Artigo 917 65

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4. O ensino de História nos últimos trinta anos no Brasil A partir das falas dos professores, pudemos perceber que o início na docência nos anos 70, tanto no nível da formação, quanto da iniciação no trabalho, era efetivamente diferente do que encontramos atualmente. Essa situação pode ser evidenciada não apenas através das entrevistas, mas também ao se analisar os diferentes contextos históricos que estão sendo observados. Neste capítulo, procuramos caracterizar o ensino de história nos períodos estudados, no intuito de evidenciar sobre que conjunturas os professores entrevistados escolheram e começaram a atuar como professores de história. Falar em ensino de história nos tempos atuais soa diferente dos sentidos dessa tarefa há trinta anos atrás. Nas últimas décadas, é visível a alteração da vida social, desafiada pela revolução tecnológica, pelo crescimento da mídia, pelos novos paradigmas de compreensão das sociedades. Esses acontecimentos provocam novas formas de lidar e entender as ações humanas, tanto no presente como no passado. Como o ensino de história tem sido afetado nesse contexto? Nos últimos trinta anos, que transformações no ensino de história podemos levantar? Os anos setenta se iniciam em uma atmosfera de repressão e perseguição aos segmentos não alinhados ao projeto governamental de desenvolvimento econômico e limitação democrática. Ao mesmo tempo, essa década se encerra numa orquestração de vozes de variados segmentos sociais que exigem a democratização das relações políticas. Os professores de história que escolheram sua profissão e se constituíram como professores nesse período lidaram com esses dois momentos dos anos setenta. Alguns professores entrevistados vivenciaram suas iniciações profissionais no período inicial descrito e outros se formaram e começaram a trabalhar já no fim da referida década.

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artigo sobre o ensino de historia

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4. O ensino de Histria nos ltimos trinta anos no Brasil A partir das falas dos professores, pudemos perceber que o incio na docncia nos anos 70, tanto no nvel da formao, quanto da iniciao no trabalho, era efetivamente diferente do que encontramos atualmente. Essa situao pode ser evidenciada no apenas atravs das entrevistas, mas tambm ao se analisar os diferentes contextos histricos que esto sendoobservados.Nestecaptulo,procuramoscaracterizaroensinode histrianosperodosestudados,nointuitodeevidenciarsobreque conjunturasosprofessoresentrevistadosescolheramecomearama atuar como professores de histria.Falaremensinodehistrianostemposatuaissoadiferentedos sentidos dessa tarefa h trinta anos atrs. Nas ltimas dcadas, visvel aalteraodavidasocial,desafiadapelarevoluotecnolgica,pelo crescimentodamdia,pelosnovosparadigmasdecompreensodas sociedades.Essesacontecimentosprovocamnovasformasdelidare entender as aes humanas, tanto no presente como no passado. Como o ensino de histria tem sido afetado nesse contexto? Nos ltimos trinta anos, que transformaes no ensino de histria podemos levantar? Osanossetentaseiniciamemumaatmosferaderepressoe perseguio aos segmentos no alinhados ao projeto governamental de desenvolvimentoeconmicoelimitaodemocrtica.Aomesmotempo, essadcadaseencerranumaorquestraodevozesdevariados segmentos sociais que exigem a democratizao das relaes polticas. Osprofessoresdehistriaqueescolheramsuaprofissoese constituramcomoprofessoresnesseperodolidaramcomessesdois momentosdosanossetenta.Algunsprofessoresentrevistados vivenciaramsuasiniciaesprofissionaisnoperodoinicialdescritoe outros se formaram e comearam a trabalhar j no fim da referida dcada.PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA51 Hquesedestacar,emrelaorealidadeeducacional,a tendnciatecnicista,comcaractersticasdesilenciamentodadimenso poltica da educao, atravs da abordagem behaviorista do ensino. Por outro lado, outras tendncias tericas passam a ser conhecidas no Brasil, asteoriasdareproduoqueabremespaoparaosurgimentodeum pensamentopedaggicoprogressista,interpretandocomveiocrticoo fenmenoeducacional.Emrelaoaosprogramascurricularesparao ensinodehistria,observamosaorganizaodareadeEstudos Sociais, diluindo as especificidades do campo da histria e da geografia, em consonncia com os apelos ufanistas do governo e com a Doutrina da Segurana Nacional formulada pela Escola Superior de Guerra. Situao essa que vem a ser questionada no fim da dcada de setenta, a partir dos movimentosorganizadosdosprofessoresdehistriaedosestudos historiogrficos influenciados pelo marxismo e pelas teorias da Escola dos Annalesquequestionamaproduodahistriamuitocentradano acontecimentoenopoltico,comatenomuitocentradanosgrandes homens e fatos. 4.1. Breve histrico do ensino de Histria no Brasil Ensinar Histria passou a ser uma prtica social no Brasil a partir da constituio do Estado Imperial, mais precisamente com a fundao do ColgioPedroII,em1837.Nestecolgio,aHistriapassouaser disciplina escolar obrigatria, assim como estava acontecendo na Frana desdefinsdosculoXVIII.OensinodeHistriatinhaumaspectode missocvica,fundadoraelegitimadoradedeterminadaunidadeda nao, os programas procuravam reunir elementos de referncia para tal tarefa.NoBrasil,oEstadoImperial,noprocessodesuaconsolidao, viabilizouasistematizaodaHistriadoBrasil,atravsdostrabalhos produzidosnoInstitutoHistricoGeogrficoBrasileiro,criadoem1838, com o objetivo de identificar as origensdoBrasil,de modo a contribuir para a delimitao de uma identidade nacional homognea; inserir o pas na perspectiva de uma tradio de progresso. (Magalhes, 2003, p.169) PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA52 Aquestocentraleraaconstruodeumaidentidadenacional.Os programasparaoensinodeHistrianoBrasilsurgemnesseperodo, mesclados luta pela consolidao da independncia e pela construo danacionalidade.Silva(2005)destacaqueoscontedosselecionados baseavam-se na constituio e no desenvolvimento da nao, origem do povobrasileiro,asinstituiespoltico-administrativasdoBrasilcolonial, temas que demonstrassem e valorizassem a nossa histria (...) (p.18) No entanto, importante lembrar que o estudo da Histria do Brasil era um apndicedahistriadacivilizao.AHistriadoBrasilcomodisciplina independente s veio a se consolidar em 1895, com estudos direcionados para a cronologia poltica brasileira, biografia de homens ilustres e fatos relevantes para a afirmao da nao brasileira. (Magalhes, p.169) Tambmsurgiramorientaesdecunhometodolgicoparao estudodaHistria,ondeotrabalhocomdocumentosescritosparecia configuraraverdadedanao.OIHGBoperavacomareunioe organizao dos documentos que interessavam para esta tarefa, abrindo espaoparaconstituiodocampodaHistrianoBrasil,assimcomo aconteciaemuniversidadesnaEuropa.Algunsmarcoshistoriogrficos produzidosnessecontextoforamseguidospelosprofessorese formuladoresdosprogramasdehistriacomodisciplinaescolar, permanecendoathojecomorefernciaparacurrculosdeHistriado Brasil.Umdessesmarcosfoielaboradopelovencedordoconcursode monografias promovido pelo IHGB Karl Friedrich Philip von Martius que, notextoComosedeveescreverahistriadoBrasil(1844),procurou reunirelementosfundamentaisparaacompreensodasociedade brasileira.Aotentardemonstraracontribuiodastrsraasparao desenvolvimento da nao brasileira, Von Martius chamou a ateno para a importncia de se conhecer as contribuies especficas do portugus, do ndio e do africano e os elementosde suas culturas na formao do Brasil. A hierarquizao de alguns fatos, a produo da Histria de forma linear, ritmada por grandes episdios e heris teve grande repercusso, servindodeorientaoparaprofessoresdoPedroIIeintelectuaisdo IHGB. PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA53 O incio do sculo XX foi marcado pela crtica ao modelo europeu de civilizao. Sobretudo aps a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a funo cvica da Histria foi questionada, atravs da percepo de que, alm de contribuir para a unidade da nao, o projeto civilizador tambm serviaguerraedestruio.Soma-seaisso,osurgimentodenovos projetos de identidade nacional, formulados por grupos nacionalistas, com novasdireesparaainserodoBrasilnamodernidade.Odiscurso antilusitanoeabrasileiramentodarepblicaconstituamotom dominante da crtica. (Gontijo, 2003. p.59) AcrenanoensinodeHistriacivilizadortambmfoiameaada pelas novas produes do grupo dos Annales, que passou a questionar a produo da Histria muito centrada no acontecimento e no poltico, com atenomuitocentradanosgrandeshomensefatos.EssaHistria resultavanumensinoetnocntricoeestritamentenacional.Paraestes estudiosos,interessaahistriadetodososhomens,enoapenasos grandes homens que impulsionam a histria macro-poltica, diplomtica e militar.Fustel de Coulanges tinha mencionado que a nica habilidade do historiador seria a de tirar dos documentos tudo o que eles contm e em no lhes acrescentar nada do que eles no contm. O melhor historiador aquelequesemantmomaisprximopossveldostextos. (Coulanges, 1888 apud Le Goff, 1984). Segundo esta viso, enraizada no esprito da escola erudita alem e no contexto mais amplo do positivismo, o documento o fundamento do fato histrico e parece apresentar-se por simesmocomoprovahistrica(idem,p.95).Apartirdafundaoda revistaAnnalesem1929,comeaumaampliaodanoode documento, introduzindo a idia de que a histria tambm pode ser feita na ausncia de documentos escritos.OmovimentodaEscolaNova,nosanos20e30,formulouuma crticanfasenopassadolongnquocomoformadeseestudara Histria.OensinodeHistriadeveriaseocuparmaisdassociedades contemporneas,emenosdahistriapoltica,poissuarelaocomo militarismoenacionalismoimpunhaaoseuestudoumametodologiade memorizao excessiva. Estas observaes tm relao com a crtica s PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA54 concepesdeeducaotradicionais,queprivilegiamaaodos agentesexternossobreaformaodoaluno,emqueofocoestariana aodoprofessornatransmissodoconhecimentoacumulado.As crticas da Escola Nova foram formuladas nos processos de urbanizao eindustrializaointensasdasociedadebrasileira.Apresso internacional,apsofimdaPrimeiraGuerraMundial,direcionavaa educao para a promoo da paz e da democracia. O pensamento de J ohn Dewey baseou a corrente terica do escolanovismo e representou o quesechamou,poca,derevoluocopernicanadaeducao, focalizandooalunonoprocessodeaprendizagem.Emoutraspalavras, em contraposio ao tradicionalismo na educao, cujos pressupostos de formaoerambaseadosnaproduodaobedincia,segundouma ordem esttica de mundo, surge a Escola Nova que se colocava a tarefa de reorganizar a escola atendendo s transformaes dos novos tempos: a industrializao, o progresso e a crise da autoridade dos mestres.Astentativasdeimplantaodeumapedagogiarenovadase chocaram,contudo,comosentravesautoritriosdoprojetonacionalista doEstadoNovo,quesilencioumuitosdebatesarespeitodaeducao. Aps a dcada de 1930, com o acelerado processo de industrializao, o ensinodeHistriapassouafocalizaroscicloseconmicos,dopau-brasil industrializao, numa linha evolutiva e justificadora da produo da nacionalidade na direo dos revolucionrios de 30. Osdebatesemtornodosprojetosdedesenvolvimentoparao Brasilvoltamaseintensificarentreosanos50e60noBrasil.Freitas (1999)consideraosanos50fundamentaisparaaanlisedaeducao brasileira,observandonoperodoumrepertrioconsiderveldeidias, propostaseinstituiesquetomaramaeducaocomocrucialao desenvolvimentodopas.Osdebatesestavammarcadospelocontexto de Guerra Fria, pelas alternativas de desenvolvimento para os pases do TerceiroMundoepelosmovimentosdeengajamento.Freitasidentifica umconjuntodequestesrelacionadasredefiniodanacionalidade brasileira.Ostemasregionais,duramentereprimidosduranteoEstado Novo,adquiremdestaquenasanlisesdasrelaesentresociedadee educao.Aspressespelaampliaodaredeescolarseintensificam, PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA55 nobojodoaquecimentododebateeducacional,daspropostasde desenvolvimentoemconfrontoedemovimentossociaisdiversos,como osCentrosPopularesdeCultura(CPC),oMovimentodeEducaode Base (MEB) e o Movimento de Alfabetizao de Adultos. OperodoapsaSegundaGuerraMundialfoimarcadopela expanso da escola secundria. O fim da guerra foi percebido nos pases ocidentaiscomoumavitriadademocracia,intensificando-seodebate sobreasformasdesuaplenaimplantao.Lavilleacrescentaqueo ensino de Histria no deixou de ganhar com isso, pois em vez da idia de cidado sdito, passa-se idia de cidado participante e o ensino de Histria poderia contribuir para a formao da cidadania democrtica emsubstituiodesuafunoanteriordeinstruonacional(Laville, 1999). Elza Nadai, refereciada por Magalhes, observa, nos anos 60, uma crescentepreocupaocomosmtodoseaexperimentaonoensino dehistria,processodealargamentointerrompidopeladitaduramilitar, quefezaHistriadesaparecer,comodisciplinaautnoma,docurrculo do ensino fundamental. a poca da disciplina Estudos Sociais e de um controle mais rgido do ensino por parte do Estado, interessado em utilizar ahistriacomoinstrumentodeformaodeumespritocvico.(Nadai apud Magalhes, 2003, p.170) Duranteoperodomilitar,marcadopelacensuraepelaausncia deliberdadesdemocrticas,destacam-seaspresseseconmicase poltico-ideolgicassobaHistriaensinada.MirandaeLucaafirmaram queoslivrosdidticosforambastanteafetadosnessecontexto, constatando na maioria das obras didticas uma perspectiva de civismo e produodedeterminadacondutadosindivduosnaesferacoletiva.As autorasfazemrefernciaaestudosqueevidenciaramqueaproduo didticadesseperodoteveumcartermanipulador,falsificadore desmobilizador,comforteintentodeformarumageraoacrtica.Ao mesmo tempo, amplia-se consideravelmente a populao escolar, em um processodemassificaodoensinoqueinauguroudesafiosaindano solucionados at os dias atuais. Um grande problema que ainda persiste a garantia da conjuno entre a ampla oferta e a qualidade da educao pblica, numa direo democrtica e pluralista.PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA56 As transformaes por que passou o ensino de Histria nos anos setentaserobjetodemaioratenodenossaparte,jqueesta pesquisabuscacontextualizarasfalasdeprofessoresdesseperodoe dos tempos atuais sobre seus processos de iniciao profissional. 4.2.ADoutrinadeSeguranaNacionaleaorganizaodareade Estudos Sociais Aps o golpe de 64, o ensino de Histria tornou-se mais um alvo do poderpolticodominante,queprocurouadequ-loaosobjetivosda poltica desenvolvimentista. O suporte ideolgico necessrio afirmao do poder dos militares foi encontrado na Doutrina da Segurana Nacional, ministradapelaEscolaSuperiordeGuerracriadaem1949,com colaborao norte-americana e francesa, com objetivo de treinar pessoal dealtonvelparaexercerfunesdeplanejamentodasegurana nacional.6Aomesmotempo,noplanoeconmico,tentava-sea legitimao pela eficcia, no dizer de Roberto Campos, para contornar o cenrioconturbadopeloalcancedasmaisaltastaxasdecrescimento econmico,atravsdalimitaodosgastospblicosedocontroleda inflao. (Campos, 1976 in: Prado & Earp, 2003, p.220)Noplanoeducacional,oEstadoinstitui,apartirdareformade 1971, os Estudos Sociais, mesclando Histria e Geografia s disciplinas Moral e Cvica e Organizao Social e Poltica Brasileira.Os contedos e os objetivos das disciplinas Histria e Geografia foram direcionados para um modelo propagandstico e cvico de educao, em consonncia com a poltica repressiva do Estado ditatorial. 4.2.1. A Doutrina de Segurana Nacional AsForasArmadas,duranteoperododaditaduramilitar, conquistaram um alto grau de autonomia na funo de neutralizao das pressessociais,seguindoosprincpiosdaDoutrinadeSegurana 6OesforodaEscolaSuperiordeGuerrafoitograndenessesentidoquecercade28%dos cargoscivisdaadministraopblicaforampreenchidospormilitaresem1979.(Ges,1979, citado em Borges, 2003, p.20) PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA57 Nacional.ADoutrinatrabalhacomquatroconceitos:a)osobjetivos nacionais,b)opodernacional,c)aestratgianacional(mtodospara alcanarosobjetivosdopodernacional)ed)asegurananacional (possibilidadequeoEstadodNaodeimporseusobjetivos, eliminando projetos divergentes).A Doutrina de Segurana Nacional foi fundamentada nos Estados Unidos, nos gabinetes do National War College, em Washington, poca daGuerraFriaeofereceasbasesparaumEstadoforte.Sobrea Doutrina,Comblin(1978)dizqueumaextraordinriasimplificaodo homemedosproblemashumanos.Emsuaconcepo,aguerraea estratgia tornam-se nica realidade e a resposta a tudo. (Comblin, 1978 inBorges,2003,p.24).Atravsdaligaoentreseguranainternae segurana externa, cria-se a imagem da infiltrao do inimigo dentro da sociedade,agindoarticuladamenteparaatomadadepoder.Oinimigo, segundoestaviso,seriaaquelequesepronunciacontraoregimee apresentaargumentoseconcepespolticasestranhas,importadase ameaadorasdaordeminterna.Nessesentido,nocontextodeGuerra Fria,aformulaodosprincpiosdaDoutrinadeSeguranaNacional podetraduzirasituaodeguerraconstanteentrecomunismoe anticomunismo. Sobre o conceito de guerra total, Borges coloca: Primeiramente, ela (a guerra) faz um apelo a todas as formas de participao excluindo, terminantemente, a neutralidade. Em segundo lugar, a guerra total, nosentidodequeoantagonismodominanteseencontra,igualmente,nas fronteiras nacionais. Portanto, a agresso pode vir tanto do exterior (comunismo internacional)quantodointerior(inimigointerno).Ficaclaro,pois,quea infiltrao generalizada do comunismo consolida e justifica a represso interior, por meio dos rgos de informao dos pases atingidos. (pp.24-25) A Escola Superior de Guerra foi a responsvel pela introduo da Doutrina de Segurana Nacional no Brasil. A Escola programava cursos sobre o tema, dirigidos no s a militares, mas tambm a setores civis da sociedade,taiscomoempresrios,profissionaisliberais,professores universitrios, magistrados, sindicalistas e dirigentes de rgos pblicos. Oscursostinhamoobjetivodeestudarosproblemasbrasileirosea possvelsoluoparaessesproblemaseraaadoodobinmio desenvolvimento-segurana como direo poltica. (Borges, 2003).PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA58 OServioNacionaldeInformaes(SNI),aliceradonocampo tericodaDoutrinadeSeguranaNacional,condensouasforas repressivas do Estado, atravs de aes de censura e terrorismo estatal. Borges afirmou que a Doutrina imps uma mudana na profisso militar, a exemplodaprpriatensodecorrentedaimplantaodoSNI, provocando uma ciso entre setores militares ligados comunidade de informaeseosquenoconcordavamcomosexcessosdoregime. Mas o novo profissionalismo teve seus adeptos e foi praticado no Brasil de maneira a exigir deles a formao de personalidades autoritrias e de tendncias a aceitar a ideologia antidemocrtica. Foi traada uma extensa rede de espionagem.Fico(2003)afirmaqueosprimeirospassosparatal empreendimentoforamdadospelogeneralJ aymePortellaao providenciar a aprovao do Conceito Estratgico Nacional, documento que condensava os objetivos da direo poltica. Baseado nesse conceito, foi aprovado o Plano Nacional de Informaes em 1970 que definia as missesaseremcumpridaspelosrgosquepassaramaintegraro SistemaNacionaldeInformaes(Sisni).ComosetordoSisni,oSNI (Servio Nacional de Informao)produzia as informaes, por meio de operaesdesegurana,ouseja,priseseinterrogatriosemque, muitas vezes, se utilizava a prtica de tortura. Fico tambm lembra que o SNI chegou a ter 2.500 funcionrios, alm de colaboradores espontneos ouremunerados.Aintenoeraconfigurardefatoumaamplaredede espionagem. Cerca de 120 pessoas passavam pela Escola a cada ano, dosquaisaproximadamente90eramfuncionriospblicoscivis selecionados pelo governo. AguerrapsicolgicaestratgiarecorrentenaDoutrinade Segurana Nacional.Borges resume bem essa idia: Trata-se de aniquilar moralmente o inimigo e de separ-lo dos demais cidados e, de outra parte, de assegurar a no-oposio ativa contra o projeto poltico da Doutrina. As tcnicas psicossociais e os meios de comunicao adquirem uma grande importncia na manifestao das massas. Com base numa tipologia que distingueosinimigos,osindecisoseosneutrosdosengajados,oesforoda DoutrinadeSeguranaNacionalvisaadesmoralizaroinimigo,aproduzir deseres, a criar o silncio, a fazer cooperar (delatar) e fazer aderir s polticas do Estado. O terror utilizado diretamente a fim de intimidar o inimigo (interno) e PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA59 dissuadirosindecisos.Ousosistemticodosrgosdeseguranae informaes, atravs da tortura, do assassinato, do desaparecimento de pessoas e de prises arbitrrias, forma de guerra psicolgica colocada em prtica pelo Estado de Segurana Nacional. (Borges, 2003, pp. 28-29) Diantedessacondio,osprofessoresentrevistadostomaram posiesdiferenciadas,comconseqnciasigualmentedistintaspara cada um. Entre os professores de Histria da dcada de 70 entrevistados, dentrodeumuniversode11,doisdelestiveramatitudesde enfrentamentoaberto.Vicente,antesdecursarHistria,jtinhasido expulso da Faculdade de Direito em 1968 em outra universidade, ao lado deoutros19estudantesmembrosdeorganizaespartidrias esquerdistascomooPCBRePOLOP.Relatou,ainda,quehaviasido detido em uma passeata em 1966. Marta foi detida por um dia em 1968 durante uma passeata e presa mais duas vezes, uma em 1973, em que foivtimadetorturaeoutraem1975,cumprindopenaporterrorismoe incitaolutaarmada.MartarelataqueosprofessoresdeHistria, apesar de toda a represso, faziam o trabalho em que acreditavam: bom dizer o seguinte: na poca da ditadura, apesar de toda a represso, os professoresdeHistriasemprederamaaulaquequiseram.Desdeopr-vestibular,aspessoasdiziamoquequeriamporqueeuachoqueexistiauma posturadepeitarmesmo.Aposturaeradeenfrentamentoesepagavaum preo naturalmente. (Marta, 1970) Em depoimento pesquisadora Selva Fonseca, o professor Aquino relatacomosepagavaessepreo.Mesmoqueessedepoimentono tenha sido dirigido para esta pesquisa, consideramos importante destac-lo pela sua densidade e esclarecimento. Durante a ditadura, a cada dia, eu tomava conscincia de que o capitalismo era nefasto e a sada tinha que ser o socialismo. E fui tomando conscincia de que no se chega ao socialismo por via pacfica, mas atravs de uma revoluo. Eu mantinhacontatocomex-alunosqueeramdeorganizaespolticas clandestinas. Minha primeira mulher teve de fazer uma operao para no ser presa, porque a famlia dela toda sofreu. Eu vivia nesse meio, comeando a dar aulaenoconcordandocomaditadura,sentindo-mecadavezmais profundamenterevoltadoecomumaconscinciacrticamaior,porque estudando, lendo, conversando e no aceitando mesmo. Ento entrei para uma organizao, mas sempre fui um cara de muita sorte, acho que alguma coisa me protege. Escapei de ser preso vrias vezes. Meus amigos foram todos presos e PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA60 eu acabei sendo, mas demorou muito. Eles foram me procurar no trabalho, se no me engano, foi no dia 6 de maio, ou por a, em 1973. Fui levado para o DOI-Codi. Perdi a noo de dia quando estava no DOI-Codi. A me levaram para um quartel l na Avenida Brasil! Fiquei um ms preso e o processo s foi julgado em 1977, quatro anos depois. (...) Um ms depois de eu ter sido solto, o J acques foi morto. Ele morreu na Secretaria da Escola Veiga de Almeida. Ele foi preso muito antes de mim, foi brutalmente torturado com choques eltricos (ele era professor dehistria).Quandosaiudapriso,estavatodoqueimadodoschoquesnas costas.Estavaurinandosangue!(...)Aprisoinfluiudevriasmaneirasna minha vida pessoal e profissional, porque um negcio terrvel, tem coisas que hoje eu falo, mas que durante muito tempo no falava. (apud Fonseca, 1997) Importanteperceberaaodareferidaguerrapsicolgicanos acontecimentosdescritosacimaqueestoretratandoaspossveis conseqnciasaalgumquedesafiasseoregimemilitar.Oterrorismo estataleasoperaesdeseguranavisandopuniodosinimigos procuravamferirmoralmente(efisicamente)aoposio,tentandocriar, senoaadesoaosprincpiosgovernamentais,aomenosumano-oposio. Com essas aes repressivas, o Estado ditatorial buscava criar osilncioeacooperaodossegmentossociaisaoprojetode desenvolvimentoedesegurananacional.Algunsprofessores entrevistados relataram o silenciamento e o medo generalizado: Na faculdade, naquela poca, era um clima de bastante insegurana. Voc no confiava muito em ningum. Voc sabia que a cada ano que entrava, naquela turma tinha algum que estava ali para tomar conta das pessoas. Quer dizer, a gente sabia, na faculdade a gente desconfiava de um, desconfiava de outro, mas a gente no tinha confirmao. Eu estudava no ICHF, onde era a faculdade de comunicao, na Lara Vilela. A Polcia Federal era na Andrade Neves. Ento, s vezes,agentepassavanaAndradeNeveseviapessoasdafaculdadealina Polcia Federal, e tal, tomando cafezinho na varanda, era uma casa. Ento, quer dizer,issoeramuitoruim.Voctem atodo um cuidadoentreosprofessores, porque no eram s os alunos que eram perseguidos. No caso a UFF no era nem tanto, porque a gente estudava, estudei Marx, estudei uma srie de outros autores que em outras faculdades a gente sabia que no podia nem pensar em ler. (Prof. Rose, 1970) Quando eu retornei faculdade, eu te falei, em 1968, foi aquele momento difcil dapolticabrasileira.Eutinhaalgunscolegas,maseunoeraativa,no participava de encontros de colegas, porque, primeiro eles eram mais jovens do que eu. Segundo, que eu tinha trs filhas pequenas, percebe? Ento, de vez em quandoelesestavammeconvidandoparareunio.Eutinhaumcolega, chamava-se J acques. Ele era muito participante, militava muito na poltica, ele foi atautordeumlivrodeHistria.Numaocasio,agentetavafazendouma prova, a gente tinha as aulas l na reitoria, eu percebi que o J acques, de vez em quando, dizia Professora... e saa. E voltava e continuava a fazer a prova. Tudo bem, ns acabamos de fazer a prova e quando chegamos ao ptio da faculdade, estavamfalandoqueeletinhasidopreso.Ento,levaramoJ acques,elefoi torturado,maltrataramoJ acques,sabe?Emaistardeelefoimorto.Foi encontradomortonoapartamentodele.Ento,eunoparticipeideencontros, PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA61 noparticipeidemovimentos,porqueeutinhaumaoutravidatambm, entendeu? Compromisso familiar? ,problemadefamliaetambmumadiferenadeidade.Comtrsfilhas pequenininhas, tudo ficava mais difcil para mim. (Prof. Tereza, 1970) Fui fazer meu curso de histria na UFRJ .Qual foi o perodo que voc cursou histria? Foi de 75 a 79. Naquela poca, o diretor da faculdade era o testa-de-ferro dos militares, dedurava aluno, enfim, era o maior terror. As pessoas temiam muito o cara. Ele era diretor do departamento de Histria e um tremendo dedo-duro. Eu lembro que na poca da Rdio Nacional, ele ajudou a invadir a Rdio Nacional e prendeuartistas,locutores,eraligadorepresso.(...)Nessapocaerao momentoemquehaviaumamovimentaoestudantil.Eu,aprincpio,no participavaporquequandoeufuiparaaUFRJ ,euaindaeradaAeronutica. No!EuestavasaindodaAeronuticaeeunoparticipavaparanodara impressodeeueraumespio,umapessoainfiltrada.Lfoisempreuma contestaomuitogrande,agarotadarealmente...Osprofessorestambm participavam,discutiam,eraumnveldemovimentoestudantilmuitoforteali dentro. Eu tinha aula no Centro, ali no Largo de So Francisco e tambm l no campus da Urca. Enfim, a minha militncia dentro da universidade no foi muito grande. Por qu? Porque a represso era intensa, volta e meia a gente sabia de aluno que tinha sido preso, torturado, n? Ento eu realmente temia um pouco umaparticipaopolticamaisefetiva.Aminhaparticipaomaisefetivafoi depois da formao, no movimento de professores, mas na universidade no foi efetiva, t. (Prof. Gilberto, 1970) Aexperinciadessesprofessoresatestaaexistnciadeum sistema repressivo que visava combater a subverso e reprimir de forma preventiva qualquer tentativa de perturbao da ordem estabelecida. Uma dastcnicasutilizadaseraaprticadainfiltraoqueconsistiaem suspeitardetodos,coletarearquivardadosobtidos,entregando-os polcia.SegundoMagalhes(1997),oinformanteeomedoeram fabricadosatravsdapropagandapoltica,doempregodoterroreda sacralizao de imagens patriticas. Os governos autoritrios transmitiram uma srie de mensagens populao que visavam, seno sua adeso, pelomenossuatolernciaoutemor.Oscolaboradorescivisdo ServioNacionaldeInformaoseconstituramformandouma comunidadedeinformaes.Noseuartigo,Magalhesutilizouum documento distribudo na forma de panfleto na dcada de 1970 que dizia: Declogo da Segurana1 - Os terroristas jogam com o mdo e o pnico. Somente um povo prevenido e valente pode combat-los. Ao ver um assalto ou algum em atitude suspeita, no fique indiferente, no finja que no viu, no seja conivente, avisa logo a polcia. As autoridades lhe do todas as garantias, inclusive do anonimato.PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA62 2 - Antes de formar uma opinio, verifique vrias vezes se ela realmente sua, ouseja,senopassadeinflunciadeamigosqueoenvolveram.Noestar sendo voc um inocente til numa guerra que visa destruir voc, sua famlia e tudo o que voc mais ama nesta vida?3 - Aprenda a ler jornais, ouvir rdio e assistir TV com certa malcia. Aprenda a captar mensagens indiretas e intenes ocultas em tudo o que voc v e ouve. Novaisedivertirmuitocomojogodaquelesquepensamquesomais inteligentes do que voc e esto tentando fazer voc de bobo com um simples jogo de palavras.4 - Se voc fr convidado ou sondado ou conversado sobre assuntos que lhes pareamestranhosoususpeitos,finjaqueconcordaecultiverelaescoma pessoaqueassimosondoueaviseapolciaouoquartelmaisprximo.As autoridades lhe do todas as garantias, inclusive do anonimato.5-Aprendaaobservareguardardememriaalgunsdetalhesdaspessoas, viaturaseobjetos,narua,nosbares,noscinemas,teatroseauditrios,nos nibus,nosedifcioscomerciaiseresidenciais,nasfeiras,nosarmazns,nas lojas,noscabeleireiros,nosbancos,nosescritrios,nasestaesferrovirias, nostrens,nosaeroportos,nasestradas,noslugaresdemaiormovimentoou aglomerao de gente.6 - No receba estranhos em sua casa, mesmo que sejam da polcia - sem antes pedir-lhes a identidade e observ-los at guardar de memria alguns detalhes: nmerodaidentidade,repartioqueexpediu,roupa,aspectopessoal,sinais especiais, etc . O documento tambm pode ser falso.7-Nuncapareseucarrosolicitadoporestranhos,nemlhesdcarona.Ande sempre com as portas de seu carro trancadas por dentro. Quando deixar o seu carroemalgumestacionamentooupostodeservio,procureguardaralguns detalhes das pessoas que o cercam.8-Hmuitaslinhastelefnicascruzadas.Semprequeencontrarumadelas, mantenha-se na escuta e informe logo a polcia ou o quartel mais prximo. As autoridades lhe do todas as garantias, inclusive do anonimato.9-Quandoumnovomoradorsemudarparaoseuedifcioouparaoseu quarteiro, avise logo a polcia ou o quartel mais prximo. As autoridades lhe do todas as garantias, inclusive do anonimato.10 - A nossa desunio ser a maior fra de nosso inimigo. Se soubermos nos mantercompreensivos,cordiais,informados,confianteseunidos,ningum nos vencer. (apud Magalhes, 1997) Oapelocolaboraocomoregimeditatorialestavadado.Mas outra faceta desse apelo ainda afetou o trabalho com ensino de Histria: trata-se da organizao da rea de Estudos Sociais no ano de 1971. PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA63 4.2.2.AorganizaodareadosEstudosSociaiseaReformade 1971 Em1969,opresidenteMdici,atravsdodecreton.65.814/69, edita uma Conveno sobre ensino de Histria: Art. 1 Efetuar a reviso dos textos adotados para o ensino em seus respectivos pases, afimdedepur-losdetudoquantopossaexcitar,nonimodesprevenidoda juventude, a verso a qualquer povo americano. (...) Art. 3 FomenteemcadaumadasRepblicasAmericanasoensinodehistriadas demais; Procurequeosprogramasdeensinoeostextosdehistrianocontenham apreciaeshostisparaoutrosPasesouerrosquetenhamsidoevidenciados pela crtica; Nojulguemcomdio,ouseadulteremosfeitosnanarraodeguerrasou batalhascujoresultadohajasidoadverso,edestaquetudoquantopossa contribuir construtivamente inteligncia e cooperao dos pases americanos. NolivroCaminhosdaHistriaEnsinada,SelvaFonsecatrabalha comessedocumento,firmadonosEUAereeditadoem1969noBrasil. Semintenodeprolongaraanlisedodocumento,necessrio destacar que a reviso do ensino de Histria se tornava imperativo para o encaminhamento da direo pretendida pelos governos militares, ou seja, os textos historiogrficos deveriam passar por uma reviso para que no excitasseonimodesprevenidodajuventude,permitindoa neutralizao da crtica ao projeto governamental.Em 1971, foi promulgada a lei 5692, que dispunha sobre a reforma doensinode1e2graus.Areformaestavaincludanoconjuntode medidasdoprojetopolticoimplementadopelosgovernosmilitaresque visavamelaborarumcaminhodedesenvolvimentoeconmicoedar suporte a um novo discurso ideolgico utilizando como uma das chaves principais a educao. Assim, no mbito da educao, as transformaes sedirecionavamparaaampliaodaofertadaredeescolareparaos seusprpriosobjetivosefinalidades,adequandoseussentidosao projeto poltico-econmico pretendido. O paradoxo que se observa que, ao mesmo tempo em se procura responder s exigncias quantitativas da PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA64 demandasocialdaeducao,haviaapolticadecontenodegastos sociais, em funo da poltica econmica7. O objetivo geral da Reforma dizia que O ensino de 1 e 2 graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formaonecessriaaodesenvolvimentodesuaspotencialidadescomo elementodeauto-realizao,qualificaoparaotrabalhoepreparoparao exerccio consciente da cidadania (Lei n.5692/71, Art 1) Alm do objetivo de qualificar para o trabalho, a Reforma pretendia promover uma unificao do currculo, legislando sobre a parte comum e a parte diversificada do currculo. O ncleo comum abrangia dois grupos obrigatrios de matrias. O primeiro, Comunicao e Expresso, Estudos Sociais e Cincias e o segundo grupo era formado por Educao Fsica, EducaoArtstica,EducaoMoraleCvica,ProgramasdeSadee Ensino Religioso, este ltimo obrigatrio para os estabelecimentos oficiais e facultativo aos alunos.Para este trabalho, interessa verificar o que ocorre com a disciplina Histria nesse contexto, portanto, vejamos como se organizou a rea de EstudosSociaisnadcadade70.Apublicaooficialsugeria,como programaoparaareadosEstudosSociais,osestudosdeHistria, Geografia,OrganizaoSocialePolticadoBrasil,Sociologia, Antropologia,Poltica,Economia. Dentro da rea, ainda foram institudos o Ensino Religioso e a Educao Moral e Cvica. Podemos observar que seoperaumadescaracterizaodoscontedosespecficosdas disciplinasdasreashumanas,aoenglob-lassobadenominaode Estudos Sociais. A Resoluo n.8/71 do Conselho Federal de Educao diziaqueoensinodeEstudosSociaisdeveriavisaraoajustamento crescentedoeducandoaomeiocadavezmaisamploecomplexo,em quedevenoapenasviver,masconviver,dando-senfaseao conhecimentodoBrasilnaperspectivaatualdoseudesenvolvimento. (grifos meus) 7 Em 1967, o Estado passa a diminuir os investimentos em educao. A participao do Ministrio da Educao e Cultura no oramento passa de 10,6% em 1965 para 4,3% em 1975 e manteve o patamar mdio de 5,5% at 83. No final de 1983, o congresso aprovou uma emenda constitucional do senador J oo Calmon em que o Estado fica obrigado a investir nunca menos de 12% da receita em educao, e os Estados e Municpios, o mnimo de 25% PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA65 AinclusodadisciplinaMoraleCvicatambmalgoaser destacado,peloseupotencialdeagregaodevaloresemodelosde comportamento cvicos, a ser verificado no prprio texto da lei, que pelo Decreton.68.065de1971,dispesobreasfinalidadesdaEducao Moral e Cvica: apreservao,ofortalecimentoeaprojeodosvalores espirituaiseticosdanacionalidade,ofortalecimentodaunidade nacional e do sentimento de solidariedade humana; o culto ptria, aos seus smbolos, tradies, instituies e aos grandes vultos de sua histria; opreparodocidadoparaoexercciodasatividadescvicas comfundamentonamoral,nopatriotismoenaaoconstrutiva visando o bem comum; ocultodaobedinciaLei,dafidelidadeaotrabalhoeda integrao na comunidade. AmoralizaopretendidapelaEducaoMoraleCvicanem sempre se realizou, no faltavam professores que lecionavam aHistria quequeriamnessadisciplina.AEducaoMoraleCvicaeOSPB ofereceram frequentemente instrumental de crtica ao regime autoritrio.8

Prevalecendoomodelotecnicistadeeducao,osprogramas curriculareseramapresentadosdeformaestanque,atravsdequadros sinpticos,contendoobjetivos,contedos,atividadespedaggicase critrios de avaliao. Fonseca (1992) cita alguns princpios determinados para os contedos dos Estudos Sociais, a partir do parecer n. 4833, de 1975: dispor-se ao ajustamento e convivncia cooperativa assumir responsabilidade de cidado mediante deveres bsicos para com a comunidade, o Estado e a Nao 8 Ver: SILVA, J . G. W. A deformao da histria ou para no esquecer. Rio de J aneiro, Zahar, 1985, p.55 PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA66 utilizar princpios e procedimentos bsicos das Cincias Sociais como instrumento de interpretao da realidade localizareinterpretarfatossociaisemumcontextoespao-temporal reformularconceitoscomoinstrumentodetransformaoda conduta Pode-seobservarqueosprincpiosnorteadoresdoscontedos para os Estudos Sociais visavam adequao dos indivduos realidade que se impunha, como cidados cooperativos da ordem instituda. No h aberturaparaalivreinterpretaoeintervenonarealidade.Os procedimentosdasCinciasSociaisserviriaminterpretaoda realidadeelocalizaodefatossociais,masdentrodaperspectivada responsabilidade de cidado perante a Nao, ou seja, colaborando com os objetivos nacionais.NotrabalhodeMello(1992),soapresentadasasBasesparao Ensino de Primeiro Grau, editadas pela Secretaria Municipal de Educao doRiodeJ aneiro,queexemplificamosobjetivospretendidosparao ensino dos Estudos Sociais. As Bases pretendiam estabelecer um roteiro sugestivodeatividadesquedesenvolvessemconceitos,conhecimentos, habilidades e atitudes em concordncia com os objetivos mais gerais para os Estudos Sociais.Mello lembra que os professores eram convocados para serem apresentados s Bases. A tnica no era debater o currculo, tratava-sedeumaexposiodasdiretrizeselinhasdepensamento contidas no documento. Seguindo o trabalho de Mello, transcrevemos as sugestes contidas nas Bases, no que se refere aos Estudos Sociais: Tabela 1 ESTUDOS SOCIAIS PARA A 5 SRIE OBJETIVOS SITUAES DE EXPERINCIA CONHECIMENTOS, HABILIDADES E ATITUDES Identificaredistinguira aodohomemnos diversos setores da vida coletar informaes capazes de demonstrar que as classes sociais apresentam mobilidade nos seus componentes, de acordo com o esforo, a capacidade individual e conseqente abertura de novas perspectivas para os O homem como ser poltico:regrasquegarantema ordem,aseguranaeo progresso;o governo e as leis;o homem e as leis Ohomemcomoser econmico: otrabalhocomoriqueza PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA67 cidados entrevistar pessoas para concluir que todas as profisses exercidas so parcelas que se somam em benefcio da coletividade discutir o trabalho cooperativo para identific-lo como meio capaz de contribuir para o bem estar do grupo humana adivisodotrabalhoea cooperao social funodohomemna produo material Avaliarasreasda regio Sudestequemelhor expressamocrescimento dohomemedaNao Brasileira Discutir, organizar e avaliar, sob orientao do professor, as atividades ligadas ao processo de crescimento brasileiro Asreasdaregioeos setoresresponsveispelo crescimentodaregioedo Brasil. Verificaraimportnciado trnsito para a economia Verificar o valor e a atuao dos servios de segurana Reconhecer,nos elementosdaPMRJ edo CorpodeBombeiros, cooperao,proteo, orientao e auxlio Verificarqueos deslocamentoshumanos exigemsegurana, qualquerquesejaa realidade de trnsito Ler a respeito das riquezas locais e sua distribuio para outros ncleos populacionais/ Ler a respeito de: DETRAN, CIRETRAN, CETRAN Visitar quartis da Polcia Militar e do Corpo de Bombeiros do Rio de J aneiro Conhecer os elementos da PMRJ suas funes e compreender que so agentes da autoridade Coletar informaes sobre as regras de segurana que regem os deslocamentos humanos Distribuiodasriquezas locaismeiosdetransportee vias de escoamento rgosligadosaotrnsito: SecretariadeEstadode Transportes,Secretariade Segurana Pblica Regrasdeseguranaque regemosdeslocamentos humanos OpapeldoCorpode Bombeirosemrelao comunidade regional Referncia: SME. Bases Para o Ensino de 1 Grau (Mello, 1993). Tabela 2 ESTUDOS SOCIAIS PARA A 6 SRIE OBJETIVOS SITUAES DE EXPERINCIA CONHECIMENTO, HABILIDADES, ATITUDES LocalizaroBrasilem relaoAmricadoSul, identificandoseus contrastes Observare confeccionarmeios cartogrficosaplicadosao Brasil Observar em meios cartogrficos as posies geogrficas do Brasil em relao Amrica Pesquisar para concluir que o Brasil um pas de contrastes e que, apesar disso, mantm os elementos bsicos de sua nacionalidade O Brasil na Amrica do Sul Posio Localizao Dimenso Contrastes Brasileiros: as bases fsicas e humanas Comparareavaliaros fatoresquefacilitame dificultamaintegrao nacional Organizarmeios cartogrficospara entendimentosdas diversidades brasileiras Diversidade do quadro natural O meio rural e a urbanizao Meios de comunicao e PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA68 transporte Enumerarejustificara ao do governo como da integrao Enumerarasprincipais medidasresponsveispela integrao social Discutir, organizar e avaliar, sob orientao do professor, as atividades que melhor expressem as medidas que visam a integrao nacional Investidasparaa Industrializao Metas e programas como fator de integrao Caminhosresponsveis pela integrao nacional Verificarqueotrnsito umfatordeinfluncianas atividadeseconmicasdos diferentes ncleos Confeccionarmapas localizandoasrodovias, ferroviasesistemas hidrovirioseaerovirios nacionais Trnsito rodovirio e ferrovirio, hidrovirio e aerovirio, importncia para o crescimento econmico Referncia: SME. Bases Para o Ensino de 1 Grau (Mello, 1993). Tabela 3 ESTUDOS SOCIAIS PARA 7. SRIE OBJETIVOS SITUAES DE EXPERINCIA CONHECIMENTO, HABILIDADES, ATITUDES LocalizarasAmricasem relaoaomundo, identificandotipologias coloniais Observare confeccionarmeios cartogrficosaplicadoss Amricas Observar a desigualdade de ocupao e distribuio dos colonizadores Elaborarquadros sinpticoscomparandoos diversostiposde colonizao americana Posio geogrfica das Amricas suas relaes com o mundo Distribuio dos contingenteshumanos Traos culturais e os diferentes processos de colonizao Enumerareavaliara cooperaocontinental atravsdeplanose projetos tcnicos Entender o significado de metas e programasOrganizar e avaliar, sob orientao do professor, as diversas perspectivas que caracterizam desafio e desenvolvimento AsAmricaseodesafio desenvolvimentista Comprovarqueotrnsito fatordecivilizaoede progresso das cidades Relacionar atitudes prprias dos motoristas e dos pedestres concluindo sobre a verdadeira natureza do trnsito Trnsito como reflexo da educao de um povo Referncia: SME. Bases Para o Ensino de 1 Grau (Mello, 1993). Tabela 4 ESTUDOS SOCIAIS PARA 8 SRIE OBJETIVOS SITUAES DE EXPERINCIA CONHECIMENTO, HABILIDADES E ATITUDES Identificaraexistnciade umalinhahistricado tempoondeohomem atingiudiferentesestgios de evoluo Localizar as etapas da vida dohomemcontidasna divisoconvencionalda Conhecer e discutir textos de cunho sociolgico Organizaresquemas quepermitamverificaro campo dos Estudos Sociais Dominarmeios cartogrficosafimde identificaroespaofsico ondeohomem Conceito de cultura, traos e estgios culturais Conceito de Estudos Sociais e o posicionamento do homem na questo A importncia da relao tempo-espao Os fatores que explicam o aparecimento das idades PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA69 Histriadesenvolveusuas atividades Elaborarlinhado tempo,situandoapoca de atuao do homem histricas Enumerarosfatoresque caracterizamatomadade posioparao desenvolvimento Pesquisar e/ou discutir os fatores que aceleram ou entravam o desenvolvimento Propor e organizar situaes para debates da temtica Conhecimento do espao fsico das regies estudadas Asmetasplanejadaspara asadadaestagnao econmica e social Identificarasregras bsicas de segurana Informar-se a respeito dos seguintes aspectos: Excesso de velocidade, ultrapassagem, distncias mnimas de frenagem, circulao em dias de chuva, pneus gastos, cintos de segurana, uso de faris Regras bsicas de segurana no trnsito urbano e nas rodovias Procedimento em caso de acidente Referncia: SME. Bases Para o Ensino de 1 Grau (Mello, 1993). Nosprogramasselecionadoseorganizadosnoquadrosinptico, destacamos objetivos e termos recorrentes, que visavam adequao do indivduoaospropsitosdaSeguranaNacionaledodesenvolvimento econmico.Nacolunadosobjetivos,sobressaemaspalavrasverificar, reconhecer,identificar,enumerar,localizar,trazendoaidiadequeo conhecimentodarealidadeestNArealidade,bastandoobserv-lae extrairdelaasconcluses.Omovimentodecrticanofazpartedesse processo. Em relao s situaes de experincia, o que transparece a organizaodeatividadescomfinalidadespr-definidas,expostasnos termos entrevistar pessoas para concluir que..., conhecer os elementos da PMRJ suas funes e compreender que so agentes da autoridade, coletarinformaescapazesdedemonstrarque...,pesquisarpara concluirque....Omovimentodedescobertaeinovaonofazparte desseprocesso,apesquisaescolarserviriaidentificaode determinado objetivo e no como meio de investigao e construo de conhecimento.Outra questo que salta aos olhos a nfase na Geografia atravs deatividadesdeconfecodemeioscartogrficos.Aquestoda segurana, exemplificada pelas atividades de reconhecimento das regras ergosdesegurana,tambmtratada,maspelaticadotrnsito, PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA70 comoaspectodecooperaosocial.Ossentidosdocrescimento econmicovosendoinculcadospelosestudosdirecionadosparao desenvolvimentismoepelopapeldoBrasilnasAmricas.V-se claramenteoprivilgiodaformaocvicaemqueestoausentesas relaesdepodernasociedade.Aomesmotempo,percebe-seuma determinadalinhapolticadepensamentoquedestacaacooperao social, a integrao nacional e o desenvolvimento econmico. No que se refere Histria, a nfase recai sobre a Histria cronolgica, atravs de atividadesdeelaboraodelinhasdotempoequadrossinpticos. Podemosperceberqueoscontedostrabalhadossoreferentess disciplinasque,notextodaLei,compemareadeEstudosSociais: Histria,Geografia,OrganizaoSocialePolticadoBrasil,Sociologia, Antropologia, Poltica, Economia. Visivelmente relacionada com o iderio da Doutrina de Segurana Nacional,adisciplinaEducaoMoraleCvicapoderiaagircomo complemento do controle do pensamento e do fortalecimento da unidade nacional. A Doutrina de Segurana Nacional trabalhou, ao mesmo tempo, no campo da conjuntura internacional e dentro das fronteiras geopolticas nacionais,daapercebermosumaligaodiretaentreasmudanas empreendidasnoensinodeHistriaeospreceitosdaDoutrinade SeguranaNacional.Ageopolticafoirecebidapelosmilitarese,nas palavrasdogeneralGolberydoCoutoeSilva,umdosprincipais idelogos da ditadura militar brasileira, suas caractersticas so o espao poltico,aposiofsica,aseguranainternaeexternaeasvantagens positivas da terra (...) a geopoltica uma arte que se filia poltica e, em particular,estratgiaoupolticadesegurananacional.Ageopoltica adora sempre um ponto de vista nico e privativo o do espao fsico. (CoutoeSilva,1967inBorges,2003,p.26).AprofessoraRoseconta como viveu esse processo: EuestavanomeiodafaculdadeetinhaquedarauladeEstudosSociais. Sendoqueeutinhaquedarauladegeografia,porqueoslivrosdeEstudos Sociais eram basicamente livros de geografia. Era muito mais geografia do que histria. Histria entrava assim quase que enfeitando o livro. E muitas vezes era muitodeturpado.Eraplenaditadura,ento,issotudofoiumacoisaqueme deixou muito insegura. Na faculdade eu tinha tido dois semestres de geografia, PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA71 ento era nada. (...) No comeo, com a Geografia, por exemplo... eu acho que paraa5sriesoconceitosextremamenteabstratos,podeparecerbesteira, maspontoscardeaissoconceitosabstratos,latitude,longitude...Ento,eu faziadesenhos,copiavadesenhos,tambmnotinhaxrox,eramimegrafo, fazia desenhos e punha l, para eles indicarem as setas, para tentar trazer eles para o ponto geogrfico. (Prof. Rose, 1970) O professor Gilberto tambm narra as condies em que lecionava no perodo: Livros,porexemplo,eulembroperfeitamentedomaterialdidtico,umas histrias em quadrinhos, era um material da IBEP, Instituto Brasileiro de Estudos Pedaggicos,eraumaeditoraquefezumlivrodeHistriaemquadrinhose numa turma dessas em que eu fui trabalhar, eu adotava esse livro. Mas era um achincalho da Histria. Contava os mitos da Histria brasileira, por exemplo, D. Pedro I, Independncia, enaltecia os grandes mitos, no tinha um contedo mais crtico,erampoucososlivrosquetinhamumavisomaisparcialoumais independente. Era uma dificuldade muito grande. (Prof. Gilberto, 1970) Osprofessoresrelatamadeturpaodoscontedoshistricos peloslivroscomquetrabalharamnosanos70.Adiluioda especificidade da Histria e a faltade criticidade dos contedos traziam grandesdificuldadesparaotrabalhodessesprofessores.Apartirda aberturapoltica,sobretudonosanos80,amplia-seodebatesobreo ensinodeHistriacomgrandeparticipaodosprotagonistasdo processo: os professores. 4.3.EnsinodeHistrianocaminhodarenovao:aspropostasdos anos 80 e 90. Adcadade1980marcadaporgrandesdiscussessobrea democratizaodosdireitossociais,entreelesaeducao. Governadores voltam a ser eleitos, depois de anos de impedimento pela ditadura militar. Em relao ao ensino de Histria, destacam-se as novas propostascurricularessurgidasemvriascidades.(MELLO,1992; FONSECA, 1993) Mello(1992)trabalhaointensoprocessodemobilizaodos professoresnasdiscussessobreasnovaspropostasdeensinode Histria. O contexto mais amplo da sociedade nos remete ao movimento dasDiretasJ ,emquegrandepartedosprofessoresseengajana PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA72 construodenovoscaminhosdemocrticosdeprticaspolticase, tambm,deprticaspedaggicas.Oclimafavoreciaaesperanana transformao das estruturas polticas autoritrias, no nvel institucional e emrelaoaotrabalhoemsaladeaula.Opapeldaescolapblicana construo de uma sociedade democrtica ressaltado. As lutas sindicais se intensificam. Torna-se necessrio enfrentar uma realidade escolar em mudana, com um pblico mais heterogneo em funo da ampliao da oferta escolar implementada na dcada de 70, sem investimentos altura naformaodosprofessoresenassuascondiesdetrabalho,oque provocoupaulatinamenteperdadepoderaquisitivoedeprestgio docente.O ncleo da renovao curricular dizia respeito compreenso das realidadeshistricasemmovimentonumaperspectivacrtica, incorporando a experincia do aluno para traz-lo para a cena histrica, ou seja, para faz-lo perceber-se como sujeito da histria. Na tentativa de rompercomumavisoevolucionistadomovimentodassociedades humanas,surgeaidiadesetrabalharcomconceitosgeradoresde debateseexperinciassignificativasparaosalunosparafavorecero desenvolvimentodopensamentohistricoreflexivo.AzevedoeAlmeida (2003)analisamaquestodamudanadeprioridadesdosestudos histricos,dizendoqueoshistoriadores,pormuitotempo,fecharam-se nosparticularismosdaHistriapolticaedosgrandeshomens, supervalorizando as fontes escritas e oficiais. Assim,presosemsistemasculturaisimutveiseinflexveisqueregiame determinavamsuasvidaserelaes,oshomenscomunstinhampouqussima margem de atuao numa histria que, independente deles, desenrolava-se por determinaesestruturaisoupelasdecisesdealgunshomensougrupos sociais considerados mais importantes. Nota-seumaumentodaproduohistoriogrfica,englobando temasdiversos.SelvaFonseca(1993)afirmaquehumnotvel crescimento da ps-graduao em Histria: em 1985 j havia 18 cursos, foramproduzidas761tesesedissertaesentre1973e1985,sendoa maiorparterelativahistriapoltico-institucionale,nocasodapoltica brasileira,houveumaconcentraonoperodoimperial,seguidode PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA73 colnia e repblica. (p.115) As universidades passaram a organizar seus currculosemtornodeeixostemticos:HistriaEconmico-Social, Histria do Poder e das Idias Polticas e Histria Cultural, das Ideologias e Mentalidades, reformulando concepes de Histria vigentes at ento. Asproduesprocuravamsalientarconcepessocialmentecrticasda Histria, especialmente a marxista. A historiografia brasileira repensada, emconsonnciacomodebateinternacional.OdebatesobreHistria crticainvadidopordiscussessobrenovosproblemas,novas abordagens, novos objetos. Outros temas so enfocados: a condio da mulher, do negro, anarquismo, papel da imprensa. (Fonseca, 1993, p.117) Silva (2005) expe a preocupao existente, nesse momento, em debateroEuropocentrismo,criticandoainclusodaHistriadoBrasil como apndice da Histria Geral. Torna-se importante que a Histria do Brasil seja o ncleo central do ensino de Histria nas escolas, pelas suas potencialidadesdeproduodepensamentocrticonosalunos.A reflexosobreoassunto,segundoElosadaSilva,deveserdiscutida sobre dois aspectos. O primeiro refere-se reflexo sobre os contedos tradicionais e os contedos que devem ser introduzidos para atender as expectativas dos setores sociais e do atual pblico escolar. Os critrios de seleodoscontedosestointimamenteligadossconcepesde Histriaquebaseiamoprojetopoltico-pedaggicodecadaescola,no sendo portanto, a organizao dos currculos aleatria e sim baseada nas concepesdehistriasubjacentesprticapedaggica.Osegundo aspecto se relaciona com a dimenso espacial e temporal. O estudo de HistriadoBrasildeveenglobarumaanlisedarelaoentreHistria localeregionaleHistrianacional,semdescartaropapeldocontexto internacional.Destaca-se,ento,opapeldaHistriadoBrasilna formao das futuras geraes, sobretudo porque a escola tornou-se uma instituio que atende a todas as camadas sociais. Magalhes(2003)reneumasriedereportagenssobreos movimentos de renovao do ensino de Histria que podem evidenciar a resistncia s novas propostas por parte de alguns setores da sociedade. Setores da imprensa atacavam a proposta curricular com manchetes em tom acre: Proposta politiza o currculo escolar (Estado de So Paulo, PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA74 27.17.87),Aignorncianopoder(FolhadeSoPaulo,30.07.87),A barbarizao ideolgica do ensino (Estado de So Paulo, 02.08.87), So Paulo: um governo servindo subverso da educao (J ornal da Tarde, 04.08.87).Essasmatriasdesqualificavamaproposta,acusavam-nade nefanda,populista,antipluralistaedebaixonvel.Seusformuladores eramacusadosdeantiintelectuais,idelogosdaesquerdaradical, doutrinadoresepseudo-educadores.(p.172)OeditorialdojornalO Estado de So Paulo de 2 de agosto de 1987 dizia: (...) a Proposta Curricular para o Ensino de Histria (1 grau) (...) [] vazada em moldetipicamentemarxista-leninista,comoobjetivomaisdo queevidente de fazer a cabea das crianas, arregimentando-as em funo de objetivos poltico-ideolgicos declarados, naturalmente em total prejuzo de qualquer aprendizado elementarqueassalvassedoaterradorfantasmadoanalfabetismoeda ignorncia cuidadosamente cultivada. (...) Essa desastrosa reforma curricular (...) foimagistralmenteresumidaemumafraseporumaprofessoralcida:Da Histria tiraram os heris, da Matemtica, a tabuada e, da Lngua Portuguesa, a gramtica.E,emlugardisso,queremencherascabeasdascrianascom dominantesedominados,aopresso,oimperialismo,aconscinciade classe, a misso do proletariado, o feminismo e a construo do socialismo. O adjetivo atribudo pelo jornal proposta curricular foi Escola da Revoluo,produzindoumaimagemdaescolacomoprodutorade lavagemcerebraldosjovens.Magalhestambmapresentaumestudo deCirceBittencourtquedestacaasmudanasnaapresentaodas propostas curriculares formuladas por municpio e estados entre 70 e 90. Nadcadade70,prevaleciamprincpiostecnicistas,ostextos curriculareseramapresentadosdeformaestanque.Asdisciplinas escolares,organizadasemquadrossinpticos,continhamitenscomo objetivos, contedos, atividades pedaggicas e critrios de avaliao. J as propostas de 80 e 90 no possuem modelo de apresentao. Banidos os quadros sinpticos, os textos procuram abranger uma reflexo sobre a disciplina. Nas propostas dos 90, os textos procuram evitar o carter de texto imposto, relatando a participao de setores docentes na discusso das propostas. (Magalhes, 2003) Atualmente, os Estudos Sociais continuam para o primeiro ciclo do fundamental, embora no haja consenso o que define tal rea. De 5 8, aseparaoentrehistriaegeografiaconsolidada.Apartirda5srie, grande parte das propostas utiliza aterminologia marxista de modos de PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA75 produo (asitico, feudal, capitalista e socialista). Ao se referir Histria doBrasil,aspropostascontinuamareparti-laoupeloseixospolticos (Colnia,ImprioeRepblica)oupeloscicloseconmicos(borracha, cana-de-acar,ouro,caf).Aordenaodoscontedosportemas geradores ou eixos temticos forma minoritria. Maisrecentemente,apartirdapublicaodosParmetros Curriculares Nacionais, encontramos elementos novos para a orientao sobrequaiscontedosdaculturabrasileiraedamemriaseriam adequadosparaseremtrabalhadosemsalasdeaula,considerandoa diversidadedepblicoexistentenaescolaeasdiferentesrealidades socioculturaisbrasileiras.AopopelaHistriaTemticaumponto controverso da proposta, salientada por Hebe Mattos (2003): Adimensodiacrnicadaexperinciahumanaestnocernedareflexo histrica. Uma abordagem complexa e plural sobre o tempo histrico no implica esvaziar-lhe a importncia, mas antes em ressalt-la. Qualquer entendimento da histria temtica que implique subestimar a dimenso diacrnica e a importncia do contexto de poca no ensino de histria estar incorrendo em graves erros de abordagem, dos pontos de vista pedaggico e historiogrfico. (pp.130-131) Mattosdizqueoseixostemticosemcadaumadassriesdo terceiroequartociclospodemserlidoscomoquestesnorteadorasno sentido de histria-problema, como formulado por Lucien Febvre. Implica conexoprximaepermanentecomadiscussohistoriogrficanas universidades, mas nem sempre essa comunicao bem sucedida: Asimplificaodealgumasformulaeshistoriogrficascomplexasnoslivros didticos, por exemplo, muitas vezes as transforma em esteretipos esvaziados designificaoacadmicaoupedaggica,comoaconteceu,porexemplo,na dcada de 80, com o conhecido conceito de modo de produo. (Mattos, 2003, p.131) Nos PCNs, os objetivos gerais para o ensino de Histria so Os alunos devero ser capazes de: Conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais, em diversos tempos e espaos, em suas manifestaes culturais, econmicas e polticas; Reconhecermudanasepermannciasnasvivnciashumanaspresentesemsuas realidades e outras comunidades, prximas ou distantes no tempo e no espao; PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA76 Valorizaropatrimniosocioculturalerespeitaradiversidadereconhecendo-acomoum direitodospovoseindivduosecomoelementosdefortalecimentodademocracia (PCNEM, 1999) Percebe-se que so ressaltados aspectos relativos pluralidade e diversidade cultural, questes a serem trabalhadas pelos professores de histriaatualmente.Arelaoentreasproduesacadmicaseos anseiosdosmovimentossociaisestnabasedessatransformao.A HistriaCulturalaparececomosuportetericodaproposta.Azevedoe Almeida afirmam que (...)apesardoscondicionamentosculturais,oshomensorientam-sepor estratgiasmveis,porinteresseseobjetivosquesetransformamcomsuas experincias histricas, permitindo-lhes reformular culturas, valores, memrias e atidentidades.Estasltimaspodemservistascomoplsticas,provisrias, contingenteseplurais,evidenciandoqueapluralidadeeidentidadenoso excludentes.Ainvestigaosobreconstruoereconstruoidentitriastem reveladoumagamadepossibilidades quantos composies eacomodaes dosdiferenteselementosinternosaumgrupooumesmoaumindivduo. Identidadesregionais,religiosas,tnicas,profissionaisou,numnvelmacro, nacionaissurgemcomoconstruesfluidas,dinmicaseflexveis,quese constroematravsdecomplexosprocessosdeapropriaesere-significaes culturais nas experincias entre grupos e indivduos que interagem, da se falar em identidades inter e intracontrastivas. (Azevedo e Almeida, 2003, p.26) PUC-Rio - Certificao Digital N 0410329/CA