rede bidimensional.

onded é a dimensão do espaço. Este resultado é obtido pela teoria decampomédio de Flory para polímeros e aproxima muito bem os resultados observados.

Estas propriedades se refletem no comportamento das correlações de densi-dade e no fator de estrutura. Vamos considerar as correlações de densidade noagregado da figura (1.28):

C(~r) =1

N

i

ρ(~r + ~ri)ρ(~ri) (1.49)

Esta função de correlação representa a probabilidade de encontrar uma partícula auma distância~r de uma outra na posição~ri. Se as correlações dependem somente

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 45

Figura 1.28: Aglomerado fractal de partículas de ouro.

da distância e não da direção, então~r → r. Vamos normalizar a correlação fa-zendoρ(r) = 1 se a posiçãor está ocupada por uma partícula, eρ(r) = 0 casocontrário. Então a massa em um volume de raior será proporcional a integral dacorrelação:

M(r) ∝∫ r

0C(x) ddx (1.50)

Se o aglomerado for fractal, entãoM(r) ∝ rD, e derivando na expressão acimaobtemos:

C(r) ∝ r−α, (1.51)

ondeα = d−D, sendod a dimensão do espaço euclideano onde o aglomerado estáembutido eD a dimensão fractal do objeto. Novamente, a lei de potências implica

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 46

que o sistema é invariante de escala, não apresenta um comprimento característico.O fator de estrutura é a transformada de Fourier da função de correlação espa-

cial:S(~q) =

ddx e−i~q·~xC(~x). (1.52)

Para um sistema isotrópico em três dimensões:

S(q) =∫ 2π

0dφ

∫ π

−πsin θ dθ e−iq r cos θ

∫ ∞

0r2 dr C(r)

= 4π∫ ∞

0r2 dr C(r)

sin qr

qr(1.53)

Como o comportamento algébrico deC(r) é válido no intervaloa ≪ r ≪ RG,temos que acrescentar um corte ou “cutoff” no comportamentoda correlação,na formaC(r) ∝ r−α f(r/RG). O fator de corte pode ser escolhido na formaf(x) = e−x, que satisfaz aproximadamente os limites impostos acima. Resol-vendo a integral para o fator de estrutura obtemos:

S(q) ∝ q−D. (1.54)

Por tanto, podemos obter a dimensão fractalD a partir de um experimento dedifração, graficando os dados da intensidade do padrão de difração em escalalog-log. Temos que comparar este resultado com os picos de Bragg no caso deestruturas cristalinas puras, ou o comportamento aproximadamente constante nocaso de sistemas amorfos isotrópicos.

Na figura (1.28) se observa um aglomerado fractal de partícula de ouro, cres-cido pelo processo conhecido comodifusão limitada por agregação(DiffusionLimited Aggregation), ou DLA. Na figura (1.29) se mostra a função de correlaçãode densidade do aglomerado e o fator de estrutura do mesmo, emescala log-log.A correlação é obtida contando simplesmente o número de partículas que se en-contram a uma certa distância de uma dada partícula considerada como origem,e depois mediando sobre diferentes partículas na origem. O fator de estrutura foiobtido por experimentos de espalhamento de luz visível e pordifração de nêu-trons. Notar as diferentes escalas amostradas por ambas técnicas experimentais.

1.10 Simetrias e parâmetros de ordem

Como se pode concluir do visto até aqui, considerações de simetria têm um papelcentral na matéria condensada. Os fenômenos mais dramáticos da matéria con-densada, astransições de fase, muitas vezes podem ser analizadas e entendidas

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 47

Figura 1.29: Funcão de correlação e fator deestrutura para o aglomerado fractal da figuraanterior.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 48

a partir de transformações das condições de simetria do sistema frente a variaçãode parâmetros externos, como temperatura, pressão ou campos elétricos e magné-ticos.

Um sistema físico é descrito analíticamente pelo Hamiltoniano do mesmo. OHamiltoniano apresenta invariância frente a algumas operações de simetria, quepermitem tirar conclusões sobre o comportamento e a estrutura do sistema sobdiferentes condições. Em um gás ideal por exemplo, o Hamiltoniano é invariantefrente ao grupo espacial composto por translações, rotações e reflexões arbitráriasdo espaço, além de translações e reversão temporal. O Hamiltoniano de Heisen-berg (1.42) é invariante frente a translações e reversão temporal além de rotaçõesglobais dos spins respeito de um eixo arbitrário. Tipicamente, a altas tempera-turas ou em sistemas diluidos, o sistema se encontra em uma fase desordenada aqual é invariante frente a operações do mesmo grupoG de invariância do Hamil-toniano. Em uma transição de fase alguma invariância é quebrada. Operadoresque não permanecem invariantes através de uma transição de fases são chamadosparâmetros de ordem. No modelo de Heisenberg, a magnetização:

~M =1

N

i

~Si (1.55)

é o parâmetro de ordem. A invariância frente ao grupo de rotação simultâneade todos os spins emR3 existente no Hamiltoniano do modelo de Heisenberg, équebrada paraT < Tc, ondeTc é a temperatura crítica do modelo. Acima deTc,〈 ~M〉 = 0, e abaixo deTc, 〈 ~M〉 6= 0. O grupo de simetria original é reduzidoao subgrupo de rotações respeito a eixos paralelos a~M . O sistema não é maisinvariante frente a rotações dos spins respeito de eixos perpendiculares a~M . Afase ordenada do modelo de Heisenberg é uma fase comsimetria quebrada.

Para especificar completamente o comportamento de uma fase ordenada, te-mos que saber como o parâmetro de ordem se transforma frente auma operaçãodo grupo de simetria. No caso do modelo de Heisenberg, o grupode simetria éo grupo das rotações. Uma rotação específicag ∈ G pode ser representada poruma matriz3 × 3, Uij(g), de forma queMi → Uij(g)Mj frente a uma rotaçãog.No caso geral de um parâmetro de ordemφa, a = 1 . . . n, éste irá se transformarfrente a uma representaçãon-dimensional do grupoG: para cada operaçãog nogrupo, existirá uma matrizTab(g) tal queφa → Tab(g)φb. A forma mais econô-mica de representar um grupo de simetria é usar uma respresentaçãoirredutívelcom a menor dimensão possível.

A quebra de simetria em uma transição de fase se reflete na estrutura termo-dinâmica do sistema:o número de mínimos na energia livre é igual ao número de

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 49

elementos do grupo de simetria associado ao parâmetro de ordem. Para exploraresta interpretação é essencial distinguir grupos de simetria discretose continuos.Se o grupo de simetria for discreto então existirão um númerodiscreto de fa-ses termodinâmicas equivalentes, enquanto que no caso do grupo ser continuohaverá uma variedade continua onde cada ponto representa uma possível fase ter-modinâmica. O modelo de Ising é um exemplo do primeiro caso e omodelo deHeisenberg pertence ao último grupo.

Outra distinção importante é entre simetriaslocais ou globais. Um sistemapossui uma simetria local se é invariante frente a operaçõesdo grupo de simetriaaplicadas localmente, a uma parte do sistema. Este caso é o menos comum. O Ha-miltoniano do modelo de Heisenberg possui uma simetria global, que correspondeà rotação simultânea dos spins por um ângulo fixo respeito de qualquer eixo. Ogrupo de simetria correspondente é oO3, o grupo de rotações em três dimensões.

• O modelo de Ising representa um material ferromagnético comum eixo deanisotropia que força os spins a apontar em um única direção.O Hamilto-niano é:

H = −J∑

〈ij〉

σi σj (1.56)

ondeσi = ±1. O grupo de simetria do parâmetro de ordem, a magnetização,é o grupo discretoZ2.

• Uma generalização do modelo de Heisenberg onde o parâmetro de ordemtemn componentes é o modeloO(n), cujo grupo de simetria continua é oOn. Este modelo é interessante porque se reduz ao modelo de Ising no cason = 1, ao modelo chamado XY paran = 2, ao modelo de Heisenberg paran = 3, e é exatamente solúvel no limiten→ ∞.

• O modelo XY corresponde a um ferromagneto com um “plano fácil”. Ovetor de magentização é forçado a estar sobre o plano. Possuium grupo desimetria continua, que é oO2. Outra realização desta simetria é na transiçãolíquido normal- superfluido. Neste caso, o parâmetro de ordem é a funçãode onda do líquido quântico:

Ψ = |Ψ| eiθ (1.57)

que é um número complexo e por tanto pode ser representado como umvetor em duas dimensões, com módulo igual a|Ψ| e fase igual aθ. Narepresentação complexa o grupo de simetria é oU(1) que é isomorfo comoO2.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 50

Problemas

1. Mostrar que a transformada de Fourier da função de correlação de dois pon-tos da densidade é igual à função de estruturaI(~q) = 〈n(~q)n(−~q)〉 quandoo sistema apresenta invariância translacional, ou seja, se

Cnn(~x1, ~x2) = Cnn(~x1 − ~x2).

2. (Ashcroft-Mermin)

(a) Mostre que a razão idealc/a do arranjo compacto (close-packed) he-

xagonal é√

8/3 = 1.633.

(b) O sódio sofre uma transformação de bcc para hcp a aproximadamente23K ( a transformação chamada “martensítica”). Assumindo que adensidade permanece constante durante a transformação, encontre aconstante de redea da fase hexagonal, sendo quea = 4, 23Å na fasecúbica e que a razãoc/a é indistinguível do seu valor ideal.

3. (Ashcroft-Mermin) A rede fcc é a mais densa e a cúbica simples a menosdensa das três redes de Bravais cúbicas. A rede do diamante é menos densado que qualquer uma destas. Uma medida disso é que os números de co-ordenação são: fcc, 12; bcc, 8; sc, 6; diamante, 4. Outra é a seguinte:imagine que esferas rígidas idênticas são distribuidas no espaço, de formaque os centros destas coicidam com os vértices de cada uma dasredes deBravais anteriores, e tal que esferas em pontos vizinhos próximos apenas setoquem, sem se superpor. Um tal arranjo de esferas é chamado de “arranjocompacto” (close-packed arrangement). Assumindo que as esferas têm den-sidade unitária, mostre que a densidade de um arranjo compacto em cadauma das quatro estruturas cristalinas (a “fração de empacotamento”) é:

fcc:√

2π/6 = 0.74

bcc:√

3π/8 = 0.68sc: π/6 = 0.52

diamante:√

3π/16 = 0.34

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 51

4. (Ashcroft-Mermin)

(a) Uma estrutura hexagonal compacta forma uma rede de Bravais hexa-gonal simples, que se forma empilhando redes triangulares planaresdiretamente uma acima da outra. A direção de empilhamento seco-nhece comoeixo c. Três possíveis vetores primitivos são

~a1 = ax, ~a2 =a

2x+

√3a

2y, ~a3 = cz. (1.58)

Os primeiros dois geram uma rede triangular no planoxy, e o terceiroempilha os planos um acima do outro a uma distância mútuac.

Use este conjunto de vetores primitivos e mostre que a rede recíprocade uma rede de Bravais hexagonal simples é também uma rede hexa-gonal simples, com constantes de rede2π/c e 4π/

√3a, rotada de30o

no entorno do eixoc respeito da rede direta.

(b) Para que valor dec/a esta razão toma o mesmo valor nas redes diretae recíproca ? Sec/a toma o valor ideal na rede direta, qual o seu valorcorrespondente na rede recíproca ?

Capítulo 2

Teoria de Campo Médio

Historicamente, a teoria de campo médio, que consiste em umaaproximação parasomar a função de partição de um sistema e então poder obter assuas propriedadestermodinâmicas, começou com a aproximação da equação de estado de um líquidoclássico por de van der Waals (1873). Em 1906, Pierre Weiss desenvolveu umaaproximação equivalente para estudar a transição de fase emmateriais ferromag-néticos. Em 1934, W. L. Bragg e E. J. Williams desenvolveram uma aproximaçãode campo médio para a transição ferromagnética um pouco maiselaborada que ade Weiss.

2.1 Aproximação de Bragg-Williams para o modelode Ising

Bragg-Williams desenvolveram uma aproximação para o modelo de Ising

H = −J∑

〈ij〉

σi σj (2.1)

ondeσi = ±1. No modelo de Ising o parâmetro de ordem é a magnetizaçãom = 〈σ〉. A magnetização é igual am = (N+ − N−)/N , ondeN+ é o númerode spins para cima,N− é o número de spins para baixo eN é o número total despins no sistema.

Para um dado valor dem existe um número grande de configurações possíveisde spins para cima (+) ou para baixo (-). O logaritmo desse número é exatamente

52

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 53

a entropia do sistema:

S = ln

(

NN+

)

= ln

(

NN(1 +m)/2

)

= ln

(

N !

(N(1 +m)/2)!(N(1 −m)/2)!

)

(2.2)

Usando a aproximação de Stirling paraN grande:

N ! ≈√

2πN(

N

e

)N

, (2.3)

obtemos

S

N≡ s(m) = ln 2 − 1

2(1 +m) ln (1 +m) − 1

2(1 −m) ln (1 −m) (2.4)

Para obter o potencial termodinâmico de interesse, que neste caso é a energia livreF = U − TS, temos que calcular também a energia interna,U = 〈H〉:

U = Z−1m Trm H e−βH (2.5)

ondeTrm é um traço restrito a configurações com magnetizaçãom e Zm =Trme

−βH , β = 1/kBT e kB é a constante de Boltzmann. O cálculo deZm écomplexo e equivale a obter a solução exata para o modelo. Em seu lugar realiza-mos um cálculo aproximado. A aproximação mais simples é a de campo médio.No caso da aproximação de Bragg-Williams se substitui o valor local do spinσi

por seu valor médiom independente da posição :

U = −J∑

〈i,j〉

m2 = −1

2JNzm2, (2.6)

ondez é o número de vizinhos próximos dos sítios da rede. Na rede quadrada emd dimensõesz = 2d. A energia livre de Bragg-Williams fica na forma:

f(T,m) = (U − TS)/N

= −1

2Jzm2 +

1

2T [(1 +m) ln (1 +m) + (1 −m) ln (1 −m)]

−T ln 2 (2.7)

O comportamento da funçãof(T,m) está representado graficamente para diversastemperaturas na figura 2.1.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 54

Figura 2.1: A energia livre na aproximação de Bragg-Williams.

Na figura da esquerda, para campo externo nulo, vemos que a altas temperatu-ras a função apresenta um único mínimo, param = 0. Esta é a fase paramagnética.A uma temperatura bem definidaTc a função passa a ter dois mínimos simétricos±m. O valor absoluto destes mínimos,|m|, cresce a medida que a temperaturabaixa com|m| → 1 quandoT → 0. No entorno deTc o valor dem é muitopequeno, en então podemos expandir as funções termodinâmicas em potências dem:

s(m) = ln 2 − 1

2m2 − 1

12m4 + . . . (2.8)

e

f(T,m) =1

2(T − Tc)m

2 +1

12T m4 − T ln 2 + . . . (2.9)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 55

ondeTc = zJ (2.10)

é a temperatura da transição na aproximação de campo médio.Em presença de um campo magnético externoh, a energia livref − mh é

assimétrica, como mostra a figura da direita em 2.1. Para temperaturas altasT >Tc a energia livre apresenta um único mínimom > 0, e para umaT < Tc apareceum segundo mínimo local. O mínimo comm > 0 continua sendo o mínimoabsoluto, e por tanto o comportamento do parâmetro de ordem não muda nestecaso emT = Tc. A equação de estado em presença de um campo externo é dadapor:

∂f

∂m= −zJm +

1

2T ln [(1 +m)/(1 −m)]

= −zJm + T tanh−1m = h (2.11)

Entãom = tanh [(h+ Tcm)/T ]. (2.12)

A quantidadeh+ Tcm é o campo local ou campo molecular médio. Ele tem umacontribuição do campo externoh e uma contribuição proveniente do campo localproduzido pelos vizinhos próximos de um sítio,zJm = Tcm. O comportamentoda equação de estado pode ser visualizado na figura 2.2.

Expandindo a equação de estado para temperaturas baixas e campo nulo obte-mos:

m = tanhTcm

T≈ 1 − 2 e−2zJ/T (2.13)

e por tantom → 1 exponencialmente rápido comT . Perto da temperatura detransiçãom≪ 1 e podemos expandir param pequeno:

m ≈ (Tc/T )m− 1

3(Tc/T )3m3 ≈ (Tc/T )m− 1

3m3 (2.14)

Resolvendo param obtemos:

m = ±[3(Tc − T )/T ]1/2 (2.15)

Vemos quem va a zero de forma continua. A transição de fase ferromagnética-paramagnética é umatransição de segunda ordemna aproximação de campomédio. O expoente1/2 é um exemplo deexpoente crítico. Este comportamentoda magnetização do modelo de Ising, decaimento continuo para zero com uma lei

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 56

Figura 2.2: A equação de estado na aproximação de Bragg-Williams.

de potências e o correspondente expoente crítico, é uma manifestação genérica detransições de fase de segunda ordem, ou continuas. Todos os sistemas/modeloscujo parâmetro de ordem apresenta o mesmo comportamento crítico, no sentidodo parâmetro de ordem ir a zero com uma lei de potências caracterizada por ummesmo expoente, se diz estarem na mesmaclasse de universalidade.

Na aproximação de Bragg-Williams, como desenvolvida acima, assumimosque o parâmetro de ordem é espacialmente uniforme〈σi〉 = m. Esta condiçãopode ser relaxada para permitir um parâmetro espacialmentevariável〈σi〉 = mi.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 57

Neste caso a energia livre é escrita na forma:

F = −1

2

〈i,j〉

Jij mimj − T∑

i

s(mi) (2.16)

Esta forma é preferível para tratar casos nos quais o parâmetro de ordem não éuniforme, como é o caso de fases moduladas em cristais líquidos, ou diferentestipos de ordem antiferromagnética.

2.2 A teoria de Landau

A teoria de Landau é uma teoria de campo médio de caráter muitogeral, baseadanas propriedades de simetria do potencial termodinâmicoF (T,N, V, 〈φ(~x)〉).

2.2.1 Transições continuas

Landau propôs que a forma do potencialF podia ser deduzida, de forma fenome-nológica, essencialmente através da seguinte premisa:

• O potencialF (T,N, V, 〈φ(~x)〉) deve ser uma funçãoinvariante respeito deoperações do grupo de simetria G da fase desordenada.

O segundo ponto fundamental na teoria de Landau é a seguinte observação:

• Perto da transição de fase, o parâmetro de ordem é pequeno (emuma tran-sição de segunda ordem), e então se pode fazer uma expansão dopotencialF em série de Taylor do parâmetro de ordem:

f(T, φ) ≡ F

V=

∞∑

n=0

an([K], T ))φn (2.17)

ondeφ = 〈φ(~x)〉. Vamos assumir por enquanto que o parâmetro de ordemé espacialmente homogêneo. Também vamos assumir daqui em diante queo número de partículasN e o volumeV do sistema considerado são cons-tantes, e por tanto não vamos incluí-los explicitamente emf . A suposiçãoquef possa ser desenvolvida em uma série de Taylor implica que elaé umafunçãoanalíticadeφ perto da transição.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 58

Na prática, a expansão (2.17) poderá ser truncada para um número pequeno determos. Quantos termos serão necessários para descrever corretamente a transiçãode fase dependerá essencialmente da dimensão espaciald e da dimensão do espaçodo parâmetro de ordem. No caso do modelo de Ising, o truncamento até ordemφ4

é suficiente. No entanto, é importante notar que na expansão devem estar presentestodas as combinações analíticas do parâmetro de ordem que deixam invarianteffrente ao grupo de simetria G.

A equação de estado para o parâmetroφ é:

∂f

∂φ= h = a1 + 2a2 φ+ 3a3 φ

2 + 4a4 φ3 (2.18)

Como paraT > Tc, φ deve ser nulo se o campo externo for nulo, entãoa1 = 0.No caso do modelo de Ising o grupo de simetria G é o grupo das reflexões, e

por tantof(φ) = f(−φ). Entãof somente poderá ter potências pares deφ:

f = a0 + a2 φ2 + a4 φ

4. (2.19)

Como queremos que o estado estável termodinâmico seja finitoparaT < Tc,a4 > 0. Caso contrário poderiamos ter a soluçãoφ → ∞ como mínimo absolutodef .

O coeficientea0 é o valor def paraT > Tc, quandoφ = 0. Se pode pensarnele como contendo as contribuições af não provenientes do parâmetro de ordemde interesse. Nesse sentido, como o que queremos é descrevera transição de faseassociada aφ, vamos considerara0 = 0, ou então redefinirf − a0 → f .

Como os coeficientes podem depender em geral da temperatura,perto da tran-sição podemos expandi-los na forma:

a2 = a02 +

T − Tc

Tc

a12 +O((T − Tc)

2) (2.20)

a4 = a04 +

T − Tc

Tc

a14 +O((T − Tc)

2) (2.21)

Se pode escolhera4 como uma constante positiva. Sua dependência emT nãoserá dominante para determinar o comportamento termodinâmico na transição.Da equação de estado aplicada a (2.19) obtemos paraφ:

φ =

0 se T > Tc

±√

−a2(T )2a4

se T < Tc(2.22)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 59

Então, para queφ possa ter uma solução real e finita paraT < Tc se deveverificar quea0

2 = 0.Se acrescentamos um termo proveniente de um campo externoh conjugado

deφ, a energia livre de Landau para o modelo de Ising toma a forma final:

f =1

2r φ2 + u φ4 − hφ (2.23)

onder = a (T − Tc) e as constantes foram reescritas para facilitar expressõesfuturas. O comportamento do potencialf está descrito na figura 2.3.

É importante notar que a teoria de Landau éfenomenológica, ou seja, ela nãoestá baseada em um modelo microscópico, tendo sido obtida por argumentos pura-mente de simetria e condições de validade genérica na presença de uma transição.Por exemplo, a difereça da aproximação de campo médio de Bragg-Williams parao modelo de Ising, a teoria de campo médio de Landau não predizum valor paraa temperatura crítica. No entanto faz predições para grandezasuniversais, comoexpoentes críticos. De (2.22) extraimos o comporamento do parâmetro de ordempróximo da transição:

φ ∼ (T − Tc)β (2.24)

Vemos queφ → 0 com o expoente críticoβ = 1/2. Este expoente é o mesmoque aparece na aproximação de Bragg-Williams. Na realidadetodas as aproxima-ções de campo médio para um problema com dada simetria dão como resultadoo mesmo expoente. Tanto a aproximação de Bragg-Williams como a teoria deLandau consideram um parâmetro de ordem homogêneo, desconsideram flutua-ções. Quando o papel das flutuações é incluido o expoente crítico toma valoresmenores, neste caso próximo de1/3 emd = 3.

Podemos obter agora a equação de estado derivando (2.23) respeito deφ:

r φ+ 4u φ3 = h. (2.25)

A susceptibilidade pode ser obtida derivando a equação de estado respeito deh:

[r + 12u φ2]∂φ

∂h= 1. (2.26)

Obtemos:

χ =∂φ

∂h=

1/r seT > Tc;1/2|r| seT < Tc.

(2.27)

Substituindo a dependência der na temperatura:

χ ∼ |T − Tc|−γ. (2.28)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 60

Figura 2.3: O funcional de Landau para um modelo comsimetria de Ising.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 61

γ é o expoente crítico da susceptibilidade, é igual a1 em campo médio e tomavalores próximos de4/3 em sistemas tridimensionais quando flutuações na vizi-nhança do ponto crítico são levadas em consideração.

Outro expoente crítico corresponde ao comportamento do parâmetro de or-dem em função do campo externo na temperatura crítica. Novamente, a partir daequação de estado (2.25) obtemos emT = Tc:

φ ∼(

h

4u

)1/δ

, (2.29)

ondeδ = 3. A energia livref é zero paraT > Tc e negativa paraT < Tc:

f =

0 seT > Tc

−r2/(16u) seT < Tc.(2.30)

Deste resultado podemos obter o valor do calor específico:

cV = −T ∂2f

∂T 2=

0 seT > Tc;T a2/(8u) seT < Tc.

(2.31)

O calor específico apresenta uma descontinuidade finita, um salto, na temperaturacrítica. Este calor específico da a contribuição na vizinhança da transição de fase.A função completa apresenta outra contribuição analítica associada a outros grausde liberdade. O comportamento com a temperatura de diversasgrandezas termo-dinâmica na aproximação de campo médio pode ser vista na figura 2.4. Notar quecV corresponde à contribuição da energia livre de Landau mais uma parte analíticaproveniente de outros graus de liberdade.

2.2.2 Transições de primeira ordem na teoria de Landau

Na expansão em série de Taylor do potencial termodinâmico umtermo linear emφé proibido porqueφ = 0 acima da temperatura crítica. Um termo cúbico emφ foidescartado com um argumento de simetria, no caso de um sistema com simetriade Isingf(φ) = f(−φ). Então um termo cúbico pode existir em sistemas ondea simetria da fase desordenada o permita. Consideremos a expansão do potencialnesse caso:

f =1

2a t φ2 + w φ3 + u φ4 − hφ (2.32)

ondet ≡ (T − Tc). Parah = 0 a equação de estado leva as soluções seguintes:

φ = 0 φ = −c±√

c2 − a t/4u, (2.33)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 62

Figura 2.4: Comportamento de algumas grandezas termodinâmicas na teoria deLandau para um sistema com simetria Ising.

ondec ≡ 3w/8u. Para ter uma solução realφ 6= 0 , t < t∗ ≡ 4uc2/a. Comot∗ >0, esta condição acontece para uma temperatura maior que a temperatura crítica,que agora corresponde apenas à temperatura na qual o termo desegunda ordememφ se anula. A figura 2.5 mostra o andamento do potencial com a temperaturano casow 6= 0. Parat < t∗ um segundo mínimo aparece, embora o mínimoabsoluto ainda corresponda aφ = 0. A uma certa temperaturat1 o valor def éigual para os dois mínimos, e abaixo desta temperatura o segundo mínimo passa aser o mínimo global. Emt1 o parâmetro de ordem apresenta uma discontinuidadefinita. Acontece umatransição de primeira ordem.

No entanto, é importante levar em conta que parat → t−1 o parâmetro de

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 63

Figura 2.5: Uma transição de primeira orden na teoria de Landau.

ordem não é arbitrariamente pequeno, e então, a expansão de Landaunão é válidade forma geral. Quando a expansão é justificada, a preseça de um termo cúbicoleva o sistema a apresentar uma transição de primeira ordem.

2.3 Sistemas heterogêneos

Embora o parâmetro de ordem em um sistema homogêneo seja uma constanteφ, funções locaisφ(~x) podem ser naturais em casos com presença de camposexternos heterogêneosh(~x) ou em sistemas com modulações espaciais no campoφ como por exemplo, quando existem interações competitivas.

De um ponto de vista microscópico, o parâmetro de ordemφ é uma média es-tatísticaφ ≡ 〈φ〉, que envolve uma soma sobre um conjunto de graus de liberdademicroscópicosem uma certa região do espaço. Por tanto é válido se perguntarsobre qual o significado físico da função da posiçãoφ(~x) em um contexto termo-

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 64

dinâmico. Se pode dar um significado aφ(~x) considerando uma “partição” dosistema em blocos de tamanhoa ≪ Λ−1 ≤ ζ(T ), ondea é a constante de rede (adistância de equilíbrio entre um par de partículas) eζ(T ) é um comprimento quemede o alcance das correlações no sistema. Então, em uma escala Λ−1 podemosconsiderar que o parâmetro de ordem é efetivamente constante. Assim, definimoso parâmetro de ordem localφΛ(~x) como o valor do parâmetro dentro de umbloco com origem em~x. Este processo se denominagranulado grosso(coarsegraining). Desta forma a energia livre de Landau fica bem definida na escala dosblocosΛ. O problema agora é que ela depende da escalaΛ. Temos que somaras contribuições de todos os grãos que compoem o sistema. Masa energia livrenão pode ser, como poderiamos concluir sem refletir, a soma determos do tipoF =

~x f(φΛ(~x)). O resultado de minimizar esta quantidade irá produzir os va-lores de equilíbrio em cada bloco de forma independente. No entanto é fácil seconvencer que não será bom, de um ponto de vista energético, ter grandes dife-renças nos valores de equilíbrio deφΛ(~x) nos diferentes blocos. Uma forma decontornar este problema é incluir um termo que penalize grandes variações doparâmetro de ordem local (também chamado parâmetro de ordemde granuladogrosso). A forma analítica mais simples que este termo pode tomar é:

~x

δ

c

2

φΛ(~x) − φΛ(~x+ ~δ)

Λ−1

2

(2.34)

onde~δ é um vetor de magnitudeΛ−1 apontando na direção do bloco vizinho pró-ximo do ponto~x, e o valor do custo em energia é independente do sinal da dife-rença dos parâmetros de ordem em blocos vizinhos. A constante c pode dependerda temperatura.

Então, considerando queφΛ(~x) varia pouco na escalaa, e tomando o limitecontinuo, podemos escrever a energia livre de Landau na forma:

F =∫

ddx f(T, φΛ(~x)) +∫

ddx1

2c [∇φΛ(~x)]2, (2.35)

ondeφΛ(~x) ≡ 〈φΛ(~x)〉 e f(T, φ(~x)) tem a forma da densidade de energia livrede Landau homogênea (2.23). Agora a energia livre de LandauF é umfuncionaldeφΛ(~x), no sentido que depende da funçãoφΛ(~x) em todos os pontos~x. Umcorte, ou “cutoff” para distâncias menores queΛ−1 está implícito em todas asintegrações.

Ainda, é importante notar que o funcional de LandauF , ou energia livre deLandau, NÃO é a energia livre de HelmholtzF (T, φ) do sistema. Duas diferençasnotáveis são as seguintes:

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 65

• O potencial termodinâmicoF (T, φ) é umafunção convexa, enquantoF [T, φ(~x)]não é.

• F (T, φ) é uma função termodinâmica, e como tal a dependência em umafunção que varia espacialmente comoφΛ(~x) não faz sentido. EmF (T, φ)toda a informação espacial já foi integrada ao calcular o traço na função departição.

As aparentes contradições são resolvidas considerando queo funcional de Landaué, na verdade, umaenergia livre de granulado grossoouHamiltoniano efetivo, nosentido que a função de partição do sistema pode ser obtida naforma:

Z =∫

DφΛ e−βF [φΛ(~x)], (2.36)

onde a notação∫ DφΛ indica umaintegral funcional. Fisicamente, a integral fun-

cional equivale a somar as contribuições de todas as configurações dos camposφ(~x) pesados com o peso estatístico correspondente. A dependência na escalaΛimplica que este formalismo poderá ser relevante para o comportamento do sis-tema a distâncias grandes. Variações dos campos na escala doespaçamento derede ou das distâncias interparticula estão fora do alcancedeste formalismo. Noentanto, na análise da física na vizinhança de um ponto crítico apenas o compor-tamento a longas distâncias é importante.

Então, reconhecendo o funcional de Landau como uma energia livre de gra-nulado grosso ou Hamiltoniano efetivo, ela não é a energia livre termodinâmicae então não existe requisito para ela ser convexa. Realizando a integral funcionalsobre os graus de liberdade ainda não integrados, podemos obter o o potencialtermodinâmicoA(T,H) que satisfaz:

Z = Tr e−βH = e−βA, (2.37)

sendoH um campo externo conjugado do parâmetro de ordemφ. A energia livrede Helmholtz pode ser obtida via uma transformada de Legendre na forma:

F (T, φ) = A(T,H) +NφH, (2.38)

e a convexidade dos potenciais termodinâmicos é restaurada.Finalmente, a discussão anterior permite também justificarpor qué, ao cons-

truir o funcional de Landau, escolhemos contribuições exclusivamenteanalíticas:a energia livre de Landau envolve um traço parcial sobre os graus de liberdade, e

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 66

então a função de partição correspondente (parcial) só podeser analítica (em umsistema finito).

Estes pontos sobre a interpretação do funcional de Landau são conceitual-mente importantes e são discutidos com maior detalhe, por exemplo, no livro deGoldenfeld [3].

2.4 Funções de correlação

A função de correlação espacial

C(~x, ~x′) = 〈φ(~x)φ(~x′)〉 (2.39)

da informação sobre flutuações espaciais do parâmetro de ordem. Elas são gran-dezas fundamentais para extrair informação sobre estrutura no sistema, como jávimos de forma genérica na unidade anterior.

No que segue vamos adotar a notação de sistemas magnéticos, embora as re-lações obtidas e as análises sejam de abrangência geral. Considerando a possi-bilidade do parâmetro de ordem variar localmente, podemos escrever o potencialtermodinâmicoA na forma:

A[T,~h(~x)] = −T lnZ[T,~h(~x)], (2.40)

onde também consideramos uma possível variação espacial docampo externo.Notamos que tanto o potencialA quanto a função de partiçãoZ são na verdadefuncionaisno sentido discutido na seção anterior. Para cada funçãoh(~x) obtemosum valor paraZ e paraA. O parâmetro de ordem de granulado grosso, que paraum sistema magnético é a magnetização local, é dado por:

〈mi(~x)〉 =1

Z

δZ

δ βhi(~x)= − δA

δhi(~x), (2.41)

onde〈mi〉 ehi representam ai-ésima componentes cartesianas dos vetores〈~m〉 e~h e o símboloδ representa umaderivada funcional. O potencial termodinâmicoobedece a seguinte identidade diferencial:

dA = −S dT −∫

ddx 〈~m(~x)〉 · δ~h(~x). (2.42)

A susceptibilidade local generalizada é dada por:

χij(~x, ~x′) =

δ〈mi(~x)〉δhj(~x′)

(2.43)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 67

Em sistemas clássicos, a função de correlação do parâmetro de ordem é a derivadade〈mi(~x)〉 respeito deβhj(~x

′), e portanto, é igual àT vezesχij(~x, ~x′):

Gij(~x, ~x′) = 〈[mi(~x) − 〈mi(~x)〉][mj(~x

′) − 〈mj(~x′)〉]〉

= 〈δmi(~x)δmj(~x′)〉 (2.44)

=δ〈mi(~x)〉δ βhj(~x′)

= Tχij(~x, ~x′)

A susceptibilidade global é a derivada da magnetição globalrespeito do campoexterno:

χij =δ〈mi〉δhj

= lim~q→0

βGij(q) (2.45)

e é proporcional ao limiteq = 0 da transformada de Fourier da função de correla-çãoGij(~x, ~x

′) para sistemas com invariância translacional.Uma transformada de Legendre nos permite obter um potencialtermodinâ-

mico que é função do parâmetro de ordem (equivalente à energia livre de Helmholtz),em lugar de ser função do campo:

F [T, 〈~m(~x)〉] = A[T,~h(~x)] +∫

ddx ~h(~x) · 〈~m(~x)〉. (2.46)

O funcionalF satisfaz a relação diferencial:

dF = −S dT +∫

ddx ~h(~x) · δ〈~m(~x)〉. (2.47)

A equação de estado é dada por:

δF

δ〈mi(~x)〉= hi(~x). (2.48)

Em ausência de campo externo o estado de equilíbrio é dado pelo valor de〈mi(~x)〉que minimizaF . Notar que, nesta forma funcional, o parâmetro de ordem podenão ser homogêneo, o mínimo deF é determinado por uma função da posição.

A Derivada funcional

A derivação funcional tem propriedades muito semelhantes as da derivação defunções. No entanto é importante levar em conta que são operações diferentes.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 68

Consideremos um funcionalΦ[h(~x)] da funçãoh(~x). A derivada funcional deΦé definida como:

δΦ

δh(~y)= lim

ǫ→0

Φ[h(~x) + ǫδ(~x− ~y)] − Φ[h(~x)]

ǫ. (2.49)

δΦ/δh(~y) representa o câmbio induzido emΦ em resposta a um câmbio emh(~x)no ponto~x = ~y.

Utilizando esta definição é possível mostrar algumas derivadas funcionais co-muns:

δh(~x)

δh(~y)= δ(~x− ~y), (2.50)

ondeΦ[h(x)] = h(x) é o funcional identidade. Sef é umafunçãodeh(~x):

δf(h(~x))

δh(~y)= f ′ δh(~x)

δh(~y)= f ′ δ(~x− ~y), (2.51)

δf(g(h(~x)))

δh(~y)= f ′ g′

δh(~x)

δh(~y)= f ′ g′ δ(~x− ~y), (2.52)

ondef ′(z) = df/dz.Por exemplo, paraf(φ(~x)) = φ4(~x):

δf

δφ(~y)= f ′ δφ(~x)

δφ(~y)= 4φ3(~x)δ(~x− ~y) (2.53)

SeF [φ(~x)] pode ser expressa na forma

F [φ(~x)] =∫

ddx f(φ(~x), ∂iφ(~x)), (2.54)

onde∂iφ(~x) é o gradiente deφ, então

δF

δφ(~y)=

ddxδf

δφ(~y)

=∫

ddx

[

∂f

∂φ(~x)

δφ(~x)

δφ(~y)+

∂f

∂(∂iφ(~x))

δ∂iφ(~x)

δφ(~y)

]

=∫

ddx

[

∂f

∂φ(~x)δ(~x− ~y) +

∂f

∂(∂iφ(~x))∂iδ(~x− ~y)

]

, (2.55)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 69

onde na última linha usamos o fato que a derivada comum e a derivada funcionalcomutan. Usando:

∂i

[

∂f

∂(∂iφ(~x))δ(~x− ~y)

]

= δ(~x− ~y)∂i∂f

∂(∂iφ(~x))+

∂f

∂(∂iφ(~x))∂iδ(~x− ~y),

integrando por partes no último termo, e fazendo a integral em ~x obtemos:

δF

δφ(~y)=

∂f

∂φ(~y)− ∂i

∂f

∂∂iφ(~y), (2.56)

cuja solução estacionária é semelhante a equação de movimento da mecânica La-grangeana.

Após a transformada de Legendre que leva deA paraF podemos obter ainversa da função de correlação derivandoF respeito de〈φi(~x)〉. Fazemos istoem dois passos: primeiro derivamos〈φi(~x)〉 respeito de〈φk(~x

′′)〉:

δ〈φi(~x)〉δ〈φk(~x′′)〉

= δikδ(~x− ~x′′)

=∫

ddx′δ〈φi(~x)〉δhj(~x′)

δhj(~x′)

δ〈φk(~x′′)〉. (2.57)

onde se fez uso da regra da cadeia na derivada funcional e índices repetidos estãosomados. A inversa deχij(~x, ~x

′) é definida na forma:∫

ddx′χij(~x, ~x′)χ−1

jk (~x′, ~x′′) = δikδ(~x− ~x′′). (2.58)

Comparando as duas últimas identidades e usando a definição da susceptibilidadeobtemos:

χ−1ij (~x, ~x′) =

δhi(~x)

δ〈φj(~x′)〉=

δ2F

δ〈φi(~x)〉δ〈φj(~x′)〉. (2.59)

2.4.1 Correlações na teoria de Landau

Partindo da energia livre de Landau:

F =∫

ddx f(T, 〈φ(~x)〉) +∫

ddx1

2c [∇〈φ(~x)〉]2, (2.60)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 70

e escrevendo para a densidade de energia livre de uma teoriaφ4 a forma (2.23)comh = 0, obtemos:

χ−1(~x, ~x′) =δ2F

δ〈φ(~x)〉δ〈φ(~x′)〉= (r + 12u 〈φ〉2 − c∇2)δ(~x− ~x′). (2.61)

O último termo corresponde ao operador Laplaciano, e se obtém após integrarpor partes a variação do termo do gradiente quadrado, e desprezar um termo desuperfície:

δ

δφ(~x′)

ddx ∂iφ(~x)∂iφ(~x) =∫

ddxδ

δφ(~x′)[∂iφ(~x)∂iφ(~x)]

=∫

ddx

[

2∂iφ(~x)

(

δ

δφ(~x′)∂iφ(~x)

)]

= 2∫

ddx ∂iφ(~x)∂iδφ(~x)

δφ(~x′)

= 2∫

ddx ∂iφ(~x)∂iδ(~x− ~x′). (2.62)

Usando

∂i [∂iφ(~x)δ(~x− ~x′)] = ∂2i φ(~x)δ(~x− ~x′) + ∂iφ(~x)∂iδ(~x− ~x′), (2.63)

e desprezando o termo de superfície, obtemos:

δ

δφ(~x′)

ddx ∂iφ(~x)∂iφ(~x) = −2∫

ddx ∂2i φ(~x)δ(~x− ~x′) = −2∂2

i φ(~x′). (2.64)

Finalmente,δ

δφ(~x)

(

−2∂2i φ(~x′)

)

= −2∂2i δ(~x− ~x′), (2.65)

que leva ao resultado em (2.61).Usando agora a relação (2.58), que define a inversa deχ, obtemos:

(r + 12u 〈φ〉2 − c∇2)χ(~x, ~x′) = δ(~x− ~x′), (2.66)

ou, usando (2.45):

(r + 12u 〈φ〉2 − c∇2)G(~x, ~x′) = kBT δ(~x− ~x′), (2.67)

ondekB é a constante de Boltzmann. Assim, vemos que a susceptibilidade e afunção de correlação sãofunções de Green.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 71

A solução geral destas equações é complicada pela dependência em〈φ(~x)〉2.Na aproximação de campo médio paraφ é possível resolver paraG(~x, ~x′) portransformanda de Fourier, assumindo que o sistema apresenta invariância transla-cional e que o parâmetro de ordem é homogêneo e dado pela solução de campomédio de Landau:

χ(~q) =1

r + 12u 〈φ〉2 + cq2

[1 + (qζ)2]≡ 1

c

ζ2

1 + (qζ)2, (2.68)

onde

ζ(T ) =

(

c

r + 12u 〈φ〉2)1/2

(2.69)

é o comprimento de correlação. Usando a solução da teoria de campo médiopara〈φ〉:

ζ(T ) =

(c/r)1/2 seT > Tc

(c/(−2r))1/2 seT < Tc(2.70)

Próximo do ponto críticoζ ∼ |T − Tc|−ν , ondeν = 1/2 é o expoente crítico docomprimento de correlação. Em sistemas tridimensionais o valor real deν estáem torno de 2/3.

A existência de um comprimento de correlação é um dos conceitos centrais nafísica da matéria condensada. A própria idéia de condensadoimplica a existênciade uma região onde as partículas estão fortemente correlacionadas. A extensãodesta região depende de parâmetros externos, como a temperatura, ou pressão.Uma das características do fenômeno de invariância de escala no ponto crítico é adivergência do comprimento de correlação, ou seja, todo o sistema está fortementecorrelacionado emTc.

Podemos obter uma estimação dele através de uma análise dimensional sim-ples da energia livre. Assumindo que o campo〈φ(~x)〉 seja adimensional,r deveter unidades de(energia) × (comprimento)−d, [EL−d]. c deve ter unidades de(energia) × (comprimento)−(d−2), [EL−(d−2)]. Por tanto,(c/r)1/2 ∼ ζ deve terunidades de comprimento. Introduzindo um comprimento de correlação micros-cópico na forma:

ζ0 =

(

c

r(T = 0)

)1/2

=(

c

aTc

)1/2

, (2.71)

o comprimento de correlação se pode escrever comoζ ∼ ζ0|(T − Tc)/Tc|−ν , epode ser arbitrariamente maior queζ0 na vizinhança do ponto crítico.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 72

A forma da susceptibilidade (2.68) foi obtida pela primeiravez por Ornsteine Zernicke na análise do ponto crítico gás-líquido. A transformada inversa deFourier leva a função de correlação espacial de dois pontos:

χ(~x, 0) = χ∫ ddq

(2π)d

ei~q·~x

1 + (qζ)2

= c−1|~x|−(d−2)Y (|~x|/ζ), (2.72)

onde

Y (η) =∫ ∞

0zd−1dz

(2π)d

eiz cos θ

[z2 + η2]

=1

4πe−η (d = 3). (2.73)

Notamos que no ponto críticoT = Tc as correlações espaciais decaem algebrica-mente como|~x|−(d−2). ParaT 6= Tc as correlações decaem de forma exponencialem uma escala dada pelo comprimento de correlaçãoζ .

2.5 Sistemas com simetriaO(n)

Sistemas com simetriaO(n) possuem um parâmetro de ordem vetorial comncomponentes. Na fase desordenada, o Hamiltoniano tem que ser invariante frentea rotações no espaçon-dimensional do parâmetro de ordem. Casos particularessão o modelo de Ising, comn = 1, que já analizamos. O modelo XY, que é ummodelo de rotores no plano, comn = 2. O modelo de Heisenberg para a transiçãoferromagnética, comn = 3.

A energia livre de Landau do modeloO(n) é análoga a do modelo com si-metria Ising (2.23). A única diferença é que, devido a simetria rotacional da faseparamagnética, a energia livre deve depender de:

〈~φ〉2 ≡ 〈φ〉2 =n∑

i

〈φi〉2, (2.74)

que é invariante por rotações. Da mesma forma como fizemos para o modelode Ising, neste caso a equação de estado em presença de um campo externo decomponenteshi é:

∂f

∂φi

= (r + 4u〈φ〉2)〈φi〉 = hi. (2.75)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 73

As soluções desta equação parahi = 0 são:

〈φi〉 =

0 seT > Tc;(−r/4u)1/2ei seT < Tc.

(2.76)

onde~e é um vetor unitário arbitrário no espaço do parâmetro de ordem. O com-portamento é o mesmo do modelo de Ising, e então o modeloO(n) sofre umatransição de fase de segunda ordem, com expoentes críticosβ, γ, δ e ν iguaisaos do modelo de Ising. No entanto, a diferença do modelo de Ising que quebrauma simetria discreta, a arbitrariedade do vetor unitário~e que define a direção deordenamento do sistema, indica que uma simetria continua foi quebrada, comomostrado na figura 2.6 para o caso XY (n = 2).

Figura 2.6: A parte homogênea da energia livre de Landau parao modeloO(2).

A quebra de uma simetria continua traz profundas consequências no compor-tamento das funções de correlação e susceptibilidades paraT < Tc. A função decorrelação conectada entre as componentesi e j do parâmetro de ordem é:

Gij(~x, ~x′) = 〈φi(~x)φj(~x

′)〉 − 〈φi(~x)〉〈φj(~x′)〉. (2.77)

Esta correlação pode ser decomposta em duas partes, correspondentes a correla-ções nas direções paralela e perpendicular à direção de ordenamento do sistema:

Gij(~x, ~x′) = G‖(~x, ~x

′) eiej +G⊥(~x, ~x′)(δij − eiej). (2.78)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 74

Se a direção de ordem é o eixo definido pore1, então~e = (1, 0, 0, . . .) e obtemos:

G11(~x, ~x′) = G‖(~x, ~x

′) = 〈φ1(~x)φ1(~x′)〉 − 〈φ1(~x)〉〈φ1(~x

′)〉, (2.79)

Gii(~x, ~x′) = G⊥(~x, ~x′) = 〈φi(~x)φi(~x

′)〉 − 〈φi(~x)〉〈φi(~x′)〉, (i 6= 1).

Derivando a energia livre de Landau respeito deφi(~x) e φj(~x′) e transformando

Fourier obtemos o tensor de susceptibilidade:

χ−1ij (~q) = TG−1(~q) = (r + 4u〈φ〉2 + cq2)δij + 8u〈φi〉〈φj〉, (2.80)

ou, em termos das componentes paralelas e perpendiculares:

χ−1‖ = r + 12u〈φ〉2 + c q2 (2.81)

e

χ−1⊥ (~q) = r + 4u〈φ〉2 + c q2 =

r + c q2 seT > Tc;c q2 seT < Tc.

(2.82)

Notamos que a componente paralela tem o mesmo comportamentoque no modelode Ising. No entanto, na direção perpendicular a susceptibilidade ou as correlaçõesG⊥(~q) = Tχ⊥(~q) têm um comportamento com lei de potência:

G⊥(~q) =T

cq2. (2.83)

No espaço real as correlações também decaem com uma lei de potências:

G(~x, 0) ∼ |x|−(d−2). (2.84)

Como a suscpetibilidade globalχij = lim~q→0 βGij(~q), o resultado anterior im-plica que o sistema possui susceptibilidade infinita na fasede baixa temperaturacom simetria quebrada. Ou seja, é necessário um campo externo arbitrariamentepequeno para mudar o valor do parâmetro de ordem. Isto pode ser interpretadofisicamente pela estrutura da energia livre de Landau da figura 2.6. Da figura ficaevidente quef possui um número infinito de mínimos paraT < Tc, e se pode pas-sar continuamente de um mínimo para outro. Ou seja, não custaenergia ir de ummínimo qualquer a um outro qualquer. No entanto, na direção paralela a situaçãoé diferente: existe uma penalidade energética para mudar o módulo do parâmetrode ordem.

O comportamento da componente transversal da susceptibilidade (2.82) in-dica que, em termos de modos no espaço de Fourier, a susceptibilidade aumenta

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 75

de forma ilimitada para modos de comprimento de onda grande eé infinita paraλ → ∞. A energia de Landauf pode ser feita arbitrariamente pequena paraflutuações de comprimento de onda arbitrariamente grandes.No caso do modeloO(2) da figura vemos que existe exatamente um modo perpendicular àdireçãode ordenamento com energia livre arbitrariamente pequena.Em geral, em ummodelo com simetriaO(n) haverá um modo deste tipo por cada direção transver-sal, ou seja um total den − 1 modos transversais de baixa energia, oumodos deGoldstone.

Os modos de Goldstone se manifestam matematicamente como polos em~q =0 na componente transversal da susceptibilidade, como se ve em (2.82) na fase desimetria rotacional quebrada. Exemplos de modos de Goldstone sãoondas de spinem sistemas magnéticos efônonsassociados a quebra da simetria por translaçõesno espaço. Ambas simetrias são continuas.

2.6 A transição líquido-gás

Quando entregamos calor a um recipiente com água a pressão constante, inicial-mente a temperatura aumenta e a densidade do líquido diminui, como mostradono diagrama pressão-densidade da figura 2.7.

Em algum momento deste processo surgem as primeiras bolhas de gás, e osistema entra na região de coexistência. Na região de coexistência as densidadesde líquido,nl, e gás,ng, variam até que todo o líquido se evapora. Notamos que naregião de coexistência, se mantemos o processo a pressão constante, a temperaturatambém permanece constante. Isto vale enquanto coexistem uma parte de líquidoe uma parte de gás no sistema. A densidade diminui continuamente, e quando osistema se transforma completamente em gás, a temperatura volta a aumentar.

Podemos passar pela mesma região de coexistência se em lugarde manter apressão constante, mantemos a temperatura constante. Notamos no diagrama queexiste uma temperatura críticaT = Tc, na qual a região de coexistência se reduza um ponto, oponto crítico (Tc, pc, nc). Para temperaturas acima da crítica pode-mos transformar o líquido continuamente em gás, sem passar por uma transiçãode fase.

Claramente, a transição de fase líquido-gás, para pressõesp < pc é uma transi-ção de primeira ordem, onde é necessário entregar uma certa quantidade de calor,chamadocalor latente de ebullição, ou de vaporização, para transformar o lí-quido na temperatura da transição em gás na mesma temperatura.

Do ponto de vista da simetria,as fases líquida e gasosa possuem a mesma

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 76

Figura 2.7: Diagrama pressão-densidade para um fluido clássico, mostrando iso-termas e a curva de coexistência.

simetria. Por tanto, a transição líquido-gás mostra quenão é necessária umamudança de simetria para que uma transição de fase aconteça.

2.6.1 A equação de van der Waals

A temperaturas muito maiores queTc a equação de estado na fase gasosa é dadapela equação dos gases ideais:

pv = kBT, (2.85)

ondev = V/N é o volume específico ekB é a constante de Boltzmann. Emtermos da densidaden = 1/v, p = nkBT , representada pela reta na figura 2.7,válida para temperaturas muito maiores queTc.

Em sua tese de doutorado em 1873, Van der Waals propôs uma modificação daequação de estado dos gases ideais, que leva em conta o tamanho finito dos átomose a atração média entre eles. O tamanho é levado em conta de umaforma efetiva,reduzindo o volume acessível por partícula por uma constante b, que correspondeaovolume excluído, ou seja, ao tamanho efetivo da partícula. Já a atração entreaspartículas a densidades moderadas é levada em conta considerando que a energia

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 77

média por partícula é proporcional à densidade. Como a pressãop = −∂F/∂V , acondição anterior se traduz numa redução da pressão por um fator proporcional aV −2. A equação de estado modificada de Van der Waals tem a forma:

p =kBT

v − b− a

v2. (2.86)

b corresponde aovolume de caroço durode uma partícula, ea > 0 é uma medidada atração entre as partículas. Como este último termo leva em conta o com-portamento médio do sistema, a equação de Van der Waals tem o status de umaaproximação de campo médio. Estas modificações simples são suficientes pararesultar em um comportamento complexo da equação de estado,muito diferentedo comportamento trivial da equação dos gases ideais.

Para determinar o ponto crítico dado por esta equação de estado, notamos queno ponto(Tc, vc, pc), a isoterma crítica apresenta um ponto de inflexão, e então:

∂p

∂v=∂2p

∂v2= 0. (2.87)

A terceira condição provém de considerar quep(v) é um polinômio cúbico. Então,para uma pressão arbitráriap = cte a equação terá de forma geral três soluções.ParaT > Tc uma solução é real e duas imaginárias. ParaT < Tc as três soluçõessão reais. Por tanto, no ponto crítico as três soluções devemcolapsar em uma.Escrevendo a equação de Van der Waals na forma:

v3 −(

b+kBT

p

)

v2 +a

pv − ab

p= 0, (2.88)

e notando que no ponto crítico a três raízes devem ser iguais,a equação anteriordeve ter a forma:

(v − vc)3 = 0. (2.89)

Igualando coeficientes e organizando o resultado obtemos finalmente:

vc = 3b pc = a/27b2 kBTc = 8a/27b. (2.90)

Este resultado implica que fazendo um fit dos parâmetros fenomenológicosa e bcom dados experimentais de altas temperaturas, podemos predizer os valores depc, vc, Tc. De fato esta predição é razoavelmente boa para muitas substâncias.

A teoria de Van der Waals também prediz que a quantidade:

pcvc

kBTc=

3

8= 0.375, (2.91)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 78

é umaconstante universal, independente dea e b, ou seja, a mesma para todosos fluidos ! Experimentalmente esta constante vale0.292 para argônio,0.23 paraágua e0.31 para4He. A acordo é razoável levando em conta a simplicidade dateoria.

2.6.2 A lei dos estados correspondentes

Definindo as variáveis rescaladas:

π = p/pc; ν = v/vc; τ = T/Tc, (2.92)

a equação de Van der Waals pode ser escrita de forma adimensional:

(

π +3

ν2

)

(3ν − 1) = 8τ. (2.93)

Este resultado notável implica que, rescalando as variáveis de estado pelos seusvalores no ponto crítico,todos os fluidostêm a mesma equação de estado, semparâmetros microscópicos adicionais ! Esta é alei dos estados corresponden-tes. Como a universalidade implicada por esta lei vale a nível daequação deestado, então todas as propriedades termodinâmicas dos fluidos clássicos devemser igualmente universais.

É importante notar que a universalidade implicada pela lei dos estados cor-respondentes é diferente da universalidade do ponto crítico. A lei dos estadoscorrespondentes é válida em todo o diagrama de fases, não só no ponto crítico. Èpossível mostrar que a esta lei surge de uma análise dimensional e é portanto deaplicação mais geral que na equação de Van der Waals. De fato,experimental-mente a lei é obedecida mesmo para fluidos que não obedecem a equação de Vander Waals. Na figura 2.8 se pode ver o bom colapso de dados experimentais emum diagrama de fases com as variáveis reescaladasp/pc eT/Tc.

2.6.3 Teoria de Landau da transição gás-líquido

A teoria de campo médio tradicionalmente considerada para atransição líquido-gás é a teoria de van der Waals. Também é possível escrever um funcional deLandau para descrever esta transição, de forma semelhante ao que fizemos para omodelo de Ising. Para este fim é útil considerar o potencial termodinâmico

w(T, µ, n) = f(T, n) − µn. (2.94)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 79

Figura 2.8: Curva de coexistência gás-líquido paradiversos fluidos moleculares.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 80

O mínimo deste potencial respeito den corresponde ao negativo da pressão sobreo sistema−p(µ, T ).

Para determinar o ponto crítico necessitamos de três condições. A primeira éa equação de estado paran:

∂w

∂n=∂f

∂n− µ = 0. (2.95)

Esta equação é válida em equilíbrio para todoµ eT . Fixando a densidade no seuvalor críticonc, obtemos a relação entre a temperatura e o potencial químicoaolongo da isocora crítica.

A segunda condição é que a compressibilidade é infinita no ponto crítico. Dadefinição de densidaden = N/V , obtemos para a compressibilidade a tempera-tura e número de partículas constantes:

κT = − 1

V

∂V

∂p

)

T,N

=1

n

∂n

∂p

)

T,N

. (2.96)

No ponto crítico as derivadas primeira e segunda da pressão em relação à densi-dade são nulas. Então:

∂2w(Tc, µc, n)

∂n2

n=nc

=∂2f(Tc, n)

∂n2

n=nc

= 0. (2.97)

A equação de estado para a densidade tem tipicamente duas soluções,nl e ng

na região de coexistência. Ambas soluções devem colapsar emuma só no pontocrítico. Como no contexto da teoria de Landau os potenciais,comow, são funçõesanalíticas, a condição anterior implica que a derivada terceira dew respeito andeve ser zero no ponto crítico:

∂3w

∂n3

n=nc

=∂3f

∂n3

n=nc

= 0. (2.98)

As três equações anteriores determinamTc, µc e nc. Finalmente, a pressãocrítica é determinada porpc = −w(Tc, µc, nc).

Para estudar as propriedades do sistema nas proximidades doponto crítico,podemos fazer uma expansão dew(T, µ, n) em potências do parâmetro de ordem,que para esta transição pode ser considerado como a variaçãoda densidade res-peito do valor crítico:φ = n− nc:

w(T, µ, φ) = w(T, µ, 0) +1

2rφ2 − vφ3 + uφ4 − hφ, (2.99)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 81

onde

h = µ− ∂f(T,n)∂n

)

n=nc, r(T ) = ∂2f(T,n)

∂n2

)

n=nc,

v(T ) = − 13!

∂3f(T,n)∂n3

)

n=nc, u(T ) = 1

4!∂4f(T,n)

∂n4

)

n=nc.

(2.100)

No ponto crítico,h(µc, Tc) = 0, r(Tc) = 0 e v(Tc) = 0, devido às relaçõesque definem o ponto crítico. Então, embora o funcional de Landau w possuatermos pares e ímpares no parâmetro de ordemφ, no ponto crítico a sua formaé a mesma do funcional do modelo de Ising. Como consequência,os expoentescríticos de campo médio da transição líquido-gás são os mesmos do modelo deIsing, embora desde um ponto de vista da simetria, ambos sistemas se comportemde forma diferente na transição.

Na figura 2.8 se pode ver a curva de coexistência para diversosfluidos molecu-lares. O excelente colapso dos dados para diferentes substâncias é uma demons-tração da universalidade nas transições de fase. Este gráfico deve ser comparadocom a curva de magnetização em função da temperatura do modelo de Ising. Aúnica diferença é a assimetria da curva no caso dos fluidos, enquanto no caso mag-nético a curva é simétrica no parâmetro de ordem. A assimetria é consequênciados termos ímpares na energia livre de Landau, que no entantonão afetam a classede universalidade, que continua sendo a mesma que a do modelode Ising.

2.7 A transição isotrópico-nemática emd = 3

Na fase nemática dos cristais líquidos as moléculas orientam seus eixos de sime-tria em torno de uma direção preferencial, mantendo no entanto a desordem nasposições dos centros de massa, como mostra a figura 2.9.

A temperaturas altas o sistema se encontra na fase simétrica, desordenadatanto orientacional quanto posicionalmente. A uma temperaturaTc ordem orien-tacional aparece. Em geral a forma alongada das moléculas que formam cristaislíquidos possui simetria de reflexão entre os extremos do eixo principal. Conse-quentemente a ordem molecular dos cristais líquidos não é representada conveni-entemente por um vetor, como no caso dos sistemas magnéticos.

Para uma moléculaα, o vetor unitário~vα, que aponta ao longo do eixo princi-pal da molécula na posição~xα, contribui à ordem tanto quanto a direção−~vα. Deforma análoga ao caso da ordem vetorial, onde o parâmetro de ordem tem que termédia nula quando mediado localmente em todas as direções nafase de alta tem-peratura, neste caso, as propriedades de simetria requeridas para a ordem nemática

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 82

Figura 2.9: A ordem orientacional das moléculas em um cristal líquido.

são satisfeitas por um tensor de segunda ordem, simétrico e de traço nulo:

Qij(~x) =V

N

α

(vαi v

αj − 1

3δij)δ(~x− ~xα), (2.101)

ondevαi é a componentei do vetor unitário~vα associado à moléculaα. Qij são as

componentes do tensorQ. Como~vα é unitário, o tensor tem traço nulo:Tr Q = 0.Em um sistema de coordenadas onde o diretor global está alinhado com um

dos eixos, por exemplo o eixox, o tensor tem a forma:

〈Q〉 =

23S 0 00 −1

3S + η 0

0 0 −13S − η

. (2.102)

Seη 6= 0 o tensor ébiaxial, havendo duas direções preferenciais em lugar deuma. A situação mais comum é com apenas uma direção preferencial, em cujocasoη = 0. O sistema neste caso éuniaxial e podemos escrever as componentesdeQ na forma:

〈Qij〉 = S(

ninj −1

3δij

)

, (2.103)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 83

onde o vetor unitário~n, chamadodiretor de Frank, define a direção do eixo prin-cipal deQ. De (2.101) obtemos:

S =1

2〈3(~vα · ~n)2 − 1〉 =

1

2〈(3 cos2 θα − 1)〉, (2.104)

Vamos agora construir uma energia livre de Landau para um cristal líquidonemático. A energia livre na fase desordenada tem que ser invariante frente arotações arbitrárias.Q se transforma como um tensor frente ao grupo de rotações.As únicas combinações invariantes que podemos construir com o tensor são traçosde potências arbitrárias:Tr 〈Q〉p, p = 2, 3, . . .. O termo comp = 1 é o traçode Q que é zero por construção. Escrevendo uma expansão até quarta ordem notensor obtemos:

f =1

2r(

3

2Tr〈Q〉2

)

− w(

9

2Tr〈Q〉3

)

+ u(

3

2Tr〈Q〉2

)2

,

=1

2r S2 − wS3 + u S4. (2.105)

De forma geral, deveria aparecer outro termo de quarta ordem, proporcional aTr〈Q〉4. No entanto, para tensores3 × 3 de traço nulo, os dois termos quárticossão proporcionais. Como nas análises anteriores, vamos considerarr como funçãoda temperatura:

r = a(T − T ∗), (2.106)

em tanto queu ew serão consideradas constantes independentes da temperatura.Devido ao caráter tensorial do parâmetro de ordem a energia livre possui um

termo proporcional ao cubo do tensor. Este termo era proibido no modelo deIsing, com parâmetro de ordem escalar, devido à simetria de reflexão, ausente nocaso do tensor simétrico e de traço nulo do cristal líquido nemático. Devido aotermo cúbico a energia livref apresenta uma asimetria respeito da origem, e umsegundo mínimo aparece a temperaturas altas, como mostra a figura 2.10.

O valor do mínimo correspondente ao estado de líquido isotrópico, ondeS =0, tem o valorf = 0 e não varia com a temperatura. O segundo mínimo, paraS > 0, aparece a uma temperaturaT ∗∗ com um valor def > 0, e por tanto aparececomo um estado metaestável. Diminuindo mais a temperatura,uma transição defase acontece emTc onde o valor def passa a ser negativo para a solução comS > 0. A condição que determina os valores na transição, no pontoT = Tc eS = Sc, é que a energia livre de Landau e a derivada sejam nulas:

f =(

1

2r − wS + uS2

)

S2 = 0 (2.107)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 84

Figura 2.10: A energia livre de Landau para um cristal líquido nemático.

∂f

∂S= (r − 3wS + 4uS2)S = 0. (2.108)

A solução simultânea das duas equações da:

Sc = w2u, rc = a(Tc − T ∗) = w2

2u(2.109)

Notar que o valor finito deSc aparece de repente, de forma discontinua, e indicaque a transição é de primeira ordem. Podemos calcular o calorlatente de transfor-mação associado a esta transição expandindo a energia livrena ordem mais baixaemr − rc, lembrando quef(rc) = 0:

f =1

2(r − rc)S

2c =

1

2(r − rc)(w/2u)

2. (2.110)

A densidade de entropia na fase nemática relativa à da fase isotrópica é:

∆s = − ∂f

∂T= −1

2aS2

c = −1

2a(w/2u)2. (2.111)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 85

O calor lantente de transformação da fase isotrópica para a nemática é então:

∆q = −Tc ∆s =1

2aTc (w/2u)2. (2.112)

É comum que um cristal líquido responda a um campo magnético aplicado.Isso acontece porque as moléculas em geral são diamagnéticas. A interação entreas moléculas e o campo externoH é da forma quadrupolar, porque elas não têmmomento dipolar importante:

Hext = −∫

ddxχijHiHj,

= −∫

ddxχaQijHiHj ,

= −3

2

ddxχaH2S, (2.113)

ondeχa é a diferença da suscpetibilidade de uma molécula para as direções para-lela e perpendicular ao eixo maior da mesma.~H é o campo magnético externo nadireção do diretor~n. Por tantoh = (3/2)χaH

2 é o campo conjugado do parâme-tro de ordemS. Podemos agora calcular a susceptibilidade a partir de equação deestado como nos modelos anteriores:

χ =∂S

∂h= (r − 6wS + 12uS2)−1. (2.114)

Como na fase isotrópicaS = 0, vemos que a susceptibilidade diverge paraT =T ∗. ComoTc > T ∗, a transição comparece antes a medida que se baixa a tempera-tura na fase isotrópica. EnquantoT < T ∗ a fase isotrópica é localmente estável eo sistema tem que sofrer uma flutuação importante para sofrera transição de fase.No entanto, ao arrivar aT ∗ a solução isotrópica se torna instável, a energia livrede Landau emS = 0 muda de curvatura e perde a convexidade. O significadofísico deT ∗ então é o de umlimite de metaestabilidade.

Quando o sistema é aquecido desde a fase nemática acontece umfenômenosemelhante: a solução nemática, comS 6= 0 permanece localmente estável atéuma temperaturaT ∗∗ > Tc. T ∗∗ representa um limite de metaestabilidade da fasenemática. A partir da solução nemática comS > 0 dada pela equação de estado2.108, podemos determinarT ∗∗ no ponto em queχ diverge. Obtemos:

r∗∗ = a(T ∗∗ − T ∗) =9w2

16u(2.115)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 86

O fato dos limites de estabilidade serem diferentes da temperatura de tran-sição indica que é necessária uma flutuação para que a transição de fase acon-teça, mesmo quando a energia livre tenha mudado de mínimo global. Por isto,nas transições de primeira ordem, a transição real ocorreráa uma temperaturaT ∗ < T < TC . A temperatura onde a transição ocorrerá no sistema real dependenestes casos de condições externas, como a velocidade de resfriamento do sistemaou a capacidade para evitar flutuações importantes. O tamanho das flutuações re-queridas para que aconteça a transição de fase, uma vez queT < TC , depende dovalor da temperatura, e será menor quanto mais próximo o sistema se encontar dolimite de metaestabilidade.

É importante lembrar que a expansão de Landau em potências doparâmetro deordem não é justificada em uma transição de primeira ordem, jáque o parâmetrode ordem não é arbitrariamente pequeno na sua vizinhança. Noentanto, as pre-dições qualitativas geralmente são aceitáveis. Para obterpredições quantitativasdevemos recorrer a técnicas mais refinadas.

2.8 Pontos Multicríticos

Quando o estado termodinâmico do sistema é determinado por mais de um parâ-metro externo, como temperatura, potencial químico, concentração, o conceito deponto crítico pode ser limitado e o comportamento crítico deve ser analizado emum espaço de parâmetros multidimensional. As vezes um sistema pode passar deuma fase a outra por diferentes caminhos no espaço de parâmetros. A análise detransições de fase em função de mais de um parâmetro dá lugar ao conceito depontos multicríticos.

2.8.1 Pontos tricríticos

Consideremos por exemplo a energia de Landau:

f =1

2rφ2 + u4 φ

4 + u6 φ6. (2.116)

O comportamento do hélio superfluido obedece muito bem esta forma funcio-nal, e um gráfico desta energia é mostrado na figura 2.11. Nestecaso, assumindocomo antes quer = a(T − T ∗), quandou4 é positivo o termo proporcional aφ6 éirrelevante, e o sistema se comporta como no caso da transição de Ising, apresentaum ponto crítico emT = T ∗. No entanto, quandou4 < 0 a expansão tem que

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 87

Figura 2.11: Energia de Landau para um potencialφ6.

ser continuada até a próxima ordem,φ6, para garantir a estabilidade do sistema.O termoφ6 é responsável pelo aparecimento de dois mínimos local simétricosrespeito doφ = 0. Quando as condiçõesf(rc, φ) = 0 e ∂f(rc, φ)/∂φ = 0 sãocumpridas, acontece uma transição de fase deprimeira ordem. Então, dependendodo sinal deu4, o valor crítico der é dado por:

rc = a(Tc − T ∗) =

0 seu4 > 012|u4|2/u6 seu4 < 0

(2.117)

O diagrama de fase no planou4, r é mostrado na figura 2.12.Na figura 2.13 é mostrado o diagrama de fases no planoT −∆−h do modelo

de Blume-Emery-Griffiths (BEG) que representa uma mistura deHe4 eHe3. OHe4 puro apresenta uma transição fluido normal-superfluido, representado conve-nientemente pelo funcional de Landau anterior. Ao adicionar He3, dependendoda concentração do mesmo, a transição superfluida é deprimida em temperaturae surgem regiões com separação e coexistência de fases deHe3 eHe4. O parâ-

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 88

Figura 2.12: Diagrama de fases na vizinhança de um ponto tricrítico.

metro∆ é uma constante de interação efetiva do modelo BEG eh é um campoexterno conjugado do parâmetro de ordem da transição superfluida, não realizávelexperimentalmente. O diagrama de fases no espaço tridimensional mostra a con-vergência de três linhas de transições de segunda ordem no ponto tricrítico TP, euma linha de transições de primeira ordem que termina no mesmo ponto tricrítico.

2.8.2 Pontos bicríticos e tetracríticos

Uma causa comum para o aparecimento de pontos multicríticosé a presença deanisotropias que favorecem alinhamento do parâmetro de ordem em algumas di-reções preferenciais. Anisotropias são comuns em sistemasmagnéticos, e elasgeralmente quebram a simetria rotacional do parâmetro de ordem em modelos dotipoO(n). Consideremos o seguinte funcional de Landau:

f =1

2r(φ2

1 + φ22) −

1

2g(φ2

1 − φ22) + u1 φ

41 + u2 φ

42 + 2u12 φ

21φ

22. (2.118)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 89

Figura 2.13: Diagrama de fases do modelo de Blume-Emery-Griffiths mostrandoo ponto tricrítico TP.

Este modelo apresenta dois parâmetros de ordem simultaneamente. Eles podemaparecer, por exemplo, em antiferromagnetos com campos externos aplicados, nosquais podem coexistir fases com magnetizção de sub-rede e magnetização globaldiferentes de zero simultaneamente.

O funcional anterior no casog = 0 eu1 = u2 = u12 se reduz ao modeloO(2)isotrópico, ou modeloXY , com um parâmetro de ordem com duas componentesφ = (φ1, φ2). No entanto, seg 6= 0, esse termo introduz uma assimetria entreos parâmetrosφ1 e φ2, e dependendo do sinal deg um dos dois irá se ordenarantes do outro. O diagrama de fases depende dos valores relativos dos parâmetrosdos termos de quarta ordem. Quandou1u2 < u2

12, aparece uma linha de primeiraordem ao longo deg = 0, r < 0, que separa uma fase comφ1 6= 0, φ2 = 0 deoutra comφ1 = 0 eφ2 6= 0, como mostrado na figura 2.14a.

No pontor = 0, g = 0 convergem duas linhas de transições de segunda ordem.Este é umponto bicrítico.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 90

Figura 2.14: Diagramas de fases mostrando pontos bicríticos e tetracríticos.

Quandou1u2 > u212 existe uma fase intermediária, com ambosφ1 6= 0 e

φ2 6= 0, separada por linhas de segunda ordem das fases comφ1 6= 0, φ2 = 0 ecomφ1 = 0 eφ2 6= 0, como mostrado na figura 2.14b. Como neste caso se juntamquatro linhas de segunda ordem no pontor = 0, g = 0, o ponto de interseção sechamaponto tetracrítico.

Diagramas de fase experimentais mostrando pontos bicríticos e tetracríticossão mostrados na figura 2.15. São exemplos de sistemas antiferromagnéticos nosquais os parâmetros de ordemφ1 e φ2 correspondem a magnetização de subrede(staggered),ms, e magnetização globalm, em presença de um campo magné-tico externo. Na figura 2.15a vemos que para um valor do campo externoH, amangentização de subredems passa de apontar no plano (fase antiferromagné-tica) para fora do plano (fase spin-flop). A linha de transição que separa as fasesantiferromagnética-spin flop é de primeira ordem. As duas linhas que separam asfases antiferro e spin-flop da paramagnética são de segunda ordem, e as três seencontram num ponto bicrítico(HB, TB).

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 91

Figura 2.15: Diagramas de fases em dois antiferromagnetos mostrando pontosbicríticos e tetracríticos.

2.8.3 Pontos de Lifshitz

Até agora o comportamento do diagrama de fases na teoria de Landau foi gover-nado pela dependência com a temperatura (ou outros parâmetros) dos termos daexpansão da energia livre em potências do parâmetro de ordemperto da transição.Ainda outra possibilidade é considerar os efeitos que podemprovocar variaçõesnas constantes que aparecem nos termos das derivadas dos campos. No caso maissimples vimos que um termo proporcional ac (~∇φ)2 controla as flutuações espa-ciais do parâmetro de ordemφ. Para isso a constantec é considerada positiva.No entanto, existem sistemas nos quais anisotropias podem dar lugar a mais de

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 92

um termo desse tipo, e alguns desses termos podem apresentaruma região com acorrespondente constantec < 0.

Consideremos a seguinte energia livre de Landau:

F =1

2

ddx

[

rφ2 + c‖(∇‖φ)2 + c⊥(∇⊥φ)2 +d

2(∇2φ)2

]

+1

4u∫

ddxφ4.

(2.119)As coordenadas~x = (~x‖, ~x⊥) são divididas em dois subespaços, que normal-

mente refletem anisotropias nas constantes de interação.m direções são conside-radas “perpendiculares” e(d − m) são consideradas “paralelas”. Quando tantoc‖ quantoc⊥ são positivas, o termo proporcional ao Laplaciano quadradoé irre-levante para o comportamento crítico. É o caso mais simples já analizado. Noentanto, quandoc⊥, que pode depender da temperatura e outros parâmetros ter-modinâmicos, passa a ser negativa, é necessário o termo nas derivadas segundas,com constanted positiva, para garantir estabilidade no comportamento deφ contravariações muito rápidas nas direções perpendiculares. O quadrado no Laplacianogarante a invariância rotacional e de reflexões emφ da energia livre.

O diagrama de fases deste sistema, nos casos de parâmetro de ordem escalar evetorial, é mostrado na figura 2.16.

Consideremos o caso de parâmetro de ordemφ escalar. Na regiãoc⊥ > 0 osistema apresenta uma linha de transições para-ferromagnética de segunda ordemquandor = 0, como normalmente. A partir doponto de Lifshitz (r = 0, c⊥ = 0)(LP), c⊥ < 0 e o sistema apresenta uma transição entre a fase paramagnética eumafase modulada, na qual o parâmetro de ordem varia espacialmente de formasinusoidal. Este tipo de fase anisotrópica aparece muitas vezes como consequên-cia de competição entre interações conflitantes, como ferromangéticas e antifer-romagnéticas, ou interações atrativas e repulsivas no casode fluidos. Para valoresder < 0 aparece ainda uma transição de fase entre a fase homogênea (F), e a fasemodulada (M). No caso de parâmetro de ordem escalar, esta transição é de pri-meira ordem, como mostrado na figura 2.16a. Para parâmetro deordem vetoriala transição é de segunda ordem (figura 2.16b). O ponto de Lifshitz é umpontotriplo , onde três fases se encontram.

Exemplos de sistemas que apresentam pontos de Lifshitz são sistemas magné-ticos anisotrópicos, como o modelo ANNNI, e modelos de microemulsões.

Para obter o diagrama de fases e propriedades da nova fase modulada, vamosconsiderar um modelo com(d,m) = (3, 1), ou seja um sistema em três dimensõesespaciais com uma dimensão na qual as constantes de interação são anisotrópicas.Neste caso podemos simplificar a energia livre e considerar apenas a dimensão

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 93

Figura 2.16: Diagramas de fases da energia de Landau com pontos de Lifshiz.

perpendicular que irá apresentar uma modulação unidimensional do parâmetro deordem:

F =1

2

ddx[

1

2rφ2 +

1

4u φ4 +

1

2c (∇φ)2 +

1

4d(∇2φ)2

]

, (2.120)

onde agorac = c⊥ e∇ = ∇⊥ = ∇z, onde escolhemos a direçãoz como sendoa direção de anisotropia. Por causa dos termos nas derivadasé útil analizar estaenergia no espaço de Fourier, onde

φ(~q) =∫

d3x φ(~x) e−i~q·~x (2.121)

e

φ(~x) =∫

d3q

(2π)3φ(~q) ei~q·~x (2.122)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 94

são repectivamente a transformada e a transformada inversade Fourier do campoφ no limite continuo. Transformando termo a termo na energia livre obtemos:

F =1

2

d3q

(2π)3A(q) |φ(q)|2+u

4

d3q1(2π)3

d3q2(2π)3

d3q3(2π)3

φ(q1)φ(q2)φ(q3)φ(−q1−q2−q3),(2.123)

onde

A(q) = r + c q2 +d

2q4. (2.124)

EnquantoA(q) > 0 a energia livre apresenta um único mínimo, correspondenteà fase paramagnética. Uma transição de segunda ordem acontece quando o mí-nimoA0 ≡ minqA(q) muda de sinal ao variarT . A linha de transição é entãodefinida por

A0(T ) = 0 (2.125)

Na região ondec > 0 o mínimo deA(q) corresponde aq0 = 0 e valeA(q0) =r = 0. Por tanto, a linha de transição no plano(r, d) corresponde a usual linhapara-ferromangeto. No entanto, quandoc < 0, existem dois mínimos simétricoscorrespondentes a

q0 = ±(

− cd

)1/2

, (2.126)

e a linha de transição é definida por

A(q0) = r − c2

2d= 0. (2.127)

Notar que sobre esta linhar > 0, consistente com o gráfico da figura 2.16. Épossível mostrar que, no ponto de Lifshitz, ambas linhas de transição têm umatangente comum.

Vamos analizar as fases ordenadas. A magnetização de equilíbrio,φeq corres-ponde ao mínimo deF [φ]. Na região ondec > 0, φeq é constante e uniforme emtodo o sistema, já que estamos no caso usual da energia de Landau:

φeq = φ0 =(

− ru

)1/2

≈ (a/u)1/2 (T ∗ − T )1/2, (2.128)

que corresponde à fase ferromagnética.No caso dec < 0 a minimização da energia livre de Landau (2.123) é mais

complicada porque o mínimo emA(q) não está emq = 0. Neste caso, a condição

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 95

de extremo no funcional de LandauδF/δφ = 0 leva à seguinte equação diferencialparaφ:

d

2

∂4φ

∂z4− c

∂2φ

∂z2+ r φ+ u φ3 = 0, (2.129)

que deve ser resolvida e a solução que minimiza a energia livre selecionada. Estaequação não pode ser resolvida analíticamente de forma fechada. No entanto, sepode obter a forma aproximada da magnetização na região próxima da linha detransição (2.127). Lembrando que na transiçãoA(q0) = 0, é lógico que próximoda transição apenas modos com vetores de onda próximos deq0, |q− q0| < ǫ comǫ ≪ q0, contribuam no perfil doφeq. Então podemos propor uma expansão deFourier paraφeq na forma:

φκ(z) =∫

−κ<q<κ

d3q

(2π)3φ(q0 + q) ei(q0+q)z + c.c., (2.130)

comκ≪ q0. Esta expressão é equivalente a:

φκ(z) = µκ(z) eiq0z + µ∗

κ(z) e−iq0z, (2.131)

onde

µκ(z) =∫

−κ<q<κ

d3q

(2π)3φ(q0 + q) eiqz. (2.132)

Então reescrevendo

1

2

∫ d3q

(2π)3A(q) |φ(q)|2 ≈

−κ<q<κ

d3q

(2π)3A(q0 + q) |φ(q0 + q)|2

≈ A(q0)∫

−κ<q<κ

d3q

(2π)3|φ(q0 + q)|2 +

1

2

(

∂2A(q)

∂q2

)

q=q0

×∫

−κ<q<κ

d3q

(2π)3q2 |φ(q0 + q)|2

=∫

d3x

A(q0)|µκ(z)|2 + 2|c|∣

∂µκ

∂z

2

, (2.133)

e

u

4

∫ d3q1(2π)3

d3q2(2π)3

d3q3(2π)3

φ(q1)φ(q2)φ(q3)φ(−q1 − q2 − q3) =

3

2u∫

−κ≤q1,q2,q3≤κ

d3q1(2π)3

d3q2(2π)3

d3q3(2π)3

φ(q0 + q1)φ(q0 + q2)φ(−q0 + q3)φ(−q0 − q1 − q2 − q3) =

3

2u∫

d3x |µκ(z)|4 ,

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 96

o funcional de Landau (2.123) fica na forma:

F [φ] =∫

d3x

A(q0)|µκ(z)|2 +3

2u |µκ(z)|4 + 2|c|

∂µκ

∂z

2

. (2.134)

Esta expressão para a energia livre tem a mesma forma do modelo de Ising ferro-magnético. O mínimo corresponde à solução homogênea, independente dez:

|µκ| =

(

−A(q0)

3u

)1/2

. (2.135)

Notar que o resultado não depende deκ, como devia ser já que o seu valor eraarbitrário. Substituindo em (2.131) obtemos finalmente a forma da solução deequilíbrio:

φeq = 2φ(q0) cos (q0z + ψ), (2.136)

ondeψ é uma fase arbitrária eφ(q0) =(

−A(q0)3u

)1/2.

Resumindo, vimos que o parâmetro de ordem termodinâmico muda de estru-tura na vizinhança de um ponto de Lifshitz:

φeq =

(

− ru

)1/2sec > 0

2(

−A(q0)3u

)1/2cos (q0z + ψ) sec < 0

(2.137)

É importante notar que a solução modulada puramente sinusoidal, ou de modoúnico, é apenas uma aproximação da solução completa dada pela equação (2.129),válida na vizinhanza da linha de transição. A medida que nos afastamos da linhade transição outros harmônicos começam gradativamente a contribuir na solução.Harmônicos superiores podem ser incluídos na solução de forma sistemática.

Um cálculo dos limites de estabilidade das duas soluções anteriores permitedeterminar a natureza da transição de fase entre as fases ferromagnética (F) e mo-dulada (M). No caso analizado acima, de parâmetro de ordem escalar, a transição éde primeira ordem, enquanto que se o parâmetro de ordem for vetorial, a transiçãoé de segunda ordem.

2.9 Teoria de campo médio variacional

Além das limitações próprias do fato de desprezar flutuações, as formas da teoriade campo médio que vimos até agora, a aproximação de Bragg-Williams e a teo-ria de Landau, apresentam outras limitações. A aproximaçãode Bragg-Williams

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 97

é difícil de ser extendida a sistemas com simetria diferenteda Ising, devido a queé necessário calcular o número de estados. A teoria de Landaué essencialmentefenomenológica, com coeficientes cuja conexão com parâmetros físicos reais dosistema em questão são de difícil determinação, e ainda ela não é uma boa apro-ximação longe do ponto crítico.

Existe uma forma de campo médio, conhecida comoteoria de campo médiovariacional, que é de aplicação mais geral do que as aproximações anteriores.Pode ser aplicada, em princípio, a sistemas com grupo de simetria arbitrário e aconexão com o Hamiltoniano microscópico do sistema é transparente.

O método variacional consiste essencialmente em propor umadensidade deprobabilidade com forma arbitrária a priori, e cujos parâmetros são ajustados va-riacionalmente de forma a minimizar a energia livre real do sistema.

O ponto de partida é a desigualdade:

〈e−λφ〉 ≥ e−λ〈φ〉 (2.138)

válida para qualquer distribuição de probabilidade. Na desigualdade anteriorφ éuma variável aleatória, discreta ou continua, eP (φ) é sua distribuição de proba-bilidade. Para demonstrar a desigualdade partimos da relação:

eφ ≥ 1 + φ, (2.139)

válida para qualquer número realφ. Logo,

e−λφ = e−λ〈φ〉e−λ(φ−〈φ〉) ≥ e−λ〈φ〉 [1 − λ(φ− 〈φ〉)] . (2.140)

Tomando o valor médio da expressão anterior respeito aP (φ) obtemos:

〈e−λφ〉 ≥ 〈[1 − λ(φ− 〈φ〉)]〉e−λ〈φ〉 = e−λ〈φ〉, (2.141)

Q.E.D.No caso de um sistema quântico temos que usar uma desigualdade equivalente.

Dado um operadorA e um estado normalizado|n〉 do espaço de Hilbert ondeoperaA, vale a seguinte desigualdade:

〈n|e−λA|n〉 ≥ e−λ〈n|A|n〉. (2.142)

Exercício: Demonstrar a desigualdade anterior.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 98

Consideremos agora um sistema clássico com HamiltonianoH, função de umcampo clássicoφ, e sejaρ(φ) uma distribuição de probabilidades normalizada, talqueTr ρ = 1 eρ(φ) ≥ 0. Tr quer dizer soma a todas as configurações do campoφ. A função de partição canônica pode ser escrita como:

Z = Tr e−βH[φ] ≡ Tr ρ e−βH−ln ρ

= 〈e−βH−lnρ〉ρ = e−βF , (2.143)

onde〈. . .〉ρ quer dizer média respeito da distribuição de probabilidades ρ, eF éa energia livre. Usando a identidade anterior e a desigualdade (2.139), podemosescrever:

e−βF ≥ e−β〈H〉ρ−〈ln ρ〉ρ (2.144)

ou

F ≤ Fρ = 〈H〉ρ + T 〈ln ρ〉ρ= Tr ρH + T Tr ρ ln ρ, (2.145)

ondeFρ é uma energia livre aproximada, associada à distribuição deprobabilida-des ou matriz densidadeρ. A desigualdade anterior é válida para qualquer matrizdensidade.Fρ é mínima respeito a variações emρ (sujeitas ao vínculoTr ρ = 1)quandoρ é a matriz densidade de equilíbrio termodinâmico:

ρ =e−βH

Z. (2.146)

Isto se pode mostrar introduzindo um multiplicador de Lagrangeζ na formaFρ −ζ(Tr ρ− 1), minimizando esta função respeito deρ, e ajustandoζ para satisfazero vínculo:

δFρ

δρ= ζ (2.147)

Exercício: Mostrar que a distribuição de probabilidades normalizada que mi-nimizaFρ é a distribuição de Boltzmann.

No caso quântico se pode mostrar que uma expressão idêntica à(2.144) éválida.

A relação (2.145) é útil como ponto de partida para obter aproximações varia-cionais para a energia livreF .

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 99

2.9.1 A aproximação de campo médio

O cálculo variacional é implementado propondo uma forma de prova para a matrizdensidadeρ, em função de uma série de parâmetros livres a determinar. A matrizde prova com uma dada forma funcional que melhor aproxima a verdadeira matrizdensidade se obtém minimizando a energia livreFρ respeito dos parâmetros livresna forma proposta paraρ.

A aproximação de campo médio corresponde a considerar uma matriz densi-dade de prova que é o produto de matrizes densidade de partícula única:

ρ = Παρα. (2.148)

Neste caso a energia livre variacional toma a forma:

Fρ = 〈H〉ρ + T∑

α

Tr ρα ln ρα. (2.149)

Agora existem basicamente dois caminhos para determinar o mínimo variacionalda energia libre:

1. Parametrizar a matriz de provaρα em termos do parâmetro de ordem a es-tudar〈φα〉, sujeita aos vínculosTr ρα = 1 eTr ραφα = 〈φα〉. Neste caso,o parâmetro variacional é diretamente o parâmetro de ordem〈φα〉, respeitodo qual será obtida a energia livre de equilíbrioF (〈φα〉).

2. Considerar a matriz densidade de provaρα como o parâmetro variacionaldiretamente, e minimizarFρ respeito deρα. Esta forma é mais geral que aanterior mas a conexão entreFρ eF (〈φα〉) não é tão imediata.

2.9.2 O modelo de Potts

Vamos aplicar o primeiro procedimento ao modelo de Potts deq estados. O mo-delo de Potts é uma generalização do modelo de Ising, onde definimos em cadasítio de uma rede uma variávelσl, que pode tomar os valores1, . . . , q. A energiado modelo de Potts se escreve na forma:

H = −1

2

〈ij〉

Jij(qδσi,σj− 1) −

i

hi(qδσi,1 − 1), (2.150)

onde acrescentamos um campo externo que favorece a ocupaçãodo estado1, eJij = J sei, j são vizinhos próximos, e zero caso contrário.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 100

Para identificar um parâmetro de ordem, notamos que a temperaturas altas,quando o sistema está desordenado, os q estados são ocupadoscom a mesmaprobabilidade, de forma que〈δσi,σ〉 = 1/q para qualquer valor deσ = 1, . . . , q. Abaixas temperaturas a energia é minimizada se todos os sítios estiverem no mesmoestado. Como existemq estados fundamentais equivalentes, podemos escolher:

φσi =

1

q − 1(qδσi,σ − 1) (2.151)

como o parâmetro de ordem. A temperaturas altas〈φσi 〉 = 0, e a temperatura zero

〈φσi 〉 = 1 no estadoσi = σ.Como o estado fundamental éq vezes degenerado, podemos escolher qualquer

estado como parâmetro de ordem. Sem perda de generalidade escolhemos entãomi = 〈φ1

i 〉 como o parâmetro de ordem, caracterizando a condensação no estadoq = 1. A densidadeρi é função deσi e deve satisfazer:

Trρi = 1 (2.152)

Trρiφ1i = mi. (2.153)

Como tem dois vínculos e a variável é discreta, a densidade deve ser da formaρi = a + bδσi,1. É fácil mostrar que:

ρi =1

q[1 +mi(qδσi,1 − 1)] . (2.154)

Esta densidade de probabilidade pode ser usada agora para calcular a energia livrevariacionalFρ a partir de (2.149), dando como resultado:

q − 1= −1

2

i,j

Jijmimj −∑

i

himi −NT

q − 1ln q

+T

q

i

1

q − 1[1 + (q − 1)mi] ln [1 + (q − 1)mi]

+(1 −mi) ln (1 −mi) . (2.155)

Esta energia livre de campo médio se reduz a energia libre de Bragg-Williams parao modelo de Ising quandoq = 2. Se o campo externo for uniforme, o parâmetrode ordem émi = m independente dei, e satisfaz a equação de estado:

1

N

∂m

q − 1= −zJm +

T

qln

[

1 + (q − 1)m

1 −m

]

− h = 0. (2.156)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 101

Então,

m =eqhe − 1

eqhe + (q − 1)(2.157)

ondehe = zJm+ h (2.158)

é o campo efetivo. Esta equação se reduz à equação para a magnetização domodelo de Ising quandoq = 2. A novidade é que seq > 2 estes resultadospredizem uma transição de primeira ordem. Expandindo a energia livre param≪1 e campo nulo obtemos, paraq 6= 2:

F

N(q − 1)=

1

2(T − Tc)m

2 − T

6(q− 2)m3 +

T

12(q2 − 3q+ 3)m4 + . . . , (2.159)

onde notamos que a energia livre possui um termo cúbico emm somente quandoq 6= 2.

A predição de campo médio de transições de primeira ordem para o modelode Potts para qualquerq 6= 2 está errada de forma geral. Por exemplo, em duasdimensões, resultados de aproximações melhores e do Grupo de Renormalizaçãopredizem uma transição contínua paraq = 2, 3, 4. A transição se torna de primeiraordem apenas paraq ≥ 5. O casoq = 1 representa um modelo de percolação.Neste caso a transição é contínua embora exista um termo cúbico na energia livre.

Exercício: Demonstrar os resultados (2.154), (2.155), (2.157) e (2.159).

2.9.3 O modelo de Heisenberg clássico

No caso anterior do modelo de Potts a matriz densidade foi parametrizada peloparâmetro de ordem. Vamos ver agora, para o exemplo do modelode Heisenbergclássico, que determinando a matriz densidade de uma forma puramente variaci-onal se obtém uma descrição mais geral e satisfatória do sistema.

O modelo de Heisenberg consiste em um conjunto de spinsSi de módulo uni-tário. Por tanto vamos aqui parametrizá-los através de duascoordenadas angularesna esfera unitária, de forma que~Si ≡ ~S(Ωi), comΩ = (θ, φ) edΩ = sin θdθdφ.

O Hamiltoniano do modelo de Heisenberg em um campo magnéticoexternoé:

H = −1

2

N∑

〈i,j〉

Jij~Si · ~Sj −

i

~hi · ~Si (2.160)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 102

onde〈i, j〉 significa soma a todos os pares de vizinhos próximos. A energia livrevariacional na aproximação de campo médio e dada por (2.149):

Fρ = 〈H〉ρ + T∑

i

Tr ρi ln ρi. (2.161)

Calculando as médias para o modelo:

〈H〉ρ = Tr ρH= Tr (Παρα)H

= −1

2

N∑

〈i,j〉

Jij Tr(

ρi~Si

)

·(

ρj~Sj

)

= −1

2

N∑

〈i,j〉

Jij 〈~Si〉 · 〈~Sj〉, (2.162)

onde〈~Si〉 = Tr

(

ρi~Si

)

=∫

dΩi~S(Ωi)ρi(Ωi). (2.163)

Então,

Fρ = −1

2

N∑

〈i,j〉

Jij Tr(

ρj~Sj

)

·(

ρi~Si

)

−∑

i

~hi · Tr(

ρi~Si

)

+T∑

i

Tr (ρi ln ρi) +∑

i

ζi (Tr ρi − 1) , (2.164)

onde introduzimos um multiplicador de Lagrangeζi para impor o vínculo:

Tr ρi(Ωi) =∫

dΩi ρi(Ωi) = 1. (2.165)

MinimizandoFρ respeito deρi(Ωi) obtemos:

δFρ

δρi

= −~hei · ~Si + T [ln ρi(Ωi) + 1] + ζi = 0 (2.166)

onde~he

i =∑

i

Jij 〈~Sj〉 + ~hi (2.167)

é o campo efetivo no sítioi. A solução da equação variacional com o multiplicadorde Lagrange que satisfaz o vínculo é:

ρi(Ωi) =1

Ziexp (β~he

i · ~Si) (2.168)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 103

ondeZi =

dΩi eβ~he

i ·~Si. (2.169)

Como o campo efetivo no sítioi depende da média dos spins nos sítiosj vizinhos,o valor médio de~Si deve ser determinado de forma autoconsistente, dado pelosistema de equações acopladas:

〈~Si〉 =1

Zi

dΩi~Si e

β~hei ·

~Si (2.170)

Se o campo externo~hi = h~ez é homogêneo, independente dei, então〈~Si〉 =〈Sz〉~ez também será independente dei. FazendoSz = cos θ, a magnetização〈Sz〉será dada por:

〈Sz〉 =

dΩ cos θ eβhe cos θ

dΩ eβhe cos θ

= coth βhe − 1

βhe(2.171)

ondehe = ~he · ~ez. Expandindo o lado direito paraβhe ≪ 1 com h = 0 sepode mostrar que aparece uma transição de segunda ordem na temperatura críticaTc = zJcos2 θ = (4π/3)zJ , onde a barra indica uma média na esfera unitária.

Esta forma de obter a aproximação de campo médio, permitindoa determi-nação da distribuição de probabilidade de forma variacional diretamente, semparametrizá-la previamente, é muito satisfatória pois é uma forma muito geralde obter a solução. A solução obtida, eq. (2.171), é equivalente ao resultado daaproximação de Bragg-Williams que já vimos para os modelos de Ising e Potts.Permite obter uma descrição qualitativa do comportamento do sistema tanto nastemperaturas próximas da transição, quanto a temperaturasbaixas.

Capítulo 3

Além da aproximação de campomédio

3.1 O critério de Ginzburg

Como vimos, a aproximação de campo médio é boa sempre que as flutuações doparâmetro de ordem respeito do seu valor médio sejam pequenas. Uma medidada importância das flutuações do parâmetro de ordem pode ser obtida calculandoa média deδφ(~x) = φ(~x) − 〈φ(~x)〉 em um volume da ordemVζ ≈ ζd (V. L.Ginzburg, 1960), ondeζ é um “comprimento de coerência”.

O desvio do parâmetro de ordem respeito do seu valor médio no volumeVζ édado por:

δφcoh ≡ V −1ζ

ddx δφ(~x). (3.1)

As flutuações serão desprezíveis se〈(δφcoh)2〉 for muito menor que〈φ〉2 na fase

ordenada, ou seja, se

V −2ζ

ddx ddx′ 〈δφ(~x)δφ(~x′)〉 = V −1ζ

ddxG(~x, 0) < 〈φ〉2, (3.2)

ondeG(~x, 0) é a função de correlação (conectada) do parâmetro de ordem. Comoa aproximação de campo médio fornece uma predição para a função de correlaçãoe para o parâmetro de ordem, a própria aproximação possui um teste de cosistênciainterna.

Vamos analizar o critério de Ginzburg para uma teoriaφ4, usando os resultados

104

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 105

conhecidos para〈φ〉 e paraG(~x, ~x′) = Tχ(~x, ~x′). Obtemos:

〈(δφcoh)2〉 = TV −1

ζ c−1∫

ddx |~x|−(d−2)Y (|~x|/ζ)

= TV −1ζ c−1

dΩd

∫ ζ

0(dr rd−1) r−(d−2)Y (r/ζ)

= TV −1ζ c−1ζ2

dΩd

∫ 1

0dz z Y (z)

=AdTζ

−(d−2)

c< 〈φ〉2 =

|r|4u, (3.3)

ondeζ = (c/|r|)1/2 é o comprimento de correlação eAd é uma constante quedepende da dimensãod. Usando a definição do comprimento de correlação mi-croscópicoζ0 = (c/aTc)

1/2 e o valor do salto no calor específico na transição∆cV = Tca

2/8u, podemos reescrever o resultado anterior de forma adimensional:(

ζ

ζ0

)d−4

=(

T − Tc

Tc

)(4−d)/2

>Ad

2∆cV ζd0

. (3.4)

A relação anterior nos diz que parad > 4, comoζd−4 → ∞ quandoT → Tc,a desigualdade anterior sempre é satisfeita próximo da transição. No entanto,parad < 4, comoζd−4 → 0 quandoT → Tc, a desigualdade nunca é satisfeitaperto deTc. Então podemos concluir que a aproximação de campo médio serásatisfatória para dimensãod > 4, mas não será consistente parad < 4, em teoriasφ4. A dimensãodu = 4 que representa um limite para a validade da aproximaçãode campo médio, se conhece comodimensão crítica superior. Dependendo dosistema o valor dedu pode ser diferente.

Para um sistema qualquer, com expoentes críticos de campo médio β, γ, ν,devemos levar em conta queTχ ∼ |T − Tc|−γ e 〈φ〉 ∼ |T − Tc|β. Então, des-considerando fatores constantes de ordem um, o critério de Ginzburg é satisfeitose:

t−γ ≪ t2β−νd, (3.5)

ondet = |T − Tc|/Tc é a temperatura reduzida. Então, para um sistema geral, adimensão crítica superior é determinada pela condição:

d >2β + γ

ν≡ du. (3.6)

Ainda, para dimensõesd < du, a aproximação de campo médio poderá serválida para temperaturas suficientemente longe deTc, sempre que a desigualdade

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 106

(3.4), ou em geral (3.6), seja satisfeita. A medida queT se aproxima deTc as fluta-ções se tornam cada vez mais importantes. A temperatura que define a identidadena (3.4) se chamatemperatura de Ginzburg:

tG =|TG − Tc|

Tc=

(

Ad

2∆cV ζd0

)2/(4−d)

. (3.7)

De forma equivalente, é possível definir ocomprimento de Ginzburg, ζG, naforma:

ζ4−dG ∼ ∆cV ζ

40 = c2/(8uTc), (3.8)

ouζG ∼ ζ0(∆cV ζ

d0 )1/(4−d). (3.9)

A teoria de campo médio é válida quandot > tG ou ζ < ζG.Notar que|TG − Tc| → 0 se ζ0 → ∞ parad < 4. Isto quer dizer que o

campo médio será válido até temperaturas muito próximas deTc se o comprimentode coerência microscópico for grande, mesmo parad < du. Este é o caso emsistemas com interações de longo alcance, ou em supercondutores. Quandoζ0, ou|TG − Tc| não é pequena, deve acontecer um “crossover” de um comportamentode campo médio para um comportamento crítico quando a temperatura reduzidat = (T − Tc)/Tc for da ordem da temperatura reduzida de GinzburgtG. A figura(3.1) mostra de forma esquemática o crossover no comportamento da inversa dasusceptibilidade.

O critério de Ginzburg permite entender por qué em alguns sistemas a aproxi-mação de campo médio pode ser muito boa e em outro não. Consideremos o casoda transição de fase esmética A-esmética C em cristais líquidos. Nesta transição,o parâmetro de ordem corresponde ao ângulo de inclinação do diretor em relaçãoà normal aos planos esméticos. A figura (3.2) mostra medidas do parâmetro de or-dem, do calor específico e da inversa da susceptibilidade, junto com as prediçõesdo campo médio.

A inversa da susceptibilidade do parâmetro de ordem va a zerolinearmentena fase desordenada ao aproximarse deTc, de acordo com a predição de campomédio, ou seja comγ = 1. A intensidade de espalhamento segue a predição deOrnstein-Zernicke. O parâmetro de ordem e o calor específicoseguem uma formageneralizada da teoria de Landau, com um termoφ6 na expansão da energia livre,na forma:

f =1

2r〈φ〉2 + u4〈φ〉4 + u6〈φ〉6. (3.10)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 107

Figura 3.1: Representação esquemática do crossover de campo médio para com-portamento crítico na inversa da susceptibilidade .

O parâmetro de ordem, obtido minimizandof respeito de〈φ〉, é dado por:

〈φ〉 =(

u4

3u6

)1/2[

(

1 − 3r

r0

)1/2

− 1

]1/2

, (3.11)

e o calor específico:

cv =

0 seT > Tc

(Ta2/8u4)(1 − 3r/r0)−1/2 seT < Tc,

(3.12)

onder0 = 2u24/u6. A linas sólidas na figura seguem estes resultados.

Analizando quantitativamente estes resultados é possívelobservar que o saltono calor específico é da ordem de106 erg cm−3K−1, e o comprimento de cohe-rência microscópicoζ0 é da ordem de20 Å. Usando uma expressão completa para

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 108

Figura 3.2: O parâmetro de ordem, inversa dasusceptibilidade, calor específico e inversa daintensidade de espalhamento em um cristal líquidopróximo da transição esmética A- esmética C. As linhascheias correspondem a aproximação de campo médio dadapelas equações (3.11) e (3.12).

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 109

a temperatura reduzida de Ginzburg para um sistema emd = 3:

tG =k2

B

32π2(∆cV )2ζ60

, (3.13)

obtemos, neste caso,tG ≈ 10−5. A temperatura da transição é da ordem de300K,e por tanto,TG − Tc ≈ 3 × 10−3K. Como os experimentos da figura (3.2) nãosão capazes de resolver temperaturas reduzidas da ordem de10−5K, as prediçõesde campo médio são boas neste caso.

Outra transição que é descrita de forma satisfatória pela teoria de campo médioé a transição metal normal-supercondutor. Na figura (3.3) vemos medidas do pa-râmetro de ordem e de calores específicos para esta transição, junto com prediçõesda teoria BCS.

Figura 3.3: O parâmetro de ordem e calores específicos na transição metal normal-supercondutor, para diversos materiais, junto com predições de campo médio.

O calor específico apresenta uma discontinuidade finita emTc, de acordo coma predição de campo médio. A temperaturas baixas,cs vá a zero exponencial-

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 110

mente, fato este de natureza quântica e não explicado pelo campo médio con-siderado. O parâmetro de ordem va a zero como(T − Tc)

1/2, em completoacordo com campo médio, e satura para temperaturas baixas. Osalto no calorespecífico em alumínio é da ordem de2 × 104 erg mole−1K. O parâmetro derede emAl é 4Å, e o comprimento de coherência éζ0 ≈ 1.6 × 104Å. Então,∆cV ≈ 2 × 105/42 erg cm−3K−1, e tG ≈ 10−16 ! A temperatura crítica em Al é1.19K e por tanto é praticamente impossível aceder à região crítica. Neste caso,o motivo para umaTG tão pequena é o enorme valor do comprimento de coherên-cia em relação à constante da rede. Este comportamento é observado na maioriados supercondutores, exceto em aqueles de alta temperaturacrítica, como os cu-pratos. Nos supercondutores normais a teoria de campo médioda uma descriçãoexcelente do comportamento dos mesmos.

3.2 O modelo Gaussiano

Reescrevamos a função de partição do sistema como uma integral funcional noscamposφ, na forma:

Z = Z[T, h(~x)] =∫

Dφ e−β(H[φ]−∫

dd~x h(~x)φ(~x)), (3.14)

onde a função de partição,Z[T, h(~x)], é um funcional do campo externoh(~x). Va-mos assumir que o sistema está confinado em um volume finitoV = Ld. A partirda função de partição, o potencialA[T, h(~x)] pode ser calculado pela identidadeZ = exp (−βA).

Todas as configurações dos camposφ(~x) contribuem para a função de partição,mas algumas configurações contribuem mais que outras nos pesos exponenciais.Em particular, como a energia de granulado grosso que aparece no exponencialé extensiva, no limite termodinâmico a configuração que irá contribuir mais àfunção de partição é aquela que minimzeH [φ]− ∫ dd~x h(~x)φ(~x). Assim, a confi-guração de maior peso na integral funcional é a correspondente ao ponto de sela,definida por:

δH

δφ(~x)

φsela

= h(~x). (3.15)

A aproximação de campo médio consiste em aproximarZ pelo valor correspon-dente apenas à contribuição do ponto de sela. Assim:

ZCM = exp −β(H [φsela] −∫

dd~x h(~x)φsela(~x))

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 111

= exp −βFCM [〈φ(~x)〉] −∫

ddx h(~x)〈φ(~x)〉, (3.16)

ondeFCM é a energia livre de campo médio. Das relações anteriores se concluiqueFCM = H [φsela(~x)]. Correções ao campo médio podem ser consideradasexpandindo o Hamiltoniano efetivo em potências deδφ(~x) = φ(~x) − 〈φ(~x)〉. Pordefinição〈δφ(~x)〉 = 0, e 〈φ(~x)〉 = φsela(~x) em campo médio. A presença deflutuações irá fazer com que, em geral,〈φ(~x)〉 seja diferente do valorφsela(~x) nasfases ordenadas ou na presença de campos externos.

O primeiro termo de correção à aproximação de campo médio, devido a flu-tuações, consiste em incluir flutuações Gaussianas. Expandindo o Hamiltonianoefetivo até segunda ordem emδφ(~x) obtemos:

H [φ] −∫

dd~x h(~x)φ(~x) = H [〈φ(~x)〉] −∫

ddx h(~x)〈φ(~x)〉

+1

2

ddx ddx′ δφ(~x)δH

δφ(~x)δφ(~x′)

〈φ(~x)〉

δφ(~x′),

ondeδH

δφ(~x)δφ(~x′)

〈φ(~x)〉

≡ (βG0)−1(~x, ~x′) (3.17)

é a inversa da função de correlação conectada de dois pontos.Concluimos que asflutuações Gaussianas à solução de campo médio são governadas pelas correla-ções do parâmetro de ordem de campo médio.

Para obter a contribuição das flutuações Gaussianas para a energia livre temosque realizar a integral funcional da forma quadrática anterior. Para isso usaremosa identidade:

(

n∏

i=1

dyi

)

e− 1

2

i,jyiMijyj+

iλiyi = (2π)n/2 (det M)−1/2 e

1

2

i,jλiM

−1

ij λj

(3.18)ondeM é uma matriz simétrica com elementosMij eM−1 é sua inversa. Pararealizar a integral funcional é conveniente trabalhar no espaço recíproco. Introdu-zimos as transformadas de Fourier discretas:

φ(x) =1

Ld/2

k

φ(k)eik.x (3.19)

h(x) =1

Ld/2

k

h(k)eik.x (3.20)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 112

Os vetores de onda compatíveis com condições de contorno periódicas numa caixade ladoL sãoki = 2πli/L, com i = 1, . . . , d e li = 0,±1,±2, . . .. Como oscamposφ(~x) e h(~x) são reais, se deve satisfazerφ(−k) = φ∗(k) e h(−k) =h∗(k). Usando as identidades:

ddx eix.(k−k

′) = V δk,k′ (3.21)

k

e−ik.(x−x′) = V δ(x − x′) (3.22)

obtemos:

φ(k) =1

Ld/2

ddx φ(x) e−ik.x (3.23)

h(k) =1

Ld/2

ddx h(x) e−ik.x (3.24)

Após transformar Fourier, a função de partição se pode escrever na forma:

Z = Z[h(k)] =∫

(

k

dφ(k)

)

exp

−β(

H [φ] −∑

k

h(−k)φ(k)

)

(3.25)

onde um cutoff parak < Λ está implícito no limite superior de todas as inte-grais. Fatorando na expressão anterior a contribuição do ponto de sela, ou campomédio, e fazendo um cambio de variáveisφ→ δφ obtemos:

Z

ZCM=

(

k

d(δφ(k))

)

exp

−β2

k,k′

δφ(~k) (βG0)−1(~k,~k′) δφ(~k′)

=

(

β

)N/2[

det(βGo)−1]−1/2

= exp

−1

2Tr ln

(

G−1o

)

(3.26)

onde, dada uma matrizA(k, k′), TrA =∑

k A(k, k). Finalmente obtemos a con-tribuição das correções Gaussianas à energia livre:

F − FCM =kBT

2Tr ln

(

G−1o

)

. (3.27)

Em teoria de campos, esta correção é chamada decorreção de um laço(oneloop approximation) para a energia livre. Ela depende do parâmetro de ordem

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 113

de campo médio〈φ(~x)〉 através da dependência deG0, e pode ser expandida empotências de〈φ(~x)〉. O termo de segunda ordem desta expansão fornece a corre-ção a um laço da função de correlação inversaG−1(~x, ~x′).

3.3 A aproximação do campo autoconsistente

Em uma teoriaφ4 o efeito das flutuações Gaussianas pode ser levado em conta deforma autoconsistente. A aproximação correspondente é conhecida como apro-ximação de Hartree, Random Phase Approximation ou aproximação do campoautoconsistente. Consiste em substituir um fatorφ2 do termo emφ4 pelo seu valormédio〈φ2〉. Na energia para o modelo com simetria Ising existem 6 formasdeescolher os dois fatoresφ para formar〈φ2〉. Em uma teoria com simetriaO(n)serão2(n+2) fatores. Desta forma, a energia livre de grão grosso na aproximaçãoautoconsistente adota uma forma Gaussiana:

Hsc[φ] =∫

ddx

c

2(∇φ(~x))2 +

1

2rφ2(~x) + 6uφ2(~x)〈φ2(~x)〉

(3.28)

Variando duas vezes o funcional anterior obtemos a inversa da susceptibilidade ouda função de correlação de dois pontos:

TG−1(~q) = r + cq2 + 12u 〈φ2〉 (3.29)

onde como antesr = a(T − T ∗) e T ∗ é a temperatura crítica de campo médio.Notando que:

〈φ2〉 ≡ G(~x, ~x′) =∫

ddq

(2π)dG(~q)

=∫ ddq

(2π)d

T

r + cq2 + 12u 〈φ2〉 , (3.30)

obtemos desta forma uma equação autoconsistente para〈φ2〉.É importante lembrar que as integrais no espaço de Fourier têm um corte no

extremo superior,Λ, que pode corresponder à constante de rede ou então ao com-primento de coerência microscópicoζ0. A partir das equações (3.29) e (3.30 po-demos determinar a inversa da suscpetibilidadeχ−1 = TG−1(~q = 0):

χ−1 ≡ τ = r + 12uT∫ ddq

(2π)d

1

τ + cq2

= r + 12uTKd

∫ Λ

0qd−1dq (τ + cq2)−1, (3.31)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 114

ondeKd = Ωd/(2π)d e Ωd é o ângulo sólido subtendido por uma esfera emddimensões. No ponto críticoTc a susceptibilidade diverge, ou sejaχ−1 = τ = 0.Assim, podemos determinar a temperatura crítica nesta aproximação a partir de:

rc = a(Tc − T ∗) = −12uTc

c

∫ ddq

(2π)d

1

q2= −12uTc

c

KdΛd−2

d− 2. (3.32)

Então, obtemos para a temperatura crítica:

Tc =

(

1 +12uKdΛ

d−2

ac(d− 2)

)−1

T ∗. (3.33)

Notamos que a temperatura crítica é reduzida respeito do limite de metaestabili-dade,T ∗. Um resultado importante é queTc → 0 quandod → 2. dL = 2 é adimensão crítica inferior, na qual as flutuações são tão fortes que o sistema nãose ordena a nenhuma temperatura finita. Parad < dL no ha transição de fase aT 6= 0.

Para analizar o comportamento da susceptibilidade perto doponto crítico ex-pressamosχ−1 em função der − rc = a(T − TC):

χ−1 ≡ τ = r − rc + 12uKd

qd−1dq

(

T

τ + cq2− Tc

cq2

)

(3.34)

Resolvendo a integral paraT − Tc pequena, obtemos parad < 4:

χ =1 + (12uTcKd/c)Id(0)

a′(T − Tc)∼ (t− Tc)

−1, (3.35)

onde

Id(τ) =∫ Λ

0qd−1dq

1

q2(τ + cq2)=∫ Λ

0

qd−3dq

τ + cq2, (3.36)

ea′/a = 1 +12uTc(Kc/ac)(Λd−2/(d− 2)). d = 4 é a dimensão crítica superior e

o expoente obtido parad > 4 é γ = 1, o resultado de campo médio. No entanto,o prefator no valor da suscpetibilidade é diferente do de campo médio.

Sed < 4 a funçãoId(τ) diverge paraτ = 0:

Id(τ) = c−(d−2)/2 τ (d−4)/2∫ Λ(c/τ)1/2

0

yd−3dy

1 + y2

τ→0→ τ−ǫ/2Bd, (3.37)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 115

ondeǫ = 4 − d eBd = Γ[(d − 2)/2]Γ[(4 − d)/2]/2, eΓ(x) é a função gamma.Com este resultado obtemos:

r − rc = 12u(Kd/c)c−(d−2)/2Bdτ

(d−2)/2,

χ ≡ τ−1 ∼ (r − rc)−γ ; γ =

2

d− 2. (3.38)

O expoente da suscpetibilidade é diferente de 1 parad < 4, e se aproxima de 1quandod→ 4, como se espera.

Ainda nesta aproximação, a susceptibilidade generalizadaχ(~q) não apresentacorreções dependentes deq ao resultado de campo médio. Então:

χ(~q) = (τ + cq2)−1 = χ[1 + (qζ)2]−1, (3.39)

ondeζ2 = (c/τ) ∼ |T − Tc|−2ν . (3.40)

Assim, obtemos o expoente crítico do comprimento de correlação:

ν =γ

2=

1

d− 2, (3.41)

que também se reduz ao valor de campo médioν = 1/2 quandod = 4.A aproximação de Hartree, RPA, ou do campo autoconsistente,mostra os efei-

tos mais importantes das correções ao campo médio devido as flutuações . Osexpoentes críticos dependem da dimensionalidade e tendem aos valores de campomédio quando a dimensão se aproxima da dimensão crítica superior. Ainda, vi-mos que a temperatura crítica é reduzida respeito do valor docampo médio, efeitoeste esperado por considerações puramente físicas dos efeitos destabilizantes dasflutuações sobre as fases ordenadas.

3.4 O modelo XY bidimensional e o papel das flutu-ações

Consideremos um modelo de rotores planos emd dimensões espaciais:

H = −J∑

〈i,j〉

~Si · ~Sj (3.42)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 116

onde a soma e restrita a vizinhos próximos e os rotores podemsser parametrizadospor um módulo e um ângulo:

~Si = si[cos θi, sin θi]. (3.43)

Vamos considerar os módulos constantes e iguais para todos os rotores, de formaque o estado do sistema fica determinado completamente conhecendo os ângulos.

Este sistema possui uma simetria continuaO(2), simetria frente a rotaçõesuniformes de todos os rotores do sistema.

A baixas temperaturas a energia é minimizada alinhando os rotores. Por tantopodemos supor que os ângulos relativos entre pares de rotores serão pequenos. Asexcitações de baixa energia do modelo serão “ondas de spin”.Com os módulosconstantes, o Hamiltoniano (3.42) pode ser escrito na forma:

H = −J∑

〈i,j〉

cos (θi − θj). (3.44)

Quando os ângulos relativos são pequenos podemos expandir ocosseno em po-tências da diferença de ângulos, obtendo até ordem quadrática:

H = −zNJ +1

2J∑

〈i,j〉

(θi − θj)2. (3.45)

O primeiro termo constante corresponde à configuração uniforme, o estado demais baixa energia do sistema. Por tanto, podemos considerar o segundo termocomo correspondendo as flutuaçãoes quadráticas no entorno do estado de mínimaenergia. Isto é formalmente equivalente ao papel das flutuações gaussianas dassoluções de campo médio que estudamos nas seções precedentes. No entanto aquiestamos trabalhando diretamente com o Hamiltoniano microscópico do modelo narede. Tomando o limite contínuo do modelo anterior, obtemosuma energia dasflutuações da forma:

Hel =ρs

2

ddx[∇θ(~x)]2, (3.46)

ondeρs = zJa2−d (3.47)

é oparâmetro de rigidez(stiffness) ea é a constante de rede.A forma da energia (3.46), que corresponde a flutuações de baixa energia de

um parâmetro com simetria continua, é um caso particular deenergia elástica,semelhante ao Hamiltoniano de uma cadeia de osciladores harmônicos no limite

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 117

contínuo. No caso da cadeia de osciladores a simetria continua (quebrada peloestado de equilíbrio a baixas energias), é a simetria por translações do espaço.

Como estamos supondo que o sistema está próximo de um estado ordenado,com simetria quebrada, podemos calcular o valor do parâmetro de ordem. Vamossupor que os rotores estejam alinhados em torno do eixox, então:

〈~Sx〉 = 〈cos θ〉 = Re(

1

Zel

Dθ(~x) e−βHel eiθ(~x))

,

= Re 〈eiθ〉 = e−1

2〈θ2〉 ≡ e−W , (3.48)

ondeZel =∫ Dθe−βHel é a função de partição do Hamiltoniano elástico (3.46),

e na última identidade se usou o fato que, para variáveis gaussianas,〈einθ〉 é atransformada de Fourier da distribuição gaussiana tomandon = 1 no resultado.

No espaço recíproco a energia elástica adota a forma:

Hel =ρs

2

ddq

(2π)dq2 θ(~q)θ(−~q)

=1

2

ddq

(2π)dθ(~q)(TG−1(~q))θ(−~q), (3.49)

ondeTG−1(~q) = ρsq2 é a função de correlação dos modos elásticos.

O valor médio pode ser calculado usando as propriedades de integrais gaussi-anas vistas nas seções anteriores. Parad > 2 obtemos:

W =1

2〈θ2(~x)〉 = G(~x, ~x) =

∫ ddq

(2π)dG(~q) = T

∫ ddq

(2π)d

1

ρsq2

=TKd

ρs

Λd−2

d− 2, (3.50)

ondeΛ é o corte para vetores de onda grandes.O fatore−2W é chamadofator de Debye-Wallere, em sistemas clássicos, re-

presenta uma medida de quanto as flutuações deprimem o parâmetro de ordemrespeito do seu valor máximo aT = 0.

Notamos queW → ∞ quandod→ 2. Por tanto o parâmetro de ordem é zeroem duas dimensões, e a ordem de longo alcance é destruida por flutuações. Aausência de ordem de longo alcance em sistemas bidimensionais com simetriascontinuas é um resultado geral conhecido comoTeorema de Mermin-Wagner-Berezinskii, em relação aos autores que demonstraram o teorema na décadadesessenta e inícios dos setenta do século passado.

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 118

Um cálculo mais cuidadoso emd = 2 para um sistema finito, de volumeL2,da como resultado:

W =TKd

ρsln(

L

a

)

, (3.51)

ondea = 2π/Λ. Ou seja, as flutuações divergem logaritmicamente com o tama-nho do sistema. Isto implica num decaimento algébrico do parâmetro de ordemcomL, na forma:

〈cos θ〉 =(

L

a

)−η

, (3.52)

com η = KdT/ρs. No limite termodinâmico o sistema não apresenta ordem delongo alcance. No entanto, é importante notar que em sistemas finitos é possívelobservar ordem até escalas grandes, devido ao lento decaimento comL represen-tado pela lei de potências para o parâmetro de ordem.

Estes resultados implicam que a dimensão crítica inferior do sistema de roto-res édL = 2. As excitações de mais baixa energia correspondem a ondas despin,nas quais os rotores mudam sua orientação de forma suave, comcomprimentos deonda grandes. Estas excitações custam muito pouca energia,como vimos anteri-ormente quando estudamos o campo médio do modelo com simetriaO(n), são oschamados “modos de Goldstone”.

3.4.1 Ordem de quase-longo-alcance

Com o mesmo esforço anterior podemos calcular as correlações espaciais do mo-delo de rotores na aproximação elástica:

G(~x, 0) = 〈~S(~x) · ~S(0)〉 = s20 〈cos (θ(~x) − θ(0))〉

= s20Re〈ei(θ(~x)−θ(0))〉 = s2

0 e− 1

2〈(θ(~x)−θ(0))2〉

= s20 e

−〈(θ2(0)−θ(~x)θ(0))〉 ≡ s20 e

−g(~x), (3.53)

onde

g(~x) = T∫

ddq

(2π)d

1 − ei~q·~x

ρsq2(3.54)

Resolvendo a integral para dimensõesd = 1, 2 ed > 2 obtemos:

g(~x) =

TKdΛd−2

ρs(d−2)|~x| → ∞ d > 2

T2πρs

ln (Λ|~x|) |~x| → ∞ d = 2T

2ρs|~x| |~x| → ∞ d = 1

(3.55)

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 119

Λ = Λeγ, ondeΛ é o cutoff para vetores de onda grandes eγ é uma constante.Dos resultados anteriores fica evidente qued = 2 é uma dimensão especial.

Parad > 2, g(~x) tende a uma constante e, por tanto, a função de correlaçãotambém tenderá a uma constante para|~x| → ∞, de acordo com a condição para aexistência de ordem de longo alcance.

Parad = 1, g(~x) crece linearmente com a distância, e consequentemente

G(x) = s20 e

−(T/2ρs)x, (3.56)

decai exponencialmente a zero. Por tanto, não existe ordem de longo alcance paranenhuma temperatura finita emd = 1.

Emd = 2, g(~x) = (T/2πρs)I(|~x|), onde:

I(|~x|) =∫ Λ

0

dq

q

[

1

∫ 2π

0dθ(

1 − eiq|x| cos θ)

]

=∫ Λ

0

1 − J0(q|x|)q

dq, (3.57)

ondeJ0(u) é a função de Bessel de ordem zero. O comportamento desta integralpara|x| grande pode ser obtido definindou = q|x| e dividindo a integral em duaspartes:

I(|~x|) =∫ 1

0

1 − J0(u)

udu+

∫ Λ|x|

1

du

u−∫ Λ|x|

1

J0(u)

udu

= ln (Λ|x|) + γ +O((Λ|x|)−3/2), (3.58)

ondeγ é uma constante que depende do corteΛ. Para uma rede quadradaγ =γ + (1/2) ln 8 ondeγ = 0.5772 . . . é a constante de Euler-Mascheroni.

Vemos queg(~x) diverge logaritmicamente com~x e, por tanto:

G(~x, 0) = s20 (Λ|x|)−η (3.59)

decai algebricamente a zero com um expoente

η =T

2πρs(3.60)

que depende da temperatura.O decaimento algébrico das correlações espaciais caracteriza umaordem de

quase-longo-alcance. Este comportamento do sistema de rotores em duas dimen-sões para temperaturas baixas é o mesmo que o do ponto críticoem dimensões

Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 120

superiores. O decaimento algébrico das correlações será robusto neste modeloenquantoT/ρs não seja zero nem infinito. Quando a rigidezρs → 0 haverá umatransição de um comportamento algébrico das correlações para um decaimentomais rápido que algébrico. Por tanto, neste caso haverá uma transição de um es-tado com ordem de quase-longo-alcance para um estado desordenado. No modelode rotores em duas dimensões, a medida que a temperatura aumenta aparecem ex-citações topológicas tipo vórtices que reduzem a rigidez e levam a uma transiçãode ordem de quase-longo-alcance para desordem a uma temperatura finitaTBKT .Esta transição de natureza exótica, mediada por defeitos topológicos, é conhecidacomotransição de Berezinskii-Kosterliz-Thouless(1973).

Referências Bibliográficas

[1] P. M. Chaikin and T. C. Lubensky,Principles of Condensed Matter Physics,Cambridge University Press, 1995.

[2] M. Kleman and O. D. Lavrentovich,Soft Matter Physics, Springer-Verlag,2003.

[3] N. Goldenfeld, Lectures on Phase Transitions and the RenormalizationGroup, Addison-Wesley, 1992.

[4] L. D. Landau and E. M. Lifshitz,Statistical Physics- Part 1, Pergamon Press,1980.

[5] J.J. Binney, N.J. Dowrick, A.J. Fisher and M.E.J. Newman, The Theory ofCritical Phenomena, Oxford Univ. Press. 1995.

[6] P. W. Anderson,Basic Notions of Condensed Matter Physics, Benjamin Pu-blishing, 1984.

[7] N. W. Ashcroft and N. D. Mermin,Solid State Physics, Sounders College,1976.

[8] C. Kittel, Introduction to solid state physics, John Wiley & Sons., 7th edition,1996.

[9] P. Ball, The Self-Made Tapestry, Pattern formation in nature, Oxford Uni-versity Press, 1999.

121