Caderno Final de TGI . Gabriel Invernizzi

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Trabalho de Graduação Integrado Gabriel Alves Invernizzi

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caderno final do Trabalho de Graduação Integrado, realizado pelo aluno Gabriel Alves Invernizzi junto ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da Universidade de São Paulo, em São Carlos, no ano de 2014.

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Trabalho de Graduação Integrado

Gabriel Alves Invernizzi

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Universidade de São Paulo

Instituto de Arquitetura e Urbanismo

Gabriel Alves Invernizzi

Trabalho de Graduação Integrado. Caderno Final

O Retorno às Utopias: processos espaciais sob dominância do capital

Orientação

Paulo Cesar Castral

Manoel Rodrigues Alves

São Carlos

Dezembro de 2014

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O Retorno às Utopias

processos espaciais sob dominância do capital

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Agradecimentos

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Agradeço profundamente

Aos meus professores, pela orientação instigante e rigorosa

Aos meus amigos, pelas risadas necessárias e conversas formadoras

E aos meus pais, que, com seu esforço diário, tornaram tudo isso possível.

Dedico o presente trabalho à memória de minha avó. Aquela que me ensinou a esperança. E aos meus pais. Aqueles que me

ensinaram a luta.

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Sumário

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Preâmbulo ...................................................................................................................................... 5

I. A estrutura do espaço urbano .................................................................................... 10

II. Utopia da forma ............................................................................................................... 18

III. Processo espaciais na cidade do capital ........................................................... 40

IV. Utopia Subvertida ........................................................................................................... 54

V. Reflexões sobre arquitetura e cidade .................................................................... 72

Referências .................................................................................................................................. 76

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Preâmbulo

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A motivação geral deste trabalho, ou seja, aquilo que tem me instigado a ler, pesquisar, investigar, recai sobre a vontade de compreen-são acerca dos processos de produção da cidade contemporânea. Quer dizer, adentrar a complexidade que são as lógicas, as dinâmicas e as relações que determinam a estrutura do espaço urbano, ou mesmo da paisagem dessa cidade que conhecemos hoje.

Para tanto, vou localizar o trabalho na articulação entre econo-mia e geografia, mas mais especificamente tentando compreender qual a lógica locacional das estruturas que compõem a cadeia produtiva da cidade e em qual medida esse fator é determinante para a organização global do espaço da cidade.

Do ponto de vista teórico-metodológico, baseio as análises e re-flexões aqui apresentadas no materialismo-histórico, vertente que, no campo da geografia com as contribuições fundamentais de Henri Le-febvre, Flávio Villaça e David Harvey, mais tem me ajudado a enfrentar a tarefa que me coloco. Do ponto de vista da investigação projetual, identifico nas correntes utópicas uma possibilidade de abordar o tema de interesse, uma vez que em suas proposições, ainda que subentendi-da, é sempre presente a vontade de imaginar outros cenários para a vida em sociedade.

Assim, o trabalho consiste na formulação de uma situação irre-al – utópica – mas que, ao ser tomada como base, permite analisar e debater aspectos importantes do processo de produção do espaço da cidade. Ele é estruturado em duas partes, cada uma compostas de uma discussão teórica seguida de uma espacialização desse raciocínio em forma de projeto, imagens e montagens.

Na primeira parte está em questão a estrutura do espaço urba-no; nela são discutidos os elementos que geram ou dão valor a terra urbana. A consequência dessa reflexão é o primeiro momento de pro-jeto, identificado sob o termo definido por Harvey “utopia da forma espacial”. Na segunda parte está em questão os processos sociais que fundamentam e que dão conteúdo à estrutura espacial tal como foi debatida; nesse momento é necessário rever o projeto utópico anterior-mente apresentado, apontando os possíveis desdobramentos que tais processos gerariam à utopia original, culminando na sua subversão pelo próprio sistema que tenta negar.

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IA Estrutura do Espaço

Urbano

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A cidade é socialmente produzida e, portanto, fruto do trabalho humano.

A potência dessa afirmação tem uma dupla dimensão. De um lado, a ideia de cidade como construção humana, que se acumula e se sobrepõe geração após geração, e coloca em relação sociedade e natu-reza. Expressão e significação da vida humana, a cidade obra e produto se efetiva em um movimento cumulativo que tece, no presente, ações passadas e possibilidades de futuros. É, assim, lugar da produção do homem e da realização da vida humana em sociedade.

De outro, a centralidade do trabalho que possibilita, tijolo a ti-jolo, a construção de toda estrutura, sistema e objeto que, de forma isolada ou combinada, permite a sustentação e a reprodução da vida da sociedade. Quer dizer, a cidade como consequência do processo de divisão social do trabalho e da maior complexificação das relações sociais que este acarreta.

A análise do espaço urbano, quando tratada do ponto de vista de sua produção, revela a interdependência entre espaço e sociedade. Uma vez que as relações sociais – histórica e culturalmente construídas – se realizam em um território concreto, material – também constructo social –, podemos dizer que, ao produzir sua via, a sociedade produz e reproduz espaço, em um movimento de “mão dupla” que é a própria prática sócio-espacial.

Ou seja, ao se aglomerar e se organizar em sociedade, o homem produz tudo aquilo que é necessário ou, de alguma forma, útil, para a manutenção da vida da própria sociedade. Inventa tecnologias; divide o trabalho das formas mais diversas e especializadas; cria sistemas de troca desses produtos; legisla e regulamenta, através do Estado, todas as mediações entre produção, circulação, distribuição e consumo; e ainda desenvolve valores, ideias, critérios de análise da realidade e formas de comportamento para poder se relacionar entre si e com o mundo. Fazendo isto o homem cria, inexoravelmente, espaço; que é, não só suporte de todas essas complexas relações, mas também condição para que elas floresçam.

Nessa perspectiva, o espaço urbano deve ser compreendido dia-leticamente enquanto produto, condição e meio para a reprodução das relações sociais. É esta noção que permite Lefebvre formular a ideia de que o espaço social é um produto social.

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Agora, se o espaço da cidade é fruto do trabalho humano, qual é, afinal, esse produto? Uma das implicações fundamentais da teoria de Henri Lefebvre sobre a produção do espaço diz que:

“Cada sociedade (por conseguinte, cada modo de produção com as diversidades que ele engloba, as sociedades particulares nas quais se reconhece o conceito geral) produz um espaço, o seu.” (LEFEBVRE. 2006. p 34.)

Seguindo essa afirmação compreende-se que cada modo de pro-dução se realiza em um espaço, logo, as características deste espaço vão refletir e expressar as relações sob as quais foram produzidas. É como se o espaço urbano fosse “criado” à imagem e semelhança do modo de produção, o qual sustenta e participa. Isso porque o espaço, produto que se utiliza, que se consome, é também um meio de produção e, como tal, não pode se separar das forças produtivas, nem das técnicas ou da divisão social do trabalho.

Na cidade do assalariamento e da mais-valia, o espaço vai ser or-ganizado sob a emergência da acumulação de riquezas, que o trabalho humano é capaz de gerar. A construção de espaços e infraestruturas, assim como a construção de edificações, tem um impacto importan-tíssimo na alteração dos preços das terras urbanas; e na medida mesma em que a produção desses lugares se torna um veículo para a produção e absorção de excedentes, a terra urbana se torna mais e mais parte da acumulação de capital.

Como bem disse David Harvey:

“A produção do “urbano”, onde a maioria da população mundial em crescimento agora vive, tornou-se ao longo do tempo mais estreitamente ligada à acumulação do capital, até o ponto em que é difícil distinguir uma da outra. Mesmo nas favelas da au-toconstrução de moradias, o ferro ondulado, as caixas de emba-lagem e as lonas foram primeiro produzidos como mercadorias.” (HARVEY. 2010. p 136.)

Podemos, portanto, dizer que na cidade capitalista as diversas funções e atividades são espacialmente dispostas de maneira que aten-dam, mais eficientemente (e, de preferência, mais lucrativamente), as demandas das relações capitalistas de produção.

A terra urbana tem um duplo caráter. Enquanto valor de uso,

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a terra corresponde a realização de um fim determinado e está rela-cionada a qualidades que a conferem alguma utilidade específica. En-quanto valor de troca, a terra pode ser comparada a qualquer outro produto existente; essa comparação é sempre uma abstração, uma vez que desconsidera as qualidades concretas e úteis do objeto para fazer permanecer somente um termo de equivalência, o qual está relacionado à quantidade de trabalho contida naquele produto.

É este duplo caráter indissociável que nos permite identificar a terra urbana como uma mercadoria, uma vez que toda e qualquer mer-cadoria possui qualidades específicas que a conferem alguma utilidade e, ao mesmo tempo, funciona como suporte de valor que a permite ser trocada por outras mercadorias ou por quantidades de dinheiro.

O valor de uso da terra urbana vai ser determinado por duas funções que veremos logo a seguir. Tais definições foram retiradas do texto A Terra como Capital (ou A Terra-Localização), de Flávio Villa-ça, sendo que a primeira delas (terra-matéria) foi por ele emprestada do Volume 3 de O Capital, de Marx, enquanto a segunda (terra-locali-zação) é de autoria do próprio Villaça.

. Terra-matéria: a terra enquanto apoio e espaço; pode ser supor-te de meios de produção, de circulação, de consumo e de repro-dução da força de trabalho

. Terra-localização: a terra quando recebe diferentes atributos, que variam de local para local; a capacidade que o próprio espa-ço urbano tem de relacionar os diferentes elementos da cidade.

Por enquanto ainda estamos evitando o enfoque de tipo setorial para compreender a organização espacial da cidade. Nesse primeiro momento, insistimos na centralidade das relações de produção, pois é isso que permite entender a cidade enquanto espacialização da divisão social do trabalho.

Como acabamos de ver, uma das funções fundamentais da terra urbana é servir de suporte para construções. Por sua vez, a função fundamental dessas construções é abrigar as atividades que compõem a cadeia produtiva, ou seja, produção, distribuição, circulação, consumo e, claro, reprodução da força de trabalho.

Uma fábrica, por exemplo, é um lugar de produção de mercado-rias. Já um armazém, supermercado ou loja de departamento é local de

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distribuição de mercadorias. O papel que tais lugares e, mais ainda, que o trabalho alocado dentro destas estruturas cumpre é evidente quando olhamos para o ciclo produtivo, uma vez que a produção se realiza no consumo e o consumo só é possível a partir da produção.

Uma escola é certamente um lugar de reprodução da força de trabalho, na medida em que é preciso estar constantemente formando novos trabalhadores, munidos de saberes e conhecimentos para desem-penhar suas futuras funções. Mas, tão importante quanto formar novos trabalhadores, é garantir que todos tenham condições físicas, psicológi-cas e emocionais de se manterem produtivos dia após dia; nesse sentido os hospitais e parques, por exemplo, também são locais de reprodução da força de trabalho.

Existem lugares, contudo, que se caracterizam justamente por combinarem essas diversas funções. Um bar, uma casa de shows ou um parque de diversões pode ser ao mesmo tempo local de consumo, distribuição de mercadorias e reprodução da força de trabalho. Um restaurante ou lanchonete, claramente é local de consumo, mas também é preciso considerar que o prato, até chegar na mesa do consumidor, precisou ser cozinhado e montado e, portanto, carrega consigo um trabalho produtivo. Ou quando se trata dos serviços em consultoria, comunicação e informação também é preciso reconhecer que estes tra-balhos sempre produzem algum tipo de riqueza e que, no geral, estão indiretamente relacionados ou a produção ou ao consumo ou a distri-buição de outra série de mercadorias.

No caso das habitações, estas estão vinculadas ao consumo de mercadorias e reprodução da força de trabalho, mas é cada vez mais comum vermos o trabalho ocupando também estes espaços. Já as ruas e todo o sistema viário cumprem papel relativo à circulação das merca-dorias, incluindo, evidentemente, a mercadoria força de trabalho, e são, portanto, fundamentais para o funcionamento da estrutura produtiva como um todo.

Fixar estes pequenos exemplos nos permite compreender que, de um modo geral, o espaço urbano é reflexo da divisão social do traba-lho. Ao mesmo tempo, não podemos ignorar o segundo fator que tem enorme influência sobre a terra urbana e que é responsável por criar diferenciações e variações para cada lugar que se lance o olhar.

A localização é, antes de mais nada uma relação. É a incrível

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capacidade que o próprio espaço urbano tem de colocar em relação diferentes elementos da cidade. Esta relação, então, se materializa de formas diferenciadas e varia de lugar para lugar, gerando particularida-des e especialidades em cada local que se tente estudar.

“Não pode haver duas esquinas da Av. Paulista com a Av. Augusta, da Av. Presidente Vargas com a Rio Branco, ou da Rua 42 com a Broadway. Para reproduzir as localizações a cima, seria necessário reproduzir totalmente São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York, inclu-sive é claro, suas populações, suas atividades e suas relações sociais.” (VILLAÇA. 2012. p 38.)

A localização tem a ver com a distribuição, ou melhor, sociali-zação das condições gerais que permitem, no território, a produção e a reprodução de uma formação social. Entretanto é preciso separar as condições de infraestrutura da terra (água, eletricidade, esgoto, etc.) das condições de acesso aos meios de produção e reprodução. É essa a razão pela qual Villaça vai afirmar que, “a localização, em sua forma pura, é aquela que está ligada apenas a tempo e custo de deslocamento de pessoas ou materiais”. (VILLAÇA. 2012. p 37.)

O que ele está querendo dizer é que, no que se refere às infraes-truturas, estas podem, ao menos em princípio, serem igualmente ofere-cidas a qualquer lote da cidade. Por mais que isso não ocorra na práti-ca, a infraestrutura pode ser mais facilmente reproduzida. Entretanto, o mesmo não acontece do ponto de vista dos acessos, uma vez que é simplesmente impossível equalizar os tempos e custos de deslocamento para cada lote ou para cada sistema de recursos, mesmo que toda famí-lia tivesse a sua disposição dois ou mais automóveis.

Acontece que as infraestruturas de saneamento, transporte, pa-vimentação de vias e construção de equipamentos são resultados do trabalho humano naquele (ou sobre aquele) próprio lote e, portanto, podem ser reproduzidas pelo mesmo trabalho, em outros lotes. Já o valor de uso “localização” não; isto porque ele é um atributo, é uma combinação “fortuita”. Evidentemente este atributo não é dado pela natureza; é, em verdade, fruto da força de trabalho coletiva, social. Mas este trabalho, que confere valor a terra, é realizado fora dela, ou seja, fora daquele determinado terreno ou lote, e é sobretudo a combinação de outros múltiplos trabalhos já realizados. É por isso que certas loca-lizações, não podem ser reproduzidas.

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É claro que devemos também reconhecer que lotes suburbanos e mal equipados são mais facilmente reproduzidos. Não é nada difícil perceber que eles existem aos milhares em qualquer metrópole brasi-leira, com localizações semelhantes, muito embora nunca em localiza-ções absolutamente iguais. Tais localizações, comumente chamadas de “mais pobres” ou “menos privilegiadas” são as que tem menos trabalho incorporado.

Se todo proprietário de uma terra-localização é dono de um bem único, irreprodutível, então a renda da terra só é possibilitada pelo poder de monopólio representado pela propriedade jurídica dessa terra-localização. O preço da terra, ou seja, o valor pago em troca da permissão para se utilizar um pedaço de terra passa, portanto, a ser determinado por uma composição de fatores, dentre os quais pesam o valor da terra-matéria, o valor da terra-localização e, por fim, o com-ponente que exprime o preço de monopólio; sendo que o preço de monopólio será tão mais elevado quanto difícil for encontrar outra terra-localização semelhante.

Do ponto de vista dos donos de negócios, a concorrência por lo-calizações melhores é um tipo peculiar de competição; esta competição espacial entre as empresas é uma forma de concorrência monopolista, na medida em que diferentes empresas do mesmo ramo podem adotar tecnologias idênticas, mas não podem, jamais, ocupar o mesmo lugar na cidade. Assim como a competição obriga os capitalistas individuais e as corporações a buscarem por novas e mais avançadas tecnologias, força-os também a procurarem melhores lugares para produzir e esta-belecer seus negócios; este movimento tem implicações profundas so-bre o território da cidade, como veremos no capítulo III deste trabalho.

Por outro lado, nem todos os proprietários de terras detêm um poder de monopólio, uma vez que nem todas as terras-localização es-tão sujeitas a essa voraz competição. Os proprietários de lotes subur-banos e mal equipados, nesse sentido, não são monopolistas; já os pro-prietários de um lote na Av. Luís Carlos Berrini ou no Leblon com vista para o mar são donos de uma situação de monopólio. Logo, podemos ver que existem graus de monopólio entre as localizações, embora toda localização seja única.

Já do ponto de vista daqueles que habitam na cidade, irá morar nas melhores localizações, e, portanto, terá melhor acesso às condições de produção e reprodução de sua vida, ou seja, melhor acesso ao seu

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local de trabalho e aos locais de serviços, comércios e lazeres que sus-tentam sua vida e de sua família, aqueles que tiverem maiores condições de adquirir um lote que tenha elevado grau de monopólio. Esta faceta da desigualdade espacial será abordada novamente no capítulo III.

Por aqui vamos encerrar dizendo que a distribuição igualitária desse produto que é a terra urbana, entre aqueles que participam de sua produção, é simplesmente impossível, uma vez que todos são diferentes uns dos outros. Nas palavras de Flávio Villaça:

“Nunca haverá tal distribuição. No espaço urbano sempre ha-verá aqueles que tem as melhores localizações – frequentemente as muito melhores – e os que tem as piores localizações – fre-quentemente as muito piores. Assim, a apropriação do produ-to ‘localização’ sempre será objeto de disputa. Isso é inerente a esse produto. Mais ainda. Essa disputa será não só pelo produ-to, mas também pelos elementos mais importantes que partici-pam de sua produção. Dentre eles destacam-se os relacionados com os transportes, em especial os veículos e o sistema viário. (VILLAÇA. 2012. p 268.)

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IIUtopia da Forma

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Os dois valores de uso da terra – localização e suporte – estabe-lecem uma relação dialética entre si. Ou seja, edificações que abrigam certas atividades aparecem sobre determinada localidade onde possa se desenvolver melhor; ao mesmo tempo, as próprias atividades colocadas sobre aquele local transformam e dão novas qualidades ao lugar, atrain-do, em seguida, uma série de outras atividades.

O que se propõe a seguir é fixar, congelar, um dos componentes dessa relação, a “terra-matéria”. Desse modo, pretende-se que a “ter-ra-localização” varie em função da “terra-matéria”, tornada constante. Essa nova relação só pode ser alcançada através de um movimento ra-dical de disjunção.

De um lado tem-se as atividades da cadeia produtiva, aquilo que é responsável pela produção da riqueza da cidade, todas concentradas em um único ponto. Este ponto (constante) se reproduz de forma igual e homogênea pelo território da cidade. Do outro lado, aquilo que se passa fora da esfera específica da produção de mercadorias e do mundo do trabalho (sem, é claro, deixar de incorporá-lo em alguma medidas). Esse plano, que se estende do habitar ao livre lazer, é o plano da vida privada, aquele que conserva as necessidades e os desejos dos indivíduos e dos agrupamentos sociais.

Esse movimento de desmembramento, que tenta organizar de forma rígida e coerente um determinado aspecto das relações humanas, para, com isso, dar lugar a uma outra forma de organização social pode ser identificado pelo termo de “utopia da forma espacial”, formulado por David Harvey, no seu “Espaços de Esperança”.

Estudando as correntes utópicas ao longo da história, Harvey vai identificar, entre outros, a “Utopia” de Thomas Morus, o assentamen-to “New Harmony” de Robert Owen e a cidade ideal de Fourier, como “utopias da forma”. Sobre o trabalho de Morus, ele diz:

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“Utopia é uma ilha artificialmente criada que funciona como uma economia isolada, coerentemente organizada e em lar-ga medida de espaço fechado (embora sejam postuladas rela-ções estritamente monitoradas com o mundo exterior). A or-ganização espacial interna da ilha regula de maneira estrita um processo estabilizado e imutável. Para dizer de modo direto, a forma espacial controla a temporalidade, uma geografia imagi-nada controla a possibilidade de mudança social e da história.” (HARVEY. 2013. p 211.)

Quer dizer, numa utopia da forma espacial, tudo se passa como se a organização social fosse garantida por uma forma espacial fixa.

Logo, o que está em jogo aqui, é equalizar a distribuição das terras urbanas, do ponto de vista dos acessos aos meios de reprodução social da vida, ou seja, aos locais de trabalho, comércios, serviços e lazeres. Portanto, a partir da fixação dos locais de produção de riqueza se reduzem as múltiplas possibilidades de combinação dos atributos locacionais da terra e, com isso, se permite a distribuição homogênea e igualitária da terra-localização.

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Lançamento de uma grelha or-togonal, racional, com espaçamento de 4000 metros entre eixos. Em cada cru-zamento da quadrícula se localiza uma torre de 440 metros de altura e 1 hec-tare de área de projeção; as linhas que ligam um nó a outro são vias expressas, de 40 metros de largura, elevadas 210 metros do solo. A esta megaestrutura se-rão transferidas as atividades econômi-cas que sustentam a vida da cidade. As edificações que abrigavam originalmente tais atividades, se tornam automatica-mente vagas podendo ser reconvertidas em moradias ou simplesmente em espa-ços livres.

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implantação geral

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Ao alocar as atividades produti-vas nos pontos fixos da grelha ortogo-nal, sua distribuição pelo território da cidade se torna homogênea. Com isso também se distribui de maneira homo-gênea e equitativa – a cada 2800m, raio de influência de cada torre – os acessos aos locais de trabalho, bem como aos locais de comércio, lazeres e serviços, permitindo uma nova organização, mais igualitária, da população urbana ao re-dor dessas localizações.

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esferas de influência

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Cada torre deve abrigar as diversas funções que mantém a cadeia produti-va operante. Recebem, portanto, não só as atividades de indústria e manufatu-ra e seus respectivos comércios, como também toda a série de serviços, sejam aqueles relacionados direta ou indireta-mente a produção de mercadorias, sejam aqueles responsável pela reprodução da força de trabalho. Estão inclusos nas torres também os aparatos político-ju-rídicos do Estado, que é quem regula-menta e gerencia, em escala global, as relações produtivas que agora se alocam na megaestrutura. Por fim, cumprindo o papel fundamental de circulação das mercadorias – incluindo a mercadoria força de trabalho – tem-se o eixo hori-zontal, representado pelas vias elevadas de transporte rápido, e os eixos verticais, representados pela circulação central in-terna a cada torre.

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funções

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A megaestrutura é fruto do des-locamento radical de parte das ativida-des que movimenta a própria cidade. O sistema reorganiza toda o território urbano, uma vez que as distâncias relati-vas entre as diversas funções necessárias para a vida cotidiana foi completamen-te rearranjada e, com elas, os tempos e as lógicas de deslocamento. Redesenha, portanto, a paisagem urbana, não só na medida em que sua presença se faz visí-vel de qualquer ponto que se olhe, mas também porque reorganiza parte consi-derável dos fluxos diários da cidade.

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a megaestrutura e a cidade

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A imagem ao lado representa a circulação de trabalhadores na nova or-ganização espacial da cidade, em seus fluxos diários para ir e voltar dos seus locais de emprego, como também para alcançar outras funções necessárias para o seu dia-a-dia. Na imagem, cada uma das linhas representa um habitante fictí-cio, sendo que na última linha está con-densada a trajetória dos quatro indiví-duos, tal como ocorreria nessa cidade. A circulação através da megaestrutura é marcadamente central, pois cada torre é também ponto de acesso para o sistema viário elevado, o que facilita os desloca-mentos em casos onde o trabalho ou um serviço específico fique distante do local de moradia.

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circulação de habitantes

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No caso das mercadorias, as maté-rias-primas são comercializadas, distri-buídas, trabalhadas, vendidas, se neces-sário processadas e vendidas novamente. Podem ser consumidas dentro da me-gaestrutura, pelo próprio processo pro-dutivo ou pelas necessidades individuais dos trabalhadores, mas também se es-palham pela cidade quando são levadas por seus habitantes. No ponto de vista de seus fluxos as mercadorias são mui-to semelhantes à força de trabalho, pois ambos percorrem os mesmos caminhos e se espalham pelos mesmos lugares.

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circulação de mercadorias

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O valor cobrado em troca da per-missão para se ocupar (habitando ou não) a terra pode ser dividido em qua-tro partes, como indicado na tabela ao lado. A parcela A indica a renda abso-luta, ou seja, o valor pago pelo uso da “terra-matéria”. A parcela B está relacio-nada ao juro ou amortização do capital investido na ou sobre a terra. A parcela C exprime o componente relativo à lo-calização; enquanto D tem a ver com o fator de monopólio de uma localização mais privilegiada. Comparando as qua-tro partes que compõe a renda da terra entre os quatro lotes indicados no mapa, e assumindo que A¹ é muito maior que A², assim como B¹ é muito maior que B², percebemos que, na situação propos-ta, a “terra-localização” (fator C) não varia entre os lotes e que só as torres da superestrutura estão numa situação mo-nopolista.

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rendimento comparativo da terra

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Por um lado, vemos que os lo-tes nos quais estão apoiadas as grandes torres das megaestrutura adquirem um preço altíssimo. Isso está relacionado as funções que aquela parcela de terra-ma-téria sustenta; à capacidade que essas edificações que estão sobre a terra têm de produzir ainda mais riqueza e, com isso, gerar juros e amortizações sobre o capital nela investido; mas também à situação de monopólio que predomina nesses lotes. Por outro, quando se trata dos lotes fora da megaestrutura, ou seja, a maior parte do território da cidade, se verifica uma equidade geral nos preços. Isso ocorre porque a “terra-localização”, determinada pelas variações em tempo e custo de deslocamento do ser humano, foi distribuída homogeneamente entre os lotes urbanos. Logo, o resultado é a dissolução da desigualdade espacial en-tre os habitantes da cidade.

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preço da terra urbana

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IIIProcessos Espaciais na

Cidade do Capital

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Quando se trata do espaço urbano, o território pode ser com-preendido como os processos históricos de espacialização das relações sociais de produção. A esfera territorial, assim, diz respeito ao modo como os homens, através do trabalho, organizam, no espaço, a pro-dução social da vida. Ao mesmo tempo, o espaço não é mero supor-te passivo, quer dizer, do ponto de vista das atividades produtivas as localizações e, portanto, as relações espaciais são determinantes para se gerar atributos específicos, alimentar a disputa de concorrências e permitir que negócios floresçam de maneira diferencial.

Em nossa atual sociedade, regida pelo modo de produção capi-talista, os processos territoriais nascem como consequência do impe-rativo da acumulação. Uma vez que as mercadorias produzidas só se realizam como tal no momento em que são consumidas, quanto menor for a diferença de tempo entre a produção e o consumo de determinada mercadoria, mais rápido roda o ciclo produtivo e, portanto, maior será a riqueza produzida e, obviamente, a acumulação do capitalista.

A fim de minimizar os custos de realização do valor da merca-doria e, assim, maximizar os lucros do capitalista, é necessário, reduzir o tempo de giro da produção. Ou seja, além de otimizar o tempo da produção, investindo em tecnologias e pressionando ainda mais a força de trabalho, é preciso também fazer com que a mercadoria chegue às mãos do consumidor com o menor custo de deslocamento possível, ou seja, com o menor tempo de deslocamento possível.

Os custos de deslocamentos são importantes, na medida em que o acesso a mercados consumidores e a facilidade para se relacionar com outros serviços necessários para o bom funcionamento daquela atividade se conectam a isso. Nesse caso, a organização da estrutura territorial vai se dar pela localização “racional” das atividades produti-vas, uma em relação as outras, a fim de reduzir em particular os custos de movimentação dos produtos, induzindo, com isso, o processo de concentração geográfica.

Por outro lado, devemos considerar que a diversidade geográfica, quer dizer, a grande variedade de atributos físicos, sociais e culturais, é também condição fundamental para a reprodução do capital. Como já vimos anteriormente, a localização – atributo material da terra urbana – nada mais é que a combinação diferencial desses diversos elementos físicos, sociais e culturais presentes na cidade. Daí decorre que, por mais semelhantes que sejam, nunca haverá dois destes atributos idênti-

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cos na mesmo terra.

Desse modo, para o dono de um negócio, não sendo possível sa-ber se este ou aquele local é capaz de fazer florescer um empreendimen-to de sucesso, se torna necessário sondar, investigar e arriscar todas as possibilidades ao seu alcance, afim de descobrir qual delas funciona. A concorrência e competição pelo monopólio de localidades específicas e únicas, em meio a imensa diversidade do espaço da cidade, impulsiona o processo de expansão geográfica. O capital, altamente móvel nos dias atuais, tem um cuidado muito grande com este aspecto, até mesmo com as pequenas variações nos custos locacionais, pois estes podem gerar lucros mais elevados.

Nas palavras David Harvey:

“[...] o capitalismo floresce melhor em um mundo geográfico de imensa diversidade de atributos físicos e condições sociais e cul-turais. Uma vez que não se pode nunca saber antecipadamente se uma empresa com fins lucrativos pode ter sucesso aqui e não lá, então sondar as possibilidades em todos os lugares e desco-brir o que funciona se torna fundamental para a reprodução do capitalismo.”

Que, logo em seguida, ainda diz:

“A diversidade geográfica é uma condição necessária, e não uma barreira, para a reprodução do capital. Se a di-versidade geográfica não existe, então tem de ser criada.” (HARVEY. 2011. p 133.)

A partir de agora veremos como essas dinâmicas de concentração e expansão geográfica das atividades produtivas constroem e modifi-cam o urbano, criando e ao mesmo tempo sendo condicionadas pela imensa diversidade, que é o espaço da cidade. Utilizaremos, para tanto, o exemplo concreto da cidade de São Paulo, já que, por ser a principal e mais rica metrópole brasileira, é onde estes processos se tornam mais evidentes em nosso país. Passaremos a considerar o enfoque setorial para discorrer sobre a produção de riqueza na cidade, diferentemente do esforço empreendido no início do trabalho; isto porque, sobretudo quando se trata da indústria e dos serviços, como ficará claro ao longo do texto, setores diferentes demandam requisitos locacionais diferentes.

Por um lado, este enfoque de tipo ‘setorial’, que privilegia o ali-

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nhamento das cadeias produtivas, parece perder força explicativa na atual fase do capitalismo, onde a grande indústria tende a pulverizar seus sistemas de produção em muitos espaços diferentes, capturando vantagens locacionais em cada etapa da fabricação dos produtos, e os serviços, principalmente aqueles mais intensivos em conhecimento, aparecem como o elo pelo qual transitam os fluxos de capitais, mer-cadorias e informações, permitindo que as grandes aglomerações se tornem competitivas dentro da rede de cidades mundiais. Contudo, o que está em jogo é a unificação de processos territoriais e econômi-cos na tentativa de compreensão das alterações que constantemente constroem o espaço urbano; alterações estas que estão profundamente relacionadas as reacomodações das atividades econômicas e que, no caso da cidade de São Paulo, ganharam novos contornos nas últimas três décadas.

Podemos dizer, então, que a geografia da economia da cidade é moldada por forças dinâmicas, de natureza local e global, que impul-sionam a formação de novas configurações territoriais. Tais configura-ções decorrem da combinação entre os requisitos e demandas impostos pelo processo de renovação dos paradigmas produtivos e dos elementos econômicos e sociais presentes na metrópole.

De fato, a formação de novas centralidades ou novos polos eco-nômicos dentro do município, guarda vínculos com a evolução de sua economia. Não é novidade que, em São Paulo, na fase da economia cafeeira e da expansão industrial, a área de comércio e negócios do município teve como núcleo o eixo formado pelo triângulo das ruas São Bento, Direita e Quinze de Novembro, na área central, e foi incor-porando progressivamente outras áreas dos distritos da Sé e República; na fase de industrialização pesada nas décadas de 1950 e 1960, esse núcleo se deslocou para a Av. Paulista; e alcançou, finalmente, na dé-cada de 1990 as avenidas Nova Faria Lima e Engenheiro Luís Carlos Berrini, cujas áreas são tributárias de um novo tipo de desenvolvimento, fortemente ancorado na chamada economia pós-industrial da fase mais globalizada do capitalismo.

Mas, afinal de contas, como estas novas centralidades, que pa-recem sempre ter como força propulsora as atividades produtoras de riqueza, se estabelecem? Antes de mais nada, é preciso levar em conta a noção de “localização” desenvolvida no capítulo I, bem como o fator de monopólio de terras com localização única. Só então poderemos

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notar como a competição força as empresas a buscarem novas e melho-res localizações para instalar seus negócios; e, mais ainda, como nesse movimento aquelas que possuem maior poder de monopólio se estabe-lecem, enquanto que outras, sob a mira da concorrência, são obrigadas a migrar, se puderem, para outros lugares com menores custos.

Quando se trata do setor de serviços, se nota que, a cada fase do desenvolvimento econômico do município, são gerados novos requisi-tos que condicionam o sucesso das atividades realizadas pelas empre-sas. Uma vez que o núcleo decisório dessas empresas possui alta mo-bilidade territorial, muitas vezes, a alternativa mais viável e, ao mesmo tempo, rentável, é escolher outro local para se fixar

O movimento migratório das sedes de empresas não é capaz de gerar, por si só, o desenvolvimento de novos polos e o deslocamento de centralidades na cidade. Porém, quando esse processo vem atrelado à dinâmica do mercado imobiliário e a iniciativas, por parte do Esta-do, que acabam por privilegiar o capital privado, tem-se, então, um cenário no qual prédios, ou mesmo regiões inteiras, são consideradas “inaptas” para abrigar as novas formas de organização e gestão das empresas e com poucas possibilidades de concorrer com os moder-nos condomínios empresariais de categoria ‘AA’ que se instalaram nas novas áreas de expansão da cidade. Tal lógica impulsiona o translado das sedes das empresas e dos grandes conglomerados, num movimento mais significativo e generalizado, aprofundando o processo de vacância imobiliária, o esvaziamento econômico e demográfico e reforçando a decadência dos antigos núcleos urbanos.

Por mais que as grandes cidades deixem de ser espaços de aglo-meração física das cadeias, para se tornarem espaços de articulação destas várias etapas dos processos de produção, não significa que as atividades propriamente industriais desapareçam dos contextos metro-politanos. A trajetória recente da cidade de São Paulo demostra que, por razões diferentes, atividades industriais tão distintas quanto fabri-cação de fármacos e de roupas se mantém fortemente concentradas na cidade e que sua localização interna a cidade se mantém basicamente a mesma de décadas atrás, a despeito das importantes mudanças urbanas havidas. Já os setores de serviços apresentam morfologia mais comple-xa, principalmente pelo número de empresas pessoais ou de pequeno porte, em que as decisões de localização das firmas estão muito condi-cionadas pelas preferências individuais de seus proprietários quanto ao

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local de moradia, estilos de vida e consumo.

No setor industrial, o padrão de localização das atividades como pode ser visto no mapa a seguir (Mapa 1), mostra a importância das grandes vias de entrada e saída da região, que a conectam ao interior do estado – principal área de interação econômica da cidade; ao porto de Santos – que a interliga com o mercado internacional; e com o restante do país – cujas conexões econômicas com o município são intensas. Dessa forma, as atividades industriais, e em grande medida também as atividades comerciais de maior escala, projetam-se, no que diz respeito a suas conexões econômicas, para “fora” do município.

Segundo Álvaro Comin:

“Esta disposição ‘centrifuga’ das atividades industriais parece bastante consistente com as tendências de desconcentração das atividades produtivas e de concentração relativa das atividades de comando, bem como com a enorme concentração do mercado consumidor brasileiro na região. O caráter ‘centrifugo’ dessas ati-vidades não tem a ver com o fato de que elas tendem a se retirar do município, mas, sim, com o fato de que elas dependem de in-tensos fluxos de bens materiais e se destinam em grande parte ao mercado nacional, suprarregional (Mercosul) e internacional.” (COMIN (Org). 2012. p 18.)

O Mapa 2, por sua vez, revela o profundo contraste entre a con-centração da oferta de trabalho, localizada no centro expandido (tam-bém chamado “complexo corporativo metropolitano”), e a concentra-ção populacional das regiões do município.

Esse imenso contraste só é possível porque, devido ao perfil muito concentrado da renda no Brasil, o mercado imobiliário opera preferencialmente visando estratos de renda elevada, que se concentra numa faixa particular do território, basicamente inserida no centro ex-pandido, com transbordamentos para a zona Sul e Oeste, o chamado “complexo corporativo metropolitano”. Ao mesmo tempo, as iniciati-vas do poder público, no sentido de ampliar e qualificar as redes de in-fraestrutura urbana – tais como transporte, hospitais, escolas, parques – que serviriam para melhorar o acesso das populações residentes em áreas mais pobres aos serviços urbanos, inevitavelmente produzem a va-lorização imobiliária dessas áreas, o que acaba por expulsar os estratos mais vulneráveis, que se deslocam para novas áreas dentro e, frequente-

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Mapa I

indústria e serviços

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Mapa II

população e emprego

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mente, fora do perímetro do município.

Dentro da cidade de São Paulo, a concentração espacial das ati-vidades econômicas favorece a conexão entre a demanda e a oferta de força de trabalho nos estratos médios e altos, porém segrega intensa-mente os estratos mais baixos, especialmente aqueles que habitam os extremos Leste e Sul do município.

Do ponto de vista do setor de serviços, quando se trata de suas estratégias locacionais, este é o que mais radicalmente alterou os pa-drões de uso do solo na cidade de São Paulo nos últimos tempos. Diferentemente da indústria, a dinâmica de crescimento do setor ter-ciário é portadora de uma nova configuração territorial, cujo resultado mais expressivo é a conformação do chamado “complexo corporativo metropolitano”. Essa área da capital tem seu poder de aglomeração vinculado a duas grandes forças:

A primeira delas está relacionada a lógica de funcionamento das empresas e, portanto, se refere às conexões intra e intersetoriais das cadeias empresariais que se consolidam em função da necessidade de subsidiar a tomada de decisões nas grandes corporações, o que ampliou a necessidade de serviços ultraespecializados em assessoria empresarial, jurídica e contábil, marketing, informática e telecomunicações, entre outros. Por mais que a dispersão territorial das atividades econômicas intensivas em informação tenha se tornado uma possibilidade concreta, a partir das novas tecnologias de informação e comunicação, as rela-ções técnicas e corporativas entre as empresas ainda são pautadas pela necessidade de proximidade física, decorrente dos contatos “face to face”. Em centros como São Paulo, esse processo tem consequências importantes, pois as estratégias locacionais das unidades de comando, altamente especializadas, tanto do setor público, quanto privado, aca-bam por agir como fator de arrasto para outras empresas, em função da alta dependência dos serviços que fornecem.

Já a segunda é própria das políticas urbanas, que são atributos locacionais fundamentais para atração das empresas, fazendo com que estas gravitem em torno do núcleo econômico do município conforme as diversas possibilidades de combinação entre fatores, tais como inves-timentos públicos em infraestrutura urbana, regulação do uso do solo e mercado imobiliário.

Os mapas 3 e 4 mostram essa dinâmica de adensamento dos

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serviços em uma região específica da cidade, que acaba por se tornar um polo, atraindo outros interesses, como o do mercado imobiliário, por exemplo.

Acontece, entretanto, que os locais dos empregos terciários não são só pontos de emprego desse setor, mas também locais de atendi-mento da população nas suas compras e nos seus serviços. Como bem coloca Flávio Villaça, a segregação residencial só pode ser compreendi-da se articulada a outros tipos específicos de segregação, a saber, a dos empregos e dos locais de compras e serviços. Segundo o autor:

“No quadrante sudoeste de São Paulo, concentram-se não ape-nas os locais de emprego dos mais ricos, mas também seu co-mércio (seus shoppings), suas escolas elementares e secundárias, as escolas de judô ou natação, os salões de beleza, os hospitais, os parques, os pet shops, as choperias e áreas de diversão (Vila Madalena ou Moema), os médicos, as academias de ginástica, os dentistas... até suas igrejas e cemitérios! Enfim, toda uma infini-dade de serviços prestados aos mais ricos. Assim, os mais ricos minimizam os tempos de deslocamento para os locais de diver-são, lazer, compras e serviços de todos os membros da família.” (VILLAÇA. 2012. p 64.)

De um modo geral, a indústria tende a “imantar” os espaços que ocupa, atraindo atividades aparentadas e repelindo outras formas de ocupação, seja para a residência, seja para os serviços mais especiali-zados e sofisticados. As atividades de serviços, ao contrário, requerem uma maior proximidade entre prestadores e usuários/consumidores fi-nais; o que, por um lado, pode favorecer uma maior diversidade de usos e formas de ocupação, mas, por outro, do ponto de vista dos estratos sociais de mais baixa renda, implica em novo processo de segregação espacial.

Harvey vai dizer, então, que as empresas bem-sucedidas desen-volvem, muitas vezes, uma espécie de “cinturão” de infraestruturas ao seu redor, o que incluí até mesmo outras empresas; este cinturão é fun-damental para torna-las mais rentáveis.

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Mapa III

serviços especializados

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Mapa IV

ensino superior e mercado imobiliário

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“Trata-se de uma característica familiar no mundo geográfico que o capitalismo constrói. Serviços legais, financeiros, de transporte, de infraestruturas e de comunicações coletivos, juntamente com o acesso a um conjunto de trabalhadores comum e o apoio da admi-nistração civil, podem também fornecer custos mais baixos para todos os capitalistas em uma dada localidade, até o ponto em que os custos de congestionamento se elevam e superam os benefícios.” (HARVEY. 2011. p 134.)

Por outro lado, a criação desses cinturões e a concentração de muitas e diversas atividades em lugares particulares faz com que a ter-ra-localização dessas regiões tenham seus valores muito elevados. Do ponto de vista do capitalista, isto não é um problema impossível de ser contornado; na verdade, pode até ser uma vantagem quando esta terra se torna um monopólio seu. Contudo, para os moradores só restam duas alternativas. Ou pagar os altíssimos custos do privilégio de residir ao lado de tudo aquilo que permite o sustento de sua vida, ou seja, seu trabalho, comércios, lazeres e serviços. E obviamente a porcentagem da população que tem esse poder é muito pequena. Ou fazer como a grande maioria e morar em locais mais afastados e subequipados, onde o preço da terra é mais baixo. E, nesse caso, se verem obrigados a conviver com os caros e demorados deslocamentos diários, que é o que possibilita o acesso os meios de reprodução de sua vida.

É assim que a necessidade de assegurar a continuidade dos flu-xos geográficos de dinheiro, bens e pessoas gera uma das forças mais poderosas que atua sobre a produção do espaço urbano: o controle do tempo de deslocamento, através do controle sobre o espaço. Desse modo, decorre, não só a grande disputa social em torno da produção do espaço urbano, como também a segregação como um mecanismo espacial de controle dos tempos de deslocamento.

Portanto, não se pode compreender os processos de concentra-ção e expansão geográfica dos centros urbanos, sem compreender as ló-gicas que os determinam. A bem da verdade, concentração e expansão geográfica são faces da mesma moeda, fruto de um mesmo processo, o processo de acumulação capitalista.

De acordo com Harvey:

“A paisagem geográfica é igualmente moldada por uma perpé-tua tensão entre as economias de centralização, de um lado, e os

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lucros potencialmente maiores que vem da descentralização e da dispersão, por outro. O modo de funcionamento dessa tensão depende das barreiras impostas à circulação espacial, à intensi-dade das economias de aglomeração e das divisões do trabalho.” (HARVEY. 2011. p 136.)

Quer dizer, existe uma relação de interdependência entre ex-pansão e concentração territorial dos centros urbanos. Para o capital, expansão física territorial significa, na prática, expansão do mercado e, portanto, novas possibilidades de acumulação. Ao mesmo tempo, como já vimos, a acumulação é tão maior quanto mais próximos e racionalmente organizados estiverem os locais de produção e consumo, uns em relação aos outros; logo, concentração das estruturas territo-riais é uma exigência.

Sendo assim, a urbanização em si se torna um grande negócio para o capital. O processo de produção do espaço unifica as particula-ridades da concentração e expansão geográficas, ao empregar quantida-de significativa da força de trabalho disponível e mobilizar capital ex-cedente acumulado, recolocando-o em circulação e fazendo, com isso, que ele se torne operante e gere lucros novamente.

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IVUtopia Subvertida

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Inicialmente o esforço empreendido pela utopia da forma espa-cial procurou distribuir homogeneamente as atividades produtivas e, com isso, equalizar os tempos e custos de deslocamento dos habitantes da cidade. Na situação proposta, isso representava igualar os preços dos lotes urbanos dissolvendo, assim, a desigualdade espacial.

Acontece que, muito embora a forma de se distribuir os valores de uso da terra tenha sido alterada, não se alterou contudo o caráter, a substância desses valores. Em outras palavras, a nova organização espa-cial alterou em nada as relações que produzem tais valores, que são as relações típicas do modo de produção capitalista.

Portanto, se as relações de produção não foram em nada altera-das, não há motivo para se pensar que os processos que envolvem tais relações apresentem alguma mudança significativa. A bem da verdade, os processo de expansão e concentração, tratados anteriormente, po-dem até aparecer sob uma nova forma, uma nova cara, mas aquilo que os movimenta, sua força motriz, também não foi em nada alterada.

Ou seja, a tendência é que as dinâmicas de expansão e concentra-ção do capital na megaestrutura proposta, embora apresentando uma nova cara, não deixem de acontecer. Se assumirmos isso como verdade, teremos que aceitar também que tais processos modificarão a organiza-ção espacial da utopia que antes se pretendia fixa e rígida.

O próprio Harvey, após discorrer sobre as utopias da forma es-pacial, apontava para esse risco inerente as propostas em questão:

“Há contudo agindo aqui uma contradição mais fundamental. As utopias da forma espacial pretendem tipicamente estabilizar e con-trolar os processos que tem de ser mobilizados para virem a se concre-tizar. Logo, no próprio ato de realização dessas utopias, o processo so-cial toma as rédeas da forma espacial com que se pretende controlá-lo”. (HARVEY. 2013. p 228.)

Logo veremos que, a partir do momento em que as atividades responsáveis pela produção de riqueza da cidade forem desvinculadas do solo urbano, restará a elas buscarem novas vantagens locacionais dentro da própria superestrutura, migrando de uma torre para outra e gerando, com isso, diversidades e particularidades dentre as torres do sistema. Uma vez que ele não é mais homogêneo, está criada a nova condição que permitirá a diferenciação do atributo locacional entre os lotes do solo urbano.

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Ao fim, o princípio norteador do projeto utópico permanece, qual seja o de equalizar o acesso aos meios de reprodução social da vida, quer dizer, o acesso aos locais de trabalho, comércios, serviços e lazeres. Todavia, com os processos e dinâmicas “tomando as rédeas da forma espacial”, diferenciações nas localizações da terra urbana são geradas, fazendo com que o fator de monopólio apareça novamente em certas situações e desequilibre o balanço igualitário dos preços dos lotes da cidade.

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O topo é destinado ao setor pro-dutivo, onde se encontram as fábricas, indústrias e manufaturas; é o coração que mantém o sistema sempre pulsan-te e ativo. Encostando o solo e em rela-ção direta com a cidade, se encontram as atividades de comércio; é a base do sistema, onde a produção consegue se realizar através consumo. No centro se concentram toda a série de serviços, tan-to aqueles ligados à reprodução da força de trabalho, como aqueles relacionados direta ou indiretamente a produção de mercadorias; é o intermédio entre pro-dução e consumo.

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comércio

serviços

serviços

indústria

funções

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Enquanto lugar da produção de mercadorias e, portanto, lugar do ca-pital, as torres logo são tomadas pelos signos da propaganda e do mundo in-formacional. Entretanto, não é todo e qualquer negócio que pode ter sua mar-ca estampada na fachada, ou então o pri-vilégio de instalar uma antena de trans-missão no topo da grande torre, afinal, um pedaço da face dessa megaestrutura é também uma espécie de monopólio e, sendo assim, tem um preço elevado.

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a megaestrutura e a cidade

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Ao contrário dos fluxos de traba-lhadores e de mercadorias, a migração das empresas e dos negócios não marca a paisagem urbana no dia-a-dia; contu-do, isso não quer dizer que tal proces-so não tenha implicações significativas para a estrutura do espaço urbano. Na imagem ao lado cada seta representa o movimento de uma empresa fictícia. Os polos azuis indicam de onde aquele de-terminado negócio está saindo, já os ver-melhos indicam para onde está se deslo-cando. Nota-se que as empresas podem migrar de uma torre para outra e tam-bém entrar e sair do território da cidade. Ao final, as múltiplas combinações dos diversos negócios, geradas ao longo do processo, produzem características loca-cionais que variam de torre para torre; entretanto, uma ou outra apenas se des-taca pela incrível capacidade de produzir mais riqueza que as outras.

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$ $$

fluxo migratório de empresas

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O que motiva tais dinâmicas é a busca por vantagens locacionais que po-dem contribuir para o desenvolvimen-to daquele negócio em específico; por exemplo, a proximidade com relação a origem de matérias primas, a proxi-midade com relação a outros serviços necessários para o funcionamento do empreendimento ou, em alguns casos, a importância dos contatos “face to face”. Assim, esses processos são capazes de gerar diferenciações, particularidades e aglomerar certos nichos de mercado, consumo ou relações empresariais em torno de especialidades. Por fim, coro-ando o sucesso do movimento que foi capaz de gerar diversidade em meio a homogeneidade, aparece a arquitetura enquanto invólucro, capa, denotando a distinção de uma ou outra torre em es-pecial.

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particularidades e diferenciais

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Gerar distinções e especialidades, ainda que seja em apenas uma única tor-re, a mais privilegiada de todas, significa forjar uma situação onde o componente de monopólio se torne predominante sobre valor da terra-localização dos lo-tes em proximidade àquela torre única. A consequência inevitável é um novo movimento de segregação ou gentrifica-ção daquela região da cidade.

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localização e monopólio

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Comparando-se os mesmos lotes urbanos que anteriormente, mas con-siderando agora que lote 1 é ocupado por uma torre supervalorizada devi-do a seus atributos especiais, é notável como componente que exprime o preço de monopólio da terra se desdobra em função da nova alteração, muito embo-ra o valor da terra-localização continue permanecendo constante. Neste caso, aparecem graus de monopólios bem de-finidos, onde D¹, relativo à terra da torre especial, é maior que D², relativo ao lote de uma torre comum; D², por sua vez, é maior que D³, o preço de monopólio pago para se utilizar as terras próximas à torre única; já os lotes das outras regiões da cidade permanecem sem um preço significativo pelo seu monopólio.

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rendimento comparativo da terra

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Por um lado, é possível pensar que o problema da mobilidade e dos tempos e custos de deslocamentos dos habitan-tes para acessar os locais de que tem ne-cessidade foi, senão resolvido, ao menos amortizado. Por outro lado, o que se evidencia de maneira mais contundente é que, ao final, a desigualdade espacial só se fez foi acentuar, na medida em que se concentra agora, sobre uma pequena área da cidade, a população mais rica e privilegiada, bem como e sobretudo, os bens mais valiosos que esta cidade foi capaz de socialmente produzir.

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preço da terra urbana

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VReflexões sobre Arquitetura

e Cidade

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Como vimos, os elementos da equação do espaço não são es-táticos e jamais podem ser considerados estáticos. Ao contrário, são dinâmicos e é justamente por isso que se verificam em nossas cidades – reais – mudanças, por exemplo, nos locais de produção e comércios, em consequência, da alteração dos recursos de circulação e transporte.

É desse modo que se configura a paisagem do território. Num movimento constante, que coloca em relação processos sociais e es-truturas físicas dos espaços. Em cada momento histórico, os proces-sos sociais e ou territoriais que fixam atividades produtivas em locais específicos do espaço veem uma redistribuição de seus fatores. Essa redistribuição não é indiferente às condições preexistentes, às heranças de objetos arquitetônicos anteriormente fixados ou ao ambiente cons-truído até então; ou seja, aos resultados de processos territoriais que se acumulam no espaço ao longo do tempo e que ainda se fazem presentes na paisagem.

É como se os tempos passados se cristalizassem em formas, seja na arquitetura, seja na paisagem. As formas e a organização espacial que estas estabelecem são frutos de processos territoriais e sociais passados, mas com os quais as novas organizações espaciais das atividades produ-tivas necessariamente têm que lidar.

A arquitetura evidentemente é um elemento da paisagem. Muito embora abrigue atividades produtivas, a arquitetura enquanto objeto formal não é determinante na organização dos processos produtivos. As localidades que o são. Logo, este deve ser o limite prático para qual-quer proposição arquitetônica que contenha em seu seio a articulação entre crítica social e o próprio campo da disciplina arquitetônica.

Enquanto disciplina, a arquitetura engendra saberes específicos que são fundamentais na compreensão de problemas sociais que se ma-nifestam espacialmente na cidade. Contudo, a arquitetura por si só, não tem capacidade, nem competência de resolver esses problemas, uma vez que a origem destes não se encontra em seu campo de autonomia.

Em outras palavras, a arquitetura, enquanto representação ou manifestação, pode ser uma excelente ferramenta para compreensão da base estrutural (econômica) da sociedade e do território; mas, justa-mente pelo lugar que ocupa nos processos territoriais/sociais, não tem condições de realizar sozinha alterações profundas em sua organização.

Tomando consciência desse limite e partindo, por um lado, da

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abordagem teórico-metodológica aqui apresentada e, por outro, da atu-alização das experiências que na história da arquitetura foram cunhadas de “utópicas”, o trabalho procurou espacializar um raciocínio sobre arquitetura e cidade que tem como substância os próprios processos que estruturam o espaço urbano contemporâneo.

Finalmente, o que se procura demonstrar é a pura impossibilida-de – já provada por Villaça – de se resolver o problema da desigualdade espacial de nossas cidade. Não há boa vontade, ideia, desenho ou plano que seja capaz de, atuando dentro dos limites colocados pelas próprias relações sociais nas quais estamos imersos, resolver tal questão.

Claro que sempre é possível – e necessário – conseguir avanços e melhoras, a fim de minimizar as enormes dificuldades que a barreira da desigualdade espacial impõe sobre a maior parte da sociedade. Con-tudo, dentro de nossa atual sociedade, uma solução definitiva para esse problema permanece inalcançável.

Isso porque, a desigualdade espacial não é só consequência dos processos sócio-espaciais, como também é condição para que eles se reproduzam. A desigualdade espacial, é antes de mais nada, uma faceta da desigualdade social, expressão da desigualdade de classes, e nossa sociedade se funda justamente nessa contradição.

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Referências

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CARLOS, Ana Fani Alessandri. O Espaço Urbano: Novos Es-critos sobre a Cidade. São Paulo: Labur Edições, 2007.

COMIN, Alvaro (Org.) et al. Metamorfoses Paulistanas: atlas geoeconômico da cidade. São Paulo: SMDU: CEBRAP: Editora UNESP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. 2012.

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume. 2005.

_____________ O enigma do capital: e as crises do capitalis-mo. São Paulo: Boitempo. 2011.

_____________ Espaços de Esperança. São Paulo: Edições Loyola. 2013.

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MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro 1: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo. 2013.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp. 2009.

VILLAÇA, Flávio. Reflexões sobre as cidades brasileiras. São Paulo: Estudio Nobel. 2012.

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