CULTURA.SUL 92 - 6 MAI 2016

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MAIO 2016 | n.º 92 www.issuu.com/postaldoalgarve 7.700 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO Paisagens culturais: A Dieta Mediterrânica como oportunidade p. 2 D.R. Letras e leituras: Salman Rushdie p. 4 Panorâmica: ‘WATT?’ ou o desafio do desenvolvimento pela arte p. 5 Filosofia dia-a-dia: Posso ajudar? Artes visuais: Qual o espaço para a arte digital na atualidade? p. 7 D.R. D.R. D.R. p. 6 D.R. D.R. John Steinbeck: Há livros perigosos? p. 11

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MAIO 2016 | n.º 92

www.issuu.com/postaldoalgarve7.700 EXEMPLARES

Mensalmente com o POSTALem conjuntocom o PÚBLICO

Paisagens culturais:

A Dieta Mediterrânica como oportunidade

p. 2

d.r.

Letras e leituras:

Salman Rushdiep. 4

Panorâmica:

‘WATT?’ ou o desafio do desenvolvimento pela arte

p. 5

Filosofia dia-a-dia:

Posso ajudar?

Artes visuais:

Qual o espaço para a arte digital na atualidade?

p. 7

d.r.

d.r.

d.r.

p. 6

d.r. d.r.

John Steinbeck:Há livros

perigosos? p. 11

06.05.2016 2 Cultura.Sul

AGENDAR

Em 1992, na sua 16.ª sessão, o Comité do Património Mun-dial da UNESCO adotou crité-rios que permitiam acrescentar a paisagem cultural1 às catego-rias do Património Mundial2, definindo esta nova categoria de bem cultural como representi-va das «obras conjugadas do homem e da natureza» a que se refere o artigo 1.º da Convenção do Património Mundial. Para a UNESCO, «as Paisagens Cultu-rais ilustram a evolução da so-ciedade e dos estabelecimentos humanos ao longo dos tempos, sob a influência dos condiciona-mentos materiais e/ou das vanta-gens oferecidas pelo seu ambien-te natural e das sucessivas forças sociais, económicas e culturais, internas e externas».

A Convenção Europeia da Pai-sagem3 feita em Florença, em 2000, no âmbito do Conselho da Europa, designa a paisagem como «uma parte do território, tal como é apreendida pelas po-pulações, cujo caráter resulta da acção e da interacção de facto-res naturais e ou humanos». Ao ratificar esta Convenção em 15 de Dezembro de 2004, o gover-no português, pelo Decreto n.º 4/2005, de 14 de fevereiro, com-prometeu-se nomeadamente a:

- Identificar as paisagens no conjunto do seu território;

- Analisar as suas característi-cas bem como as dinâmicas e as pressões que as modificam;

- Acompanhar as suas transformações.

Quais as implicações deste compromisso para as paisagens do Algarve? O Plano Regional do Ordenamento do Território (PROT-Algarve), procurou ultra-passar a clássica divisão triparti-da do território algarvio em Li-toral/Barrocal/Serra proposta em 1850 por Charles Bonnet4, defi-nindo quatro5 unidades territo-riais para o Algarve: Litoral Sul e Barrocal, Serra, Baixo Guadiana e

Costa Vicentina. Esta repartição inclui, evidentemente, subuni-dades territoriais, nem sempre consensual na sua definição.

Como testemunho do cará-ter humano, sempre dinâmico, uma paisagem nunca é estática. Permitindo que os elementos naturais sigam os seus ritmos biológicos próprios, ela está sempre sujeita às mudanças, o que constitui uma enorme difi-culdade para a sua preservação. A paisagem é natureza mas tam-bém ação humana.

Além disso, se a paisagem cor-responde a uma parte do terri-tório tal como as populações o apreendem, isto significa, desde logo, que a noção de paisagem tem uma componente eminen-temente cultural, que a sua rela-ção com as comunidades é dialé-tica, e que a sua abordagem nos conduz, uma vez mais, ao terre-no do conflito social.

No Alto Douro Vinhateiro, a mais antiga região vitivinícola regulamentada do Mundo, a ação humana dos socalcos so-bre a paisagem testemunham e defendem um passado mas constroem um futuro. Em Sin-tra, primeira paisagem cultural da Humanidade a ser reconheci-da em Portugal, a arquitectura, a serra, os parques e os jardins as-sociada a uma história estabele-cem uma simbiose quase perfei-ta entre o real e o sagrado.

A Dieta Mediterrânica en-

quanto estilo de vida tem de ter elementos na paisagem algarvia que evidenciem o seu reconhe-cimento mundial e a sua valori-zação nacional, regional e local. Podemos enumerar alguns ele-mentos de caracterização: as ar-quitecturas do sul, as suas tipolo-gias em espaço rural e as práticas de convivialidade associadas; as chaminés e as platibandas; os ci-clos produtivos e as festividades associadas; o património genéti-co da fauna e da flora mediterrâ-nicas; a diversidade de habitats e a agricultura de proximidade; a serra, as pastagens e o montado;

mas também a faina piscatória e os seus elementos etnográficos; entre outros.

A paisagem não é salvaguar-dada através de uma gestão do território pura e simples, ou do desenvolvimento de um concei-to que alguns designaram como “estética ambiental”, é um todo, um contínuo que deve ser respei-tado e valorizado. Este conceito de paisagem foi denominado pelo Arquitecto Ribeiro Telles como “paisagem global”. O que nos faltará para este caminho na relação com a dieta mediterrâ-nica? A definição do referencial.

Este é um ponto de partida para o encontro do Dia internacional dos Museus em Tavira, no próxi-mo dia 18 de maio.

A salvaguarda das paisagens tradicionais algarvias deve estar relacionada com a sustentabi-lidade da Dieta Mediterrânica, um estilo de vida, um modelo cultural milenar, transmitido de geração em geração, que in-tegra formas particulares de rela-cionamento coletivo, processos e técnicas, festividades, rituais sim-bólicos e expressões artísticas as-sociadas à produção e consumo de recursos alimentares locais de acordo com as épocas do ano.

A diversidade das paisagens tradicionais algarvias tem que ser encarada como um recurso potenciador do desenvolvimen-to regional6. A sua salvaguarda, conhecimento e valorização en-quanto bens culturais (incluindo os seus valores naturais, arqui-tectónicos, arqueológicos, etno-gráficos e imateriais), exige uma ampla participação dos interve-nientes no processo de ordena-mento e gestão territorial para poderem definir-se e avaliar-se criticamente as condições de concretização de objetivos ope-racionais e mecanismos legais de proteção para o Património Cultural e Natural da região.

1 Ver http://whc.unesco.org/en/cul-

turallandscape#1

2 Ver http://whc.unesco.org/archive/

convention-pt.pdf

3 Ver http://www.gddc.pt/siii/docs/

dec4-2005.pdf

4 Bonnet, C., Algarve (Portugal): Des-

cription géographique et géologique

de cette province. Lisboa: Academia

das Ciências, 1850 (veja-se a excelente

tradução anotada dada à estampa pela

então Delegação Regional do Sul da Se-

cretaria de Estado da Cultura em 1990).

5 Mapa em http://www.prot.ccdr-alg.

pt/Storage/pdfs/MAPA_01.pdf

6 Ver Alexandre Cancela d’Abreu;

Teresa Pinto Correia; Rosário Oliveira,

Contributos para a identificação e ca-

racterização da paisagem em Portugal

Continental. Lisboa: DGOTDU 2004

Direção Regional de Cultura do Algarve

Editorial Missão Cultura

Direção Regionalde Cultura do Algarve

“SÍTIOS E LUGARES COM ALMA”Até 27 MAI | Sala de atendimento da EMARPCom predilecção pelas cores alegres e vivas Au-rora Neves transforma realidade em abstracção através de uma geometria própria e um jogo de cores muito lúdico

“PERCURSO COLORIDO”Até 1 JUL | 1º andar do edifício da Câmarade AlbufeiraNos seus desenhos Fernanda Nogueira privilegia o lápis de cor, potenciando as suas possibilidades no que respeita à cor, à sobreposição e intercepção de imagens

foto: drcalg/r. parreira

Já vamos para a sexta edição do Algarve Design Meeting e, este ano, se esta mostra que de-corre entre 21 e 28 de Maio man-tiver a qualidade das anteriores é razão para visita obrigatória para quem se interessa pela área.

A Fábrica da Cerveja em Faro é a montra escolhida para a come-moração da meia dúzia de anos desta iniciativa que colocou o Algarve e em particular Faro na agenda nacional no que respei-ta ao design e, de acordo com a organização, o espaço será apro-veitado para levar até aos visi-tantes seminários, exposições, workshops, música, cinema, vide-omapping, entre outras aborda-gens que decerto não desiludirão quer quem é já presença habitual nestas andanças, quer quem esco-lha pela primeira vez aproximar--se das mais variadas vertentes do design.

A marcar na agenda e a cum-prir a marcação, porque decerto só terão a ganhar em conhecer um pouco mais do mundo ins-pirador do design.

Não deixar nesta edição uma nota de pesar relativa ao falecimento de Querubim Lapa, seria deixar passar em claro o adeus a este espaço que ocupamos momentaneamen-te de um algarvio e verdadeiro génio das artes.

Autor de inúmeras obras e marcantes intervenções artísti-cas quer em espaços públicos, quer em privados e nos mais variados suportes, tenho pela minha parte de lhe agradecer o painel 'Sol Ardente da Me-xicana' que tantas vezes me acompanhou embelezando--me os dias.

Algarve volta a marcar agenda do Design

Ricardo [email protected]

As paisagens culturais algarvias: a Dieta Mediterrânica como oportunidade

Vista do moinho de maré a partir do Castelo de Paderne

Foto de Albufeira

Nota de pesar

06.05.2016  3Cultura.Sul

Espaço AGECAL

Quando em maio de 1972 um grupo de museólogos se reuniu em San-tiago do Chile sob os auspícios do ICOM1, talvez não tenha imagina-do que o documento que resul-tou daqueles dez dias de reflexão, fosse capaz de perdurar décadas e chegar aos nossos dias como uma referência para os museus de todo o mundo.

Poderíamos encontrar logo a par-tir das primeiras décadas do sécu-lo XX, em contextos marginais, os primeiros passos de uma caminha-da com rumo a uma museologia mais ativa na sociedade. É, porém, na segunda metade do século que assistimos à construção do pensa-mento museológico contemporâ-neo, num processo gradualmente mais claro: O Papel Educativo dos

Museus, (UNESCO) - Rio de Ja-neiro, Brasil, 1958; A Protecção do Património Mundial Cultu-ral e Natural, UNESCO – Paris, 1972; Mesa Redonda de San-tiago do Chile, 1972; Declara-ção de Quebec (MINOM) 1984; Reunião de Oaxtepec, México, 1984; A Missão do Museu na América Latina Hoje: Novos Desafios, Caracas, Venezuela, 1992; Convenção para a Salva-guarda do Património Imaterial (UNESCO) 2003; a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (UNESCO), 2005; etc.

A “Mesa Redonda de Santiago do Chile” é, neste processo, um mo-mento marcante para uma muse-ologia mais social pela clareza do corpo de ideias produzido, pare-cendo hoje óbvio e consensual que o museu: seja uma instituição ao serviço da sociedade; deva permi-tir a formação da consciência das pessoas que serve; possa contribuir para o envolvimento dos indivídu-os na ação face aos seus problemas; desempenhe um papel decisivo na educação da comunidade; deva in-tegrar novas disciplinas no seu seio. Anunciava-se então um “novo tipo de museu”, novos conceitos, expo-

sições itinerantes, “museu integral”, museus de sítio...

É após Santiago que vimos flores-cer as “museologias” nacionais, os museus não especializados, a res-ponsabilidade política do museólo-go, os museus locais, as noções de museu como instrumento de desen-volvimento, a ideia da Função Social do Museu e da própria Museologia Social.

Hugues de Varine, levou ao li-mite a síntese do enquadramento teórico da Nova Museologia quan-do, à trilogia do Museu Tradicio-nal (edifício, coleção, público) contrapôs a trilogia do Ecomuseu/Museu Novo (território, patrimó-

nio, comunidade). Durante a XII Conferência

Geral do ICOM em Londres, em 1983, alguns membros critica-ram asperamente a cúpula da organização acusando-a, entre outras coisas, de inação peran-te a situação das minorias. Um grupo de participantes decidiu, então, encontrar-se no Canadá, no ano seguinte, para refletir sobre os caminhos para uma museologia nova. Foi assim que, a Declaração de Quebec (1984), com a participação de representantes de quinze paí-ses, e entre outros, dos nossos

conhecidos Pierre Mayrand, Mário Moutinho e António Nabais, além de afirmar a sua filiação nos ideais de Santiago, assumiu a Função So-cial do Museu e comprometeu-se a criar um comité internacional de “Ecomuseus e Museus Comunitá-rios” no quadro do ICOM, procu-rando estabelecer os “Princípios de Base de uma Nova Museologia”.

Um ano depois (1985), em Lis-boa, no decurso do II Encontro Internacional de Nova Museologia foi finalmente fundado o MINOM – Movimento Internacional para uma Nova Museologia.

O conceito de Museologia Social,

traduz uma parte considerável do esforço de adequação das estruturas museológicas aos condicionalismos da sociedade contemporânea. (…) A insti-tuição distante, aristocrática, olimpia-na, obcecada em apropriar-se dos ob-jetos para fins taxonómicos, tem cada vez mais - e alguns disso se inquietam - dado lugar a uma entidade aberta sobre o meio, consciente da sua relação orgânica com o seu próprio contexto social. A revolução museológica do nosso tempo - que se manifesta pela aparição de museus comunitários, mu-seus ‘sans murs’, ecomuseus, museus itinerantes ou museus que exploram as possibilidades aparentemente infi-nitas da comunicação moderna - tem as suas raízes nesta nova tomada de consciência orgânica e filosófica”2.

Nos nossos dias, o quadro de vida levou-nos por direções que estão em constante movimento e que se refletem na semântica: Nova Mu-seologia, Museologia Social, Socio-museologia – estádios de evolução num percurso que leva já 40 anos de caminho.

1 - ICOM - International Council of Mu-seums / Comité Internacional de Museus

2 - Mário Moutinho, Sobre o Conceito de Museologia Social,

Cadernos de Museologia nº 1, 1993

A Museologia Social

Emanuel SanchoCoordenador nacional do MINOM– Movimento Internacional para uma Nova Museologia e membro da direção da AGECAL

d.r.

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO | 21 HORAS

19 MAI | LE TOUT NOUVEAU TESTAMENT (DEUS EXISTE E VIVE EM BRUXELAS), Jaco Van Dormael, Bélgica/França/Luxemburgo 2015, M/14, 113 min 21 MAI | MTV UNPLUGGED - BOB DYLAN, E.U.A. 1994, M/6, 73 min, SES-SÃO GRATUITA

26 MAI | NOSTALGIA DE LA LUZ (NOS-TALGIA DA LUZ), Patrício Guzman, Chile/Espanha/França/Alemanha/E.U.A. 2010, M/12, 90 min

Junho recheado de documentários em Tavira

O cineclube continuará com a sua programação regular todas as quintas-feiras, durante o mês de Maio, ainda no horário de in-verno (21 horas). O sábado, 21 de Maio, a propósito do 75 ani-versario de Bob Dylan, faremos a projeção do concerto MTV Un-plugged. A sessão será gratuita. O cineclube anuncia que a Mos-tra deste ano decorrerá entre os dias 15 e 25 de Julho e entre 5 e 15 de Agosto.

Destaque para as películas: MTV Unplugged - Bob Dylan e Nostalgia de la Luz. Para Dylan, a música é uma coisa bem viva e as coisas vivas mexem-se, mu-dam de lugar... Por isso ainda hoje continua na sua “Never Ending Tour”, desempenhando cerca de cem concertos anuais, e isso depois de quase 55 anos de palco. Nostalgia de la Luz (Nostalgia da Luz) é um filme sobre a distância entre o céu e a terra, entre a luz do cosmos e

os seres humanos e as misterio-sas idas e vindas que se criam entre eles. Perante a incerteza do amanhã, o passado fala-

-nos. Um filme premiado em dezenas de festivais por todo o mundo.

Cineclube de Tavira

Destaque para ‘MTV Unplugged - Bob Dylan’

fotos: d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

CICLO “DELITOS DELAS”IPDJ | 21.30 HORAS 10 MAI | FOXFIRE - RAPOSAS DE FOGO, Laurent Cantet, Fra/Can, 2012, M/14, 143’

17 MAI | MUITO AMADAS, Nabil Ayouch, Fra/Mar, 2015, 106’, M/1631 MAI | A ASSASSINA, Hou Hsiao--Hsien, Tai/Ch/HK/Fra, 2015, 105’, M/12

23 e 24 MAI | EXTENSÃO INDIELISBOATEATRO MUNICIPAL DE FARO(programação a anunciar)

SEDE | 21.30 HORAS | ENTRADA LIVRE A TELA AO SÓCIO | ANDRÉ PONTE12 MAI | SAMSARA, Pan Nalin, Índia/ Ale/Fra/Ita/Suí, 2011, 145’19 MAI | DÚVIDA, John Shanley, EUA, 104’, 2008, M/1226 MAI | PRIMAVERA, VERÃO, OUTONO, INVERNO... E PRIMAVERA, Kim Ki-duk, SK/Ale, 2003, 103’, M/12

06.05.2016 4 Cultura.Sul

As Mil e Uma Noites ou Dois Anos, Oito Meses e Vinte e Oito Noites, de Salman Rushdie

Dois Anos, Oito Meses e Vinte e Oito Noites é a nova obra de Sal-man Rushdie e, sendo o primeiro livro que publica a seguir à sua autobiografia Joseph Anton, este livro parece constituir um agra-dável jogo literário em que o au-tor volta a incorrer na polémica de contestar as crenças e mito-logias. Esta história inicia com o grande filósofo, Ibn Rushd, fí-sico pessoal do califa na cidade de Córdova, no ano de 1195, que recebe em sua casa sem descon-fiar uma criatura sobrenatural, Dunia, uma jinnia, isto é, um gé-nio da tribo dos jinn femininos, e da união dos dois resultam três gravidezes em que Dunia dará à luz, de cada vez, uma multi-plicade de filhos, em que num único parto chegam a nascer sete crianças e noutro onze ou até mesmo, possivelmente, de-zanove filhos. E é a essa estirpe, cujo traço distintivo comum é nascerem sem os lóbulos das orelhas, além de possuírem ca-pacidades sobrenaturais, que Dunia irá recorrer nos tempos modernos para salvar o mun-do quando a fronteira entre o mundo dos humanos e dos deuses ou de divindades em muito semelhantes a deuses.

Dois Anos, Oito Meses e Vin-te e Oito Noites remete, feitas as devidas contas, para o número hiperbólico de mil e uma noi-tes e, por conseguinte, para as histórias fabulosas de As Mil e Uma Noites. Apesar de se referir que o livro é inspirado nas tra-dicionais lendas fabulosas do Oriente, esta obra parece jogar muito mais com toda a cultura pós-moderna. De Andy Warhol a Gandalf, passando pelo Rato Mi-ckey, Merlim, Morgana e a ma-téria da Bretanha, Mystique dos X-Men, as referências são imen-sas e contribuem para situar o livro, ainda que erroneamente, no campo da ficção fantástica ou mesmo ficção científica. Esta obra lembra que muitas vezes a nossa memória, mais do que uma súmula de vivências e expe-

riências pessoais, é um conjunto colectivo de leituras, de cinema, programas televisivos, banda desenhada, etc., filtrado mais ou menos ao gosto e segundo as preferências de cada um. O livro está ainda imbuído do mesmo realismo mágico que permeou as primeiras obras de Salman Rushdie, se bem que, conforme, evoluímos na leitura, se afigure muito mais justo situar o livro como parte integrante de uma cultura pósmoderna em que im-pera o poder da imagem, com episódios que lembram cenas saídas de filmes de fim do mun-do ou de séries televisivas sobre superheróis, como acontece no momento em que uma serpente gigante invade a cidade, aconte-cimento este que é devidamen-te registado por pelo menos sete telemóveis. Ou quando Zumur-rud, o Grande, surge «no átrio do Lincoln Center a berrar Vocês são todos meus escravos, mas até mesmo naqueles tempos de his-teria havia alguns inocentes que julgavam que ele estava a publi-citar uma nova ópera no Met» ou quando voa até ao topo do One World Trade Center e sol-ta um grito tremendo capaz de ensurdecer todos os transeuntes

que, entretanto, menosprezam a cena, achando tratar-se de uma mera «manobra publici-tária para promover uma nova versão de mau gosto do velho filme do gorila» (pág. 155). Ou quando se fala do espectáculo que Yasmeen, que não se chama realmente Yasmeen e tem cabelo cor de laranja, está a pensar de-senvolver: espectáculo esse que «poderia (esperava ela) tornar--se também um livro, e (esperava realmente) um filme e (se tudo corresse mesmo, mesmo bem) um musical» (pág. 129).

Nesta obra de ficção assis-te-se a um debate filosófico--teológico entre dois sábios, a partir da campa de cada um. Ghazali de Tus, autor persa de «A Incoerência dos Filósofos», ata-ca os gregos e a filosofia em ge-ral, afirmando a sua incapaci-dade de provar a existência de Deus ou de provar a impossi-bilidade de haver mais do que um Deus, além de defender que o medo é essencial à reli-gião para aproximar o homem pecador de Deus, enquanto o filósofo Ibn Rushd, em 1195, a uma «distância de cem anos e de mil milhas», publica um livro intitulado «A Incoerência

da Incoerência», como forma de refutar as teorias de Ghazali e tentar conciliar as noções de ra-zão, lógica e ciência, «palavras chocantes para os seus contem-porâneos», com os conceitos de Deus, fé e Corão, o que resulta tão somente no facto de cair em desgraça e ver o seu livro ser queimado (pág. 21).

Rushdie constrói uma histó-ria que descola do extraordi-nário para entrar no reino do altamente improvável, com passagens cuja intenção me-taficcional pode ser vista de forma bastante clara, onde o autor parece reflectir sobre a própria natureza da sua escri-ta: «Embora a normalidade da cidade tivesse sido perturbada, talvez para sempre, pela eclo-são da grande guerra, a maior parte das pessoas não tinha conseguido compreendê-lo e continuava ainda perplexa com a irrupção do fantástico no quotidiano» (pág. 132, itá-licos nossos). Recorde-se que a definição mais simples de realismo mágico é quando se dá a irrupção do fantástico no quotidiano mas, ao contrário da literatura fantástica, sem criar perplexidade nas perso-

nagens. Ressalve-se ainda que o realismo mágico foi muitas vezes considerado como histó-rias de tapetes voadores, objec-to mágico saído das Mil e Uma Noites que também não falta a esta história (se bem que com um sistema de posicionamen-te que se avaria constantemen-te e por isso a sua passageira erra os andares a que preten-dia dirigir-se). Outro exemplo em que se pode perceber como a ficção é posta em causa nesta obra dá-se quando Yasmeen di-vaga sobre o facto de todos nós estarmos presos em histórias: «O que eu estou a pensar é que todas estas histórias são ficções, dizia ela, mesmo as que insis-tem em serem factos, como quem estava onde primeiro e que Deus de quem teve prece-dência sobre os outros, é tudo a fazer de conta, fantasias, as fantasias realistas e as fantasias fantásticas são ambas inventa-das, e a primeira coisa a saber sobre histórias inventadas é que são todas falsas da mesma maneira, Madame Bovary e as histórias zaragateiras de libá-nonima são ficcionais da mes-ma maneira que tapetes voado-res e génios» (pág. 130). E apesar

de já antes ter corrido perigo de vida, quando pôs em cau-sa a religião do seu país, com Os Versículos Satânicos, Salman Rushdie volta a demonstrar isso mesmo, que não só todos nós vivemos presos dentro de histórias mesmo quando essas «ficções estão a matar-nos, mas se não tivéssemos essas ficções talvez isso também nos matas-se» (pág. 130). Porque o rea-lismo mágico também é isto, mostrar que todos vivemos imbuídos de crenças e mito-logias talvez tão fantásticas como génios que vivem em lâmpadas mágicas.

Recordada a partir de um tempo distante no futuro, dez séculos depois (novamente o número mil) em que os fac-tos desta história se encon-tram ainda registados em fo-tografia ou filme, conhecidos como a Guerra dos Mundos, esta narrativa pretende ilus-trar a forma como teve início a «morte dos deuses» (pág. 293), em que a fé em cren-ças cegas é posta em causa, e livros como este serão vis-tos como relíquias ou como mitos fundadores ao nível da Odisseia ou da Bíblia.

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

Letras e leituras

fotos: d.r.

Salman Rushdie volta a incorrer na polémica de contestar as crenças e mitologias

06.05.2016  5Cultura.Sul

Panorâmica

‘WATT?' ou o desafio do desenvolvimento pela arte em territórios de baixa densidade

Criar obras de arte pública em conjunto com comunidades rurais algarvias é o desafio que a Funda-ção EDP lançou ao Laboratório de Actividades Criativas (LAC).

Vila do Bispo, Barão de São João, Mexilhoeira Grande, São Bartolo-meu de Messines, Alte e Alportel foram os locais escolhidos pelo LAC para a implementação do pro-jecto “WATT?”.

O p r i n c i p a l o b j e c t i v o d o “WATT?”, centra-se em envolver um tipo de população, que não está tão habituada a experiências culturais, na decisão e planeamen-to de obras de arte que serão reali-zadas em locais públicos.

“A Fundação EDP lançou o con-vite e o LAC é que tomou as deci-sões em termos de localidades e dos artistas”, explicou ao POSTAL a responsável pela produção do projecto, Carmo Serpa.

O projecto está dividido em qua-tro fases, sendo que a primeira ainda está a ser realizada e consis-te na apresentação do projecto às populações. Os artistas convidados reúnem-se em espaços das várias localidades com os cidadãos de forma a que “as populações acom-panhem o processo criativo todo”, afirma Carmo Serpa.

“Queremos que a população nos inspire porque na verdade, no final do projecto, os artistas e a produ-ção vão-se embora e o que fica em cada localidade são as obras que produziram e que passam a ser das pessoas”, enquadra a responsável.

Após a primeira fase de discus-são de ideias os artistas vão voltar às localidades já com um projecto das obras que pretendem fazer e apresentarão propostas à popu-lação. “Nós não queremos que as pessoas tenham de viver com obras que elas não gostam ou com as quais não se identificam”, refere Carmo Serpa. Daí a importância de uma pariticipação activa da comu-nidade, neste projecto que além de pioneiro se realiza em várias loca-lidades rurais de Portugal.

A terceira fase da iniciativa será a de produção e instalação das obras que irão ficar em espaços públicos a que toda a comunida-

de tenha acesso. “Provavelmente muitas das obras estarão expostas na rua mas não tem de o ser neces-sariamente”, disse a responsável ao CULTURA.SUL.

Prevê-se que a maioria das obras sejam murais, adianta Carmo.

Depois de realizadas e expostas as obras, a última fase do projecto passa por realizar visitas guiadas que contextualizem as obras espa-lhadas pelas localidades. “A nossa pretensão é fazer formação a nível local, de forma a tentarmos en-contrar entidades ou pessoas que consigam contextualizar as obras,

para as mostrar a quem não as co-nhece”. Ao todo serão entre duas a três obras em cada uma das regiões e não estarão expostas menos de dois anos.

Quanto aos artistas convidados, Menau é talvez o mais algarvio de todos eles, nascido e criado em Quarteira, começou a sua jornada artística em 1998 através do Gra-ffiti. Jorge Pereira, Mariana Santos, mais conhecida como “Mariana, a miserável”, Padure, Susana Gaudên-cio, Xana e Tiago Batista são os sete criativos que aceitaram o desafio de espalhar arte pelas ruas algarvias.

Falta de interesse da população em geral

O projecto já se apresentou nas lo-calidades de Alte e em Messines e se-gundo a organização “correu bastante bem”. Ainda assim, e apesar de terem “sempre público e pessoas super in-teressadas”, a organização disse ao POSTAL que gostava de ter uma pla-teia mais eclética.

O grande problema do arranque deste projecto, segundo Carmo Ser-pa, foi o facto de a população em geral não se interessar por eventos culturais “tanto quanto a organização gostaria”.

“Se calhar somos nós que somos muito ambiciosos”, refere a respon-sável, “gostaríamos de ter na sala pes-soas de todas as profissões, de todas as idades, de todos os níveis de formação e o que tem acontecido é que as pesso-as que se interessam pelo “Watt?” são aquelas que se interessam por projec-tos culturais em geral, não é um públi-co tão abrangente como nós gostaría-mos”, lamenta.

Em Messines já se preparam ideias para os projectos e as principais, para já, passam por ilustrar figuras impor-tantes da terra. Em Alte as propostas passaram “mais pelas tradições ou pela importância da presença da água na população”, referiu Carmo Serpa.

O nome do projecto é um tro-cadilho entre a palavra inglesa “what”, que significa “porquê”, e a unidade de medida da energia “watt eléctrico”.

No dia 6 de Maio os artistas apre-sentam o projecto no Centro Museo-lógico de Alportel. Um dia depois, a 7 de Maio, será a vez de Mexilhoeira Grande com uma conversa entre a co-munidade e os artistas na Sociedade Recreativa da Figueira. As entradas são gratuitas.

LAC promove a criação artística na região do sudoeste algarvio

O LAC é uma associação cultu-ral sem fins lucrativos formada em 1995 e com sede na Antiga Cadeia de Lagos. O edifício projectado por Cottinelli Telmo e cujos alicerces estão edificados sobre um antigo convento é um local com história, fazendo parte integrante da cidade.

Construído com outros objetivos, revela actualmente uma dicotomia interessante entre prisão/reclusão versus espaço de criatividade/liber-dade, ao tornar-se espaço de cria-ção reconverteu assim os moldes da sua existência, agora as celas são espaço de ateliê para artistas e a sua utilização e trabalho con-tribuem para a revitalização do edifício, dotando-o de uma nova história.

A associação é um espaço de re-sidências artísticas que tem como prioridade desenvolver e alargar o Programa de Residências Artísticas no LAC (PRALAC), com o objetivo principal de dinamizar e promover a criação artística na região e es-pecialmente na zona do sudoeste algarvio.

Em 2012, o LAC inaugurou a Ga-leria LAR, espaço de tertúlia e par-tilha nas diferentes vertentes artís-ticas. A Galeria é parte integrante do edifício destinado a alojar artistas integrados nas residências do LAC.

Mónica Monteiro (com Ricardo Claro)Jornalista [email protected]

Os artistas convidados reúnem-se em espaços das várias localidades com os cidadãos

fotos: ricardo claro

Em cada localidade serão realizadas duas ou três obras que ficarão expostas em espaços públicos

06.05.2016 6 Cultura.Sul

Saul Neves de JesusProfessor catedrático da UAlg;Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

Qual o 'espaço' para a arte digital na atualidade?Artes visuais

Colocamos a questão e quase a corrigimos desde logo, pois talvez não seja uma questão de “espaço”, mas sim do próprio “tempo”, pois há quem consi-dere que este é o tempo da arte digital. Efetivamente, uma das modalidades que tem assumido uma importância crescente nas artes visuais nos últimos anos diz respeito à utilização das denomi-nadas “novas tecnologias”.

Desde logo, com a digitaliza-ção dos sistemas fotográficos, a fotografia ainda se tornou mais popular, tanto mais porque este sistema está presente inclusiva-mente nos telemóveis, sendo a melhoria da qualidade fotográfi-ca nestes um dos aspetos em que as diversas marcas têm vindo a apostar nos modelos mais sofisti-cados. Assim, a fotografia digital está à distância de um “clique” a que todos podem ter acesso, sem qualquer custo, pois não é neces-sária revelação, encontrando-se reduzidas as etapas, aceleran-dos os processos e facilitada a manipulação, armazenamento e transmissão de imagens atra-vés da internet.

No seu livro “Art+Science”, Stephen Wilson (2010) procu-ra abordar a questão de como a inovação tecnológica está a co-meçar a ser a chave para a arte do século XXI. Não pretendendo aprofundar de forma exaustiva o impacto que o desenvolvimento das novas tecnologias tem tido na arte, gostaríamos no entanto de ilustrar este âmbito com o in-cremento na utilização do vídeo e do computador na produção artística.

Considera-se que, com a cres-cente importância das imagens na sociedade, na cultura e na co-municação e com o desenvolvi-mento das tecnologias de registo

de imagens em vídeo, a vídeo arte desenvolveu-se a partir dos anos 60 (Martin, 2006). Tal como nos anos 40 Jackson Pollock introdu-ziu uma perspetiva performativa de não causalidade em relação à pintura, nos anos 60 surgem ma-nifestações desta perspetiva em relação ao vídeo, encontrando-se isto bem sintetizado nas palavras de Bill Viola: “sem começo, sem final, sem direção, sem duração, o vídeo é como uma mente”. Um dos principais trabalhos de Bill Viola consistiu numa “cola-gem” de imagens com diferen-tes velocidades no trabalho “The reflecting pool” (1979), a partir da mera perspetiva de uma pis-cina com o salto de uma pessoa para a água, sendo apresentadas simultaneamente diferentes ve-locidades no movimento.

Em termos de vídeo arte, uma das artistas que mais se tem des-tacado nos últimos anos é Judith Barry, à qual foi dedicada uma exposição no Museu Colecção Berardo, do Centro Cultural de Belém (CCB), intitulada “Body Without Limits”, em 2010. Dos trabalhos expostos destacaría-mos “Imagination, Dead Ima-gine”, produzido em 1991, no qual é apresentado um cubo de grande dimensão, sendo projetados vídeos feitos a partir de vários ângulos que se estru-turam como um todo nas qua-tro faces, permitindo criar uma percepção global do conteúdo fílmico que está a ser observado. Ao contrário de alguns artistas que, com o incremento do ví-deo como meio de arte, come-çaram a utilizá-lo como único meio de expressão a partir dos anos 80, Judith utilizou várias técnicas para exprimir as suas ideias, pelo que podemos en-contrar vários meios de expres-são artística no seu trabalho, em particular instalação, vídeo, escultura e fotografia. É assim cada vez mais difícil delimitar as categorias das artes visuais utilizadas pelos artistas no seu trabalho, pois assumem uma perspetiva multidisciplinar, em que utilizam algumas das várias categorias possíveis, integrando a sua utilização.

Com o desenvolvimento das novas tecnologias, em particular

da internet, nos anos 90 surgiu o movimento designado media arte em que se inserem projetos que fazem uso das tecnologias emergentes e que se preocupam com as possibilidades estéticas dessas ferramentas (Tribe & Jana, 2010). Considera-se que a primeira experiência a este nível ocorreu em 1993, quan-do dois artistas europeus, Joan Heemskerk e Dirk Paesmans, criaram o site jodi.org, mos-trando que a internet não era apenas um meio para partilhar informação, mas que podia ser também um instrumento para veicular arte. Os termos arte di-gital, arte de computador, arte multimédia, arte interativa e media arte começam então a ser utilizados para descrever traba-lhos que eram feitos utilizando a tecnologia digital, como se-jam as instalações multimédia interativas, os ambientes de re-alidade virtual e a arte baseada na net. Este movimento inclui a video art e os filmes experimen-tais, mas vai mais além na uti-lização das novas tecnologias.

No âmbito da nossa prática artística, produzimos a anima-ção “Stress”, utilizando as novas tecnologias. Esta encontra-se disponível no youtube, através do link http://www.youtube.com/watch?v=leZsbiqbYoM

Tivemos em conta que o au-mento do ritmo respiratório e dos batimentos cardíacos são dos principais sintomas que podem surgir nas situações de stresse. Em termos de fatores de stresse, podem ser exter-nos, como seja a pressão so-cial, isto é, a exigência colocada por outros sobre o sujeito, mas também pode ser derivada de fatores internos, como seja a exi-gência que o sujeito se coloca a si próprio.

Para a realização deste traba-lho de abordagem do stresse através de meios audiovisuais, utilizámos o trabalho feito em desenho “Stresse cardíaco”, que havíamos produzido anterior-mente. Assim, a partir de fotos dos dois desenhos do coração, foi feita uma montagem com o programa “EDIUS”, no sentido de simular o batimento cardí-aco, integrando ainda todos os outros sons e imagens que fa-zem parte desta produção.

Estas imagens sucedem-se a uma frequência de 63 pulsa-ções por minuto, sendo acom-panhadas pelo respetivo som das pulsações.

Durante o primeiro minuto é simultaneamente integrado um som de respiração lenta do su-jeito, cujo batimento cardíaco é simulado com a alternância dos

desenhos. Há uma relação en-tre o ritmo da respiração e a fre-quência do batimento cardíaco.

No final do primeiro minu-to, o próprio sujeito que está a respirar diz, de forma tranquila, “That’s being a day!” (“Isto é que está a ser um dia!”), traduzindo a influência que a atitude do próprio sujeito pode ter no seu nível de stresse.

Ao minuto e quinze segun-dos surge uma voz exterior que refere, de forma calma, “You’ve done what I asked you?” (“Já fi-zeste o que te pedi?”). Esta voz pretende representar a influên-cia que os fatores externos, em particular outros sujeitos, po-dem ter sobre o nível de stresse.

O sujeito responde calma-mente “I’m doing it” (“Estou a fazer”) e o ritmo cardíaco per-manece tranquilo durante este período.

Ao minuto e quarenta, a mesma voz exterior que repre-senta o chefe do sujeito diz, de forma agressiva, “You’ve done what I asked you?”, aumen-tando consideravelmente o ritmo respiratório do sujeito, bem como o seu ritmo cardía-co. Isto é, a voz exterior coloca exatamente a mesma questão que havia colocado antes, mas varia na forma como esta é co-locada e isso tem um impato

direto no nível de stresse do su-jeito, o qual responde o mesmo que anteriormente, “I’m doing it”, mas de forma stressada. O som do tic-tac de um relógio surge também a partir deste momento, traduzindo a pres-são do tempo colocada sobre o sujeito para realizar o seu trabalho.

Aos dois minutos, o sujeito refere, de forma ofegante e irri-tada, “That’s being a day!”. Este comentário do sujeito é exata-mente o mesmo que ele havia feito inicialmente com prazer e satisfação, mas que agora faz de forma brusca e com insa-tisfação, traduzindo o impato dos pensamentos, das crenças e das auto-verbalizações do sujei-to sobre o seu próprio nível de stresse. Nesta circunstância, os ritmos respiratório e cardíaco continuam a aumentar, che-gando às 182 pulsações aos dois minutos e quinze, mo-mento em que o sujeito grita “Ahhhh!” e o coração deixa de funcionar, passando o ruído do ECG a ser contínuo, repre-sentando a situação de morte do sujeito, derivada do stresse resultante da pressão externa e da atitude negativa do próprio sujeito.

Para além de pretendermos expressar diversos aspetos do stresse neste breve vídeo, qui-semos também que o mesmo pudesse ter algum efeito no stresse do próprio espetador. Nesse sentido, utilizámos uma gradação que leva a que, de um início calmo e relaxante, quer ao nível da imagem, quer ao ní-vel do som, passemos para uma clara aceleração no ritmo da imagem e do som, expressan-do um aumento da intensidade dramática. As vozes são sempre apresentadas fora de campo, o que também contribui para um efeito surpresa que permi-te aumentar o seu impacto no nível de stresse do espetador.

Nota: Algumas das refle-xões apresentadas neste artigo

encontram-se no livro “Construção de um percurso multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes

Visuais”, de Saul Neves de Jesus ([email protected])

Vídeo “Imagination, Dead Imagine”, de Judith Barry (1991)

fotos: d.r.

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“PELO SONHO É QUE VAMOS”12 MAI | 19.30 | Centro Cultural de LagosApresentação de diversas coreografias, incluindo as premiadas e apuradas para o final do dance World Cup jersey, interpretadas pelos alunos e professores da Escola de Dança de Lagos

“MERCADOS NO ALGARVE AO LONGO DOS TEMPOS”Até 27 MAI | Casa do Sal - Castro MarimMostra fotográfica colectiva, actual e retrospectiva dos mercados de rua, mensais ou semanais, e feiras anuais, assim como de bilhetes-postais ilustrados

06.05.2016  7Cultura.Sul

Filosofia dia-a-dia

A compaixão é natural

Quanto mais cuidamos da felicidade dos outros, maior é a nossa sensação de bem-estar.

Dalai Lama

O impulso para ajudar sur-ge espontaneamente, é quase um acto reflexo: alguém es-correga, os braços estendem--se para amparar; um carro empanado, juntamo-nos para empurrar; alguém se sente triste, tentamos con-solar.

O treino da entre-ajuda começa cedo, no seio fami-liar, com a distribuição das tarefas domésticas que visam o bem comum, ou em activi-dades tais como os despor-tos em equipa ou o volun-tariado.

Quando um grupo de pes-soas se junta com este espi-rito de entre-ajuda, as coisas acontecem quase sem esfor-ço e todos se sentem melhor, mais alegres, de alma nutri-da. A oportunidade de ex-pressar a nossa generosidade inata proporciona um prazer profundo, sentimo-nos parte de um todo, temos um vis-lumbre da unidade primor-dial.

Quando a ajuda corre mal

Muito ajuda quem não atrapalha.

Provérbio Popular

Embora o impulso para aju-dar seja inato, será que isso basta? Vejamos alguns exem-plos reais:

Numa aldeia remota os ha-bitantes, sobretudo mulheres e crianças, caminhavam qui-lómetros para trazer água po-tável para as suas casas. Uma ONG conseguiu fundos para instalar água canalizada. Foi um processo moroso e um investimento considerável. Pouco tempo depois da obra concluída a canalização foi

vandalizada. Um estudo an-tropológico revelou que era durante a caminhada para ir buscar água que as mulheres falavam umas com as outras livremente, sem a presença e a censura dos homens. Era o seu momento de intimidade feminina, partilhavam confi-dências, saberes, conselhos. Riam juntas. Os “benfeitores” chocados com a dureza do seu dia a dia, projectaram o seu próprio desconforto na condição destas mulheres, des-conforto esse que elas próprias não sentiam. Tentaram resol-ver um problema para elas inexistente e, pelo contrário, criaram um outro problema, esse sim tão doloroso - a su-pressão do seu único espaço de liberdade - que as levou a um acto de vandalismo.

No Natal, uma organização de caridade angariou fundos e ofereceu bengalas articuladas a uma comunidade de cegos. Para grande surpresa, a maio-ria destas novas e sofisticadas bengalas apareceu pouco tem-po depois à venda em merca-dos de rua. Por que é que isto

aconteceu? Em primeiro lugar todos estes cegos já tinham a sua bengala. O presente era, portanto, supérfluo. Em se-gundo lugar, cada bengala ti-nha a sua história: uma tinha sido a oferta de um filho emi-grado, outra ganha num con-curso de xadrez para invisuais, um dos presenteados não se adaptou de todo a uma ben-gala articulada, e assim por diante. Em vez de gerar feli-cidade e gratidão, a iniciativa foi recebida como descabida, intrusiva até.

O que é que estas duas his-tórias têm em comum? Em ambos os casos os supostos benfeitores actuaram unila-teralmente. Decidiram tudo sem perguntar aos directa-mente interessados de que é que eles precisavam, que tipo de ajuda gostariam de rece-ber. Que pretensão de ajudar é esta que ignora totalmente o outro? Como posso preten-der saber o que é que o outro deve fazer, ou o que é que lhe convém sem sequer lhe per-guntar? Mas que grande dose de arrogância!

A Prisão do Benfeitor

Algemados de pernas e pescoços, só lhes é dado permanecer no mesmo lu-gar e olhar em frente.Alegoria da Caverna, Platão

Somos encorajados a ajudar e essa ajuda é frequentemente recompensada. No entanto, a partir do momento em que o sentido da recompensa preva-lece, a expressão da compai-xão natural foi tergiversada. Infelizmente, estes subterfú-gios começam cedo: se for pôr o lixo na rua talvez o meu pai me empreste o carro; ajudo nas compras e consigo que a mãe me faça o meu bolo favorito; etc. Já adultos, esta tendência mantém-se: oferecemo-nos como voluntários em busca de reconhecimento. Ocupamo--nos com os problemas dos ou-tros para fugir de enfrentar os nossos próprios problemas. Ao julgarmo-nos capazes de aju-dar sentimo-nos poderosos e respeitáveis.

É muito difícil encontrar

uma disposição para ajudar que não esteja toldada por necessidades pessoais. Basta olharmos para dentro com atenção. Qual é realmente a minha motivação? Existe um grande potencial no reconhe-cimento das nossas intenções, que na maioria dos casos se revelam muito menos nobres do que aparentavam. O simples facto de estarmos alerta para as armadilhas da nossa mente pode constituir o princípio da libertação. É o virar do pesco-ço do prisioneiro no fundo da caverna platónica. Tudo come-ça pela mudança do ponto de vista.

A Verdadeira Ajuda

Com o rio aprendeu como ouvir com um coração sossegado e uma mente aberta, sem paixões, nem desejos, julgamentos ou opiniões.

Siddhartha,Hermann Hesse

A nossa capacidade para

ajudar não depende tanto dos nossos recursos financei-ros, dos nossos conhecimen-tos, das nossas capacidades, do nosso treino ou até do nosso tempo. De que depen-de, então? Depende, sobretu-do, do nosso estado mental. Uma mente dispersa, con-fusa, deprimida ou agitada dificilmente propicia ajuda adequada.

Não é somente o que fa-zemos, mas a forma como o fazemos. A motivação de que estão imbuídos os nos-sos actos.

Embora raras, existem pes-soas que com a sua mera pre-sença já estão a beneficiar os outros. Alguns de nós já terão tido esta experiência: estar na presença de alguém que tem uma mente aberta, sossega-da, alegre, receptiva e refle-xiva constitui, por si só, uma enorme ajuda!

A maioria de nós, enquan-to ajuda, tem a mente ocupa-da com outras coisas: está a planear, a calcular, a avaliar, a julgar, a tomar as coisas pessoalmente e a sentir-se ofendido, ou está aborreci-do, zangado, mal-disposto... A lista de distracções da men-te é interminável! Quer dizer, estamos primeiramente com os nossos pensamentos, e não com o outro! Não só a nossa capacidade de escuta dimi-nui, mas a rede conceptual que a nossa mente vai tecen-do constrói um filtro que selecciona a informação. Já não ouvimos de forma isen-ta. Com tanta actividade e re-actividade mental, o espaço de encontro com o outro é diminuto. A motivação fraca não consegue eliminar as dis-tracções da mente. A verda-deira ajuda presta-se apenas quando estamos totalmente concentrados nas necessida-des do outro e esquecidos de nós. Cessa a diferença de pa-péis entre “aquele que presta ajuda” e “aquele que é ajuda-do”. Quando as personagens que desempenhamos caem por terra, o que existe é ape-nas um espaço comum. Livres da ilusão de uma existência separada, estamos agora uni-dos nessa compaixão primor-dial intrínseca a todos nós.

Busco um exemplo a seguir e lembro-me das árvores. As árvores sem falar ou saírem do seu lugar, dão-nos som-bra, alimentos e oxigénio. Sendo essenciais para a vida não esperam gratidão.

Posso ajudar?

Maria João Neves Ph.DInvestigadora da Universidade Nova de [email protected]

d.r.

06.05.2016 8 Cultura.Sul

Amália Rodrigues e Fernanda de Castro no I Festival do Algarve (1964)

d.r.

Numa inesperada visita a Sil-ves em 1996, em conversa com o então presidente da edilidade José Viola, Amália não esqueceria de relembrar um dos elos afecti-vos que mais a ligava ao Algar-ve: Alberto Costa. Amigo dilecto, antigo colega de andanças mu-sicais e influência importante no arranque da vida artística da fa-dista, viveu em Silves até ao fim dos seus dias (1987) enquanto proprietário, junto com o ir-mão Américo Costa, do selecto e concorrido Café Havaneza, lu-gar de cultura e convivialidade que aglutinava na sua clientela habitual as classes média-alta da vetusta cidade banhada pelo rio Arade.

Costa nascera em Torres do Mondego (Coimbra) em 1898 e depois da família se mudar para o bairro de Alfama, em Lis-boa, nasceria no seu espírito um fascínio arrebatador pelo fado. Aos 11 anos, na escola e desa-fiado por um professor, cantava versos de João de Deus. Três anos depois, já actuava em público em colectividades, sociedades re-creativas e festas de beneficência, tornando-se uma figura carismá-tica no meio fadista e integran-do-se numa geração que, junto com nomes como Berta Cardoso, Ercília Costa, Alfredo Marceneiro ou Joaquim Campos, se foi afir-mando gradualmente no pano-rama musical nacional ao longo dos anos 20 e inícios da década de 30 do século passado.

“Reúne a uma bela dicção uma voz impregnada do mais puro sentimento e isso tem feito dele um dos cantadores mais preferidos”, podia ler-se na imprensa em 1923 sobre Alberto Costa. Foi um dos res-ponsáveis, junto com Joaquim Campos Silva, pela fundação do Grémio Artístico dos Amigos do Fado, no bairro da Graça, o qual tinha por missão “ajudar os necessitados a levantar o fado”, “fazer aquilo que os ve-lhos nunca tentaram”. Ou seja, “roubar a criança à mãe”, como Costa gostava de frisar numa entrevista ao jornal Guitarra de Portugal (dirigido por Linhares

Barbosa) em Maio de 1923, isto para defender que o fado devia distanciar-se do contexto da ta-berna, por este não dignificar o género e seus intérpretes. E “se um dia o [o fado] cantarmos na taberna é para arrancar de lá os que o comprometem”.

Tendo sido um dos primeiros artistas portugueses com edições discográficas (são da sua autoria alguns fados tradicionais como as músicas do “Fado Bragança”, “Fado Dois Tons” ou “Fado Tor-res do Mondego”), gravaria em 1926 para a Valentim de Carva-lho e no ano seguinte estreou--se como cantor profissional no Ferro de Engomar, velho retiro que o próprio intérprete viria a gerir, transformando-o num espaço musical com elenco fixo frequentado pela classe média. Em 1928 o seu ideal de “casa de fado” concretiza-se no Solar da Alegria, administrado por si, passando o seu percurso artísti-co ainda por outros espaços de referência como o Penedo da Sau-dade, o Retiro da Severa ou o Café Mondego, além de digressões or-ganizadas por si ou em parceria artística levando grupos de fadis-tas à província.

A sua experiência e influência como empresário e profundo co-nhecedor do circuito fadístico e da vida boémia lisboeta foram importantes para a então jovem Amália Rodrigues, que se estreou profissionalmente aos 19 anos no Retiro da Severa (ganhava 500 escudos por mês), onde decerto conheceu Alberto Costa. Amália passou depois, num trajecto de fulgurante ascensão e reconhe-cimento, pelos também já refe-ridos Solar da Alegria (a partir de 1943, como artista exclusiva) e Café Mondego, e posteriormente, através do empresário José Melo, pelo emblemático Café Luso. Amália cantaria mesmo compo-sições de Costa na Adega Macha-do, a cujo núcleo de fadistas este também pertencia, e integraria ainda, durante os anos 30 e 40, várias digressões nacionais, de grande impacto mediático, or-ganizadas pelo mesmo com o elenco seleccionado do Retiro da Severa, que incluíam o próprio Alberto Costa, Alfredo Duarte (Marceneiro), Armandinho, Ma-ria Emília Ferreira, Júlio Proença, José Porfírio, Adelina Ramos, Na-tividade Pereira, Natália dos An-jos e Amália Rodrigues. Era uma “embaixada do fado dos artistas do Retiro da Severa”, proporcio-nando uma “verdadeira verbena de Verão da Canção Nacional”, como podia ler-se nos cartazes

publicitários da época. Alber-to Costa abandonaria depois a vida artística em 1939, venden-do os seus negócios em Lisboa, e rumou a Silves comprando o Café “A Pernambucana” a José Gabriel Pinto (ligado ao ramo corticeiro), passando depois a chamar-se “Café Havaneza”, es-tabelecimento que perduraria até 1977. Amália visitava-o sem-pre que se deslocava ao Algarve, tendo decerto aí actuado, junto com Costa, em moldes mais in-timistas/informais, revisitando outros tempos.

A partir da década de 50 Amália começa a gravar regu-

larmente, conhece o poeta Da-vid Mourão-Ferreira (que escreve “Primavera” para si em 1953) e internacionaliza-se, viajando por todo o mundo, com grande impacto sobretudo em França e nos Estados Unidos. As suas aparições em Portugal passam a ser muito esporádicas nesta fase, mas, por exemplo, em 30 de Abril de 1950 a “rainha do fado” teve mesmo direito a uma lápide evocativa que assinalou a sua gloriosa passagem pelo an-tigo cinema de Olhão, a qual se conserva actualmente no Museu do Trajo de S. Brás de Alportel.

Nos anos 60 as suas vindas ao Algarve ocorrem sobretudo du-rante os períodos da Páscoa e do Verão, actuando na maioria das vezes em casinos e hotéis (sobre-tudo Monte-Gordo, Vilamoura, Armação de Pêra, Praia da Ro-cha). Ao pernoitar no Hotel Vasco da Gama, em Monte-Gordo, em 28 de Agosto de 1965, Amália deixaria o seu comentário no livro de hóspedes: “O grande Vasco da Gama foi grande des-cobridor. Quem dorme aqui numa cama descobre o hotel melhor”. Sensível às causas soli-dárias, a fadista actuaria a 2 de

Agosto de 1964 na Alameda João de Deus, em Faro, num espectá-culo apresentado pelo declama-dor farense João Pinto Dias Pires e por José Saldanha, e cuja receita reverteu a favor da instituição de assistência social a crianças “Flo-rinhas do Sul”, da qual Amália era madrinha. Em 1969, antes da sua partida para uma digres-são na União Soviética, Amália actuaria para os clientes do Hotel Algarve, na Praia da Rocha, acom-panhada da sua formação habi-tual: José Fontes Rocha (guitarra portuguesa), Júlio Gomes (viola) e Joel Pina (viola-baixo).

Além de Alberto Costa, evoco

novamente João Belchior Vie-gas, a cuja memória dediquei esta série de três artigos e com quem tive o privilégio de privar durante ano e meio em S. Brás de Alportel. Após o falecimento de Amália em 1999, que muito o abalou, desencantou-se com Lis-boa e voltou para a terra-natal dos seus pais, ambos de S. Brás, onde começou a colaborar com a Biblioteca Municipal (a quem doou o seu espólio literário), in-clusive coordenando o seu clube de leitura em parceria comigo, o qual arrancou a 23 de Abril de 2003. Foi a minha amiga Teresa Oliveira, bibliotecária, que me apresentou este homem discre-to, atento, inteligente, crítico, cer-teiro na palavra (deliciosamente), mordaz e com sentido de humor, que me iria marcar para o resto da vida – pelas conversas, histó-rias, curiosidades e rituais diários (como o café com queque de noz que partilhávamos quase diaria-mente no Café da Vila ao fim da tarde) que nos uniam. Nas horas essenciais nunca me faltou.

O João nasceu em Lisboa em 1926, frequentou o Colégio Mo-derno até 1944 e depois o Liceu Camões, integrou nos anos 50 o

grupo literário Távola Redonda (fundado pelo seu maior amigo, o poeta David Mourão-Ferreira), trabalhou com o pai no Montijo no ramo corticeiro e integrou, desde meados da década de 50, os quadros da Valentim de Car-valho, assumindo em 1965 a chefia dos seus estúdios em Paço d’Arcos (Oeiras) – onde produziu vários discos de Amália, entre eles Gostava de ser quem era (1980) e Lágrima (1983), ambos inteira-mente com letras da fadista –, função que acumulava com a de seu agente artístico.

Recordo nitidamente o nosso último momento, no sítio das

Mealhas (S. Brás), no final do Verão de 2004: ligou-me para o telemóvel (coisa rara nele) pois queria muito ver-me para me dar algo. Vim a perceber depois que era um quadro que sem-pre estivera na sua sala de estar, com grande valor afectivo para si, e que eu muito apreciava (ele sabia-o pois nunca consegui dis-farçar o meu fascínio por aquela obra), com desenhos de Francis-co Simões e versos eróticos de Da-vid Mourão-Ferreira escritos pela sua própria mão e que acompa-nhavam as linhas das silhuetas das mulheres representadas. Passada uma semana, o João deixou-nos. Dois anos depois, o seu grande amigo José Ma-nuel dos Santos escreveria: “Pos-suía as qualidades e até alguns dos defeitos necessários para o conquistar [o mundo], excepto a vontade de ter vontade para isso. E defendia-se do mundo, atacando-o. Nunca conheci nin-guém que fosse tão capaz de ver a nódoa no melhor pano”.

Eficaz, fiel e invisível – a pin-tora Maluda faria um retrato seu que é ilustrativo, em que há um corpo, mas não há tra-ços no rosto –, esteve nos me-

lhores e mais difíceis momen-tos da vida de Amália. Correu o mundo com ela, aconselhou-a e transmitiu-lhe aquela segu-rança e conforto que alguém com a personalidade intensa e inquieta da fadista tanto preci-sava. Em 1984, quando Amália refugiou-se no hotel Milford Plaza em Nova Iorque pensan-do que teria uma doença fatal, num momento de profunda tristeza e desespero em que terá até equacionado o suicídio, foi ao João Belchior que ela enviou uma carta (inédita) que passo a transcrever:

Querido Belchior Tenho tentado telefonar-lhe mas

a diferença das horas não me dei-xou encontra-lo. Quero dizer-lhe que gosto muito de si, que não gos-to nada de estar aqui e que estou cheia de medo! Só amanhã é que vou saber se tenho de ser operada. Não fique triste. Todos nós temos que ir e eu, como já deu por isso, não gosto de cá andar! Só lhe digo isto porque julgo que para si será um bocadinho menos triste… No caso de eu ficar por cá, queria pe-dir-lhe um favor. Gostava que con-tinuassem a pagar ao Carlos Gon-çalves [músico de Amália (guitarra portuguesa)] e, no caso de a vida aumentar muito, dar-lhe os meus direitos da Valentim de Carvalho. Direitos do[s] [discos] Gostava de ser quem era e Lágrima. Agradecia que dissesse isto ao Rui [Valentim de Carvalho]. Até quando Deus quiser. Se Deus quiser… Agradeço--lhe muito cá de dentro de mim a amizade que me deu e que me deu tanto! Também gostava que conti-nuassem na mesma a seguir com o disco das cantigas americanas [Amália na Broadway]. Um beiji-nho muito grande e grande parte de mim. Obrigada por tudo!

Amália

Também eu te sou grato, meu querido João, por uma amizade que soube a pouco e a tanto, que fez da minha vida mais vida e que foi, acima de tudo, certeza (não é isso que a distingue do amor?). Depois de ti acredito mais em Demócrito: “a amizade de um único ser humano inte-ligente é melhor do que a ami-zade de todos os insensatos”. E obrigado por me mostrares, do teu jeito, uma mulher apaixonan-te, de seu nome Amália, que gos-tava de cantar de olhos fechados (como o seu pai quando tocava cornetim) e que, à imagem da bonita voz de sua mãe, não era capaz de cantar sempre da mes-ma maneira.

Amália ao sul (conclusão)Sala de leitura

Paulo PiresProgramador culturalno Município de Louléhttp://escrytos.blogspot.pt

In memoriam João Belchior Viegas À Teresa Oliveira, ao Gonçalo Couceiro e à Adelina Costa

06.05.2016  9Cultura.Sul

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

AGENDAR

“A BUNCH OF MENINOS”14 MAI | 21.30 | Centro Cultural de LagosSem letras nem palavras, os Dead Combo, duo constituído por Tó Trips e Pedro Gonçalves, can-tam com uma clareza desarmante o Tejo e Lisboa, Portugal e o Mediterrâneo

“MOURASENCANTADAS”De 10 a 30 MAI | Galeria Samora Barros - AlbufeiraSofia Pinto Correia expõe bonecas ilustrativas de mouras encantadas, confeccionadas e pintadas por si, baseadas nas antigas lendas portuguesas

Maio

Pedro [email protected]

Maio

É o mês mais importante das nossas vidas. É a esperança contida no acrescento de luz nas horas dos dias. Lavados os céus, das nuvens que viajam do norte, abrimos os olhos ao horizon-te, largo, abrangente. Lançados nesse infinito - azul – pois claro! a inegável mais bela cor que conseguimos sonhar…

EDITA Portugal, em Tavira

A 36ª edição do Festival Ibero-americano da Edição, da Poesia e das Artes, começou ontem em Vila Real de Stº António, e estará hoje, 6 e amanhã, 7, em Tavira, com comunicações às 17h, no auditório do Clube de Tavira (rua da liberdade). À noite, pelas 22h, no foyer da Casa Álvaro de Campos (ali à esquerda nas escadi-nhas do arco que levam à Igreja da Misericór-

dia), têm lugar os recitais de poesia.É também na galeria desta associação que

decorrem as exposições dos artistas plásticos presentes nesta edição.

Paulo Tomé, José Bivar, Eduardo Pinto, Ma-nuel Neto dos Santos, Fernando Esteves Pinto, Vitor Gil Cardeira, Fernando Pessanha, Artur Filipe, Adão Contreiras, Paulo Moreira, Adília César, Pedro Jubilot, Marco Mackaaij, José Ma-nuel Ferreira, Cristiano Cruz, Célia Mendes, Pe-dro Vale, Joana Rego, Gilda David, João Pereira, Pedro O. Tavares, Ana Amorim Dias, Osvaldo Rocha, João Caldeira Romão, Miguel Godinho, José Estevão Cruz, Beliza de Almeida e Sousa, Manuel de Almeida e Sousa, Carlos Campaniço, Renato Santos, Maria Luísa Francisco – são os editores, poetas e artistas algarvios presentes no encontro.

«Antes da Iluminação»

Foi o título escolhido por Mariano Alejandro Ribeiro para a sua estreia em livro de poesia na editora Mariposa Azual. Nascido em Buenos Ai-res em 1993, vive desde os nove anos de idade em Tavira. Tem poemas publicados no jornal literário da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Os Fazedores de Letras, e na coletâ-nea Sizígia, da editora CanalSonora.

As regras do pugilismo

Não te iludas,O teu uppercut à pugilista dos anos trinta é so-

brevalorizadoOs sinos dobram por aquele rapazinho no ghet-

to a atirar murrosÀ malucaQue um dia cresceu e achou que as capacidades

descritivas

De Ernesto HemingwayEram fracasE que o teu uppercut à pugilista dos anos

trintaEra fracoMas mesmo assim,E contra todas as probabilidades,Ó, quem diria,Descobriu que o alude emocionalDas neves do KilimanjaroChegavaPara um knockout

Viva a Primavera

“Viva a Primavera”, é uma exposição de Artes Plásticas, organizada pela Armação do Artista, com artistas da cidade de Tavira, ou a residir na cidade, e tem como objectivo extrapolar o espaço convencional da “galeria”, imprimindo desta forma uma outra abrangência / envolvência, pois trata-se de levar as obras dos artistas para a “rua”, permi-tindo um maior contacto com o cidadão comum. Para o efeito convocou-se um conjunto de estabele-cimentos do comércio local, afim de, nas montras desses espaços se poderem expor as obras dos ar-tistas, numa desconstrução do processo tradicional de exposições.

A exposição inaugurada a 25 de abril, ficará patente ao público durante trinta dias. Nela par-ticipam os Artistas Plásticos: Ângelo Encarnação, Ângelo Gonçalves, Kinga Subicka, Leif Lonne, Mar-garida Santos, Miguel Martinho, Pedro Fernandes, Vinicius Almada, José Mário Carolino. A maioria dos estabelecimentos comerciais que aderiram es-tão na Rua da Liberdade e na zona comercial pe-donal: Eduardo Reis / Atelier, Fotografia Andrade, Casa Stick, Goji / Cafetaria, Anas / Lingerie-Tavira, Ativar Tavira, O Arco Sport e Fotografia Algarve.

Esta atividade está inserida no programa “Viva a Primavera!” promovido pela autarquia e asso-ciações culturais do concelho, visando estimular e valorizar a criatividade da comunidade, a iniciativa das organizações, as práticas culturais e o apareci-mento de novos talentos artísticos, num período

de renovação da natureza que vai do equinócio da primavera ao período do solstício de verão.

«Telegramas do Mediterrâneo» de Pedro Jubilot

Do Algarve, diz-se (por piada ou por desejo) ter erradamente ficado fora do Mar Mediterrâ-neo, quando tem características semelhantes na sua gastronomia, arquitectura, atmosfera, ou pela paisagem, ambientes, cultura. E por receber os ventos que sopram de levante, cruzando o Estreito de Gibraltar, vindo estabelecer-se nas suas praias, trazendo o apelo e a inspiração à viagem poética.

cacela velha. algarve. portugal

nesse abstracto arrebatamento me trago para um pouco de deleite na amurada junto à ria. daqui vejo o que ele viu, sinto o que ele sentiu? atento, sereno, confiante? só se não ouvir hoje o ruído de todos es-tes dias, ou então se me lembrar de como as coisas já foram simples

neste pedaço muito próprio que remanesceu de mediterrâneo aspira-se a um novo dia infinito. aci-ma da praia, onde o mar se em-prata de lua ou se vai na-mouriscar, facilmente se encarna o inesgotável inebriamento de ibn darraj al-qastalli

só aqui se não deseja parar o tempo. e se acaso al-guém souber de outro lugar assim de tão belo, poderá vir um dia trocar de morada comigo.

Casa Álvaro de Campos – Tavira

A casa de todas as artes e todos os artistas conti-nua a esperar a visita de todos amantes da cultura. Neste maio, recebe a exposição de pintura – «Do comer e do pintar» de Rosário Félix (sex, 13, às 18 h.); «Caetanando», um espetáculo musical com a chancela da Associação Cultural Rock da BaixaMar (Sáb, 14 – 21,30h); apresentação do livro «Lugar Sinónimo», de Pedro Oliveira Tavares e João Pereira (sáb, 21 - 18h) e «Sons da Primavera» - concerto de piano por Marcelo Montes (sáb, 21 -21h30). Na úl-tima sexta do mês às 18h, continua o «Café Filosófi-co» com Maria João Neves. Informação adicional no facebook da associação.

fotos: d.r.

06.05.2016 10 Cultura.Sul

Interculturalidade

A questão da diversidade cul-tural passou, em pouco mais de uma década, a ser um tema de discussão, a várias vozes, nos diversos fóruns políticos, quer a nível nacional, quer a nível local.

Portugal tem vindo a assu-mir-se como país pioneiro na implementação de políticas de inclusão social, e de boas prá-ticas, com impacto na vida de todos os que precisam de ser acolhidos.

No quadro de articulação entre o poder central e local os municípios são convocados a corresponder aos desafios que se lhes colocam em matéria de acolhimento dos imigrantes, num esforço conjunto com os parceiros locais, assumindo-se, cada vez mais, como um mu-nicípio de todos e para todos, protagonizando uma política de inclusão, através da imple-mentação de respostas sociais que respondam às necessida-des de quem nos procura para viver.

Portimão, uma terra de parti-das e chegadas, nas palavras de

Manuel Teixeira Gomes, tem a construção da sua identidade, enquanto comunidade, basea-da no acolhimento e tolerância. Neste processo tem vindo a de-senvolver múltiplas atividades no sentido de “bem” acolher e ser uma cidade tolerante e so-lidária para os migrantes de 62 nacionalidades diferentes exis-tentes no Município.

Nesta linha de atuação o mu-nicípio de Portimão há muito que dá o exemplo de boas práticas em matéria de políti-cas de acolhimento e inclusão de imigrantes, respondendo às necessidades dos cerca de sete mil imigrantes residentes no concelho.

Desafiado pelo ACM (Alto Comissariado para as Migra-ções - ACM, I.P), para a cons-

trução de um Plano Municipal para a Integração dos Imigran-tes, em que sistematizasse todo o trabalho que de alguma for-ma tem vindo a ser desenvol-vido nesta área, continuando a dar exemplos de boas práticas, o município apresentou a sua candidatura em Abril de 2015, estruturado em cinco áreas de intervenção.

Importante instrumento de trabalho construído com a rede CLAS, rede local com base num diagnóstico de necessida-des sentidas pelos imigrantes residentes, concretizou já duas das medidas implementadas, sendo uma delas a inaugura-ção do CLAIM - Centro Local de Atendimento e Integração dos Migrantes no dia 21 des-te mês, no edifício da Câmara

Municipal. Outro dos projetos apresen-

tados foi o Programa Mentores que desde 2015 representa uma resposta social inovado-ra, reforçando o acolhimento e integração dos imigrantes através do envolvimento di-reto da própria sociedade, as-sente numa troca, entreajuda e apoio entre voluntários (cida-dãos portugueses) e migrantes (emigrantes e imigrantes). Tem por base a existência de mento-res disponíveis para estabele-cer compromissos de mentoria com cidadãos migrantes (men-torados), facultando uma troca de apoios / auxílios, aconselha-mentos e / ou esclarecimentos a vários níveis, facilitando a sua integração na comunidade.

De destacar a iniciativa “Fa-

mília do Lado” que em novem-bro de 2015 reuniu à mesa famílias portimonenses e imi-grantes que abriram as portas das suas casas a outras famílias que não conheciam para a re-alização de um almoço-con-vívio, típico da sua cultura de origem, como forma de acolhi-mento do “outro”. Portimão foi a segunda cidade do país que registou o maior número de famílias participantes na ini-ciativa.

As comemorações do Dia da Cidade

11 de dezembro de 2015 foi também uma ocasião para dar voz àqueles que vieram de outras paragens e fizeram de Portimão a sua casa, tendo sido convidados a participar ativamente na sessão solene. Imigrantes oriundos de An-gola, Brasil, Irão, Rússia e Chi-na, atualmente residentes em Portimão, partilharam as suas experiências de vida e a forma como se integraram na socie-dade portimonense.

Estes são alguns dos exem-plos das inúmeras iniciativas que têm sido implementadas ao longo do tempo como re-sultado das políticas locais, concertadas entre entidades públicas e privadas numa aposta de serviço público, fa-zendo a diferença na vida de todos quantos nos procuram para viver.

Imagem da iniciativa 'Família do Lado'

fotos: d.r.

Ficha Técnica:

Direcção: GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Ricardo Claro

Paginaçãoe gestão de conteúdos:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:• Artes visuais:

Saul de Jesus• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Espaço AGECAL:

Jorge Queiroz• Espaço ALFA:

Raúl Grade Coelho• Espaço ao Património:

Isabel Soares• Filosofia dia-a-dia:

Maria João Neves• Grande ecrã:

Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista

• Letras e literatura: Paulo Serra• Missão Cultura:

Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot• Panorâmica:

Ricardo Claro• Sala de leitura:

Paulo Pires• Um olhar sobre o património:

Alexandre Ferreira

Colaboradoresdesta edição:Ana FazendaEmanuel SanchoMónica Monteiro

Parceiros:Direcção Regional de Cultu-ra do Algarve, FNAC Forum Algarve

e-mail redacção:[email protected]

e-mail publicidade:[email protected]

on-line em: www.postal.pt

e-paper em:www.issuu.com/postaldoalgarve

facebook: Cultura.Sul

Tiragem:7.700 exemplares

Espaço ao Património

Ana FazendaVereadora da CâmaraMunicipal de Portimão

Grupos de teatro da Casa da Juventude: 18 produções teatrais, em apenas 9 anos

A Casa da Juventude de Olhão (CJO) tem sido uma verdadeira incubadora de talentos, quer a nível das artes plásticas, das artes performativas, como o teatro, a música e a dança, ou das artes visuais, como a fotografia ou o vídeo.

No que diz respeito ao teatro,

em particular, esta foi sempre uma área em que a CJO apos-tou. Desde a sua inauguração, em 2004, que vem dinamizan-do uma série de atividades for-mativas nas várias vertentes da produção teatral, como sejam voz, corpo, interpretação ou até mesmo maquilhagem e efeitos especiais.

Em 2008/2009 apresentou a sua primeira produção - Viagem Breve a Um Reino Esquecido (Pe-dro Bom), dirigida por Hugo Sancho. Desde aí nunca mais pa-rou. Também com a direção de Hugo Sancho, levou à cena, em 2010, Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll) e Aventura no Sótão

dos Sonhos (produção coletiva do extinto Grupo Teatro da Vida de Olhão).

Em 2011, criou-se mais um grupo (dos 14 aos 20 anos), que produziu a peça Face, escrita e dirigida por João Evaristo. Em simultâneo, o grupo anterior le-vou à cena Turma X (produção coletiva).

Em 2012, das oficinas de for-mação nasceu um novo grupo que, dirigido por Fernando Ca-bral, levou ao palco As Coisas Mais Belas do Mundo (produção coleti-va). Nesse mesmo ano, foram ainda produzidas, pelos outros dois grupos, as peças Tanto Baru-lho para Nada (adaptação coletiva,

dirigida por Hugo Sancho) e Xixi Cócó (escrita e dirigida por João Evaristo). Nesta fase, a CJO come-çou a contar com a colaboração da Gorda e em 2013 foram pro-duzidas quatro peças: Às Escuras, Branca de Neve Sem Anões e A Diva, pela CJO e O Testamento (em co-produção com a Gorda).

Em 2014 houve uma renova-ção dos elementos dos grupos de teatro e a oferta da CJO passou a abranger três faixas etárias distin-tas: grupo de crianças (dos 6 aos 13 anos), dirigido por Vanessa Caravela e grupo de jovens (dos 14 aos 20 anos) e de adultos, di-rigidos por João Evaristo. Por ser ano de iniciação, apenas foi pro-

duzida a peça Face (adaptação da versão de 2011).

Em 2015 a CJO retomou a produção regular e apresentou no Auditório, numa mesma ses-são, três peças de João Evaristo: Ser Criança Cansa (crianças), Prin-cesa Procura-se (jovens) e Xixi Cócó (adultos).

No presente ano, à colaboração da Gorda juntou-se a da Socie-dade Recreativa Progresso Olha-nense que cede o espaço onde os três grupos ensaiam e irão levar à cena, no dia 26 de maio, as peças Quando Eu For Grande (crianças), Três (jovens) e Olhão: 6 Retratos à La Minuta (adultos), com textos de João Evaristo.

Juventude, artes e ideias

Jady Batista Coordenadora Editorial do J

06.05.2016  11Cultura.Sul

Da minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

O jornal Público tem a decorrer uma coleção de livros intitulada «Quem vê capas vê corações» e o leitor provavelmente ainda conseguirá encontrar o número 5 da série, Noite sem Lua, de John Steinbeck. A edição portuguesa é de 1955 e a original de 1942.

Comprei este livro há pouco mais de um mês por duas razões principais: por saber o impacto que teve na época em que foi es-crito e por ter ilustrações de um grande pintor de renome mun-dial e artista muito querido no Algarve: Costa Pinheiro, falecido no passado mês de outubro (de quem podemos ver os painéis de azulejos no mercado de Olhão). O Público dizia, a propósito des-ta edição: «À complexidade da figura da capa [da autoria de Querubim Lapa], opõem-se as

ilustrações de António Costa Pi-nheiro (1931-2015), ainda que incipientes, demonstram já um fino sentido de humor e uma notável capacidade de síntese» (nas palavras de Rita Gomes Ferrão, a 24 de março de 2016). Não sendo especialista em dese-nho, achei que Costa Pinheiro ilustra, no sentido etimológico da palavra (dar brilho, luz), o texto. A simplicidade das linhas (não lhes chamaria incipientes) enquadram a história, sendo, ao mesmo tempo, expressivas na sua contenção.

Um livro perigoso

Quanto ao impacto que este livro de Steinbeck teve na épo-ca… como eu gostava de dizer que estávamos perante um livro datado. Que bom seria que lou-vássemos o talento literário do seu autor e suspirássemos de alí-vio, exclamando «Que sorte este mundo agora não ser assim!».

Em 1943, a edição suíça foi censurada para não ofender os alemães; em 1944, tradutor e ilustrador da edição holande-sa usaram nomes falsos, como medida de proteção; em Itália, possuir um exemplar deste livro

tinha como pena a condenação à morte por fuzilamento… Que bom seria dizer que, neste séc. XXI, ninguém vai preso, em ne-nhum país que se queira civili-zado, por ler determinada obra.

Como tenho a sorte de ter vivi-do toda minha vida em liberda-de (quase toda, mas como tinha 7 anos no 25 de abril de 1974, não me lembro do «antes») e nunca tive livros proibidos, fiquei curiosa sobre os critérios que te-riam sido usados para considerar um livro perigoso.

Fiquei surpreendida pela sim-plicidade do livro e pelo seu forte humor, logo nas primeiras pági-nas: «(…) Às dez e meia a banda dos invasores começou a tocar lin-das músicas sentimentais na praça pública (…). Às dez e trinta e oito os seis mortos estavam enterrados, os pára-quedas estavam dobrados (…). Às dez e quarenta e cinco o ve-lho presidente da Câmara, Orden, recebeu pedido de audiência para o coronel Lanser, comandante dos invasores» (pp. 15-16).

A descrição, no capítulo II, re-alça a quase infantilidade destes conquistadores. Depois de des-crever as personagens, cada uma com características a raiar o ridícu-lo, afirma: «Eram esses os homens do estado-maior, todos ali como crianças que brincam o Corre, car-neiro, corre» (um misto de jogo de escondidas e de apanhada).

Frase perigosa: «a autoridade não reside na

pessoa, e sim no povo»

Contudo, estamos perante uma guerra e a ocupação de uma pequena cidade mineira no norte da Europa, com toda a crueldade que esta situação implica, apesar do comandan-te ocupante e o chefe da cida-de ocupada serem homens que se entendem, pela cultu-ra que, apesar das diferenças, partilham. Um fará o que ti-ver de fazer para cumprir as ordens do Líder (subentende--se Hitler), mesmo que não as ache apropriadas, e o outro assumirá a consequência dos seus atos de desobediência a

essas ordens.Pergunta o coronel Lan-

ser a Orden, o presidente da câmara:

«- Mas vai experimentar cooperar?

Orden sacudiu a cabeça.- Não sei. Tenho de agir de

acordo com a resolução da ci-dade. Se a cidade quiser coope-rar, só então cooperarei.

- Mas o senhor é a autori-dade!...

Orden sorriu.- O coronel não acreditará

nisto, mas é certo: a autorida-de não reside na pessoa, e sim no povo. Não sei porquê nem como, mas é assim. E isso quer dizer que nós aqui não pode-mos agir tão depressa quanto os senhores lá na sua terra; mas quando o povo estabelece um rumo, então todos agimos de acordo» (p.41).

Ao ler isto, veio-me à me-mória a peça Antígona, de Só-

focles, de há 2500 anos, nas palavras trocadas entre Creon-te, rei de Tebas, e o seu filho Hémon, que tentava trazer o pai à razão:

«Creonte – Com que então devo aprender a ter senso nes-ta idade, e com um homem de tão poucos anos? /Hémon – Nada aprenderias que não fosse justo. E, se eu sou jovem, não são os anos, mas as acções que cumpre examinar./ Cre-onte – ‘As acções’ consistem então em honrar os desordei-ros?/ Hémon – Nem aos outros eu mandaria ter respeito pelos perversos./ Creonte – E então ela [Antígona] não foi atacada por esse mal?/ Hémon – Não é isso que afirma o povo unido de Tebas./ Creonte – E a cidade é que vai prescrever-me o que devo ordenar?/ Hémon – Vês? Falas como uma criança./ Cre-onte – É portanto a outro, e não a mim, que compete governar

este país?/ Hémon – Não há Estado algum que seja perten-ça de um só homem./ Creon-te – Acaso não se deve enten-der que o Estado é de quem manda?/ Hémon – Mandarias muito bem sozinho numa terra que fosse deserta» (vv. 727-739. Trad. Rocha Pereira).

Se Sófocles não está explícito, Platão está, quando a sua Apo-logia de Sócrates é recitada por Orden, acompanhado pelo seu amigo médico e… pelo próprio Lanser. O coronel pede ao pre-sidente que coopere, mas Or-den responde: «Não depende de mim a minha morte ou a minha vida, senhor, mas… de-pende de mim uma escolha: de como viver ou de como morrer. Se eu disser ao povo que não lute, todos ficarão tristes, mas lutarão. Se eu disse ao povo que lute, todos ficarão alegres – e eu, que não sou um valente, contribuirei para tornar a mi-nha gente mais valente. (…) O povo não quer ser conquistado, senhor, e não será conquista-do. Os homens livres não po-dem impedir uma guerra, mas quando a guerra sobrevém podem lutar e lutam mesmo depois de derrotados. Já os homens escravos, os homens de rebanho, não podem fazer isso, de modo que são sempre os homens de rebanho que ga-nham as batalhas e os homens livres que vencem as guerras» (p. 174).

Os ocupantes são homens de rebanho, que cumprem ordens, mesmo quando per-cebem que elas são ineficazes: «Eles pensam que pelo facto de terem um só chefe e uma só cabeça todos os outros de-vem ser assim. Eles sabem que entre eles dez cabeças cortadas os destroem, mas sós somos um povo livre: temos cabeças quantas pessoas, e em caso de necessidade os chefes pululam entre nós como cogumelos» (p. 164).

Como narrativa, lê-se com leveza. Mas depois pesa, pesa…

Ainda bem que há livros que podem ser perigosos.

Capa de Querubim Lapa, falecido no passado dia 2

fotos: d.r.

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“LANZAROTE: A JANELA DE SARAMAGO”Até 9 JUL | Centro Cultural de LagosA exposição fotográfica de João Francisco Vilhe-na mostra a relação entre o Nobel da Literatura falecido em 2010 e a ilha que escolheu para viver

“DO ABSTRACTO AO FIGURATIVO”Até 22 MAI | Galeria Municipal de AlbufeiraHenrique Silva, Martins Leal e Marisa Patrício apre-sentam ao público telas e esculturas que versam sobre a linha abstracto-figurativa

Há livros perigosos? A propósito de Noite sem lua, de John Steinbeck

Steinbeck, ilustração de Costa Pinheiro

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