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A vinda do papa e os interesses do povo A VISITA de um papa desperta sempre muitas expectativas, não só entre os fiéis, mas entre toda a po- pulação, dada a importância da ins- tituição que dirige. A expectativa é geral, mas caberia, neste momento, uma atenção especial ao que o povo da terra espera de Bento XVI. Todos sabem como são estreitas as relações entre a Igreja Católica e os movimentos dos trabalhadores sem terra. Se não fosse o heróico trabalho da CPT (Comissão Pastoral da Terra) na denúncia da violência no campo – trabalho que já cobrou o martírio da irmã Dorothy Stang e tantos outros lutadores e lutadoras do povo – certamente o número de mortos em conflitos de terras seria ainda maior do que é. A própria CNBB, por seus oportu- nos pronunciamentos e pela me- diação generosamente oferecida em hora extremamente difícil da luta pela terra, tem contribuído muito para o avanço da reforma agrária. E ninguém no campo desconhece a contribuição de João Paulo II para a volta da reforma agrária à agenda política do país, no momento crucial da restauração democrática. Fundados nesse passado, os povos da terra esperam que o papa apro- veite seu diálogo com as autoridades e seus pronunciamentos públicos, que serão profusamente divulgados, para cobrar do Estado brasileiro aquilo que seu antecessor solicitou: a realização da reforma agrária a fim de criar condições para a verdadeira democratização do país. A visita do papa tem ainda uma outra e muito importante dimensão. Ele vai presidir a reunião do Celam (Conselho Episcopal Latino-Ame- ricano e do Caribe) em Aparecida, interior de São Paulo. Não se pode esquecer que esse encontro é o primeiro depois de Medellín, Puebla e Santo Domin- go – assembléias que colocaram a Igreja Católica na linha de frente da luta pela justiça social, pelo ecume- nismo, pelo respeito às culturas in- dígenas da América Latina. Avanços formidáveis para uma Igreja marca- da até então pela sua ligação com as classes dominantes – herdeiras das mesmas gentes que provocaram o genocídio das populações indígenas durante a Conquista e introduziram a escravidão africana no continente. Fundamental nesses encontros dos bispos do continente foi o pa- pel da Teologia da Libertação. Essa escola teológica, elaborada na Amé- rica Latina a partir da realidade do continente, possibilitou aos cristãos uma leitura nova e revo- lucionária dos Evangelhos. Foi ela que os armou para trabalhar ombro a ombro com as pessoas de outras confissões religiosas e com pessoas sem fé, pela correção das imensas injustiças sociais que persistiram na história da América Latina e que se mantêm até hoje. É fundamental que esse formidável avanço não se perca, abafado pelos ventos malfa- zejos do neoliberalismo. Infelizmente, o debate sobre os temas que serão discutidos em Aparecida não está tendo a atenção que merece. A mídia, interessada em desviar a atenção do público de assuntos que podem afetar os privi- légios dos poderosos, está focalizan- do apenas os aspectos secundários da viagem: a segurança do papa; o automóvel que o transportará em suas apresentações públicas; o tamanho do quarto em que se hos- pedará no Mosteiro de São Bento; o pianista que tocará para o papa. Até a cerimônia de canonização de frei Galvão, uma festa que certamente alegrará muita gente devota, foi ofuscada pela exposição de detalhes. O Brasil de Fato recusa-se a fazer esse tipo de jornalismo e congratula-se com a visita de Bento XVI, esperando que ela contribua para o avanço da luta dos cristãos católicos brasileiros na defesa dos direitos e da dignidade dos seus concidadãos. editorial R$ 2,00 São Paulo, de 10 a 16 de maio de 2007 www.brasildefato.com.br Ano 5 • Número 219 Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional A Companhia Vale do Rio Doce completou, no dia 6, dez anos de privatização com um anúncio preocupante: até 2010, a empresa planeja construir três termoelétricas no Brasil. O objetivo é trazer carvão mineral da China, principal importadora do minério de ferro da Vale, como “carga de retorno”. Ou seja, para que os navios utilizados na exportação não voltem vazios. Acontece que os próprios chineses estão deixando de utilizar o carvão mineral para alimentar suas usinas, por se tratar de um grande poluente (Pág. 8). O país asiático, para sustentar sua economia em crescimento, além do minério de ferro precisa cada vez mais de petróleo. Grande parte desse recurso a China busca no Sudão, cujo governo usa as receitas para financiar um genocídio na região de Darfur (Pág. 9). Na lógica inversa, 700 representantes de movimentos sociais, indígenas, camponeses e sindicalistas se reuniram, entre os dias 3 e 5 em Havana (Cuba), para aprofundar o diálogo de uma integração solidária contra os tratados de livre-comércio (TLCs). A Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), composta por Bolívia, Cuba, Nicarágua e Venezuela, baseia-se na complementaridade das nações, o que configura um novo mapa econômico mais justo e racional (Pág. 11). 9 771678 513307 9 1 2 0 0 Mulher de Darfur, entre o Sudão e o Chade, retira água de poço onde já foi um rio; estima-se que 400 mil civis já foram mortos e 2 milhões tiveram que deixar suas casas Na França, a vitória da direita levou o país a uma onda de protestos Pág. 10 Mais poluição nos planos da Vale do Rio Doce Na terceira entrevista da série sobre o dia nacional de lutas, Zé Maria de Almeida, da Conlutas, fala dos desafios de enfrentar a fragmentação da esquerda. Pág. 4 Dia nacional de lutas será realizado em 23 de maio Em São Paulo, deputados da oposição precisam recorrer à Justiça para inves- tigar casos graves, como o acidente da linha 4 do metrô e o “escândalo da Nossa Caixa”. Pág. 7 José Serra é um especialista em barrar CPIs Michael Kamber Anneinparis16

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Uma visão popular do Brasil e do mundo editorial R$ 2,00 Circulação Nacional Na terceira entrevista da série sobre o dia nacional de lutas, Zé Maria de Almeida, da Conlutas, fala dos desafios de enfrentar a fragmentação da esquerda. Pág. 4 Em São Paulo, deputados da oposição precisam recorrer à Justiça para inves- tigar casos graves, como o acidente da linha 4 do metrô e o “escândalo da Nossa Caixa”. Pág. 7 9771678 513307 91200 Michael Kamber Anneinparis16

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A vinda do papa e osinteresses do povoA VISITA de um papa desperta sempre muitas expectativas, não só entre os fiéis, mas entre toda a po-pulação, dada a importância da ins-tituição que dirige. A expectativa é geral, mas caberia, neste momento, uma atenção especial ao que o povo da terra espera de Bento XVI.

Todos sabem como são estreitas as relações entre a Igreja Católica e os movimentos dos trabalhadores sem terra. Se não fosse o heróico trabalho da CPT (Comissão Pastoral da Terra) na denúncia da violência no campo – trabalho que já cobrou o martírio da irmã Dorothy Stang e tantos outros lutadores e lutadoras do povo – certamente o número de mortos em conflitos de terras seria ainda maior do que é. A própria CNBB, por seus oportu-nos pronunciamentos e pela me-diação generosamente oferecida em hora extremamente difícil da luta pela terra, tem contribuído muito para o avanço da reforma agrária. E ninguém no campo desconhece a contribuição de João Paulo II para a volta da reforma agrária à agenda política do país, no momento crucial da restauração democrática.

Fundados nesse passado, os povos da terra esperam que o papa apro-veite seu diálogo com as autoridades e seus pronunciamentos públicos, que serão profusamente divulgados, para cobrar do Estado brasileiro aquilo que seu antecessor solicitou: a realização da reforma agrária a fim de criar condições para a verdadeira democratização do país.

A visita do papa tem ainda uma outra e muito importante dimensão. Ele vai presidir a reunião do Celam (Conselho Episcopal Latino-Ame-ricano e do Caribe) em Aparecida, interior de São Paulo.

Não se pode esquecer que esse encontro é o primeiro depois de Medellín, Puebla e Santo Domin-go – assembléias que colocaram a Igreja Católica na linha de frente da luta pela justiça social, pelo ecume-nismo, pelo respeito às culturas in-dígenas da América Latina. Avanços formidáveis para uma Igreja marca-da até então pela sua ligação com as classes dominantes – herdeiras das mesmas gentes que provocaram o genocídio das populações indígenas durante a Conquista e introduziram a escravidão africana no continente.

Fundamental nesses encontros dos bispos do continente foi o pa-pel da Teologia da Libertação. Essa escola teológica, elaborada na Amé-rica Latina a partir da realidade do continente, possibilitou aos cristãos uma leitura nova e revo-lucionária dos Evangelhos. Foi ela que os armou para trabalhar ombro a ombro com as pessoas de outras confissões religiosas e com pessoas sem fé, pela correção das imensas injustiças sociais que persistiram na história da América Latina e que se mantêm até hoje. É fundamental que esse formidável avanço não se perca, abafado pelos ventos malfa-zejos do neoliberalismo.

Infelizmente, o debate sobre os temas que serão discutidos em Aparecida não está tendo a atenção que merece. A mídia, interessada em desviar a atenção do público de assuntos que podem afetar os privi-légios dos poderosos, está focalizan-do apenas os aspectos secundários da viagem: a segurança do papa; o automóvel que o transportará em suas apresentações públicas; o tamanho do quarto em que se hos-pedará no Mosteiro de São Bento; o pianista que tocará para o papa. Até a cerimônia de canonização de frei Galvão, uma festa que certamente alegrará muita gente devota, foi ofuscada pela exposição de detalhes.

O Brasil de Fato recusa-se a fazer esse tipo de jornalismo e congratula-se com a visita de Bento XVI, esperando que ela contribua para o avanço da luta dos cristãos católicos brasileiros na defesa dos direitos e da dignidade dos seus concidadãos.

editorial

R$ 2,00

São Paulo, de 10 a 16 de maio de 2007 www.brasildefato.com.brAno 5 • Número 219

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional

A Companhia Vale do Rio Doce completou, no dia 6, dez anos de privatização com um anúncio preocupante: até 2010, a empresa planeja construir três termoelétricas no Brasil. O objetivo é trazer carvão mineral da China, principal importadora do minério de ferro da Vale, como “carga de retorno”. Ou seja, para que os navios utilizados na exportação não voltem vazios. Acontece que os próprios chineses estão deixando de utilizar o carvão mineral para alimentar suas usinas, por se tratar de um grande poluente (Pág. 8). O país asiático, para sustentar sua economia em crescimento, além do minério de ferro precisa cada vez mais de petróleo. Grande parte desse recurso a China busca no Sudão, cujo governo usa as receitas para financiar um genocídio na região de Darfur (Pág. 9). Na lógica inversa, 700 representantes de movimentos sociais, indígenas, camponeses e sindicalistas se reuniram, entre os dias 3 e 5 em Havana (Cuba), para aprofundar o diálogo de uma integração solidária contra os tratados de livre-comércio (TLCs). A Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), composta por Bolívia, Cuba, Nicarágua e Venezuela, baseia-se na complementaridade das nações, o que configura um novo mapa econômico mais justo e racional (Pág. 11). 9 7 7 1 6 7 8 5 1 3 3 0 7 91200

Mulher de Darfur, entre o Sudão e o Chade, retira água de poço onde já foi um rio; estima-se que 400 mil civis já foram mortos e 2 milhões tiveram que deixar suas casas

Na França, a vitória da direita levou o país a uma onda de protestos Pág. 10

Mais poluição nos planos da Vale do Rio Doce

Na terceira entrevista da série sobre o dia nacional de lutas, Zé Maria de Almeida, da Conlutas, fala dos desafios de enfrentar a fragmentação da esquerda. Pág. 4

Dia nacional de lutas será realizado em 23 de maio

Em São Paulo, deputados da oposição precisam recorrer à Justiça para inves-tigar casos graves, como o acidente da linha 4 do metrô e o “escândalo da Nossa Caixa”. Pág. 7

José Serra é um especialista em barrar CPIs

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Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues • Subeditor: Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Me-lo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Canna-

longa (in memoriam), Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maitê Carvalho Casacchi • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administra-ção: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: GZM Editorial e Gráfi ca S.A. • Conselho Editorial: Alípio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou [email protected] Para anunciar: (11) 2131-0815

SEM DÚVIDA, quase todos nós já passamos em frente a um muro ou portão que nos permite ver de relance um jardim grande e bonito, mas fechado ao público. Antiga-mente, nos casarões clássicos, como no claustro dos conventos, o jardim interno era a parte mais íntima da casa. Só a família e pouquíssimas pessoas “de fora” tinham acesso a esse coração da casa. Na literatura clássica, esse jardim interno se tor-nou símbolo da dimensão privada das pessoas e das famílias. Hoje, as construções não favorecem esta cultura de intimidade e aconchego. E é cada vez mais comum a vigi-lância de câmaras que nos dizem: “Sorria, você está sendo fi lmado!” Em um mundo de paparazzi e repórteres sequiosos por fofocas sobre gente famosa, a ética das co-municações interroga aos veículos de imprensa sobre até que ponto do jardim mais íntimo da vida têm o direito de invadir.

Muito Além do Jardim (Being

Em uma profi ssão como a do/a comunicador/a, que trabalha com a inteligência, a ética parte de uma inspiração, de uma intuição e opção de valores, estimados e queridos como bens inestimáveis e os mais necessários à humanidade

There, 1979) é, em português, o nome de um fi lme do Hal Hashby. Baseado no livro O Videota, de Jerzy Kozinski, o fi lme nos apre-senta a Chance Gardener (Peter Sellers), um jardineiro ingênuo que passa toda a sua vida cuidando de um jardim e vendo televisão. A televisão é o seu único contato com o mundo. Ele nunca entrou em um carro. Não sabe ler ou escrever. Não tem carteira de identidade... Em resumo, não existe como ci-dadão, ofi cialmente. O seu mundo era o seu jardim e sua televisão. O

patrão morre e Chance é forçado a deixar a casa e enfrentar o mundo real. Sai à rua e é imediatamente atropelado (no ponto de vista físico, mas também no plano simbólico). É verdade que teve a sorte de a mo-torista que quase o atropelou ser a Shirley McLaine dos anos 70... En-fi m, o fi lme já era uma parábola so-bre como os meios de comunicação moldam nossa forma de ver e viver neste mundo.

Em 1980, a Unesco conseguiu aprovar o relatório de Sean Mc Bride com o título Por uma Nova

Ordem da Comunicação Social. Buscava uma ética mais justa e democrática para os meios de co-municação e, para isso, propunha descolonizar, democratizar e inserir a comunicação social como princí-pio e método de trabalho. Era um relatório que concretizava as aspi-rações dos países não-alinhados. Os governos dos Estados Unidos e de outras potências capitalistas o rejeitaram e o ignoraram. Quase 20 anos depois, a 33ª sessão da Confe-rência Geral da Unesco, em outubro de 2005, submeteu à aprovação dos Estados membros o anteprojeto da Convenção sobre a Promoção da Di-versidade das Expressões Culturais. O objetivo foi conferir força de lei à Declaração Universal sobre Diversi-dade Cultural. Enquanto conselhei-ros de Bush falam na possibilidade de “choque de civilizações”, a Unes-

co propõe o paradigma ético da “di-versidade em diálogo”.

Frei Carlos Josaphat, mestre deste assunto na Universidade de Fribur-go, na Suíça, escreve: “A ética não se realiza como a conformidade a um código de obrigações, ressentidas como vindas de fora ou de cima. Sobretudo em uma profi ssão como a do/a comunicador/a, que trabalha com a inteligência, a ética parte de uma inspiração, de uma intuição e opção de valores, estimados e que-ridos como bens inestimáveis e os mais necessários à humanidade. Do apego, da consagração dos jornalis-tas a esses valores é que depende, em grande parte, o futuro da huma-nidade, a superação dos confl itos, a busca corajosa e paciente da justiça e da solidariedade, esses rudes e maravilhosos caminhos da paz”.

Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 30 livros, dos quais o mais recen-

te é Dom Helder, profeta para os nossos dias, Goiás, Ed. Rede da Paz, 2006

Do jardim para o mundo

crônica Marcelo Barros

debate Marina dos Santos, Roberto Malvezzi e Temístocles Marcelos

Na Guerra da Transposição, não há inocentes

Esquema safadoEm 2005, o Brasil registrou o ingresso de 1 bilhão

de dólares para a compra de títulos públicos. Em 2006, depois que o governo isentou de impostos essa operação, o ingresso saltou para 11 bilhões de dólares nos papéis públicos, que pagam 8,5% de juros reais ao ano – os maiores do mundo – a quem quiser especular, estrangeiros ou brasileiros que usam corretoras no exterior. Lucro fácil.

Domínio tecnológicoEstudo elaborado pelo Eco-

nomist Intelligence Unit, da revista britânica Economist, revela que o Brasil está no 43º lugar – entre as 69 maio-res economias do mundo – no ranking de integração entre o controle tecnológi-co e o comércio eletrônico. Ocupam os primeiros lugares no ranking os países que dominam a tecnologia que consomem, como a Dina-marca (1º), Estados Unidos e Suécia (empatados em 2º), Hong Kong (4º), Suíça (5º) e Cingapura (6º). O Brasil está longe disso.

Maioria inútilApesar de dispor de uma

bancada amplamente ma-joritária na Câmara dos Deputados, o governo teme revelar a fragilidade política dessa aliança diante de pro-jetos que mexem diretamen-te com o poder do capital e das oligarquias que mandam no Brasil. Por isso, até hoje, não conseguiu aprovar o projeto que confi sca para fi ns de reforma agrária as terras das fazendas fl agradas com trabalho escravo.

Doce vigançaEm 2005, o Banco Mun-

dial cancelou um fi nancia-mento para o Equador em represália a uma decisão do governo, que usou o supe-rávit do petróleo para fi ns sociais e não para pagar ju-ros da dívida, como queria o banco. Agora, o ex-ministro da Economia em 2005, atual presidente Rafael Correa, expulsou do país o represen-tante do Banco Mundial, um brasileiro chamado Eduardo Somensatto.

Mentira ofi cialRecém-lançado livro, At

the Center of the Storm (No centro da tempestade, em português), o ex-diretor da CIA, George Tenet, acusa o vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, e a se-cretária de Estado, Condole-ezza Rice, de terem manipu-lado informações da agência de inteligência para forçar o bombardeio e a ocupação do Iraque. Ninguém mais acre-dita no governo de George W. Bush. Só alguns governantes do Terceiro Mundo.

de 10 a 16 de maio de 20072

Simpatia perdidaEx-simpatizante do Parti-

do dos Trabalhadores (PT), bajulado tempos atrás pelo atual presidente da Repú-blica, o jornalista Jânio de Freitas tem batido pesado no governo. No artigo “Pele-gos outra vez”, na Folha de S.Paulo do dia 26 de abril, escreveu: “A proposta com que o sindicalista Luiz Mari-nho, ex-presidente da CUT, inaugura sua estada como ministro da Previdência é de um reacionarismo imoral”. Ele se referia ao estudo so-bre a redução das pensões por morte. “Isso, neste país que ostenta a mais indecente aposentadoria dos assalaria-dos”, completa.

Associação golpistaSegundo a revista Carta

Capital do dia 2, o novo mi-nistro das Ações de Longo Prazo, Roberto Mangabeira Unger, do PRB, é ligado ao banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, com quem se associou em 2002 para apli-car um golpe de milhões de dólares nos sócios da Brasil Telecom, entre os quais os fundos de pensão dos funcio-nários públicos e das empre-sas estatais. Belo currículo.

Violência consentidaDepoimentos de inúmeras

pessoas que testemunharam o confl ito ocorrido na ma-drugada do dia 6, em São Paulo, durante show do grupo Racionais MCs, atestam que a Polícia Militar instigou a multidão, foi inábil e depois reprimiu com violência e co-vardia a reação da juventude. O governo estadual de José Serra, do PSDB, está deixan-do a violência policial rolar e deve ser responsabilizado.

Interesse contrariadoO Brasil vai economizar

30 milhões de dólares este ano somente na compra de um remédio contra aids, já que, pela primeira vez em 11 anos, não aceitou o preço do laboratório Merck Sharpe, dos Estados Unidos, e deci-diu buscar o medicamento na Índia, que vende o mes-mo produto por um terço do preço. Não é o caso de se fazer isso com todos os me-dicamentos usados pela rede pública de saúde?

HOJE, UMA moderna avaliação do que seja o semi-ári-do, baseada em novas leituras científi cas da realidade e na experiência concreta que vem se acumulando em décadas de trabalho realizado pelos autênticos mo-vimentos sociais junto a suas bases, indica que essa região é tão viável como qualquer outra do planeta, desde que se desenvolva uma cultura adaptada às suas características. Para nós, dos movimentos sociais, esse novo modelo de desenvolvimento se chama “convivên-cia com o semi-árido”.

Dialogar com quem quer opinar sobre essa região mas desconhece esses novos conhecimentos e práticas tem sido uma tarefa e um desafi o cada vez mais árduos. Porém, superar esse desafi o e realizar essa tarefa é uma exigência fundamental, afi nal, existe uma indústria da seca, que vive da miséria popular, nela constrói seu poder político e sua fortuna privada e precisa continua-mente difundir conceitos equivocados sobre essa linda região brasileira.

O semi-árido brasileiro, com quase 1 milhão de km², praticamente se confunde espacialmente com o bioma caatinga. Se é um semi-árido, signifi ca que tem uma pluviosidade entre 300 e 800 milímetros por ano e um solo que não é deserto em sua composição. Vale lem-brar que a pluviosidade média é de 750 milímetros por ano, embora variada no tempo e no espaço. Essa pre-cipitação é segura. Por isso, o brasileiro é o sem-árido mais chuvoso e mais populoso do planeta.

O que falta à população é o acesso a uma infra-estru-tura capaz de guardar essa água dos tempos chuvosos para os tempos que não chove. Essa é uma tarefa do governo. De toda essa água que cai, temos infra-estru-tura para armazenar apenas 36 bilhões de metros cú-bicos. Os restantes 720 bilhões se perdem para o mar ou pela evaporação.

A seca como um problema – O semi-árido tem du-as estações bem defi nidas. Uma com chuva e outra sem chuva. A caatinga não morre no tempo sem chuva, mas adormece, hiberna. Na primeira chuva tudo fl oresce. O período seco faz parte do ciclo natural e a natureza já se adaptou a ele. Uma leitura equivocada desse fenômeno natural é mortal para o desenvolvimento de políticas de convivência com a região, seu clima e seu bioma.

Acontece que ele – o sertão – é uma construção so-cial, política e cultural. Não há como entendê-lo sem que seja lida sua história de dominação política e cruel, através do coronelismo antigo e das modernas oligar-quias baseadas no agro e hidronegócio.

Como sustentar a indústria da seca se não existir a se-ca? Não pensem a indústria da seca como apenas a do carro-pipa. Esse é seu primo pobre. A principal é a das grandes obras feitas em nome do povo, mas que enri-quecem uma elite restrita e privilegiada. Esse é o dilema em que se encontra a nova oligarquia nordestina, jus-tamente quando ela propõe a maior de suas obras, que transita da indústria da seca para o agro e hidronegócio no Nordeste, isto é, a transposição do rio São Francisco.

Primeiro conseguiram dividir o semi-árido em dois, como se os problemas e desafi os fossem apenas do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Insistem em ignorar que Alagoas, Bahia, Maranhão, o norte de Minas, Piauí e Sergipe têm os mesmos desa-fi os. Esquecem ainda que a região do Brasil mais pobre de água é o sertão pernambucano. Portanto, pasmem, a região mais pobre de água do Brasil encontra-se no vale do São Francisco.

Segundo, se recusam em admitir os dados que indi-cam água sufi ciente em todos os Estados para abastecer suas populações. O problema não é de água estocada, é

de democratização da água existente.Em terceiro, se recusam a admitir que o semi-árido

precisa de outro modelo de desenvolvimento e de ma-nejo da água, onde as populações mais pobres sejam empoderadas, não o capital de sempre, seja ele atrasado ou moderno. Portanto, a transposição tem um corte de classes que não pode ser ignorado, ao menos por aque-les que se reivindicam marxistas.

O mito da transposição para acabar com a sede – Questionado pela CPT sobre o fato do marketing da transposição sustentar que vai acabar com a seca do Nordeste, mesmo sabendo que a transposição vai atingir no máximo 6% do semi-árido, Ciro Gomes res-pondeu: “Eu nunca disse isso. Quem diz isso é o PT e eu não sou do PT”. Ainda mais, segundo o próprio projeto da transposição, a destinação da água é de 4% para a população rural, 26% para o meio urbano e 70% para atividades agrícolas. Interrogado sobre as propa-gandas que estavam sendo veiculadas na TV em defesa da transposição, afi rmando o citado acima, ele reagiu transferindo a responsabilidade, ou irresponsabilidade, para o PT. Portanto, há que se acabar com esse mito cruel, que suscita expectativa nas pessoas pobres, mas que não tem fundamento na realidade.

Para acabar com a sede do Nordeste, no meio urbano, basta implementar as obras propostas pela Agência Na-cional de Águas em seu “Atlas do Nordeste”. São apro-ximadamente 530 obras, que alcançam todos os muni-cípios da região que possuem mais de 5 mil habitantes.

Para o meio rural, nada apareceu de melhor que as obras propostas e que estão sendo implementadas pela Articulação do Semi-Árido. São cerca de 40 tecnologias, particularmente as cisternas para consumo humano, que já benefi ciam aproximadamente 200 mil famílias. Agora vai começar o projeto Uma Terra e Duas Águas, onde junto com a segunda água, para produção, deveria vir também a terra.

Resistir e propor – No mundo contemporâneo, onde existe a crise da água, provocada pelo uso irracional e predador, principalmente na agricultura irrigada (70% na média do consumo mundial), se impõe uma nova cultura da água. Há um confl ito mundial sobre esses novos rumos entre os que insistem no uso predador, na privatização e na mercantilização dos recursos hí-dricos e aqueles que querem um novo manejo da água, que permaneça como um bem público. No Brasil, esse confl ito se traduz de forma cristalina na transposição. É preciso saber de que lado estamos. O triste é ver setores vinculados a entidades de trabalhadores defendendo os interesses das classes dominantes.

Nessa guerra, ninguém é inocente. (Leia a íntegra deste artigo na Agência Brasil de Fato)

Marina dos Santos é da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Roberto Malvezzi é assessor da Comissão Pastoral da Terra Nacional (CPT) e

Temístocles Marcelos é coordenador da Comissão Nacional do Meio Ambiente e membro da Executiva Nacional da

Central Única dos Trabalhadores (CUT)

A transposição tem um corte de classes que não pode ser ignorado, ao menos por aqueles que se reivindicam marxistas

fatos em foco Hamilton Octavio de Souza

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Leigo – São os membros da Igreja que não são ordenados, como padres, bispos ou diáco-nos, mas que participam efetiva-mente dos trabalhos pastorais. No entanto, correntemente, excluem-se desse grupo os que, não sendo ordenados, são mem-bros de ordens e congregações religiosas.

Episcopado – É uma das for-mas administrativas da Igreja. Neste sistema, os ministros principais da Igreja são os bispos. Outros ministros são os sacerdotes e os diáconos. A administração é centralizada na fi gura de um dirigente, respon-sável pelas decisões e destinos da Igreja, e que possui um grupo de subalternos, o Colégio Epis-copal, responsáveis pela gestão do sistema.

Para entender

brasil

de 10 a 16 de maio de 2007 3

Entre a libertação e a obediênciaEduardo Sales de Lima

da Redação

MAIS IMPORTANTE conclave da hierarquia católica romana, a 5ª Conferência Geral do Con-selho Episcopal Latino-Ame-ricano e do Caribe (Celam) se realizará entre os dias 13 e 31 na cidade de Aparecida do Norte (SP). Para participar da cerimônia de abertura, por lá estará também o papa Bento XVI, além dos 266 convidados, entre bispos e observadores.

O primeiro encontro con-tinental desse tipo aconteceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1955. A partir do impulso da-do pelo Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, as conferências continentais na América Latina descreveram uma continuidade doutrinária na história. “Entre os teólogos que seguem a preparação de Aparecida predomina a idéia de que, no fundo, não há muito o que agregar ao magistério episcopal latino-americano, consolidado nos últimos 40 anos”, explica Leonardo Boff, teólogo e militante brasileiro, um dos fundadores da Teologia da Libertação.

“A assembléia de Medellín (Colômbia, o 2º Celam, em 1968) esteve na linha do Concí-lio Vaticano II, adotando uma mudança de atitude social. O episcopado comprometeu-se a defender a causa dos pobres e oprimidos. Em Puebla (Méxi-co, no 3º Celam, 1979), houve divisões, mas afi nal a mesma opção foi confi rmada. Em San-to Domingo (República Domi-nicana, no 4º Celam, 1992), o conteúdo foi mais fraco. Não quiseram voltar trás explicita-mente, mas a maior parte da assembléia fi cou controlada pelos representantes da Cúria Romana”, explica o padre e teólogo José Comblin.

Para ele, nesta quinta confe-rência de Aparecida, o Celam surpreenderá se não fi zer ne-nhuma condenação de Hugo Chávez e do socialismo pregado por ele. “A América Latina está muito dividida politicamente e os Estados Unidos numa guerra contra a Venezuela. A sua propaganda é muito forte”, ressalta Comblin. Na oração elaborada para o encontro, a palavra “afl itos” foi a que mais se aproximou de “excluído ou empobrecido”. Talvez porque Joseph Ratzinger, o papa, de certo modo, nega a luta de classes.

Protagonismo leigo“Como leigos, esperamos

que o papa venha dar uma for-

O Celam através da história

da Redação

Nos últimos anos, a América Latina vem tomando uma nova direção política. E isso se deve, em grande parte, aos frutos que a Teologia da Libertação (que surgiu no 2º Celam) produziu ao longo de quase meio século. “Este fenômeno social, concretamente, mas não exclusivo da Bolívia, Equador e Brasil, conta com grande participação da Igreja da Libertação, que há quase 50 anos vem rei-vindicando tais bandeiras, agora vitoriosas. São vários os ministros do governo Lula que vêm desta raiz. O triunfo dessa teologia é mais claro hoje no interior da política do que nos espaços eclesiásticos. Esperamos que Aparecida reconheça tal fato e o reforce”, destaca Leonardo Boff.

No entanto, após uma de suas visitas ao Brasil, o papa João Paulo II deixou clara a sua total discordância com tal corrente teológica, considerando-a próxima demais ao marxismo. Também dom Odilo Scherer, atual arce-bispo da cidade de São Paulo, ao ser questionado se daria apoio a essa corrente católica que vê a Igreja a serviço da transformação social, disse que seu tempo já passou. “Quando você usa o método de análise marxista, que parte de um pressuposto materialista, não-religioso, contrário à transcendência, você está negando um princípio basilar da posição da Igreja, da fé”, concluiu, em 27 de abril, o recém-empossado arcebispo.

Para Luiz Bassegio, porém, o novo arcebispo de São Pau-lo está equivocado. “A Teologia da Libertação não tem ca-ráter marxista, seu caráter é bíblico-teológico. Quais eram os prediletos de Jesus Cristo quando esteve entre nós? Eram as prostitutas, os pobres. A Teologia da Libertação apenas se serve de um instrumental analítico marxista. Entretanto, há coincidência de pontos entre a análise ma-terialista dialética e a opção preferencial de justiça para os pobres”, fi naliza. (ESL)

da Redação

Para o teólogo Leonardo Boff, o ex-arcebispo da cida-de de São Salvador (El Salva-dor), Oscar Romero, que foi assassinado defendendo os direitos humanos em plena guerra civil, em 1980, pode-ria ser o primeiro santo da Teologia da Libertação. Por seu lado, no dia 11 de maio, o papa Bento XVI deve cano-nizar frei Galvão, enquanto a Cúria Romana está ávida para santifi car o mais rápido possível o papa João Paulo II. “Grande parte dos santos que Roma proclama são san-tos por interesses políticos, por exemplo, santos que re-forçam posições de poder na instituição”, afi rma Boff.

Jon Sobrino, discípulo de Romero, teve suas ativida-des de professor de teologia suspensas pelo Vaticano. O escritor frei Betto acredita que o que está por trás da censura a Sobrino é a visão latino-americana de um Je-sus que não é branco nem tem olhos azuis. “Um Jesus indígena, negro, moreno, migrante; Jesus mulher, marginalizado, excluído. Aquele Jesus descrito no capítulo 25 de Mateus: faminto, sedento, maltra-pilho, enfermo, peregrino. Jesus que se identifi ca com os condenados da Terra e dirá a todos que, frente a tanta miséria, se portam como o bom samaritano: ‘O que vocês fi zeram a um dos menores de meus irmãos, a mim o fi zeram’ (Mateus 25, 40)”, escreve Betto, em arti-go defendendo Sobrino.

Segundo Leonardo Boff, por trás da condenação a Sobrino, estão os cardeais colombianos Alfonso Lopez Trujillo e Dario Castrillon Hoyos e o cardeal Barragan, do México, bem como o bra-sileiro que trabalha com eles, o bispo dom Karl Josef Ro-mer. “Eles queriam limpar o caminho para a chegada do papa ao Brasil. Só que puseram pedras demais e o efeito poderá ser contrário. Será um teste para ver se ele pretende manter a paz e a unidade no campo teológico ou se prefere a ruptura dila-ceradora em nome de uma ortodoxia rígida e distancia-da”, analisa. (ESL)

da Redação

Bento XVI fará sua primeira viagem à América Latina entre os dias 9 e 13. Além de participar do 5º Celam, ele também deve canonizar o frei Galvão. Joseph Ratzinger chega ao Brasil numa época em que, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a porcentagem de católicos no país se estabilizou em 73,79% da po-pulação. Em 1972, 99,72% dos brasileiros era considerado católico, taxa que caiu para 82,24%, em 1991, quando a queda se acelerou para chegar a 73,89%, em 2000.

A não aplicação de diretrizes evangé-licas encontradas na Teologia da Liber-tação, como justiça social e defesa dos pobres, são apontados pelo padre e teó-logo José Comblin como um dos fatores conjunturais da desconfi ança dos fi éis na Igreja. “Desde os anos 1990, as Igrejas prescindem de teologia. A prioridade é

dada a uma religião de muita emoção e sentimento. Há como uma volta ao cato-licismo tradicional, com técnicas moder-nas. A teologia não é necessária. Tudo o que é racional atrapalha. A teologia con-tinua, mas não lhe é dada mais nenhuma importância. Também os problemas sociais adquirem menos importância porque o sistema neoliberal de globaliza-ção conseguiu convencer de que ele era a solução inevitável”, aponta.

Mesmo com a indiferença diante de tal corrente teológica, a cúpula da Igreja no Brasil, que anda conforme a hierarquia da Cúria Romana, busca, de inúmeras maneiras, reconquistar seus adeptos. “A Campanha da Fraternidade deste ano fala sobre a Amazônia, mas a Igreja es-tá preocupada mesmo é com a entrada dos evangélicos naquela região, que em algumas cidades já são maioria”, aponta a socióloga Dulcelina Xavier, da ONG Ca-tólicas pelo Direito de Decidir.

AtrasoPara ela, a visita do papa ao Brasil deve

reforçar uma linha da Igreja mais volta-da para a evangelização, para recuperar os fi éis. Dulcelina considera Joseph Ratzinger mais agressivo no que tange os direitos sexuais da mulher. “Ele esta-beleceu estratégias de atuar nos países, como no caso do México, solicitando por escrito que os parlamentares votem con-tra a lei do aborto”, critica.

De acordo com a socióloga, não há como a realidade cotidiana das pastorais absor-ver as diretrizes impostas pelo Vaticano. “Mesmo na Pastoral da Criança, dirigida por uma pessoa bem conservadora (Zilda Arns), as mulheres são aconselhadas, com muita tranqüilidade, a usar anticon-cepcionais e preservativos”, diz.

Porém, dentro da Igreja, a mulher ainda vislumbra um longo caminho para chegar aos postos decisórios. A presença feminina no 5º Celam, por exemplo, não ultrapassa 30 representantes. “Mesmo em relação aos grupos ligados à Teologia da Libertação, há uma certa difi culdade de assumir as causas das mulheres como causa social”, afi rma Dulcelina.

Ao lado das Católicas pelo Direito de Decidir, o movimento homossexual tam-bém critica o Vaticano diante de sua falta de diálogo com a atualidade. “O papa tem o compromisso com a Igreja antiga, a Igreja burocrática”, afi rma Marcelo Cerqueira, católico e secretário de saúde da Associação Brasileira de Gays, Lésbi-cas e Travestis (ABGLT).

Para ele, o pontífi ce incita a violência contra o homossexual quando se refere a tal orientação sexual como uma de-sordem subjetiva e conduta “intrinseca-mente” má. Cerqueira ressalta que existe diálogo entre o movimento sexual e os católicos, mas dentro das próprias paró-quias e comunidades, não com bispos ou arcebispos. (ESL)

Mesmo em grupos ligados à Teologia da Libertação, as pautas do movimento feminista não têm o mesmo destaque que as causas sociais

O conservadorismo do VaticanoMulheres e homossexuais criticam falta de sintonia da Igreja diante da realidade brasileira

A infl uência da Teologia da Libertação

IGREJAEntre os dias 13 e 31, bispos latino-americanos decidem os rumos da Igreja na região

ça para a caminhada da Igreja aqui no Brasil, que é de opção preferencial pelos pobres. Esperamos que não haja um retrocesso naquilo que já se avançou com relação a Medel-lín, Puebla e Santo Domingo e que se reafi rme essa opção preferencial pelos pobres com o protagonismo dos leigos”, diz Luiz Bassegio, da Secretaria Geral do Grito dos Excluídos (SGGE). Ele ressalta que, an-tigamente, no Brasil, quem falava com autoridade eram os bispos e padres. Hoje, quem fala pelo povo são as pastorais sociais. “São elas que fi zeram o plebiscito da dívida, da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e que estão orga-nizando o plebiscito pela anu-lação do leilão da Vale do Rio Doce”, atesta.

As palavras de Bassegio revelam que o acúmulo his-tórico do Celam permitiu que o leigo adquirisse um amplo espaço de iniciativa, liberdade e autonomia dentro da Igreja e da sociedade. Os primeiros impulsos a esse protagonismo leigo em defesa do excluído foram dados em Medellín, em 1968, com o surgimento das primeiras comunidades ecle-siais de base (CEBs), em íntima conexão com a experiência de novos ministérios leigos.

Para Leonardo Boff, no en-tanto, o Vaticano desconsidera as CEBs. “Eles se orientam pelo direito canônico. Este não pre-vê nada para elas. Talvez ‘pias associações’ (de caridade), coisa que elas efetivamente

não são. Em razão disso, ne-nhum representante das CEBs, seja leigo, padre, religioso ou bispo, foi escolhido para estar presentes no 5º Celam. Isso mostra apenas o quanto o Vaticano está alienado da realidade concreta da Igreja. Para ele, na verdade, só conta a hierarquia. O resto são como ‘garis’ da Igreja, simples leigos, fregueses de paróquias e con-sumidores de bens simbólicos que eles, os padres e hierarcas, somente produzem”, afi rma. (Com Informações da Agência Ciranda Internacional de In-formação Independente)

“Santos” e “hereges”

A percepção de que era necessária uma articulação dos di-versos setores de ação eclesial na América Latina ganhou força dentro do Vaticano nos anos 1950. A Conferência do Rio de Ja-neiro, em 1955, tentou dar impulso à unidade eclesial no conti-nente. Sua decisão principal foi a criação do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam).

Mas foi o Concílio Vaticano II que deu grande impulso ao caráter dialógico e social dos encontros do Celam. Entre 1962 e 1965, 2,5 mil bispos de todo o mundo proclamaram o direito da pessoa humana à liberdade religiosa e foram reconhecidos os valores contidos em outras religiões. Os bispos não mais de-fi niam a Igreja como uma estrutura hierárquica, mas como um conjunto de crentes iguais entre si.

Desde Medellín, em 1968, as conferências continentais vêm se caracterizando historicamente por manter a continuidade doutrinária. Nessa conferência, os bispos latino-americanos confrontraram-se com a crise do desenvolvimentismo e a fratu-ra social dela resultante. Realizou-se uma minuciosa análise do contexto social da época e foi afi rmada a opção preferencial pe-los pobres e pela “libertação”, que transformou-se também em categoria teológica, ao passar por transformação de sentido.

Em 1979, na cidade de Puebla, aconteceu a terceira confe-rência, que aprofundou as linhas de ação abertas em Medellín, reforçou a importância das comunidades eclesiais de base (CEBs), como um “novo modo de ser Igreja”, e estabeleceu que não basta perceber as feridas que matam os povos, mas que é preciso denunciar as causas.

Em 1992, em Santo Domingo, pela primeira vez a conferên-cia geral incluiu os episcopados dos países caribenhos das pe-quenas Antilhas. Sob o rígido império do neoliberalismo e de uma situação eclesial centralizadora, a problemática estudada mostrou a necessidade do pluralismo religioso e cultural cres-cente e a necessidade de impulsionar o diálogo inter-religioso e inter-cultural. Entre os dias 13 e 31, na cidade de Aparecida (SP), acontecerão as assembléias do 5º Celam. Elas seguirão seis eixos: “Sociedade e Igreja na Atualidade”, “Jesus Cristo, Reino e Discipulado”, “Igreja e Missão”, “Desafi os e Diretrizes Pastorais”, “A Proposta da Missão Continental” e “Opções Bá-sicas na América Latina e no Caribe”. Neste último eixo, devem ser reiteradas as opções pelos pobres e jovens e o papel das CEBs, como opção criativa de ser Igreja na América Latina e no Caribe. (ESL)

Milhões de católicos brasileiros esperam que a visita do papa fomente um diálogo da Igreja com os reais problemas nacionais

Rep

rodu

ção

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EnergiaMoradores de cidades na Baixada Fluminense,

no Rio de Janeiro, protestaram no dia 8 contra a Ampla, distribuidora de energia que instalou medidores eletrônicos para aferir o consumo das residências localizadas em áreas pobres, elevan-do o valor das contas. Para o engenheiro elétrico Dourival Junior, da UFMT, essa é a nova estraté-gia das empresas para ampliar seus lucros, imple-mentando também o sistema de consumo pré-pago, semelhante aos da telefonia

saiu na agência www.brasildefato.com.br

brasil

de 10 a 16 de maio de 20074

Superar a fragmentação da esquerda

23 DE MAIONa terceira entrevista da série sobre o dia nacional de lutas, Zé Maria afi rma que o ambiente político atual é favorável para que os trabalhadores enfrentem o caráter neoliberal do governo

Minas GeraisEncontro de organizações

realizado em Belo Horizonte, concluído em 2 de maio, de-fi ne como pautas prioritárias a campanha pela anulação da privatização da Vale do Rio Doce e a construção de um projeto popular para Minas Gerais e para o Brasil

Saúde Levantamento realizado

pela Universidade de Brasília (UnB) aponta que 48,5% dos trabalhadores que se afastam por mais de 15 dias pade-cem de alguma enfermidade mental; depressão é a doença mais comum

Integração SolidáriaRepresentantes da Bolívia,

Cuba, Nicarágua e Venezuela deram mais um passo, no dia 29 de abril, para a constru-ção da Alternativa Bolivaria-na para as Américas (Alba). Entre os principais temas defi nidos está a criação de um conselho de movimentos sociais e o posicionamento contra a liberação do terro-rista Luis Posada Carriles, pela Justiça dos Estados Unidos

EducaçãoEstudantes da Universi-

dade de São Paulo (USP) ocuparam a reitoria da insti-tuição, dia 3, para protestar contra os decretos do gover-nador José Serra (PSDB) que

atacam a autonomia univer-sitária e cortam verbas para o ensino superior. Os univer-sitários querem também que a reitora Suely Vilela se posi-cione contra essas medidas.

Tribuna de AlagoasJornalistas, gráfi cos e fun-

cionários do jornal Tribunal de Alagoas tomaram uma decisão radical: ocuparam a redação em 24 de abril em um protesto contra os cinco meses de atrasos salariais. Os trabalhadores estão produ-zindo o jornal e pressionam por meio de protestos o empresário Robert Lyra e o ex-governador Roberto Lessa (PSB), donos da publicação, para que eles cumpram com as obrigações trabalhistas

CPI do Futebol CariocaAntes da fi nal do campeo-

nato vencido pelo Flamengo, nos pênaltis, contra o Bota-fogo, torcedores que foram ao Maracanã, no dia 6, fi ze-ram um abaixo-assinado em apoio à realização de uma CPI do Futebol Carioca. Proposta pelo deputado es-tadual Marcelo Freixo (P-SOL), a comissão já conta com o número de mínimo assinaturas dos parlamen-tares na Assembléia Legis-lativa e, se instalada, deverá ter como foco as denúncias de irregularidades na Fede-ração de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj)

Tatiana Merlino da Redação

DIANTE DA fragmentação das forças sociais do país, movi-mentos sociais e sindicatos es-tão unifi cando a luta em defesa de um projeto comum. Para reaglutinar as organizações, foi criada a frente unifi cada de luta em defesa do direito dos traba-lhadores, que terá seu primeiro ato unifi cado dia 23 de maio, com paralisações, marchas e manifestações por todo o país.

Na terceira entrevista da série de quatro publicadas pelo jor-nal Brasil de Fato com repre-sentantes dessas organizações, José Maria, da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), avalia que, ao contrário de 2003, o momento atual é mais propício para reorganizar as forças sociais do país e ressalta que “teremos mais condições de vencer o governo unidos do que individualmente”.

De acordo com ele, a articu-lação do dia 23 “é um processo bastante positivo e que aponta no sentido de superação des-sa crise”. Participam de sua construção a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estudan-tes (UNE), a Via Campesina (MST, MAB, MPA, etc), a Intersindical, a Conlutas e outras iniciativas conjuntas, como a Assembléia Popular e a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS).

Brasil de Fato – Qual o mo-tivo de se organizar uma frente de luta em defesa dos trabalhadores?

José Maria – O motivo mais direto da organização da frente é que os direitos da classe trabalhadora estão sendo viola-dos de forma sistemática pelas empresas, governos estaduais e governo federal.

Há um conjunto de medi-das adotadas pelo governo e pelo Congresso Nacional que agridem esses direitos, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esses são motivos que levam a uma re-ação mais dura dos trabalha-dores do que tem sido até agora. É importante buscar construir unidade na luta por-que teremos mais condições de vencer o governo unidos do que individualmente.

Mesmo com as diver-gências de avaliação da conjuntura entre os movi-mentos há pautas que dão unidade a essas forças?

A base de unidade que en-volve tantos os segmentos que fazem oposição ao governo pela esquerda e os setores que ainda não romperam com o governo é aquela nota que fi rmamos em

conjunto, que é a base política possível de unidade. A partir desse conteúdo da nota, vamos construir o 23 de maio. Claro que os movimentos têm liber-dade para expressar suas opi-niões além daquilo, mas temos uma base política constituída em comum. Isoladamente, é mais difícil vencer essa ofensiva do governo federal sobre nossos direitos. Na medida em que conseguimos uma unidade para lutar temos mais força para en-frentar os desafi os.

Quais são os desafi os que se colocam para os movi-mentos sociais e para os trabalhadores com o se-gundo mandato do gover-no Lula?

Nosso desafi o tem esse viés mais imediato que é a defesa dos direitos, mas é preciso que os movimentos sociais, sindical e a esquerda encarem o desafi o de construir uma alternativa socialista, dos tra-balhadores, que só pode ser realizada no fortalecimento da luta direta da mobilização. Chega de esperar que um ou outro político eleito por esse sistema eleitoral viciado pos-sa resolver os problemas do povo. Os trabalhadores pre-cisam unir suas forças para defender os direitos que estão sendo atacados, enfrentar essa política econômica e, no bojo desse processo, trabalhar para construir alternativas mais estratégicas.

Houve alguma mudança em relação ao primeiro mandato?

Todas as sinalizações e me-didas concretas adotadas pelo governo Lula até agora não mostram uma mudança de ru-mo em relação ao seu primeiro mandato. De outro lado, há as conseqüências dessa política: continuamos com desemprego

num patamar insuportável no país, os salários muito baixos, o salário mínimo miserável, a re-forma da Previdência eliminou muitos direitos. A única coisa que o governo pretensamente fez pela classe trabalhadora foi o chamado Fome Zero, essa Bolsa Família que na verdade é uma política social compen-satória perfeitamente prevista nos marcos de um modelo neoliberal. É a migalha dada aos setores mais miseráveis da população para evitar explosões sociais que possam colocar em risco a estabilidade necessária para continuar colocando em prática essa política econômica que favorece banqueiros e gran-des empresas.

As medidas adotadas no segundo mandato não apon-tam nenhuma mudança de rumo, pelo contrário, o PAC garante o aumento do lucro

das empreiteiras e favorece um conjunto de setores da economia voltados para ex-portação. Há esse projeto em relação ao etanol que responde diretamente aos interesses das grandes empresas dos Estados Unidos, que além de subordi-nar ainda mais os interesses brasileiros aos interesses do capital estadunidense ainda compromete a capacidade de produção de alimentos do Brasil e enterra de vez a possibilidade de uma reforma agrária ampla no país.

Qual a diferença entre a luta contra a reforma da Previdência que está sen-do sinalizada no segundo mandado e as mobiliza-ções em 2003 dos servido-res públicos?

Na verdade, a natureza da lu-ta é a mesma. A diferença é que essa reforma de agora atinge de forma mais ampla os direitos da classe trabalhadora. A reforma de 2003 atingiu diretamente os servidores públicos ao eliminar direitos, atingiu o conjunto na medida em que abriu as con-dições de privatização da Pre-vidência Social do país com a regulamentação dos chamados fundos de pensão e fundos de aposentadoria complementar, mas não atingiu diretamente os trabalhadores da iniciativa privada, do regime geral do INSS. Agora, essa proposta de reforma apresentada recente-mente no Fórum Nacional da Previdência atinge a todos e propõe estabelecer um limite de idade para aposentadoria de 65 anos para o regime público e privado. E tenta acabar com aquela diferença de idade para a aposentadoria entre a mulher e o homem.

Vivemos um momento de dispersão social nas forças de esquerda. Você acha que essa frente sinaliza uma rearticulação dessas forças?

Eu acho que sim, aponta nesse sentido porque vivemos uma fragmentação e uma confusão na esquerda, dado o processo que vemos na esquer-da nos últimos anos. O projeto do Lula do PT galvanizou uma ampla maioria da esquerda brasileira nos últimos 25 anos. Foi um projeto amplamente hegemônico, naquela idéia de que, se Lula vencesse as eleições, mudaria o país. Mas houve uma imensa decepção porque não vieram mudanças, mas sim uma continuidade do que vinha antes. Essa crise gerou confusão, desilusão e é esse o momento que vivemos hoje. Nesse marco de crise, a unifi cação no encontro do 25 de março aponta no sentido de reaglutinação, de recolocação dos movimentos na luta dos trabalhadores. Essa unidade que estamos construindo na luta em defesa dos direitos dos

trabalhadores é um processo bastante positivo e que aponta no sentido de superação dessa crise. Mas estamos no início deste processo de recompo-sição, vamos levar um tempo para superar a fragmentação da classe trabalhadora e o pre-juízo da traição da direção do PT e da CUT.

Há novos atores no pro-cesso de rearticulação das forças de esquerda?

Não acho que haja mudan-ças nos atores que fazem parte

desse esforço para a construção da transformação social. O papel fundamental é da classe operária que está diretamente ligada no processo de produção de mercadoria na sociedade. Mas não podemos nos esquecer que a classe operária precisa construir alianças sociais que lhe dêem forças para promover essas transformações sociais. Existe uma camada imensa da população que não faz parte nem da classe operária, sequer faz parte do mercado de traba-lho, ou estão na informalidade ou estão desempregados, ou se organizam em movimentos de moradia, em movimentos que lutam pela reforma agrária ou por meio dos movimentos dos atingidos por barragens.

Qual é a sua avaliação do resultado das manifesta-ções do 1º de Maio?

Foram manifestações muito boas, ainda que não tenham sido manifestações de massa, e expressaram a unidade em defesa dos direitos dos traba-lhadores. É claro que foram me-nores que as festas feitas pela CUT e Força Sindical, que não são manifestações, e sim festas pagas com dinheiro público e de empresas privadas para iludir os trabalhadores em relação ao governo Lula.

Como está a organização para o dia 23 de maio?

Já temos previstas manifesta-ções de professores dos seguin-tes Estados: Minas Gerais, San-ta Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro. Temos greves prepara-das para o setor da construção civil em Belém (PA), Ceará, greve de metalúrgicos em São José dos Campos (SP) e em diversas cidades de Minas Ge-rais. Está prevista uma greve do funcionalismo federal no país inteiro. O Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem Terra (MST) também está preparan-do atividades em todo o país. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e Movimen-to Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) também. Além dessas organizações, esperamos que a CUT também se integre, já que assinaram o documento. Nossa idéia é realizar mobilizações de massa, por isso é importante fazer paralisações nos locais de trabalho.

Os trabalhadores precisam unir suas forças para defender os direitos que estão sendo atacados, enfrentar essa política econômica e, no bojo desse processo, trabalhar para construir alternativas mais estratégicas

O PAC garante o aumento do lucro das empreiteiras, favorece um conjunto de setores da economia voltados para exportação

Da direção da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), José Maria de Almeida é metalúrgico e diretor da Federação Democrática dos Metalúrgicos de Minas Gerais. Iniciou sua mi-litância sindical no ABC paulista em 1977. Foi candidato a presi-dente da República nas eleições de 1998 e 2002 pelo PSTU

Quem é

O ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, recebeu mais de 6 mil militantes no encontro organizado pela Conlutas e pela Intersindical, no último 25 de março

Fotos: João Zinclar

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“Um computador para cada aluno é um sonho distante. Mas temos que investir em laboratórios, em equipamen-tos de uso coletivo”, avalia. “Programas como o Compu-tador para Todos também são fundamentais para o processo de inclusão digital”, continua.

IdealismoO Um Computador por

Aluno segue seus estudos de pesquisa e avaliação sem um prazo formal para encerra-mento, embora o Ministério da Educação e Cultura (MEC) entenda que os testes devam continuar durante todo o ano de 2007. Especula-se que, após a análise dos resultados, o governo realizaria uma licitação para a compra de 1 milhão de computadores, dando início a uma nova fase do projeto.

O jornalista e blogueiro especializado em tecnologia Tiago Dória conta que ainda existem informações desen-contradas sobre o assunto. “O tema é controverso. Algumas pessoas apontam as limita-ções impostas pela infra-es-trutura e outras enxergam o desenvolvimento de um novo método de ensino.” Em uma de suas notas, ele comenta um artigo de John Dvorak, colu-nista da revista PC Magazine, que descreve a iniciativa de Negroponte como “boba ou idealista”. Para justifi cá-lo, Dvorak cita o jornalista e pro-fessor universitário G. Pascal Zachary, responsável pelo blog Africa Works, que diz que, naquele continente, “as pessoas precisam de eletrici-dade mais do que precisam de laptops”. (AG)

Governo brasileiro estuda adquirir 1 milhão de computadores

Quanto

brasil

de 10 a 16 de maio de 2007 5

Computador de 100 dólares:inclusão digital ou negócios?

Aldo Gamade São Paulo (SP)

NO CAMBOJA, estudantes do ensino médio de uma vila sem energia elétrica receberam da organização One Laptop Per Children (OLPC, Um Laptop por Criança, em português), protótipos de um computador de 100 dólares – iniciativa que promete resolver a questão da inclusão digital em países emergentes. Como parte do programa, as crianças leva-ram seus laptops para casa, mas perceberam que uma de suas aplicações mais úteis era a de transformá-los em uma fonte de luz, usando-os como lâmpadas. Contada co-mo anedota involuntária no site da organização, a cena pode se repetir no Brasil, que estuda o modelo por meio do projeto Um Computador por Aluno (UCA).

Em andamento desde 2005, quando o presidente Lula assistiu a uma apresentação de Nicholas Negroponte, co-fundador do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e criador da OLPC, o projeto do governo federal Um Computador por Aluno avalia no momento a aplicação pedagógica de três modelos de computadores enviados por empresas inte-ressadas: Classmate PC (da Intel), XO (da própria OLPC) e Mobilis (da Encore). Também está sendo analisado o projeto Brasileirinho, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que deve ter protótipos pron-tos para testes em junho. Os fabricantes doaram mais de 2 mil máquinas que estão sendo testadas em escolas públicas de cinco cidades: Brasília (DF), Palmas (TO), Piraí (RJ), Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP). Cada escola recebeu um único modelo para avaliação.

Professores x ferramentas Desde a sua criação, a OLPC

atraiu a atenção de vários governos que, como o Brasil, acabaram se comprometendo com a organização. Argenti-na, Líbia, Nigéria, Ruanda e Uruguai estão desenvolvendo testes com o equipamento. Ou-tros, como China, Egito, Índia e Tailândia, abandonaram a iniciativa. Sudeep Banerjee, se-cretário de Educação da Índia, ao desistir do projeto, em julho de 2006, chegou mesmo a afi r-mar que seu país necessitava de “salas de aula e professores com maior urgência do que fer-ramentas chiques”.

Em seu site, a OLPC se apre-senta como uma “organização sem fi ns lucrativos, dedicada à pesquisa do laptop de 100 dólares – uma tecnologia que pode revolucionar como edu-camos as crianças do mundo”. O próprio Negroponte, no en-tanto, informa que o preço do computador está, na verdade, perto de 150 dólares. Os 100 dólares anunciados, confessa, fi zeram parte de uma estraté-gia de marketing para chamar atenção para o projeto. E foi bem sucedida, uma vez que gi-gantes como a Intel descobri-ram um súbito interesse pelo desenvolvimento de máquinas similares para o “mercado hu-manitário”.

LucroEmbora a OLPC se apresente

como uma organização sem fi ns lucrativos, os fabricantes envolvidos na produção do XO não o são. O baixo preço das unidades e o lucro reduzi-do seriam compensados pelo volume da produção. A venda em larga escala, o domínio do segmento, entre outros, são fa-tores que justifi cam o interesse das empresas.

O governo brasileiro vem manifestando a intenção de comprar 1 milhão de laptops para uma próxima fase do Um Computador por Aluno (UCA), mas, antes, precisa resolver alguns problemas. Ainda não foi defi nido, por exemplo, o mecanismo a ser empregado para a distribui-ção das máquinas, o que, além da difi culdade logística e geo-gráfi ca, pode ser utilizado co-mo um simples instrumento de promoção política. Como serão treinados os professo-res? Como será feita a assis-tência técnica?

Ainda que essas questões sejam respondidas, resta uma última barreira: onde os computadores seriam co-nectados? Estimativas ofi ciais apontam que, hoje, apenas 5% dos alunos do ensino pú-blico tem acesso à internet, pouco mais de 2,5 milhões de jovens em um universo apro-ximado de 55 milhões. Para que o projeto tenha sucesso, além de comprar o equipa-mento, entregá-lo e garantir seu funcionamento e reparo, o governo deve levar a inter-net de banda larga até ele. Em alguns casos, até mesmo energia elétrica.

Avaliação pedagógicaA pesquisa “Os Determinan-

tes do Desempenho Escolar no Brasil”, realizada recente-mente por Naércio Menezes Filho, professor de economia do Instituto Brasileiro de Mer-cado de Capitais (IBMEC-SP) e da Faculdade de Economia, Administração e Contabili-dade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), concluiu

que o uso de computadores nas atividades escolares tem pouca infl uência sobre o ren-dimento dos alunos em sala de aula. Em um artigo publicado no jornal Valor Econômico, em dezembro de 2006, Naér-cio argumenta ainda que “en-quanto não houver políticas de remuneração e promoção que incentivem e retenham os melhores professores na rede pública, há pouca esperança de que os laptops tenham algum efeito sobre o desempe-nho dos alunos mais pobres”. Já para a professora Léa da Cruz Fagundes, coordenadora

do Um Computador por Aluno e do Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC) da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), rendimento “é um conceito muito compro-metido com os velhos padrões em que se pensa que educação se avalia por diferenças (...) como se o ser humano fosse um autômato”.

Sobre as declarações do se-cretário de Educação da Índia, de que o país precisava de “sa-las de aula e professores com maior urgência”, ela entende que o Brasil possui uma cultu-ra diferente. “Nós já contamos com tantas pesquisas e tantos experimentos bem feitos que temos condição de não pre-cisar apenas de salas de aula, mas podemos abrir as paredes expandindo a escola para a co-munidade”, argumenta.

O professor Eduardo Mor-gado, coordenador do LTIA (Laboratório de Tecnologia de Informação Aplicada), parceiro da Unesp no projeto Brasileirinho, concorda, em parte, com a posição da Índia.

Os desafi os no BrasilEfi cácia pedagógica da distribuição de computadores para os alunos ainda é incerta

O Brasil ainda aposta no projeto que já foi abandonado por Índia, Tailândia, China e Egito

“Precisamos saber quais pa-tentes estão envolvidas”, alerta o professor Eduardo Morgado, coordenador do LTIA (La-boratório de Tecnologia de Informação Aplicada). Mas a consideração mais objetiva parte da própria Quanta Com-puters, companhia tailandesa responsável pela produção do XO. “A OLPC é uma organiza-ção sem fi ns lucrativos, mas a Quanta é um fabricante con-tratado, um negócio que visa o lucro. Nós não podemos deixar de cobrar uma taxa para fazer os laptops”, afi rmou um repre-sentante da empresa.

Além de componentes de maior visibilidade, como o chipset e CPU da estaduni-dense AMD (com custo de cerca de 38 dólares), existem peças com menor destaque, como a dobradiça de metal que liga a tela ao teclado, produzida pela tailandesa Shin Zu Shing

TECNOLOGIAComputadores de 100 dólares, que podem ser distribuídos para alunos da rede pública, enfrentam problemas como a falta de energia e de conexão à internet

55 milhões de estudan-tes seriam potenciais “con-sumidores” desse produto no Brasil; no mundo, cal-cula-se que, espalhados por países pobres, exista um mercado de um bilhão de estudantes para o projeto

Quanto

Co (aproximados 2,50 dólares) ou o teclado da também tailan-desa Sunrex (3 dólares).

Uma reportagem da rede Bloomberg sobre o mercado asiático, realizada em março, apontou que as ações da Shin Zu Shing quase dobraram des-de o anúncio do One Laptop Per Children. As ações da Sim-plo (fabricante das baterias) cresceram 79% e as da Sunrex, 33%. O Merryl Lynch (banco de investimentos estaduni-dense) chegou até a estabelecer uma estratégia OLPC.

No Brasil, existem cerca de 55 milhões de “consumido-res” para esse produto, mas, calcula-se que sejam mais de 1 bilhão de estudantes espa-lhados pelos países pobres do mundo. Compreender o poten-cial desse mercado é uma ques-tão aritmética. Intel, Mobilis, AMD e outros fabricantes já fi zeram as contas.

Mobilis Fabricante: Encore.Descrição: Processador ARM 400 MHz, 128 MB de memória RAM e 128 MB de memória fl ash. Diferencial: Tela sensível ao toque (touch screen). Valor estimado: 165 dólares.

Classmate Fabricante: Intel.Descrição: Processador Celeron Móvel de 900MHz, 256 MB de RAM e 2.5 GB de memória fl ash.Diferencial: Caneta digital.Valor estimado: 400 dólares.

XO Fabricante: OLPC.Descrição: Processador Geod da AMD de 366MHz, 128 MB de memória DRAM e 512 MB de memória fl ash.Diferencial: Webcam e rede mesh (sem fi o).Valor estimado: 150 doláres.

Brasileirinho Fabricante: Universidade Estadual Paulista.Descrição: Processador ARM de 532 MHz, 128 MB de memória RAM e 1.0 GB de memória fl ash.Diferencial: Alto-falante e microfone embutidos no gabinete.Valor estimado: 250 dólares.

Os principais modelos

Apesar da iniciativa ser de uma entidade sem fi ns lucrativos, os fabricantes dos computadores não o são

Modelo Classmate PC, da Intel, ao lado do modelo XO com manivela, da própria OLPC

ReproduçãoAlvaro Jimenez /Creative Commons

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brasil

de 10 a 16 de maio de 20076

Lauro Veiga Filhode Goiânia (GO)

A REVISÃO DAS contas nacionais, realizada no início de abril, confi rmou algumas tendências, trouxe novidades inesperadas e, mais importante, mostrou que a economia brasileira tem fôlego e condições de crescer a taxas maiores sem riscos para a estabi-lidade. O país poderia ter experimentado taxas mais alentadas de crescimento nos últimos anos, sem que a infl ação voltasse a disparar. Só não cresceu mais por conta de políticas equivo-cadas adotadas nas últimas décadas.

Economistas e analistas em geral parecem ainda não terem se dado conta da mudança estrutural sofrida pela sociedade nos últimos anos. Embora choques de preços sempre representem uma ameaça à estabilida-de, o que se tem percebido é que há cada vez menos

espaço para altas descabi-das e manobras especulati-vas, freqüentes no país du-rante os anos 1980 e 1990, destinadas a criar um am-biente favorável à disparada dos preços, alargando mar-gens de lucro e transferin-do renda do consumidor/trabalhador para grupos econômicos.

Dados recentes de uma pesquisa realizada anual-mente pela empresa de con-sultoria Nielsen confi rmam a mudança. Os números apurados pela empresa apontam recuo de 1,8% pa-ra os preços no varejo dos bens de consumo em geral entre 2005 e 2006. A queda ocorreu a despeito de um avanço de 5,1% no volume vendido. Em outros tem-pos, empresários teriam se aproveitado do aquecimen-to das vendas para tentar impor preços mais elevados ao consumidor, ampliando ganhos até como forma de compensar perdas realiza-das anteriormente.

Não foi o que aconteceu, no entanto. Não houve fôle-go para isso, aparentemen-te porque o consumidor recusou preços mais altos. Pode-se argumentar que a demanda não dava mos-tras, então, de que a recu-peração, ensaiada a muito custo, poderia se manter e que esta sequer expressava índices de incremento mais expressivos. O fato é que a mera reação do mercado, num passado recente, teria sido sufi ciente para a eco-nomia registrar tentativas de recomposição de mar-gens de lucro.

Mitos e manipulação Adicionalmente, na parte

fi nal de 2006, tornava-se

de Goiânia (GO)

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE) reforçam a preocupação em relação à capacidade de criação de empregos de qualidade na economia. O crescimento mais acelerado da atividade econômica não parece ter sido sufi ciente para derru-bar a taxa de desemprego de forma importante. Para com-plicar, a economia não tem conseguido criar empregos de qualidade, embora o total de ocupados tenha crescido num período mais recente.

A taxa de desemprego, apurada pelo IBGE em seis regiões metropolitanas (Re-cife, Salvador, Belo Horizon-te, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), tem se man-tido entre 9% e 10% desde a segunda metade de 2004, atingindo 9,9% em fevereiro deste ano (frente a 9,3% em janeiro), em virtual estabili-dade quando comparada ao índice de 10,1% anotado no mesmo mês do ano passado.

Desde setembro de 2003, o total de pessoas sem ocu-pação nas seis regiões enco-lheu 20,7%, saindo de 2,814 milhões de pessoas para os

Período Total de ocupados

Ocupados com rendimento inferior ao salário mínimo por 40 horas semanais

Participação no total de ocupados

Mar/2002 17.363 2.020 11,6%

Fev/2003 18.419 1.603 8,7%

Fev/2004 18.732 2.146 11,5%

Fev/2005 19.430 2.496 12,8%

Fev/2006 19.922 2.624 13,2%

Fev/2007 20.427 3.189 15,6%

Variação (2007/2002) +17,65% +57,9% -

Mercado de trabalho perde qualidade(Salários baixos predominam nas novas contratações, em milhares de pessoas)

Fonte dos dados brutos: IBGE

ECONOMIARevisão dos números do Produto Interno Bruto reafi rma que Brasil pode crescer mais sem ter medo que a infl ação dispare

Os injustifi cáveis juros altos

claro que a economia já crescia a taxas relativa-mente mais aceleradas que no início do ano, quando o ritmo da atividade demons-trou um desempenho pífi o. Essa perspectiva poderia ter animado as empresas a reverem preços para cima, o que as taxas de infl ação colhidas entre janeiro e março deste ano tendem a desautorizar.

Ainda com base nos dados levantados pela Nielsen, as vendas de bens perecíveis saltaram nada menos que 10,6%, mas seus preços desabaram 5,6%. A única exceção fi cou por conta das bebidas alcoólicas e não-al-coólicas, que tiveram altas de preços entre 2,7% e 1,2%, respectivamente, com ven-das 6% e 5,9% maiores (em volume). Produtos de limpe-za e higiene, em outro exem-plo, tiveram crescimento de vendas na faixa de 4% na comparação entre 2006 e 2005, mas quedas de 3,9% e 2,3% nos preços cobrados ao consumidor.

Os números desmisti-fi cam a retórica brandida por aqueles que defendem o arrocho monetário perpe-trado pela equipe do Banco Central (BC), que operou uma inversão no debate eco-nômico, como forma de in-terditar as discussões sobre o assunto. Segundo essa re-tórica, o afrouxamento mais acelerado dessa política, com conseqüente redução dos juros e maior aqueci-mento da atividade econô-mica, deveria ser entendida como um salvo-conduto para as empresas aumenta-rem preços. Conversa fi ada, que a realidade concreta dos dados econômicos não confi rma.

Tenta-se, no caso, reduzir o debate a uma mera questão de estimular a retomada da infl ação para que a econo-mia possa crescer mais ou preservar a estabilidade, às custas de resultados econô-micos modestos ou mesmo negativos. Ou, ainda, trocar um pouco mais de infl ação por um pouco mais de cresci-mento. Na verdade, a revisão das contas nacionais indica que a economia pode crescer a taxas maiores sem que isso ameace a estabilidade.

O dilema entre crescimen-to e infl ação corresponde a um sofi sma, que vem amar-rando decisões de política econômica que poderiam desatar o nó dos juros altos, ajudar a economia a crescer e criar empregos, corrigin-do, de quebra, a excessiva valorização do real diante do dólar, pois a queda dos juros tenderia a reduzir a possibi-lidade de ganhos fáceis no cassino fi nanceiro, desesti-mulando a entrada de dóla-res trazidos por investidores e especuladores.

O Brasil poderia ter crescido mais nos últimos anos, sem que a infl ação voltasse a disparar

Aumenta a oferta para empregos de baixa rendaDos contratados em seis regiões metropolitanas, 46% aceitaram menos que o salário mínimo

2,232 milhões apontados em fevereiro (ou seja, 582 mil pessoas saíram do de-semprego). Também neste mesmo período, o total de ocupados avançou 9,3%, representando a contratação de 1,736 milhão de pessoas. No entanto, quase metade (46%) desses trabalhadores tinha renda inferior ao salá-rio mínimo por 40 horas de trabalho. O total de pessoas nesta situação cresceu 36,3% (numa velocidade quase quatro vezes maior que o avanço registrado para o to-tal de ocupados).

ContrataçõesEssa tendência tem se

agravado mais recentemen-te, conforme demonstram os dados da pesquisa mensal de emprego e desemprego do IBGE. Na comparação com igual período do ano passa-do, o número de ocupados em fevereiro deste ano, num total de 20,427 milhões de pessoas, cresceu 2,5%, sig-nifi cando 505 mil novas con-tratações. Houve queda de 0,4% em relação a janeiro, sugerindo algum arrefeci-mento na tendência de recu-peração observada nos me-ses anteriores. O dado revela certa relutância das empre-

sas em retomarem contra-tações nas faixas de salários mais elevados ou, ainda, a baixa confi ança no desem-penho futuro da economia, relacionada, mais uma vez, à política de juros altos, que desestimula o investimento e freia o crescimento.

O “detalhe” que deve ser levado em conta neste caso, no entanto, reforça a deterioração da qualidade do emprego. Se fossem des-consideradas as contrata-ções de trabalhadores com renda inferior ao mínimo, o total de ocupados teria sofrido recuo de 0,35%, com baixa correspondente a 60 mil pessoas.

Desde março de 2002, na série mais recente do IBGE, o número de ocupados com renda abaixo do salário mínimo regular aumentou nada menos que 58%, en-quanto a população total de ocupados avançou apenas 17,65% até fevereiro deste ano. A participação dessa faixa de empregados no to-tal de ocupações aumentou de 11,6% para 15,6% tam-bém no segundo mês deste ano. Trata-se do percentual mais elevado para um mês de fevereiro em toda a série estatística do IBGE. (LVF)

de Goiânia (GO)

Em 2002, ano de eleições presidenciais, uma onda de turbulência causou dispara-da do dólar, alta de preços e mais infl ação, que saltou de 7,67% em 2001 para 12,53% no ano seguinte. A taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que mede as riquezas produzidas pelo país em um ano, saiu de 1,3% para 2,7% (1,9% na medição antiga) – nada espetacular, portanto. A economia brasileira mantinha a trajetória pífi a observada nos anos anteriores.

Dois anos mais tarde, no melhor re-sultado da década, o PIB avançou 5,7% (4,9%, com base na série anterior), en-quanto a infl ação caiu para 7,6% (quase cinco pontos a menos do que em 2002). A economia voltou a se acelerar em 2006, crescendo 3,7% (ainda que o país con-tinuasse fi gurando entre as economias que menos cresceram no planeta). Mas a infl ação baixou para 3,14%.

Certamente, a tendência de valori-zação do câmbio, com conseqüente barateamento de importados em todas as áreas, ajudou a conter os preços em geral. Assim como a queda do dólar frente ao real guarda relação direta com a política de juros altos. A questão é que tanto a baixa da cotação do dólar quanto as elevadas taxas de juros têm se mostrado excessivas, superando o que se poderia considerar razoável, até porque a infl ação continua dando mostras de bom comportamento.

Para encerrar, mesmo a infl uência do “preço” do dólar sobre a infl ação pode ser relativizada. Em 2000, por exemplo, depois da mudança na política cambial, a cotação da moeda estadunidense estava em alta, a economia cresceu 4,3%, mas a infl ação baixou de quase 9% em 1999 para menos de 6% no ano seguinte. (LVF)

Mais crescimento. E menos infl ação

de Goiânia (GO)

Sexta-feira, encerramento da semana, a direção do Banco Central (BC) decidiu fazer uma apresentação para jornalistas das áreas de economia e fi -nanças dos maiores jornais e revistas especializadas do país, seguida de almoço. O encontro aconteceu na sede da regional do BC em São Paulo, instalada na avenida Paulista.

“O nível da taxa real de juros (descontada a infl ação) será aquela que for necessária para sustentar a estabilidade da eco-nomia. Não será permanente, mas as taxas serão mantidas até que a economia entre novamente em uma rota estável, o que de-penderá da velocidade de acomo-dação da demanda interna e do desempenho do setor externo.”

As palavras poderiam ser co-locadas, com um ou outro ajuste de estilo, na boca do atual presi-dente do BC, Henrique Meirelles, ou de qualquer outro diretor da instituição. Mas, de fato, foram ditas por Alkimar Moura, à época diretor do BC. A surpresa não está no autor, mas na data: o encontro com a imprensa acon-teceu em 17 de julho de 1987, quando o BC era comandado por Fernando Milliet de Oliveira, o ministro da Fazenda era Luiz Carlos Bresser-Pereira e o país era presidido por José Sarney. A elevação “temporária” dos juros dura até hoje. (LVF)

A “velha” retórica faz 20 anos

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R$ 77 milhões é o valor do contrato, sem licitação, do governo Serra com Roger Ferreira, protagonista do “escândalo Nossa Caixa”

Quanto

brasil

de 10 a 16 de maio de 2007 7

CPI: sigla proibida no governo SerraRenato Godoy de Toledo

da Redação

ENQUANTO O PSDB e o DEM (ex-PFL), em âmbito nacional, valeram-se de todos os métodos para instaurar a CPI do Apagão Aéreo, o governador paulista José Serra (PSDB) não demons-tra o mesmo ânimo para inves-tigar denúncias de corrupção e incompetência governamental. Pelo contrário, orientou toda sua base governista na Assem-bléia Legislativa de São Paulo (Alesp) a não assinar nenhum requerimento para criar Co-missões Parlamentares de In-quérito (CPIs) que pudessem investigar o seu governo e de seu antecessor e correligionário Geraldo Alckmin.

Tal como Alckmin, que en-gavetou 69 CPIs, Serra goza de ampla maioria no Legislativo. Mas o atual governador conta com uma blindagem ainda maior por parte da imprensa corporativa.

Na legislatura anterior al-guns deputados da situação até assinavam os requerimentos de CPI apresentados pela oposição, mas os derrubavam em vota-ção no plenário. Agora, uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconsti-tucional a obrigatoriedade de o requerimento ser apreciado em plenário, como o regimento da Alesp previa. Assim, para se instalar uma CPI é necessário apenas a assinatura de um terço dos deputados (32). Ao tomar conhecimento da liminar, a ba-se governista deixou de assinar qualquer requerimento de CPI.

A oposição, composta por 22 deputados, tem recorrido à Jus-tiça para conseguir implementar duas CPIs: a da Nossa Caixa e da Linha 4 do Metrô. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ) já de-terminou que a Alesp abra a CPI da Nossa Caixa, mas o presiden-te da casa, Vaz de Lima (PSDB), pediu que o TJ “esclareça” a sua decisão. “Na verdade, ele [Vaz de Lima] quer enrolar para não instalar a CPI”, denuncia o deputado Simão Pedro, líder do PT na Assembléia.

A CPI da Nossa Caixa tem

da Redação

Os metroviários têm sido protagonistas de mobiliza-ções no Estado de São Paulo, com um importante diferen-cial em relação a outras cate-gorias: seus atos e greves não se restringem às questões salariais.

Numa dessas mobilizações, os metroviários paralisaram suas atividades por 90 minu-tos, no dia 23 de abril, contra a derrubada do veto à Emen-da 3, que legaliza relações trabalhistas fraudulentas.

A resposta do governo foi rápida: cinco dirigentes do Sindicato dos Metroviários foram demitidos no dia seguinte. O governo alegou que os sindicalistas sabo-taram o sistema de energia das estações. No dia 27, nove centrais sindicais rea-lizaram um ato em frente à Secretaria Estadual de Trans-portes pela readmissão dos trabalhadores.

A mobilização obrigou o governo a baixar o tom. “Eles já não falam mais em sabotagem e sinalizam que pretendem negociar. As de-núncias deles foram comple-tamente infundadas”, avalia Manuel Xavier, secretário de comunicação do sindicato. A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) também deve realizar uma paralisação de uma hora e meia, no dia 10, contra as demissões dos metroviários.

A categoria recebeu, inclusive, a solidariedade do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que, segun-do Xavier, considerou as demissões um ataque ao direito de greve. Lupi é um dos principais expoentes dentro do governo contra a Emenda 3. (RGT)

Dafne Meloda Redação

Diante da falta de diálogo por parte da direção da Univer-sidade de São Paulo (USP), estudantes decidiram, na tarde do dia 3, ocupar o prédio onde funciona o gabinete da reitoria. Nesse mesmo dia, estava mar-cada uma audiência pública entre o órgão e os estudantes, da qual se esperava um posicio-namento da reitoria em relação a decretos editados pelo gover-nador José Serra (PSDB) ainda em janeiro, primeiro mês de seu governo (leia mais no quadro ao lado). Além disso, os estu-dantes também iriam entregar uma carta de reivindicação com outros 13 pontos. Entretanto, nenhum representante da rei-toria compareceu.

A reportagem do Brasil de Fato esteve presente na ocu-pação e conversou com diversos estudantes que pediram para não se identifi car por motivos de segurança, pois temem sofrer represálias por parte da direção da universidade. “Como não foram à audiência, decidimos levar nossa carta de reivindicações até o prédio do gabinete da reitora (Suely Vile-la). Lá, fomos impedidos de en-trar pelos seguranças e, então, acabamos forçando a entrada”, conta um dos manifestantes. O estudante afi rma que a maioria dos funcionários já tinha ido embora e – ao contrário do que noticiou a grande imprensa – apenas uma porta e um vidro foram quebrados.

“A Folha (de S.Paulo) pu-blicou que nós quebramos os móveis, mas, na verdade, nós

da Redação

No primeiro mês de sua gestão, José Serra deixou claro a que veio. Ainda no dia 1º de janeiro, soltou dois decretos. Um cria a Secretaria de Ensino Superior que, na prática, deve funcionar como uma “super-reitoria”. O outro corta o orçamento das uni-versidades estaduais paulistas – USP, Unesp e Unicamp – em 15%. Com a medida, o Centro Paula Souza e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) passam a estar ligadas à Secretaria de Desenvolvimento.

Para as entidades representativas da comunidade acadêmica, o pacote de Serra coloca em xeque a autonomia universitária, a qualidade do ensino e o seu caráter público. Ainda em feverei-ro, o Fórum das Seis – entidade que compreende as associações de professores e sindicatos de trabalhadores das três universi-dades – redigiu um documento que classifi ca o pacote de Serra uma das “mais violentas e autoritárias intervenções do governo do Estado na autonomia didático-científi ca, administrativa e de gestão fi nanceira e patrimonial das universidades estaduais paulistas”.

Para o movimento estudantil, os decretos atacam a auto-nomia universitária; desconhecem a pesquisa básica, privi-legiando a “operacional’’; ignoram o tripé que caracteriza as universidades — ensino/pesquisa/extensão; e sequer prevêem o fi nanciamento das universidades e nem sua articulação com a educação básica. (DM)

Sindicato dos Metroviários acredita que o órgão responsável pela investigação do acidente do metrô pode estar sofrendo pressão do governo; até o momento, nenhum responsável foi apontado

METRÔ E NOSSA CAIXAGoverno paulista manobra para evitar investigações sobre o acidente no metrô e o “escândalo da Nossa Caixa”

como fi nalidade apurar as de-núncias acerca da destinação de verbas publicitárias do banco estadual para meios de comuni-cação de deputados da base alia-da. As denúncias, que fi caram conhecidas como “escândalo da Nossa Caixa”, tornaram-se públicas em março de 2006 e obrigaram o então governador Geraldo Alckmin a demitir o seu assessor especial de comunica-ção, Roger Ferreira.

No entanto, em abril deste ano, Roger Ferreira voltou ao governo paulista, agora como “parceiro”. Um grupo de comu-nicação – a DPZ, responsável pela campanha eleitoral de Serra – ganhou as contas publi-citárias da Secretaria de Educa-ção e sub-contratou a empresa Fator F, de Ferreira, por R$ 77

milhões. Na prática, o empresá-rio recebe verba pública, sem li-citação. “Esse valor absurdo, na verdade, é um prêmio de conso-lação que os tucanos deram ao Roger Ferreira, pelos serviços políticos que ele já prestou ao PSDB. Ele conseguiu manter a base aliada (durante o governo Alckmin) submissa”, analisa Simão Pedro.

Desastre sem culpadosPassados quatro meses do

acidente nas obras da estação Pinheiros, na futura linha 4 do metrô paulista, nenhum res-ponsável foi apontado. Se a intenção do governo e das em-preiteiras prevalecer, a impuni-dade deve continuar. O contra-to em sistema turn key, no qual as empreiteiras (Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez) controlam todas as etapas da

obra, desde a fi scalização até a execução, permanece vigente. A maior parte dos canteiros de obra já retomou as atividades, mesmo após denúncias de eco-nomia de material em futuras estações da linha.

Simão Pedro pediu, em abril de 2006, a apuração de danos à ordem urbanística, após a abertura de rachaduras nos ar-redores dos canteiros da linha 4 e a morte de um operário. Depois do acidente da estação Pinheiros, o petista entrou com o pedido de CPI, mas conseguiu apenas 22 assinaturas. “Agora, vamos solicitar à Justiça a ime-diata abertura da CPI da Linha 4. Já que a bancada governista está barrando as CPIs, vamos realizar atos públicos e coletar assinaturas para abrir a CPI”, afi rma o deputado, para quem a maioria da população quer saber os motivos do acidente.

O secretário de comunicação do Sindicato dos Metroviários, Manuel Xavier, acredita que o governo evita a CPI do metrô por ter “muito o que esconder em relação ao acidente”. O Instituto de Pesquisas Tecno-lógicas (IPT), uma autarquia estadual, foi designado para in-vestigar o caso, mas o Sindicato dos Metroviários acredita que esse órgão possa estar sofrendo pressões do governo e das em-preiteiras.

“O IPT só presta esclareci-mento ao governo. Para nós, outras entidades da sociedade civil deveriam poder participar das investigações. A CPI seria fundamental para esclarecer a toda a sociedade as causas do acidente”, considera o sindica-lista, cuja entidade alertou para diversas irregularidades nas obras da linha 4 e criticou a sua privatização, antes do acidente.

Para os que se mobilizam, demissão

EDUCAÇÃO

Estudantes da USP ocupam reitoriaDireção atendeu a algumas reivindicações; ocupação, porém, será mantida

desmontamos os móveis que eram desmontáveis justamen-te para tomar cuidado com o patrimônio público todos os armários estão trancados para que os documentos fi quem se-guros”, afi rmou.

Reivindicações“Desde que saíram os decre-

tos, tem havido um processo de mobilização e discussão entre os estudantes”, diz nota feita pela comissão de imprensa da ocupação. Além disso, com o progressivo sucateamento das universidades estaduais pau-listas, acumulam-se as pautas de reivindicação. Dentre elas: formulação de um projeto, em conjunto com os estudantes, para a construção de mais mo-radias estudantis; abertura do Conselho Universitário (CO) à participação dos estudantes, funcionários e professores; contratação imediata de pro-fessores e funcionários, de acordo com as demandas de cada unidade da USP; e re-construção e manutenção dos prédios que apresentem tais necessidades. Entre eles está um dos prédios da Faculdade de Filosofi a, Letras e Ciências Humanas, que inundou com as fortes chuvas do mês de março na capital.

Outra demanda da ocupação é que não haja nenhuma puni-ção – sindicâncias ou demais processos administrativos e repressivos – contra os alunos. Em reunião feita ainda no dia 3, o vice-reitor Franco Maria La-jolo assinou um termo de com-promisso, diante da comissão de negociações, que garantia que os estudantes não sofrerão nenhum tipo de retaliação. De-

pois, em declarações à impren-sa, desmentiu o fato.

Diariamente, calcula-se que cerca de mil estudantes passem pela ocupação. Nas assembléias feitas todos os dias para defi -nir os rumos da ocupação, há um mínimo de 300. Desde a primeira delas, fi cou decidida a criação de comissões para or-ganizar a mobilização e manter o espaço da reitoria em ordem. São elas: alimentação, limpeza, negociação, segurança, cultura e comunicação. Essa última tem fi cado responsável por interme-diar a relação com a imprensa. “A cobertura dá destaque a uma suposta depredação do patri-mônio público e à violência”, diz uma estudante participante da comissão de imprensa, para quem o tratamento dado à ocu-pação é esperado, tendo-se em vista a tradição de criminalizar os movimentos sociais.

“A cobertura da grande mídia sobre educação já é falha, sem-pre vendo apenas o lado ‘ofi cial’ e nunca a posição do movimen-to estudantil”, completa. Outra tarefa dessa comissão é manter o blog sobre a ocupação atua-lizado diversas vezes por dia: http://ocupacaousp.blog.terra.com.br. Os estudantes também montaram uma rádio que pode ser ouvida pela internet no en-dereço: http://143.107.89.135:8000/radio.

NegociaçãoDesde o início da ocupação,

foram feitas seis reuniões com a reitoria. As cinco primeiras com Lajolo, que, de acordo com os estudantes, se esquivou de to-das as reivindicações. A última reunião antes do fechamento desta edição, feita na tarde do

dia 8, foi com a própria reitora, Suely Vilela, recém-chegada de uma viagem à Espanha.

Nesse encontro, a direção da USP começou a ceder. Suely se comprometeu, dentre outras coisas, a disponibilizar mora-dias estudantis no campus da capital (hoje com 198 vagas), de Ribeirão Preto (68 vagas) e São Carlos (também 68); a convocar, dentro de sete dias, uma reunião do CO para defi nir a realização de uma audiência pública sobre os decretos de Serra; e a enca-minhar projetos de reformas nos prédios da FFLCH, do Insti-tuto de Matemática e Estatística (IME) e do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional (Fofi to). No fi nal do mesmo dia, uma nova assembléia foi feita pelos estudantes que deliberaram manter a ocupação e convocar um greve para o dia 17.

ApoioPara fortalecer o movimento,

membros da ocupação também têm procurado mobilizar estu-dantes nas unidades. “Ocupação está acontecendo aqui e agora, mas estamos fazendo mobili-zação, panfl etagens e passando nas salas de aula”, informam.

Desde o dia 3, as moções de apoio à ocupação têm au-mentado. A Associação dos Docentes da USP (Adusp), o Sindicato dos Professores do Ensino Ofi cial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Estado de São Paulo (Sinsprev/SP) são algumas das entidades que se manifestaram a favor da mobilização.

Decretos tiram autonomia de universidades

Maurício Morais

Atos e greves recentes dos metroviários possuem um diferencial: não se restringem a questões salariais

Dafne Melo

Reitora conversou com estudantes, mas ocupação continua

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brasil

de 10 a 16 de maio de 20078

Carvão mineral: uma aposta pela poluição

Pedro Carranode Curitiba (PR)

NO DIA 6 de maio de 2007, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) completou dez anos da desestatização promovida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), em um leilão marcado por denúncias de irre-gularidades. Nesse meio tempo, a Vale aumentou a necessidade de energia, acompanhando a demanda do mercado capita-lista global pela exportação de minério de ferro, extraído pela companhia. E, recentemente, a diretoria da Vale anunciou a

intenção de construir três ter-moelétricas até 2010. O carvão mineral será usado nas novas usinas, combustível conhecido por poluir a atmosfera.

O projeto da primeira hi-drelétrica está agendado para Barcarena (a 50 quilômetros de Belém do Pará), com 600 megawatts de energia e previ-são de investimentos da ordem de R$ 600 milhões. Ainda depende de licença ambiental. Hoje, a CVRD recebe energia principalmente da usina de Tucuruí (PA), responsável por alimentar a área conhecida como a Grande Carajás, uma região que abrange pelo menos três Estados por onde passa um complexo de mina, ferrovia e porto da Vale.

O sociólogo e ambientalista paraense Lúcio Flávio Pinto explica que a razão da cons-trução da termoelétrica é trazer o carvão mineral da China, principal mercado de minério de ferro da Vale, como “carga de retorno”. Ou seja, navios de grande porte levam para a Ásia o minério de ferro extraído pela Vale e retornam com o carvão mineral. O ambientalista pon-tua, porém, que a China está desistindo do carvão, que era até então a sua base energética, por ser um grande poluente. “Um terço da atmosfera da China está acima dos índices de poluição recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Anualmente, 10 mil pessoas morrem nas minas de carvão mineral da China. Este carvão vai poluir violentamente

de Curitiba (PR)

A produção de energia também é apontada por Rogério Höhn, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), como algo usado para a acumula-ção de capital na Amazônia. A região abriga cinco hidre-létricas e tem a previsão de totalizar 20 usinas na região. Na visão de Höhn, a energia produzida por hidrelétricas é vendida ao governo por preços módicos, e repassada injustamente ao consumidor residencial – sem contar as comunidades locais que não têm luz elétrica. “A hidrelétri-ca vende a energia para o go-verno. Sabemos que um mega-watt custa entre R$ 5 e R$ 10 a produção, no entanto, é co-mercializado para o governo

de Curitiba (PR)

A Companhia Vale do Rio Doce atua em 14 Estados brasileiros. Entre eles, coincidentemente, Pará, Tocantins e Maranhão, que abrigam o pro-jeto Grande Carajás, são os recordistas em ocorrência de trabalho escravo no ano de 2006. Somente o Pará apresentou 133 constatações e quatro assassinatos de trabalhadores. A maioria das ocorrências se dá no interior de fazendas, porém no Pará foram registrados 17 casos de trabalho escravo em carvoarias.

Os números foram levantados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no seu relatório anual Confl itos no Campo no Brasil (2006). O docu-mento denuncia que também está no Pará a maior quantidade de traba-lhadores encontrados nas investigações de trabalho escravo, totalizando 2.899 pessoas.

O número total de ocorrências de trabalho escravo aumentou desde 1997, segundo o estudo da CPT, que fala de toda a década passada. Foram 17 ocorrências em 97 e, no ano de 2006, este número chegou a 262.

Soja, minério de ferro e os biocombustíveis Na Amazônia, o desmatamento e a pecuária extensiva foram a primeira

fase de um modelo de produção que hoje cede lugar para a monocultura da soja, agora com a nova onda dos biocombustíveis na mira do capital. O agronegócio também está presente na região com a plantação de euca-liptos. A exploração de minério completa o quadro desse tipo de produção destinada à exportação e geração de divisas para o país.

“No Pará, Maranhão e Tocantins, a produção está associada à questão da soja, eucalipto e minério de ferro. As fazendas de gado se transformam para a produção de cana e de soja. No caso dos eucaliptos, a previsão de produção é de 1 milhão de hectares e a maior parte disso vai ser na forma de pequenas propriedades, com as transnacionais incentivando o pequeno produtor e o assentado da reforma agrária a adotar o cultivo”, denuncia Rogério Höhn, coordenador nacional do MAB, atuante na região.

“A Amazônia é o último território a ser desbravado pelo capitalismo, que está aqui há mais de 500 anos, porém acelera a dominação da força de tra-balho e da natureza nos últimos anos. Não é um capitalismo industrial, mas sim de entrega das riquezas ao capital internacional”, afi rma Höhn. (PC)

de Curitiba (PR)

O desejo de gerar mais energia por parte da Vale do Rio Doce e das empresas instaladas na Amazônia em boa parte se dá graças à produção de alumínio na região. A Alunorte produz 5 milhões de toneladas de alumina e necessita de mais energia, visto que a usina hidrelétrica de Tucuruí (PA) está com a capa-cidade preenchida, segundo o ambientalista e jornalista Flávio Pinto.

O sindicalista Manuel Paiva, do Sindicato dos Químicos de Barcarena, aponta a produção de alumínio como o responsável pelo desloca-mento de comunidades locais. A cadeia produ-tiva do alumínio tem a sua origem na extração de bauxita, que segue até o porto de Barcarena. Mas, no meio do caminho, passa por um pro-cesso de transformação pelas empresas Alu-norte e Alumina e segue para além-mar como exportação primária. “A luta é para que todo o minério seja industrializado aqui”, comenta.

Paiva diz que, este ano, os movimentos so-ciais farão uma caminhada da usina de Tucuruí até Belém do Pará, ao longo de 300 quilôme-tros, pela anulação do leilão de privatização da Vale, contra o preço das tarifas de energia elé-trica e, principalmente, para discutir a agressi-vidade do capitalismo internacional na região. “A Amazônia por si só poderia sustentar os seus fi lhos, mas existe a máxima do ‘desenvol-vimento’ aplicado na região, não há a avaliação ambiental estratégica nos projetos da região”, denuncia Paiva (PC).

Pará, Tocantins e Maranhão: recordistas em trabalho escravo

Alumínio responde por mais de 3% da energia do Brasil

a R$ 132 e para o consumidor volta a R$ 400”, conta.

A Companhia Vale do Rio Doce é uma das acionárias da barragem de Estreito, no rio Tocantins, no Maranhão, como parte do Programa de Acele-ração do Crescimento (PAC). O projeto prevê a construção de eclusas no rio Tocantins, que será usado como forma de transporte de matérias-primas para os portos de Itaqui (Ma-ranhão) ou de Belém (Pará). O projeto está em fase de lici-tação. Os movimentos sociais e os indígenas até o momento conseguiram cancelar os licen-ciamentos, quando 300 pessoas bloquearam a ponte de Estreito, na rodovia Belém-Brasília, ain-da no dia 16. O Ministério Pú-blico local entrou com pedido de anulação do licenciamento da barragem (PC).

Acumulação pela geração de energia

VALE DO RIO DOCE Empresa planeja construir três termoelétricas para gerar energia a partir do carvão mineral, tecnologia conhecida por seu aspecto nocivo ao meio ambiente

Navios de grande porte levarão minério de ferro para a Ásia e retornarão com o carvão mineral extraído na China

o Brasil e essa usina trará um consumo equivalente ao consu-mo da região metropolitana de Belém”, comenta.

Flávio Pinto denuncia o con-trole da companhia sobre a eco-nomia da região Norte. “A Vale do Rio Doce é monopolista, é a única que fornece minério de ferro e vai ser a única a fornecer carvão mineral”, aponta.

Trabalho escravoO resultado desta fome de

crescer da Vale do Rio Doce é o extrativismo de matérias-primas da Amazônia, por meio das siderúrgicas que recebem o minério de ferro da companhia.

Isto porque o carvão vegetal é indispensável à transformação de ferro-gusa, e acaba compro-metendo a fl oresta. Já foram queimados 21 milhões de ár-vores na Amazônia, segundo o Ibama. Esta atividade depende também do uso de trabalho escravo e precário nas carvo-arias. Algumas siderúrgicas pertencem a gigantes como o grupo Gerdau, controlador da Margusa. Esta e a Simasa, do grupo Queiroz Galvão, ambas são acusadas pelo Ministério Público do Trabalho de usarem mão-de-obra escrava em carvo-arias ilegais.

São 13 siderúrgicas ao todo na Grande Carajás. A Compa-nhia Vale do Rio Doce (CVRD) não está ligada diretamente ao trabalho nas carvoarias, uma mão-de-obra que mobiliza 150 mil carvoeiros. Porém, partilha a mesma cadeia produtiva. “Di-retamente a CVRD não tem in-fl uência na produção de carvão, mas é quem fornece o minério às siderúrgicas implantadas ao longo da ferrovia Carajás/Ponta da Madeira, foi quem incenti-vou e organizou a implantação dos distritos, quem dialogou com os Estados e continua na interlocução com estes no que se trata do projeto de Carajás”, afi rma o agrônomo e economis-ta paraense Raimundo Gomes (leia mais ao lado).

Na descrição de Lúcio Flávio Pinto, os fornos usados na quei-ma de carvão são de três sécu-los atrás, os chamados “rabo quente”, e cidades locais como Vila Rondon e Ulianópolis (36

Anualmente, 10 mil pessoas morrem nas minas de carvão mineral da China

Quanto

carvoarias) têm a queima do carvão como principal ativida-de, gerando um círculo vicioso de trabalho para a população, que agora não quer perdê-lo. A extração das árvores da Amazô-nia se dá com total desrespeito da lei, diz Flávio Pinto, em consonância com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). “A legislação permite apenas o uso de 20% da ma-ta nativa, porém os políticos locais querem aumentar para 80%”, comenta Rogério Höhn, do MAB.

No Pará foram regis-trados 17 casos de trabalho

escravo em carvoarias, uma precária mão-de-obra que

mobiliza 150 mil pessoas

Fotos: João R. Ripper

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áfrica

de 10 a 16 de maio de 2007 9

O genocídio tingido de preto

Igor Ojedada Redação

“O PETRÓLEO permanece no coração do confl ito.” Poucos se atrevem a fazer a mesma afi rmação que o jornalista es-tadunidense David Morse para explicar o confl ito em Darfur, região do oeste do Sudão cujo território é equivalente em ta-manho ao da França. A maioria dos analistas apontam inúmeras causas (veja matéria abaixo), mas falham ao não estabelece-rem a conexão com a disputa pelos recursos petrolíferos.

A população de Darfur, em sua maioria negra e muçulma-na, vem sofrendo desde 2003 ataques diários – estupros, queima de casas e assassinatos, entre outros – por parte da mi-lícia árabe Janjaweed, fi nancia-da pelo governo do presidente Omar El Bashir, e por parte do próprio Exército sudanês. Esti-ma-se que, desde 2003, entre 200 mil e 400 mil civis foram mortos e mais de 2 milhões ti-veram que deixar suas casas.

Especialista em Sudão, Morse revela, em entrevista ao Brasil de Fato que, “em muitos as-pectos, Darfur é uma extensão da guerra civil Norte-Sul”, que custou 2 milhões de vidas. Entre 1983 e 2005, grupos re-beldes do sul do país, habitado principalmente por negros cris-tãos e animistas, lançaram uma revolta contra o governo árabe de Cartum, a capital.

Financiamento chinêsMorse explica ainda que,

além do fi m da marginalização sofrida pela população sulista, outra reivindicação dos rebel-des era a divisão dos rendi-mentos obtidos com o petróleo recém-descoberto na região. Segundo o jornalista, o governo sudanês juntou então os esfor-ços para controlar os campos petrolíferos com a tentativa de “islamizar e arabizar” o sul do país. Tal estratégia estendeu-se a Darfur, também rica em petróleo: ao mesmo tempo que se abria caminho para a explo-ração do recurso, privaria-se os

da Redação

Em janeiro de 2005, o governo sudanês e os líderes rebeldes do sul do país assinaram o Comprehensive Peace Agree-ment (CPA, do inglês, Acordo Geral de Paz), dando fi m à guerra civil que já durava mais de duas décadas. O tratado estabelecia que o Sul teria sua lei civil própria, decidiria dali a seis anos sobre a separação ou não do resto do Sudão e teria direito a 50% da receita obtida com a exploração do petróleo na região.

No entanto, segundo o jor-nalista estadunidense David Morse, especialista em Sudão, a aplicação do CPA está sendo feita de forma precária. De acordo com ele, Cartum está fazendo “corpo mole” para pôr em prática dois mecanis-mos importantes do acordo, relacionados à distribuição dos recursos. A instalação de duas comissões conjuntas, uma responsável pela defi ni-ção dos limites entre Norte e Sul, quando a fronteira passa sobre os campos de petróleo e outra pelo monitoramento de contratos, do fl uxo de petróleo

da Redação

No dia 2, o Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, na Holanda, ordenou a pri-são do ministro sudanês para Assuntos de Di-reitos Humanos, Ahmed Haroun, e do líder da milícia Janjaweed, Ali Kushayb, por responsa-bilidade pela perseguição, estupro, ataques e assassinatos de civis em quatro vilas do oeste de Darfur. O primeiro é acusado de ter recruta-do, pago e fornecido armas à milícia, enquanto o segundo, de ter liderado os ataques, além de ter mobilizado, recrutado e armado os homens sob seu comando. Ali Kushayb está atualmente sob custódia no Sudão com base em outro pro-cesso levado a cabo nacionalmente.

Para Ahmed M. Mohamedain, da organiza-ção Darfur Call, a decisão do TPI trará o efeito de “desencorajar qualquer um que tentar con-tinuar a cometer atrocidades com total impu-nidade”. Mark Hanis, da Genocide Interven-tion, concorda, mas pondera que o Tribunal de Haia não tem um mecanismo de coerção como os tribunais que julgaram os crimes contra a humanidade na ex-Iugoslávia e em Ruanda. “Isso torna quase impossível para o acusado ser preso em solo sudanês. Então, tal medida pode ter um impacto muito pequeno na crise de Darfur”, lamenta.

Sem efeitoO ministro do Exterior do Sudão, Lam Akol,

já declarou publicamente que Cartum não irá

da Redação

Darfur quer dizer “Terra dos Fur”, denomi-nação de uma das etnias de africanos negros predominantes na região de 6 milhões de ha-bitantes – as outras principais são a Massaleit e a Zaghawa. A maioria da população da área é composta por agricultores e, diferentemente do que ocorre no Sul, são em geral muçulma-nos. Também vive em Darfur uma minoria de pastores árabes. Os dois povos conviviam em paz relativa, chegando inclusive a se casarem entre eles.

Na década de 1980, no entanto, uma grave seca fez aumentar a competição entre pastores e agricultores por água e o uso da terra, e a tensão entre eles cresceu. Entre 2000 e 2002, milícias árabes fi nanciadas pelo governo ex-terminaram mais de 200 vilas de moradores negros. Neste mesmo período, rebeldes afri-canos realizaram ataques a postos do Exército. Em fevereiro de 2003, lançaram uma revolta contra Cartum, que resolveu responder com

Os rendimentos obtidos com o petróleo permitem ao governo do Sudão seguir comprando armas para a milícia Janjaweed e manter as ações em Darfur

SUDÃOPetróleo é uma das causas e principal fi nanciador dos ataques de milícia e forças do governo à população civil de Darfur

rebeldes de sua base social. O Sudão já é o sexto maior

produtor de petróleo na África, atrás de Nigéria, Argélia, Líbia, Angola e Egito. A tendência é de crescimento, já que estima-se que ainda há muitas reservas para serem comprovadas. De acordo com a agência estaduni-dense de informação em ener-gia (EIA, na sigla em inglês), atualmente 70% dos ganhos com as exportações do Sudão vem deste recurso. A indústria petrolífera vem contribuindo signifi cativamente para o cres-cimento econômico no país, que atingiu 6,4% em 2005 e 5,7% em 2006.

Nesse contexto, a China, através de sua estatal, é a maior exploradora do petróleo suda-nês, responsável por 17% de suas importações do recurso. De acordo com Morse, o país asiático “teve um papel muito agressivo ao construir os ole-odutos que iam do Alto Nilo a Port Sudan, no mar Vermelho, e o fez enquanto balas voavam”. Segundo ativistas de direitos humanos, os rendimentos ob-

tidos com o petróleo permitem ao governo do Sudão seguir comprando armas para a milí-cia Janjaweed e manter as ações em Darfur.

“Infelizmente, a China tem assinado embaixo as ações do regime de Cartum, fi nanceira-mente e politicamente, usando seu assento permanente no Conselho de Segurança da ONU para proteger o Sudão da resolução 1.706 (de agosto de 2006), que autoriza o envio de uma força de paz mais robusta”, lamenta Morse.

No dia 8, a organização de direitos humanos Anistia Inter-nacional (AI) divulgou relatório acusando a China e a Rússia de continuamente fornecerem armas ao Sudão, violando um embargo imposto pela ONU em março de 2005. Segundo a AI, tais armamentos acabam nas mãos da milícia. Os três países envolvidos negam.

500 mortes por diaAlém da estatal chinesa, atu-

am no país empresas suecas,

indianas e malasianas. Empre-sas dos EUA estão proibidas de explorar o petróleo sudanês desde 1997, devido às sanções comerciais impostas pelo presi-dente Bill Clinton (1993-2000) sob a acusação de que Cartum promovia o terrorismo.

Apesar das pressões interna-cionais, os ataques à população de Darfur iniciados em 2003 seguem ininterruptos. “O con-fl ito está pior hoje do que no passado”, afi rma ao Brasil de Fato Mark Hanis, da Genocide Intervention, rede que busca proteger civis de genocídios. “As estatísticas variam, mas alguns especialistas dizem que 15 mil morrem por mês, o que dá cerca de 500 por dia”, completa.

“Ataques aéreos executados pelo Exército sudanês ainda continuam, sem pausa. Entre 29 de abril e 3 de maio, eles usaram duas metralhadoras Antonovs e duas Choppers para atacar uma vila da região. Isso constitui uma violação grave da resolução 1.591 do Conselho de Segurança da ONU, denuncia ao Brasil de Fato Ahmed M. Mohamedain, da organização Darfur Call, que visa o auxílio às vítimas de Darfur.

Fotografi asMichael Kamber, repórter-

fotográfi co do jornal New York Times, cedeu gentilmente ao Brasil de Fato a imagem que ilustra esta página e a capa. Kamber, que já foi indicado ao prêmio Pulitzer, tanto em foto-grafi a quanto em reportagem, recebeu em 2003 um prêmio por sua cobertura da guerra do Iraque. No momento, Kamber que reside atualmente em Da-car, no Senegal, encontra-se em Bagdá, no Iraque.

que passa pelos oleodutos e da divisão dos rendimentos.

“Pagan Amum, secretá-rio-geral do Movimento de Liberação do Povo do Sudão (SPLA, principal grupo rebel-de), deixou bem claro para mim, quando eu o entrevistei em dezembro de 2005 em Juba, a capital do recém-au-tônomo Sul do Sudão, que a questão era, desde o começo, o petróleo, e que o corpo mole do governo sudanês em imple-mentar totalmente os termos de distribuição de riqueza do CPA poderia reacender a guer-ra civil. Ele expressou raiva com as táticas de enrolação de Cartum, mas disse que seu go-verno do Sul estava preparado para ir para a guerra se fosse necessário tomar à força seus 50% da receita com o petróleo, prometidos através do acordo”, conta Morse.

Darfur de foraPara ele, além da cobiça por

estes recursos, pode-se expli-car a atitude do governo de Omar El Bashir também pelo medo de que o Sul use grande parte de suas receitas para comprar armas e modernizar seu Exército.

Outra crítica que o jornalista faz remonta à elaboração do tratado. Seus negociadores de-cidiram deixar Darfur de fora, argumentando que as outras partes estavam muito perto de um acordo, e que o CPA pode-ria servir como um modelo pa-ra a paz na região. No entanto, com o fi m do confl ito contra o Sul, o governo sudanês pôde se concentrar nos ataques à popu-lação da área.

“Os EUA ajudaram a dividir o CPA”, explica Morse. Segundo ele, o enviado às negociações pela Casa Branca estava sendo pressionado a encontrar uma solução para o confl ito a tempo das eleições presidenciais de novembro de 2004, da qual o presidente George W. Bush saiu reeleito.

“A pressão internacional também teve seu papel: todos estavam ansiosos para acabar com a guerra civil, a mais longa da África. O Conselho de Segurança da ONU deveria ter discutido Darfur naquele momento. Os ataques geno-cidas já estavam acontecendo em ritmo intenso. Darfur, em um sentido muito real, foi sacrifi cado, jogado aos lobos”, resume. (IO)

Para especialista, governo não cumpre acordo de paz

uma campanha de “terra arrasada” contra os civis, tendo como um dos objetivos eliminar a base social dos rebeldes.

Desconfi ando de seu próprio Exército – formado em grande parte por originários de Darfur – o governo recrutou homens de tribos árabes locais para formar a milícia Janjaweed (diabos a cavalo, em árabe), que se tornou sua principal força terrestre de contra-insurgên-cia, com carta-branca para agir como quiser. Para ter sucesso no recrutamento, Cartum ofe-receu pagamentos e promessas de acessos aos saques, terras e poder administrativo.

Para o jornalista estadunidense David Mor-se, além da disputa por terras e água, há outras três causas principais do confl ito. “A primeira é a marginalização extrema do povo de Darfur. A administração sudanesa os tem negligen-ciado. A região tem poucos hospitais, escolas, proteção policial, e é sub-representada no go-verno”, diz. As outras são a tentativa por parte de Cartum de “islamizar” e “arabizar” a região, em conjunto com o objetivo de deixar o terreno livre para a exploração de petróleo. (IO)

Mais do que um confl ito étnico

cooperar com o TPI. À rede de notícias bri-tânica BBC, afi rmou que “o Sudão não tem obrigações com o tribunal. O TPI é um corpo voluntário. Os países que escolhem fazer parte têm que responder a ele”, disse, apontando que nem os EUA é membro. Em março de 2005, o Conselho de Segurança da ONU emitiu a reso-lução 1.593, referente à situação de Darfur, em que exigia total cooperação do Sudão com as investigações em Haia.

O governo de Omar El Bashir também reluta em cooperar com a ONU. Em abril, Cartum concordou com o desembarque no país de mais de 3 mil homens da força de paz da União Afri-cana (que se juntarão aos 7 mil já na região), mas se recusa a aceitar outros 20 mil soldados que fariam parte de uma “força híbrida”, ou se-ja, contando também com tropas da ONU.

“Vendo a situação ir de mal a pior, acredito que a comunidade internacional não deveria ser mantida como refém do consentimento do governo sudanês. Este governo nunca honrou o que acordou com ninguém. A preferência e a prioridade deveriam ser dadas para aliviar os longos quatro anos de sofrimento da popula-ção de Darfur”, opina Mohamedain.

No entanto, para o jornalista estadunidense David Morse, uma força de paz “robusta” não poderia ser enviada sem antes um acordo po-lítico fi rmado internamente. “Forças de paz não serão efetivas mesmo com um maior nú-mero de homens do que as que existem atual-mente se não há nenhuma paz para manter”, explica. (IO)

Cartum resiste a pressões internacionais

Michael Kamber

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internacional

de 10 a 16 de maio de 200710

Wal-Mart vigia e pune trabalhadoresESTADOS UNIDOSRelatório denuncia táticas utilizadas por rede estadunidense para intimidar seus funcionários

Tatiana Merlinoda Redação

SESSÕES DE treinamento, vídeos e instalação de câmeras de vigilância para monitorar seus funcionários são algumas das ferramentas utilizadas pela transnacional estadunidense Wal-Mart – maior cadeia de supermercados do mundo – para intimidar os trabalha-dores e coibir seus direitos de sindicalização. Relatório da organização não-governa-mental Human Rights Watch (HRW, Observatório de Direi-tos Humanos, em português) divulgado no dia 1º de maio revela o que classifi ca como um sofi sticado “arsenal” de táticas da rede para barrar a organiza-ção de seus trabalhadores nos Estados Unidos.

Segundo o relatório, o grupo utiliza-se de inúmeras estraté-gias consideradas ilegais para criar um clima de medo entre os cerca de 1,3 milhão de trabalha-dores em quase 4 mil lojas nos Estados Unidos. “Mesmo sendo o maior empregador privado dos EUA, nenhum dos seus funcionários é sindicalizado e isso não é por acaso”, aponta o relatório, que estima que a transnacional teve 14 bilhões de dólares em receita e 11,3 bilhões de dólares de lucro durante o ano de 2006.

Leis trabalhistasO estudo aponta que o grupo

se aproveita das fracas leis tra-balhistas estadunidenses para violar direitos humanos e tra-balhistas de seus funcionários. “Muitas empresas dos Estados Unidos utilizam as leis para impedir que seus trabalhadores se organizem, mas a Wal-Mart se destaca pela agressividade de seu aparelho anti-sindical”, diz o texto.

De acordo com Mari Mar-gil, diretora-assistente da organização estadunidense Corporate Ethics Internatio-nal (Corporação Internacional da Ética), as leis trabalhistas estadunidenses favorecem as corporações, e não os tra-balhadores. “No entanto, a rotina de medidas anti-traba-lhador com violações sistemá-ticas da Wal-Mart deveria ter punições severas, incluindo a possibilidade de revogar sua permissão de funcionamento”, observa.

Pierre Laurentde Paris (França)

O alarme já havia soado forte no pri-meiro turno. O segundo turno, por sua vez, abrigou uma certa esperança de barrar Nicolas Sarkozy. Porém, com mais de 53% dos votos, não cabe apelo à vitória da direita. Uma direita dura, ultra-liberal, revanchista e que não hesita em reivindicar as pautas da extrema-direita chegou à Presidência. Para todos aqueles, milhões do mundo do trabalho e dos bairros populares, que temem a política que se anuncia, para todos os democratas, mulheres e homens de esquerda desse país, é um choque, uma péssima novidade, difícil de aceitar.

Nicolas Sarkozy levou à vitória uma direita sem vergonha de sê-lo, que co-locou como objetivo a reconquista ideo-

Mostra de seu poder econômico, no ano 2000, a transnacional fechou seu supermercado em Quebec quando os trabalhadores fundaram um sindicato

Ela conta que muitas ações trabalhistas foram movidas contra a Wal-Mart por violações de direitos. “As leis trabalhistas são fracas, e a rede não está sendo responsabilizada. Pre-cisamos fortalecer as leis para os trabalhadores. A Wal-Mart é um grande exemplo de como estamos desprevenidos para enfrentar o comportamento dessas corporações”, conclui.

Políticas anti-sindicaisA HRW denunciou que a

empresa tem uma política clara contra os sindicatos e cria um “ambiente de medo” em suas instalações. “Muitos de seus trabalhadores estão convencidos de que sofrerão amargas conseqüências se for-marem um sindicato. Muitos temem sofrer represálias e até a demissão”, denuncia o docu-mento. O relatório revelou que a Wal-Mart geralmente age rá-pido contra trabalhadores que tentam se organizar em suas dependências.

De acordo com Sarah Ander-son, diretora da Global Economy Program (Programa de Eco-nomia Global, em português),

o exemplo mais “assustador” de desarticulação dos trabalha-dores foi quando a Wal-Mart fechou, em 2000, um super-mercado no Quebec (Canadá) onde trabalhadores haviam or-ganizado um sindicato. “Aquilo mostrou que essa é uma empre-sa que tem tanto poder econô-mico que pode simplesmente fechar uma loja inteira para evitar a sindicalização.”

Discriminação sexual Além de violar os direitos

de sindicalização, a empresa também tem em seu currículo processos por discriminação sexual. Em fevereiro, trabalha-doras da Wal-Mart moveram uma ação contra a empresa acusando-a de pagar menos às funcionárias e dar-lhes menos promoções do que aos homens. “Esse é o maior processo tra-balhista dos EUA. A decisão da Justiça permitirá que cerca de 2milhões de mulheres que trabalharam para a rede de su-

lógica e que, de forma incontestável, marcou alguns pontos nesta batalha. Uma direita que procura a divisão e a obstrução para promover suas soluções individualistas e racistas. Uma direita que também mente muito, que fez seu candidato passar por um homem de ruptura, quando a única ruptura que incorpora seriamente é aquela que ele aspira impor contra as nossas conquis-tas sociais. Uma direita que fez os as-salariados, que vivem com a corda no pescoço, acreditarem que ganhariam mais se trabalhassem mais, quando se tratava, na realidade, de explorar mais. Uma direita que fala com orgulho na-cional quando se trata de preparar a submissão ao capitalismo globalizado. Essa direita prometeu muito. Será ne-cessário estar ao lado de todos aqueles que vão pagar caro com a implantação dessa política reacionária.

Essa vitória da direita é também

uma derrota muito dura para a esquer-da. É a terceira derrota consecutiva da esquerda em uma eleição presidencial. E será necessário à esquerda, a toda esquerda, fazer uma análise profunda para superar essa conjuntura. Ao esco-lher uma estratégia ultrapresidencia-lista, despreocupada, face a uma direita na ofensiva, o debate de fundo, projeto contra projeto, fez com que as pessoas

considerassem mais importante o voto útil do que a confrontação política. O Partido Socialista fez uma escolha pela qual toda a esquerda vai ter que pagar, e logo. As forças sociais e políticas que, à esquerda, alertaram para esse perigo, como o Partido Comunista, não conse-guiram, entretanto, fazer frente ao desafi o e escapar da armadilha. Lições devem ser tiradas também.

Longe de ajudar a esquerda, a as-censão do centrista François Bayrou embaralhou ainda a mais situação. Contar com esta novidade nas elei-ções legislativas será um erro terrível. Este debate, contudo, deve ser tra-vado pois Ségolène Royal já nunciou que vai tentar seguir por esse cami-nho. Além das batalhas do cotidiano que a política da direita pautará, as eleições legislativas se anunciam muito importantes. Marcadas para daqui a cinco semanas, na sequên-cia das eleições presidenciais, elas são concebidas dentro do espírito de promoção da lógica presidencialista, como uma repetição amplifi cada da votação que acaba de terminar. Mas os eleitores podem pôr fi m a essa lógi-ca e não dar à direita de Sarkozy ple-nos poderes. Os milhões de eleitores e eleitoras de esquerda que perderam a batalha presidencial têm a responsa-bilidade de eleger um grande número de deputados de esquerda e, particu-larmente, de deputados comunistas, determinados a resistir à política an-ti-social que se anuncia e capazes de levar adiante soluções alternativas.

A paisagem política do qüinqüênio que segue não será diferente do ca-minho a ser defi nido pela eleição do legislativo, em 10 e 17 de junho. É a primeira etapa de uma indispensável e necessária contra-ofensiva.

Pierre Laurent é jornalista francês

US$ 11,3 bilhões foi o lucro da Wal-Mart em 2006

Quanto

permercados desde 1998 tam-bém solicitem a equiparação salarial. A empresa paga menos às mulheres, que também têm menos promoções”, afi rma Ma-ri Margil.

O estudo da Human Rights Watch baseou-se em entrevis-tas com 41 trabalhadores do grupo, gerentes, advogados trabalhistas e líderes sindicais,

no período de 2004 a 2007. Após a divulgação do rela-

tório, a rede Wal-Mart soltou uma nota onde afi rmou que os dados da pesquisa eram “falsos e sem fundamento”. Segundo o texto, “a empresa propor-ciona um ambiente de comu-nicações abertas e dá todas as oportunidades para que seus funcionários e colaboradores

expressem suas idéias, comen-tários e preocupações”. A nota diz ainda que o grupo “respeita o direito de seus funcionários a uma sindicalização livre, de acordo com as leis dos Estados Unidos que tratam dos direitos de trabalhadores”.

Aumento de penalidadesA Human Rights Watch

está utilizando o relatório para pressionar o Congresso estadunidense a aprovar o Ato da Livre Escolha dos Traba-lhadores Empregados. A nova lei, que foi aprovada em março e agora tramita no Senado, aumenta penalidades para violações de leis trabalhistas. A legislação também restabe-leceria o que o grupo chama de um processo de seleção de sindicatos “democráticos”, exi-gindo normas para incentivar os empregadores a reconhecer um sindicato.

Atualmente, os empregado-res podem forçar eleições de fi liação a sindicatos e então intimidar os trabalhadores com a mensagem “anti-sindical agressiva” durante o período de campanha. De acordo com Sarah Anderson, os sindicatos vêm tentando organizar os trabalhadores da Wal-Mart há vários anos, mas depois de muitos fracassos, “hoje sabe-mos que é preciso modifi car as leis. Por isso, os maiores sindicatos estão trabalhando com um grande número de organizações da sociedade ci-vil para tentar conscientizar a opinião pública da necessidade de ser mais crítica em relação à Wal-Mart. Sabemos que, sem apoio político, o desafi o de con-quistar direitos trabalhistas é praticamente inútil”.

da Redação

Não é só nos Estados Unidos que a trans-nacional Wal-Mart viola direitos dos tra-balhadores. No Brasil, também há denún-cias de discriminação sexual e não-paga-mento de horas extras a funcionários da rede. “Aqui há casos de descumprimento de legislação local, pressão psicológica, denúncias de excessiva monitoração da empresa e práticas intimidatórias”, relata o coordenador do comitê sindical nacio-nal de trabalhadores da Wal-Mart, Alci Matos Araújo.

Ele conta que os funcionários dos caixas dos supermercados são privados do direi-to de ir ao banheiro durante um turno de quatro horas. “Como não há substituto para o lugar dos caixas, não há pausas para ir ao banheiro e eles são obrigados a trabalhar durante um longo período sem parar. Caso precisem sair, necessitam da autorização do gerente da loja, o que

viola direitos trabalhistas básicos”, apon-ta Araújo, que também é secretário de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT (Contracs).

Outra prática usual da rede é a vigi-lância de possíveis atividades sindicais dos trabalhadores por meio de câmeras instaladas dentro do supermercado e no estacionamento das lojas. “Assim, eles vigiam quem entra e quem sai da loja e monitoram se os funcionários se relacio-nam com dirigentes sindicais.”

Em Osasco (SP), a Wal-Mart foi denun-ciado por danos morais e cárcere privado

pela sua conduta com os promotores, re-positores e demonstradores. Mesmo não sendo funcionários da transnacional, os trabalhadores só eram autorizados a sair do supermercado para realizar seu traba-lho em outras lojas com aval do gerente, o que só acontecia depois de trabalharem em horários que extrapolam a jornada e em funções que não eram suas.

No Brasil, a Wal-Mart controla os seguintes supermercados: Wal-Mart Supercenter, Sam’s Club, Todo Dia, Bompreço, Hiper Bompreço, Nacional, Mercadorama, Hipermercado Big e Maxxi Atacado

Práticas anti-sindicais também no BrasilWal-Mart coloca câmeras dentro das lojas e dos estacionamentos para fi scalizar se seus funcionários conversam ou não com sindicalistas

No Brasil, a Wal-Mart iniciou suas ope-rações em maio de 1995 e hoje está pre-sente em seis Estados: São Paulo (escritó-rio central e centro de distribuição), Rio de Janeiro, Paraná, Distrito Federal, Goi-ânia e Minas Gerais. Atua com dois tipos de estabelecimentos, os Supercenters e os SAM’s Club. A empresa, em 2003, tinha 7.032 trabalhadores. Em 2005, sua recei-ta bruta no país foi de R$ 11,7 bilhões.

Em 2004, a Wal-Mart Brasil adquiriu, da empresa holandesa Royal Ahold, a rede Bompreço Supermercados do Nor-deste. Com isso passou a contar com mais de 300 lojas em todo o país e 57 mil associados. Em dezembro de 2005, com-prou no Brasil a rede Sonae e agora passa a contolar os supermercados Nacional e Mercadorama e o Hipermercado Big e o Maxxi Atacado. Assim, a rede opera nove bandeiras.

A Wal-Mart tem um histórico de vio-lações a direitos trabalhistas em toda a América Latina. No dia 2, por exemplo, a Central Unitária de Trabalhadores do Chile denunciou que operadores de caixa de uma rede de supermercados do país foram obrigados a usar fraldas por não terem pausas para ir ao banheiro. (Com informações do Instituto Obser-vatório Social – www.observatoriosocial.org.br) (TM)

ANÁLISE

A eleição do legislativo é a primeira etapa de uma indispensável e necessária contra-ofensiva

O choqueFRANÇAA vitória do direitista Sarkozy frente a Ségolène Royal, do Partido Socialista, no segundo turno das eleições francesas, no dia 6, representa uma dura derrota para a esquerda

Segunda noite de protestos em Paris, nos arredores da Bastilha

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Um pouco de ironia: uma das lojas do Wal-Mart na Alemanha fi ca numa pequena rua chamada Karl Marx num antigo setor de Berlim Oriental

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américa latina

de 10 a 16 de maio de 2007 11

Unidade contra a agenda dos EUA

Idânia Trujillo e Marcel Lueirode Havana (Cuba)

EM HAVANA, mais de 700 representantes de movimentos sociais, indígenas, camponeses, sindicalistas, religiosos, jovens e mulheres de todo o continente se reuniram para aprofundar o diálogo de uma integração soli-dária no VI Encontro Hemisfé-rico de Luta contra os Tratados de Livre-Comércio (TLCs), rea-lizado entre 3 e 5 de maio.

O objetivo foi reforçar a arti-culação regional na luta contra os acordos propostos pelos Es-tados Unidos e reivindicar uma integração dos povos que, nas palavras do pensador cubano José Martí, “precisam andar unidos como a prata nas raízes dos Andes”.

O salão de plenárias do Palá-cio das Convenções, próximo à Quinta Avenida dessa cosmo-polita e ruidosa cidade, fi cou preenchido de cores, odores e palavras diversas, chegadas desde o Rio Bravo até a Patagô-nia. Para o economista cubano Oswaldo Martínez, membro do Comitê Organizador, o Encon-tro Hemisférico teve o objetivo de ser “um espaço de trabalho, refl exão e articulação de ações” na construção de uma alterna-tiva dos povos “sem imperialis-mo, sem exclusão de raça, gêne-ro, com justiça social, respeito ao meio ambiente e à dignidade plena dos seres humanos”.

O economista ressaltou que o projeto estadunidense para a re-gião tem sofrido reveses. “Além da derrota permanente dos 47 da Revolução Cubana, os EUA tiveram que engolir o fracasso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a consolidação da Revolução Bolivariana na Venezuela e a crescente repulsa popular - com o protagonismo dos movimentos sociais – ao projeto neoliberal que impôs derrotas eleitorais dos candi-datos apoiados pelos estaduni-denses”, avalia Martínez.

Quadro controversoApesar desse cenário na

região, atualmente oito países estão com TLCs em vigor: Ca-nadá, México, Chile, os países centro-americanos – com ex-ceção da Costa Rica –, e Repú-blica Dominicana. Já Colômbia e Peru esperam a aprovação do Congresso dos Estados Unidos. Martínez avalia que o neolibe-ralismo perdeu muito do seu potencial de sedução, mas não basta criticá-lo. “É necessário romper com o pensamento e a prática econômica que persiste centrada no equilíbrio fi scal, no livre-comércio e na liberaliza-ção fi nanceira”, resume.

A novidade na América La-tina são processos como os da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), os Tratados de Comércios dos Povos, a União Sul-Americana e outras inicia-tivas estruturadas na solidarie-dade e na complementaridade das nações, o que confi gura um novo mapa econômico mais justo e racional. “A Alba se dife-rencia da integração anêmica e comercialista até então pratica-da por sua proposta de priorizar o combate ao analfabetismo, a atenção à saúde, o acesso à edu-cação, o milagre de devolver a visão ou evitar que milhares de pessoas fi quem cegas, ao lado da integração energética, em infra-estrutura e na cultura”, compara o economista.

Os representantes dos mo-vimentos sociais defi niram, no Encontro Hemisférico, um

Emir Sader

Quando, em dezembro de 2004, Fidel Castro e Hugo Chávez lançaram a Alba (Alternativa Bolivariana para as Amé-ricas), a iniciativa parecia representar o marco institucional dos acordos que Cuba e Venezuela estavam desen-volvendo. Representava um grande exemplo do comércio justo – que o Fó-rum Social Mundial pregava há vários anos. Cada país fornece o que possui – petróleo venezuelano não a preços de mercado, mas recebendo em troca o que somente Cuba pode entregar: o melhor pessoal em saúde pública, em educação, em esportes. Outros acordos – assinados em abril de 2005 – anun-ciavam a disposição de integração estrutural e estratégica entre os dois países, na direção do anticapitalismo e do socialismo do século 21.

Um ano depois, triunfou Evo Mo-rales na Bolívia e, em abril de 2006, aderiu à Alba. Em janeiro de 2007, foi a vez da Nicarágua, no momento da posse de Daniel Ortega como presiden-te. A reunião realizada na Venezuela – nas cidades de Barquisimeto e de Tintorero, na província de Lara, em abril deste ano – contou com a parti-cipação do presidente do Haiti, René Preval, que assinou vários acordos com os governos já aderidos à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), e com a ministra de Relações Exteriores do Equador, Maria Fernanda Espinosa, podendo-se dizer que estes dois gover-nos estão identifi cados com o espírito da Alba e sua adesão é uma questão de pouco tempo.

Onde se situa a Alba e o que a dife-rencia de outros projetos de integra-ção regional? A linha geral que divide o continente não é aquela entre uma suposta “esquerda boa” e uma “es-querda ruim”. Esta é uma visão da di-reita, que busca dividir o campo pro-gressista no continente, para tentar cooptar governos mais moderados. A linha divisória fundamental é aquela

ANÁLISE

A América Latina tornou-se o elo mais fraco da cadeira imperialista

INTEGRAÇÃOParticipantes de organizações sociais de todo o continente se reúnem em Havana para defi nir estratégias de luta contra a ofensiva imperialista dos Estados Unidos na região

“Acentuam-se as condições para superar o neoliberalismo e os planos hegemônicos do império. Apesar disso, esses fl agelos ainda predominam em nossos países”

plano de ações continentais e redigiram uma declaração fi nal resumindo os debates realiza-dos em Havana. “Acentuam-se as condições para superar a escura etapa do neoliberalismo e os planos hegemônicos do império. Apesar disso, esses fl agelos ainda predominam em nossos países”, registra o docu-mento que também ressalta a luta dos povos, como a dos cos-ta-riquenhos e dos colombianos

contra a assinatura do TLC com os Estados Unidos e a do povo de Oaxaca por seus direitos. As organizações sociais, no entan-to, enfatizaram a necessidade de, com urgência, gerar um maior consenso em torno da integração que “se consolide como um programa político”, dialogando com os processos de integração em curso hoje (Minga de Movimentos Sociais – www.movimientos.org).

De Havana (Cuba)

Os Encontros Hemisféricos de Luta contra os Tratados de Livre-Comércio (TLC) já se constituíram, como um importante espaço de articulação e unidade dos movimentos sociais do continente americano. Sempre realizado em Havana, a primeira edição ocorreu em 2001 e o foco principal era a luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Participam representantes dos principais movimentos sociais latino-americanos, reuni-dos em articulações como a Alianza Social Con-tinental, a Via Campesina ou a Rede Jubileu.

Articulação nasceu da luta contra a Alca“Nossas lutas não foram inúteis, já pode-

mos dizer que o que discutimos nesses cinco anos de Encontros Hemisféricos se tornaram ingredientes importantes na exitosa Campa-nha Continental contra a Alca”, afi rmou o economista cubano Oswaldo Martínez, membro do Comitê Organizador.

Nesta sexta edição, o Encontro Hemisfé-rico mudou de nome e passou a ressaltar a luta contra os TLCs, dado o fracasso da Alca. “Essa proposta de acordo se tornou tão ir-relevante, hoje, que o ‘senhor Bush’ não se atreveu a mencioná-la em seu recente ‘giro do etanol’ pela região”, comenta Martínez. (IT e ML)

que passa entre os países que assina-ram acordos de livre-comércio com os EUA – México, Chile, além dos proce-dimentos avançados pela Colômbia e pelo Peru –, que hipotecam seu futuro e qualquer possibilidade de regular o que passe nos seus países, em uma relação radicalmente desigual com a maior potência imperial do mundo, e os que países que privilegiam a inte-gração regional.

Entre estes, estão os que, apesar des-sa opção, mantêm o modelo econômico neoliberal – como o Brasil, a Argentina, o Uruguai – e os que se situam fora dele – Venezuela, Cuba, Bolívia e Equador. Este é um segundo divisor de águas, mas no marco de um processo de alian-ças que gera um espaço não apenas de integração – centrado no Mercosul –, mas que também contribui para um mundo multipolar, que enfraquece a hegomonia unipolar dos EUA.

Laboratório revoltoEste processo se dá na América Lati-

na, porque o continente havia sido o la-boratório privilegiado das experiências neoliberais, de que vive atualmente a ressaca. Aqui nasceu o neoliberalismo, assim como foi aqui que se deram de maneira mais concentrada as grandes crises neoliberais – México 1994, Brasil 1999, Argentina 2002.

A América Latina tornou-se o elo mais fraco da cadeira imperialista pela combinação de vários fatores:- o esgotamento do modelo neoliberal;- o fracasso e o isolamento da política do governo Bush no continente;- a força acumulada pela resistência, especialmente dos movimentos sociais, na luta contra o neoliberalismo;- o surgimento de lideranças e forças políticas que catalizaram esses fatores para promover rupturas com os Trata-

dos de Livre-Comércio (TLCs) e com o imperialismo.

O poder hegemônico no mundo se articula atualmente em torno de três grandes monopólios:- o poder das armas;- o poder do dinheiro;- o poder da palavra.

Os processos de integração regional trabalham na perspectiva de um mundo multipolar, colocando travas à hegemo-nia imperial estadunidense. Os países que romperam com o neoliberalismo se enfrentam ao reino do dinheiro. As iniciativas de imprensa alternativa – dentre as quais a rede de TV Telesur é o exemplo mais conhecido – trabalham pela democratização da mídia. Não há nenhuma outra região do mundo que apresente essas características.

Depois de muitos anos de resistência ao neoliberalismo, em que os movi-mentos sociais foram os principais protagonistas, conquistou-se o direito, uma vez esgotado o modelo neoliberal, de passar à fase de luta por uma hege-monia alternativa, por governos pós-neoliberais. O neoliberalismo ainda continua a ser predominante no conti-nente: basta dizer que o modelo segue vigente em países como o México, o Brasil, a Argentina, a Colômbia, o Chi-le, o Uruguai, entre outros.

As sucessivas rupturas se deram nas zonas de menor resistência, menos centrais no continente, onde o capita-lismo neoliberal se havia consolidado menos: Venezuela, Bolívia e Equador. A mesma característica pode ser aplica-da à Nicarágua e ao Haiti, além do país que havia rompido há décadas com o capitalismo – Cuba.

Horizonte históricoNa reunião realizada na Venezuela

com os representantes deste país, mais

Bolívia, Nicarágua e Cuba, foi criado um Conselho de Movimentos Sociais, integrado à estrutura da Alba, que con-ta também com um Conselho de Pre-sidentes e um Conselho de Ministros. Os movimentos sociais de cada país do continente discutirão esse e todos os outros temas que desejem incluir na pauta de debates e de construção de uma América Latina pós-neoliberal, defi nindo suas formas concretas de participação, em reunião prévia ao pró-ximo encontro de presidentes, previsto em princípio para dezembro, na Bolívia ou em Cuba.

Congregando-se a esses países e aos movimentos sociais, a Alba se tornou o novo horizonte histórico da América Latina e do Caribe, a partir do qual todas as forças progressistas têm que pensar sua identidade, seus objetivos e suas formas de ação. Se constitui em um exemplo modelar da aplicação do “comércio justo”, da solidariedade, da cooperação.

Um espaço alternativo ao livre-comércio, ao domínio do mercado, revelando concretamente que é no in-tercâmbio entre necessidades e possi-bilidades que se termina com o analfa-betismo, que se fortalece a agricultura familiar e a segurança alimentar, que se devolve o poder da visão a milhões de pessoas – em suma, onde se co-locam as necessidades da população acima dos mecanismos de mercado e de acumulação de capital.

Vivemos um período muito de-licado, marcado pela passagem do modelo capitalista regulador para o neoliberal e do mundo bipolar para o unipolar, sob hegemonia imperial dos EUA. Na América Latina se decide grande parte do futuro do mundo no novo século e a Alba é o espaço mais avançado dessa luta.

Alba: do sonho à realidade

A linha divisória geral que divide o continente não é aquela entre uma suposta “esquerda boa” e uma “esquerda ruim”. Esta é uma visão da direita, que busca dividir o campo progressista no continente, para tentar cooptar governos mais moderados

Presidentes dos quatro países que compõem a Alba: Fidel Castro, de Cuba; Hugo Chávez, da Venezuela; Daniel Ortega, da Nicarágua; e Evo Morales, da Bolívia

www.altrenotizie.orgMarcelo García/Prensa Mirafl ores Marcelo García/Prensa Mirafl ores Marcelo García/Prensa Mirafl ores

Simon Doyle/Creative Commons

Outdoor em rua da capital Havana mescla bandeiras de Cuba e Venezuela, os dois países propulsores da idéia

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cultura

de 10 a 16 de maio de 200712

Vozes latinas e coletivasTEATROII Mostra Latino-Americano de Teatro de Grupo se consolida como importante espaço de conhecimento e troca entre grupos da região

Cristiane Gomesde São Paulo (SP)

UM DOM Quixote imaginário, a resistência dos camponeses em Canudos, a militância po-lítica de um ativista boliviano, o jogo lúdico de palhaços em um lixão, a representação da morte de um revolucionário francês por internos de um hospital psiquiátrico. Esses são alguns dos fi os narrativos condutores de peças teatrais apresentadas pelos 11 grupos que participaram da II Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo, entre os dias 30 de abril e 6 de maio, na cidade de São Paulo.

A atividade, organizada pela Cooperativa Paulista de Teatro, trouxe à chamada terra da garoa grupos de seis Estados brasileiros (Alagoas, Recife, São Paulo, Paraíba, Rio Grande do Sul e Distrito Federal) e de cinco países la-tino-americanos (Venezuela, Cuba, República Dominica-na, Bolívia e Argentina). O público conheceu a produção teatral da região e os grupos puderam trocar e socializar experiências com o objetivo de avançar na integração la-tino-americana, em algo que transcenda o âmbito econô-mico e político.

“Há uma revolução em curso na América Latina e o Brasil precisa dar o beijo na boca nos países latinos. O Mercosul tem que acabar, a conjunção agora é outra”, afi rmou o diretor do Instituto de Estudos Latino-America-nos da Universidade Federal de Santa Catarina, Nildo Ouriques, durante o primeiro debate da mostra, oferecido gratuitamente ao público, que também pôde assistir de gra-ça as apresentações das peças e as demonstrações dos pro-cessos criativos dos grupos.

Veículo potenteA segunda edição da mostra

contou com a participação de grupos que comprovaram co-mo o teatro é um potente veí-culo de comunicação que visa aguçar o senso crítico e promo-ver a refl exão sobre as proble-máticas sociais. Foi também uma atividade política. “Não existe escolha formal que não contenha ideologia e que não contenha a visão de mundo do grupo”, defende Sérgio Car-valho, diretor da brasileira Companhia do Latão.

E foi esse protagonismo coletivo que pôde ser visto em trabalhos como Posseiros e Fazendeiros, obra do cole-tivo de teatro do MST, Filhos da Mãe... Terra, convidado especial da mostra. Ao tratar da luta pela terra no Brasil e debochar dos leilões milioná-rios de vacas e bois, que valem milhões de dólares, a peça es-tabelece uma ponte com A Sa-ga de Canudos, apresentada no centro da capital paulista pelo Oi Nóis Aqui Traveiz, do Rio Grande do Sul.

O grupo gaúcho, um dos mais antigos de teatro de rua do país, utilizou música, dan-ça, bonecos e máscaras para contar a resistência das famí-lias camponesas lideradas por Antônio Conselheiro – repre-sentado na peça por um bo-neco gigante que impressiona em beleza e lirismo. Partindo para a temática urbana, Ovo, do Circo Teatro Udi Grudi, de Brasília, mostrou o jogo lúdico de um grupo de palhaços que vivem em um lixão (todo o ce-nário foi feito a partir de ma-teriais extraídos do lixo). “Um simples alimento como o ovo faz a metáfora com a materia-lidade, evoca a fome e dispara a imaginação em uma saga trágica e cômica ao mesmo tempo”, resenha Vivian Mar-tinez Tabares, crítica e pes-quisadora teatral cubana. Já os recifenses do coletivo Angu de Teatro, com seu Angu de Sangue, retrataram, a partir dos contos do escritor per-nambucano Marcelino Freire, as neuroses, dramas e violên-cias que existem nas ruas de uma cidade que poderia ser

de São Paulo

Com 22 anos de existência, so-mente agora os brasileiros pu-deram conhecer o trabalho de pesquisa realizado pelos cuba-nos do grupo Buendía. A peça Charenton – ópera bufa basea-da no texto Marat-Sade, de Pe-ter Weiss – impressiona pela ri-queza cênica. Com criatividade, imaginação e, sobretudo, amor e dedicação ao teatro, o grupo supera as limitações econômi-cas impostas a Cuba pelo blo-queio econômico, promovido pelos EUA há mais de 40 anos.

“Quando não se tem recursos econômicos, é preciso se apoiar na criatividade, uma potente arma para criar beleza”, afi rma Flora Lauten, diretora e fun-dadora do Buendía, e uma das protagonistas da renovação teatral em Cuba.

O Brasil de Fato conversou com Flora nos intervalos das atividades da mostra. Ela conta que, apesar das adversidades, o Estado cubano incentiva a produção e pesquisa teatral. Na entrevista, discorre sobre a formação do grupo, seu traba-lho com o Teatro Escambray (grupo cubano, de infl uência brechtiana, da década de 70 que trabalhava com comunida-des camponesas do interior do país) e sobre o papel transfor-mador do teatro.

Brasil de Fato – Conte-nos como o Buendía foi formado.

Flora Lauten – O Buendía nasce a partir de estudantes egressos do Instituto Superior de Arte (ISA), em 1986. Nós tí-nhamos um espaço físico, uma antiga igreja grego-ortodoxa em Havana que estava em ru-ínas. Foi então que decidimos, com nossas próprias mãos, reconstruir o espaço. Traba-lhamos muito em dois anos e meio buscando materiais para reformar nossa sede. Foi então que o Ministério da Cultura, ao ver todo esse esforço, nos

qualquer uma da América Latina.

A busca por realizar um trabalho que ajude a entender a sua própria história recente levou os bolivianos do Teatro de los Andes, em Otra Vez Marcelo, a contar a história de Marcelo Quiroga, intelec-tual, parlamentar e ativista boliviano que por suas posi-ções políticas – fundamentais na mobilização pela segunda estatização dos hidrocarbure-tos – foi assassinado em 1980. Até hoje, não há uma versão ofi cial para a sua morte e tam-pouco se sabe do paradeiro dos seus restos mortais. Para contar a história, o grupo se utilizou da projeção de ima-gens reais do próprio Marcelo em diversos comícios.

Buendía CubaO trabalho de 22 anos de

pesquisa teatral do grupo cubano Buendía pôde ser vis-to pela primeira vez no Brasil. Um dos mais importantes grupos de Cuba, Buendía abriu ofi cialmente a mostra com a ópera bufa Charenton, baseada no texto Marat-Sade, de Peter Weiss. A peça conta a história de uma representação da morte de Jean-Paul Marat, feita por internos de um mani-cômio, dirigido por Marques de Sade. “A utilidade social do teatro está em provocar inquietações no público para que ele aja. Nunca somente informar, mas sim comover, para que o público experimen-te, antes das idéias, emoções e sensações”, afi rma Raquel Carrió, dramaturga do grupo.

Já o teatro Gayumba, da República Dominicana, trouxe uma singela versão para o clás-sico Dom Quixote. Utilizando poucos recursos cênicos, cen-traliza sua ação na narrativa e no trabalho corporal da dupla de atores. Os argentinos do Teatro Sanitário de Operacio-nes, por sua vez, mostraram a intensidade de um teatro base-ado nos sentidos em Mantua, o sonho de Julieta enquanto espera a volta de seu Romeu. Encenado em um galpão e quase sem diálogos, utilizou música e acrobacia criando um ambiente fantástico. “Ao chegar em nossas montagens, o público se depara com um local onde não há nenhum vestígio de que uma cena te-atral está para acontecer. São os atores, ao interpretar seus personagens, e a música que criam um espaço cênico”, des-creve a atriz Jackie Miller.

Teatro do OprimidoA associação teatral Joana

Gajuru de Maceió trouxe, com Uma Canção de Guerreiro no Chumbrego da Orgia, a lite-ratura de cordel e músicas e danças do folguedo alagoano. Os venezuelanos do Escena de Caracas apresentaram Mackie a partir de textos e músicas de Brecht e Delbis Cardona. O Pirei na Cenna, grupo comu-nitário formado pelo Teatro do Oprimido, dirigido por Augusto Boal no Rio de Ja-neiro promoveu em É Melhor Prevenir do que Remédio Dar o diálogo sobre a questão ma-nicomial. O Teatro de Piollin, de João Pessoa, encenou A Gaivota (Alguns Rascunhos), adaptação do clássico de Tchekhov.

Os ingressos esgotados em todas as apresentações da mostra e as salas lotadas du-rante os debates e demonstra-ções dos processos criativos dos grupos comprovaram o interesse pelo trabalho dos hermanos latinos e também por coletivos fora do eixo Rio-São Paulo. Mostrou tam-bém que os grupos com suas pesquisas estéticas e de dra-maturgia buscam estimular o comportamento crítico do es-pectador. Ao fazer a opção em não se enquadrar nos paradig-mas do mercado, escolhem o teatro como fi losofi a de vida. Têm consciência de que a arte, neste caso a linguagem teatral, é ativa na elaboração de signifi cados e valores que constroem visões de mundo. Que venha a próxima mostra.

ofereceu apoio em outras repa-rações necessárias. Esse foi um processo muito importante, porque possibilitou aos atores e atrizes reconstruir o lugar onde iriam trabalhar. O que aprendemos com a reconstru-ção da sede foi levado para a atuação no palco.

Você desenvolveu por muito tempo um trabalho como atriz, com o grupo Escambray. Qual foi a infl uência disso para a sua carreira e o trabalho com o Buendía?

O Escambray foi muito im-portante na minha vida. Quan-do entrei no grupo para traba-lhar como atriz estava cansada do que estava acontecendo no movimento teatral de Havana. Tinha interesse em um lugar no qual a necessidade do teatro fosse mais urgente. Foi então que parti com o Escambray para a região montanhosa de Santa Clara, onde havia mui-tos confl itos. Foi lá que tive a possibilidade de me integrar e desenvolver um trabalho cultural. Fiquei fascinada e me apaixonei. Fui com meus fi lhos pequenos e tive que aprender várias coisas. Isso se converteu em uma experiência muito im-portante porque me dei conta de que o teatro retratava a vida daquelas pessoas e que era capaz de mudar pensamentos, gerar novas idéias, originar

questionamentos e debates. Por outro lado, o Escambray deixou também como lição a possibilidade de se fazer teatro com o mínimo de recursos. A experiência me ensinou tam-bém a buscar a beleza, mesmo em lugares precários de recur-sos materiais. Durante o tempo em que estive lá, tive a oportu-nidade de viajar à Nicarágua (que passava por um intenso processo social que culminou com a revolução sandinista) e a Angola. Foi a partir destas experiências que eu comecei a escrever, presenciando realida-des muito diferentes da nossa em Cuba. Anos mais tarde, o encontro com os estudantes do ISA também foi fundamental, porque o diálogo com outras gerações me manteve jovem. Sempre pensei que uma for-ma de envelhecer rápido de se encerrar na sua própria sabe-doria. A troca de experiências com a juventude e a refl exão propicia que novos pensamen-tos brotem. Essa foi a grande experiência que o Buendía me trouxe: a possibilidade de diá-logo e questionamento.

Existem pessoas que criticam o uso político do teatro. O que você pensa disso?

Somos seres políticos e so-ciais. Não se pode tirar isso do ser humano. Para mim, o importante do teatro é que cada um escolhe seu caminho e sua arma para conquistar o que quer. Acredito que os com-panheiros do grupo do MST, por exemplo, têm o direito de escolher o teatro como manei-ra de expressão e comunicação (porque o teatro é isso) de suas idéias. A linguagem teatral é a possibilidade de se estabelecer uma ponte com o outro e dialo-gar. Temos que ter a liberdade para que o artista crie as armas que estima serem necessárias para criar uma comunicação

com o espectador. Isso para mim é um direito.

Como é fazer teatro em Cuba?

Em Cuba, existe uma grande quantidade de grupos e quase todos têm um teto, uma sede. Isso é muito sui generis de Cuba. Outra característica in-comum no meio teatral é que todos têm um salário fi xo, um valor que o Estado pode pagar. Isso é uma possibilidade muito importante para o artista. No caso do Buendía, quando sa-ímos para nos apresentar no exterior, o dinheiro que recebe-mos é dividido entre os artistas e uma quantidade é guardada para uma reserva do grupo. Com este dinheiro, compramos equipamentos, maquiagem e outros materiais necessários. Temos sorte de em Cuba ter-mos uma sede, um salário e tempo para nos dedicar ao teatro. Isso é um grande pre-sente. Em nenhum outro país do mundo existe este incentivo para o teatro e o artista. Claro que temos nossas limitações fi nanceiras, mas sempre temos que tirar beleza do que temos. No nosso último espetáculo, Charenton, que apresentamos na mostra, o cenário foi feito com materiais de telas de ou-tras peças. Reciclamos esses materiais. O mesmo aconteceu com o fi gurino e os bonecos. Quando não se tem recursos econômicos é preciso se apoiar na criatividade, uma potente arma para criar beleza.

Esta II Mostra possibilitou o encontro de diversos coletivos de teatro de grupo da América Latina. Qual é a importância de um espaço como este?

Este espaço que está se crian-do com a mostra precisa ser defendido com unhas e dentes porque é único. Não conheço outro lugar em que o público possa assistir, gratuitamente, a essas obras, em que o acesso à cultura seja livre, em que os ar-tistas possam ver os trabalhos dos outros grupos. Normal-mente em festivais de teatro, cada um fi ca tão preocupado e ocupado com a sua própria apresentação que não assiste ao trabalho de outros coleti-vos. Além disso, a mostra foi realizada sem fi ns lucrativos, mas sim para promover o en-contro, a troca e a socialização de experiências. Isso é muito importante. Voltaremos para Cuba impressionados com o que vimos aqui no Brasil.

1. Angu de Sangue: Os pernambucanos do

Coletivo Angu de Teatro levaram para o palco os

contos urbanos de Marcelino Freire

2. De los Andes: Mia Fabri e César Brie, do boliviano Teatro de

los Andes, encenam Otra vez Marcelo, que

conta a história do mili-tante Marcelo Quiroga

3. Udi Grudi2: Ovo, do Udi Grudi, mistura música, teatro e circo para retratar os jogos

lúdicos de palhaços que vivem no lixão

A força e a beleza do teatro cubano

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Flora Lauten é atriz, direto-ra teatral e professora do Ins-tituto Superior de Arte (ISA) de Cuba. É uma das fundado-ras da Escola Internacional de Teatro da América Latina e Caribe (EITALC). O caráter renovador de seu trabalho na cena teatral latino-americana fez com que recebesse inúme-ros prêmios em todo o mundo.

Quem é

Charenton mostrou a criatividade do teatro cubano do Buendía

Fotos: Jorge Clésio