A TRAJETÓRIA ARTÍSTICA E A TERAPIA DE CÉZANNE · 1.3 – O Impressionismo e as Lições de...

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES A TRAJETÓRIA ARTÍSTICA E A TERAPIA DE CÉZANNE Autor: Janete Rodrigues de Souza Orientadora: Professora Fabiane Muniz RIO DE JANEIRO Fevereiro / 2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

A TRAJETÓRIA ARTÍSTICA E A TERAPIA DE CÉZANNE

Autor: Janete Rodrigues de Souza

Orientadora: Professora Fabiane Muniz

RIO DE JANEIRO

Fevereiro / 2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

A TRAJETÓRIA ARTÍSTICA E A TERAPIA DE CÉZANNE

Monografia apresentada ao Instituto A Vez do Mestre, da Universidade Cândido Mendes, como parte dos requisitos necessários à conclusão do curso de Arteterapia

Autor:Janete Rodrigues de Souza

Rio de Janeiro

Fevereiro / 2010

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DEDICATÓRIA

Ás minhas filhas, Fabrina e Flávia, e ao meu marido, Pedro, pelo apoio que me deram durante todo esse percurso

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AGRADECIMENTOS

Aos professores da Universidade Cândido Mendes que ministraram suas aulas com dedicação e eficiência Aos meus familiares que sempre me deram apoio Agradecida, sempre me lembrarei de todos com carinho

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RESUMO

O presente trabalho procura apresentar os caminhos que Paul

Cézanne percorreu até se tornar o grande pintor que foi. Procura também mostrar

que a pintura, além de ter sido a razão de sua vida, foi ao mesmo tempo, a terapia

que sempre lhe proporcionou as forças necessárias para que continuasse a lutar

em busca de seus sonhos. Tudo começa em Aix-en-Provence, sua cidade natal,

no interior da França, onde Cézanne dá seus primeiros passos no mundo da

pintura. Em seguida, parte para Paris, a fim de realizar o sonho de se tornar

pintor. Em Paris, muitas coisas acontecem em sua vida: visitas ao Louvre, onde

reproduz obras dos pintores clássicos, as influências que, sucessivamente, sofre

do romantismo de Delacroix, do realismo de Courbet e, finalmente, do movimento

impressionista. Depois, vieram as lições do pintor e mestre Camille Pissarro.

Alicerçado em todas essas experiências, Cézanne evolui, amadurece, e

desenvolve uma maneira única de pintar, baseada em idéias inovadoras e teorias

revolucionárias criadas por ele próprio. Torna-se, então, um grande pintor,

produz uma obra vasta e maravilhosa que, mais tarde, irá influenciar os

movimentos pictóricos que marcaram época na primeira metade do século XX.

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METODOLOGIA

A presente monografia foi elaborada com base em dados levantados por

meio de uma pesquisa bibliográfica feita através do método exploratório. O

material consultado consta da lista apresentada na parte final deste trabalho.

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SUMÁRIO pág INTRODUÇÃO ................................................................................................. 07

1 - A FORMAÇÃO ARTÍSTICA DE CÉZANNE ................................................ 09

1.1 – A Escola Especial de Desenho de Aix ........................................... 10

1.2 – O aprendizado em Paris .................................................................. 11

1.3 – O Impressionismo e as Lições de Pissarro ................................... 16

2 – A CONCEPÇÃO DA PINTURA POR CÉZANNE E SUA OBRA................ 20 2.1 – Como Cézanne via a Pintura .......................................................... 20

2.2 – A Obra de Cézanne ......................................................................... 25

2.2.1 – Fase Escura: 1861 – 1870 ....................................................... 26

2.2.2 – Fase Impressionista: 1870 – 1878 ......................................... 26

2.2.3 – Fase Construtiva: após 1878 ................................................. 28

2.3 – O Legado deixado por Cézanne e sua influência na Pintura

Moderna .......................................................................................................29

2.4 – Considerações Finais sobre o Pintor .............................................32

3 – OS PROBLEMAS DE CÉZANNE E A PINTURA COMO SUA

TERAPIA ......................................................................................................... 33

4 – CONCLUSÃO ............................................................................................. 36

5 – REFERÊNCIAS .......................................................................................... 37

ANEXO ............................................................................................................ 38

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INTRODUÇÃO

A presente monografia foi elaborada com base nos dados levantados por

meio de uma pesquisa bibliográfica feita através do método exploratório, sobre a

trajetória artística do pintor francês Paul Cézanne. Nas entrelinhas, ela mostra também

que a pintura, ao mesmo tempo em que foi o escopo da realização profissional do

artista, serviu também de terapia para que ele pudesse sobreviver aos inúmeros

problemas que teve que enfrentar ao longo de sua existência e pudesse, enfim, triunfar.

Apesar da fama e do sucesso que hoje desfruta no mundo da arte

pictorial, Cézanne ainda é, para muitos, uma figura pouco conhecida.

Mesmo entre aqueles que conhecem e admiram sua obra, com freqüência

se ouvem perguntas como essas a respeito do pintor solitário de Aix: Quais foram os

caminhos que Cézanne percorreu para atingir o patamar onde hoje se encontra no

mundo da arte? Em que escolas estudou? Que influências recebeu? Que técnicas

desenvolveu e empregou para produzir seus quadros? Quais fatores fizeram com que

Cézanne, cuja obra, a principio, foi alvo de risos e zombarias, viesse a ser conhecido

como o “Pai da Pintura Moderna”? Que influências ele exerceu, ou tem exercido, para

merecer esse cognome?

A presente monografia procura responder, na medida do possível, a todas

essas perguntas. Além da Introdução e da Conclusão, ela está dividida em três

capítulos, a saber:

Capítulo 1 – A Formação Artística de Paul Cézanne - Relaciona as instituições de

ensino que Cézanne freqüentou que, por sinal, foram poucas, e as influências que

recebeu dos pintores clássicos, de Delacroix, de Courbet e, sobretudo, do movimento

impressionista através de Camille Pissarro, seu amigo, mestre e mentor. Todavia,

como se verá, Paul Cézanne foi, antes de tudo, um autêntico autodidata que se formou

sem escola e sem mestres.

Capítulo 2 - A Concepção da Pintura por Paul Cézanne e sua Obra - Este capítulo fala

sobre a evolução de Cézanne em sua maneira diferente e revolucionária de pintar, a

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qual completa a obra iniciada por Edouard Manet e os impressionistas, e que rompeu

de vez com os grilhões que aprisionavam a arte pictórica aos ditames rígidos da pintura

clássica. Procura, portanto, mostrar os recursos que foram utilizados e as novas idéias

e teorias que o pintor desenvolveu e que se consolidaram na beleza de suas obras. O

capítulo nos ajuda a entender um pouco mais o que foi que fez com que o cidadão

Cézanne se tornasse o pintor Cézanne que o mundo todo passou a conhecer e a

admirar.

Capítulo 3 – Os Problemas de Cézanne e a Pintura como sua Terapia – Este capítulo

apresenta uma série de considerações sobre os problemas e dificuldades que o pintor

teve que enfrentar e que estão relacionados nos capítulos anteriores. Ao mesmo

tempo, mostra que a pintura foi para ele, não só uma paixão, mas também a terapia

responsável por sua sobrevivência e por seu triunfo.

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1. A Formação Artística de Paul Cézanne

Paul Cézanne nasceu no dia 19 de janeiro de 1839, em Aix-en-Provence,

pequeno povoado ao norte da cidade francesa de Marselha. Seus pais, Louis-Auguste

Cézanne e Anne Elisabeth Honorine Aubert, formavam , juntamente com seus filhos

Paul, Marie e Rose, uma família francesa próspera e tradicional.

O senhor Louis-Auguste que, a princípio, fez uma razoável fortuna como

chapeleiro e, posteriormente, como banqueiro, via seu filho como continuador de seus

negócios. Por esse motivo, queria que Paul se tornasse advogado e fosse trabalhar

com ele no banco.

Para contentar seu pai, homem enérgico, autoritário e dominador, a quem

muito temia, Paul Cézanne passou a freqüentar a Faculdade de Direito de Aix.

Advocacia, no entanto, não era certamente sua vocação. Assim, em todo

o tempo livre de que dispunha, passava a desenhar ou a escrever poemas. Pintura e

literatura. Essas eram as duas áreas que lhe despertavam o interesse, desde os anos

em que estudou no Colégio Bourbon, estabelecimento de tradição humanista em Aix-

en-Provence. Foi, por sinal, nessa instituição de ensino que Cézanne conheceu o

futuro escritor Émile Zola, seu melhor amigo durante 30 anos, e também Jean Baptiste

Baille. Com eles formou o “trio dos inseparáveis”, como eram conhecidos na escola, e

que ia junto a todas as partes e percorria numerosos lugares nos arredores de Aix, que

mais tarde Cézanne haveria de modelar com seus pincéis.

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1.1- A Escola Especial de Desenho de Aix

Com o passar do tempo, a vocação pela pintura tornava-se cada vez mais evidente

na vida de Cézanne. Seu interesse pelo estudo das leis era cada vez menor. Seu pai,

porém, não via as coisas dessa maneira e não admitia que Paul abandonasse a

Faculdade de Direito para seguir pelo caminho das artes.

Sem outra alternativa, então, Cézanne passa a freqüentar a Escola

Especial de Desenho de Aix, onde encontra Achille Ampéraire e outros antigos colegas

do Colégio Bourbon. Por essas alturas, seu grande amigo Émile Zola já havia partido

para a cidade de Paris, a fim de dar continuidade à sua carreira literária, fato esse que

para Cézanne se constituiu em motivo de muita tristeza e dor.

A Escola Especial de Desenho de Aix ficava no interior do Museu Granet,

onde Cézanne se dedicou a aperfeiçoar o desenho de nus e a fazer cópia de quadros,

a maioria deles de pintores de segunda linha, que eram os que se podiam contemplar

nesse museu.

São dessa época as primeiras obras de Cezanne, cujos temas foram

copiados de outros quadros que viu, de revistas de moda pelas quais sua mãe era

aficcionada ou de sua própria inspiração. Cezanne deu a essas obras os seguintes

títulos: Menina com Papagaio, Dois Meninos, O Sonho do Poeta, O Julgamento de

Paris, Chineses Adorando o Sol e O Jogo de Esconde-Esconde.

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1.2 - O Aprendizado em Paris

Depois de muita resistência, e diante da insistência cada vez mais forte

de sua mulher Anne e de sua filha Marie para que deixasse Cézanne seguir a carreira

artística, Louis-Auguste finalmente concordou que seu filho fosse estudar em Paris, de

preferência, na Escola de Belas-Artes, e para isso lhe concedeu uma pensão no valor

de 125 francos, para que pudesse se manter. Cézanne, enfim, seguia para a capital da

França em busca de seu sonho.

Em Paris, Zola o espera de braços e coração abertos, disposto a ajudá-lo.

Hospeda-o em sua casa e chega a sugerir-lhe um esquema de trabalho que incluía

estudos individuais, visitas a museus e reprodução de obras. Todavia, com o tempo, a

realidade das coisas se mostrou bem diferente daquilo que se imaginava.

Cézanne chegou a Paris cheio de ilusões, não tendo, com a pensão que

recebia de seu pai, de se preocupar em buscar algum trabalho para poder sobreviver,

como em geral acontecia com os artistas que queriam abrir caminho na Cidade-Luz.

No entanto, todas as esperanças que ele acalentava ao ir para Paris vão

ficar perdidas. É certo que vai frequentemente ao museu do Louvre, onde faz cópias de

obras de Ticiano, Rebens e Miguel Ângelo. Ele convive com Zola e desenha com

regularidade na Academia Suíça, um estúdio onde os estudantes podem trabalhar a

partir de um modelo vivo, pagando à módica quantia de dez francos por mês.

É na Academia Suíça que Cézanne conhece Camille Pissarro, mais velho

que ele nove anos e que mais tarde se tornará seu amigo, mestre e mentor, assim

como seus futuros companheiros Armand Guillaumin, Claud Monet e Auguste Renoir. É

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aí, igualmente, que ele volta à encontrar Achille Ampéraire, seu condiscípulo e amigo

da Escola de Desenho de Aix.

Apesar de tudo, porém, ele se sente pouco à vontade em Paris, onde

permanece um estranho. Em breve pensa em voltar para sua terra natal. “Vegeto por

um lado e por outro a minha existência. Não julgues que estou a me tornar parisiense”

– queixava-se Cézanne a um amigo de Aix. (Becks-Malorny, 2005:9).

Preocupado com o estado psicológico de Cézanne, Zola encontra um

meio de retê-lo em Paris, pedindo a ele que lhe pintasse o retrato. Cézanne aceita, mas

fica tão desanimado com o resultado que destrói a tela. Além disso, recusado na

Escola de Belas-Artes, completamente desiludido e duvidando de seu talento para a

pintura, retorna a Aix, seis meses apenas depois de ter chegado a Paris.

De volta à Provença, retorna ao trabalho – pelo qual não tem nenhum

entusiasmo – no banco do pai. Ao mesmo tempo, retorna também à Escola de

Desenho de Aix, onde reencontra o velho professor Gilbert, seu primeiro mestre. A

pintura continuava corroendo-lhe as entranhas. Isto era sinal de que não tinha perdido

a ilusão de, algum dia , poder se dedicar plenamente a seu cultivo.

No princípio de 1862, Cezanne deixa seu trabalho no banco e se instala

na propriedade de Jas de Bouffan, uma antiga casa de veraneio do governador da

Provença, que seu pai adquirira nos arredores de Aix. Ali Cezanne montou um amplo

estúdio e se dedicou a pintar. São dessa época, entre outros, os quadros Louis-

Auguste Cézanne, o Pai do Artista e seu primeiro Auto Retrato,, que, segundo alguns

críticos, oferece a imagem de um rosto melancólico, de olhos desorbitados, que mostra

já os dissabores que a incompreensão tinha começado a deixar marcados.

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Vendo a determinação de Cezanne, em seguir pelo incerto mundo da

pintura, Louis-Auguste o deixou retornar a Paris, desta vez com uma mesada de 151

francos. Exige-lhe, porém, que faça estudos sérios na Academia de Belas Artes. Assim,

pois, no fim de 1862, empreendeu nova viagem à capital, onde permaneceu até 1870,

com estadas mais ou menos prolongadas em Aix-en-Provence.

De novo em Paris, Cezanne decide voltar a trabalhar na Academia Suíça

e a copiar quadros no Louvre, sentindo-se particularmente atraído pelo romantismo

colorido de Delacroix, de quem realiza um total de seis cópias e com quem aprende a

exprimir por meio da cor as relações intrínsecas entre figuras e objetos. Desse modo,

foi pouco a pouco acumulando influências exercidas não só por Delacroix mas também

pela obra de Veronese, Courbet, Daumier e Corot. Era também crescente seu interesse

pelo trabalho de Manet.

Por outro lado, Cezanne é outra vez recusado no concurso de admissão à

Escola de Belas-Artes, por serem suas telas consideradas rebeldes e desajeitadas e

por estarem longe daquilo que comumente se entendia por obra de arte. Cézanne, no

entanto, não contesta esta decisão porque, na verdade, ele nada espera da Escola de

Belas-Artes, com suas estruturas incrustadas e impermeável à qualquer inovação.

Todavia, é realmente, a Escola de Belas-Artes que, nesta época, dá o tom

da vida artística francesa. Nenhum artista pode ter pretensões a uma carreira gloriosa

se não passar por ela ou pelo Salão anual que a ela está ligado. O neoclássico Jean

Auguste Dominique Ingres (1780 – 1867) é a autoridade neste domínio. O seu exército

de alunos pôs em prática a sua máxima, segundo a qual a linha predomina sobre a cor

e viu por isso um fim supremo na exatidão do desenho e na precisão dos contornos.

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A cor não serve mais que para a coloração. As cenas históricas e mitológicas

dominam as telas, a representação da paisagem como motivo em si é mal vista.

A partir de 1825, viu-se aparecer como reação a esse imperativo da linha

um movimento romântico, cujo chefe de fila se chamava Eugène Delacroix (1798 –

1863). Este movimento, ao dar mais valor à cor que ao desenho, estimulava mais os

sentimentos e a individualidade do artista que as convenções artísticas.

Na França, o mundo da arte ficou desde então dividido entre o

neoclassicismo de Ingres e o romantismo de Delacroix, entre a linha e a cor.

No entanto, além destas duas correntes saídas de um contexto

aristocrático e burguês, desenvolvia-se um novo movimento que ia buscar seus temas

na realidade nua e crua. Seu fundador era Gustave Courbet (1819 – 1877). “Sejamos

verdadeiros mesmo que sejamos feios”- era o grito de guerra dos “realistas”, como

gostavam de se chamar os discípulos de Courbet. Com as mudanças que as

revoluções industrial e política tinham trazido, os artistas achavam agora novos temas,

temas modernos que se relacionavam com a vida quotidiana. Courbet incitava-os a

pintar sua própria época e os homens que dela faziam parte, de maneira que a arte

pudesse ficar perto do homem da rua.

Mas o rompimento definitivo com a pintura histórica foi, afinal, trazido por

Edouard Manet (1831 – 1883), cuja concepção pictórica do realismo, com suas cores

luminosas e a pureza dos seus contrastes, era admirada pelos pintores que

trabalhavam ao ar livre. Manet, preocupando-se menos com a observação analítica do

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que com a expressão da sua própria percepção subjetiva, libertou de uma vez por

todas o motivo da sua carga simbólica.

Essas diferentes tendências no mundo da pintura passaram a ser objeto

de discussões apaixonadas nos cafés e refletiam-se nas salas de trabalho: na

Academia Suíça, defendia-se com veemência o realismo e havia debates sobre a

pintura de Manet; na Escola de Belas-Artes, a escola tradicionalista da Academia, era-

se fiel a Ingres, cujo trabalho era oficialmente reconhecido. O público burguês

continuava a preferir os grandes quadros históricos e as representações alegóricas.

O Salão anual que influenciava largamente o gosto do público,era, sem

contestação, um fórum da mais alta importância para os artistas. Os membros da

Academia selecionavam os quadros enviados segundo critérios severos: reprovava-se

qualquer originalidade, inovação ou desvio em relação ao academismo. Apesar disso,

todo artista aspirava ver seu quadro exposto no Salão, na medida em que este

constituía para ele a única possibilidade de mostrar suas obras ao público, de ser

conhecido e de vender suas telas.

Em 1863, o júri do Salão Oficial recusou cerca de quatro mil quadros que,

segundo suas premissas, não se ajustavam ao bom gosto e aos cânones estéticos.

Diante disso, foi tão grande o descontentamento entre os artistas, aos quais não foi

permitido expor no Salão Oficial, que lhes foi concedido um espaço nos Champs-

Elysées, para que pudessem apresentar seus quadros. Esse salão recebeu o nome de

“Salão dos Recusados”. No entanto, o público, não habituado com uma confrontação

tão brutal com a arte contemporânea, reagiu com muita troça e zombaria.

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A crítica aproveitou a oportunidade para ridicularizar os pintores. Paul Cezanne expôs

duas pinturas, as quais passaram praticamente inadvertidas.

Após o escândalo do “Salão dos Recusados”, os jovens pintores

agrupam-se ainda mais estreitamente. Artistas como Monet, Renoir, Sisley, Guillaumin,

Bazille, entre outros, reunidos em volta de Manet, encontram-se regularmente no Café

Guerbois, e Cézanne junta-se a eles muitas vezes. Mas, apesar de tudo, ele continua a

ser um corpo estranho. Neste mundo dos artistas parisienses, seu tom de voz rouco, o

descuido intencional do vestuário, suas maneiras de camponês e seu caráter

desconfiado fazem dele um marginal, um excêntrico, de quem naturalmente se zomba.

Nenhum lugar retém o pintor. Em Paris, muda freqüentemente de casa,

mas mesmo assim, raramente fica nesta turbulenta metrópole por mais de seis meses.

Retira-se constantemente para Jas de Bouffan.

1.3 - O Impressionismo e as Lições de Pissarro

Quando em 1870 rebenta a guerra franco-prussiana, Cézanne, temendo

ser incorporado às fileiras, como ocorreu com Monet, Degas e Renoir, retira-se para

L’Estaque, uma aldeia de pescadores às margens do Mediterrâneo, onde permanece

até o fim do conflito em companhia de Hortense Fiquet, antiga modelo que Cézanne

conhecera em Paris e com quem já vivia há cerca de um ano.

No período em que freqüentou o Café Guerbois, Cézanne, através dos

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colegas, tomou conhecimento do movimento impressionista que começava a surgir no

universo pictórico e com ele ficou bem impressionado. Agora em L’Estaque, enlevado

pela paisagem mediterrânea, ele pinta. Trabalha ao ar livre e esforça-se para

reproduzir unicamente o que seus olhos vêem. A aldeia, como o golfo azul-verde, as

casas sobrepostas ao longo das ruas inclinadas e os rochedos brancos recortados,

onde se misturam os pinheiros de um verde de esmeralda, oferece-lhe motivos

constantemente renovados.

No final do inverno de 1870 / 71, que foi particularmente muito rigoroso na

região da Provença, Cézanne pinta o quadro A Neve Derretida em L’Estaque. Este

quadro está ainda dominado pelas cores sombrias, pelos contrastes violentos e pela

ênfase dramática das obras de juventude. O tema, em contrapartida, já não é produto

da sua imaginação, mas a realidade observada. No entanto, ele mostra também que o

pintor ainda não dispõe de uma técnica que lhe permita retratar a natureza observada

numa sobriedade serena e forte e, ao mesmo tempo, exprimir o que sente.

Finda a guerra, Cézanne retorna a Paris. A despeito do bom período que

passou em L’Estaque, não está satisfeito.

É neste instante de abatimento que lhe chega o apelo de Camille Pissarro

para que Cézanne fosse se encontrar com ele em Pontoise, no vale de Oise, onde

certamente havia uma grande variedade de motivos para os pintores do ar livre.

Cézanne regozija-se com este convite, pois espera aprender com Pissarro a técnica

pictorial que ainda lhe faltava e que permitirá que ele progrida.

Sobre o trabalho de Pissarro em relação a Cézanne, Becks-Malorny faz o

seguinte comentário:

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Que Cézanne, tímido e irritável como era, se tenha confiado à outra pessoa é, certamente, devido à personalidade de Pissarro, homem sensível e tolerante, à sua paciência e aos seus modos discretos que o predestinavam ao papel de mestre.” Pissarro era como um pai para mim, um pouco como o bom Deus”, havia de dizer Cézenne mais tarde sobre seu amigo e mentor, mais velho do que ele nove anos e que crê firmemente no talento excepcional de Cézanne. (Becks-Malorny, 2005:21)

Camille Pissarro leva Cézanne a banir as cores sombrias da sua paleta.

Ele próprio tinha abandonado, havia anos, os tons de negro, ocre e siena. Ele o

aconselha a só pintar nas três cores primárias, vermelho, amarelo e azul, e nas tintas

delas derivadas. Mostra também como orquestrar a tela a partir dos contrastes claros-

escuros e incita-o sobretudo a observar a natureza com cuidado, sem nisso misturar

suas próprias interpretações, nem juntar os frutos da sua imaginação. O pintor não

deveria ser mais que um observador atento e respeitador da realidade.

Pissarro recomenda-lhe igualmente que renuncie às formas e aos

contornos lineares na elaboração de um motivo, devendo a aparência das coisas

resultar da degradação das tonalidades. Ele o aconselha a que não trabalhe pedaço a

pedaço e a que aplique as cores observando exatamente as tonalidades em relação ao

meio envolvente. Cézanne deve pintar com pequenas pinceladas, tentando dar as suas

sensações. A vista não deve fixar-se em um ponto, mas sim perceber tudo e observar

ao mesmo tempo os reflexos das cores sobre o meio que os envolve.

Pissarro dá-lhe, ainda, os conselhos seguintes: que Cézanne pinte

simultaneamente o céu, a água, os ramos e a terra, e que volte a trabalhá-los

constantemente até que obtenha um tom harmonioso. Que ele recubra toda a tela

desde a primeira sessão e que trabalhe até que não haja mais nada a acrescentar. Que

ele observe exatamente a perspectiva aérea do primeiro plano no horizonte, o reflexo

do céu e das folhas.

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Por fim, ele não tem que ter medo de aplicar as cores com força. Ele

aperfeiçoará seu trabalho pouco a pouco. Pissarro incita-o a afastar-se das regras e

dos princípios e a pintar unicamente o que vê e sente. Que pinte rapidamente e sem

hesitação porque é importante não perder a primeira impressão. Sobretudo, nada de

timidez perante a natureza! É preciso ser intrépido, mesmo correndo o risco de se

perder e cometer erros. Não há senão um mestre: a natureza.

Cézanne observa com atenção os conselhos do mestre, a fim de assimilá-

los e colocá-los em prática. Na verdade, como veremos a seguir, sua técnica e sua

concepção da pintura vão-se expandir e atingir patamares bem mais elevados. Por

outro lado, também, veremos que a essência dos ensinamentos que recebeu de

Pissarro, ficará gravada em sua memória até o fim de seus dias e será eternizada na

beleza das obras que virá a produzir.

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2 - A CONCEPÇÃO DA PINTURA POR CÉZANNE E SUA OBRA

Como foi dito, foram muito importantes para Cézanne as lições de

Pissarro sobre o uso impressionista da tinta e da cor, da luz e do espaço. Mas os

efeitos do impressionismo não eram ainda o que ele desejava. Para Cézanne, tais

efeitos eram superficiais e transitórios e era necessário ir além das aparências. Assim,

por ver as coisas de outro modo, foi aos poucos, e de maneira natural, criando seu

próprio caminho.

2.1 - Como Cézanne via a pintura

Mesmo que Cézanne vá ainda de tempos em tempos pintar ao natural

com Pissarro, afasta-se cada vez mais dos seus amigos impressionistas. Os quadros

deles estão demasiado presos ao instante, ao momento fugitivo e efêmero. Cézanne

não se contenta em registrar apenas o que diretamente vê. Ele quer penetrar, pelo

pensamento, as manifestações da natureza, representar o que ela tem de duradouro,

de imutável. É preciso refletir. A vista só não basta.

Cézanne via nas sensações algo mais do que aquilo que os

impressionistas interpretavam apenas com efeitos visuais.

“A sensação”, dizia, “é a base de tudo para o pintor”. E confessou ao poeta Joachim Gasquet: “ Sim, eu quero saber; quero saber para sentir; e quero sentir para melhor saber. Quero tornar-me um verdadeiro pintor clássico por meio da natureza” (Coleção Arte, 1997:4)

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Cézenne trabalha longamente em torno de um motivo, muitas vezes,

meses inteiros. As variações da luz, o reflexo do instante são para ele acessórios até

mesmo incômodos. “A natureza põe-me grandes dificuldades” – escreve ele a Zola em

1879 (Becks-Malorny, 2005:46).

Obstinado, insiste no seu motivo, observando a natureza para ir ao fundo

das coisas e encontrar a sua forma eterna e intrínseca. Atribuir uma duração às coisas

é seu alvo artístico. Para isso, entende que é preciso que cada motivo se integre na

harmonia da composição, harmonia essa que ele obtém pelo cálculo, pela reflexão e

pela lógica.

No trabalhão de Cézanne, a representação da natureza se realiza em

duas etapas, uma vez que o ato de pintar é precedido por um longo processo de

observação. Cézanne tem, em primeiro lugar, de “ler” o motivo, procurar a sua

substância, antes de começar a pintar. Em seguida, passa à realização, orquestrando o

quadro a partir das formas, das cores e das estruturas que se cristalizaram na etapa

anterior, sem se descuidar de que essas formas saiam da natureza e não da sua

imaginação. Elas devem manter uma semelhança com a realidade, serem fiéis à

natureza.

Manter-se fiel à natureza não significa para Cézanne reproduzir

simplesmente o que ele vê, limitando-se a uma imitação superficial. É preciso não se

contentar com a realidade exata, pois que a transformação realizada pelo pintor com

sua visão pessoal dá à representação da natureza um novo interesse. O artista, ao

pintar, põe em relevo o que ninguém tinha visto até então. Ele traduz isso em termos

absolutos da pintura, quer dizer, em alguma coisa diferente da realidade.

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Estes “termos absolutos da pintura” são as colorações, as formas e as

suas ralações no espaço. Ser fiel à natureza é ser fiel a essas relações. É desta forma

que pretende criar uma nova harmonia a que ele chama de “harmonia paralela à

natureza”.

Por meados de 1890, Cézanne expôs sua teoria ao jovem poeta Jean

Royère, segundo a qual não há que pintar o que se julga ver, mas o que se vê. Dizia

que nas Belas-Artes ensinam-se as leis da perspectiva, mas nunca ninguém viu que a

profundidade se obtinha justapondo uma superfície vertical a uma superfície horizontal.

E, no entanto, é isso a perspectiva.

O trabalho de Cézanne não tem como objetivo comunicar ao espectador a

ilusão de um mundo a três dimensões. Ele cria antes uma nova realidade à escala

bidimensional do quadro. Tomar consciência do caráter bidimensional do quadro, da

nova “realização” da natureza, eis o que unicamente conta para ele. É por isso que lhe

importa tanto evitar nas suas telas a perspectiva linear tradicional que ocasiona a ilusão

de uma profundidade a três dimensões. Além disso, uma perspectiva linear utilizada

corretamente obrigá-lo-ia a reapresentar cada objeto no tamanho que lhe aparece em

perspectiva. No entanto, o que Cézanne procura fazer, é dar a cada objeto a dimensão

que ele julga ser justa.

Para Cézanne, forma e cor têm a mesma importância no quadro e devem

aparecer claramente, tanto uma como a outra, em cada parte da tela. A estrutura da

superfície pictorial deve ser homogênea, sem qualquer forma de naturalismo ilusionista.

É por isso que a luz cai com uma intensidade mais ou menos igual sobre todas as

partes da tela. Cézanne abstém-se tanto quanto possível de indicar uma fonte luminosa

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reconhecível ou uma sombra incidindo sobre um fundo claro por um corpo

bem iluminado. A luz dos seus quadros é uma luz uniforme que emana do interior da

tela, uma luz que se desprende dos próprios objetos.

A respeito desse assunto, vejamos o que diz Becks-Malorny:

Se Cézanne recusa os métodos tradicionais de representar a profundidade do espaço, como podem os seus quadros sugerir, apesar disso, toda a especialidade sem que a unidade da superfície pictural seja assim destruída? Ele explora o que se sabe do efeito das cores, a saber, que as cores frias, como o azul e o verde, parecem recuar, ao passo que as cores quentes – o vermelho, o laranja, o amarelo – parecem aproximar-se do primeiro plano. (Becks-Malorny, 2005:49)

Ainda, segundo esse mesmo autor, Cézanne constrói seus quadros com

a ajuda de manchas de cor que reforçam o caráter de espaço-plano. É com incrível

liberdade que ele trata a superfície pictorial, que coloca na tela massas sombrias e

configurações artificiais, numa aparente desordem. Nenhum dos elementos coloridos

tomados isoladamente tem uma relação concreta com o mundo visível das coisas.

Árvore, campo, casa são impossíveis de serem identificados isoladamente. É só

quando estes elementos entram todos em ação que se pode perceber o caráter

figurativo da obra.

Cézanne disse um dia que a natureza não se configurava na superfície

mas na profundidade. As cores exprimem essa profundidade à superfície. Saídas das

raízes do mundo, elas seriam a vida das idéias.

Para Cézanne, as cores são os únicos elementos constitutivos do quadro.

Elas determinam a forma pela maneira como são usadas: os limites da cor são também

os limites da forma. A luz, nos seus quadros, não existe em si.

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Ela existe unicamente graças à cor. “A luz não é uma coisa que possa ser

reproduzida, mas deve ser representada com outra coisa, as cores” - dizia ele (Becks-

Malorny, 2005:75)

É dentro deste contexto que, para reproduzir uma claridade maior,

Cézanne recorre às cores mais intensas, não às mais claras. Ele reproduz a luz e as

zonas de sombra com cores claras e sombrias, e utiliza os contrastes para estruturar o

quadro. Segundo ele, a cor azul é particularmente indicada para representar a distância

e a altura no espaço ou para tornar o ar palpável.

Um outro aspecto a ser observado na maneira como Cézanne idealizava

a arte pictórica é aquela que ele via na obra dos pintores clássicos, sobretudo Poussin.

Sobre isso, E. H. Gombrich, em seu livro “A História da Arte”, diz o seguinte:

Uma das observações atribuídas a Cézanne é a de que, ao pintar, queria ser um “Poussin inspirado pela natureza”. O que ele quis dizer com isso foi que os velhos mestres clássicos, como Poussin, tinham conseguido em suas obras um equilíbrio e uma perfeição maravilhosa, um padrão de beleza e harmonia em que uma forma parece responder à outra. Sentimos que tudo se encontra em seu lugar, nada é casual ou impreciso. Cada forma se destaca nitidamente, e podemos visualizá-la como um corpo sólido e firme. O todo possui uma simplicidade natural, da qual se desprende uma sensação de repouso e calma. Cézanne visava à realização de uma arte que possuísse algo dessa grandeza e serenidade (Gombrich, 1999: 538)

2.2 - A Obra de Cézanne

A obra deixada por Paul Cézanne é vasta e diversificada, abordando

vários temas, sendo que os mais freqüentes são: paisagens, figura humana, naturezas-

mortas e banhistas.

Alguns historiadores de arte dividem a obra de Cézanne em três períodos:

fase escura, fase impressionista e fase construtiva.

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Destas três fases, relacionam-se a seguir, alguns quadros, com a ressalva de que

alguns deles poderiam estar inseridos em mais que um dos períodos citados.

2.2.1 – Fase Escura: 1861 – 1870

Nessa fase, também conhecida como fase romântica, devido à influência

que recebeu do romantismo de Eugàne Delacroix, Cézanne inicia uma etapa na qual a

violência e o erotismo predominam no desenvolvimento da temática.

Segundo os historiadores, as inseguranças pessoais de Cézanne, sua

introversão, sua timidez, seu apetite sexual, o qual ele não se atrevia a expor nem para

si mesmo, o levaram a produzir, nessa época, obras que evidenciavam claramente

todas as suas frustrações e desenganos relacionados com esses problemas. O Negro

Cipião, A Dolorosa,Sátiras e Ninfas, Autópsia, O Rapto, entre outros, são alguns dos

quadros feitos nesse período e que apresentam temáticas desgarradas que

culminaram com as telas As Tentações de Santo Antônio, O Assassinato e Mulher

Estrangulada, pintadas por volta de 1870.

Nos quadros produzidos nesta fase, Cézanne tomava temas da literatura,

da mitologia ou narrava fatos recentes. O Quadro O Rapto (cópia, em Anexo), por

exemplo, tem por base a mitologia grega.

Na produção desses quadros, Cézanne usou cores escuras, em

pinceladas muito empastadas e facetadas, apresentando um colorido claramente

influenciado pelas obras de Delacroix.

2.2.2 – Fase Impressionista: 1870 – 1878

No verão de 1872, a família Cézanne se mudou para Saint-Ouen-l’Aumône, às

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margens do Oise, a noroeste de Paris e perto de Pontoise, onde morava Camille

Pissarro. Ali, Paul Cézanne começou a desenvolver a pintura ao ar livre, clareando

muito sua paleta e empregando pinceladas leves e curtas, bem como outras técnicas

impressionistas aprendidas com Pissarro, como já vimos no capítulo anterior. Cézanne

fez grandes progressos, mudou sua maneira de pintar. Era o começo de uma grande

evolução em sua vida profissional.

Além disso, distante do burburinho de Paris, que sempre lhe tinha sido

estranho, mergulhou na paisagem, na natureza, e observou-a com atenção para

conseguir aproveitar todos os matizes luminosos, deixando-se levar pela mão de seu

amigo, que o fez se aproximar objetivamente de seu estudo, de sua estrutura, de suas

cores, e logo modelar tudo isso através da própria visão e da própria personalidade,

sem copiar ninguém, tirando tudo de si mesmo.

Cézanne aprendeu muito com o impressionismo; porém, nunca se tornou

um representante lídimo desse movimento, pelos motivos já mencionados

anteriormente.

São desta fase telas como: Moinhos de Água, Estrada Nevada, Casa

entre Arvores Próxima de Pontoise, A Casa do Doutor Gachet em Auvers, Vista de

Auvers do Alto, A Casa do Enforcado, A Casa de Père Lacroix e Cruzamento da Rua

Rémy em Auvers, Uma Olímpia Moderna.

“A Casa do Enforcado” (cópia em Anexo) apresenta uma mudança na

maneira de fazer do pintor e é considerado pelos estudiosos da arte uma de suas

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composições mais impressionistas. Neste quadro, Cézanne estrutura a cena com

grandes volumes que conformam as casas e abre, ao fundo, um prado onde se

distinguem os telhados das casas de Auvers. Podem-se apreciar três níveis paralelos

unificados pela luz que os envolve. Essa luz envolvente e unificadora seria uma das

constantes que marcaram a pintura paisagística de Cézanne.

2.2.3 – Fase Construtiva: após 1878

Essa é a fase em que o pintor Cézanne chega à maturidade. Alicerçado

nas experiências que até então acumulara e nos conselhos que recebera de Pissarro,

Cézanne cresce, e consegue registrar na tela a pintura como só ele concebia, de

maneira única. Sobre isso, assim se expressa E. H. Gombrich:

Cézanne parecia estar cercado de contradições por todos os lados. Seu desejo de ser inteiramente fiel às suas impressões sensoriais em face da natureza parecia colidir com o desejo de converter – como ele próprio disse – “o impressionismo em algo mais sólido e duradouro, como a arte dos museus”. Não admira que, freqüentemente, ficasse à beira do desespero, trabalhasse como um escravo em sua tela e jamais deixasse de realizar experimentos. O verdadeiro motivo de espanto é que Cézanne conseguiu realizar em suas obra o que era, aparentemente, impossível (E.H. Gombrich, 1999: 539)

Esse período da trajetória artística de Cézanne ficou conhecido como

“fase construtiva”, pela maneira como ele ia “construindo” suas composições, reduzindo

as formas às suas estruturas essenciais, com bases e linhas mestras.

Cézanne dedicou-se ao estudo da natureza, a qual observava

detidamente, e tentou recuperar, através da cor, a forma e o volume, geometrizando os

elementos. Igualmente, produzia objetos de diferentes pontos de vista, para fazê-los

com sua essência, recriando o trabalho que realizava e demorando, às vezes, quatro

ou cinco anos para dar como finalizado um quadro, ao qual ainda voltava uma ou outra

vez para aperfeiçoá-lo.

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Sua concepção da pintura distancia-se bastante do impressionismo e ele

passa a se guiar pela geometria, pela natureza mesma e por “ma petite sensation”,

como às vezes gostava de dizer, fazendo uma síntese entre as sensações visuais e as

emocionais, analisando cuidadosamente a realidade que tentava modelar.

Sua pintura desse período foi rica e fecunda, com paisagens de todos os

lugares por onde peregrinou, naturezas-mortas, retratos, banhistas. De fato, foi nesta

fase que Cézanne produziu seus melhores quadros, verdadeiras obras-primas, como:

Os Jogadores de Cartas”, (em Anexo) , A Montanha Sainte-Victoire (em Anexo),

Natureza-Morta com Maçãs, As Grandes Banhistas (em Anexo), Arlequim, Rapaz com

Colete Vermelho, e muitas outras.

2.3 – O Legado deixado por Cézanne e sua Influência na Pintura Moderna

O verão de 1906, o último verão do pintor, foi excepcionalmente quente. Apesar

disso, e embora cada vez mais fraco e abatido em conseqüência do diabetes e de

outras doenças que o castigavam, continuava a trabalhar com voracidade, temendo

que o tempo de vida que lhe restava não fosse suficiente para que pudesse concluir a

obra que um dia sonhara realizar. Pouco antes, havia ele escrito ao redator da “Gazette

de Beaux-Arts”;

“A minha idade e a minha saúde não me permitirão nunca que realize o sonho de arte que vivi toda a minha vida. Mas ficarei sempre reconhecido ao público de amadores inteligentes que teve, através das minhas hesitações, a intuição daquilo que eu quis tentar para renovar a minha arte. Segundo penso, não substituímos o passado, juntamos a ele apenas um novo elo”. (Becks-Malorny,2006: 92)

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O outono daquele ano traz, por fim, chuva e frio. A 15 de outubro,

Cézanne é surpreendido por uma violenta tempestade enquanto trabalhava ao ar livre.

Fica várias horas debaixo de chuva e ao frio, antes de ser recolhido por uma carroça e

levado para casa, muito debilitado. Uma semana depois, a pneumonia se agrava e

Cézanne morre como sempre viveu: só e pintando. Era o dia 22 de outubro de 1906.

Como já vimos, Cézanne deixou uma obra vasta e muito valiosa. Estima-

se que sejam cerca de 800 óleos, divididos em diferentes temáticas: umas 332

paisagens, 178 naturezas-mortas, 150 retratos e 111 composições diversas.

Igualmente importante é a sua obra realizada com aquarela, acompanhada por lápis,

da qual se têm contabilizados mais de 500 exemplares. Também são interessantes

seus cadernos de desenho, nos quais realizava esboços e desenhos prévios.

As obras de Cézanno encontram-se hoje espalhadas e admiradas no

mundo todo, expostas em museus e em propriedades particulares.

Como foi dito anteriormente, durante muitos anos Cézanne tentou expor

suas pinturas no Salão Oficial de Paris. Suas obras, porém, foram sistematicamente

recusadas, sob a alegação de não preencherem os requisitos necessários para serem

consideradas obras de arte, conforme os critérios da Academia de Belas-Artes. Além

disso, dizia-se também que elas eram rebeldes, desajeitadas e agressivas ao bom

gosto do público e aos bons costumes.

Cézanne conseguiu expor alguns de seus quadros em duas das três

fracassadas exposições feitas pelos impressionistas, apesar da oposição de Edouard

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Manet que o considerava “um pedreiro que pintava com a colher” (Becks-Malorny,

2005:30). Todavia, suas telas, como as de seus colegas, foram alvo de risos e

zombarias por parte da crítica e do público.

Foi somente nos últimos anos de vida que Cézanne teve a satisfação de

ver sua obra aceita e aplaudida tanto na França como em alguns outros países. Após

sua morte, as exposições de suas telas se multiplicaram pelo mundo todo. É que

Cézanne, finalmente, “tinha atingido seu propósito, tinha feito de sua pintura uma arte

perdurável que seria tida em conta, exposta para sempre nas paredes dos museus.

Alcançara a imortalidade” (Coleção Gênios da Arte, 2007:89).

Já vimos que durante grande parte de sua vida, Cézanne pintou

exaustivamente paisagens e naturezas-mortas. E sobre isso teve muitas vezes que

aturar as zombarias de alguns colegas que costumavam dizer que ele queria

conquistar Paris com uma maçã. Nessas ocasiões, o pintor preferia responder a tais

zombarias com uma lição:

“Tudo na natureza é modelado pelo cilindro, pela esfera e pelo cone. Se vocês aprenderem a pintar baseando-se nessas figuras simples, serão capazes de fazer o que quiserem”.Algumas décadas mais tarde, seu conselho seria seguido à risca por Picasso, que o saudaria como sendo “o pai da pintura moderna” (Article Preview, 2007:Internet).

De fato, os estudiosos da arte reconheceram mais tarde que na obra de

Cézanne estão, por exemplo, as raízes da pintura cubista que haveria de marcar o

século XX e se eternizar através das obras geniais de Braque e Picasso.

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Mas sua influência foi muito além, como diz Marcel Brion, da Academia

Francesa:

Ao findar o século XIX, essa influência foi crescendo continuamente, e logo assumiu uma tal importância que, praticamente, todas as experiências das quais deveria nascer a arte moderna, no primeiro quarto do século 20, relacionam-se com a arte de Cézanne (Brion, 1973: 78).

E, mais adiante conclui:

Desta forma, por mais de meio século, a obra de Cezanne, por longo tempo desconhecida e mesmo desprezada, servirá de pretexto e exemplo para os feitos artísticos mais audazes e contraditórios, e libertará a arte moderna de todas as restrições acadêmicas, fazendo compreender a necessidade de apóiar-se em disciplinas voluntárias, para transformar a realidade material em realidade pictórica (Brion, 1973: 79).

2.4 – Considerações Finais sobre o Pintor

Essa é a história do pintor Paulo Cézanne. Talvez como nenhum outro

artista, dele pode-se dizer, sem sombra de dúvida, que renunciou à vida para viver

exclusivamente para sua arte. Com um temperamento contraditoriamente instável e, ao

mesmo tempo, persistente, não raro chegava a destruir suas telas quando nelas não

conseguia colocar com perfeição aquilo que sua imaginação concebera. Nesses momentos,

enfurecia-se, xingava, duvidava de seu próprio talento. Depois voltava, e começava tudo de

novo. Assim era Cézanne, segundo seus biógrafos: um apaixonado pela arte, uma pessoa

para quem “pintar era como que uma compulsão biológica” (Coleção de Arte, 1997:3).

O movimento impressionista foi um marco na história da arte, pois

mudou a maneira de pintar. Cézanne, porém, foi além, libertando de vez a pintura dos

grilhões acadêmicos que a aprisionavam ao restringi-la aos moldes convencionais. Foi

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um inovador, um filósofo da arte que se formou sem escola e sem mestres, um

autêntico autodidata que, com freqüência, teve que lutar contra tudo e contra todos.

Cézanne desenvolveu a arte de pintar de uma maneira diferente, única,

só sua e por esse motivo foi paradoxalmente incompreendido e até mesmo espezinhado, por

um lado, enquanto que, por outro, conseguiu que seu talento fosse reconhecido e triunfasse.

Hoje Cézanne ocupa, na história da arte, o lugar que fez por merecer.

Só Paul Cézanne, sem dúvida o maior de todos os pintores depois de Rembrant, conseguiu ultrapassar Monet. Sem a singularidade de Monet, Cézanne atingiu notoriedade. Foi pessoalmente responsável por muito do que é a arte moderna, e depois de Cézanne a pintura nunca mais pôde ser a mesma. (Bowness, 1971:9)

Muito se tem escrito sobre o segredo da arte de Cézanne. Todas as espécies de explicações já foram sugeridas sobre o que ele queria realizar e o que realizou. Mas essas explicações permanecem rudimentares e até, algumas vezes, soam contraditórias. Contudo, ainda que nos impacientemos com as críticas, aí estão sempre os quadros para nos convencerem. E o melhor conselho, aqui e sempre, é “vá ver os quadro no original” (Gombrich, 2005: 540)

3. OS PROBLEMAS DE CÉZANNE E A PINTURA COMO SUA TERAPIA

Como vimos, os dois primeiros capítulos desta monografia descreveram a

trajetória artística percorrida por Paul Cézanne e mencionarem alguns dos obstáculos

que ele teve que vencer até poder galgar o patamar reservado aos grandes mestres.

Neste capítulo, mostraremos que a pintura foi também o instrumento que possibilitou a

ele superar todos esses obstáculos.

Foi ainda em sua adolescência, quando tentava dar os primeiros passos

em direção a sua futura profissão, que Cézanne teve que enfrentar seu primeiro

problema: seu pai.

O senhor Louis – Auguste Cézanne era um homem autoritário, de difícil

comunicação, que conduzia a família com mão de ferro e que se opunha tenazmente à

idéia de que seu filho seguisse a carreira de pintor. Seu sonho era que Paul se

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preparasse para que um dia o substituísse no comando de seus negócios, E, como

vimos, só depois de muito penar, e graças a intercessão de sua mãe e de sua irmã,

Marie, conseguiu partir para Paris em busca de seu sonho.

No entanto, a adaptação de Cézanne à grande metrópole foi muito difícil.

De fato, ao chegar lá sentiu-se como um peixe fora d’água. Seis meses depois,

duvidando de seu talento para a pintura, retornou a sua terra natal e foi trabalhar com o

pai e estudar Direito. Mas como sua paixão era mesmo a pintura, logo abandonou tudo

e retornou a Paris. Daí em diante, passou o resto da vida perambulando entre as duas

cidades, Paris e Aix, permanecendo por mais tempo e sempre sozinho em sua terra

natal.

Foram muitas as tentativas de Cézanne para inserir-se no mundo cultural

de Paris, mas isso ele só veio a conseguir nos últimos anos de sua vida. Conforme já

foi dito, sempre que tentou matricular-se na Escola de Belas – Artes, não foi aceito e,

nas exposições do Salão Oficial de Paris, suas obras nunca foram aceitas, sob a

alegação de que eram exóticas, bizarras e não se coadunavam com os parâmetros da

época. Nas poucas vezes que conseguiu expor nos Champs – Elyzées ( “Salão dos

Recusados”) seus quadros, bem como os de seus amigos impressionistas, só

receberam críticas, tanto do público como da mídia especializada.

Cézanne sofreu muito também com a desconfiança de pessoas que lhe

eram mais próximas, especialmente de Émile Zola, seu colega inseparável de infância

e amigo querido por quase toda a vida. Em certa ocasião, por exemplo, Zola, já escritor

famoso e figura de destaque na sociedade parisiense, vendo que Cézanne não

conseguia na pintura o mesmo sucesso que ele obtivera nas letras, escreveu que

Cézanne era “um aborto de gênio e um fracasso” (Coleção Arte, Cézanne, 1997:4).

Mais tarde, ao publicar a obra “L’Oeuvre”, Zola descreveu a figura do pintor Lantier,

protagonista da história – e uma clara alusão a Cézanne – como um “gênio falido”, um

“artista malogrado”. Nessa obra, o desprezo do escritor bem sucedido pelo pintor

desconhecido explode na famosa frase “ ... pode ter o gênio de um grande pintor, mas

não terá jamais a capacidade de sê-lo...” (Biblioteca de Arte, Os Impressionistas,

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Cézanne: 1973,14). Cézanne, naturalmente, sentindo-se injustiçado e arrasado diante

do massacre feito pelo velho amigo e companheiro de Aix, escreveu-lhe uma carta

“cheia de dor, nobre e fria” (idem, citação anterior), depois da qual os laços de

amizade entre os dois foram cortados para sempre.

No que se refere à parte afetiva, a vida de Cézanne foi também muito

problemática. Na leitura de algumas correspondências trocadas entre ele e o amigo

Zola, vê-se claramente que, em relação à sexualidade, tinha tendência ao

homossexualismo ou ao bissexualismo.

Estudiosos da personalidade de Cézanne dizem que ele era uma pessoa

tímida, complexada, reprimida, cheia de um pudor exagerado. Pintou o nu artístico,

mas os modelos , por ele utilizados, no mais das vezes, provinham de figuras de

revistas e não de figuras humanas pintadas ao vivo. Não gostava de falar sobre o

assunto, pois morria de medo até da própria sexualidade.

A despeito de tudo isso, Cézanne casou-se com uma modelo de nome

Hortense Fiquet, com quem teve um filho. No entanto, segundo alguns críticos, a vida

conjugal do pintor com Hortense, parece ter sido um fracasso ou uma farsa. Na maior

parte do tempo, ela ficava com o filho em Paris e Cézanne, em Aix.

Como complemento deste capítulo, resta dizer que encontram-se, em

anexo, alguns quadros pintados por Cézanne que servem para ilustrar parte dos

problemas que atormentaram sua vida e que foram aqui mencionados e comentados.

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4 - CONCLUSÃO

Pela que vimos, Paul Cézanne, como a maioria dos seres humanos, viveu

uma vida cheia de problemas, tombos e quedas. Diante de todas essas dificuldades,

muitas vezes chegou a duvidar de sua capacidade, de seu talento e foi tentado a

desistir. Mas, apesar de tudo, sempre conseguiu seguir em frente. E venceu. E qual

foi o segredo que fez com que Cézanne, mesmo nos momentos mais difíceis,

conseguisse dar a volta por cima e continuar sua jornada? A pintura, paixão de sua

vida e, ao mesmo tempo, sua terapia. Para Cézanne, a pintura foi sua única razão

de viver e a terapia de onde ele sempre retirou força e alento para que pudesse

sobreviver.

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5 - REFERÊNCIAS

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Guimarães. Rio de Janeiro: Salvat, 1988. 2. AS BELAS ARTES, Enciclopédia. Impressionistas e Pós-Impressionistas.

Lisboa: Publicações e Artes Gráficas, 1971.

3. BECKS-MALORNY, Ulrike. Cézanne. Tradução: Fernando Tomaz. Coréia do Sul: Paisagem, 2005.

4. BIBLIOTECA DE ARTE, Coleção. Os Impressionistas: CÉZANNE.

Tradução: Eunice Paiva. São Paulo: Editora Três, 1973.

5. COLEÇÃO DE ARTE. Cézanne. Tradução: Aldo Pereira. São Paulo: Editora Globo, 1997.

6. DUMAS, Delphine. Um pouco de CÉZANNE.

Internet,http://www.ambafrance.org.br/abr/label/label122/arts/cez.html

7. FONSECA, Ana Claudia. Article Preview – Internet http://bienart.terra.com.br/inews/Example/view-printer.asp?ID=38

8. GÊNIOS DA ARTE. Cézanne. Tradução: Matias de Abreu Lima. São Paulo:

Girassol, 2007.

9. GOMBRICH, E. H. História da Arte. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

10. GULLAR, Ferreira. Relâmpagos. São Paulo: Cosac & Naify, 2003

11. MASP, SP. História da Arte. São Paulo: Camargo Soares Ltda., 1997.

12. SHIPP, Herschel B. Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Livraria Martins

Fontes Editora Ltda., 1996.

13. SOLLERS, Philippe. O Paraíso de Cézanne. Tradução: Ferreira Gullar. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

14. THE GREAT ARTISTS – Pós-Impressionistas – DVD

15. WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Paul Cézanne. Internet

http://pt. Wikipédia.org/wiki/Paul-C3%A9zanne

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ANEXO

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O Rapto

Quadro produzido na primeira fase do pintor, representando violência e erotismo. O contraste cromático entre as duas figuras mostra a sua diferente identidade. A cor bronzeada do corpo masculino simboliza a força e o poder, enquanto as carnes pálidas da donzela evocam a fragilidade e a submissão.

(Óleo sobre tela, 905 x 117 cm, 1867)

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Uma Olympia Moderna

Inspirado numa das obras-primas de Manet, esse quadro guarda ainda uma

forma romântica, mas a visão impressionista se revela através do jogo de cores luminosas e vibrantes. A obra traduz uma certa intenção irônica, não para com Manet, em quem Cézanne se inspirou, mas para com o próprio romantismo que limitou seus passos durante anos. O homem representado em frente à Olympia é, provavelmente, o próprio autor.

(Óleo sobre tela, 46x55,5 cm, 1873-1874)

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As Grandes Banhistas

Este é o quadro mais importante de todos que Cézanne pintou sobre o tema “banhistas”. Como nos outros quadros feitos sobre o mesmo tema, neste as composições são caracterizadas por figuras grosseiras, espantosamente pesadas. Não são seres delicados que se divertem à beira do rio, mas sim, personagens vigorosas, angulosas, de proporções desiguais e de formas desajeitadas, que abafam qualquer erotismo.

(Óleo sobre tela, 208x249 cm, 1898-1905)

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O Rapaz com Colete Vermelho

Mais que um retrato, Cézanne nos oferece uma reflexão. O jovem

está ensimesmado em seus pensamentos, muito distante do lugar em que realmente se acha. Sobre a mesa destaca-se um papel branco, talvez uma carta que o tenha deixado com melancolia, talvez portadora de más notícias, o que nos faz presumir a expressão de seriedade de seu rosto.

(Óleo sobre tela, 79,5 x 64 cm, 1888 – 1895)

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A Tentação de Santo Antônio

Cézanne buscava constantemente pretextos que lhe permitissem pintar o corpo

feminino nu. São muitas as composições de temática diversa, nas quais procurou representar a mulher em atitude tentadora.

(Óleo sobre tela, 320 x 258 cm, 1875)

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