A Igualdade no Marxismo Chileno · A Igualdade no Marxismo Chileno ... Rolando Álvarez por sua...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFA E CIENCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAAO EM SERVIO SOCIAL
A Igualdade no Marxismo Chileno
Uma Reconstruo da Noo na
Esquerda Socialista e Comunista 1960-1973
Paula Vidal Molina
Rio de Janeiro
Fevereiro 2012
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PAULA FRANCISCA VIDAL MOLINA
A Igualdade no Marxismo Chileno
Uma Reconstruo da Noo na
Esquerda Socialista e Comunista 1960-1973
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
ps-graduao em Servio Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como parte dos
requisitos necessrios obteno do ttulo de
Doutor em Servio Social.
Orientador: Prof Jos Paulo Netto
Rio de Janeiro
Fevereiro 2012
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Vidal, Paula Francisca.
A igualdade no marxismo chileno. Uma reconstruo da noo na
Esquerda Socialista e Comunista 1960-1973 / Paula Francisca Vidal. --
Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2012. xi, 270f.: il.; 31 cm.
Tese (doutorado) UFRJ/ Centro de Filosofia e Cincias Humanas/
Programa de Ps-graduao em Servio Social, 2012.
Orientador: Jos Paulo Netto
Referncias Bibliogrficas: f. .
1. Izquierda Chilena. 2. Partido Comunista. 3. Partido Socialista.
Igualdad. I. Jos Paulo Netto. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro,Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Programa de Ps-
graduao em Servio Social.
CDD:
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PAULA FRANCISCA VIDAL MOLINA
A Igualdade no Marxismo Chileno
Uma Reconstruo da Noo na
Esquerda Socialista e Comunista 1960-1973
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-
graduao em Servio Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos
requisitos necessrios obteno do ttulo de
Doutor em Servio Social.
Aprovada por :
___________________________________________
Presidente e Orientador Prof Jos Paulo Netto
__________________________________________
Profa. Silene Freire.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
__________________________________________
Prof. Edson Teixeira
Universidade Fluminense Rio das Ostras
__________________________________________
Prof. Mauro Iasi
Universidade Federal do Rio de Janeiro
________________________________________
Prof. Luis Acosta
Universidade Federal do Rio de Janeiro
-
RESUMO
VIDAL, Paula Franscisca. A igualdade no marxismo chileno. Uma reconstruo da
noo na Esquerda Socialista e Comunista 1960-1973. Rio de Janeiro, 2012. Tese (Doutorado
em Servio Social) - Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 2012.
A tese indaga na noo de Igualdade usada implcita ou explicitamente pela esquerda
marxista chilena os casos dos Partidos Comunista e Socialista entre os anos 1960-1973.
A escolha se explica porque a noo de Igualdade a bandeira de luta que se expressa
no plano poltico-econmico do movimento operrio chileno, onde os partidos comunista e
socialista so sua expresso.
Tambm porque a Igualdade no momento contemporneo um dos princpios que
aporta tanto para elaborar a crtica do presente e esboar um novo tipo de sociedade.
As descobertas da pesquisa do conta de que a esquerda marxista chilena, nesse
perodo, usou implicitamente a noo de igualdade, exceto as figuras de Salvador Allende e
Clodomiro Almeyda, duas grandes figuras paradigmticas da esquerda chilena da segunda
metade do sculo XX, que se referem a ela explicitamente.
Podemos afirmar que este predominante uso implcito da noo no impede que
afirmemos que o referente terico que o justifica o humanismo socialista ou comunista.
Ambos se constituem em uma superao do humanismo burgus, onde a igualdade e a
liberdade tm expresso como dois mbitos que permitem em ltima instncia a emancipao
humana.
A igualdade no interior da sociedade socialista-comunista implica dois nveis: uma
igualdade inicial ou homogeneidade na distribuio dos bens sociais primrios para todos,
como a sade, a educao, o emprego, a moradia, etc., e uma igualdade no desempenho da
diferenciao de cada pessoa depois de ter a possibilidade de desenvolver ao mximo suas
potencialidades. Nesse sentido, esta estrutura terica do humanismo socialista-comunista
corente com os princpios colocados por Marx em A Crtica do Programa de Gotha,
programa que foi lido pelos socialistas e comunistas chilenos de segunda fonte.
Palavras-chave: Esquerda chilena, Igualdade, Partido Comunista, Partido Socialista
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ABSTRACT
VIDAL, Paula Franscisca. A igualdade no marxismo chileno. Uma reconstruo da
noo na Esquerda Socialista e Comunista 1960-1973. Rio de Janeiro, 2012. Tese (Doutorado
em Servio Social) - Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 2012.
This thesis investigates the notion of Equality used implicitly or explicitly by the
Chilean Marxist Left the cases of Communist and Socialist Party in the years 1960-1973.
This choice is explicable because the notion of Equality is the battle flag expressed on
the political-economical aspect of the Chilean Labor Movement, in which the communist and
socialist parties are its expression.
Also because on the contemporary times Equality is a principle that contributes to
elaborate the present times critique and to outline a new kind of society.
The investigation discoveries account that during the period the Chilean Marxist Left
has used implicitly the notion of equality, except the personalities of Salvador Allende and
Clodomiro Almeyda, who have been two great paradigmatic personalities of the Chilean Left
on the second half of the 20th
century, and who have mentioned it explicitly.
We can state that this predominant implicit use of the notion does not prevent us to
affirm that the socialist or communist humanism is the theoretical reference that justifies it.
Both constitute the overcoming of the bourgeoisie humanism, as equality and liberty are
expressed as two aspects that ultimately allow the human emancipation.
The equality on the socialist-communist society implies two levels: an initial
dignity or homogeneity in the primary social benefits for everyone, such as health, education,
job, habitation, etc., and equality in the performance of the differences among people
following each one having the opportunity of developing to the maximum his/hers
potentialities. Accordingly, this theoretical structure of socialist-communist humanism is
coherent to the principles formulated by Marx on Critique of the Gotha Program, program
which has been read by the Chilean socialists and communists in second hand.
Keywords: Chilean left, Equality, Communist party, Socialist party.
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Para Pascale, Anais e Vicente
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AGRADECIMENTOS
Vrias so as pessoas e instituies a quem devo agradecer que incentivaram a
realizao do presente estudo. Sem elas, dificilmente este seria possvel. Em primeiro lugar,
devo mencionar ao meu orientador Jos Paulo Netto, pela ajuda a mim oferecida em vrios
mbitos ao longo destes quatro anos, especialmente sua generosidade intelectual e pessoal.
Agradeo tambm aos professores Carlos Nelson Coutinho, Jos Mara Gmez e Sergio Grex
cujos valiosos aportes realizados ao projeto da tese me permitiram reavaliar algumas nfases
que pensava abordar em um princpio e que foram pertinentes para apresentar este estudo.
Meus enorme agradecimentos esto com o professor Alex Canillicos, do Kings College of
London, sua generosidade intelectual me permitiu compartilhar com ele no apenas suas aulas
semanais, seu grupo de doutorandos, mas tambm, a cada quinze dias, suas reflexes e
respostas a minhas permanentes inquietudes acerca da minha investigao, entre Janeiro e
Abril de 2010.
No posso deixar de agradecer tambm a Atilio Born, que me permitiu conhecer o
trabalho de Fernando Lizrraga e estabelecer um intercmbio epistolar afim a meu objeto.
Devo reconhecer que a obra de Fernando me permitiu acessar certos debates e interesses na
linha da justia e da igualdade social desde uma perspectiva marxista, inexistente na discusso
intelectual chilena. No Chile, meus enormes agradecimentos so para Toms Moulian, Jaime
Massardo, Sergio Grez, Jorge Gonzalorena, Manuel Ossa, Germn Albuquerque, por sua
proximidade, seriedade e compromisso na discusso do meu trabalho, sem sua solidariedade
este trabalho no teria o tom que hoje apresenta. Agradeo tambm a Manuel Loyola e
Rolando lvarez por sua generosidade em ler as partes correspondentes ao Partido Comunista
e suas acertadas opinies.
Agradecer tambm Comisso Nacional de Cincia e Tecnologia (CONICYT) por
oferecer-me durante quatro anos uma bolsa que permitiu minha dedicao exclusiva ao
doutorado. Por ltimo, meus/minhas amigos/as e famlia merecem um grande
reconhecimento. Meno especial merecem minhas amigas e meus amigos que o Brasil
ofereceu: Josefina, Rodrigo, Fernanda, Ernesto, Claudia, Roberth, Joel, Vernica, Katia e
Ramiro. Sua ajuda e carinho nos bons e maus momentos foi vital nestes anos. Minhas irms,
cunhados e meus filhos: Pascale, Anais e Vicente, minhas palavras no podem no ser apenas
de amor e agradecimentos.
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SUMRIO
Introduo
1. A volta emancipao ............................................................................................... 9
2. Elementos para a compreenso terica da Igualdade .............................................. 20
3. Aproximaes metodolgicas .................................................................................. 30
Captulo 1: Antecedentes histricos da Igualdade na Esquerda Chilena do sculo XX
1.1. A Igualdade e as origens da Esquerda Chilena: Uma breve resenha ....................... 39
1.2. A Esquerda entre 1960-1973 ................................................................................... 54
1.2.1. Uma aproximao ao desenvolvimento urbano-industrial no Chile ......... 54
1.2.2. Reacomodao e posicionamento da Esquerda antes de 1960 .................. 61
1.2.3. Alguns esclarecimentos: A Igreja e a Justia ............................................ 72
1.2.4. Entre 1960-1973: os gloriosos anos da Esquerda Chilena ........................ 83
1.2.5. A modo de concluso ................................................................................ 91
Captulo 2: Partido Comunista do Chile 1922-1973
2.1. O Partido Comunista do Chile ................................................................................. 94
2.2. Histria do Partido Comunista do Chile .................................................................. 94
2.3. A Demanda dos comunistas ................................................................................... 106
2.4. A Igualdade como noo terica e o Partido Comunista ....................................... 111
2.4.1. A Revista Principios .................................................................................. 111
2.4.2. A Revista Principios e a Igualdade ............................................................ 116
2.4.3. Ento, qual Igualdade? ............................................................................... 127
2.5. A Igualdade e algumas obras dos intelectuais do PC chileno................................ 130
2.5.1. Orlando Millas ........................................................................................... 130
2.5.2. Valentin Teitelboim Volosky Volodia .................................................... 136
2.5.3. Luis Corvaln Lepe .................................................................................... 145
2.6. A noo de Igualdade e o Partido Comunista Chileno 1960-1973 ........................ 149
Captulo 3: Partido Socialista do Chile 1933-1973
3.1. O Partido Socialista do Chile ................................................................................. 154
3.2. Histria do Partido Socialista do Chile .................................................................. 154
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3.3. Igualdade, Congressos Socialistas e Demandas Sociais ........................................ 168
3.4. A Igualdade e sua Construo Terica .................................................................. 176
3.4.1. A Revista Arauco. Tribuna do pensamento socialista ........................... 177
3.4.1.1. A Revista Arauco e a Igualdade ........................................... 179
3.4.2. Salvador Allende Gossens ..................................................................... 201
3.4.3. Julio Csar Jobet.................................................................................... 214
3.4.4. Clodomiro Almeyda .............................................................................. 222
3.4.5. A noo de Igualdade e o Partido Socialista Chileno (1960-1973) ...... 230
Concluses: Igualdade, entre a redistribuio e o humanismo ................................... 235
Referncias ....................................................................................................................... 250
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9
INTRODUO
A presente tese se aprofunda na noo de Igualdade que os partidos polticos
marxistas chilenos o Partido Comunista e o Partido Socialista usaram explcita ou
implicitamente durante o perodo de 1960-1973 e as referncias tericas das quais se nutriram
para dar forma a esse uso explcito e implcito.
Em tempos em que, desde diversas frentes poltico-ideolgicas, se fala de
desigualdade social, igualdade e a necessidade de super-la1, importante trazer luz as
elaboraes e processos desenvolvidos pela esquerda chilena e a tradio marxista. Isto no
com um af arqueolgico, entretanto para reconhecer e acolher o que pertinente
atualidade, do que fez sua a tradio do movimento operrio e popular do sculo XX,
acrescentando assim alguns elementos ao(s) movimento(s) que vm colocando sobre a mesa a
necessidade urgente de esboar outra forma de sociabilidade imperante.
1. A volta emancipao
A nova configurao que adquire o capitalismo e suas manifestaes no momento
atual evidente. Ela vem se estruturando especialmente a partir da dcada dos anos setenta do
sculo passado. Desde diversas frentes j se proclama que tais caractersticas j no
expressam acontecimentos de uma conjuntura, seno que marcam uma nova poca histrica
onde o que est em jogo a viabilidade do prprio sistema dominante, que embora tenha sido
ajustado para sobreviver e revigorar-se no passado (a custo de vrias devastaes), seu futuro
de sobreviver ser possvel apenas sob um cenrio monstruoso.
1 Exemplo disso um dos ltimos informes da Cepal A Hora da Igualdade. Brechas por selar,
caminhos por abrir (2010), no qual se reconhece a Igualdade como um reclamo que historicamente tiveram as
sociedades latino-americanas e que foram negadas de cumprir. A partir do escndalo das desigualdades, para esta
perspectiva aprofundar a democracia significa uma maior igualdade de oportunidades e direitos de atingir certos
limiares de bem-estar social e reconhecimento, refere a acesso especialmente em educao, sade, emprego,
moradia, servios bsicos, qualidade ambiental e seguridade social, onde se impem limiares mnimos de bem-
estar e de prestao de servios, e com isso se estabelecem limites igualdade no acesso, confia-se em que a
igualdade social e um dinamismo econmico (ou economia de mercado) no so incompatveis. Por outro lado,
no conceito de Desenvolvimento Humano do PNUD, depois das contribuies de Amartya Sen com sua
pergunta Igualdade de qu?, a noo de igualdade de oportunidades tem um papel importante, aqui, no se
trata apenas que os indivduos tenham ao menos certas capacidades bsicas, mas que seu potencial de ser pessoas
chegue a ser similar entre eles. No a igualdade de resultados que est envolvida, porm a igualdade de
possibilidades de ser ou atuar, ou seja, a igualdade de oportunidades. Ou no plano terico, as contribuies de
John Rawls (1971), Amartya Sen (1992), Dworkin (1977) tambm se pronunciam sobre a igualdade e a justia
desde diversos focos, o primeiro e o terceiro como igualdade de bens primrios ou recursos, o segundo como
igualdade de capacidades.
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10
As caractersticas que adquiriu esta nova configurao fazem com que emirja com
maior fora a ideia de que o capitalismo a causa dos processos de regresso planetria que
se vm vivendo, e diversa a linguagem utilizada para dar conta disso. Fala-se assim, que o
capitalismo chegou aos seus limites, de uma crise civilizatria, de uma crise estrutural do
sistema como um todo, ou do estado de barbrie em que estamos submergidos. Em tudo isso,
cabe ressaltar que cada conceito, cada metfora refere-se a um estado complexo da realidade,
cujo fio comum a certeza de que, mantendo-se neste caminho, apenas o colapso o que se
espera para a humanidade.
A pobreza e desigualdades persistentes, no interior de e entre os povos, a destruio
ambiental, a impossibilidade de estender a toda a humanidade o padro de consumo de massas
dos pases centrais devido aos escassos recursos naturais, a crise alimentar produto da m
distribuio dos recursos entre as naes, o desemprego crnico ou estrutural junto ao
emprego informal-precarizado nos pases centrais e perifricos, a diminuio dos Estados no
que compete ao resguardo e promoo dos direitos polticos, econmico-sociais, e cultural de
seus cidados, e a lgica do capital que implica continuar produzindo a partir da necessidade
de sua valorizao, desembocando muitas vezes em sangrentas guerras ou em recorrentes
crises do capital com nefastas consequncias para os setores mais despossudos e vulnerveis,
so apenas algumas das consequncias que desvelam os efeitos paradoxais e irracionais os
limites do sistema do capitalismo e sua marcha destruidora. Este fenmeno no proporciona
somente importantes razes para repudiar o presente e futuro que o capitalismo oferece como
modelo social, mas que tambm obriga a buscar urgentemente alternativas que promovam e
estabeleam novas pautas de sociabilidade para e na futura sociedade.
Esta carreira desenfreada em direo ao abismo materializa representaes
monstruosas de sociabilidade, como a grande contraparte do quadro racional do
desenvolvimento para a humanidade, que implica tambm o capitalismo. Mszros (2007) o
enuncia como uma humanidade diante hoje ao perigo potencial de autoaniquilao em razo
da aparente incontrolabilidade de seu modo de reproduo sociometablica sob o domnio
do capital, o que o faz afirmar que o desenvolvimento das foras produtivas experimentadas
durante o sculo XX, sob as atuais condies se transformaram em foras destrutivas aos
serem utilizadas irresponsavelmente. Hobsbawm (2009) nesta mesma linha argumental
tambm faz o chamado a mudar urgentemente a compreenso simplista do presente sobre a
situao planetria, interpelando-nos diante da responsabilidade de optar por modificar o
caminho de convivncia mtua que construmos, convivncia que at agora se projeta como
nefasta para o mundo. O que obriga a mudar no sculo XXI a frmula da organizao mundial
-
11
econmica baseada no capitalismo com seu impulso de crescimento ilimitado, abandonando
com isso tambm a velha crena imposta no apenas pelos capitalistas num futuro de
crescimento ilimitado a base da extrao dos recursos do planeta. Mas o interesse de
Hobsbawm ainda que no apenas seu tambm apontar os desafios de uma economia no
sculo XXI com eixos que falem ao menos de um esboo de um novo modelo societrio e
estes eixos seriam a justia social, a vida digna para todos e a realizao das potencialidades
inerentes aos seres humanos, o que para o autor em definitivo, colocar o bem-estar e a
justia social como ncleo das prioridades sociais e morais de uma sociedade boa e humana.
Neste contexto, como primeiro passo necessrio elaborar antdotos que apontem a
superao do capitalismo, o que implica apropriar-se da lgica do capitalismo estudada j por
Marx no sculo XIX, porm tambm identificar junto com o que se mantm desta aquilo
do capitalismo que se apresenta como novas formas na poca contempornea. Este primeiro
passo introduz, assim mesmo, a pergunta pelo tipo de sociedade a construir para as prximas
geraes e proclama a recusa categrica crena da possibilidade de moldar o capitalismo
com um rosto mais humano2, reformulado sobre bases ticas. Sem dvida, estas bases se
localizam nas antpodas do modo natural e selvagem de existir do capitalismo: o lucro,
explorao, competio e egosmo, irreconciliveis com o bom sentido do humano.
Valoriza-se ento e cada vez com maior fora em intelectuais, em atores e
movimentos sociais um crescente ceticismo, descontentamento e recusa desde Chiapas em
1994, Seattle em 1999, Frana e Grcia em 2010, Londres em 2011 frente a um capitalismo
reformulado, e uma preocupao (com matizes entre uns e outros pases) no apenas por
defender o terreno perdido em mos da selvageria capitalista, seno de construir um novo
futuro (EAGLETON, 2006).
Apesar disso, mesmo com este positivo nimo social e tentativas esperanosas de
resistncia e construo de outra ordem, hoje se est longe de que o liberalismo (como
doutrina poltica e o capitalismo como sistema econmico) e suas variantes, deixem de ser as
encarregadas de pensar e moldar a forma de levar adiante as instituies e as relaes bsicas
da sociedade. Sob esse cenrio, ainda que o pensamento socialista e comunista no tm lugar
nestas questes, isso no significa que deva abster-se de realizar a crtica ao totalitarismo
imperante.
2 Daniel Singer (2000) ilustra muito bem esta ideia ao dizer que a iluso de um capitalismo sem crises,
com eterno crescimento, ou o direito de todas as pessoas do mundo a gozar de um trabalho estvel, permanente e
com salrio digno e com perspectivas de melhoras no nvel de vida para eles e seus filhos, hoje uma fantasia
que no est em moda, desvanecendo-se em todo o mundo ocidental quase ao mesmo tempo. Por sua parte, a
desigualdade social destruiu tambm o mito de que na medida em que todos os pases esto no rumo capitalista,
ao final todos seriam iguais, todos se constituiriam em classe mdia.
-
12
Aceitamos o convite de Daniel Bensad a voltar para as palavras da emancipao, que
ontem foram portadoras de grandes promessas e sonhos de um melhor porvir. Mas estas ainda
quando no conseguiram impedir os erros histricos cometidos, sofreram, alm disso,
sistemticas campanhas ideolgicas que permitiram associar imediatamente palavras como
comunismo, anarquia, revoluo, igualdade ou socialismo a terror, violncia, burocracia,
totalitarismo e homogeneidade. Este convite para reparar e ressignificar algumas destas
palavras considerando e reconhecendo o que ocorreu com o comunismo no sculo XX e
uma vez feito isso, comear a situ-las novamente em movimento, nomeando a alternativa ao
capitalismo.
A proposta que devemos reparar a palavra Comunismo por seu maior sentido
histrico e carga programtica explosiva, pois evoca e promete entre outras coisas, a
desmercantilizao e o repartimento igualitrio e comum dos bens, e do poder, a solidariedade
como a contraparte do clculo egosta e da competio generalizada, a defesa dos bens
naturais e culturais da humanidade, e a luta contra a privatizao do mundo. Comunismo no
uma ideia pura, nem um modo doutrinrio de sociedade, ou um regime estatal e menos um
modo de produo, seno que pode e deve ser o nome de como diz Marx um movimento
que de modo permanente supera e suprime a ordem estabelecida (BENSAD, 2009), na busca
de materializar a boa sociedade. Comunismo inseparvel de outras palavras que a definem
e concretizam, como so igualdade e justia, solidariedade e comunidade que se entretecem
trama como diz Michael Lwy (1994) da crtica radical, irreconcilivel e profunda ao
capitalismo.
As palavras e a crtica devem se transformar no que em algum sentido Daniel Singer
(2000) denomina utopia realista, capaz de traspassar os confins do capitalismo, mas onde a
utopia e o futuro se enrazam nos conflitos vigentes que brinda a sociedade contempornea.
De certo modo esta figura de duas caras foi protagonista nas revolues modernas,
expressando os conflitos do momento e o interesse e as tentativas de certos setores da
sociedade por superar a sociedade precedente (ou seu presente), para materializar um futuro,
a boa sociedade a que aspiram.
Como sabemos, as revolues do mundo moderno (inglesa, norteamericana e francesa)
avanaram algumas promessas, mas foi especialmente a revoluo francesa que buscou
cumprir as promessas que implicavam as ideias de liberdade, igualdade e fraternidade na
sociedade, as quais uma vez materializadas cristalizaram apenas ofertas no cumpridas.
Construram-se em palavras quebrantadas e ideais fracassados porque a mesma sociedade
burguesa em que nasceram no pode realiz-los para todos. Assim, o(s) movimento(s)
-
13
socialista(s) e o movimento operrio em particular, recolheram e levantaram com maior
veemncia essas promessas, especialmente aquela que tocava a medula do status quo dessa
sociedade: a igualdade.
Esse movimento histrico pe no centro o que hoje segue sendo pertinente situar como
eixo de um projeto emancipatrio: a igualdade. A igualdade se afasta como diz Daniel
Singer (2000) de qualquer reducionismo da moda atual que a associa a conceitos vagos de
equidade ou o que alguns apologistas do liberalismo chamam de igualdade de
oportunidades3. Tambm se deve evitar identificar igualdade com uma definio formal
como a igualdade poltica ou cada pessoa, um voto. Tampouco com a famosa uniformidade
e nivelao, nem com aquilo que outros definem como igualdade jurdica. Do anterior, no se
deve esquecer que a contraparte a desigualdade que apareceu com fora na agenda dos
pases uma vez que foi impossvel escond-la ou simular que se erradicava sob o capitalismo,
por mais que se recorresse a justificaes genticas ou biologizao da desigualdade na qual
o egosmo, a competio e o individualismo seriam parte do ADN da natureza humana.4
3 A igualdade de oportunidades desde a tradio liberal moderna busca igualar as condies de
partida dos competidores pelas posies e os bens sociais, para permitir posteriormente uma desigualdade de
resultados. Isto apresenta diferenas entre os democratas de direitas e os democratas de esquerdas. Para os
primeiros, a igualdade de oportunidades deve-se reduzir garantia legal de que nenhuma pessoa ser
discriminada em seu trabalho, no acesso educao ou sade e, em geral, em nenhuma atividade pblica ou
social por razo de sua cor de pele, crenas ou origem social. o que chamam de igualdade formal de
oportunidades. Esta verso de igualdade no se encarrega das desigualdades de origem das que as pessoas
partem. Para os segundos, em troca, a no discriminao formal no suficiente para garantir uma verdadeira
igualdade, pois existem fatores sociais e econmicos que impedem que uma mera igualdade ante a lei seja
insuficiente para igualar efetivamente as oportunidades, por isso alguns recursos (como educao, sade,
econmicos, etc.) devem distribuir-se desigualmente assinalando aos pior situados ou pobres na estrutura
social para igual-los na origem e possibilitar que compitam em igualdade de condies. Isto o que chamam de
igualdade equitativa de oportunidades na tradio de Rawls. Apesar de que esta segunda verso muito mais
progressista porque se encarrega de alguns obstculos de base que as pessoas vivem e as impedem de conseguir
seus objetivos, no aborda o grande e maior obstculo: o capitalismo, como gerador de desigualdades que
impede aos sujeitos obter livremente os objetivos que cada um define. 4 Esta ideia se conhece como Darwinismo Social que permite dar fundamento relao entre seleo
natural e competio sob o liberalismo econmico. Utiliza-se a teoria da evoluo de Darwin para defender e
explicar cientificamente a sociedade capitalista. Assim, os que se localizam no fundo da escala de renda,
merecem esta condio porque no possuem os mritos e capacidades para ascender socialmente. Herbert
Spencer ser um dos grandes tericos do darwinismo social de fins do sculo XIX. Um livro que em 1976
provoca polmica pelo mesmo assunto O Gene Egosta: as bases biolgicas de nossa conduta de Richard
Dawkins. Entretanto, a produo de Flix Ovejero junto produo de Gintis e Bowles se distanciam e refutam
o gene egosta, estes ltimos defendem a existncia de um sentido de reciprocidade forte, no qual as pessoas se
interessam pelo bem-estar dos outros, assim como os processos que determinam os resultados. Ainda que seus
experimentos mostrem que as pessoas no so nem egostas, nem altrustas incondicionais, a reciprocidade forte
as permitem cumprir normas e possuir um sentido de solidariedade e de regulao de intercmbio social justo
entre iguais. Maiores detalhes ver a pgina com a produo cientfica de Herbert Gintis nesta linha experimental
da reciprocidade e o igualitarismo na contramo da lgica de mercado, em: http://www-
unix.oit.umass.edu/~gintis/papers_index.html, tambm contribui o livro de Enric Tello, A histria conta: do
crescimento econmico ao desenvolvimento sustentvel. (Madrid, 2005), ou de Ovejero, Do mercado ao instinto
(ou dos interesses s paixes) (Isegora, 1998), disponvel em:
http://.redalyc.uaemec.mx/pdf/419/41900205.pdf. Em outro plano, vrios estudos antropolgicos demonstraram
que vrias culturas atribuem a suas relaes um forte sentido coletivo ou comunitrio.
http://www-unix.oit.umass.edu/~gintis/papers_index.htmlhttp://www-unix.oit.umass.edu/~gintis/papers_index.htmlhttp://.redalyc.uaemec.mx/pdf/419/41900205.pdf
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A igualdade um princpio que vrios autores resgatam. A respeito disso, Perry
Anderson (2003), em um esforo por perguntar-se e dar algumas pistas sobre a superao do
neoliberalismo, enfatiza que a necessidade de hoje que a esquerda consiga vencer ao
neoliberalismo, e pode torn-lo possvel atacando entre outras coisas no terreno dos
valores, ou seja, ressaltando o princpio da igualdade como critrio central de qualquer
sociedade verdadeiramente livre. Nesse sentido, considera que os princpios da Crtica do
Programa de Gotha, escrito por Marx h mais de um sculo, conservam sua absoluta vigncia
para a atualidade.
Por outro lado, Istvn Mszros (2007) nos recorda tanto a Lnin quanto a Babeuf,
como duas figuras preocupadas com a igualdade. Acerca de Lnin, invoca que no apenas lhe
importava a igualdade dos grupos nacionais, mas tambm de tornar desigual a igualdade em
favor dos que estavam em desvantagem ou eram oprimidos, retomando o ponto de vista
marxiano neste ponto. Igualmente, acerca de Franois Babeuf, anota que este definia as
condies de igualdade com base nas necessidades humanas, assim a igualdade definida no
campo da esquerda desde a poca da Revoluo Francesa.
Bobbio (1996) tambm pe a igualdade social como linha divisria entre a direita e a
esquerda, esta ltima a que a levanta com mpeto em seu discurso e prtica. A mesma ideia
recorrente na obra de Daniel Singer (2000) quando prope que mudar a estrutura da
sociedade a linha divisria entre os verdadeiros igualitaristas e aqueles que apenas se
disfaram como tais para esconder sua defesa dos privilgios. Para ele, a igualdade plena,
como meta de longo prazo, significa romper radicalmente com o capitalismo, j que a
incompatibilidade entre igualdade e propriedade privada dos meios de produo bvia
devido impossibilidade de igualar o empregado ao patro.
Mas o anterior tambm se expressa no movimento histrico real da Amrica Latina no
sculo XX, as lutas dos povos para romper com o passado de desigualdade e opresso,
indignidade e injustia. As bandeiras com as palavras de socialismo e comunismo se
entrelaam a este movimento e suas lutas, outorgando-lhes aos setores populares e classe
trabalhadora esperanas de outro porvir, de um futuro desejvel onde reinam a igualdade, a
dignidade, a justia e a liberdade. O processo da luta do povo chileno no escapa a esses
traos e a esquerda se torna no apenas um eixo articulador de demandas desde fins do sculo
XIX, mas tambm um protagonista no momento de dirigir os processos que guiam os
processos da histria chilena do sculo XX.
O conceito de igualdade conota ento vrios aspectos. Por uma parte, desvela ou
denuncia as monstruosas consequncias que se seguiram do capitalismo aos povos; logo, se
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adverte a necessidade urgente de levantar outro modo de sociabilidade; por ltimo, assinala
que os processos emancipatrios e as lutas iniciadas pelos povos da Europa e Amrica Latina
se reconhecem em uma e mesma continuidade histrica.
Acreditamos que a noo de igualdade possui uma fora terica e histrica. capaz de
dar conta das causas que geraram sentimentos de indignao em intelectuais, polticos e o
movimento operrio e popular no passado a respeito daquele momento histrico. Assim
tambm, hoje, segue vigente sua energia compreensiva da indignao e sua potncia
transformadora das condies de vida oferecidas pelo capitalismo. Por este motivo esta tese
torna sua a inteno de por em movimento algumas palavras e noes como a de Igualdade,
que pode ajudar a esboar outra forma de sociabilidade da imperante hoje, acolhendo o que a
tradio do movimento operrio e popular, a esquerda chilena do sculo XX, tornaram seus.
Uma grande parte da esquerda chilena, especialmente desde a segunda dcada do
sculo XX, se definiu como marxista. Por isso esta pesquisa foca a esquerda marxista chilena
que, em grande parte esteve representada pelos Partidos Comunista e Socialista, ainda depois
da dcada de 1950, em que se fazem escutar uma multiplicidade de vozes em seu interior at
o golpe de Estado de 1973, que quando, como diz Julio Cesar Jobet termina uma poca
resplandecente da vida cultural e social do Chile.
Desde 1933 em diante, o marxismo foi uma das teorias mais usadas no campo da
poltica e da explicao histrica. O marxismo mais amplamente usado no Chile a partir da
dcada de 1930 remete a escolas que se diferenciam analiticamente em dois grandes enfoques
que no seu interior mostram diferenas, e possuem tambm um correlato partidrio
(MOULIAN, 2009). Uma a posio frente teoria, e outra, pela posio na teoria.
No marxismo chileno, ambos os pontos de vista se combinam dando por resultado que
frente teoria se localizam duas grandes divises: uma que concebe o marxismo como
mtodo; e a outra o adota como teoria. A primeira pensa em formas de conhecer que possam
dar lugar a generalizaes e leis; ao invs disso, a segunda concebe o marxismo como um
conjunto sistemtico de elaboraes e de generalizaes sobre o capitalismo, o socialismo e a
revoluo. Por outro lado, a posio na teoria, a respeito da revoluo localizam-se duas
escolas: a marxista-leninista sovitica e a marxista-leninista castrista, nascida nos anos
sessenta.
No que se refere ao marxismo concebido como mtodo, politicamente se inscreve o
Partido Socialista, para quem as teorias poderiam ser vrias, e a fins dos anos 1960 se
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inscreveria tambm o que se chamou de Movimento de Ao Popular Unitria (MAPU) que
apresentava algumas diferenas com o PS no interior desta corrente.5
No enfoque terico, como dizamos, encontram-se duas grandes escolas que ele
denomina marxista-leninista sovitica e marxista-leninista castrista. A primeira se inscreve no
Partido Comunista e a segunda no Movimento de Esquerda Revolucionria (MIR) junto
corrente esquerdista do PS, onde as diferenas entre o PC e o MIR junto a esta corrente
socialista, referem-se a aspectos especficos e circunscritos da teoria da revoluo, isto ,
ao nvel do processo revolucionrio, com os problemas das condies e dos meios de luta.6
Para a escola marxista-leninista sovitica existe uma primazia da estrutura sobre a
ao e a conscincia das massas, pelo que se torna necessrio cumprir algumas etapas para
alcanar a nova sociedade.7 Por sua parte, a tendncia castrista se diferencia por basear-se em
uma anlise do desenvolvimento do capitalismo chileno derivado de uma verso da teoria da
dependncia gerada pelos intelectuais estrangeiros Andrew Gunder Frank, Theotonio dos
Santos e Ruy Mauro Marini, que para alm de suas diferenas de interpretao, negam o
carter feudal da economia chilena original, o que vai trazer consequncias na prtica poltica
e diferenciaes com o PCCH, enquanto se incorpora a luta armada como estratgia, mas que
no vai influenciar na necessidade estrutural do socialismo que importa a ambas as vertentes.
Por outro lado, fixar o olhar nos partidos polticos tambm se justifica porque o
marxismo no Chile, especialmente o da tradio sovitica, possui uma funo fundamental
como sujeito terico: o partido define o que verdadeiro ou no, o que ou no cientfico, e
o que ou no heterodoxo. Uma das funes tericas do partido o controle da produo.
Como vigilante, aporta os critrios de construo do clssico e de leituras corretas das obras
5 Recordemos que o MAPU foi criado formalmente em maio de 1969, conformado por ex-militantes da
Democracia Crist, e ingressa na Unidade Popular em 1970, participando no governo de Salvador Allende.
Precocemente se declara marxista, mas crtico URSS. 6 interessante a observao que faz Toms Moulian (2009) a respeito de que o socialismo na
concepo marxista-leninista no Chile, aparece como uma necessidade derivada de razes estruturais, da
contradio principal entre as foras produtivas e as relaes de produo. O socialismo seria ento uma
realidade internamente determinada, objetivista com uma primazia da estrutura sobre a prtica, a qual
possvel no marco definido pelas condies. Este ltimo, segundo o autor, foi o enquadramento terico bsico
da teoria da revoluo por etapas, prprio do marxismo-leninismo sovitico conduzido no Chile pelo PC e que
daria forma a uma teoria da modernizao, onde a industrializao, apoiada pelo Estado, tinha a funo de
cumprir as etapas que eram da competio do capitalismo na sociedade chilena. At os anos cinquenta, a teoria
etapista no era uma teoria do avano em direo ao socialismo em democracia, mas uma teoria da
modernizao como pr-condio do capitalismo. A partir de 1958 a nfase da teoria etapista muda,
considerando que o governo popular seria o comeo de um trnsito institucional em direo ao socialismo. 7 Entretanto, a partir de fins dos anos cinquenta, vo ocupando espao no interior da base terica do
marxismo-leninismo influncias conceituais do marxismo europeu, como o humanismo socialista, o qual, para
Moulian, significa no uma sntese, mas acomodamento pela sua significao poltica mais que terica, com uma
dimenso mais subjetivista acentuando a prtica e a conscincia, o qual permitia instaurar um dilogo entre
marxistas e catlicos.
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dos autores, determinando o saber que devia circular. Por sua vez, o partido produz tanto a
teoria atravs de intelectuais orgnicos ou independentes , como tambm as guias prticas
para a ao dos militantes do partido, e forma a conscincia do militante e do cidado em
geral, tentando expandir a viso de mundo. Pensava-se, pois, que o partido era capaz de
relacionar a teoria, a conscincia e a prtica (MOULIAN, 2009).
A essa particularidade deve-se acrescentar que a esquerda marxista chilena do sculo
XX apresenta uma frgil assimilao do pensamento marxista heterodoxo, aderindo
claramente a centros ideolgicos. Marcelo Alvarado (2006) expressa isso muito bem quando
descreve que o Partido Operrio Socialista (1912) se alienou ideologicamente Segunda
Internacional onde imperava o paradigma ideolgico positivista-evolucionista. O mesmo
ocorre com o Partido Comunista (1922) que se une Terceira Internacional. O MIR (1965),
por seu turno, teve como fonte de inspirao a experincia cubana e especialmente o
guevarismo. Diferente o Partido Socialista (1933) devido diversidade de correntes
existentes em seu interior e sua histria, no se aliena a um centro ideolgico especfico
(ainda que se defina crtico do stalinismo sovitico), mas observa tanto as teorizaes e
prticas da Iugoslvia de Tito nos anos 1950, como o trotskismo ou a revoluo cubana.
Frente importncia que possui a esquerda partidria marxista chilena durante o
sculo XX, surge a necessidade de indagar seu acervo terico. Sem interesse de avaliar este
acervo seguindo as interpretaes contemporneas que falam de leituras dogmticas, vulgares,
religiosas ou reducionistas sobre o marxismo, que fizeram os partidos polticos PCCH e OS e
seus intelectuais orgnicos na poca, o que interessa rastrear o tipo de concepo que
utilizam para remeter igualdade, ou seja: o que pensou tradicionalmente a esquerda
marxista chilena sobre a igualdade? Que classe de igualitarismo defendeu? Quais foram
suas fontes tericas e as demandas das lutas polticas concretas?
Estas perguntas se colocam sob a suposio de que no bvia a preocupao que
teve essa esquerda por perguntar-se sobre o que implicava teoricamente a compreenso da
igualdade, que no era redutvel a um punhado contedos ou demandas histricas, tudo o que
no invalida certamente que as demandas econmico-sociais e polticas defendidas pela
esquerda durante o sculo XX sejam expresses de noes explcitas ou implcitas de
igualdade que os partidos manuseavam e tentavam socializar entre seus quadros e o resto da
sociedade.
Por isso, esta pesquisa estabelece resumidamente o tipo de demandas poltico-sociais
concretas exigidas pela esquerda marxista chilena durante o perodo 1960-1973 como forma
de materializar no campo poltico a noo de igualdade e especialmente se preocupa por
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adentrar-se na compreenso terica que sustenta esta noo no Partido Comunista e no Partido
Socialista do Chile. Esta aproximao permite elucidar elementos de compreenso que
distingue entre o poltico-contigente e o terico-analtico da esquerda marxista chilena. Ao
mesmo tempo, permite distinguir as particularidades que assume a noo de igualdade no
Chile como expresso de um pas perifrico, onde as desigualdades ao longo do sculo XX
geraram a possibilidade de constituir alternativas polticas para solucion-la.
A escolha desta etapa histrica responde a que desde 1960 at 1973, quando ocorre o
golpe cvico-militar, a esquerda chilena mostra o momento de maior apogeu ou dcada de
ouro como conseqncia ao menos dos seguintes fatores:
O esgotamento ou crise desde os anos 1950 do modelo de Industrializao por
Substituio de Importaes (ISI) implementado no Chile;
A Revoluo Cubana;
A influncia recproca entre as massas populares e os partidos da esquerda,
expressado no aumento eleitoral significativo a favor das propostas da
esquerda no mbito da luta poltica;
Assim tambm, a pluralidade de agrupamentos novos que surgem no interior
da esquerda, e a diversidade de percepes que isso acarreta, por exemplo,
frente ao diagnstico poltico, econmico e social chileno e as vias de
superao desse momento histrico a favor das demandas do povo;
E, por ltimo, a chegada ao poder de Salvador Allende com a Unidade Popular
como cristalizao de um processo de auge da esquerda. Tudo o que no
voltar a recuperar-se uma vez ocorrido o golpe militar em 1973 at o presente.
Da mesma forma, a poca em que o uso do termo igualdade por parte da esquerda
explcito nos discursos da figura emblemtica da esquerda chilena: Salvador Allende. Nesse
sentido, um perodo histrico que transparece uma crescente maturidade dos processos
sociais orientados no sentido da construo de uma sociedade socialista, junto aos problemas
e desafios que isso implica.
A escolha do partido poltico como parte do objeto de estudo, no responde
precisamente concepo terico-poltica que tiveram na poca, os comunistas e socialistas
chilenos, que justificava constituir-se em partido, seno que o interesse desperta devido
interpretao realizada por Gramsci sobre ele como o moderno Prncipe, ou seja, a instncia
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que supera os interesses corporativistas da classe operria-trabalhadora, para tornar-se agentes
de atividades gerais, na construo de uma vontade geral,
os resduos corporativistas (os momentos egosta-passionais) da classe
operria e contribuir para a formao de uma vontade coletiva nacional-popular, ou
seja, de um grau de conscincia capaz de permitir uma iniciativa poltica que
englobe a totalidade dos estratos sociais de uma nao, capaz de incidir sobre a
universalidade diferenciada do conjunto das relaes sociais. (COUTINHO, 2003,
p. 169)
Sabemos que ambos os partidos e seus intelectuais no leram os escritos de
Gramsci at fins dos 1950, mas isso no significa que no possam ser interpretados luz de
suas elaboraes, especialmente pela existncia de vasos comunicantes entre sua verso e a
teoria leniniana do partido (COUTINHO, idem). Igualmente, cada um destes partidos
demonstrou haver desenvolvido de modo homogneo e sistemtico uma vontade coletiva,
convertida em prxis transformadora a partir do que ele menciona como uma anlise
histrica (econmica) da estrutura social do pas dado como condio para elaborar uma
linha poltica capaz de incidir efetivamente sobre a realidade. (COUTINHO, idem, p.171)
A escolha dos Partidos Comunista e Socialista deve-se a que so os que mostram
maior legitimao na poca representantes da coluna vertebral da esquerda marxista
tradicional chilena com uma nfase nas alianas polticas e um forte trabalho nos mbitos
parlamentar e extra-parlamentar, e centro ou ncleo sobre o qual gravitam outras
coletividades polticas como a Esquerda Crist ou o MAPU. Ainda que ambos partidos
puderam gerar alianas polticas junto sintonia ideolgica, so perfeitamente distinguveis
como vimos anteriormente em sua configurao marxista.
Centrar essa pesquisa na busca da existncia ou ausncia de referncias tericas e o
tipo de estas que configuram o princpio de igualdade como um valor de justia, como
tambm a forma que adquirem tais referncias nos partidos polticos marxistas da esquerda
chilena nessa poca, o que permitir avaliar a pertinncia desses elementos tericos para
retomar a crtica desde a esquerda que segue declarando-se marxista no momento atual,
recobrando uma das palavras ou princpios que lhe deram sentido sua luta histrica.
raiz do anterior, as hipteses deste trabalho so:
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1. Que os partidos da esquerda marxista chilena tradicional (PS, PCCH) entre os
anos 1960-1973, usaram implcita ou explicitamente uma noo de igualdade
que se concreta historicamente em reivindicaes econmico-sociais e polticas.
2. Que os partidos da esquerda marxista chilena tradicional (PS, PCCH) entre os
anos 1960-1973 possuem fontes tericas que permitem configurar a noo
implcita ou explcita de igualdade usada por eles.
3. Que apesar de identificar referente(s) terico(s) que nutre(n) a noo de
igualdade usada implcita ou explicitamente pelos partidos da esquerda marxista
entre os anos 1960-1973, estes no desenvolveram teoricamente o princpio de
igualdade.
Antes de introduzir-nos nos prximos captulos, importante brindar ao leitor alguns
elementos tericos e metodolgicos que situam a pesquisa proposta. Por isso fundamental
identificar aspectos conceituais sobre a noo de igualdade e, por ltimo, descrever a
estratgia metodolgica assumida no estudo.
2. Elementos para a compreenso terica da Igualdade
Esta pesquisa assume o legado da esquerda na tradio marxista para compreender
teoricamente a noo de igualdade, isso porque a nica que aponta contra a raiz da causa
geradora de vrios tipos de desigualdades: o capitalismo. Mas, ao mesmo tempo, porque a
esquerda marxista chilena entre os anos 1960-1973 usou implcita e explicitamente uma
noo construda pelo marxismo. Isso obriga a apropriar-nos da herana terica e o debate
contemporneo no interior da tradio.
O filsofo marxista-analtico Gerald Cohen (2001) prope que a igualdade social
indispensvel para responder a pergunta pela justia distributiva, e que foram trs as correntes
que se preocuparam disso: o marxismo clssico, o liberalismo igualitarista (na trilha de
Rawls8) e o cristianismo. Cada uma destas correntes entende a igualdade de um modo
particular, e busca sua realizao por meio de aes especficas: a luta de classes, a elaborao
de certo tipo de construo (regras) e a revoluo moral.
A ideia de Cohen a respeito da matriz marxista que o valor da igualdade junto ao de
comunidade e autorrealizao humana eram partes fundamentais das crenas desta tradio:
888
Recordemos que John Rawls inaugura todo um debate acerca da justia no interior da filosofia
poltica, uma vez sada luz sua obra A Teoria da Justia em 1971.
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ainda no tendo desenvolvido ou precisado profundamente o princpio da igualdade, pareciam
assumi-lo implcita ou explicitamente, todos os marxistas clssicos acreditavam em algum
tipo de igualdade, por mais que muitos se negaram a admiti-lo e por mais que nenhum, qui,
tivesse formulado com preciso esse princpio de igualdade no qual acreditava. (COHEN,
2001, p. 139).
Por outro lado, como j vimos, Norberto Bobbio (1996), nos anos noventa, conferia ao
princpio da igualdade a funo de critrio capaz de manter a diviso entre direita e esquerda,
afastando uma compreenso que se tinha da esquerda como aquela que realiza uma
homologao grosseira entre igualdade e igualitarismo9, em cujo horizonte est o terminar
com as desigualdades sociais10
:
a distino entre direita e esquerda, para a qual o ideal de igualdade
sempre foi a estrela polar qual mirou e segue mirando, muito clara. Basta com
deslocar o foco da questo social ao interior de cada Estado, da que nasceu a
esquerda no sculo passado, para a questo internacional, para dar-se conta de que a
esquerda no apenas no concluiu seu prprio caminho, mas que apenas o
comeou. (BOBBIO, idem, p. 170-171)
No difcil ento assegurar que o carter distintivo da esquerda histrica
socialista e comunista ser igualitria, princpio acrescenta Bobbio que coloca como
prioridade terminar com o maior obstculo igualdade entre os homens, isto , o da
propriedade individual (dos meios de produo), e impulsionar diversos modos e graus de
coletivizao dos meios de produo. Sem a superao deste obstculo dificilmente se poder
aspirar a uma sociedade de iguais.
9 no se quer dizer em absoluto que para ser de esquerda seja necessrio proclamar o princpio de
que todos os homens so iguais em tudo, independentemente de qualquer critrio discriminatrio, porque esta
seria no apenas uma viso utpica (...) seno pior, uma proposio a que no possvel dar um sentido
razovel. Em outras palavras, afirmar que a esquerda igualitria no quer dizer que seja tambm
igualitarista. A distino tem que ser destacada porque muito frequentemente, como ocorreu com todos aqueles
que consideraram a igualdade como carter distintivo da esquerda, ocorreu que foram acusados de serem
igualitaristas, por causa de um insuficiente conhecimento do abec da teoria da igualdade. Outra coisa distinta
uma doutrina ou um movimento igualitrio, que tendem a reduzir as desigualdades sociais e a converter em
menos penosas as desigualdades naturais, outra coisa o igualitarismo, quando se entende como igualdade de
todos em tudo. (BOBBIO, 1996: 140) 10
A tradio socialista e seu princpio de igualdade no se entendem cabalmente sem um de seus
precursores: J. J. Rousseau que no O Discurso sobre a origem da Desigualdade parte da considerao de que os
homens nasceram iguais (esse seu estado natural) e que a sociedade que se sobrepe ao estado de natureza e
converte aos homens em desiguais desde o momento em que aparece a propriedade privada.
Aps a Revoluo Francesa, tambm em Hegel segundo Domenico Losurdo observa-se a
preocupao pela desigualdade social, em suas palavras, [Hegel] tem o mrito de haver teorizado a existncia
de direitos materiais irrenunciveis, de haver evidenciado o fato de que, levada a um certo nvel, a
desigualdade tambm anula a liberdade, a liberdade concreta: a situao de extrema necessidade invade toda
a existncia da realizao da liberdade, comporta a total ausncia de direitos. (LOSURDO, 1998: 184)
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A luta pela abolio da propriedade individual, pela coletivizao, ainda
que no de maneira integral, dos meios de produo, sempre foi, para a esquerda,
uma luta pela igualdade, pela remoo do obstculo principal para a realizao de
uma sociedade de iguais. (BOBBIO, idem, p. 167)
Bobbio manifesta esta distino com uma fora que remexe, ratificando a atualidade e
o futuro de um trabalho em funo deste princpio, enquanto as manifestaes da questo
social sigam sendo po de cada dia.
O anterior no desejvel. O ideal moderno de igualdade como diz Alex Callinicos
(2003) possui um significado histrico preciso nas revolues burguesas dos sculos XVII e
XVIII, no socialismo emergente dessas condies, e especialmente no socialismo moderno
surgido depois da revoluo francesa, no qual se distinguem claramente duas alas: a do
socialismo utpico de Saint-Simon, Fourier e Robert Owen e a ala do comunismo
revolucionrio de Graco Babeuf e Augusto Blanqui. Para Callinicos (2004) o ponto de partida
dos utpicos foi a inconsistncia entre as aspiraes de liberdade, igualdade e fraternidade da
revoluo e as realidades do capitalismo da Frana ps-revolucionria. O socialismo se
constitui no horizonte societrio a construir, e nestes socialistas j se visualiza a preocupao
pela maneira que deveria adquirir a distribuio dos bens e recursos sociais nessa nova
sociedade, o que posteriormente Marx recolheria na Crtica do Programa de Gotha11
. Assim
o grupo de Saint-Simon defendia que sob o socialismo a defendia seria regida pelo princpio
de Cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo o seu trabalho, no que subjaz a
ideia de que recebem mais aquelas pessoas que com mais destreza ou talento, a diferena de
Louis Blanqui que cunhou o lema igualitrio de cada qual segundo sua capacidade, a cada
qual segundo suas necessidades.
Segundo Gian Bravo (1997), os precursores do socialismo como Babeuf e
Buonarroti apelam ao comunitarismo e igualdade, propondo uma transformao radical da
sociedade. Babeuf influenciado tanto pelos escritos de Rousseau como pelo desenvolvimento
das massas e setores de trabalhadores parisinos, traz luz um projeto de transformao social
11
O trabalho de Marx Crtica do Programa de Gotha, faz observaes crticas ao projeto do futuro
partido operrio unificado da Alemanha. Foi exposta por Marx em sua carta a Bracke, de 5 de maio de 1875, mas
editada por Neue Zeit em 1891. Em fins da dcada dos 60 do sculo XIX, os dirigentes mais importantes da
socialdemocracia alem eram W. Liebknecht e A. Bebel, que encabeavam o Partido Operrio Socialista. Esta
organizao, formalmente se declarava marxista e, frente a esta ala marxista, estava outro reagrupamento
socialista com influncia no movimento operrio alemo: a Associao Geral dos Trabalhadores Alemes
dirigida por F. Lassalle. Marx e Engels criticavam duramente Lassalle.
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e poltica, que expressa no Manifesto dos Iguais12
de 1797, espcie de programa socialista que
teria grande influncia at a apario do Manifesto Comunista em 1848. O texto enfatiza a
igualdade substantiva e no a igualdade formal. A primeira se entende como aquela que anula
a diferena entre rico e pobre, grandes e pequenos, governado e governante, e iguala as
necessidades que devem e precisam cobrir todos os homens. A proposta de Babeuf
posteriormente ser lida segundo Bravo em clave de luta de classes, ficando assim
vinculada ao plano da conquista do poder mediante a insurreio popular.
Friedrich Engels no ser alheio tentativa de compreenso terico-poltica desta que
ratifica na Alemanha no Antidhring, publicado em 1878. Neste texto, reconhece que a
igualdade foi com Rousseau uma categoria terica, mas que h algo em comum entre os
homens que os torna iguais muito antiga; e que, entretanto, apenas na modernidade deriva a
ideia para o princpio de uma igualdade poltica e social de todos os seres humanos dentro da
sociedade e do Estado. Segundo Engels, esta ideia no havia sido nada natural nem evidente
para a antiga Grcia, Roma e o cristianismo13
. A partir do feudalismo e a medida que se vai
gestando a burguesia, seria esta a que levantaria depois o moderno postulado da igualdade.
Para Engels, o desenvolvimento comercial requeria que houvesse proprietrios de
mercadorias, livres para fazer todo tipo de transaes dentro de um marco de direitos igual
para todos. A passagem de artesos a operrios implicou que aqueles ficaram livres das travas
gremiais e dos meios necessrios para explorar por si mesmos sua fora de trabalho, pelo que
em tais condies podiam celebrar contrato de igual a igual com o fabricante, ao vender-lhe
12
A Igualdade! Voto primeiro da natureza, necessidade primeira do homem, primeiro elemento de toda
associao legtima!... Desde tempo imemorial repete-se hipocritamente sobre o gnero humano a desigualdade
mais vil e monstruosa. Desde que existem as sociedades civis, a prenda mais bela do homem foi reconhecida
sem oposio, mas ainda no pode realizar-se nem uma s vez: a igualdade no foi outra coisa que uma fico,
to bela como estril, da lei. Hoje reivindicada por uma voz mais potente. A resposta : Calai-vos, miserveis! A
igualdade relativa: todos sois iguais ante a lei. Canalhas: que mais quereis? Que o que queremos? Legisladores,
governantes, ricos proprietrios escutai-nos agora... E bem, o que queremos viver e morrer iguais, tal como
nascemos: queremos a igualdade efetiva, ou a morte (...) Que se acabe este grande escndalo, a que nossos
descendentes no querero prestar f! Desaparecei, finalmente, desagradveis distines entre ricos e pobres,
grandes e pequenos, amos e servos, governantes e governados. Que entre os homens no haja mais diferenas
que as de idade e sexo. Pois que todos tm as mesmas necessidades e as mesmas faculdades, que no haja para
eles mais que uma s educao e que um s alimento. Todos se conformam com um nico sol e com um s ar:
por que as mesmas qualidade e quantidade de alimento no deveriam bastar a cada um dos homens?... Chegou o
momento de fundar a Repblica dos Iguais, este grande refgio aberto a todos os homens. (BABEUF, in Bravo
Gian, idem: 12-13) 13
Nas mais antigas comunidades primitivas, s podia se falar de igualdade, no mximo, entre os
membros da mesma comunidade; as mulheres, os escravos, os forasteiros, ficavam excludos, naturalmente,
dessa igualdade. Na Grcia e em Roma, as desigualdades entre os homens tinham muito mais fora que qualquer
gnero de igualdade. (...) O cristianismo apenas reconhecia uma igualdade entre os homens: a do pecado
original, igualdade que se enquadrava perfeitamente ao seu carter de religio dos escravos e oprimidos. Ao lado
desta, admitia no mximo a igualdade dos eleitos, mas somente muito em seu incio insistiram nela. As marcas
de comunidade de bem em solidariedade dos proscritos, que em uma verdadeira ideia de igualdade. Mas muito
logo, a comprovao da diferena entre sacerdotes e leigos veio a por fim a este rudimento de igualdade crist.
(ENGELS, 1975: 127)
-
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sua fora de trabalho. O progresso econmico foi de mo dada com a emancipao das travas
feudais e da implantao da igualdade jurdica, mas a igualdade jurdica escondia a
desigualdade real entre empresrio e proletrio. O desenvolvimento do proletariado e sua luta
denunciaram esta desigualdade e fez perceber a necessidade de restabelecer uma igualdade
real nos planos econmico e real.
Em Engels, ento, a igualdade como princpio do proletariado possui uma dupla
acepo. Por um lado, brota como reao revolucionria contra as desigualdades sociais do
momento histrico; e por outro, uma reao contra o postulado de igualdade da burguesia,
tirando dela reivindicaes mais avanadas (desde as mesmas afirmaes burguesas que se
tornam falsas). Dessa maneira, o sentimento produzido pelas desigualdades sociais e os
limites da igualdade burguesa, permite que a luta dos operrios seja para abolir as classes
sociais. Assim, a ideia de igualdade em sua formao burguesa e tambm na proletria
no poderia ocorrer seno como produto histrico, que, para Engels, foi capaz de manter-se
devido divulgao, aceitao e atualidade (desse momento histrico) das ideias do sculo
XVIII entre as massas, [a igualdade] se hoje j algo evidente para o grande pblico em
um sentido ou em outro , se, como diz Marx, possui a estabilidade de um preconceito
popular no pela virtude de sua verdade axiomtica, mas por obra da difuso geral e da
persistente atualidade das ideias do sculo XVIII (ENGELS, 1974, p. 131). A igualdade
como ideal da burguesia se estendeu para alm, ultrapassando-se a si mesma em seu sentido
original, permitindo construir o ideal proletrio e tendo como limite apenas alcanar a
igualdade de classe, pois aspirar a igualdade em outro plano inconcebvel para Engels.
Marx, por sua vez, ao fazer sua crtica do capitalismo como um sistema centrado
profundamente na explorao e cronicamente propenso s crises, aporta elementos nO
Capital para estabelecer relaes entre as desigualdades e a estrutura econmica do
capitalismo (relaes que no foram por natureza igual em todos os perodos histricos), e
isso aparece quando se d conta da lgica do modo de produo capitalista, menciona a
produo de mais-valia como seu eixo central.
A fora de trabalho aqui no se compra para satisfazer, mediante seus
servios ou seu produto, as necessidades pessoais do comprador. O objetivo
perseguido por este a valorizao de seu capital, a produo de mercadorias que
contenham uma parte de valor que nada custe ao comprador e que, contudo, se
realiza mediante a venda das mercadorias. A produo de mais-valia, o fabricar
um excedente, a lei absoluta deste modo de produo. Apenas possvel vender a
fora de trabalho enquanto a mesma conserva como capital os meios de produo,
-
25
reproduz como capital seu prprio valor e proporciona, com o trabalho no-pago,
uma fonte de lucro. (MARX, 2008, p. 767)
A relao e troca entre comprador e vendedor de fora de trabalho precisam da
condio de cada um deles seja um proprietrio livre e da igualdade de direitos, capazes de
trocar no mercado suas prprias mercadorias.
A troca de mercadorias, em si e para si, no implica mais relaes de
dependncia que as que surgem de sua prpria natureza. Com esta hiptese, a fora
de trabalho, como mercadoria, apenas pode aparecer no mercado na medida e pelo
fato de que seu prprio possuidor a pessoa a quem pertence essa fora de
trabalho a oferea e venda como mercadoria. Para que seu possuidor a venda
como mercadoria necessrio que possa dispor da mesma e, portanto, que seja
proprietrio livre de sua capacidade de trabalho, de sua pessoa. Ele e o possuidor
de dinheiro se encontram no mercado e travam relaes em qualidade de
possuidores de mercadorias dotados dos mesmos direitos, e que s se distinguem
por um ser vendedor e o outro comprador; ambos, pois, so pessoas juridicamente
iguais. Para que perdure esta relao necessrio que o possuidor da fora de
trabalho a venda sempre por um tempo determinado, e nada mais, j que se a
vende toda junta, de uma vez para sempre, vende-se a si mesmo, transforma-se de
homem livre em escravo, de possuidor de mercadorias em simples mercadoria.
(MARX, 2008, p. 203-204)
A condio continua Marx para que seja possvel encontrar no mercado a fora de
trabalho como mercadoria que seu possuidor encontre-se desprovido de meios de produo
e meios de subsistncia.
Para a transformao de dinheiro em capital, o possuidor de dinheiro,
pois, tem que encontrar no mercado de mercadorias o operrio livre; livre no
duplo sentido de que por uma parte dispe, enquanto homem livre, de sua fora de
trabalho enquanto mercadoria sua, e de que, por outra parte, carece de outras
mercadorias para vender, est isento e desprovido, desembaraado de todas as coisas
necessrias para a colocao em atividade de sua fora de trabalho. (MARX, idem,
p. 205)
A crtica profunda de Marx nO Capital pe a descoberto a raiz da desigualdade,
desvelando com isso o que encobre a relao entre trabalhador e capitalista. No contrato que
realizam trabalhador e capitalista, transao que se realiza na esfera da circulao de
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mercadorias, onde se observa uma igualdade formal entre ambos, mas uma vez que o
trabalhador volta ao domiclio oculto da produo a igualdade formal muda, ficando ao
descoberto a desigualdade entre trabalhador e capitalista. Portanto, a aparente liberdade e
igualdade do trabalhador em relao ao capitalista oculta uma subordinao e desigualdade
cujo resulta a explorao do primeiro. (CALLINICOS, 2003, p. 41). O trabalhador, dada
sua despossesso dos meios de produo e a m distribuio destes, v-se obrigado
definitivamente a no vender sua fora de trabalho por opo, mas porque no o fazendo,
corre o risco de morrer de fome.
Na Crtica do Programa de Gotha, escrito em 1875 e aparecido em 1891, Marx
reformula dois princpios o de contribuio e o de necessidade que orientaro uma
sociedade igualitria futura, depois de destrudo o sistema capitalista, e comeada a transio
para a sociedade comunista.
O princpio a cada qual segundo suas necessidades dever ser o critrio que oriente
a distribuio dos bens e recursos na nova sociedade, depois que tenham sido superadas a
escravido dos seres humanos, a sujeio diviso do trabalho, a diferena entre trabalho
intelectual e trabalho manual. Isto dever acontecer, segundo Marx, na ltima etapa de
transio do socialismo ao comunismo (por meio da ditadura do proletariado). Para ento,
havero aumentado as foras produtivas, e haver seguridade da abundncia de produtos e
bens, o que permitir que cada pessoa receba o que necessita. Nesta sociedade existiro
fundos pblicos, para garantir os investimentos ou financiar os servios sociais para assegurar
a proteo aos que no podem trabalhar.
Em uma fase superior da sociedade comunista, quando estiver
desaparecida a subordinao escravizadora dos indivduos diviso do trabalho, e
com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o
trabalho no seja apenas um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando,
com o desenvolvimento dos indivduos em todos os seus aspectos, cresam tambm
as foras produtivas e corram a jato pleno os mananciais da riqueza coletiva,
somente ento poder se ultrapassar totalmente o estreito horizonte do direito
burgus e a sociedade poder escrever em suas bandeiras: De cada qual, segundo
suas capacidades, a cada qual segundo suas necessidades! (MARX, 1979)
Marx acrescenta que devido a que a sociedade comunista no nasce de si mesma, mas
que surge desde as mesmas entranhas do capitalismo, acarreta consigo aspectos econmicos,
morais e intelectuais daquela sociedade, devido a que em uma primeira etapa de transio, a
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socialista conter o direito burgus, ou seja, onde os produtores aportaro certa quantidade e
tipo de trabalho e recebero da sociedade uma retribuio em meios de consumo equivalente
seu aporte, porm descontado o trabalho que realizam para o fundo comum da sociedade. o
que Marx chama uma troca de equivalentes de trabalho que rendeu o produtor, isso sim
variando em forma e contedo ao existente na sociedade capitalista.
Aqui reina, evidentemente, o mesmo princpio que regula a troca de
mercadorias, por causa desta troca de equivalentes. Variaram a forma e o contedo,
porque sob as novas condies ningum pode dar seno seu trabalho, e porque, por
outra parte, nada pode passar a ser propriedade do indivduo, alm dos meios
individuais de consumo. Mas, no que se refere distribuio destes entre os distintos
produtores, rege o mesmo princpio que na troca de mercadorias equivalentes: troca-
se uma quantidade de trabalho, sob uma forma, por outra quantidade de igual
trabalho, sob outra forma distinta. (MARX, 1979)
Marx recusa a insistncia que fazem os socialistas vulgares na distribuio dos meios
de consumo como se isso fosse o mais importante, sem considerar a propriedade dos meios de
produo. Esta forma de considerao leva apenas a limitar as demandas reforma parcial, o
que se afasta da transformao radical do capitalismo, para este ltimo necessrio
reconhecer que a distribuio dos meios de consumo , em todo momento, um corolrio da
distribuio das prprias condies de produo. (MARX, 1979)
O outro princpio, o da contribuio, considera a diferena dos aportes dos
trabalhadores. Sobre isso reflete Marx nA Crtica do Programa de Gotha, ao levar em conta
essa diferena, percebe-se que Marx no entende a igualdade como condio ou critrio a ser
aplicado de maneira uniforme a todos os trabalhadores. Entretanto, o princpio de
contribuio possui a limitao de tratar de igual maneira, ou seja, de aplicar a mesma
medida, isto o trabalho, a sujeitos que so fsica e intelectualmente diferentes entre si e que
rendem diferenciadamente, mas, alm disso, de que trabalho se trata? Como se mede o
trabalho? Ser que se mede como o tempo de trabalho? Mas de que ou qual trabalho?
Perguntas que no ficam claras na exposio de Marx, porm critrio que considera,
finalmente, possui limitaes srias para concretizar a igualdade em uma sociedade
comunista.
Apesar deste progresso, este direito igual continua levando implcita uma
limitao burguesa. O direito dos produtores proporcional ao trabalho que
renderam; a igualdade, aqui, consiste em que se mede pela mesma medida: pelo
trabalho. Mas uns indivduos so superiores fsica ou intelectualmente a outros e
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rendem, pois, no mesmo tempo, mais trabalho, ou podem trabalhar mais tempo; e o
trabalho para servir de medida tem que se determinar quanto sua durao ou
intensidade; de outro modo deixa de ser uma medida. Este direito igual um direito
desigual para trabalho desigual. (MARX, 1979)
Nesta primeira fase socialista a questo da propriedade privada dos meios de
produo algo superado, devido a que a distino de classes no tem sentido, mas coexiste
com o direito, que nesta etapa no diferencia entre classes, seno que considera a todos como
trabalhadores que possuem uma desigual capacidade, aptido e, por isso, rendimento. O
direito aqui a aplicao de uma mesma medida, que deveria ser aplicada a um aspecto
especfico, e por isso, segue sendo insuficientemente igualitrio, porque trata de igual modo o
que desigual, neste sentido, Marx afirma que o direito teria que ser desigual, ou seja, capaz
de captar a diferena que cada trabalhador contempla.
No reconhece nenhuma distino de classe, porque aqui cada indivduo
no mais que um operrio como os demais; mas reconhece, tacitamente, como
outros tantos privilgios naturais, as desiguais aptides dos indivduos, e, por
conseguinte, a desigual capacidade de rendimento. No fundo , portanto, como todo
direito, o direito da desigualdade. O direito pode apenas consistir, por sua natureza,
na aplicao de uma medida igual; mas os indivduos desiguais (e no seriam
distintos indivduos se no fossem desiguais) apenas podem medir-se pela mesma
medida sempre e quando os enfoquem desde um ponto de vista igual, sempre e
quando os observe somente em um aspecto determinado; por exemplo, no caso
concreto, apenas enquanto operrios, e no se veja neles nenhuma outra coisa, ou
seja, prescinda-se de tudo o mais. Prossigamos: alguns operrios esto casados e
outros no; alguns tm mais filhos que outros etc. A igual trabalho e, por
conseguinte, a igual participao no fundo social de consumo, alguns obtm de fato
mais que outros etc. Para evitar todos estes inconvenientes, o direito no teria que
ser igual, mas desigual. (MARX, 1979)
A crtica de Marx ao princpio de contribuio, segundo Callinicos (2003), no deve
ser compreendida como uma recusa a todos os princpios de igualdade, porm como uma
recusa do princpio de contribuio por ser este insuficientemente igualitrio, diferena do
princpio de necessidade que para o autor um princpio de igualdade refinado porque leva
em considerao todas as diferenas pelas quais deveriam ser compensados os sujeitos, assim
a diferena seria contida na igualdade.
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Estes dois critrios de distribuio de bens e recursos nas diversas fases de uma
sociedade ps-capitalista o de contribuio como de cada qual segundo seu trabalho e o
de necessidade como a cada qual segundo suas necessidades , podem ser ento ordenados
hierarquicamente. (CALLINICOS, 2003; LIZRRAGA, 2004)
Em um contexto de transio para uma sociedade comunista, parte-se desde o
princpio de contribuio como um critrio de distribuio aplicvel na sociedade socialista
(em que se expressam ainda os dissabores de uma sociedade burguesa), onde os indivduos
podem gozar ou beneficiar-se imerecidamente de sua capacidade laboral e desempenho no
trabalho, derivados dos privilgios dos indivduos, tanto de ordem natural inteligncia ou
capacidade fsica como tambm social educao ou criao , e de que eles prprios no
so moralmente responsveis. Por tanto, este critrio deficientemente igualitrio porque ao
permitir aproveitar as desvantagens imerecidas (seus talentos) mediante o desempenho do
trabalho, legitima assim a propriedade individual (sua acumulao) e as preferncias egostas,
prescindindo de um ethos igualitrio (LIZRRAGA, 2004). O trabalho, neste princpio no
parte de um acervo comum que se coloca disposio da sociedade.
Na medida em que se avana para a etapa da sociedade comunista, o princpio de
necessidade a expresso de uma maior complexidade na distribuio no interior de uma
sociedade, sociedade na qual tero se desenvolvido as foras produtivas, a riqueza e um ethos
coletivo, que permitir dar cumprimento distribuio segundo as diferentes necessidades de
cada sujeito. Esta etapa onde as necessidades limitam as necessidades, pois a produo dos
sujeitos para suas necessidades e estas se ajustam s definidas democraticamente e fizeram-
se parte do ethos social, que coloca no centro a autorrealizao de cada indivduo, sobre a
base da abundncia material e longe dos interesses egostas (LIZRRAGA, 2004).
Marx ento reconhece a situao de igualdade e desigualdade de homens e mulheres,
onde cada um, sendo diferente quanto aos seus dotes fsicos, emocionais e psicolgicos
possuem um ncleo de necessidades materiais e culturais (ou espirituais) comum a todos.
Ambos os critrios formariam a noo de igualdade, a qual seria parte de uma
implcita teoria da justia em Marx, ou como diz Callinicos poderia considerar-se como a
base de sua teoria da justia (2003). Apesar da inimizade de Marx com os conceitos
normativos, esta interpretao dos escritos de Marx, foi posta e de alguma forma aceitada
desde h algum tempo por uma parte de estudiosos da obra de Marx e que concebem a obra
em direo ao caminho da justia e da tica. Um artigo de Norman Geras publicado no ano de
1985 marca um ponto de inflexo neste assunto, pois ao repassar os argumentos e contra-
argumentos sobre a tese de que Marx havia criticado o capitalismo como injusto, encontrou
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evidncia textual em um e outro sentido. Tal artigo marca um marco nas buscas e
preocupaes que vm tendo vrios marxistas, entre eles tambm os marxistas analticos
(GARGARELLA, 1999) e quem se pergunta pela dimenso tica do marxismo.
O artigo de Norman Geras intitulado The controversy about Marx and Justice14
,
afirma que a forma em que Marx analisa e descreve a relao entre a explorao capitalista e a
desigual distribuio de bens, mostra signos de uma condenao ao capitalismo15
. Por isso, o
tratamento que realiza acerca da explorao faz supor que Marx pensava, efetivamente, que o
capitalismo era injusto, mas no pensava que pensara isso (GERAS, 1985). Nesse sentido,
existiria implicitamente uma teoria da justia em Marx. Segundo Callinicos, Marx contava
com uma errnea teoria metatica, que o impedia ver os princpios morais universais como
algo distinto expresso de interesses de classe historicamente especficos e, portanto,
14
Neste artigo, publicado na New Left Review em 1985, explicita que seu estudo revisa cerca de trs
dzias de artigos de autores pertencentes ao mundo anglo-saxo, deles repassa os argumentos que negam que
Marx condenou ao capitalismo como injusto, isso faz com que os que afirmam que este sim o fez, e com aqueles
que tomam uma posio intermediria, chegando, portanto, a sua prpria interpretao. 15
Norman Geras em um artigo intitulado Bringing Marx to Justice: An addendum and rejoinder
publicado tambm na New Left Review em 1992, retoma a polmica suscitada em 1985 e mantm sua postura,
incorporando muito mais literatura a respeito como evidncia do debate acerca de se Marx condenou o no o
capitalismo como injusto. Vrios marxistas de diversas correntes, se interessaram por debater acerca da
dimenso tica existente nos escritos de Marx e vrios deles (Callinicos, Cohen, Elster, Joseph McCarney, entre
outros) se inclinam a aceitar o estudo de Geras como definitrio da tese. Entre a bibliografia que Geras identifica
interessada em debater o assunto se encontra: A. Carling, Social Division, London 1991, chapter 6, sections 3
and 4; G.A. Cohen, Peter Mew on Justice and Capitalism, Inquiry, 29, 1986, pp. 31523; G.A. Cohen and K.
Graham (symposium), SelfOwnership, Communism and Equality, Proceedings of the Aristotelian Society,
Supplementary Volume 44, 1990, pp. 2561; N. Geras, Marxism and Moral Advocacy, in D. McLellan and S.
Sayers, eds., Socialism and Morality, London 1990, pp. 520; A. Gilbert, An Ambiguity in Marxs and Engelss
Account of Justice and Equality, American Political Science Review, 76, 1982, pp. 32846, C. Gould, Marxs
Social Ontology, Cambridge, Mass. 1978, chapter 5; K. Graham, Karl Marx: Our Contemporary, Hemel
Hempstead 1992, chapter 4, section 4; A. Heller, Marx, Justice, Freedom: The Libertarian Prophet,
Philosophica, 33, 1984, pp. 87105; A. Heller, Beyond Justice, Oxford 1987, pp. 1068; R.A. Kocis, An
Unresolved Tension in Marxs Critique of Justice and Rights, Political Studies, 34, 1986, pp. 40622; W.
Kymlicka, Liberalism, Community, and Culture, Oxford 1989, chapter 6; W. Kymlicka, Contemporary Political
Philosophy, Oxford 1990, chapter 5; A. Levine, Toward a Marxian Theory of Justice, Politics and Society, 11,
1982, pp. 34362; J. McCarney, Social Theory and the Crisis of Marxism, London 1990, pp. 17074; J.
McCarney, Marx and Justice Again, n 195, SeptemberOctober 1992, pp. 2936; G. McCarthy, Marxs
Social Ethics and Critique of Traditional Morality, Studies in Soviet Thought, 29, 1985, pp. 17799; G.
McCarthy, Marx and the Ancients, Savage, Maryland 1990, chapter 6; P. Mew, G.A. Cohen on Freedom,
Justice, and Capitalism, Inquiry, 29, 1986, pp. 30513; K. Nielsen, Marx, Engels and Lenin on Justice: The
Critique of the Gotha Programme, Studies in Soviet Thought, 32, 1986, pp. 2363; K. Nielsen, On the Poverty
of Moral Philosophy: Running a Bit with the TuckerWood Thesis, Studies in Soviet Thought, 33, 1987, pp.
14764; K. Nielsen, Arguing About Justice: Marxist Immoralism and Marxist Moralism, Philosophy and
Public Affairs, 17, 1988, pp. 21234; K. Nielsen, Marx on Justice: The TuckerWood Thesis Revisited,
University of Toronto Law Journal, 38, 1988, pp. 2863; R.G. Peffer, Marxism, Morality, and Social Justice,
Princeton 1990; A. Ryan, Justice, Exploitation and the End of Morality, in J.D.G. Evans, ed., Moral
Philosophy and Contemporary Problems, Cambridge 1987, pp. 11734; S. Sayers, Analytical Marxism and
Morality, Canadian Journal of Philosophy, Supplementary Volume 15, 1989, pp. 81104; S. Sayers, Marxism
and Actually Existing Socialism, in D. McLellan and S. Sayers, eds., Socialism and Morality, London 1990, pp.
4264; G. Schedler, Justice in Marx, Engels, and Lenin, Studies in Soviet Thought, 18, 1978, pp. 22333; P.
Smart, Mill and Marx: Individual Liberty and the Roads to Freedom, Manchester 1991, chapter 6; K. Soper,
Marxism and Morality, nlr 163, MayJune 1987, pp. 101113 (reprinted as chapter 5 of K. Soper, Troubled
Pleasures, London 1990); R.C. Tucker, Philosophy and Myth in Karl Marx, Cambridge 1961, pp. 1127.
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31
reconhec-los como a base desde a qual ele mesmo condenava a explorao capitalista
(CALLINICOS, 2003, p. 42). Como diz Lizrraga, esta interpretao que se faz de Marx,
junto com seus dois princpios (compreendidos como um igualitarismo complexo), talvez o
prprio Marx no estaria disposto a admiti-la, mas afirmar que Marx no condenava o
capitalismo por suas injustias contradiz nossas intuies fundamentais sobre o projeto
emancipatrio comunista (LIZRRAGA, 2004, p. 17). No obstante, para alm da polmica
acerca da existncia ou no de uma teoria da justia, ou da dimenso normativa nos escritos
de Marx, o que parece seguro que ambos os princpios se orientam em direo
autorrealizao dos indivduos no interior de uma comunidade e a igualdade de realizao das
diversas necessidades dos indivduos sobre a base da abundncia material e um ethos coletivo.
3. Aproximaes metodolgicas
Os leitores mais estritos no devem esperar encontrar aqui uma tese de histria dos
Partidos Polticos da esquerda marxista chilena, nem outra leitura da histria do Chile. Esta
pesquisa no pretende tampouco aportar ao debate filosfico da teoria da justia,
esquadrinhando nas argumentaes e contra-argumentaes das teorias da justia
desenvolvidas por filsofos. Esta pesquisa pretende aproximar-se ao que se denominou
laxamente de como Histria Intelectual ou o estudo dos pensamentos informais, das
correntes de opinio e das tendncias literrias, a histria social das ideias (DOSSE, 2006,
p. 15). A contribuio inovadora da pesquisa no se atribui ao objeto a ideia de igualdade
que tantos historiadores podem ter estudado, mas em como foi concebida, como foi
compreendida teoricamente dita noo por sujeitos ou entidades coletivas, neste caso,
alguns dos partidos polticos da esquerda marxista chilena. Qual a razo que torna inovadora
esta aproximao? Fundamentalmente, deve-se a duas razes: a primeira se refere falta de
preocupao nas ltimas duas dcadas por parte dos intelectuais chilenos sobre o terico-
conceptual do marxismo, que como diz Jameson aps o derrubamento dos Estados-
Partidos da Europa Oriental e a experincia da derrota, correram em busca da porta de
sada. E segundo, revelar um conceito de uso na esquerda chilena que no foi aprofundado
nem pelos trabalhos historiogrficos16
chilenos recentes que tomam a esquerda por objeto,
16
Jorge Vergara em 1988 explicitava que os estudos sobre a histria do pensamento poltico teve no
Chile escasso desenvolvimento e que recm nessa poca apareceram diversas contribuies nesse sentido. Em
seu artigo denominado O Pensamento da Esquerda Chilena nos Sessenta. Notas de pesquisa porta trs razes
para explicar esse fenmeno nos anos da apario desse artigo. Em primeiro lugar, o ambiente poltico e
intelectual era desfavorvel recepo de estudos que poderiam questionar as representaes habituais sobre as
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como tampouco pelos trabalhos filosfico-normativos que centram sua ateno na ideia de
justia social. A contribuio ento consiste em colocar sobre a mesa a esquerda chilena, hoje
quase borrada do panorama poltico nacional, o marxismo como teoria, e o esforo terico-
reconstrutivo da noo de igualdade. Exerccio indito que se localiza em sentido contrrio
das modas intelectuais, ante as quais preferimos insistir na ampla tradio marxista que hoje
conserva a convico como diz Jameson de que o no realizado no melhor que o real
ou inclusive que o